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Revista Sarava Science, Ano 2, n 1, Jun 2019

revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil.

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ANO 2 | Nº 1 | JUNHO | 2019


@percursoempsicanalise

www.percursoempsicanalise.com.br


1

EDITOR GERAL

Pedro von Sohsten

EDITOR DE ARTE

Luiz Ricardo Mesquita

EQUIPE EDITORIAL

GRUPO DE TRABALHO CIÊNCIA E PSICANÁLISE

Demétrius Abreu

Joaquim Artur de Almeida Feitosa Pereira

Pedro von Sohsten

Rafaela Santos Amorim

Rebekka Fernandes Santos

CONSELHO EDITORIAL

Ana Yara Monteiro

Anderson Soares

Demétrius Abreu

revista saravá science – é uma produção do Grupo

de Trabalho Ciência e Psicanálise do Instituto André

Green.

revista saravá science - é uma publicação de

responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise

(PLP), Natal, RN, Brasil.

ENTRE EM CONTATO

ENDEREÇO

Rua Dr. José Gonçalves, 1724, Lagoa Nova, Natal, RN

TELEFONE

84 99904-6006

SITE

www.percursoempsicanalise.com.br

CNPJ 13.596.579/0001-49

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


2


EM FOCO

3

PHOTO BY KEN HOWARD/METROPOLITAN OPERA

pg.

22

Romantismo, Psicanálise e os

destinos da morte ligada ao amor

"[...] o objetivo aqui não é aproximar a Psicanálise do

Romantismo, ou mesmo encontrar convergências entre

eles. A proposta é utilizar a teoria das pulsões de Freud

para buscar uma compreensão de alguns movimentos de

destruição, e mesmo de morte, que ocorrem em situações

de rompimento amoroso."

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

4

EDITORIAL

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

A

psicanálise, a ciência e a cultura

são a primazia dos muitos

elementos que constituem essa

publicação. Embora não pareçam

conflitantes essa tríade necessita de

investimento substancial de “libido” para

que justapostas ganhem considerável

coerência.

O lançamento desse segundo número da

Saravá Science é acima de tudo um símbolo de

desejo, pois consiste em uma tessitura de

contribuições intelectuais de jovens

psiquismos e corações que oxigenam a

psicanálise em nosso tempo, esse que há

muito sofre obliterado pela construção

tecnicista, mas que clama cada vez mais por

“gestos espontâneos”. Gesto que embora

cândido também é ético, pois acima de tudo

deseja divulgar resultados de esforços que

há muito se escondem a vistas de poucos.

Por isso temos o prazer de entregar a você

leitor, independente do percurso que o

trouxe até essas páginas, um volume que

trata de uma diversidade de temas

contemporâneos, em diversos formatos,

desde artigos científicos a resenhas

críticas, indicações de leitura e

manifestações artísticas. visto que, essa

publicação é marcada pelas divisas da

pluralidade, que é acima de tudo estribo

para a manutenção da transmissão da

psicanálise em nossa instituição (plp).

incito que percorra nossas paginas ao seu

desejo, faminto ou voraz, feito na ordem ou

fora dela, mas que independente de sua


5

EDITORIAL

"posição" encontrará um desdobramento que

se apraz em variadas sessões, dentre elas

destaco, a Seção Regional, cujo sentido é

transformar em objeto de estudo e

apreciação a nossa regionalidade nordestina

e norteriograndense, e a Seção de

Psicopatologias, que traduz um afinamento

entre a psicanálise e o nosso tempo,

atualizando o leitor das peculiaridades da

clínica contemporânea. dessa forma, Seção a

seção o leitor encontrara conteúdos que ao

invés de sofrerem mutilações para caberem

nos escopos de outros, acham aqui, em nosso

berço, maternagem suficientemente boa para

ganhar proeminência.

[...] essa publicação é

marcada pelas

divisas da

pluralidade, que é

acima de tudo

estribo para a

manutenção da

transmissão da

psicanálise em nossa

instituição [...]

Essa "ética do cuidado", concebe a Saravá

Science não somente uma atenção ao

conteúdo escrito que a integra, mas se

estende por todos os detalhes que lhe

confere coesão, representados em cada cor,

cada traço, cada imagem minuciosamente

esculpidas com o intuito de fornecer a quem

versa suas páginas não somente outra via de

transmissão de conteúdo, mas uma

experiência verdadeiramente estética.

assim, Vencido essa segunda etapa na vida da

Saravá Science, convidamos a todos aqueles

que desejam publicar, que submetam suas

contribuições para a próxima edição que já

tem data definida, dezembro de 2019.

Desejo que a leitura dessa revista seja

proveitosa

EDITOR DE ARTE

ricardo_mesquitta@live.com

@ricardo.mesquitta

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Sumário

28

Seção

Sexualidade,

História & Cultura

A sexualidade como fenômeno discursivo

Anderson Soares

33

Arte no Divã

Presa em um Poema

Sílvia Passos

PHOTO BY LUANA CAVALCANTE

08

Seção Regional

"Retrato pintado: a humanidade precisa

mais de fantasia do que da realidade?”

Mariana Lima Rodrigues

14

22

Seção de Psicopatologia

Transtornos alimentares: reflexões sobre o

"não comer"

Rebekka Fernandes Dantas

Artigo

Romantismo, Psicanálise e os destinos da

morte ligada ao amor

Ana Yara Gouveia Monteiro

PHOTO BY SAULIUS ROZANAS

Comer é um ato de

prazer que conhecemos

já nos primeiros dias de

vida [...]

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


7

34

40

Ciência & Psicanálise

Inconsciente: entre Razão e Desrazão

Pedro von Sohsten

Seção Clínica Psicanalítica

A erotomania como possível destino do

desamparo: os desafios no manejo

transferencial e contratransferencial na

condução de um caso clínico

Cecília Santos

Tais relatos me ecoavam

um psiquismo frágil,

desamparado, [...] e que se

valia de mecanismos de

defesa mais arcaicos, a

fim de proteger e manter

íntegro um ego incipiente.

48

Indicação de Leitura

Sobre psicanálise

Diálogos Minerbos: Resenha de indicação e

comentários ao livro “Diálogos sobre a

clínica psicanalitica” (2016).

Rafaela Santos Amorim

52

Indicação de Leitura

Sobre Literatura

Luz e Sombra: Resenha de indicação e

comentários ao livro “Morangos Mofados"

de Caio Fernando Abreu.

Demétrius Abreu

54

Saravá em Exposição

Pinturas Corporais e Fotografias

Luana Cavalcante

PHOTO BY JEFF JUIT

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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PHOTOS BY LUANA CAVALCANTE

O auto da

liberdade do feminino

por Mariana Lima Rodrigues

Aos olhos e ouvidos curiosos de quem transita pela psicanálise, o

processo convocado pelos pincéis de LuAna Cavalcante não passaria

despercebido. É possível sobrepor o lugar do divã ao sofá que abraça

e acolhe o Ser-tela que surgirá diante dos olhos da artista e em

seguida refletido no espelho.

Menina nascida no maior município do estado do Rio Grande do Norte,

essa mossoroense, filha de um artista plástico, por quem foi banhada

nas águas da arte, desde pequena imprimia o corpo feminino em seus

desenhos infantis; hoje, acervo particular do pai. A artista, vez por

outra, revisita suas obras primárias e recorda o quanto era proibido o

acesso ao próprio corpo e à voz ativa em sua realidade.


AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAA

[...] Luana consegue catalisar o que é

dito e vestindo o corpo de tinta, nos

despe das resistências e preconceitos

que tendem a nos barrar enquanto

sujeitos desejantes.

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Relembrando ser ela a primeira de sua família a concluir o ensino superior,

essa mulher mossoroese saiu dos bastidores das agências de publicidade

potiguares e rompeu com a tradição na Universidade de Coimbra. Numa

disciplina chamada Fotografia e Composição, Luana, única brasileira da

sua turma, se fotografou pintada de índia e expôs diante dos olhos dos

colonizadores sua interpretação da própria história. Atualmente, existem

quatro obras da artista –classificadas como expressionistas– expostas na

Galeria Colorado, em Portugal.

Foi a partir desse momento, na Universidade de Coimbra, que Luana

experienciou, literalmente despida de qualquer interdição, o processo de

observar o corpo e des-cobri-lo como objeto de investimento pela via

artística. A tela lisa e reta deu lugar às curvas do corpo feminino, que não

necessariamente é o corpo de uma mulher, mas do ser feminino que

habita cada indivíduo.

O PRIMEIRO SER E SEU LUAR

Cansada das camadas socialmente sobrepostas ao corpo, é no encontro

do pincel com a tinta e a pele, que Luana sublima toda opressão sofrida

pelo nu e, promovendo um processo de elaboração, transforma a história

pessoal de cada Ser em arte.

Tradições quebradas, um cenário de crise na publicidade e um

relacionamento abusivo depois, Luana se identifica com as vivências

compartilhadas por Wisla Ferreira, amiga, cantora, atriz, performer (e o

que mais ela quiser ser) e então, num engate relacional, propõe uma

pintura corporal.

Wisla, que já carregava em seu ventre, sem saber, a força de um luar, foi o

primeiro ser que surgiu das mãos de Luana, que ao finalizar a pintura,

como quem diz: “Fiat Lux” declamou: “É a forma que eu vejo você! É o

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Seção Regional

Mariana Rodrigues

SER, é o Ser de LuAna!”. Menos de nove meses depois, Wisla deu à luz a Raul, seu

luaR ao contrário que ressignificou sua vida.

O PROCESSO SEM JULGAMENTOS

Luana oferta acolhimento, escuta e café. Dessa forma, enquanto os Seres acessam o

mundo interno e trazem à palavra, de forma catártica, o que é sentimento,

experiência, vivência, angústias, desejos, a artista rascunha o que o pincel vai dizer

sobre tudo que foi narrado. E depois, é impossível a tela humana não passar a limpo

tal sensação, como uma elaboração do que é dito e até do que é silenciado, mas

percebido pela artista.

É como se naquele momento fosse possível colocar-se pelo avesso e enxergar a

epiderme estampando por fora o recorte subjetivo do que é contido dentro. Nos

transportando de uma realidade em que somos privados de nós mesmos, Luana

consegue catalisar o que é dito e, vestindo o corpo de tinta, nos despe das

resistências e preconceitos que tendem a nos barrar enquanto sujeitos desejantes.

Não é somente um corpo, não é somente uma tela; depois de pintada, a obra de arte

humana se coloca diante do espelho como um todo indissociável, que mesmo

passando pelo filtro da artista, suscita uma inevitável identificação com o que é

posto. Luana dá voz à tela, é a obra construindo junto à artista o processo criativo.

Nesse processo, Luana coloca em prática todo o saber-como adquirido em 15 anos

de publicidade, e no lugar de instruções e coletas de dados técnicos para criação de

uma identidade visual, ela faz a leitura de uma história real, na qual ela acredita, e em

vez de imprimir peças publicitárias, o conceito é impresso no próprio corpo de quem

lhe fala.

O DIA EM QUE MATERIALIZEI MINHA ANGÚSTIA

Carimbada com a sensação de virar uma obra de arte, tomada por um nó na

garganta, não pude esperar até a semana seguinte para a próxima sessão com meu

psicanalista, recorri a uma das vias que mais tenho apreço —a sublimação. Incapaz

de fazê-la sozinha, cheguei ao ateliê de Luana propondo que ela pintasse em mim a

angústia que eu sentia.

Ciente de minha necessidade de retirar do corpo o que me afligia, Luana fez um

preparo de tinta, cola e hidratante corporal, pintou em mim exatamente o que

descrevi. E lá estava ela, minha angústia, palpável, materializada. Pude senti-la

envolvida em meu corpo, como um abraço indesejado.

PHOTOS BY

LUANA CAVALCANTE

[...] a artista rascunha o que o pincel vai

dizer sobre tudo que foi narrado. E

depois, é impossível a tela humana não

passar a limpo tal sensação.

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Seção Regional

Mariana Rodrigues

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AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Depois de me proporcionar a elaboração de todo o

processo, Luana me ordenou o que eu já desejava:

“Agora, retire do seu corpo essa angústia que você

sentia!”. E como conjugar o verbo no passado foi

simbólico naquele momento.

Pude genuinamente nomear o sentimento e depois de

forma catártica, eliminar todo o sintoma que me

adoecia. Luana captou desde a angústia até o

momento em que artisticamente eu consegui retirar do

meu corpo a tinta que simbolizava o nó na garganta.

O QUE O PINCEL FALA, A EXPRESSÃO NÃO MENTE

A cada pincelada, é possível sentir-se preenchida pela

sensação de ser e estar livre. A entrega ao processo do

Ser de LuAna permite que a subjetividade e

identificação andem em caminhos paralelos e de mãos

dadas. Luana ensina a amar a imagem que o corpo

reflete, seja no espelho ou na lente de sua câmera.

Há uma verdadeira chuva, que não é de “bala no país

de Mossoró”, mas de associações com o que é

delicadamente pintado sobre o corpo. Luana está na 5ª

exposição do projeto O Ser de LuAna e cada seleção

reúne um verdadeiro “Motim de Seres Femininos” que

se reencontram harmonicamente com uma imagem

inconsciente constitutiva do próprio Eu.

questões naquele momento tocadas e, da forma mais

sublime aos olhos, surge uma obra de arte, cuja

moldura é a conexão entre criatura e criação.

Esse projeto adentra no âmbito sensorial, é possível

sentir a essência que exala da tela humana depois da

última pincelada, e enquanto a tinta seca, vai surgindo

diante do espelho a expressão que traduz a história do

ser que ali se revela.

Luana não disfarça o semblante de satisfação pelo que

proporciona e pelo resultado da sequência das

imagens que sua câmera captura. Aliás, ela mesma

admite que seu trabalho é fruto da sua intenção de

imortalizar sua existência através da sua arte.

“Me questionava sobre o que existe depois que essa

vida acaba. Diante da minha dúvida, optei por fazer o

meu melhor, e decidi que o meu melhor era transmitir o

bem em forma de arte.” E é com a certeza de que cada

Ser é tomado pelo sentimento de amor próprio que

Luana acredita no seu processo e na identidade visual

criada em cada ensaio.

