Contos para depois do ódio: inspirados nas canções de Marcelo Yuka
O Brasil começou a ouvir falar de Marcelo Yuka na década de 1990 – uma década que entrou para a história por chacinas como a da Candelária e a de Vigário Geral. Não à toa surgiu logo depois dessas tragédias o livro-reportagem Cidade Partida, do jornalista Zuenir Ventura. Com sua música incendiária, Marcelo Yuka se tornou o principal cronista da Cidade Partida. Apresentou-a com todas as suas cores, acima de tudo a vermelha, para uma sociedade carioca acuada e rendida, incapaz de formular políticas que nos tirassem daquele abismo. Esta década terminaria com a notícia de que ele tivera o corpo cravejado de balas ao tentar salvar uma pessoa desconhecida, que estava sendo assaltada. A obra visita as canções de um dos maiores ícones da resistência, particularmente no Rio de Janeiro, onde chegou a ser candidato a vice-prefeito numa campanha que entusiasmou a cidade, muito mais sua juventude. Esse gesto se torna ainda mais político se levarmos em consideração que as autoras e os autores que passaram pelos processos de formação da Flup se alfabetizaram ouvindo os hinos compostos por Marcelo Yuka para que tivéssemos o que cantar nas horas de maior desespero. Foi assim que todos nós nos sentimos com o resultado das últimas eleições. E aprendemos com suas canções que paz sem voz é medo.
O Brasil começou a ouvir falar de Marcelo Yuka na década de 1990 – uma década que entrou para a história por chacinas como a da Candelária e a de Vigário Geral.
Não à toa surgiu logo depois dessas tragédias o livro-reportagem Cidade Partida, do jornalista Zuenir Ventura. Com sua música incendiária, Marcelo Yuka se tornou o principal cronista da Cidade Partida. Apresentou-a com todas as suas cores, acima de tudo a vermelha, para uma sociedade carioca acuada e rendida, incapaz de formular políticas que nos tirassem daquele abismo. Esta década terminaria com a notícia de que ele tivera o corpo cravejado de balas ao tentar salvar uma pessoa desconhecida, que estava sendo assaltada.
A obra visita as canções de um dos maiores ícones da resistência, particularmente no Rio de Janeiro, onde chegou a ser candidato a vice-prefeito numa campanha que entusiasmou a cidade, muito mais sua juventude. Esse gesto se torna ainda mais político se levarmos em consideração que as autoras e os autores que passaram pelos processos de formação da Flup se alfabetizaram ouvindo os hinos compostos por Marcelo Yuka para que tivéssemos o que cantar nas horas de maior desespero. Foi assim que todos nós nos sentimos com o resultado das últimas eleições. E aprendemos com suas canções que paz sem voz é medo.
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CONTOS PARA DEPOIS DO ÓDIO
INSPIRADOS NAS CANÇÕES
DE MARCELO YUKA
Ecio Salles e Julio Ludemir (orgs.)
O Brasil começou a ouvir falar de
Marcelo Yuka na década de 1990 –
uma década que entrou para a
história por chacinas como a da
Candelária e a de Vigário Geral.
Não à toa surgiu logo depois
dessas tragédias o livro-reportagem
Cidade Partida, do jornalista Zuenir
Ventura. Com sua música incendiária,
Marcelo Yuka se tornou o principal
cronista da Cidade Partida.
Apresentou-a com todas as suas
cores, acima de tudo a vermelha,
para uma sociedade carioca acuada
e rendida, incapaz de formular
políticas que nos tirassem daquele
abismo. Esta década terminaria
com a notícia de que ele tivera o
corpo cravejado de balas ao tentar
salvar uma pessoa desconhecida,
que estava sendo assaltada.
