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Economia & Mercado Agosto/Setembro 2020

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OIL & GAS<br />

A antevisão do Africa Oil & Power<br />

2021 que terá lugar em maputo<br />

Entrevista<br />

idah Pswarayi-riddihough, a Nova<br />

Directora do BM em Moçambique<br />

Finscope 2019<br />

os avanços (e Recuos) dos serviços<br />

financeiros no País desde 2014<br />

Novo Normal?<br />

em que medida a utilização massiva<br />

da tecnologia ameaça a Democracia<br />

moçambique<br />

De quem é a<br />

terra, afinal?<br />

Constitucionalmente, pertence a todos os moçambicanos,<br />

mas em 45 anos de independência poucas vezes foi possível<br />

promover um sistema que alavanque a iniciativa privada<br />

AGOSTO <strong>2020</strong> • ano 03<br />

n o 28 • 15/08 - 15/09<br />

Versão ePaper


Sumário<br />

6 Observação<br />

Cabo Delgado<br />

A imagem da insegurança que perdura há três anos<br />

devido aos ataques que fizeram milhares de vítimas<br />

8 Radar<br />

Panorama <strong>Economia</strong>, Banca, Finanças,<br />

Infra-estruturas, Investimento, País<br />

65 ócio<br />

66 Escape Uma viagem até à Ilha de Moçambique 68 Gourmet<br />

À descoberta dos sabores do Jacarandá 69 Adega Um brinde<br />

aos novos Bourbons 71 Arte “O Resgate”, o primeiro filme<br />

moçambicano na Netflix 72 Ao volante Conheça o Cadillac<br />

Lyriq, o primeiro carro eléctrico da General Motors<br />

14 oil & gas<br />

Africa Oil & Power<br />

James Chester fala dos objectivos da realização,<br />

em 2021, da reunião de investidores em Maputo<br />

22 nação<br />

O que tem de mudar na política de Terra<br />

22 Reforma Legal Estudiosos apresentam visões<br />

divergentes quanto ao caminho que se deve seguir<br />

30 Exploração da terra Alda Salomão defende a<br />

manutenção da Política de Terras e clarificação da Lei<br />

42<br />

34 Gestão de Conflitos Banco Mundial entende que a<br />

Lei deve reconhecer a existência do mercado da terra<br />

38 A terra lá fora Um overview sobre como é conduzida<br />

a política de terras em alguns países africanos<br />

mercado e FinanÇas<br />

Serviços Financeiros<br />

Carteira móvel foi determinante na expansão do<br />

acesso perante um crescimento modesto da banca<br />

48 eMPRESAS<br />

Pro-lar 3D<br />

Uma iniciativa impulsionada pelo talento na pintura<br />

faz “milagres” na decoração de interiores<br />

50 Megafone<br />

Marketing<br />

O que está a acontecer no mundo das<br />

marcas em Moçambique e lá por fora<br />

52 SOCIEDADE<br />

60<br />

Tecnologia<br />

Uma análise sobre como a adopção massiva das<br />

tecnologias é uma ameaça global à democracia<br />

lÁ fora<br />

Etiópia<br />

Adiamento das eleções gerais alegadamente<br />

por causa do Covid-19 gera crise constitucional<br />

www.economiaemercado.co.mz | Julho <strong>2020</strong><br />

3


Editorial<br />

Política de Terras —<br />

Antecipando os resultados<br />

da auscultação pública<br />

Celso Chambisso •Editor da <strong>Economia</strong> & <strong>Mercado</strong><br />

alei de terras de moçambique é internacionalmente conhecida<br />

por ter sido bem concebida, principalmente pela forma vincada<br />

como procura assegurar a equidade na distribuição e<br />

a posse segura pelas comunidades. Ainda assim, ao longo dos<br />

23 anos de vigência, e apesar das revisões pontuais que foram<br />

tendo lugar no sentido de ajustá-la em nome da promoção<br />

das boas práticas de administração e gestão de terras, a legislação não<br />

foi capaz de evitar conflitos nas relações sociais e de poder aos diferentes<br />

níveis. Conflitos esses, em grande medida, inspirados pela confusão que se<br />

cria em torno da interpretação do poder do Estado sobre a terra.<br />

Por várias ocasiões, durante muitos anos, o tema alimentou diversas pesquisas<br />

e debates de ideias, na sua maioria, divergentes sobre como a administração<br />

da terra deve ser conduzida, não só para evitar disputas como<br />

para maximizar a sua utilidade enquanto recurso mais importante de<br />

que o País dispõe. Hoje, com o lançamento no passado mês de Julho da auscultação<br />

pública para a revisão da Política Nacional de Terras e da respectiva<br />

Lei, o País prepara-se para inaugurar uma nova etapa neste capítulo.<br />

Mas antes mesmo que este processo se efective e traga resultados que inspirem<br />

as transformações que se vão assistir, a E&M antecipou-se e partiu<br />

para uma auscultação que deixará o leitor a par dos problemas e dos possíveis<br />

cenários futuros. A diferença, porém, é que enquanto a auscultação<br />

lançada pelo Presidente Nyusi é mais abrangente, podendo incluir as comunidades,<br />

a realizada pela E&M foi buscar a visão de estudiosos, representantes<br />

de Organizações Não Governamentais, da Sociedade Civil, do sector<br />

privado, bem como a recém-nomeada directora-geral do Banco Mundial<br />

para Moçambique, Idah Pswarayi-Riddihough, que nesta edição dá a<br />

sua primeira entrevista, um mês após assumir o cargo.<br />

Importa destacar, de forma particular, que apesar da comunhão de ideias<br />

quanto aos méritos da legislação vigente, prevalecem, entre os intervenientes,<br />

opiniões muito divergentes no que diz respeito aos aspectos a serem<br />

levados em conta na revisão cujo processo acaba de dar o primeiro<br />

passo. Isto faz prever que os consensos serão difíceis de alcançar. No fundo,<br />

são três questões em torno das quais se vai desenrolar todo este movimento,<br />

nomeadamente: se a Lei é boa, por que mudá-la ao invés de apertar<br />

com a fiscalização do seu cumprimento? O que será feito ao nível do fortalecimento<br />

das instituições para garantir o cumprimento da Lei? O que há<br />

por mudar se o Governo já avisou que a terra não deixará de ser propriedade<br />

do Estado e que continuará a proteger a sua posse pelas assinatura comunidades?<br />

Se a auscultação antecipada não conseguiu trazer consensos, vamos<br />

digitalizada<br />

torcer para que a que o Governo acaba de lançar o faça!<br />

MÊS<br />

AGOSTO<br />

ano<br />

<strong>2020</strong><br />

• Nº 01<br />

• Nº 28<br />

propriedade Executive Mocambique<br />

DIRECTOR Liquatis nienis EXECUTIVO doluptae velit Pedro et Cativelos magnis<br />

pedro.cativelos@media4development.com<br />

enis necatin nam fuga. Henet exceatem<br />

EDITOR seque cus, EXECUTIVO sum nis nam Celso iu Qui Chambisso te nullant<br />

JORNALISTAS adis destiosse iusci Emídio re in Massacola, prae voles Cristina<br />

Freire, sant laborendae Elmano Madaíl, nihilib Rogério uscius Macambize,<br />

sinusam<br />

Rui rehentius Trindade eos resti dolumqui dolorep<br />

PAGINAÇÃO reprem vendipid José que Mundundo ea et eumque non<br />

FOTOGRAFIA nonsent qui officiasi Mariano Silva<br />

REVISÃO lorem ipsum Manuela Executive Rodrigues Mocambique dos Santos<br />

Direcção Liquatis nienis Comercial doluptae velit Ana et Esteves magnis<br />

ana.esteves@media4development.com<br />

enis necatin nam fuga. Henet exceatem<br />

conselho seque cus, sum CONSULTIVO nis nam iu Qui te nullant<br />

Alda adis destiosse Salomão, Andreia iusci in Narigão, prae voles António<br />

Souto; sant laborendae Bernardo Aparício, nihilib uscius Denise sinusam Branco,<br />

Fabrícia rehentius de eos Almeida resti dolumqui Henriques, dolorep Frederico<br />

Silva, reprem Hermano vendipid Juvane, que ea Iacumba et eumque Ali Aiuba, non<br />

João nonsent Gomes, qui officiasi Narciso Matos, Rogério Samo<br />

Gudo, lorem Salim ipsum Cripton Liquatis Valá, nienis Sérgio doluptae Nicolini<br />

ADMINISTRAÇÃO, velit et magnis enis necatin REDACÇÃO nam fuga.<br />

E Henet PUBLICIDADE exceatem seque Media4Development<br />

cus, sum nis nam<br />

Rua iu Qui Ângelo te nullant Azarias adis Chichava destiosse nº iusci 311 A re — in<br />