O Ser de LuAna será lembrado pela teimosia de uma

publicitária, designer e artista plástica que investiu na

sua capacidade de acessar o outro, e tornou possível a

tradução de tal experiência em um processo de

descoberta, que manifesta quem somos e o que

podemos SER.

O retrato elegido pela artista é o que capta um recorte

que imprime em cada Ser-tela, a elaboração das

ILLUSTRATIONS BY ALEXANDRA HAYNAK

Sobre a autora do texto e modelo:

Mariana Lima Rodrigues

Advogada - UnP/RN

Candidato a Psicanalista - Percurso Livre em

Psicanálise / RN

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13

Rua Dr. José Gonçalves, 1724,

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Seção de Psicopatologia

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Transtornos alimentares: reflexões sobre o

“não comer”

Rebekka Fernandes Dantas

A alimentação é interesse de diversos campos

científicos. Com um caráter complexo e multifacetado

contribui com a reprodução biológica e social das

sociedades humanas. É também uma ação cotidiana:

precisamos comer diariamente e mesmo várias vezes

ao dia. Por esse aspecto vulgar, a alimentação foi, por

muito tempo, relegada a segundo plano como objeto

de investigação científica.

Hoje, ela responde a interesses econômicos, políticos,

estéticos, médicos, psicológicos e nutricionais, uma

vez que abarca tanto questões fisiológicas, quanto

socioculturais e psíquicas.

Comer é um ato de prazer que conhecemos já nos

primeiros dias de vida. Freud (2016) em “Três ensaios

sobre a teoria da sexualidade” considera mamar no

peito da mãe a primeira e mais vital atividade da

criança. É sua primeira sensação de prazer,

inicialmente por saciar a necessidade de alimento e

depois pela satisfação sexual. Ao longo da vida nos

reunimos em torno da mesa para comer e beber junto,

presenteamos aqueles que amamos com um bom

vinho ou uma deliciosa sobremesa, e comemos como

uma forma de recompensa e na tentativa de aliviar

algum sentimento ruim.

Mas para muitas pessoas que sofrem com transtornos

alimentares o comer apresenta outros significados e

simbolismos. Sentar-se à mesa pode ser um tormento

e o comer reduzido a operações matemáticas na

contagem de calorias. Ainda que possa existir nesse

comportamento de controle da comida e do corpo

uma forma de prazer e segurança.

O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos

mentais (DSM-5) apresenta e descreve critérios

diagnósticos para os seguintes transtornos

alimentares: pica (desejo por comer substâncias não

comestíveis), transtorno de ruminação, transtorno

alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa, bulimia

nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Porém,

é importante que estes diagnósticos não sejam vistos

com engessamento pelos médicos psiquiatras, pois

apesar de existirem características comuns às pessoas

que sofrem com esses transtornos, também existe a

singularidade do sujeito que deve ser considerada.


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AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Seção Psicopatologias

Rebekka Fernandes Dantas

Dentre os transtornos alimentares mais conhecidos e

estudados estão a anorexia e a bulimia nervosa. O

número de casos desses transtornos aumenta a partir

da década de 1950 com um incremento significativo

em 1970 e 1980, o que parece ter contribuído para

múltiplas pesquisas científicas sobre o comportamento

alimentar, tanto na psiquiatria, epidemiologia e

neurociências, quanto na psicanálise (FERNANDES,

2006).

A anorexia nervosa é caracterizada pela recusa a

alimentar-se e pelo controle do peso corporal,

geralmente acompanhado de amenorreia. Já a bulimia

(“fome de boi”) é caracterizada por episódios de

compulsões alimentares seguidos de comportamentos

compensatórios, como a indução de vômito, uso de

laxantes e prática extenuante de exercícios físicos.

Ambas podem estar relacionadas e apresentam um

temor de ganhar peso e uma distorção da imagem

corporal. Pode atingir homens e mulheres em diversas

idades, apesar de ser mais comum em mulheres jovens

(FERNANDES, 2006). Mas o que desencadeia esses

transtornos alimentares?

Muito se fala das questões culturais e do padrão de

beleza imposto pela sociedade ocidental, pautado na

“lipofobia”. Apesar de estar claro que as questões

culturais têm relação com os transtornos alimentares,

estes são muito complexos e também multifatoriais,

impossibilitando qualquer tentativa de abordagem

unilateral. Predisposições de ordem biológica,

psicológicas e familiares, entre outros, também estão

envolvidos. Fernandes (2006) demonstra a

preocupação em apresentar esses aspectos

socioculturais não como causadores dos transtornos

alimentares, mas como favorecedores do seu

desenvolvimento.

Se em algumas culturas os corpos robustos são vistos

como sinal de prosperidade, em nossa sociedade

temos atitudes repulsivas para com aqueles que

apresentam alguma marca de adiposidade. A gordura é

depreciada, seja nos corpos ou nos alimentos, e cria-se

uma busca incessante pela magreza para atender a

uma exigência social (FISCHLER, 1995).

Freud (2012) em seu texto “Totem e tabu” (1912 - 1913)

afirma que o tabu ainda subsiste entre nós. Esta

afirmação ainda serve muito bem para o século XXI.

Quando essa repulsão pelas gorduras se instaura, o

que também acontece com os carboidratos ou

alimentos energéticos, surge um tabu relativo ao que

comemos. Determinados alimentos passam a ser vistos

como proibidos e portadores de um perigo. No entanto,

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Sessão de Psicopatologia

Rebekka Fernandes Dantas

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essa periculosidade ao mesmo tempo que

proíbe gera desejo.

Ao contrário do que possa se pensar, este

desejo é um elemento muito forte nos

transtornos alimentares. O “não comer” não diz

respeito à ausência de vontade de comer, mas

na verdade “tal recusa esconde um desejo que,

pela sua intensidade e pela ambiguidade que

ele desperta, só pode ser administrado por uma

vontade obstinada de recusá-lo” (FERNANDES,

2006, p. 57).

No entanto, esse desejo tem percursos muito

singulares em cada sujeito. Em “Luto e

Melancolia” Freud (2010) conceitua a melancolia

como um abatimento doloroso e perda do

interesse pelo mundo exterior com diminuição

da autoestima expressa por recriminações,

ofensas e punições dirigidas à própria pessoa.

Nessa mesma obra ela cita Abraham que

relaciona o estado melancólico em sua forma

grave com a recusa em alimentar-se. É preciso

lembrar também que Freud considera o

narcisismo central para a melancolia.

Recusar-se a comer pode ser uma prática

autopunitiva como também uma forma de

sadismo. O corpo magro, inicialmente pode

surgir como um ideal de beleza que cativa o

olhar do outro e transforma-se no corpo

emagrecido e adoecido que atrai igualmente o

olhar do outro pelo horror que causa. Em

qualquer um dos casos o corpo é investido

libidinalmente (COPPUS, 2011; CUNHA e

VORCARO, 2013).

Este corpo também apresenta uma distorção. O

sujeito tem a sensação de estranhamento com

ele. Percebe algo que excede em seu corpo que

não é notado por mais ninguém e que precisa

ser eliminado (COPPUS, 2011) pela rejeição ao

ato de alimentar-se, pela purgação, pela prática

de exercícios físicos ou por qualquer que seja a

estratégia que encontre.

Os transtornos “alimentares”, apesar do nome,

são constituídos por questões muito delicadas e

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Seção Psicopatologias

Rebekka Fernandes Dantas

paralela a la melancolia". Rev. latinoam. psicopatol. fundam., São

Paulo, v. 16, n. 2, p. 232-245, jun. 2013.

FERNANDES, M. H. Transtornos alimentares: anorexia e bulimia.

São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

FREUD, S. Totem e tabu, contribuição à história do movimento

psicanalítico e outros textos (1912-1914). Tradução e nota de

Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, v.

11.

______. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e

outros textos (1914-1916). Tradução e nota de Paulo César de

Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, v. 12.

______. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise

fragmentária de uma histeria ("O caso Dora") e outros. Tradução

e nota de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das

Letras, 2016, v. 6.

complexas, cuja resolução vai muito além da comida.

Entender as representações, os significados e

simbolismos dessa recusa a partir de uma escuta

sensível permite um modo de cuidar desse sujeito que

não come e que se torna insensível a qualquer

imperativo que remeta ao comer.

___________________

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual

diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora,

2014.

FISCHLER, C. El (h)omnívoro: el gusto, la cocina e ele cuerpo.

Traducción de Mario Merlino. Barcelona: Editorial Anagrama,

1995.

COPPUS, A. N. S. Qual a função do corpo na anorexia e na

bulimia que se apresentam na clínica da neurose? Reverso, v. 33,

n. 61, p. 15-19, 2011.

CUNHA, F. C. C.; VORCARO, Â. M. R. Anorexia: "una neurosis

Sobre a autora do texto:

Rebekka Fernandes Dantas

Percursante do PEAP, PLP, NATAL – RN

Licenciada em Nutrição – UFRN

Mestre em Ciências Sociais – UFRN

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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[...] a temática da morte

[...] é “uma forma de

resolução privilegiada

para as antinomias e

conflitos românticos".

PHOTOS BY KEN HOWARD/METROPOLITAN OPERA

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21

Artigo

PHOTO BY KEN HOWARD/METROPOLITAN OPERA

Romantismo, Psicanálise e os destinos da

morte ligada ao amor

Ana Yara Gouveia Monteiro

A

través da personagem Norma, da ópera italiana de Vincenzo Bellini, proponho

um entendimento dos destinos da morte ligada ao amor, utilizando para isso

algumas noções básicas de Psicanálise e Romantismo.

O presente texto parte da noção de Romantismo desenvolvida por Loureiro no livro O Carvalho e

o Pinheiro. Freud e o estilo romântico (2001) como “um movimento ocorrido em todas as esferas

da existência, na direção de um reencantamento do mundo” (p.193). A autora ressalta que a

noção de reencantamento supõe a consciência de um desencantamento, que é vivido a partir de

uma ruptura ou perda, e desencadeia uma crise. É basicamente a partir desse movimento que se

manifesta a principal característica da atitude romântica, a “tentativa de restituir uma experiência

de plenitude e de absoluto.” Segundo as palavras de Loureiro (2001, p.241):

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Artigo

Ara Yara Monteiro

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O Romantismo é caracterizado como um

modo de pensar no qual se usa e abusa dos

conflitos, contradições e choques entre pares

de opostos; no entanto, todas as polaridades

tendem a se resolver numa síntese ou se

desenham sobre o pano de fundo de uma

unidade fundamental.

Paralelamente às noções de Romantismo, e

principalmente de amor romântico, busca-se

compreender, na história de amor trágica de Norma e

Polione, os movimentos e deslocamentos ocorridos

com a pulsão de morte e, eventualmente, também com

a pulsão vida, dentro da concepção freudiana das

pulsões.

Antes de iniciar esse percurso é relevante comentar

incompatibilidades existentes entre o Romantismo e a

Psicanálise de Freud, o que, todavia, não impede a

realização desta proposta. Primeiramente, é preciso

observar que o Romantismo é considerado um cultor

de ilusões, em função da sua pretensão de

reencantamento do mundo, enquanto a Psicanálise, de

acordo com as palavras de Loureiro (2001, p.248),

“apresenta-se como uma trituradora de ilusões” Em

segundo lugar, ainda seguindo as trilhas de Loureiro

(2001), a obra de Freud opera um desvio em relação à

tradição romântica, pois não partilha daquilo que é

considerado a principal característica do estilo

romântico: “a aspiração à unidade, à completude ou à

transcendência”. Segundo a autora, a teoria freudiana

carece de qualquer intuito de reencantar o mundo.

Pois bem, o objetivo aqui não é aproximar a Psicanálise

do Romantismo, ou mesmo encontrar convergências

entre eles. A proposta é utilizar a teoria das pulsões de

Freud para buscar uma compreensão de alguns

movimentos de destruição, e mesmo de morte, que

ocorrem em situações de rompimento amoroso. A

história de Norma servirá de diretriz para ilustrar essas

tentativas de análise.

Norma, suma sacerdotisa dos druidas. Por ser uma

sacerdotisa da lua, tem como compromisso e

juramento, manter-se casta. Contudo, apaixona-se por

Polione, guerreiro romano, torna-se sua amante e com

ele tem dois filhos. Além de não manter o compromisso

com seu povo e com sua crença – deixando de ser

virgem – Norma trai a confiança de seu povo quando,

utilizando-se de sua posição de suma sacerdotisa,

tenta destituí-los da ideia de guerrear contra os

romanos, para poupar seu amante.

É interessante introduzir, nesse momento, um

esclarecimento acerca do amor romântico que, como

todo o estilo romântico, vem carregado da noção de

completude, de fusão com a pessoa amada, para

formar com esta uma totalidade. Assim, o amor

romântico pode ser entendido como um amor

arrebatado, sem medidas e sem limites.

A ideia de fusão entre dois amantes implica a anulação

da individualidade de quem ama em nome de algo

maior, que nesse caso é a relação amorosa, oferecida

aos amantes como o grande trunfo, o prêmio da

unidade restabelecida. Norma anula sua

individualidade quando trai seu povo e seus costumes

em nome do amor a Polione. Todavia, Norma descobre

que Polione está apaixonado por outra sacerdotisa,

mais jovem que ela. Adalgisa, sem saber da relação

entre Norma e Polione, procura a suma sacerdotisa

para se aconselhar, pois jurou castidade e está

apaixonada. Norma se identifica com a história de

Adalgisa, lembrando de quando foi seduzida, e quando

pergunta sobre o amante de Adalgisa, descobre que se

trata de Polione.

O que pode acontecer quando uma relação do tipo

fusional, sem medidas, como a de Norma e Polione, se

rompe? Seguindo alguns preceitos da Psicanálise,

entendemos que toda relação amorosa é ambivalente,

ou seja, é constituída de amor e ódio. Em O Ego e o Id

(1923), Freud comenta que as observações clínicas

demonstram que freqüentemente, amor e ódio se

encontram juntos, seja um como precursor do outro, ou

mesmo um se transformando no outro em

determinadas circunstâncias. Anteriormente, em Luto e

Melancolia (1917[1915]), ele já havia dito que: “a perda

de um objeto amoroso constitui excelente

oportunidade para que a ambivalência nas relações

amorosas se faça efetiva e manifesta” (p.283).