Depois de propor um diálogo
com a obra de Bezerra da Silva e a
de Martinho da Vila, resolvemos
visitar as canções de um dos maiores
ícones da resistência, particularmente
no Rio de Janeiro, onde
chegou a ser candidato a vice-prefeito
numa campanha que entusiasmou
a cidade, muito mais sua
juventude. Esse gesto se torna
ainda mais político se levarmos em
consideração que as autoras e os
autores que passaram pelos processos
de formação da Flup se alfabetizaram
ouvindo os hinos compostos
por Marcelo Yuka para que tivéssemos
o que cantar nas horas de
maior desespero. Foi assim que
todos nós nos sentimos com o
resultado das últimas eleições. E
aprendemos com suas canções que
paz sem voz é medo.
CONTOS PARA DEPOIS DO ÓDIO
INSPIRADOS NAS CANÇÕES
DE MARCELO YUKA
CONTOS PARA DEPOIS DO ÓDIO
INSPIRADOS NAS CANÇÕES
DE MARCELO YUKA
Organização
Ecio Salles e Julio Ludemir
Ilustrações
Thais Linhares
Este obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional
ilustrações e projeto gráfico
Thais Linhares
cip-brasil. catalogação na publicação
sindicato nacional dos editores de livros, rj
C781
Contos para depois do ódio : inspirados nas canções de
Marcelo Yuka / organização EcioSalles ; Julio Ludemir ; ilustração
Thais Linhares. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Mórula, 2020.
192 p. : il. ; 23 cm.
Inclui índice
ISBN 978-65-81315-11-5
1. Contos brasileiros. 2. Festa Literária das Periferias. I.
Salles, Ecio. II. Ludemir,Julio. III. Linhares, Thais.
20-63046 CDD:869.3.0
CDU: 82-34 (81 )
R. Teotônio Regadas, 26/904 — Lapa — Rio de Janeiro
www.morula.com.br | contato@morula.com.br
sumário
dedicatória 09
prefácio 10
PARTE 1
organização
ECIO SALLES e JULIO LUDEMIR 15
O HOMEM BOMBA 17
Ana Paula Lisboa
EGO CITY 21
Eliana Alves Cruz
VERBOS À FLOR DA PELE 25
Henrique Rodrigues
TRIBUNAL DE RUA 29
Jessé Andarilho
A CARNE 33
Marcelo Moutinho
MEMÓRIAS ARTESANAIS 35
Rodrigo Santos
PARTE 2
organização
ALEXANDRE FARIA 41
ASSIM É A ÁGUA 45
Alan Miranda
CONFUSÃO 51
Celi Itaborai
CRISTO E OXALÁ 57
Elis Barroso
BRIXTON, BRONX OU BAIXADA 63
Luciano Carvalho do Nascimento
A FEIRA 69
Rafaela Marinho
CORTEJO MILENAR 77
Sylvia Arcuri
PARTE 3
organização
CRISTIANE COSTA 83
HOMEM AMARELO 87
Augusto Dias
FAVELA 93
Fernando Porto
ME DEIXA 97
Gledson Vinícius
EU NÃO SEI MENTIR DIREITO 101
Jorge Capo
LADO A LADO B 105
Liege Santos
INSTINTO COLETIVO 109
Marilia Pereira de Jesus
PARTE 4
organização
FRED COELHO 113
MINHA ALMA (A PAZ QUE EU NÃO QUERO) 117
Ana Gabriela Nascimento
NINGUÉM REGULA A AMÉRICA 123
Evandro Luiz da Conceição
MYTO 131
Juliana Berlim
MOVIMENTO DA MASSA 137
Luana Galoni
O DIA EM QUE O HOMEM SE CANSA 143
Romulo Narducci
NÃO SE PREOCUPE COMIGO 155
Yolanda Soares
PARTE 5
organização
MIGUEL JOST 163
POR POUCO 167
Diego Lanza
R.A.M. 173
Flávia Paz
UM MINUTO ANTES DO FIM 177
Marcio Rufino dos Santos
SUJO 181
Sara Nery
TODO CAMBURÃO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO 185
Sílvia Barros
PESCADOR DE ILUSÕES 189
Yassu Noguchi
dedicado a ecio salles
in memoriam
prefácio
Muita água passou por debaixo da ponte desde que Ecio Salles e eu criamos
a Flup – a Festa Literária das Periferias. E não à toa estamos lançando agora
nosso vigésimo primeiro livro em oito edições. Não menos que 500 autorxs,
oriundxs de um Rio de Janeiro que vai muito além do Túnel Rebouças,
frequentaram nossos processos formativos. Publicamos pelo menos 200, se
formos fazer a complexa contabilidade de cada uma de nossas antologias. Essa
correnteza desaguou no que já podemos chamar de uma geração de escritores
na periferia carioca.