Sommerschield, prae voles sant laborendae Maputo – Moçambique;<br />

nihilib uscius<br />

marketing@media4development.com<br />

sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />

IMPRESSÃO dolorep reprem E ACABAMENTO<br />

vendipid que ea et<br />

Minerva eumque Print non nonsent - Maputo qui - Moçambique<br />

officiasi<br />

Tiragem lorem ipsum 4 500 Liquatis exemplares nienis doluptae<br />

Propriedade velit et magnis enis dO necatin Registo nam fuga.<br />

Executive Henet exceatem Moçambique seque cus, sum nis nam<br />

Exploração iu Qui te nullant Editorial adis destiosse e iusci re in<br />

Comercial prae voles sant em laborendae Moçambique nihilib uscius<br />

Media4Development<br />

sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />

Número dolorep reprem de Registo vendipid que ea et<br />

01/GABINFO-DEPC/2018<br />

eumque non nonsent qui officiasi<br />

lorem ipsum Liquatis nienis doluptae<br />

velit et magnis enis necatin nam fuga.<br />

Henet exceatem seque cus, sum nis nam<br />

iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in<br />

prae voles sant laborendae nihilib uscius<br />

sinusam rehentius eos resti dolumqui<br />

dolorep reprem vendipid que ea et<br />

eumque non nonsent qui officiasi<br />

4<br />

www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019


observação<br />

Cabo Delgado, <strong>2020</strong><br />

Quando e de onde<br />

virá a solução para<br />

Cabo Delgado?<br />

Já lá vão três anos desde o primeiro<br />

dos ataques insurgentes no norte da<br />

província de Cabo Delgado. Até hoje, não<br />

há luz sobre as razões do que aconteceu,<br />

só escuridão. Ao contrário disso, cresce<br />

o número de vítimas estimado em<br />

mais de 1000 mortos e mais de 200<br />

mil deslocados, e não há clareza sobre<br />

a estratégia que o Governo pensa em<br />

pôr em prática para acabar com a<br />

instabilidade. Perante a dificuldade das<br />

Forças de Defesa e Segurança (FDS) em<br />

combater os insurgentes, já se fala na<br />

possibilidade de envolver, no conflito,<br />

o exército sul-africano e a Comunidade<br />

para o Desenvolvimento da África<br />

Austral (SADC).<br />

Do exterior vão chegando sinais a ter em<br />

consideração. Num artigo de opinião<br />

veiculado no “O Jornal Económico” de<br />

Portugal, o Major-General e pesquisador<br />

do Instituto Português de Relações<br />

Internacionais, Carlos Branco, refere que<br />

“independentemente da ajuda externa<br />

que possa vir a ser prestada, é bom que<br />

as autoridades moçambicanas tenham<br />

presente que o problema terá de ser<br />

resolvido por elas, e não por outrem”.<br />

Mas, enquanto a solução efectiva não<br />

chega, a destruição vai tomando conta<br />

de Cabo Delgado. Até quando?<br />

fotografia D.R<br />

6<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> 2019<br />

7


RADAR<br />

PwC discorda das demonstrações<br />

financeiras do Banco de Moçambique<br />

O auditor independente das contas do Banco de Moçambique<br />

discorda das demonstrações financeiras de 2018 publicadas<br />

sexta-feira na Internet, mas o Banco Central considera<br />

que estão correctas. “O Banco de Moçambique não consolidou<br />

as demonstrações financeiras da subsidiária Kuhanha<br />

– Sociedade Gestora do Fundo de Pensões” do Banco de<br />

Moçambique, como mandam as normas internacionais, refere<br />

a firma auditora PwC.<br />

Segundo o relatório de auditoria independente, “as demonstrações<br />

financeiras individuais e consolidadas não<br />

apresentam de forma apropriada a posição financeira do<br />

banco e das subsidiárias”. “A consolidação da Kuhanha originaria<br />

impactos materiais em muitos dos elementos destas<br />

demonstrações financeiras”, aponta, acrescentando<br />

que “não foram determinados os efeitos desta não consolidação”.<br />

No documento, a administração do BM considera<br />

que “não existe um sentido económico relevante que justifique<br />

a consolidação” da Kuhanha.<br />

“No perímetro da consolidação foi considerada apenas a<br />

subsidiária Sociedade Interbancária de Moçambique (SI-<br />

MO), uma vez que o seu objecto de actividade (a rede de<br />

caixas automáticas do País) está enquadrado nas funções<br />

do banco central”, refere. A Kuhanha é classificada “como<br />

uma entidade de interesse público”, “enquadrada num sector<br />

de actividade regulado pelo Instituto de Supervisão de<br />

Seguros de Moçambique e, como tal, sujeita a auditorias independentes<br />

regulares”, acrescenta.<br />

ECONOMIA<br />

Cabo Delgado. Numa reunião<br />

recente com o Presidente<br />

da República, Filipe Nyusi, o<br />

Banco Mundial manifestou-<br />

-se disponível para apoiar<br />

a reconstrução de infra-estruturas<br />

e a criação de empregos<br />

na província de Cabo<br />

Delgado, afectada pela violência<br />

desde 2017. “O Banco<br />

Mundial encorajou e mostrou-se<br />

favorável a apoiar<br />

a promoção da reconstrução<br />

de infra-estruturas e de<br />

actividades de desenvolvimento<br />

económico e criação<br />

de emprego para os jovens”,<br />

refere um comunicado de<br />

imprensa da Presidência<br />

da República, que cita o<br />

presidente do Banco Mundial,<br />

David Malpass.<br />

O responsável falava durante<br />

uma reunião virtual<br />

de trabalho com o Chefe do<br />

Estado moçambicano. Além<br />

de manifestar a disponibilidade<br />

em apoiar aquela província,<br />

o dirigente do Banco<br />

Mundial felicitou o Governo<br />

pelas medidas que tem<br />

tomado para fazer face aos<br />

ataques, defendendo a definição<br />

de “projectos concretos”<br />

na região para garantir<br />

a inclusão dos jovens.<br />

Aviação. Em comunicação à<br />

Nação, recentemente, o Presidente<br />

da República (PR), Filipe<br />

Jacinto Nyusi, falou da<br />

necessidade de se agilizar<br />

a retoma de voos internacionais,<br />

mas sem precisar a<br />

data, embora a 28 de Junho<br />

passado tenha anunciado a<br />

retoma de ligações aéreas<br />

com países seleccionados<br />

(não mencionados) em regime<br />

de reciprocidade.<br />

Na comunicação de Junho,<br />

lembre-se, o Chefe de Estado<br />

justificou a pertinência<br />

da retoma de voos internacionais<br />

para permitir<br />

a deslocação de “especialistas,<br />

gestores e investidores<br />

para dinamizar o turismo e<br />

negócios” no País.<br />

Nos dias subsequentes, o<br />

Instituto de Aviação Civil de<br />

Moçambique (IACM) avançou<br />

à imprensa que, até ao<br />

dia 10 de Julho passado, ter-<br />

-se-ia País ia fazer ligações<br />

aéreas (embora a sua aprovação<br />

devesse ter o aval<br />

do Governo), mas até ao fecho<br />

desta edição não havia<br />

informação nova a este<br />

respeito.<br />

Receitas do Estado. O Estado<br />

moçambicano arrecadou<br />

receitas de pouco mais de<br />

110 mil milhões de meticais<br />

no primeiro semestre do<br />

presente ano, um aumento<br />

de 5,4% em relação ao período<br />

homólogo, refere o balanço<br />

do Governo. O resumo<br />

do balanço, analisado recentemente<br />

pelo Conselho<br />

de Ministros, assinala que,<br />

de Janeiro a Junho, a despesa<br />

total do Estado cresceu<br />

2%. A inflação média situou-se<br />

em 2,81% no primeiro<br />

trimestre deste ano contra<br />

3,83% de igual período<br />

do ano passado e o Estado<br />

constituiu reservas internacionais<br />

líquidas capazes<br />

de cobrir seis meses de<br />

importação de bens e serviços<br />

face aos 5,8 meses inicialmente<br />

projectados. De<br />

um modo geral, os indicadores<br />

de desempenho estiveram<br />

melhores que no primeiro<br />

semestre do ano passado,<br />

não obstante os efeitos<br />

negativos da pandemia<br />

do novo Coronavírus.<br />

Inflação. Depois de Maio e<br />

Junho, os preços de diferentes<br />

produtos e serviços continuaram<br />

a baixar em Julho<br />

último. Dados recolhidos pelo<br />

Instituto Nacional de Estatística<br />

(INE), nas cidades<br />

de Maputo, Beira e Nampula,<br />

ao longo do mês passado,<br />

concluíram que o País registou,<br />

face ao mês anterior,<br />

uma desaceleração da inflação<br />

na ordem de 0,20%.<br />

“A divisão de alimentação<br />

e bebidas não alcoólicas<br />

foi a de maior impacto,<br />

ao contribuir no total<br />

da variação mensal com<br />

8<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


cerca de 0,22 pontos percentuais<br />

(pp) negativos”, refere<br />