Pode-se considerar que enquanto a relação é mantida,

as pulsões de morte e de vida permanecem ligadas,

sustentando a relação. À partir do momento que há um

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Romantismo

Ara Yara Monteiro

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rompimento nesse vínculo, ou seja, que a relação deixa

de existir, essas duas pulsões se separam. A pulsão de

vida, que tende sempre à ligação, logo se vincula a

outro objeto, mas a pulsão de morte, considerada

eminentemente uma pulsão de desligamento, fica

autônoma, podendo seguir diferentes caminhos:

Em parte são tornados inócuos por sua fusão

com componentes eróticos; em parte são

desviados para o mundo externo sob forma

de agressividade; enquanto que em grande

parte continuam, sem dúvida, seu trabalho

interno sem estorvo (Freud, 1976, p.70).

A pulsão de morte livre representa um risco para o

psiquismo do indivíduo, que para escapar da morte

precisa direcionar essa pulsão para fora, para o mundo

exterior, ou religá-la de alguma forma a pulsão de vida.

Quando a pulsão de morte é desviada para fora do

organismo, ela vira pulsão de destruição. Sendo assim,

o rompimento de relações do tipo romântico, quase

sempre vai desencadear movimentos destrutivos.

Freud (1976, p.71) nos diz:

Quando uma transformação desse tipo se

efetua, ocorre ao mesmo tempo uma

desfusão instintual. Após a sublimação, o

componente erótico não mais tem o poder de

unir a totalidade da agressividade que com

ele se achava combinada, e esta é liberada

sob a forma de uma inclinação à agressão e à

destruição.

Ao descobrir a paixão de Adalgisa e Polione, Norma

fica enfurecida. Nesse caso, o ódio é derivado da

inversão do amor, ou seja, é uma tentativa da pulsão de

vida de manter a pulsão de morte sob controle,

ocupada com os objetos, como uma forma de

preservar o psiquismo. Em O Ego e o Id (1923), Freud

comenta que “para fins de descarga, o instinto de

destruição é habitualmente colocado a serviço de

Eros” (pulsão de vida).

A culpabilização, que costuma surgir num segundo

momento, também é conseqüência desse movimento,

da necessidade de encontrar um objeto, alguém que

seja responsabilizado pelo fracasso da relação e para

onde vai ser dirigida a pulsão de morte. Norma culpa

Polione.

Em seguida, pensa em matar os filhos, que além de

serem filhos de Polione – frutos do amor entre os dois

– ainda representam todo o conflito de Norma em

relação à traição que cometeu contra o sacerdócio. A

relação de Norma com os filhos, também é ambivalente

(amor e ódio) e enquanto ela tenta racionalizar,

buscando motivos para matá-los, se dá conta de que o

único defeito deles é serem filhos de Polione; ao

mesmo tempo, enxerga neles um espelho de si mesma,

pois também são seus filhos. Desiste então da idéia de

matá-los.

Novamente a pulsão de morte de Norma está livre,

ameaçando sua própria existência. Precisa, dessa

forma, encontrar outro objeto para se ligar, afim de não

ser reintrojetada, voltando-se contra o ego. Segundo

Freud (1976, p.71), “quanto mais um homem controla

sua agressividade, mais intensa se torna a inclinação

de seu ideal à agressividade contra seu ego. É como

um deslocamento, uma volta contra seu próprio ego”.

Num primeiro momento, Norma protege Adalgisa, em

função do processo de identificação que existe entre

elas – ambas sacerdotisas e seduzidas pelo mesmo

homem. Assim, Norma pensa em suicídio e chama

Adalgisa para pedir que cuide de seus filhos. Sobre o

suicídio, Freud comenta em Luto e Melancolia

(1917[1915]):

O ego só pode se matar se, devido ao

retorno da catexia objetal, puder tratar a si

mesmo como um objeto – se for capaz de

dirigir contra si mesmo a hostilidade

relacionada a um objeto, e que representa a

reação original do ego para com objetos do

mundo externo. (p.285)

Adalgisa nega o pedido e sugere que Norma e Polione

reatem. Essa possibilidade faz com que as pulsões de

vida e morte se re-liguem momentaneamente em torno

da relação, apaziguando o ódio de Norma. Entretanto,

Polione não aceita a proposta, a pulsão de morte volta

a atuar e Norma ordena que a guerra aos romanos seja

deflagrada. Com essa atitude, mais uma vez engana

seu povo, em função de seus conflitos amorosos.

Antes da guerra começar, Polione é preso no bosque

sagrado, onde não poderia entrar, e levado à presença

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Artigo

Ara Yara Monteiro

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da suma sacerdotisa dos druidas – Norma. Nesse

momento, ele reaparece como alvo para sua pulsão de

morte, mas reaparece também a ambivalência de

Norma em relação a ele.

A pulsão de morte é deslocada em direção à relação

entre Adalgisa e Polione, e Norma promete perdoá-lo

se ele abandonar a jovem sacerdotisa. Novamente

Polione nega. Outro deslocamento da pulsão acontece

e Norma, depois de ameaçar os filhos, resolve

denunciar Adalgisa, para que ela morra queimada e

assim, a vingança contra Polione seja realizada. A

respeito desses deslocamentos da pulsão de morte,

Freud observa em O Ego e o Id (1923) que,

essa libido deslocável é empregada a serviço

do princípio de prazer, para neutralizar

bloqueios e facilitar a descarga. Com relação

a isso, é fácil observar uma certa indiferença

quanto ao caminho ao longo do qual a

descarga se efetua, desde que se realize de

algum modo (p.60).

Ainda sobre os deslocamentos de pulsão, mas

considerando-se a ótica do Romantismo, vemos Norma,

numa busca desesperada, pendendo cada hora para

uma direção, sem conseguir resolver seu problema.

Loureiro (2001, p.258), num comentário sobre a

estrutura da ironia romântica, nos remete a algo

interessante: a “oscilação entre pólos opostos, no

intuito de eludir/superar uma impossibilidade da qual

já somos plenamente conscientes”. Diante de tantas

recusas de Polione, por mais que tentasse fugir ou se

negar a aceitar, estava explícito para Norma que sua

relação com Polione havia chegado ao fim.

Quando está diante de todos para anunciar sua

decisão e denunciar Adalgisa, Norma entra num

conflito moral, não concebendo que outra pessoa

pague por seus erros. A pulsão de morte é

reintrojetada e Norma se entrega, confessando que ela

é a sacerdotisa traidora. Norma e Polione morrem

juntos, atingindo todas as metas do amor romântico.

Pelbart (2000, p.195) discutindo o sentido da morte,

comenta “a morte como promessa de um absoluto que

o presente lhe recusa, a morte como promessa da

perfeição que a vida lhe nega.” O paradoxo máximo do

Romantismo se explicita: no plano real, tudo é

PHOTO BY KEN HOWARD/METROPOLITAN OPERA

destruído (Norma, Polione, a relação dele com

Adalgisa), no plano ideal, o amor se consuma de forma

plena.

Assim como a pulsão de morte ocupa lugar de

destaque na teoria freudiana, a morte, dentro do

Romantismo, também encontra uma conotação

interessante, bem de acordo com anseios românticos.

Loureiro (2001, p.331), destacando a temática da morte

como predominante, diz que esta é “uma forma de

resolução privilegiada para as antinomias e conflitos

românticos. No limite, poderíamos dizer que ela chega

a se apresentar como uma das vias preferenciais de

realização dos anseios românticos”. A morte

apontando para a transcendência, para um além vida,

onde tudo pode se realizar.

Para concluir, serão tecidas algumas considerações a

respeito de um outro sentido possível para a morte.

Naffah Neto (1998), no texto denominado Para além da

morte, o amor , ao contrário do sentido romântico de

transcendência, procura “tematizar o processo de

acolhimento e elaboração da morte como um advento

necessário para o amor”. Segundo o autor, o processo

psicanalítico, dentro dessa temática, alcança

efetivamente seu objetivo quando ajuda criar espaço

psíquico para produzir o sentido da morte como

contraparte imanente à vida. Não só a morte do corpo,

do organismo vivo, mas também a morte vivida como

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Romantismo

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perda e como dor.

O que se pode observar é que, atualmente, vivemos

numa sociedade que não é capaz de acolher e

elaborar a dor, nem tampouco qualquer espécie de

perda. Para isso – evitar a dor – dispõe-se, além dos

mecanismos psíquicos de defesa, de uma indústria

farmacêutica que cresce vertiginosamente e lucra

fortunas, produzindo “fórmulas mágicas” que visam,

entre outras coisas, mascarar a dor, a angústia ou

qualquer tipo de afeto com o qual a pessoa não

consiga lidar. A contrapartida disso, é uma legião de

homens e mulheres frágeis e desesperados, prontos

para cometer assassinatos e tantos outros tipos de

agressão, pois não dispõem de “espaço psíquico”

suficiente para acolher e vivenciar seus próprios

sentimentos de frustração.

De qualquer forma, a conseqüência imediata

é a transformação da dor em ódio, antes

mesmo que ela se efetive como afeto e

representação (como diria Freud) ou como

afeto/interpretação (como diria Nietzsche). O

ódio passa a ser, então, o afeto interpretação

dominante. (Naffah Neto, 1998, p.60)

Naffah (1998), trabalhando com o conceito de

envergadura interior de Nietzsche, considera que uma

das funções da terapia psicanalítica seria fornecer ao

paciente, a possibilidade de ampliação de sua

envergadura interior, ou seja, do espaço psíquico

necessário para acolher, digerir e transmutar os afetos

com os quais ele não consegue lidar. “Isso significa

aceitar a desconstrução e construção de territórios

afetivos dentro do mesmo movimento de expansão

vital” (p.61). Significa aceitar que quando vivemos uma

perda, seja real ou de objeto, precisamos ter condições

psíquicas de enfrentar essa morte, que é de fato uma

morte de parte de nosso psiquismo e de nossos afetos,

de aceitá-la e de transformar essa dor em potência de

vida, para que possamos seguir amando e vivendo.

Para além da morte, o amor não traz nem vestígios do

amor transcendente do Romantismo (aquele que só se

realiza de forma absoluta com a morte dos amantes). O

amor de que Naffah (1998) trata é bem mais “terreno”, é

o amor pela vida com tudo que ela implica de dor, de

perda e de sofrimento, mas também de expansão e de

potência. Amor que comporta toda a grandiosidade e

toda intensidade da existência.

___________________

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer (1920). In: Obras

Psicológicas Completas de Sigmund Freud - Vol XVIII. Rio de

Janeiro: Ed Imago, 1976.

______. Luto e Melancolia (1917 [1915]). In: Obras Psicológicas

Completas de Sigmund Freud - Vol. XIV. Rio de Janeiro: Ed,

Imago, 1974.

______. O Ego e o Id (1923). In: Obras Psicológicas Completas de

Sigmund Freud – Vol. XXIII. Rio de Janeiro: Ed Imago, 1976.

LOUREIRO, Inês. O Carvalho e o Pinheiro. Freud e o estilo

romântico. São Paulo: Ed Escuta, 2001.

NAFFAH NETO, Alfredo. Outrém mim. São Paulo: Plexus Editora,

1998.

PELBART, Peter Pal. A Vertigem por um fio. Políticas da

Subjetividade Contemporânea. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2000.

Sobre a autora do Artigo:

Ana Yara Gouveia Monteiro

Psicóloga pela UEL/PR

Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP

Coordenadora do Grupo de trabalho de Escrita

Clínica do Instituto André Green, Natal/RN

Professora e Supervisora do Percurso Livre em

Psicanálise, Natal/RN

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Seção

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Sexualidade,

História & Cultura

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Democracia e Intersubjetividade

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Anderson Soares

A sociedade brasileira parece passar por turbulências

em seu sistema político, que acabam por provocar

necessidade de reflexão sobre sua relação com os

valores democráticos e republicanos. Porém, a

construção desta reflexão deve ter como base não

apenas os aspectos burocráticos institucionais, mas,

uma valorosa contextualização da produção de

subjetividade do sujeito que “é, inquestionavelmente,

uma construção cultural, vinculado aos jogos sociais do

poder e as estruturas comunitárias do saber”.

(ROZENTHAL, 2011, p. 225)

Para compreender o turbulento presente momento

presente se faz necessário pensarmos nas raízes

históricas autoritárias e escravocratas de nosso país,

em que a violência e exclusão fizeram parte do

estabelecimento das relações sociais ao longo do

tempo. E esses resquícios autoritários e escravocratas

estão presentes na sociedade contemporânea, mesmo

que de forma sutil, observamos a presença do

autoritarismo e exclusão quando fica evidente a

dificuldade de sujeitos em lidarem com a diversidade e

o desejo de seu privilégio mantido a partir da

submissão e sacrifício de outros semelhantes. E estes

resquícios estão mais evidentes e escancarados com a

difusão do uso nocivo das redes sociais, em que

sujeitos não se constrangem de expor seus ideários

autoritários, ditatoriais e de declarado menosprezo pela

diversidade.

O Art. 5º da Constituição Federal brasileira ( “Todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes”) nos serve para

ilustrar e fomentar reflexão sobre o conflito entre as

dinâmicas psíquicas de sujeitos (que foram se

constituindo em ambientes pouco empáticos e

violentos) e a existência de leis, regras e valores

democráticos. Pois o que há de mais preocupante é

pensar a execução deste famoso e suntuoso artigo a

Manifestação em defesa da educação, maio, 2019.

PHOTO BY MARIANNA CARTAXO

partir da intersubjetividade numa sociedade

democrática gerida e sustentada por cidadãos

que constituídos em atmosferas pouco

empáticas, que não foram facilitadoras,

acolhedoras ou suficientemente boas.

A teoria psicanalítica, a partir do reconhecimento

das instâncias inconscientes, nos auxilia como

ferramenta para reflexão sobre a relação entre os

sujeitos sociais e a maneira como interpretam as

leis e os regulamentos da sociedade que os

concebe. A mesma amplia nossa compreensão a

respeito da produção de subjetividade nos laços

sociais, pois a “psicanálise começa a partir do

momento em que levamos em consideração os

representantes da pulsão nos registros do

imaginário e do simbólico, isto é, no espaço da

subjetividade”. (GARCIA-ROZA, 1984, p. 162)

Vamos buscar precioso recurso para pensar a

democracia em nosso país a partir de

apontamentos do psicanalista inglês Donald W.