Já temos alguns casos extraordinários, como o fenômeno Geovani Martins,
ex-vendedor de cerveja na praia cujo livro de estreia foi o grande acontecimento
literário do país desde Paulo Lins. Sabemos que ele está longe de ser uma
exceção em um ambiente geralmente associado ao analfabetismo funcional. O
próprio Geovani Martins irá muito mais longe do que aquilo que fez com Sol
na cabeça. E cada Geovani Martins anuncia o surgimento de outros Geovanis
Martins.
Pelo menos dois momentos emblemáticos de nossa história nos dão a certeza
de que uma Ana Paula Lisboa (que também passou pelos processos de formação
da Flup) abre o caminho não apenas para si, mas para toda uma geração.
Um deles foi o de Ferrez em uma das ações da Flup Pensa na remota favela do
Batam, ainda no nosso primeiro ano, em 2012. “Depois de ler Cidade de Deus,
disse para mim mesmo que podia escrever meus romances”, afirmou ele para
uma plateia de cerca de 300 pessoas. Esse seu contato com a obra de Paulo
Lins certamente será lembrado pelos historiadores, quando forem estudar uma
das gerações mais importantes da literatura brasileira, que tem nos poetas da
Cooperifa (salve Sergio Vaz) a ponta mais visível do iceberg.
Vimos também não apenas o encantamento de MC Martina diante das
performances da poeta Mel Duarte na Flup da Cidade de Deus, mas a empatia
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necessária para que ela própria começasse a fazer seus poemas, suas performances
e passasse a organizar seus próprios slams. Certamente MC Martina,
com seu poderoso Slam Laje, é uma das protagonistas da cada vez mais relevante
cena do slam no Rio de Janeiro. A própria presença da Mel Duarte, uma
das organizadoras do Slam das Minas SP, pode ter estimulado o surgimento
do poderoso Slam das Minas RJ. Mel Duarte passou pela Flup em 2016. O
Slam das Minas RJ começou em 2017. Se Letícia Brito não conversou sobre
um slam só de mulheres naquela Flup, certamente aproximou-se ainda mais
das manas paulistas durante as batalhas da Cidade de Deus. A Flup sempre
se propôs ser uma plataforma para encontros inventivos e transformadores.
Este livro, como a maioria dos livros organizados pela Flup, dialoga com
a ficção. Mas já na primeira edição da Flup, em 2012, dedicamos um generoso
espaço para os saraus da periferia. A partir de 2014, passamos a investir
em poetry slam como nunca um festival literário havia feito no Brasil, dedicando
pelo menos metade de nossa programação para batalhas poéticas com
slammers de 16 países. Desde então o poetry slam tem conhecido não apenas
um sucesso extraordinário de público, mas vem se tornando a plataforma para
a emergência da maior e melhor geração de poetas negras de nossa história.
Quem acompanha a cena do slam no Brasil sabe que as minas pretas se tornaram
quase hegemônicas em todos os estados do país. Esquadrinhamos e
auscultamos esse cena desde seu nascedouro. Entendemos como nossa missão
estar sempre atento ao que a periferia produz.