o comunicado.<br />

em 2018. Em termos de vendas<br />

por produto, as exportações<br />

agrícolas situaram-<br />

-se nos 427,6 milhões de dólares,<br />

mais do dobro que em<br />

2018 (cerca de 203,4 milhões<br />

de dólares), indica o INE.<br />

EXTRACTIVAS<br />

Pescas. Mais de 3 500 toneladas<br />

de pescado diverso<br />

foram capturadas no primeiro<br />

semestre do ano em<br />

curso nas águas marítimas<br />

e interiores da província<br />

de Maputo, representando<br />

uma produção avaliada em<br />

314 milhões de meticais. Entretanto,<br />

o Conselho Executivo<br />

Provincial manifesta<br />

preocupação em relação ao<br />

fraco nível de licenciamento<br />

dos pescadores, segundo<br />

afirmou o governador Júlio<br />

Parruque, na cerimónia de<br />

lançamento da campanha<br />

de produção pesqueira.<br />

O governante indicou que<br />

a proliferação de pescadores<br />

artesanais, que actuam<br />

de forma ilegal, lesa o Estado<br />

e atrasa o desenvolvimento<br />

do País e da província,<br />

em particular. Salientou<br />

que um dos benefícios<br />

do licenciamento é o direito<br />

de uso e aproveitamento<br />

do recurso pesqueiro e<br />

de acesso ao financiamento<br />

para o apetrechamento das<br />

embarcações.<br />

Exportações. O Instituto Nacional<br />

de Estatística (INE) indica<br />

que Moçambique exportou<br />

mais do dobro de<br />

produtos agrícolas no ano<br />

passado, ao atingir cerca de<br />

427,6 milhões de dólares.<br />

O volume das exportações<br />

moçambicanas foi no valor<br />

total de 4 668,9 milhões de<br />

dólares em 2019, equivalentes<br />

a uma queda de 6,9%, face<br />

aos cerca de cinco mil milhões<br />

de dólares registados<br />

Gás natural. O financiamento<br />

em cerca de 15,8 mil milhões<br />

de dólares norte-americanos<br />

ao projecto de gás<br />

natural liquefeito da área<br />

1 (GNL) em Moçambique assegura<br />

o futuro do país como<br />

fornecedor de energia<br />

globalmente significativo,<br />

de acordo com a Economist<br />

Intelligence Unit (EIU),<br />

a propósito da divulgação,<br />

pelo Banco Africano de Desenvolvimento<br />

(BAD), de um<br />

comunicado a confirmar<br />

que foi assinado um financiamento<br />

naquele montante<br />

para o projecto de GNL da<br />

Área 1, com um consórcio<br />

de 20 bancos e instituições<br />

financeiras. O projecto é liderado<br />

pela Total, principal<br />

petrolífera francesa, que<br />

segue em frente apesar dos<br />

ventos negativos que surgem<br />

no horizonte, designadamente<br />

a “fraca procura<br />

global de GNL, a crescente<br />

insurgência na província<br />

de Cabo Delgado, no Norte,<br />

o surto do novo Coronavírus<br />

na Área 1 e a crise da dívida<br />

de longo prazo do País”,<br />

lê-se no documento.<br />

Financiamento. O Absa vai<br />

apoiar, com 300 milhões de dólares,<br />

o projecto de Gás Natural<br />

Liquefeito (GNL), na Bacia<br />

do Rovuma, em Cabo Delgado.<br />

O projecto, implementado<br />

pela gigante francesa Total,<br />

vai explorar cerca de 65 triliões<br />

de pés cúbicos de reservas<br />

de gás em Moçambique,<br />

num investimento avaliado<br />

em 24 mil milhões de dólares.<br />

O projecto vai apresentar<br />

oportunidades para os fornecedores<br />

nacionais.<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


OPINIÃO<br />

Ruralidade Versus Urbanidade: Dois Pólos<br />

Antagónicos ou Complementares? (I)<br />

Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique<br />

profundas e rápidas mudanças estão a ocorrer<br />

no mundo, nos países e dentro dos países.<br />

A partir da segunda metade da década de 1990,<br />

os estudos a respeito da questão rural-urbana<br />

destacaram-se especialmente na Sociologia,<br />

<strong>Economia</strong> e Geografia, para compreender melhor<br />

as novas características do campo, as relações entre<br />

o campo e a cidade, a intensificação da pluriactividade, o<br />

aumento de actividades não agrícolas em áreas rurais, a<br />

mecanização crescente da actividade agro-pecuária, o dinamismo<br />

do agro-negócio, as cidades como pólos de crescimento<br />

regional, os movimentos socioterritoriais, entre<br />

outras temáticas. A tendência global de crescente industrialização,<br />

modernização e urbanização não faz perder<br />

de vista que nas áreas rurais ainda prevalecem situações<br />

de fome, pobreza, falta de acesso aos serviços básicos, desigualdades<br />

sociais e reduzidas oportunidades económicas e<br />

de empregos, e que a problemática da segurança alimentar<br />

e nutricional está na “agenda do dia”.<br />

É muito provável que o mundo em 2050 seja mais rico, mais<br />

saudável, mais interconectado, mais produtivo e inovador,<br />

com melhor educação, menos desigual entre ricos e pobres<br />

e entre homens e mulheres, mais solidário, mais sustentável,<br />

com mais estabilidade e com mais oportunidades para<br />

milhares de milhões de pessoas. Mas não tenhamos ilusões:<br />

o mundo não será a “Comunidade Imaginada” (pedindo emprestada<br />

a expressão de Benedict Anderson, 1911) global<br />

idílica e harmónica, desprovida de tensões, disrupções, contradições<br />

e de velhas e novas conflitualidades.<br />

O mundo está a assistir a uma mudança em grande escala<br />

e em distintos domínios, que ocorre a uma velocidade impressionante<br />

e nunca antes vista. A tecnologia expande-se<br />

incrivelmente depressa, a economia global está a pender<br />

para o lado da Ásia, a demografia está a sofrer alterações<br />

de grande amplitude, as mudanças climáticas são uma problemática<br />

omnipresente nos vários quadrantes do mundo,<br />

o desafio energético está visível e foi relativamente contido<br />

com o advento da COVID-19 e novas crises económicas e<br />

financeiras estão à espreita e ameaçam derramar os seus<br />

efeitos nos países, empresas e famílias. Os espaços, rurais<br />

e urbanos vão ressentir-se certamente das crises globais,<br />

nacionais e dentro dos países.<br />

Por volta de 2050, o mundo será mais urbano, será consideravelmente<br />

mais velho (a idade média aumentará de 29<br />

para 38 anos) e será mais africano (cerca de metade dos<br />

2,3 milhares de milhões de pessoas que ainda estão para<br />

nascer serão habitantes de África). Mudanças sociais disruptivas<br />

surgirão como consequência do rápido desenvolvimento<br />

dos países emergentes, reformas vão tornar<br />

os Estados mais eficazes e transparentes, e a ciência vai<br />

continuar a expandir incessantemente os seu horizontes,<br />

em decorrência de uma economia global baseada no conhecimento<br />

e assente nas novas tecnologias de informação<br />

e comunicação.<br />

Temos pela frente enormes desafios como lidar com as alterações<br />

climáticas e as crises epidemiológicas, controlar<br />

conflitos por recursos escassos como a água, alimentar os<br />

9 mil milhões de pessoas que existirão em 2050 e gerir a<br />

multiplicidade de novas ameaças à nossa segurança e estabilidade.<br />

O mundo vai testemunhar, como afiança Nassim<br />

Taleb (2007), a passagem de bandos sucessivos de “Cisnes<br />

Negros”, sobretudo pela natureza aleatória, contexto de incertezas<br />

e marcada por desenvolvimentos imprevisíveis.<br />

As áreas rurais e a agricultura vão ter de estar preparadas<br />

para alimentar uma população em rápido crescimento<br />

e o agro-negócio vai assumir-se como uma actividade que<br />

gera riqueza e prosperidade.<br />

Nos países ainda pobres, registam-se melhorias significativas<br />

na gestão macroeconómica, na implantação de<br />

infra-estruturas, na diversificação das estratégias comerciais<br />

e na provisão de alguns serviços essenciais.<br />

Persistem, porém, nos países e dentro dos países, desafios<br />

relacionados com a erradicação da fome, elevada taxa<br />

de pobreza e desnutrição crónica, baixo índice de desenvolvimento<br />

humano e de competitividade económica, elevado<br />

peso da economia informal, deficiente ambiente de<br />

A tendência global de crescente industrialização, modernização e urbanização, não faz perder<br />

de vista que nas áreas rurais ainda prevalecem situações de falta de acesso aos serviços básicos<br />

10<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


Países pobres estão a registar melhorias significativas na implantação de infra-estruturas, mas persistem desafios relacionados com a fraca competitividade económica<br />