Winnicott, que construiu relevantes reflexões

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Democracia e Intersubjetividade

Anderson Soares

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sobre a qualidade da democracia a partir da saúde

psíquica e emocional dos indivíduos que a compõe e a

sustentam. A singularidade e constituição psíquica e

emocional dos sujeitos podem nos revelar importantes

indícios sobre a dificuldade dos mesmos em lidar com

a prática da cidadania (direitos e deveres) e suas

condutas autoritárias e violentas em sua presença no

laço social. Para este autor a sociedade é um somatório

de indivíduos, em que a saúde emocional de cada

resultará na saúde coletiva, pois e, “(na maturidade)

continuamos a observar a capacidade do indivíduo de

participar na criação e manutenção do ambiente local”.

(WINNICOTT, 1959/1983, p. 76).

prevaleça não apenas a igualdade jurídica, mas que

seja plena a condição dos sujeitos sociais em lidar com

a diferença em conduções empáticas e éticas diante de

sua relação com a sociedade. Pensemos que há “no

sujeito formas de subjetivar de acordo com o meio,

familiar e social, em que ele se constitui. De outro

modo, a cultura e a época em que o sujeito vive

também definem nele as formas de subjetivação”.

(DUQUE; VIANNA,2014, p. 55)

Ao apresentar as ideias de do psicanalista inglês D.

Winnicott é importante mencionar valorosas

ampliações teóricas e técnicas, que o distanciavam da

metapsicologia freudiana ao colocar a dependência e o

ambiente como questões primordiais no que se refere

à constituição psíquica dos indivíduos:

Enquanto Freud se preocupava com as

enredadas possibilidades para autenticidade

pessoal do indivíduo, o que ele chamará de

“sentir-se real”. Na escrita de Winnicott, a

cultura pode facilitar o crescimento, assim

como o pode a mãe; para Freud ela proíbe e

frustra, assim como o pai. Na visão de Freud,

o homem é dividido e compelido, pelas

contradições de seu desejo, na direção de

um envolvimento frustrante com os outros.

Em Winnicott, o homem só pode encontrar a

sim mesmo em sua relação com os outros, e

na independência conseguida por meio do

reconhecimento da dependência. Para Freud,

em resumo, o homem era o animal

ambivalente; para Winnicott, ele seria o

animal dependente, para quem o

desenvolvimento – a única “certeza” em sua

existência – era a tentativa de se tornar

“separado sem estar isolado”. Anterior à

sexualidade como o inaceitável, havia o

desamparo. Dependência era a primeira

coisa, antes do bem e do mal. (PHILLIPS,

2006, p. 29)

A democracia não é assunto meramente político e

burocrático, como se pensa no senso comum, mas

pensar as dinâmicas psíquicas que fazem parte da

circulação de valores autoritários e práticas de

violência (moral, psicológica, física, etc) que impendem

o pleno funcionamento de um sistema em que

Manifestante com cartaz em Ilhéus, Bahia, Brasil, 2019.

PHOTO BY IXOCACTUS

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Sexualidade, História & Cultura

Anderson Soares

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Não devemos pensar apenas nas condições dos

sujeitos de entenderem racionalmente o que está

escrito na Constituição Federal de 1988 ou suas

capacidades de obedecer as leis e seus líderes, mas

sim pensar a partir da capacidade de gerenciamento

das dinâmicas psíquicas de cada sujeito a partir do

princípio de alteridade e fatores constitucionais, pois

como “ se pode estudar o desenvolvimento emocional

da sociedade? Tal estudo deve acompanhar de perto o

estudo do indivíduo. Os dois estudos devem

desenrolar-se simultaneamente”. (WINNICOTT, 2013, p.

229)

Sabe-se, que, com base nos valores disseminados nas

sociedades contemporâneas, os sujeitos em suas

singularidades não encontram AMBIENTE

(suficientemente bom) empático e facilitador que sejam

mantenedor de capacidade de amadurecer e de ser

ético na vida em sociedade. Valores estes que se

referem à cultura homogeneizadora como tentativa de

controle dos sujeitos e difusão de preconceitos que

vão revelando ainda mais a dificuldade dos sujeitos e

seus lugares diante da alteridade. Daí que

Toda a teoria do amadurecimento formulada

por D. W. Winnicott recolocará a importância

e a maneira como a pessoa se relaciona e

depende do ambiente, seja no início seja na

sua relação, na maturidade ou no caminho da

maturidade, com o lugar no qual é possível

viver (uma vida real e que vale a pena ser

vivida, porque própria, não reativa).

(FULGENCIO, 2010, p. 143)

Então tentemos entender os sujeitos em seus primeiros

ambientes antes de se estabelecerem no laço social,

na vida em sociedade diante do lidar com direitos e

deveres. Conforme a teoria do amadurecimento de

Donald Winnicott, os sujeitos nascem com uma

tendência à integração que devidamente cuidada por

ambiente suficientemente bom será contribuição para

fortalecimento para conduções éticas e empáticas do

sujeito em sociedade. Foi a partir de seu trabalho

durante a Segunda Guerra Mundial, que o mesmo

percebeu que o “fator ambiental é etiologicamente

decisivo na estruturação da personalidade e

descentrou o complexo de Édipo, formulado por Freud,

colocando em seu lugar a relação originária mãe-bebê,

como fator fundante do psiquismo humano”. ( NEVES,

2011, p. 210)

A mãe (ou quem possa ocupar função) representa este

primeiro ambiente para o bebê que necessita e

depende de outro humano vivo e empático para se

constituir psiquicamente. A atenção com cuidados

físicos de um bebê extremamente frágil e dependente

já remete a FUNDANTE investimento de afetos e de

libidinização do psiquismo deste sujeito em estado de

dependência absoluta. A atmosfera inicial humanizada

e de cuidados será importante pilar de constituição da

matriz relacional arcaica destes, que, levarão para vida

em sociedade todos estes objetos internalizados. Será

através “da confiabilidade ambiental, fazendo inúmeras

vezes o percurso que vai da não-integração à

integração, e vice-versa, o bebê passa a confiar na

vigência da sua própria tendência à integração”. (DIAS,

1999, p. 296)

A partir daí é muito possível se entender que o

amadurecimento pessoal influencia o amadurecimento

social. Ou seja, a capacidade do sujeito de lidar com a

vida em sociedade não tem relação direita apenas com

a compreensão cognitiva dos artigos da Constituição

Federal de 1988, e sim com sua condição psíquica/

emocional diante da alteridade, originária deste lugar

interno de investimento de afeto e cuidado. A

manutenção da democracia nos faz refletir sobre

alteridade e relações de objeto:

Não só as tarefas do amadurecimento, mas

também as da provisão ambiental, jamais

terminam, embora mudem, naturalmente, de

patamar. A apresentação inicial de objetos,

pela mãe, deve tornar-se a apresentação de

amostras da cultura, amostras de que o lar

pertence a uma comunidade, faz parte de

uma cultura mais ampla, que pertence a um

estado e a um país e que faz parte do

concerto mundial de nações, com direitos e

tendo direitos e responsabilidades com

relação à comunidade mais ampla, por

exemplo, com a manutenção da democracia.

(DIAS, 2017, p. 13)

Podemos pensar que os lares afetuosos em que

sujeitos são cuidados e respeitados em suas

singularidades e dinâmicas psíquicas, fornecem base

para criar base para atmosfera democrática, ou como

diria Winnicott: fator democrático inato. Neste ambiente

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Democracia e Intersubjetividade

Anderson Soares

inicial é que se estabelece um fundamental ensaio para

uma vida em sociedade: a apresentação dos objetos, o

lidar com o limite e com a capacidade e enxergar

empaticamente o direito que os semelhantes têm.

E a parceria destes bons lares comuns com o ambiente

escolar será fundamental para construção do cidadão

capaz de colaborar positivamente com a manutenção

dos valores democráticos. A escola como ambiente

facilitador e suficientemente bom será cenário de

fundamental ensaio para uma vida em sociedade e

seus desafios, como o lidar com a autonomia,

socialização, diversidade de pensamento, partilha de

diferenças e desenvolvimento de condutas empáticas

tão fundamentais para uma sociedade

verdadeiramente democrática. Mesmo pensamos na

função primordial destes ambientes (a partir das

instâncias inconscientes ) como propiciadores de

atmosfera suficientemente boa, não mencionamos

como garantia absoluta, pois,

A existência humana transcorre longe da

perfeição, da estabilidade e da permanência.

Nem há garantias nem correspondência préestabelecida

entre nossos impulsos e

desejos, de um lado, e seus objetos e

condições de satisfação, de outro; nem entre

aquelas forças poderosas e insistentes e

nossas capacidades de domínio e

autodomínio. (FIGUEIREDO, 2007, p. 16)

Ao refletir sobre intersubjetividade temos que

necessariamente nos referir aos aspectos

inconscientes e singulares dos sujeitos sociais a partir

do que é resultante e constitucional em suas matrizes

relacionais primárias, travessias entre princípio de

prazer e princípio de realidade, complexo de Édipo,

castração, suas condições de gerenciamento entre

narcisismo primário a chegada ao narcisismo

secundário. Aqui está o ponto de partida do princípio

de alteridade tão central para teoria psicanalítica para

se pensar as condições dos sujeitos em lidar com os

inúmeros desafios da vida em sociedade, pois parte daí

as possibilidades de saúde psíquica, como também de

trauma/adoecimento. Então, pensemos:

Mas, embora represente um aspecto

importante na constituição psíquica do

sujeito, a experiência do limite não constitui o

cerne da sua emergência. O cerne do

processo de emergência da subjetividade é

atribuído ao encontro com o acolhimento

erótico (amoroso) que o ambiente propicia ao

novo ser humano, possibilitando-lhe a

experiência de ilusão de onipotência sobra a

qual se embasa sua criatividade. O

movimento em direção ao outro faz parte da

Protesto na Avenida Paulista contra o governo Jair Bolsonaro

PHOTO BY JOÃO ALEXANDRE PESCHANSKI

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Sexualidade, História & Cultura

Anderson Soares

Manifestante durante ato em apoio ao governo de Jair Bolsonaro (PSL), São Paulo, maio de 2019.

PHOTO BY KELLY WEST

dinâmica natural da vida. É esse movimento,

e o encontro que dele resulta, que inaugura

para o sujeito a experiência de ser e da

alteridade. (PLASTINO, 2009, p.80)

A democracia não deve ser jamais imposta, mas seus

valores devem resultar de sujeitos amadurecidos

psiquicamente, que com suas singularidades

colaborarão para ambiente social sadio e com boa

mediação na relação entre direitos e deveres.

Imaginem valores democráticos sendo “impostos” para

um grupo social que historicamente tem como base de

sustentação interna a hierarquização rígida, repressão,

vigilância e ausência de mobilidade social de um

regime de castas? Pensemos que “se a democracia é

maturidade, a maturidade é saúde e a saúde é algo

desejável, é natural que procuremos saber se podemos

fazer algo para promovê-la. Tomemos como certo que

a simples imposição da estrutura democrática seria

perfeitamente inútil”. (WINNICOTT, 2013, p. 234)

A forma como a democracia é concebida no Brasil tem

relação íntima com as lutas internas do sujeito no que

se refere à representação e identificação. Por exemplo,

quando os mais pobres elegem candidatos truculentos,

analfabetos políticos, exóticos e explicitamente

agressivos, isso não quer dizer apenas de uma “opção”

política. O sujeito se vê representado com tais

discursos e condutas difundidos por tais candidatos:

O voto expressa o desfecho de uma luta dele

consigo mesmo, tendo sido a cena externa

internalizada e portanto trazida em forma de

associações ao interjogo de forças existentes

em seu próprio mundo pessoal, interno. Isto

é, a decisão sobre a maneira de votar é a

expressão da solução de uma luta dentro da

pessoa. (WINNICOTT, 2013, p. 230)

Bastante preocupante tem sido o apelo de uma parcela

de nossa sociedade por valores ditatoriais, o desejo

por um controle social violento e autoritário. Esse

sentimento resulta exatamente da falência ou

inexistência deste material psíquico que os fizesse

colaborar com a difusão de valores democráticos.

Valores estes que não são sentidos internamente, ou

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Democracia e Intersubjetividade

Anderson Soares

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

seja, ninguém pode impor aos cidadãos que tenham

conduções empáticas, respeitosas e acolhedoras ao

lidar com a diversidade.

Tem de existir por parte de instituições democráticas

um imperioso contraponto às enraizadas referências de

autoritarismo e exclusão existentes. Principalmente

pelo fortalecimento das vias civilizatórias, culturais e

educacionais que podem possibilitar construção de

ambientes facilitadores e empáticos:

O aprofundamento da democracia na

atualidade passa pelo desenvolvimento de

práticas sociais respeitosas das diferenças e

das singularidades e, ao mesmo tempo,

expressão de um forte sentimento de

pertencimento e de inserção criativa de cada

sujeito no coletivo e na natureza – inserção

na qual a vida ganha seu sentido. (PLASTINO,

2009, p. 85)

O comportamento de uma parte significativa de

sujeitos nas redes sociais nos serve para ilustrar

condições de gerenciamento emocional diante da vida

em sociedade. Em preocupantes afetações de ordem

inconsciente, sujeitos vão expulsando de si (através do

ataque, crítica e depreciação ao outro) algo de

incômodo e conflituoso que ainda não consegue

manejar e elaborar. Mecanismos inconscientes vão

colaborar com a construção de inimigos imaginários

para poderem ser objetos de canalização e expulsão

de ódios e repulsas avassaladores que estão

devidamente disfarçados em discurso político e

“imperceptíveis” como objetos afetivos do sujeito

extremista que o tempo todo se afeta, agride e repudia

o tempo todo.

E os atores políticos são originários desta mesma

sociedade truculenta e precária emocionalmente, pois

ambientes como Congresso Nacional demonstram

claramente a presença de sujeitos perversos que mais

comumente praticam a delinquência econômica,

explicitamente gozando com a dor e depreciação

alheia e sem nenhum tipo de remorso. O banditismo

sofisticado também é resultante de práticas sociais

estabelecidas há séculos em nosso país, também diz

das dinâmicas inconscientes daqueles sujeitos que

devido à falhas ambientais no percurso constitucional

não obtiveram condições de serem socialmente

empáticos e serem fomentadores de valores

democráticos.