Há também nossas digitais na emergência de uma geração de roteiristas
negros – e falar de negros é quase um sinônimo de periferia ou favela em um
país tão injusto e desigual como o Brasil. Criamos em 2017 o Laboratório de
Narrativas Negras para Audiovisual, em parceria com a TV Globo. Seu sucesso
mais evidente foi a produção do especial de natal Juntos a magia acontece,
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exibida no dia 25 de dezembro de 2019 na própria Globo. Mas a roteirista
Cleissa Regina é, como Geovani Martins, Ana Paula Lisboa ou Raquel de
Oliveira, apenas a ponta do iceberg. A próxima Malhação, por exemplo, tem
como roteiristas principais os irmãos Carvalho, que também passaram pelo
nosso laboratório. Mariana Jaspe é uma das roteiristas do que certamente será
um projeto histórico da emissora – a série Defeito de cor, inspirada no romance
homônimo de Ana Maria Gonçalves.
Poderíamos falar do êxito de Dramaturgia negra, uma antologia com 16
autorxs de não menos que seis estados do país. Como no teatro, tivemos uma
atuação pontual na moda, mas foi igualmente potente o desfile que produzimos
para a abertura da Flup de 2018, com o qual propusemos uma atualização da
denúncia com que Zuzu Angel mostrou que o estado brasileiro estava matando
nossos jovens. A insistência em falar do teatro e da moda, mais do que um
exercício narcísico, é uma demonstração de que de fato alguma coisa está fora
da ordem, como diria Caetano Veloso. Não precisa ser um grande pensador
para saber que todas as gerações de artistas se formam com pares nas mais
diversas modalidades e gêneros. O solo que aduba um Caetano Veloso é o mesmo
no qual floresce Helio Oiticica ou Glauber Rocha. Todos eles, cada qual
com seu instrumento de trabalho, foram vozes de uma mesma época.
Como a década de 1960, que revolucionou o mundo de uma forma definitiva,
esta década que ora se encerra também mudou o curso da história.
Parece-nos tão difícil acreditar nisso quanto o foi para quem ousou continuar
sonhando depois do AI-5, uma coroa de espinhos na cabeça daquela geração
tão desesperadora e asfixiante quanto o foi agora a vitória eleitoral do presidente
Jair Bolsonaro. Mas aqueles artistas extraordinários estavam condenados
não apenas a sobreviver a uma quadra marcada pelo ódio e pela ameaça de
retrocesso em todos os campos da sociedade; eles também lançaram luzes que
ainda hoje orientam nossa caminhada.
Essa foi a razão para termos escolhido esse título, em meio a tantas possibilidades
criadas pela obra de Marcelo Yuka. Os autores da periferia como um
todo, que vão para muito além dos contos aqui publicados, sobreviverão a esse
retrocesso tão inesperado para quem começou este milênio com mudanças tão
alvissareiras em todos os campos de nossa sociedade, a começar pela política.
Pode parecer improvável acreditar que eles se tornarão uma referência para os
que certamente hão de vir, mas se houve uma palavra que nossa história como
festival nos ensinou que não é definitiva foi esta – improvável. Nós próprios,
Ecio e eu, sobrevivemos a muitas afirmações como essa. Driblar o impossível
tem sido desde então a nossa arte.
Julio Ludemir
12
1ª edição março 2020
impressão rotaplan
papel miolo pólen soft 80g/m 2
papel capa triplex 300g/m 2
tipografia
times e avenir
Alan Miranda
Ana Gabriela Nascimento
Ana Paula Lisboa
Augusto Dias
Celi Itaborai
Diego Lanza.
Eliana Alves Cruz
Elis Barroso
Evandro Luiz da Conceição
Fernando Porto
Flávia Paz
Gledson Vinícius
Henrique Rodrigues
Jessé Andarilho
Jorge Capo
Juliana Berlim
Liege Santos
Luana Galoni
Luciano Carvalho do Nascimento
Marcelo Moutinho
Marcio Rufino dos Santos
Marília Pereira de Jesus
Rafaela Marinho
Rodrigo Santos
Romulo Narducci
Sara Nery
Sílvia Barros
Sylvia Arcuri
Yassu Noguchi
Yolanda Soares
ISBN 978658131511-5
9 78 6 5 8 1 3 1 5 1 1 5
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