negócios, elevada taxa de desemprego, fardo pesado do endividamento<br />

e ainda significativas desigualdades sociais,<br />

espaciais e de género (BAD, 2018; Lopes, 2019; Valá, 2019).<br />

Novas doenças vão surgindo, as demandas do sector produtivo<br />

nem sempre se ajustam ao perfil de saída dos graduados,<br />

surgem novas profissões e novas modalidades de<br />

trabalho, a mendicidade e a pobreza urbana têm-se mostrado<br />

mais duras e ásperas, o acesso à água potável e à<br />

energia para todos é ainda um desafio, como o é a disponibilidade<br />

de habitação condigna e mais empregos, particularmente<br />

para os jovens. Os assuntos antes aflorados,<br />

embora tenham manifestações, dimensões e consequências<br />

distintas em cada espaço, estão presentes nas áreas<br />

rurais e nas áreas urbanas.<br />

Este artigo procura explorar a dicotomia “rural-urbano”,<br />

a dialéctica existente entre os dois espaços e as suas possibilidades<br />

de desenvolvimento, tendo em conta que não é<br />

possível compreender as relações “campo-cidade” separadamente.<br />

Ele argumenta que o rural e o urbano correspondem<br />

a representações sociais sujeitas a reelaborações<br />

e ressemantizações que vão variar conforme o universo<br />

simbólico a que se refere, e que a ruralidade se caracteriza<br />

por ser um conceito cuja natureza é territorial e não<br />

sectorial, como o é igualmente a noção do urbano. Assim,<br />

o campo não é definido apenas pela ligação com a terra, a<br />

natureza e a agricultura, assim como a cultura material<br />

da cidade não está exclusivamente vinculada à indústria<br />

e serviços. Compreender melhor essas problemáticas e<br />

endereçar políticas públicas compreensivas, focalizadas e<br />

sustentáveis vai ser necessário e urgente, sobretudo porque<br />

há uma agenda da globalização a ter em conta, e porque<br />

aqueles que tomam as grandes decisões vivem em cidades.<br />

1. Pode-se entender o rural como sinónimo de vulnerabilidade<br />

e pobreza?<br />

Conceptualmente, o espaço rural é habitado por pequenas<br />

comunidades humanas, com valores mútuos e história comum,<br />

que giram ainda em torno da fidelidade e da pertença<br />

a um meio e a um território, em que se reencontra uma<br />

dinâmica distinta e práticas sociais, culturais e económicas<br />

fundadas sobre a proximidade, a convivialidade, a ajuda e<br />

a cooperação, associado ao território, às relações e à coesão<br />

social. Porém, esta definição sofre ajustes constantes,<br />

em razão das mudanças e das diversificações do rural, em<br />

que as actividades socioeconómicas se alteram, as paisagens<br />

se transformam, a gestão dos territórios muda, bem<br />

como a distribuição do povoamento e as relações sociais e<br />

de vizinhança. A ruralidade é um modo de vida ligado intimamente<br />

ao campo e às práticas e hábitos rurais, ou seja,<br />

dedicação principalmente, às actividades socioprodutivas<br />

relacionadas com o trabalho da família na terra e, assim,<br />

garantir a sua reprodução biológica e social (Veiga, 2000;<br />

Graziano da Silva, 1999 e Abramovay, 2003).<br />

É fundamental superar a concepção negativista e a visão<br />

estigmatizada acerca do espaço rural e da agricultura<br />

como sinónimos de atraso, do arcaico e do subdesenvolvimento.<br />

Não se pode deixar de reconhecer que é a própria<br />

administração que gera essa perspectiva preconceituosa,<br />

ao denominar o rural como o espaço que não é urbano,<br />

sendo definido a partir das suas carências e não das suas<br />

próprias características. Os espaços rurais possuem múltiplas<br />

valências, entre elas o seu elevado potencial económico,<br />

o património cultural e natural, as amenidades rurais,<br />

ou seja, o ar puro, as belas paisagens, o contacto com os<br />

animais e as plantas, que permitem atrair investimentos<br />

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11


OPINIÃO<br />

da indústria de lazer. Isso tem permitido deslocar a base<br />

da economia rural da exportação de produtos primários e<br />

manufacturados para a oferta, também, de serviços e importação<br />

de pessoas, dinheiro público e renda de origem<br />

urbana. O desenvolvimento do capitalismo e a industrialização<br />

da agricultura podem desencadear a urbanização<br />

do campo, pela proliferação de actividades não agrícolas<br />

no campo, como o turismo, comércio e prestação de serviços,<br />

transportes, construção, serviços financeiros, entre outros,<br />

bem como a paulatina ocupação do campo pelos “neo-<br />

-rurais”, servindo como residência de fim-de-semana para<br />

os amantes da vida bucólica.<br />

Nos anos 1950, a teoria económica predominante sustentava<br />

que os pequenos produtores era atrasados, sem espírito<br />

empreendedor, e que por consequência deveriam ser<br />

incentivados a mudarem-se para as áreas urbanas, a fim<br />

de suprirem o sector industrial de mão-de-obra.<br />

As terras assim ocupadas pelos migrantes deveriam ser<br />

organizadas em grandes propriedades mecanizadas e<br />

administradas por gerentes como empresas industriais<br />

modernas.<br />

A História demonstrou que essa mecanização era inapropriada<br />

quando se tinha mão-de-obra abundante e de baixa<br />

remuneração, exigindo pesados subsídios para a operacionalização<br />

desses empreendimentos, provando inclusive<br />

ser insustentável. Ficou evidenciado que os pequenos agricultores<br />

aos quais são negados acesso à capacitação, ao<br />

crédito, aos mercados, as infra-estruturas e a tecnologias<br />

são também menos produtivos.<br />

Durante longo tempo acreditou-se que para incentivar o<br />

desenvolvimento rural bastaria simplesmente o desenvolvimento<br />

agrícola. A ideia dominante era que a transformação<br />

social e económica e a melhoria das condições de<br />

vida das populações rurais seria um resultado natural do<br />

processo de mudança produtiva decorrente da introdução<br />

da tecnologia agrícola. Essa visão teve a sua máxima expressão<br />

na chamada “Revolução Verde”, que apostando na<br />

modernização agrícola (introdução de máquinas agrícolas,<br />

fertilizantes inorgânicos, agro-químicos, sementes melhoradas,<br />

instrumentos de produção adequados à pequena escala,<br />

fomento da irrigação, etc.) pretendia aumentar a produção<br />

e a produtividade permitindo, desse modo, o aumento<br />

da renda familiar e, portanto, o desenvolvimento rural.<br />

Os resultados dessas estratégias nas áreas rurais foram<br />

globalmente decepcionantes pois, apesar de as novas tecnologias<br />

terem permitido o aumento da produção agrícola<br />

em diversas regiões do mundo, provocaram simultaneamente<br />

o agravamento das condições de vida das populações<br />

que aí habitavam. Uma grande parcela da população<br />

não pôde ter acesso ao capital necessário para a modernização<br />

agrícola, registou-se uma descapitalização daqueles<br />

que contraíram dívidas para lograr essa modernização,<br />

registaram-se graves problemas de poluição da água,<br />

uma redução das áreas florestais, redução do potencial<br />

hídrico, empobrecimento dos solos devido ao uso de agro-<br />

-tóxicos, graves problemas de distribuição da terra, etc., e<br />

em geral não se conseguiu reduzir a pobreza.<br />

A adopção dos programas de ajustamento estrutural e de<br />

medidas de austeridade, em muitos países, foi marcado<br />

pelo desinvestimento do Estado na agricultura, por massivos<br />

e apressados programas de privatização, redução<br />

dos subsídios à produção e comercialização, remoção das<br />

barreiras para a entrada de produtos estrangeiros, bem<br />

Há estudos que mostram que as famílias<br />

que mais diversificam as suas actividades<br />

económicas nas áreas rurais contam-se entre<br />