Os valores sociais preponderantes em nossa

sociedade, como aparência e o desejo de enriquecer

são as bases geradoras de exclusão, agressão e

desamparo e dificultam cada vez mais pensar a difusão

de uma ética do cuidado e promoção de ambientes

empáticos, que podem colaborar com a manutenção

dos valores democráticos praticados e não apenas

obedecidos e racionalizados. Para isso seria importante

haver, como ponto de partida, sensibilização com a

importância da saúde psíquica e emocional dos

indivíduos que compõe a sociedade, com o

reconhecimento de produção de subjetividade e dos

elementos simbólicos na relação nos sujeitos e as

instituições, pois “(...)quando s instituições se

enfraquecem, o laço simbólico se fragiliza e podemos

ter a fratura do símbolo”. (MINERBO, 2009, p. 407)

A psicanálise deve se colocar na contemporaneidade

também como ferramenta de reflexão sobre a

qualidade emocional dos ambientes e a produção de

subjetividade que daí resulta, pois

___________________

REFERÊNCIAS:

Na era do abandono e da insensibilidade em

que vivemos, persistir em uma leitura

estrutural do trauma, referente ao

assujeitamento do psiquismo às forças

sempre excessivas da pulsão,

desprivilegiando o papel do ambiente e

mesmo do contexto sociocultural na qual a

questão do trauma é problematizada, é

arriscar tornar a psicanálise efetivamente

obsoleta, como já alertava Marcuse na

década de 1960. (KUPERMAN, 2008, p. 158)

DIAS, E. O. Sobre a confiabilidade: decorrências para prática

clínica. Natureza Humana. Vol. 1. São Paulo, 1999.

______. Família e amadurecimento: do colo à democracia.

Revista Natureza humana. V. 19, n 2, São Paulo, 2017.

DUQUE, F. de A.; VIANNA, A. C. de A. Psicopatologia

psicanalítica: subjetividade e alteridade contemporâneas.

Estudos de Psicanálise. Belo Horizonte. Dezembro/2014.

FIGUEIREDO, L. C. A metapsicologia do cuidado. Revista Psyché.

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32

Sexualidade, História & Cultura

Anderson Soares

Número 21. São Paulo. Dezembro/2007.

FULGENCIO, L. Um mal-estar na cultura para Freud e para

Winnicott. IN: Oliveira, C. Filosofia, psicanálise e sociedade. Rio

de Janeiro: Azougue, 2010.

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro:

Zahar, 1984.

MINERBO, M. Neurose e não-neurose. São Paulo: Caso do

psicólogo, 2009.

NEVES, Y. M. W. A esperança e o desespero na clínica

psicanalítica: casos clínicos de tendência antissocial. IN: REIS,

Rosa (org.). O pensamento de Winnicott: a clínica e a técnica. São

Paulo: DWW editorial, 2011.

PLASTINO, C. A. A dimensão constitutiva do cuidar. IN: MAIA,

Marisa Shargel (org.). Por uma ética do cuidado. Rio de Janeiro:

Garamond, 2009.

PHILLIPS, A. Winnicott. São Paulo: Ideias e letras, 2006.

KUPERMANN, D. Presença sensível: cuidado e criação na clínica

psicanalítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

ROZENTHAL, E. Cuidado de si e cuidado do outro: sobre

Foucault e a psicanálise. IN: REIS, Rosa (org.). O pensamento de

Winnicott: a clínica e a técnica. São Paulo: DWW editorial, 2011.

WINNICOTT, D. W. Sobre o significado da palavra democracia.

In: WINNICOTT, D.W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins

Fontes, 2016 (trabalho original lançado em 1950).

______. A família e desenvolvimento individual. São Paulo:

Martins Fontes, 2013.

______. Classificação: existe uma contribuição psicanalítica à

classificação psiquiátrica?. In: WINNICOTT, D.W. O ambiente e os

processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983

(trabalho original lançado em 1959).

Sobre o autor do artigo:

Anderson Soares

Psicanalista - Instituto Amas de Psicanálise e Terapias –

Fortaleza-CE

Mestre em História pela UFRN

Membro e Professor do PLP - RN

Bacharel e licenciado em História pela UFRN

Especialista em Psicopedagogia pela UCB –RJ

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Presa em um poema

Sílvia Passos

Me perco dentro da palavra amor

Me acorrento na palavra liberdade

Me sustento na palavra temor

Me embriago da palavra vaidade

Nomeio tudo que me deparo

Escrevo no meu corpo errante

Transborda tudo que não falo

Sou um parágrafo ambulante

Então, minhas células são letras

Meus tecidos formam sílabas

E todos os membros são palavras

Meu calafrio é um fonema

E rasuras são problemas

Quando presa em um poema

Sílvia Passos é poeta potiguar e possui alguns poemas publicados

em revistas regionais, produtora de vídeo, ebook e antologia.

Estuda e se interessa por filosofia da linguagem, psicanálise, saúde

mental e arte. Sua trajetória como poeta iniciou-se com a publicação

independente do seu zine "Delírios". Em 2018, Sílvia ganhou menção

honrosa no Concurso Literário Nísia Floresta do UNI-RN com seu

poema "Metáfora". Atualmente participa da SPVA - Sociedade dos

Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte.

ACESSE O FORMULÁRIO

DE INCRIÇÃO


34

[...] a psicanálise evocou-se

desse outro fluxo sanguíneo

(desrazão) quando decidiu

transitar no corpus do

conhecimento através de seu

próprio suporte epistêmico de

construção de

saber.” [...]

Ciência & Psicanálise


35

Inconsciente: entre Razão e Desrazão

Pedro von Sohsten

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

"Ouvimos muitas vezes a opinião de que uma ciência

deve se edificar sobre conceitos básicos claros e

precisamente definidos, mas, na realidade, nenhuma

ciência, nem mesmo a mais exata, começa com tais

definições. O verdadeiro início da atividade científica

consiste muito mais na descrição de fenômenos que

são em seguida agrupados, ordenados e

correlacionados entre si." (Sigmund Freud)

Trabalhar algumas idéias pertinentes para a construção

de conhecimento oriundo da psicanálise, e que, no

entrelaço, ao longo da história do conhecimento da

cientificidade, propiciaram ou influenciaram a emersão

do saber psicanalítico, é foco desse percurso de

imbricações teóricas. Busca-se, assim, um recorte de

trabalho, que discorrerá, tentando elencar, a relação do

objeto de estudo da psicanálise – o inconsciente –

frente a um binômio, de traçado filosófico e epistêmico,

caracterizado enquanto Razão e Desrazão.

E em tal apreciação de caracteres disparadores para a

construção desse ensaio, aponta-se que, buscar-se-á

aqui, apenas, uma breve aproximação de algumas

idéias, que permitam, no campo da associação de

sentidos, entre elucidação e questionamentos

possíveis, de elementos que podem ser pertinentes ao

projeto de produção de conhecimento que é galgado a

partir do campo ideacional psicanalítico, além de tentar

problematizar, neste ensejo, algumas intercessões ante

ditames proximais do discurso científico.

Então, para tal, se torna fator imprescindível e de

grande relevância para iniciar este traçado, apontar

certa posição do campo da psicanálise enquanto

elemento de relação com o campo de produção do

conhecimento, na cientificidade. Michel Foucault

(1966/1999) em seu livro “As palavras e as coisas”

parece nos apontar algo para se principiar, de maneira

concisa e confusa, nesse caminho de fazer

conhecimento a partir do campo psicanalítico, e cita-se:

Dando-se por tarefa fazer falar através da

consciência o discurso do inconsciente, a

psicanálise avança em direção desta região

fundamental onde se travam as relações

entre a representação e a finitude. Enquanto

todas as ciências humanas só se dirigem ao

inconsciente virando-lhe as costas,

esperando que ele se desvele à medida que

se faz, como que por recuos, a análise da

consciência, já a psicanálise aponta

diretamente para ele, de propósito

deliberado – não em direção ao que deve

explicitar-se pouco a pouco na iluminação

progressiva do implícito, mas em uma direção

ao que está ai e se furta, que existe com

solidez muda de uma coisa, de um texto

fechado sobre si mesmo, ou de uma lacuna

branca num texto visível e que assim se

defende. (p.518).

Foucault faz um apontamento decisivo de certa

especificidade do caminho de produção do

conhecimento em psicanálise. O objeto de estudo

psicanalítico, o inconsciente, definido por Freud

(1900/2001) em seu livro “A Interpretação dos Sonhos”,

ressoa e abre campo de questões problemáticas na

edificação do campo de idéias psicológicopsicanalíticas.

No livro citado acima Freud nos revela

algo desse objeto de estudo, ao anunciar, numa tônica

de certo quantum de assertividade que: “O

inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua

natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido

quanto a realidade do mundo externo” (p.584).

O inconsciente, enquanto objeto de estudo da

psicanálise – e tomado, neste campo, como

sustentáculo de teorização sobre o psíquico –, em suas

formulações e definições, traz diversos problemas de

cunho epistêmico para a relação do campo

psicanalítico de conhecimento com o conhecimento

cientificado, como assim já ressaltou, anteriormente

Foucault.

Trabalhar com a construção do conhecimento provindo

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36

Inconsciente

Pedro von Sohsten

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

do objeto de estudo da psicanálise, o inconsciente, traz

problemáticas amplas, em sua contradição provocativa,

de um “propósito deliberado”, de saber que se “furta”,

que tem um mutismo de coisa, mas que ainda sim,

Freud não lhe deu as costas. E quando então, decide

encarar de frente este campo de construção do

conhecimento a partir do inconsciente, já nos apontava,

ainda em 1900, através da herança de Schiller, que

havia importantes ganhos numa certa frouxidão ante a

“vigilância nos portais da Razão” (p.118).

Sendo assim, neste texto marco de nascimento da

psicanálise, que é “A interpretação dos sonhos”, onde

Freud, aponta, com tônica decidida e assertiva, que seu

objeto de estudo é o inconsciente, vê-se que para tal,

foi preciso também algo de uma ruptura com o campo

discursivo da cientificidade. Mas como o campo de

conhecimento, oriundo do inconsciente, precisou criar

algumas torções – ou quem sabe intercessões – nos

trâmites do discurso científico vigente?

Para que avancemos um pouco, é preciso retroceder

na história do conhecimento através do engate teórico

de um grande pioneiro dos caminhos de produção dos

saberes: Sócrates.

Constatado como um exemplo de edificação de um

ideal de saber, através do elemento Racional, pode-se

acompanhar os enfáticos pensamentos de Nietzsche

(1872/2007), em “O nascimento da tragédia” que

aponta alguns contornos acerca da herança socrática

para os ditames da cientificidade, e nos enuncia:

(...) é Sócrates o protótipo do otimista teórico

que, na já assinalada fé na escrutabilidade da

natureza das coisas, atribui ao saber e ao

conhecimento a força de uma medicina

universal e percebe no erro o mal em si

mesmo. Penetrar nessas razões e separar da

aparência e do erro o verdadeiro

conhecimento, isso pareceu ser ao homem

socrático a mais nobre e mesmo a única

ocupação autenticamente humana: tal como

aquele mecanismo dos conceitos, juízos e

deduções foi considerado, desde Sócrates,

como a atividade suprema e o admirável dom

da natureza, superior a todas as outras

aptidões. (p.92).

É sob a égide dessa herança de Razão e Verdade que

se arraigou e se erigiu um quantum significativo das

construções de conhecimento da cientificidade ao

longo da história humana. É num campo de saber

universal – na dissociação do erro para o verdadeiro

conhecimento – que o legado de atividades supremas

pôde almejar as representações para o ser e para o

mundo, através das variadas construções promovidas

enquanto ciência.

Porém, cabe aqui questionar se, em tais ditames de

construção do conhecimento, derivada da vertente do

pensamento socrático, pode-se associar uma

contraposição, uma barreira ao des-conhecimento, que

dificultou a emergência do saber freudiano, a partir de

seu objeto de apreciação teórica?

Talvez seja possível apontar que o que Freud começa a

lançar mão em seus caminhos de produções acerca da

psyché – ao alinhavar suas produções nesse campo

inconsciente – segue numa contramão ante esse

elemento de Razão, para encontrar com a verdade.

Pode-se citar Maria Aparecida de P. Montenegro (2002)

que explicita:

Desse modo, Freud contribuiria com as

filosofias que supõem que toda possibilidade

de conhecimento – consequentemente, o

conhecimento de si e do mundo –, está

condicionada a uma confrontação com a

alteridade. Com efeito, à luz da psicanálise é

por meio de um outro que o sujeito não só se

reconhece enquanto tal, como também vem a

ter acesso aos motivos inconscientes de seus

próprios atos irracionais. (p.18).

É nesse lugar de alteridade, de estrangeiro à

conformidade dessa raiz racional do produzir científico,

porém não tão distante de tal intuito, que o

conhecimento psicanalítico pode ir calcando seu

espaço nos dizeres dos conhecimentos humanos e

sobre os humanos. E ainda acompanhado Montenegro

(2002) que evoca que: “Para o fundador da psicanálise,

a filo-sofia tradicionalmente esteve associada à

Psicologia Racional, cuja crença na identidade entre

psíquico e consciente ele pretende justamente abalar.”

(p.18).

Ou acompanhado as considerações do próprio Freud

(1915/2010) que em seu texto “O inconsciente” pode-se

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Inconsciente

Pedro von Sohsten

referenciar para consolidar tais contribuições onde: “(...)

a identificação convencional entre o psíquico e

consciente é totalmente inadequada.” (p.103).

Esse campo do inconsciente, em sua des-razão, é um

dos elos associativos que se fazem pertinentes para a

compreensão dos ditames do objeto da psicanálise. A

psicanálise se caracteriza assim, por conter esta

influência, ao construir seu saber a partir de um

caractere teórico que não foi tradicionalmente

trabalhado nos proclames da construção do

conhecimento científico.

Traz-se Nietzsche (1872/2007), ainda em seu texto

“Nascimento da Tragédia” onde enseja, através de uma

ode a Dionísio, um possível cântico apontando a

Desrazão, esse presente de Dionísio aos homens no:

(...) imenso terror que se apodera do ser

humano quando, de repente, é transviado

pelas formas cognitivas da aparência

fenomenal, na medida em que o princípio da

razão, em algumas de suas configurações,

parece sofrer uma exceção. Se a esse terror

acrescentarmos o delicioso êxtase que, à

ruptura do principium individuationis, ascende

do fundo mais íntimo do homem, sim, da

natureza, ser-nos-á dado lançar um olhar à

essência do dionisíaco, que é trazido a nós, o

mais perto possível, pela analogia da

embriaguez. (p.27).