as que fugiram da “armadilha da pobreza”<br />

como foram favorecidos os produtos para exportação em<br />

detrimento da produção de alimentos. Paralelamente, registou-se<br />

uma maior dependência dos pequenos produtores<br />

às grandes empresas (de grande capital, através de<br />

empresas de fomento de certas culturas de rendimento),<br />

níveis muito baixos de poupança dos pequenos produtores<br />

(vulnerabilidades essas agravadas pelas calamidades naturais<br />

cíclicas), o que fez com que o êxodo rural ganhasse<br />

novos ritmos e contornos mais complexos.<br />

Quando se refere erroneamente que o rural é sinónimo do<br />

agrícola está a fazer-se confusão entre um espaço geográfico<br />

e um sector de actividade. Um número significativo de<br />

pessoas que residem em áreas rurais desenvolvem actividades<br />

extra-agrícolas, bem como existem famílias rurais<br />

ligadas à agricultura que desenvolvem também outras<br />

actividades económicas, como produção e venda de carvão,<br />

pequenos negócios, mineração artesanal, pesca, trabalho<br />

assalariado, etc., como estratégia de sobrevivência,<br />

aversão ao risco ou de acumulação.<br />

Há estudos que mostram que as famílias que mais diversificam<br />

as suas actividades económicas nas áreas<br />

12<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


urais contam-se entre as que fugiram da “armadilha da<br />

pobreza”.<br />

Embora se reconheça que a actividade agrícola continue<br />

a ser vital para a economia rural, o seu peso tem vindo<br />

a reduzir-se gradualmente e ela já não determina, isoladamente,<br />

os rumos da demografia no campo (Valá, 2012;<br />

Valá, 2017; MEF, 2016; MPD, 2012). José Negrão (2005 & 2008)<br />

dá uma importante contribuição ao questionar alguns<br />

pressupostos relacionados com o comportamento económico<br />

da família rural, que influenciam e condicionam as<br />

decisões dos pequenos agricultores moçambicanos, como:<br />

a) a substituição do conceito de economia de subsistência<br />

pelo de economia familiar, pois as famílias rurais estão<br />

integradas no mercado e têm como objectivo reforçar as<br />

redes sociais minimizadoras de riscos e multiplicar a produtividade<br />

marginal de cada factor; b) para os habitantes<br />

rurais, a agricultura representa uma indispensável, mas<br />

não exclusiva, fonte de rendimento e a especificidade do<br />

comportamento de cada unidade singular é parte de um<br />

todo no qual reside a garantia da reprodução social e de<br />

seguro contra riscos; c) a adjudicação do tempo de trabalho<br />

disponível da família na agricultura para o consumo<br />

não é substituível pelo trabalho fora do sector agrário e<br />

para o mercado, gerando padrões de divisão de trabalho<br />

no seio da família que muitas vezes revelam relações de<br />

género não equilibradas; d) a terra para a produção de<br />

rendimento em espécie não é arrendada, hipotecada ou<br />

alienada, sob o risco de comprometer a reprodução física<br />

da família, daí a necessidade de garantir o acesso e pos-<br />

se da terra para todas as famílias rurais moçambicanas)<br />

a adjudicação dos recursos pela família nuclear tem em<br />

consideração a sua pertença às redes de segurança social,<br />

tornadas praticáveis através de meios de coacção das linhagens<br />

do marido e da mulher.<br />

Assim sendo, Negrão chama a atenção para a relação<br />

entre a utilização do tempo na agricultura e noutras actividades<br />

económicas, a adjudicação de tempo para a produção<br />

para o mercado e para fora do mercado, a relação<br />

entre o uso da terra para a produção em espécie e o uso<br />

para a obtenção de dinheiro e a adjudicação de recursos<br />

pela família nuclear e pela linhagem, que são elementos<br />

vitais para compreender os processos de tomada de decisões<br />

das famílias rurais africanas em relação à adjudicação<br />

de recursos.<br />

Essa visão toma em conta as mudanças que ocorrem no<br />

campo, a relação entre a cidade e o campo e como as estratégias<br />

económicas das famílias rurais levam em conta<br />

a dinâmica de mudança em curso.<br />

Importa, pois, clarificar os termos de desenvolvimento<br />

agrícola, agrário e rural, que muitas vezes são usados de<br />

forma ambígua, confusa e difusa. O desenvolvimento agrícola<br />

refere-se as condições da produção agrícola e às suas<br />

características, no sentido estritamente produtivo, identificando<br />

as suas tendências num dado período de tempo. O<br />

desenvolvimento agrário diz respeito às interpretações<br />

acerca do “mundo rural” nas suas relações com a sociedade<br />

maior, em todas as suas dimensões, e não apenas à estrutura<br />

agrícola. Refere-se às condições de produção (o desenvolvimento<br />

agrícola, pecuário e florestal) não apenas<br />

numa faceta, mas centrando-se a análise também nas instituições,<br />

nas políticas adoptadas, nas disputas entre classes,<br />

nas condições de acesso e uso da terra, nas relações de<br />

trabalho e suas mudanças, nos conflitos sociais e nos mercados.<br />

A expressão “desenvolvimento rural” diferencia-se<br />

das duas anteriores por se tratar de uma acção previamente<br />

articulada que induz mudanças num determinado<br />

ambiente rural. Em consequência, o Estado sempre esteve<br />

presente à frente de qualquer proposta de desenvolvimento<br />

rural como seu agente principal.<br />

A determinação do que seja exactamente desenvolvimento<br />

rural tem variado ao longo do tempo, embora<br />

normalmente nenhuma das propostas deixe de destacar<br />

a melhoria do bem-estar das populações rurais como o<br />

objectivo final.<br />

As diferenças surgem nas estratégias seleccionadas, na<br />

hierarquização das prioridades e nas ênfases metodológicas<br />

(Navarro, 2001; MPD, 2007; Valá, 2006; Valá, 2009).<br />

Em muitos casos, o lento desenvolvimento rural se deve<br />

à combinação da falta de desenvolvimento agrícola e também<br />

do não agrícola.<br />

Na verdade, se uma determinada região possui cidades<br />

com dinâmicas geradoras de emprego e renda, essas mesmas<br />

dinâmicas tendem a reflectir-se no seu entorno rural,<br />

daí a necessidade de superar-se a dicotomia “rural-urbano“<br />

e agrícola-não agrícola, e pensarmos no desenvolvimento<br />

do local, do território, da região.<br />

E as cidades têm de fazer parte desse movimento, pois o<br />

desenvolvimento não pode ser encarado como apenas rural<br />

e, muito menos, como exclusivamente agrícola. O rural,<br />

longe de ser um espaço diferenciado pelas relações exclusivamente<br />

com a terra, natureza e ambiente, está profundamente<br />

relacionado com o urbano que lhe é contíguo.<br />

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13


oil & Gas<br />

“Consolidar o lugar<br />

de Moçambique na elite<br />

mundial da Energia”<br />

Sandra Jeque<br />

International Conference Director na Africa Oil & Power<br />

Com a contagem já em modo decrescente para o início da exploração de gás,<br />

Maputo recebe alguns dos principais players do sector no próximo mês de Março<br />

a<br />

africa oil & power é um<br />

evento do sector energético<br />

que, de 8 a 11 de Março<br />

de 2021, reunirá em<br />

Maputo um conjunto de<br />

investidores e decisores<br />

políticos mundiais nas áreas do petróleo,<br />

gás e energia. Na sua primeira<br />

edição em Moçambique — sob o tema<br />

‘Leveraging LNG: Building a Prosperous<br />

Mozambique’ — irá perspectivar-se<br />

o futuro do LNG numa era de<br />

pandemia, o impacto ambiental, as caceias<br />

de valor ou o tão necessário conteúdo<br />

local. O evento será desenvolvido<br />

em parceria com a Câmara Africana<br />

de Energia, a Atitude HR, a revista<br />

<strong>Economia</strong> & <strong>Mercado</strong> e o portal de economia<br />

e finanças Diário Económico,<br />

Texto Rogerio Macambize • Fotografia Mariano Silva<br />

Falemos sobre esta summit que<br />

se vai realizar, em Março de 2021,<br />

num contexto muito específico.<br />

Será um evento inteiramente<br />

online?<br />

O evento vai combinar as funcionalidades<br />

online e presencial, tendo em<br />

mente as novas condições impostas<br />

pela pandemia e a necessidade de<br />

desenvolvimento contínuo dos negócios.<br />

O evento principal será realizado<br />

em Moçambique, de 8 a 11 de Março<br />

de 2021, e vai contar com a presença<br />

de dignitários e líderes da indústria.<br />

Será transmitido em live stream para<br />

todo o mundo através do website da<br />

organização, e através da plataforma<br />

dos nossos parceiros regionais e<br />

internacionais.<br />

Ao nível dos convidados e oradores,<br />

da concepção do próprio programa,<br />

o que se pode esperar deste evento<br />

enquanto factor diferenciador<br />

de outros do mesmo género que se<br />

têm realizado no País?<br />

Uma vez que estamos entre os mais<br />

significativos fóruns do mundo nesta<br />

área, esperamos contar com um consórcio<br />

de líderes políticos — chefes<br />

de Estado e líderes regionais, figuras-<br />

-chave da indústria, gestores empresariais<br />

de topo, especialistas técnicos,<br />

fornecedores, fabricantes, investidores<br />

e traders de commodities. A Africa<br />

Oil & Power abrange toda a cadeia de<br />

valor do GNL e o programa reflecte isso<br />

mesmo, e contará com apresentações<br />

de dignitários de alto nível, painéis de<br />

discussão, as mais recentes novidades<br />

sobre actualizações de projectos e assinatura<br />

de acordos de investimento.<br />

Depois, haverá tópicos específicos que<br />

merecerão destaque, que vão desde<br />

o conteúdo local, da temática das mulheres<br />

na energia às aplicações desta<br />

indústria na agricultura sustentável.<br />

Uma oferta complementada com cursos<br />

de formação, soluções inovadoras<br />

de segurança e mitigação de riscos,<br />

uma especial atenção sobre a conservação<br />

da biodiversidade e a restauração<br />

dos ecossistemas.<br />

O objectivo da conferência passa<br />

por criar uma voz moçambicana<br />

na área da energia?<br />

Procuramos olhar e posicionar o lugar<br />

de Moçambique como estando entre<br />

os pólos energéticos de elite ao nível<br />

mundial. E todos os tópicos alinhados<br />

estão orientados precisamente nesse<br />

sentido, do desenvolvimento de ideias<br />

concretas que vão moldar o futuro<br />

das indústrias do petróleo, GNL, energia<br />

e renováveis. Não estamos apenas<br />

à procura de realizar um evento essencial<br />

ou marcante, mas também de<br />

criar um impacto duradouro na comunidade<br />

de Oil & Gas dentro e fora do<br />

País. E daremos uma atenção especial<br />

aos programas de desenvolvimento<br />

para a região de Palma, envolvendo<br />

os jovens e as mulheres no sector da<br />

energia para garantir que os cidadãos<br />

de Moçambique desfrutem de todo o<br />

crescimento que se espera para o País.<br />

14<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


ENERGIA<br />

“Não estamos apenas à procura de realizar um evento<br />

essencial ou marcante, mas também de criar um impacto<br />

duradouro na comunidade de Oil & Gas dentro e fora do País”<br />

Qual é a sua visão relativamente<br />

ao potencial de Moçambique nesta<br />

área específica?<br />

As oportunidades são inúmeras. No<br />

Norte, na bacia do Rovuma, há 180 biliões<br />

de pés cúbicos de gás. Na Bacia Moçambique-Pande<br />

e Temane há 6 tcf. Moçambique<br />

está actualmente sentado<br />

numa verdadeira mina de ouro e a<br />

sua localização geográfica proporciona<br />

vantagens estratégicas para a exploração<br />

comercial. Os compradores<br />

estabelecidos do Extremo Oriente, da<br />

costa atlântica da Europa e dos mercados<br />

asiáticos estão ao seu alcance<br />

directo, assim como os mercados potencialmente<br />

emergentes do Médio<br />

Oriente e também da Índia. Moçambique<br />

está prestes a tornar-se uma potência<br />

global de comércio de energia.<br />

No geral, a área do Oil & Gas alterou-se<br />

substancialmente nos últimos meses.<br />

Ainda assim, grandes investimentos,<br />

como aconteceram com o financiamento<br />

do projecto da Área 1,<br />

não deixaram de avançar. Gostaria<br />

de ter um overview da sua parte<br />

sobre tudo isto.<br />

A pandemia teve um impacto devastador<br />

sobre a indústria como teve com<br />

tantas outras. A procura de produtos<br />

petrolíferos caiu, como seria de esperar.<br />

A redução da actividade económica<br />

ao nível mundial conduziu a um excesso<br />

de oferta que impactou no preço<br />

do petróleo como no do gás. Com a pandemia<br />

ainda a ser combatida, permanecem<br />

as incertezas. No entanto, o potencial<br />

é tremendo e a indústria está<br />

a reinventar-se. Moçambique é um<br />

exemplo disso.<br />

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OPINIÃO<br />

Indústria do petróleo e do gás —<br />

Será o fim da era do ouro negro?<br />

d<br />

Sergio Nicolini • EY Mediterranean Energy Lead<br />

emorei algum tempo a tentar explicar à minha<br />

filha de 18 anos, em Abril, como o preço<br />

do petróleo poderia estar negativo quando o<br />

WTI caiu para -37 dólares por barril, e nem<br />

sei se consegui responder à sua questão! Esse<br />

dia marcou o início de uma nova Era para a<br />

indústria petrolífera e do gás, ou, pelo menos, o fim da era<br />

que conhecíamos até àquele dia.<br />

Estávamos habituados a um mercado baseado num equilíbrio<br />

entre a oferta e a procura, onde o fosso mais anormal<br />

seria na gama de 1 mln barris por dia. Mas a procura<br />

entre o 1º e 2º trimestre deste ano diminuiu mais de 10<br />

vezes. Estávamos habituados a lidar com a volatilidade<br />

dos preços, mas em Março a OPEP+ reuniu-se para chegar<br />

a acordo sobre as reduções de produção e saiu com um<br />

aumento da produção de 1,5 milhões de barris. Estávamos<br />

acostumados, desde a última crise, a ter uma rápida recuperação<br />

dos preços do petróleo após uma queda, com a<br />

tendência crescente até o pico do petróleo. Mas ninguém,<br />

neste momento, espera, tão cedo, uma recuperação total<br />

nem dessa tendência nem dos preços.<br />

Para ser honesto, a indústria petrolífera já havia recebido<br />

sinais de mudança muito antes do COVID-19, quando a<br />

jovem Greta Thunberg deu o pontapé de saída nas campanhas<br />

e protestos sobre as alterações climáticas. A questão<br />

que se colocava nessa altura era se estávamos prestes a<br />

atingir o pico da procura de petróleo. Agora parece que o<br />

pico do petróleo já veio e se foi.<br />

Embora os fundamentos da economia baseada em combustíveis<br />

fósseis não tenham mudado nos últimos dois trimestres<br />

(os aviões ainda voam utilizando querosene e os<br />

navios porta-contentores navegam utilizando petróleo de<br />

bunker), é provável que as fontes de procura futura de<br />

hidrocarbonetos se desloquem para uma menor demanda<br />

de combustíveis de transporte e que qualquer aumento venha<br />

da procura de produtos plásticos em países emergentes,<br />

assumindo que o PIB global não será afectado por novos<br />

bloqueios. Os actuais preços baixos do petróleo podem<br />

retardar o “empate” entre o custo dos veículos eléctricos e<br />

o desempenho igual aos dos motores de combustão interna<br />

que prolongam a vida útil dos combustíveis fósseis como a<br />

fonte de energia mais eficiente e barata para o transporte.<br />

Perante este cenário, vimos todas as companhias petrolíferas<br />

anunciarem uma espécie de Estratégia de Transição<br />

Energética e de Descarbonização que aponta para 2050<br />

como destino. No mundo pós-COVID-19, essas estratégias<br />

requerem uma remodelação difícil. Após os resultados<br />

do Q2, os analistas de mercado e os accionistas esperam<br />

ouvir a história da Transição Energética no EBITDA e nos<br />

termos de dividendos, ao invés da história da capacidade<br />

instalada renovável ou adopção de soluções de sequestro<br />

de carbono e do número de árvores plantadas na floresta<br />

tropical. Possivelmente a história terá um impacto positivo<br />

neste ou no próximo ano, em vez de 2050, seguindo um<br />

plano de execução claro e um compromisso de liderança<br />

comprovado. Os elementos que caracterizam a jornada de<br />

execução para a Transição Energética girarão em torno<br />

de uma série de tópicos. Organizações mais novas, mais<br />

ágeis, capazes de se adaptarem a uma multiplicidade de<br />

modelos de negócio, desde hidrocarbonetos a hidrogénio,<br />

desde as renováveis até ao nuclear. Uma nova mentalidade<br />

e um novo modelo de gestão de desempenho para<br />

conduzir a mudança da lógica do “volume” para a lógica de<br />

“valor”, e longe do equivalente ao barril de petróleo. Uma<br />

nova e renovada liderança, apaixonada pela inovação, baseada<br />

em dados e adversa a estruturas estáticas.<br />

Ao fazê-lo, as companhias petrolíferas deixarão de ser<br />

referidas como Empresas Petrolíferas Internacionais ou<br />

Nacionais – IOCs ou NOCs –, mas sim como Empresas de<br />

Energia e, portanto, têm a oportunidade de se tornarem<br />

um empregador atraente para a geração da minha filha<br />

e para as futuras. As companhias petrolíferas enfrentam<br />

o desafio mais dramático da sua história e a única que lhes<br />

permitirá sobreviver.<br />

Os elementos que caracterizam a jornada para a Transição Energética girarão em torno de uma<br />

série de tópicos. Organizações mais ágeis, capazes de se adaptarem a uma multiplicidade de<br />

modelos de negócio, desde hidrocarbonetos a hidrogénio, desde as renováveis até ao nuclear<br />

16<br />

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Números em conta<br />

As grandes Explosões de Nitrato<br />

de Amónio desde o início do século<br />

no início de <strong>Agosto</strong>, uma enorme explosão<br />

provocada por nitrato de amónio<br />

abalou a cidade de Beirute, capital do Líbano,<br />

propagando ondas de choque através<br />

dos meios de comunicação de todo<br />

o mundo. Ficámos todos a saber o que é<br />

e qual a perigosidade do nitrato de amónio<br />

que, no caso, até era, ao que se sabe,<br />

destinado a Moçambique, em 2013. Nunca<br />

chegou ao País, tendo ficado depositado<br />

no Líbano.<br />

A confirmação surgiu da própria Fábrica<br />

de Explosivos de Moçambique (FEM) que<br />

já afirmou que as 2,7 toneladas de nitrato<br />

de amónio que estiveram na origem das<br />

explosões em Beirute foram adquiridas à<br />

empresa Savaro, da Geórgia, e o local de<br />

descarga previsto era o Porto da Beira, em<br />

Moçambique.<br />

No entanto, aquela carga “nunca foi entregue”,<br />

uma vez que o navio ficou retido na<br />

capital Libanesa por ordem das autoridades<br />

locais, tendo repousado à espera de,<br />

um dia, explodir, e causar 158 mortos e<br />

mais de 6 000 feridos.<br />

Apesar de devastadora, não é a primeira<br />

vez que este perigoso composto químico<br />

causa danos generalizados.<br />

Toneladas de nitrato<br />

de amónio<br />

As maiores explosões convencionais<br />

Embora tenha havido vários acidentes com nitrato de amónio ao longo da História, a<br />

recente tragédia em Beirute é uma das maiores explosões acidentais jamais registadas,<br />

com mais de 170 mortos e 5.000 feridos (até à data de fecho desta edição). Em termos<br />

do equivalente TNT, uma medida utilizada para medir o impacto de uma explosão,<br />

ocupa o top 10 das maiores explosões acidentais da história:<br />

A laranja estão os incidentes em que o nitrato de amónio é a causa primária da explosão<br />

Porto de<br />

Beirute<br />

Líbano<br />

Pepcon<br />

EUA<br />

Base<br />

Naval<br />

Evangelos<br />

Florakis<br />

Chipre<br />

Cidade do<br />

Texas<br />

EUA<br />

Halifax<br />

Canadá<br />

Raf Fauld<br />

Reino Unido<br />

Porto de<br />

Chicago<br />

EUA<br />

Oppau<br />

Alemanha<br />

Dupont<br />

EUA<br />

Lançamento<br />

N1<br />

Rússia<br />

Porto de<br />

Tianjin<br />

China<br />

Q&A O que é o nitrato de amónio?<br />

Forma-se quando o gás amoníaco é combinado com ácido nítrico<br />

líquido. O composto químico é amplamente utilizado na agricultura<br />

como fertilizante, mas também em explosivos mineiros.<br />

É altamente inflamável quando combinado com óleos e outros<br />

combustíveis, mas não é inflamável por si só, a menos que seja<br />

exposto a temperaturas extremamente elevadas.<br />

Na verdade, é relativamente difícil um incêndio provocar uma<br />

explosão a partir do nitrato de amónio. Todavia, isso não foi impedimento<br />

para algumas grandes explosões que abalaram o mundo<br />

nas últimas décadas.<br />

18<br />

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Em 2004, uma mega explosão<br />