É nesse encontro trágico, com algo de si, que se faz na

exceção da razão, na ruptura de um principium

individuationis; é quebrando esta identidade, da

constituição do sujeito psíquico estritamente vinculado

aos processamentos conscientes do mundo anímico,

que o autor que nomeia o campo psicanalítico propõe

partir seu intento teórico com o inconsciente.

O esforço de Freud parece ser o de trazer a Desrazão

(contida em seu objeto) e o Desejo (fenômeno das

manifestações do inconsciente) enquanto pivôs teóricos

fundamentais – distantes da tradição filosófica do

conhecimento científico – para o pensamento sobre o

psíquico. Tal caractere – Desrazão – já era conhecido

nos campos da filosofia, numa batalha épica tratada por

Nietzsche através das figuras míticas dos Deuses da

Grécia: Apolo e Dionísio.

Pode-se acompanhar uma pincelada esclarecedora

sobre tal confrontação acompanhando as palavras de

Rocha (2011) que elucubra:

Para refletir sobre as primeiras manifestações

do desejo no contexto cultural da Grécia

Antiga, necessário se faz lembrar, antes de

mais nada, a imagem que o homem grego

arcaico tinha de si mesmo. Essa imagem

reflete a oposição entre o apolíneo e o

dionisíaco, que está no centro da visão grega

do homem. No Apolíneo resplandece o lado

luminoso do Lógos e a beleza ordenada e

harmoniosa do Kósmos. O Dionisíaco, por sua

vez, revela o lado obscuro da psyché, no qual

imperam as forças desencadeadas pelo

desejo e pelas paixões. Essa confrontação do

apolíneo e do dionisíaco está subjacente às

manifestações do desejo na cultura arcaica.

(p.23-24).

E pode-se corroborar com essa duplicidade presente

no propósito freudiano, que almeja, por um lado, um

compromisso cientificista na produção de suas

explicações, através do Lógos, e por outro caminho, a

preocupação com a singularidade humana a partir de

sua significação de desejos na relação com o analista,

como aponta Montenegro (2002).

Freud então conota, em seu debruço com a

subjetividade, um caminho entrincheirado de produção

de saber, uma edificação que só se faz em dualidade.

Já que o próprio Freud (1920/1987) considera em “Além

do princípio de prazer” que suas bases de pensamento

“(...) desde o início, foram dualistas” (p.73). E pode-se

indagar como, em Freud, essa trama de dualidade,

entre Razão e Desrazão, se engata? Ainda

acompanhado Rocha (2010) pode-se enunciar:

Assim, a figura de Freud torna-se paradoxal,

pois, por mais incrível que pareça, ele

procura harmonizar, na formação de sua

personalidade, dois tipos de mentalidades

inteiramente diferentes, os quais,

relacionados aos valores da cultura grega

poderiam ser denominados apolíneo e

dionisíaco. Ao descrever a personalidade do

homem Freud, continuamente oscilamos

entre Apolo e Dionísio. Segundo seu próprio

testemunho, somente um Faustiano (e quem

mais dionisíaco do que o Fausto de Goethe?)

teria sido capaz de descobrir a psicanálise. (p.

38)

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38

Inconsciente

Pedro von Sohsten

Para esta dualidade, presente em cada vivente, é que se

delineiam os escritos psicanalíticos, e que promovem uma

dificultosa construção de conhecimento no campo da

psicanálise ante as nuances das discursividades científicas.

Ou ainda, sobre esta dificuldade, põe-se as palavras de

Freud (1910/1987) que nas “Cinco Lições de Psicanálise”

explicita:

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

O orgulho da consciência (...) pertence ao forte

aparelhamento disposto em nós de modo geral

contra a invasão dos complexos inconscientes.

Esta é a razão por que tão dificultoso é convencer

os homens da realidade do inconsciente e darlhes

a conhecer qualquer novidade em

contradição com seu conhecimento consciente. (p.

37).

A construção de saber, no campo psicanalítico, parece

conter essa dificuldade presente em cada humano e

apontado acima por Freud. Essa análoga relação de

emergir a Desrazão, o campo do inconsciente, a partir de

ferramentas e dispositivos da Racionalidade, sempre

operante e vigente no consciente, é o que faz cada sujeito

em análise, e aqui se propõe, também, para os construtos

teóricos que se fundam a partir do campo psicanalítico.

Já que o sábio Sócrates inicia um campo estruturante para

as andanças do conhecimento científico – Razão –, e que

as bases da ciência traziam em suas entranhas uma

corrente sanguínea desse iluminador apolíneo enquanto

forte pressuposto da proposta humana de construção de

conhecimento, o que se encontra, a partir da proposta

lançada em Freud, é fazer um resgate desse campo outro,

desse elemento que ficou as margens da teorização;

trabalhar com esse não-trabalhado e não-nomeado como

ciência: a Desrazão?

E nessa dimensão de contradição, entre o que se fez como

“Conhecimento” e o que se faz ao “Não-conhecer”, é que

avança a mais de um século o campo da teorização

psicanalítica. Traz-se ainda, algumas palavras acerca desse

movimento de contraposição, visto a partir de Foucault

(1966/1999) quando este pensador francês caracteriza

algumas relações epistêmicas da psicanálise com a

etnologia, e cita:

Pode-se dizer de ambas o que Lévi-Strauss dizia

da etnologia: elas dissolvem o homem. Não que se

trate de reencontrá-lo melhor, mais puro e como

que liberado; mas, sim, porque elas

remontam em direção ao que fomenta sua

positividade. Em relação às “ciências

humanas”, a psicanálise e a etnologia são

antes “contraciências”; o que não quer dizer

que sejam menos “racionais”, ou “objetivas”

que as outras, mas que elas se assumem no

contrafluxo, reconduzem-nas a seu suporte

epistemológico e não cessam de “desfazer”

esse homem que, nas ciências humanas, faz

e refaz sua positividade. (p.525-526).

É nesse suporte epistêmico distinto e próprio, num

caminho de contrafluxo, “des-fazendo” o conhecimento

sobre o homem, ou como citado acima, de um lugar de

“contraciência”, porém não sem sua des-racionalidade,

que o saber psicanalítico traça sua produção.

Arraigado nas condições primeiras de sua ontologia, de

manifestação desse discurso do inconsciente, Freud

depara-se com um lugar de produção de conhecimento

novo e peculiar, e arrasta sua vida para destrinchá-lo. E

para falar desse intento de Freud, no conflito de

emersão de um saber entre Razão e Desrazão, cita-se

a magistral metáfora de Rocha (2010):

A exemplo de Nietzsche, Freud também

apela para o outro da razão quando

descobre que grande parte da vida psíquica,

tanto das pessoas sadias, quanto das

pessoas doentes, é regida por forças que não

são controladas pela razão. Mas,

diferentemente de Nietzsche, ele, quando

critica a racionalidade moderna, faz trabalhar

a razão. Fazendo uso de uma expressão

metafórica, diria que Freud tentou colocar um

pouco de sangue de Dionísio nas veias de

Apolo, e sonhou o sonho impossível de

colocar um pouco de sangue de Apolo nas

veias de Dionísio. (p. 38)

Esse diálogo entre psicanálise e a filosofia da

cientificidade tentou trazer, apenas pela construção

ideacional do binômio – Razão/Desrazão –, um enlevo,

entre as problemáticas que estão vigentes no depurar

dessas aproximações da psicanálise com as jornadas

do conhecimento proferido como ciência. Aludindo a

metáfora acima, a psicanálise evocou-se desse outro

fluxo sanguíneo (Desrazão) quando decidiu transitar no

corpus do conhecimento, através de seu próprio

suporte epistêmico de construção de saber.

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Inconsciente

Pedro von Sohsten

Poder-se-ia traçar inúmeros outros elementos que se

interpõe, nesse breve ensaio, com a construção e

produção de saber que se faz da psicanálise e a partir

dela. Porém, trouxe-se apenas esse recorte relacional –

Inconsciente entre Razão e Desrazão – como núcleo

dessa sucinta exposição de paradigmas distintos.

Esse lugar novo e peculiar, inaugurado por Freud,

deixa suas ranhuras, mas também abre espaços de

aproximações frutíferas e produtivas. E assim, desse

lugar de produção, como o desejo em sua busca, em sua

revelação do inconsciente, a psicanálise vai traçando

suas idéias, contidas em suas bases de significações,

acerca do psiquismo humano.

NIETZSCHE, F. (1872) O nascimento da tragédia ou

helenismo e pessimismo / Friedrich Nietzsche;

tradução, notas e posfácio: J. Guinsburg. – São Paulo:

Companhia das Letras, 2007.

ROCHA, Z. (2010) Freud entre Apolo e Dionísio –

recortes filosóficos, ressonâncias psicanalíticas/

Zeferino Rocha. – São Paulo: Ed. Loyola. 2010.

______. O desejo na Grécia Antiga / Zeferino Rocha. –

Recife: Ed. Universitária da UFPE. 2011.

_________________________

REFERÊNCIAS:

FOUCAULT, M. (1966) As Palavras e as Coisas: uma

arqueologia das ciências humanas / Michel Foucault;

tradução Salma Tannus Muchail. – 8ª ed. – São Paulo:

Martins Fontes, 1999.

FREUD, S. (1900) A Interpretação dos Sonhos / Sigmund

Freud; tradução de Walderedo Ismael de Oliveira; Rio de

Janeiro: Imago Ed., 2001.

______. (1910) Cinco Lições de Psicanálise, volume –XI.

Edição Standard Brasileira das obra s psicológicas

completas de Sigmund Freud. Ed Imago: Rio de Janeiro,

1987.

______. (1915) O inconsciente, In: Introdução ao

narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos

(1914-1916) / Sigmund Freud; tradução e notas Paulo

César de Souza – São Paulo: Companhia das Letras,

2010.

______. (1920) Além do princípio de prazer, volume –

XVIII. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas

completas de Sigmund Freud. Ed Imago: Rio de Janeiro,

1987.

Sobre o autor do texto:

Pedro von Sohsten de Miranda

Psicanalista

Mestre em Psicologia pela UFRN

Psicólogo pela UnP/RN

Especialista em Psicologia Clínica e

Psicanálise, EPSI/PB

Membro Fundador e Professor do Percurso

Livre em Psicanálise

Editor Geral da Rev. Saravá Science

MONTENEGRO, M. A. de P. Pulsão de morte e

racionalidade no pensamento Freudiano / Maria

Aparecida de Paiva Montenegro. – Fortaleza: Editora

UFC. 2002.

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40

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Seção Clínica Psicanalítica

[...] Gilberto traz ao processo de

análise, quentura e aquecimento ao

setting analítico, provocando

estagnação em minha escuta, o que

me faz atentar que tal manifestação

me exigia o máximo rigor ético e

técnico, a fim de não me colocar

como mais um objeto à repetição da

pulsão frente ao desamparo [...]

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A erotomania como possível destino do desamparo: os desafios no manejo

transferencial e contratransferencial na condução de um caso clínico.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Maria Cecília dos Santos Araújo

O presente estudo explorará um caso clínico, que nos

permitirá pensar o desamparo reeditado pelo paciente

através da erotomania ao analista, de modo que tal

manifestação de amor pôde surgir na transferência

como escape ao vazio do ser e provocou efeitos

contratransferenciais importantes para minha reflexão

clínica e de condução a este tratamento.

A princípio, ressalta-se o desamparo, na pósmodernidade,

como produto de um tempo em que o

homem experimenta uma larga gama de mudanças no

modo de viver consigo mesmo e/ou com o mundo.

Chaves. &, et al, (2016), apontam para novas estruturas

de valores, em que as exigências e prioridades fogem

àquelas de outrora, sendo os referenciais não mais

dominados pelo campo da razão.

A hipervalorização do estético, dos padrões impostos

pelo modo como se organiza o homem

contemporâneo, a fragilidade no campo afetivo e dos

vínculos, fazem emergir novos modos de viver o

desamparo (Rocha, Paravidini, Júnior, 2014), não só

como condição inerente ao processo de

desenvolvimento do psiquismo humano, mas também

enquanto operadores de situações traumáticas, nas

quais certo excesso libidinal não é passível a ligações

simbólicas, como compreende Menezes (2012) a partir

da noção freudiana acerca da dimensão do desamparo.

Como efeito, os sujeitos parecem enfrentar

dificuldades em ocupar lugares que, por vezes, estão

nos limites entre: o íntimo e o coletivo; entre a

independência/liberdade e a inerente dependência/

necessidade do outro, sendo estes, pontos de

reconhecimento fundantes de experiências que

demarcam lugares de existência no mundo, consigo e

com o outro. E na mesma medida em que necessita se

amparar no outro, o homem contemporâneo se vê

impelido por ideais sociais, que buscam, de certa

maneira, desconsiderar as nuances de uma inexorável

alteridade.

Neste sentido, escutamos sujeitos que se organizam

psiquicamente a partir de um não-investimento radical

por parte de seus cuidadores, em tempos primevos de

seu desenvolvimento, o que poderá se observar na

experiência clínica que em seguida será relatada e

discutida, a qual nomeia-se “Caso Gilberto”. Neste caso

clínico, o desemparo experimentado pelo paciente

reflete em modos singulares de investir as relações

objetais, o que atravessa o vínculo terapêutico em

sintomas ambivalentes de amor/paixão endereçados à

analista, assim como ódio e agressividade, implicando

desinvestimento no próprio eu, como ressalta Menezes

(2012).

Deste modo, pacientes que trazem em suas narrativas,

elementos constitutivos que assim se assemelham com

o acima exposto, muitas vezes demandam no processo

analítico a necessidade de experimentar o sentimento

de amor, embora que numa ambiência que lhes

permitam desarmar-se das defesas que embasam as

relações de seu cotidiano e que resultam muitas vezes

na incapacidade de amar.

Contudo, é neste arrolamento de demandas que

solicitam com tamanho cuidado a implicação e a

reserva ao analista, que me deparo com os efeitos

contratransferenciais do processo. A preocupação em

ofertar ao desamparo continência, acolhimento e

holding, sem esquecer da necessária reserva aos

sintomas erotomaníacos, torna-se uma dualidade

recorrente e desafiadora.