ocorreu na cidade de Ryongchon,<br />

vitimando 160 pessoas e<br />

destruindo 2 000 edifícios.<br />

As autoridades norte-coreanas<br />

não divulgaram, como é hábito,<br />

muitos detalhes, mas sabe-se<br />

que a explosãoo foi causada por<br />

nitrato de amónio cuja ignição<br />

adveio de um acidente entre dois<br />

comboios de carga.<br />

Nitrocelulose — um químico utilizado no polimento de<br />

unhas — incendiou-se e espalhou-se para um conjunto<br />

de armazéns de nitrato de amónio nas redondezas.<br />

Uma infra-estrutura<br />

de armazenamento e<br />

distribuição de nitrato<br />

de amónio explodiu<br />

arrasando 500 habitações<br />

na comunidade mais<br />

próxima.<br />

O impacto e os destroços<br />

devastaram quatro<br />

quilómetros ao redor do<br />

local da explosão.<br />

A recente explosão na<br />

capital do Líbano é já<br />

considerada um dos<br />

maiores acidentes alguma<br />

vez registados. A onda<br />

de choque resultante<br />

que se propagou por<br />

uma cidade densamente<br />

povoada com dois milhões<br />

de habitantes arrasou as<br />

casas de 300 000 pessoas<br />

e destruiu 85% dos silos de<br />

armazenamento de grãos<br />

que alimentam o País.<br />

FONTE Visual Capitalist, Han,<br />

Zhe (2016), The Guardian<br />

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19


OPINIÃO<br />

Transformação Económica através<br />

da Implementação de Políticas de<br />

Conteúdo Local<br />

o<br />

Hermano Juvane • Head of Oil & Gas Coverage do Absa Bank<br />

sector petrolífero em moçambique tem um<br />

imenso potencial para contribuir para a<br />

transformação económica da Nação, uma vez<br />

que se prevê que o PIB aumente em mais $15.4<br />

mil milhões nas próximas duas décadas. Na<br />

última década, vislumbrámos a posição geopolítica<br />

de Moçambique mudar após a descoberta de mais<br />

de 180 trilhões de pés cúbicos (TCF) de gás natural na Bacia<br />

do Rovuma. Esta descoberta elevou o país da 61ª para a 8ª<br />

posição no ranking mundial das reservas de gás natural.<br />

Para se ter uma ideia, 180 TCF de gás natural é suficiente<br />

para satisfazer toda a procura mundial de energia durante<br />

dois anos consecutivos.<br />

No entanto, existem preocupações quanto ao saber se o<br />

valor económico destas reservas será suficiente para<br />

transformar a paisagem económica de um país do terceiro<br />

mundo. A questão pertinente é se a implementação de<br />

políticas de conteúdo local de facto catapultariam Moçambique<br />

para uma economia de classe média.<br />

Moçambique ocupa o 3º lugar na lista dos 12 maiores países<br />

africanos no que tange a reservas comerciais de Petróleo<br />

e Gás, com mais de 8 mil milhões de barris equivalentes<br />

de petróleo (BOE), seguindo a Nigéria e Angola com 55 e 19<br />

BOE, respectivamente. Em Junho de 2017, vimos a decisão<br />

de investimento estrangeiro (FID) sancionar o projecto de<br />

Gás Natural Flutuante (FLNG) Coral South da ENI, no valor<br />

de $8 mil milhões, seguido do projecto de gás natural liquefeito<br />

(LNG) da Total E&P, no valor de $25 mil milhões, em<br />

Junho de 2019. O valor de investimento da ExxonMobil está<br />

estimado em cerca de $30 mil milhões. Este último projecto<br />

sofreu o adiamento da sanção do FID devido ao actual ambiente<br />

desfavorável dos preços do petróleo e do gás.<br />

No total, trata-se da potencial sanção de projectos no valor<br />

de $63 biilhões no espaço de cinco anos, excluindo as expansões<br />

das plantas de LNG. Tendo em conta o valor total de<br />

investimento de uma economia de $15 mil milhões, o que<br />

poderia fazer com que Moçambique não experimentasse<br />

uma transformação económica? A resposta está na aptidão<br />

para implementação da política de conteúdo local.<br />

O nosso Governo tem uma oportunidade extraordinária<br />

de aprender com os êxitos e os fracassos de outras economias<br />

africanas com imensas reservas de petróleo e gás. É<br />

importante reconhecer que a economia está em risco de<br />

uma elevada dependência do gás natural. Vejamos alguns<br />

indicadores económicos como exemplos. Em 2018 e 2019<br />

a Autoridade Tributária Moçambicana recolheu MT 191<br />

mil milhões ($3,1 mil milhões) e MT 288 mil milhões ($4,8<br />

mil milhões), respectivamente. Em 2029, os projectos Coral<br />

FLNG, Mozambique LNG, e Rovuma LNG deverão contribuir<br />

com mais de $3 mil milhões em receitas adicionais para o<br />

Governo, sob a forma de imposto sobre as sociedades, participação<br />

nos lucros e royalties. Este valor exclui o efeito<br />

multiplicador.<br />

Em 2018 e 2019, Moçambique registou um total de $5.19 mil<br />

milhões e $4.7 mil milhões, respectivamente, em exportações.<br />

Os projectos Mozambique LNG, Rovuma LNG e Coral<br />

FLNG deverão gerar cerca de $4,2 mil milhões, $5,3 mil milhões<br />

e $1,2 mil milhões, respectivamente, em receitas de<br />

exportação em 2029, o que totaliza $10,7 mil milhões, que<br />

representa pelo menos o dobro do actual nível de receitas<br />

de exportação.<br />

O Gana é um grande exemplo a ser seguido pelo Governo<br />

moçambicano. Em 2009, o PIB do País era de cerca de $34.3<br />

mil milhões. Os sectores de Serviços, Agrícola e Industrial<br />

contribuíam respectivamente 32%, 19% e 49% para o PIB<br />

da economia. Em 2010, o campo petrolífero Tullow Oil-led<br />

Jubilee, de 3 mil milhões de barris, iniciou a produção três<br />

anos após a descoberta da reserva. Em 2018, o PIB do Gana<br />

quase duplicou para $65,2 mil milhões, com os sectores de<br />

Serviços, Agrícola e Industrial a contribuírem com 46%,<br />

20% e 34% da composição do PIB, respectivamente. O valor<br />

da sanção do FID da Tullow Oil era de $8 mil milhões de<br />

O Governo tem uma oportunidade extraordinária de aprender com os êxitos e os fracassos<br />

de outras economias africanas que têm imensas reservas de petróleo e de gás natural<br />

20<br />

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Não se sabe se o valor económico destas reservas será suficiente para transformar a paisagem económica do País<br />

dólares (um terço do valor do projecto Mozambique LNG).<br />

No entanto, a economia duplicou num espaço de oito anos.<br />

É possível observar também que a composição do PIB por<br />

sector permaneceu sustentável e proporcional. Portanto,<br />

quais são alguns dos passos que o Governo moçambicano<br />

pode seguir? Aqui está uma lista resumida:<br />

i) Estabelecimento de um memorando de entendimento<br />

com a Noruega para rever as políticas e<br />

a legislação - O Governo do Gana colaborou com a<br />

Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento<br />

(NORAD) e a Fundação de Construção do<br />

Sector Petrolífero (Petrad), para revisões de políticas,<br />

leis, legislação subsidiária e quadro institucional.<br />

ii) Apoio do Banco Mundial - O Banco Mundial apoiou<br />

a gestão pública e a capacidade reguladora e forneceu<br />

$57 milhões para programas de formação e capacidades<br />

técnicas. Os fundos foram utilizados para<br />

a criação do centro de dados na Comissão Petrolífera<br />

do Gana (PCG, o regulador do petróleo) e o Laboratório<br />

de equipamento para a Agência de Protecção Ambiental<br />

(EPA).<br />

iii) Inclusão dos Cidadãos na Gestão das Receitas Petrolíferas<br />

- Em 2011, foi estabelecida a Lei de Gestão das<br />

Receitas Petrolíferas (PRMA), que fornece um quadro<br />

para a recolha, distribuição e alocação de ganhos petrolíferos.<br />

As Organizações da Sociedade Civil do Petróleo<br />

e Gás (OSC) debatem exaustivamente e fazem<br />

recomendações ao Governo sobre a afectação das receitas<br />

petrolíferas.<br />

iv) Metas Assertivas e Inclusivas de Conteúdo Local - Em<br />

2013, o Parlamento promulgou o Regulamento sobre<br />

Conteúdo Local Petrolífero e Participação Local, que<br />

entrou em vigor em 2014. Este regulamento foi concebido<br />

para dar às empresas locais um tratamento<br />

preferencial e exigia que pelo menos 5% do capital<br />

de todas as empresas fornecedoras fossem propriedade<br />

dos habitantes locais.<br />

Em conclusão, e confiantes na inclusão e transparência do<br />

Governo moçambicano no processo de desenvolvimento<br />

de políticas, seguem algumas directrizes ideais a adoptar:<br />

Urgência na implementação de políticas - Moçambique<br />

deve evitar atrasar a implementação das políticas e leis<br />

de conteúdo local, com vista a maximizar o desenvolvimento<br />

económico. Uma vez implementadas as políticas de<br />

conteúdo local, é fundamental que sejam feitos esforços<br />

para educar a população sobre o mesmo para que o Governo<br />

beneficie do envolvimento dos cidadãos no sector.<br />

Seria ideal incluir a NORAD e Petrad no processo de revisão<br />

das políticas e da legislação; Investir em sectores<br />

que suprem o sector petrolífero - Para além de investir<br />

no desenvolvimento de competências no sector petrolífero,<br />

a mão-de-obra e as empresas locais devem também<br />

ser qualificadas e habilitadas para trabalhar em sectores<br />

que abastecem aquele sector. O efeito a longo prazo seria<br />

o de evitar que os sectores fornecedores contribuíssem<br />

negativamente para o equilíbrio do comércio do País. A<br />

centralização dos pagamentos de fornecimentos internos<br />

reforçaria a contribuição de outros sectores para o PIB;<br />

transparência e Envolvimento das Organizações da Sociedade<br />

Civil (OSC) - É fundamental que o Governo seja<br />

transparente em questões concernentes à declaração e a<br />

afectação das receitas petrolíferas. Informar as OSC para<br />

que o Governo beneficie dos seus contributos sobre a afectação<br />

ideal das receitas, com vista a maximizar o desenvolvimento<br />

económico. Isto também significaria o aumento<br />

da confiança no governo local por parte dos cidadãos<br />

e da comunidade internacional; introdução de uma Lei de<br />

Distribuição de Receitas Petrolíferas - Sob o conselho de<br />

parceiros internacionais, o Governo de Moçambique pode<br />

elaborar uma legislação transparente para a gestão dos<br />

recursos de hidrocarbonetos. Como nação democrática, é<br />

crucial que as preocupações e opiniões do público sejam<br />

consideradas durante o processo de gestão e tomada de<br />

decisão sobre a distribuição das receitas do petróleo.<br />

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Nação<br />

22<br />

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lEI DE TERRAS<br />

Lei de Terras. É de reformas que o<br />

país precisa? Ou do cumprimento?<br />

O Presidente da República lançou, recentemente, o processo de auscultação da revisão da Política<br />