Dessa maneira, o nosso tempo parece nos exigir

pensar a clínica psicanalítica a partir dos novos modos

de reedição do desamparo e seus possíveis destinos,

tendo em vista que, neste contexto supracitado, se

produzem modos singulares de subjetivação, que

chegam à nossa clínica e que muito refletem da cena

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Erotomania

Cecília Santos

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AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

social atual. Frente a isto, acompanha-se Menezes

(2012) quando pensa que tal cenário impele ao analista

dispor de criatividade e flexibilização na condução

terapêutica convocadas por tal desamparo.

Gilberto, 31 anos, solteiro e vendedor de imóveis,

motivado pelas dificuldades enfrentadas ao realizar

suas atividades cotidianas (acadêmicas e de trabalho),

as quais descreve associadas à uma sensação de

aprisionamento e impedimento, busca a análise com a

expectativa de alcançar a capacidade de reinvestir sua

libido aos projetos intelectuais, pois se aproxima à

conclusão de uma pós-graduação e se põe

preocupado com a produção de seu trabalho final do

curso, ao mesmo tempo que precisa lidar com as

demandas de sua profissão, o que lhe provoca

ansiedades, tendo em vista o revés por ele

experimentado e descrito, diante das necessidades em

progredir nos campos mencionados.

Durante as sessões iniciais também foram trazidas por

Gilerto demandas de seu cotidiano, que tinha como

cerne um certo sofrimento frente à alteridade, tais

como: a necessidade e dificuldade de encontrar uma

companheira; pensamentos compulsivos e paranoides

de agressividade ao outro, o que se somava a

sensação de estar sendo perseguido, apontados

através de relatos de rompimentos drásticos e bruscos

nos vínculos com os pares relacionais (familiares,

assim como pessoas de seu convívio no trabalho e da

faculdade) que lhe fizesse experimentar alguma

frustração.

No decorrer das sessões, alguns elementos de sua

infância emergiram, ainda que em relatos pontuais. Tal

situação demonstrava que, através da dificuldade em

recordar sobre sua infância, se operavam fortes

resistências, agora erigidas ante as demandas

inerentes ao seu processo analítico. E tais resistências,

ancoradas no esquecimento, ali se postavam para

impedir que emergisse em seu discurso: situações

marcadas por duras privações, fossem de ordem

material, como também afetivas; alguns momentos

tempestuosos de agressividade sofridos na infância;

desamor e vulnerabilidade ante o vínculo primitivo com

sua mãe; além disso, o fato de nunca ter conhecido o

seu pai.

Todas estas questões eram trazidas como experiências

de alta intensidade afetiva, memórias em sentimentos,

às quais nada era associado. Eram narradas, como

experiências de excesso. Gilberto ainda relatou ter

vivido a maior parte de sua infância com os seus avós,

os quais parecem ter desempenhado as funções

materna e paterna em sua história de vida. Porém,

apontava também, que ao longo dos anos, uma certa

distância para com a mãe fora por ele alimentada, e

com isto se direcionavam e se nutriam uma gama de

sentimentos ambivalentes quanto ao papel dela na

história e na vida psíquica de Gilberto, e em breve, em

nossa história analítica.

Tais relatos me ecoavam um psiquismo frágil,

desamparado, que se mobilizava nos limites das

fronteiras estruturais, e que se valia de mecanismos de

defesa mais arcaicos, a fim de proteger e manter

íntegro um ego incipiente. Pôde-se pensar, aqui, o uso

recorrente da cisão como mecanismo de defesa

operante em seu psiquismo. Tal defesa indica relações

objetais mais primitivas, nas quais há dificuldade em

lidar com a ambivalência dos afetos frente aos objetos/

pessoas de sua vida relacional e por isso realizar

movimentos de rompimento nos vínculos relacionais

torna-se uma saída possível.

Pode-se exemplificar essas dinâmicas de uso da cisão

presentes em Gilberto quando este me trazia relatos

sobre desejar romper os vínculos no trabalho, em

função de colegas que apresentavam características

que o incomodavam... E não demorou para que

Gilberto me incluísse, com mais ênfase, neste hall de

pessoas com as quais ele se valia de tal dinâmica

relacional, pois em determinada circunstância, entra em

contato comigo, tarde da noite, solicitando antecipação

no dia de sua sessão, e ao não receber resposta

imediata, durante a espera, me envia uma mensagem

dizendo: “Fazem 30 min que espero um retorno, e

nada. Esperando... E com raiva... puto”. (sic).

Pode-se pensar que, nestas situações, a frustração

experimentada com a analista fora vivida como excesso

de energia incapaz de ser elaborada, e neste sentindo,

acompanha-se Minerbo (2013), que aponta, na

presença de certas identificações cindidas, a relação

estabelecida se torna do tipo tudo ou nada, onde o

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Erotomania

Cecília Santos

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investimento libidinal sofre oscilações muito bruscas e

intensas.

É preciso relatar também que, numa sessão anterior ao

recesso de final de ano e que teria como subsequente

minhas férias, o paciente diz preocupar-se que eu o

abandone e acrescentou que se isso acontecesse, ele

não iria procurar outra analista. A afirmação do

paciente me permite escutar a repetição do desemparo

ao ter sido “abandonado” por sua mãe, quando ela o

entregou ainda na infância aos cuidados de seus avós;

assim como atento à defesa acionada quando reviver o

abandono torna-se uma possibilidade. É marcante

como isso indica o início de um fim.

Chaves (1997) retoma Klein, em suas colaborações a

respeito do uso da cisão como mecanismo por trás do

qual se estrutura um ego arcaico, este, ao cindir o

objeto e as relações com ele, implica também, como

consequência uma cisão no próprio ego, tendo em

vista que, opera-se em certa medida, uma equivalência

entre os objetos internos e externos do psiquismo.

Deste modo, quanto mais o sadismo se sobressai no

processo de incorporação do objeto e, quanto mais o

objeto é sentido como estando em fragmentos, mais o

ego arcaico corre perigo de cindir-se, em

correspondência aos fragmentos do objeto

internalizado.

Será que desejava, com isto, escapar da dor provocada

pela frustração, através da quebra destes vínculos, na

tentativa de proteger o seu eu ainda frágil? Ou ainda,

de realizar movimentos de retaliação aos objetos/

pessoas frente as quais se sentia ameaçado em sua

incipiente unidade egóica?

Minerbo (2013), defende que:

A defesa mais importante que o ego (incipiente)

da (futura) subjetividade não neurótica irá

acionar é a cisão. As demais defesas primitivas

decorrem desta. Quando a dor produzida pelo

objeto é intolerável, o ego é obrigado a se

cindir. Diferentemente da neurose, em que o

ego tenta administrar o conflito, o ego aqui

tenta se evadir dele, pois não dispõe dos

recursos para enfrentá-lo. O ego se mutila e,

dessa forma, se desconecta da angústia. Tal

cisão custa caro: o ego se fragiliza ainda mais.

Só a integração dos aspectos cindidos fortalece

o ego (Minerbo 2013, pag 107).

Além disso, o frequente uso de mecanismos de defesa,

como a cisão, permite ao analisante se dar conta do

sentimento recorrente de dependência nos vínculos

relacionais: “me sinto mal em depender dos outros

para sentir que é possível caminhar na vida”, diz

Gilberto.

Durante a análise, e em função de uma dinâmica

psíquica relacionada com o que acima foi exposto,

apontou-se, também, na narrativa de Gilberto, como

objetivo de sua dinâmica relacional alcançar a

independência absoluta dos objetos/pessoas aos quais

se sentia vinculado, e isto passou a ser um ideal, que

se sabe, é inalcançável. Observou-se, em

contrapartida, o início de uma idealização à minha

figura em sua vida psíquica, para quem foram evocadas

demandas de amor, inclusive em declarações de se

sentir apaixonado e que resultou no desenvolvimento

de sintomas erotomaníacos provenientes da relação

analítica, que se alternaram, com sentimentos de

agressividade ao analista, como a cima foi exposto. A

analista foi cindida por Gilberto, como assim lhe era

operante fazer com os objetos nos quais se via

vinculado.

Neste momento, faz-se função ilustrar, como, através

da erotomania, vivida em análise, o paradoxo, entre a

dependência do objeto/analista e o risco de

despedaçamento do próprio eu, caso o objeto/analista

frustrasse tal idealização da relação ali desenvolvida foi

trazida por Gilberto no transcorrer de nosso enlace

clínico, e cito-o:

“Me sentir “apaixonado” por você é pensar que

encontrei uma chance de me completar, ou de ser feliz,

ou ter uma motivação maior. Ao mesmo tempo isso me

faz pensar que sou dependente da pessoa desejada

para me sentir bem, o que me deixa em uma dualidade

ruim. Foi o que eu disse na análise: “o que me motiva

é o que me derruba”. – O bom dessa dualidade é a

sensação de esperança de ser correspondido e então,

ser aceito, “completado”. O chato é que não passa de

uma ficção, que me aprisiona e me deixa depressivo,

mal comigo mesmo, por saber que não consigo

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Erotomania

Cecília Santos

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sozinho.” (Sic)

Então eu me questionava: seria a erotomania o que

possibilitava o estabelecimento do vínculo necessário

ao tratamento? Ou a erotomania estava para um

escape às vivências do desamparo? Ou ainda, ambas

as situações se contrapunham para as elaborações

necessárias a análise de Gilberto?

Freud (1856-1939), sobre a transferência, ressalta as

possibilidades de ela se manifestar durante o

tratamento, seja como resistência, ou como modos

ambivalentes de afetos endereçados ao analista, em

que o amor indica a transferência positiva e o ódio a

transferência negativa. Em qual seja o modo pelo qual

ela se apresenta, é ela a própria condição necessária

ao tratamento.

No texto “Destinos Contemporâneos do Narcisismo:

Atualidade de Heinz e Kohut” Cunha (2016) propõe que

os autores supracitados acrescentam que, na

transferência com os pacientes narcísicos, embora haja

superinvestimento do analista por parte do analisante,

para este, o analista não está para o vínculo objetal,

mas como sustentáculo de seu próprio psiquismo, a

considerar a fragilidade de seu self fragmentado, o que

se acrescenta um ponto central na positivação do

narcisismo, e cita-se:

Mesmo sobre a forma de idealização,

megalomania, ou reações de fúria narcísica, o

laço transferencial pode constituir-se em

etapa necessária, ainda que retardada, do

processo de construção de um self coeso e

de reconhecimento da alteridade, ou seja, de

ultrapassamento da fase transicional na qual

o sujeito encontra-se capturado (Cunha, 2016,

pag.105).

Ao se debruçar sobre a temática da erotomania,

Berlinck (2009), dentre as variadas maneiras de

manifestação deste fenômeno, ressalta o amor de

transferência como um dos destinos ao material de

amor, onde o paciente coloca o analista numa posição

idealizada, de quem sabe sobre o seu sofrimento.

“Sendo importante que o analisante seja capaz de

substituir o amor pelo desejo de análise” (Chaves,

2013) e que o processo de análise e a transferência se

tornem possibilidades de viabilizar o acontecimento de

algo novo.

Contudo, entre o uso da cisão, a fim de proteger o seu

ego frente as ameaças advindas das relações objetais,

e as manifestações da erotomania, Gilberto parece ter

reeditado um modo alternado e antagônico como

resposta à minha figura, a partir do que eu ia lhe

ofertando em cada experiência na análise.

As apostas por mim realizadas, de uma posição de

maior reserva, e alguns cortes no simbólico, por vezes

ressoaram em consequentes desinvestimentos do

processo analítico, por parte do Gilberto. Um exemplo

acontece quando retorno de um período (longo) de

férias e noto o quanto intrusiva pode ter sido a minha

ausência, considerando que, o paciente que retorna a

análise, estava mais próximo daquele que em

frangalhos iniciou o processo, do que, aquele de quem

me despedi em sessão anterior ao recesso.

Talvez, sua resposta a tais intervenções tenha ocorrido

pelo modo como as coloquei para ele,

Similarmente, Minerbo (2013), traz que:

Não é como no caso da neurose, resultado

de uma falha do objeto erótico, mas de uma

falha do objeto narcísico. Em lugar de salvar o

narcisismo do sujeito, o objeto foi fonte de

ameaça. Estamos num terreno em que as

vivências subjetivas são de vida ou morte; o

ódio arcaico é muito violento, proporcional à

ameaça de morte vivida pelo eu. É um ódio

que não chegou a ser integrado ao amor;

está sempre latente, pronto a ser acionado à

repetição da experiência dolorosa. Na

contratransferência, sentimos que o vínculo

analítico pode ser destruído pelo ódio do

analisando. (Minerbo, 2013, Pag.101).

Por outro lado, em alguns momentos em que eu lhe

ofertava mais continência e acolhimento, entoavam da

parte de Gilberto, discursos idealizados sobre mim e

sobre o vínculo clínico, entre eles, o de sentir-se como

uma criança quando acolhida por sua mãe.

Contudo, tal dialética me fazia pensar a dificuldade em

privilegiar um dos polos destas posições éticas e

técnicas, sem que pudesse oferecer riscos ao processo

vivenciado com Gilberto. Entretanto, ocupar o lugar

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Erotomania

Cecília Santos

idealizado pelo paciente, estava certo, não seria a

condução da qual esperar bons efeitos ao tratamento,

pois, como traz Figueiredo (2000), o analista reserva-se

o direito de nada fazer e aguardar que haja condições

para a transposição dos impasses, mesmo que o

monitore com o olhar da reserva.

Deste modo, se fazia necessário uma justa medida,

através da qual se pudesse abrir mão do lugar

idealizado pelo paciente, ofertando uma presençaausente

que não pusesse em risco a quebra do vínculo,

ou como acrescenta Menezes (2012):

O processo de desilusão, realizado por uma

função materna adequada, permite que a

experiência de desamparo possa ser vivida

como tolerável, ou seja, que não há proteção

absoluta na vida. É preciso que o objeto

idealizado de amor seja dado como

verdadeiramente perdido para que se possa

tolerar a realidade do desamparo: a condição

do limite, da finitude, da solidão, do

inominável do resto pulsional (Menezes,

2012).

Para isso, do meu lugar de analista, fui apostando em

me dispor conforme necessitava Gilberto, por vezes

segurando a mão, garantindo e acreditando que alguns

sintomas de paralização no corpo e dores na barriga,

iriam passar; outras vezes acolhendo a agressividade

que Gilberto direcionava a mim “Não gostei da sessão

de hoje, e culpo você”, “No final da análise me senti

chateado com você: como se a culpa da análise não

ter sido boa, fosse sua”; ou ainda correspondendo ao

pedido de acrescentar mais um atendimento na

semana, ou de mudar o dia de seu atendimento, como

solicitado, a fim de ofertar o que me parecia

necessário, um lugar de cuidado e continência.

Quando a erotomania cedeu lugar ao investimento no

processo terapêutico, Gilberto é capaz de elaborar que:

“foi com você que a minha máscara caiu, e eu pude

me mostrar como realmente sou, você quebrou esse

medo em mim”, o que talvez apontasse que, em

alguma medida, na alta intensidade da relação

transferencial, foi possível acessá-lo. A analista parece

se afastar do lugar de ameaça e ocupar um lugar de

confiança e segurança à Gilberto.

Tais movimentos marcaram uma transição, realizada

por Gilberto, de um lugar de dor e angústias não

simbolizadas, experiências de excessos que tinham

como base o desamparo à uma relação objetal

possível. Tal transição se deu inicialmente pelas vias da

erotomania, e a posteriori, a partir da qual o analisante

pôde iniciar um processo de nomear suas dores, seus

medos, assim como ressignificar e investir em outras

relações, mesmo que estas ainda contivessem

oscilações e temores, neste novo momento.

Por tanto, as apostas feitas por mim permitiram que em

alguma medida, fosse possível ao paciente iniciar

movimentos de ligação entre os afetos e as

representações de eventos traumáticos, ao passo que

ir desarmando-se dos temores em acessar tais

materiais de excesso o permitiu ir se desvencilhando

dos sintomas apresentados no início do processo.

Entretanto, sabe-se que este trabalho de elaboração se

desenvolveu a medida do concebível ao psiquismo do

paciente. Até o momento em que o limiar de tal

psiquismo, ou mesmo, tamanha incipiência egóica, não

o permitia sustentar a angústia diante de meus

apontamentos, o que pode ter resultado na interrupção

ao tratamento, pelo paciente.

Por fim, foi possível perceber que a idealização não

estava somente direcionada de Gilberto para mim, mas

também de mim ao tratamento e ao vínculo ali

constituído, pois, perder o analisante, seria como

perder a possibilidade de construir o novo não só para

ele, mas para mim, enquanto analista. E acessar tais

sintomas contratransferenciais só foi possível através

do cumprimento ao tripé psicanalítico: estudo teórico,

supervisão e em especial a análise pessoal; pois,

conforme nos traz Freud, nota-se que nenhum

psicanalista avança além do quanto permitem seus

próprios complexos e resistências internas.

___________________

REFERÊNCIAS:

BERLINCK. M. T.; BERRIOS, G. (org.). Erotomania. 1.ed. São Paulo:

Escuta, 2009.

CHAVES, E. et al. O advento das redes de relacionamento

online e os laços sociais contemporâneos. in: A expressão do

Pathos e a saúde possível. João Pessoa: CCTA,2016.

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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Erotomania

Cecília Santos

CHAVES, M. E. Da demanda de amor ao desejo do analista.

Revista Reverso, Belo Horizonte, n 65, p.77-82, jul. 2013.

CLARET, M. Apologia de Sócrates; O banquete/Platão. -São Paulo:

Coleção a obra prima de cada autor;20, 2009.

CUNHA, E. L. Destinos contemporâneos do Narcisismo:

Atualidade de Heinz e Kohut. In: Amar a si mesmo e amar o

outro. 1 ed. São Paulo: Zagodoni, 2016.

FIGUEIREDO, L. C. Ética e técnica em psicanálise, São Paulo:

Escuta, 2000

FREUD. S. Fundamentos da clínica psicanalítica. In: Sobre a

dinâmica da transferência (1912). Tradução de Claudia Dornbusch.

1.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.107-118.

______. Fundamentos da clínica psicanalítica. in: Observações

sobre o amor transferencial (1915[1914]); Tradução de Claudia

Dornbusch. 1.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.

165-180.

LEITE, U. P. N. Isso que dói. In: A expressão do Pathos e a saúde

possível. João Pessoa: CCTA, 2016.

MENEZES.L. Desamparo. 2.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,

2012

MINERBO, M. Neurose e não-neurose. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 2013.

PHOTO BY SAULIUS ROZANAS

KLEIN, M. A psicanálise de crianças. Tradução de Liana Pinto

Chaves; revisão técnica de José A. Pedro Ferreira. Rio de Janeiro:

Imago, 1997.

ROCHAL, T. H. R.; PARAVIDINI, J. L. L.; SILVA-JÚNIOR, N. da.

Subjetividade, alteridade e desamparo nos tempos atuais.

Revista Fractal, V.26, n.3, p. 803-816, set- dez, 2014.

Sobre a autora do texto:

Maria Cecília dos S. Araújo

Psicóloga, Facul. Maurício de Nassau, Natal/RN

Psicanalista, Percurso Livre em Psicanálise,

Natal/RN

Especialista em Saúde Coletiva e Saúde

Mental, Universidades Integradas do Cruzeiro

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mais informações: www.percursoempsicanalise.com.br/jornada-do-plp/

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Indicação

de Leitura

Sobre

Psicanálise

Diálogos Minerbos

por Rafaela Amorim

Resenha de indicação e

comentários ao livro “ Diálogos

sobre a clínica psicanalítica”

(2016) de Marion Minerbo.

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Sobre Psicanálise

Rafaela Amorim

Diálogos Minerbos

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Rafaela Santos Amorim

Marion Minerbo é membro efetivo e analista didata

da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

(SBPSP). Doutora em Psicanálise pela UNIFESP,

sua área de atuação abrange as psicopatologias e os

entraves da clínica psicanalítica contemporânea. Na

sua obra, também destacam-se os livros Neurose e

Não Neurose e Transferência e Contratransferência.

Em 2016, lançou “Diálogos sobre a clínica

psicanalítica” pela ed. Blucher, uma obra rica em

recortes de material clínico que exemplificam a

teoria de modo acessível, mas sem deixar de lado o

rigor e a complexidade que a Psicanálise agrega. O

livro, escrito em forma de perguntas e respostas,

constitui uma coletânea de diálogos entre a

psicanalista e um colega que já haviam sido

publicados no Jornal de Psicanálise da SBPSP entre

2013 e 2016.

Marion Minerbo inicia o livro justificando suas

motivações para a escrita dessa obra e dando uma

breve explanação sobre a forma como os conteúdos

estão estruturados. A maneira como ela faz essa

apresentação é um convite aconchegante para que o

leitor se debruce nos capítulos que seguem.

A obra é intercalada por material clínico que a

psicanalista traz dos 10 anos mais recentes de sua

transmissão. Com trechos curtos de sessões, que dão

uma fluidez ainda melhor ao texto, o leitor se vê o

tempo todo fazendo o exercício de identificar

aspectos teóricos em meio a prática clínica. Fica

nítido, a partir daí, a intenção de Minerbo em

apontar a importância de se ter uma escuta peculiar

na psicanálise.

O livro é dividido em seis capítulos, sendo cada um

dedicado a uma temática diferente: Transferência;

Escuta Analítica; Trauma e Simbolização;

Pensamento Clínico; Sofrimento Neurótico e

Sofrimento Narcísico. Apesar dessa separação dos

temas, frequentemente o leitor será remetido a

questões já discutidas anteriormente, levando-o a

conectar os conceitos naturalmente. É essa a

delicadeza da transmissão que Minerbo conduz de

forma ainda mais afinada em Diálogos sobre a

clínica psicanalítica.

Partindo de uma base freudiana, o livro traz fortes

referências em Bion, Ferenczi, Figueiredo, Green e

Roussillon como suporte para pensar a clínica

contemporânea. Porém, com o dinamismo de sua

escrita, Minerbo evita utilizar vocabulários

específicos de algumas escolas e suas palavras

alcançam e encantam leitores de diversas

orientações teóricas. Ela chama a atenção para uma

escuta polifônica na psicanálise atual e é enfática ao

apontar a psicopatologia como caminho para enlaçar

a clínica com a metapsicologia.

Não é de se surpreender que esse livro seja escrito

em forma de diálogo, pois é justamente o que a

autora propõe com sua transmissão da psicanálise:

uma comunicação entre teoria e clínica; entre o

clássico e o contemporâneo; entre os iniciantes e os

experientes.

Com uma capacidade de transmitir conceitos

complexos de forma acessível, Minerbo suaviza os

empasses que muitos analistas enfrentam ao tentar

pensar a clínica contemporânea a partir do aporte

teórico, assim como também abranda as dificuldades

em reconhecer a singularidade da clínica dentro da

abrangência da teoria, de modo que a metapsicologia

não se perca diante da condução e análise dos casos

clínicos.

Minerbo suaviza os

empasses que

muitos analistas

enfrentam ao tentar

pensar a clínica

contemporânea [...}

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Diálogos Minerbos

Rafaela Amorim

Capa do Livro — Diálogos

sobre a clínica psicanalítica

Marion Minerbo, 1ª ed. 2016.

Diálogos sobre a clínica psicanalítica é uma ótima

escolha não só para jovens analistas, mas também

para aqueles mais experientes que sentem os

impactos que as transformações da sociedade vêm

impondo à psicanálise nos últimos anos. É uma

leitura leve, intercalada por recortes clínicos que

estão o tempo todo se costurando e exemplificando

a teoria, fornecendo elementos para que o analista

pense sua prática de forma mais estruturada e

aplacando as angústias que podem surgir perante

os novos arranjos clínicos do nosso tempo.

[...] uma ótima

escolha não só para

jovens analistas,

mas também para

aqueles mais

experientes que

sentem os impactos

que as

transformações da

sociedade vêm

impondo à

psicanálise nos

últimos anos.

Sobre a autora do texto:

Rafaela Santos Amorim

Psicanalista – Percurso Livre em

Psicanálise - RN

Graduada em Letras – Língua Inglesa -

UFRN

Professora do Estado do RN

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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OPORTUNIDADE

DE ATENDIMENTO

EM PSICANÁLISE

MAIS INFORMAÇÕES:

084 99897-6966


52

Sobre

Literatura

-Caio Fernando Abreu-

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAA

A

A

Luz e Sombra

Demétrius Abreu

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Aqui tracejamos os matizes da depressão, que são

espectros assimilados tanto na cultura, quanto pela

comunidade científica, replicada incessantemente nas

mídias, onde os principais meios de comunicação

alardeiam com os índices crescentes de depressão e

suicídio. Isso somado, é claro, a produção enorme de

antidepressivos pela indústria farmacêutica.

Capa do Livro —

Morangos Mofados, Caio

Fernando Abreu.

Caio Fernando de Abreu em Morangos

Mofados (1982) trabalha o trágico de

maneira muito diversificada, incitando

nossa perversidade, o riso, o desespero e

o abismo do Ser. O livro é dividido em três partes: O

mofo, os morangos, e morangos mofados.

Os vários contos perpassam pelo humor negro como

o grande “Caixinha de música”, interessantes diálogos

em “Pela passagem de uma grande dor”, tragicômico

de “Além do ponto”, conto escrachado de

“fotografias”; “Os companheiros”, “Terça feira Gorda”,

“Eu tu e eles”, todos banhados em música multicolor

datilografada.

A biles melancólica também tocou nosso autor

“personagem”, que a transcodificou em Letra. Ele foi

perseguido pelo DOPS na época da ditadura, se

refugiou nas matas da escritora Hilda Hilst em meio a

seus cães solares, enfrentou o preconceito cerrado

por sua homossexualidade declarada, com força e

dignidade encarou as agruras da AIDS e a tentativa de

proscrição de sua obra.

Um grande escritor brasileiro, que tem a marca dura

da sinceridade em sua escrita, que não foge ao mofo

dos morangos por vir!

Boa leitura a tod@s...

Gostaria ainda de ressaltar o conto que está na última

parte do mofo. Esse é um dos mais lancinantes do

livro, aborda com a sutileza de um soco no estômago

a dor de existir, em matizes que vão do cinza ao azul

profundo. Estranho (a)feto! Coloco o “a” em

parênteses para ressaltar a negação, o vazio e a

impossibilidade de movimento contida nesse rebento

literário.

Aí vai um trechinho:

"Não vejo nada, só o cinza pesado do céu e

a fuligem que se deposita aos poucos nas

beiradas da janela. Ao entardecer a fuligem

ganha uns tons rosados, e logo depois,

quando baixa o escuro, chega o momento

de me encolher sobre o carpete para

finalmente dormir.” (MORANGOS MOFADOS,

p.45)

Sobre o autor do texto:

Demétrius Abreu

Psicólogo pela UFJF

Mestre em Psicologia pela UFRN

Especialização em Psicanálise, Subjetividades e Cultura

pela UFJF

Professor e Coordenador do Grupo da Psicanálise com

a Cultura no Percurso Livre em Psicanálise, Natal/RN

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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.


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LuAna Cvavalcante

Luana é Artista Visual, Designer e

Publicitária. Formou-se em

Publicidade pela Universidade

Federal do Rio Grande do Norte

e em Design na Universidade de

Coimbra, Portugal e é a

idealizadora e responsável pelo

projeto O Ser de LuAna.

TITINA MEDEIROS

@oSERdeLuAna

@luanadoser


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JACKIE


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CLARA


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JULE


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LUA MENEZES


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DUMARESK


DAVID

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WISLA


WISLA E RAUL

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Ciclo Vicioso

Machado de Assis

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:

“Quem me dera que eu fosse aquela loira

estrela

Que arde no eterno azul, como uma eterna

vela!

“Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,

Que, da grega coluna à gótica janela,

Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela

“Mas a lua, fitando o sol com azedume:

“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela

Claridade imortal, que toda a luz resume”!

Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume…

Enfara-me esta luz e desmedida umbela…

Por que não nasci eu um simples

vagalume?”…


rev. saravá science, ano 1, nº 0, dez. 2018

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TODAS AS EDIÇÕES ESTÃO DISPONÍVEIS EM:

www.percursoempsicanalise.com.br


"BATUQUE DA RAINHA DO MAR - PRAIA NO MEIO NATAL/RN"

PHOTO BY THIAGO MAHRENHOLZ

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