Nacional de Terras, em que se persegue o “acesso equitativo, a posse segura e o uso sustentável<br />

ao serviço da sociedade e da economia moçambicana”. É o reacender de um debate antigo que<br />

dificilmente encontra consenso entre os vários actores e em todos domínios da vida da sociedade,<br />

mas que agora parece decidido a concretizar, na prática, a ideia inicial, fazendo jus ao título de uma<br />

das melhores leis de terra do mundo. Mas o que fazer para aí chegar?<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />

“<br />

há duas questões sobre a terra em moçambique<br />

que todos conhecem, mas<br />

quase nunca são assumidas. A primeira<br />

é que pertence ao Estado e também<br />

àqueles que fazem parte e controlam<br />

este aparelho. A segunda é que,<br />

por Lei, a Terra não pode ser vendida. No entanto, é comprada,<br />

por vezes, com a cumplicidade de quem deveria<br />

garantir que isso não acontecesse”. Esta citação – publicada<br />

há quatro anos pelo Observatório do Meio Rural (OMR)<br />

numa obra de pesquisa com o título “Discursos à Volta do<br />

Regime de Propriedade da Terra em Moçambique” – é uma<br />

das várias formas de fazer uma contextualização que vá<br />

ao encontro das diversas vozes que, vezes sem conta, questionam<br />

a “perfeição” atribuída à Lei de Terras. Segundo a<br />

pesquisadora Uacitissa Mandamule, os fenómenos que se<br />

verificam em torno da gestão da terra espelham (aquilo<br />

a que chama de) “desordem política e social, na qual o País<br />

está mergulhado desde a independência. Essa desordem é<br />

caracterizada por uma gestão, em grande medida patrimonial<br />

e clientelista do Estado e dos seus recursos naturais,<br />

mas também pelo facto paradoxal de a terra constituir<br />

propriedade última do Estado que, por sua vez, não reconhece<br />

a propriedade privada sobre a mesma, muito menos<br />

a sua venda, ainda que, actualmente, de maneira (in)formal<br />

e generalizada, ela exista, envolvendo diferentes actores, a<br />

diferentes níveis (central e local) da hierarquia político-administrativa<br />

e social, e assumindo dimensões inquietantes”.<br />

No fundo, é difícil encontrar quem não tenha a mesma opinião<br />

a este respeito. A E&M ouviu o director-geral do Centro<br />

de Integridade Pública (CIP), Edson Cortez, que revelou que<br />

“levanta-se a suspeição de que se tenta ‘tapar o sol com a<br />

peneira’, porque a forma como foi desenhada a lógica do<br />

aproveitamento de terra beneficia os mais fortes. Porquê?<br />

Se a terra é do Estado, a qualquer altura este tem o poder de<br />

requisitar qualquer parcela que já esteja ocupada evocando<br />

que o seu interesse é maior do que o do usuário. O problema<br />

é que por detrás do conceito abstracto do Estado há pessoas<br />

que utilizam o próprio conceito para realizar interesses individuais,<br />

que podem ir em contramão com o interesse dos<br />

usuários da terra”, constatou. Para o pesquisador, este fenómeno<br />

acaba por legitimar uma situação de ambiguidade<br />

que invariavelmente vai favorecer a quem tem poder, e<br />

que geralmente se aproveita do fácil acesso a informação<br />

privilegiada sobre, por exemplo, o interesse de investidores<br />

estrangeiros para instalar determinado empreendimento.<br />

“Sem querer dizer que, a vinda de investidores para o País<br />

não seja benéfica, o que quero explicar é que há pessoas que<br />

têm de ser ressarcidas e a compensação deve ser justa”, esclareceu<br />

Edson Cortez referindo-se às comunidades.<br />

O Governo assume os problemas…<br />

Legítimas ou não (até porque há muitas posições divergentes),<br />

as constatações daqueles pesquisadores indicam<br />

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23


Nação<br />

As actualizações que Lei sofreu com o tempo<br />

De um modo geral, foram ligeiras as alterações que se foram realizando desde a sua aprovação, em 1997, para adequá-la<br />

ao contexto social e económico do País. A maior parte foi à procura de melhorar a salvaguarda da posse segura, sobretudo pelas<br />

comunidades. E porque esta meta ainda não foi alcançada, a busca pelo “ponto óptimo” ainda não cessou.<br />

1997<br />

Lei n. o 19/1997<br />

de 01 de Outubro<br />

1998<br />

Decreto n. o 66/1998 -<br />

Regulamento<br />

Acesso à terra por<br />

investidores<br />

2003<br />

Alteração dos artigos<br />

20. o e 39. o do Regulamento<br />

É criada a Lei de Terras que<br />

revoga a Lei n.° 6/79, de 03 de<br />

Julho, que procura garantir o<br />

acesso e a segurança de posse<br />

da terra pelos camponeses<br />

moçambicanos e pelos<br />

investidores nacionais e<br />

estrangeiros. O princípio geral é<br />

o de que “a terra é propriedade<br />

do Estado e não pode ser<br />

vendida ou, por qualquer outra<br />

forma, alienada, hipotecada ou<br />

penhorada”.<br />

Enquanto a Lei de 1997 apenas<br />

estabelecia que pessoas<br />

singulares que, de boa-fé,<br />

estejam a utilizar a terra<br />

há, pelo menos, dez anos,<br />

adquirem o direito do seu<br />

uso e aproveitamento, o novo<br />

Decreto acrescentou que este<br />

privilégio não é aplicável a áreas<br />

reservadas legalmente para<br />

qualquer fim. Também passou<br />

a incluir estes terrenos no<br />

Cadastro Nacional de Terras.<br />

Na Lei de 1997, o direito de uso<br />

e aproveitamento da terras<br />

para a actividade económica<br />

está sujeito a um prazo máximo<br />

de 50 anos renovável por igual<br />

período. O decreto n.º 66/1998<br />

acrescentou a identificação<br />

prévia do terreno envolvendo<br />

os serviços de cadastro, as<br />

autoridades e as comunidades.<br />

Além disso, o terreno deve ser<br />

documentado no esboço e na<br />

memória descritiva.<br />

Foram alterados os artigos 20<br />

e 39 do Regulamento da Lei de<br />

Terras aprovado pelo Decreto<br />

nº 66/98. Quanto ao artigo<br />

20, as alterações trouxeram<br />

maior rigor no registo dos<br />

serviços de cadastro de terras.<br />

Já em relação ao artigo 39,<br />

que diz respeito a infracções<br />

e penalidades, veio agravar<br />

as multas que incidem sobre<br />

diversos tipos de infracção à Lei<br />

de Terras.<br />

que há muita coisa por arrumar neste contexto, e isso foi<br />

reconhecido pelo Presidente Nyusi no seu discurso de lançamento<br />

do Processo de Auscultação da Revisão da Política<br />

Nacional de Terras, a 16 de Julho passado, quando revela<br />

que “a nova política de terras em elaboração e a subsequente<br />

legislação devem preencher as actuais lacunas da<br />

ligação entre o uso e aproveitamento da terra e o acesso<br />

aos recursos naturais e a sua exploração sustentável”.<br />

… E sabe por onde atacar<br />

Nessa ocasião, o Presidente da República também demonstrou<br />

conhecimento profundo das questões por corrigir: “Os<br />

arranjos institucionais de gestão e administração da terra<br />

devem adequar-se aos actuais processos de descentralização<br />

da administração do País. O processo deve fornecer<br />

respostas sobre como desburocratizar a administração<br />

da terra, tanto ao nível das entidades do Governo central<br />

como das entidades provinciais, distritais e municipais. Temos<br />

de enquadrar o processo de gestão e administração<br />

da terra no contexto do novo figurino da descentralização.<br />

Queremos conviver com um quadro legal e operacional<br />

que estanque o açambarcamento de terras, a especulação<br />

e a corrupção, que reduza o risco de conflitos, que combata<br />

a existência de terras ociosas e que reforce, em particular,<br />

a protecção dos direitos das comunidades locais, em<br />

especial da mulher nas zonas rurais e dos jovens”. Ficavam<br />

assim resumidas as questões que geram toda a confusão<br />

que se testemunha no que à gestão da terra diz respeito.<br />

Na fase de auscultação recentemente lançada, o Governo procura<br />

que haja equilíbrio das diferentes forças da sociedade<br />

para que se possa atacar de frente os problemas da terra.<br />

Daí que a Comissão encarregada de conduzir o processo -<br />

Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras – inclui<br />

“Queremos conviver com um quadro legal e<br />

operacional que estanque o açambarcamento<br />

de terras, a especulação e a corrupção”<br />

representantes da Sociedade Civil, sector privado, académicos,<br />

as próprias comunidades, entre outras entidades à<br />

escala nacional, tudo para que cada um dos intervenientes<br />

aborde as questões sob o seu particular ângulo de vista.<br />

Mas como se vai operar a mudança?<br />

Na comunicação do Presidente, ficou claro que a revisão<br />

será feita respeitando três princípios que devem permanecer<br />

intactos, nomeadamente: o Estado continuará a ser o<br />

proprietário da terra e dos outros recursos naturais; todos<br />

os moçambicanos têm direito de acesso à terra; e os direitos<br />

adquiridos pelas famílias e comunidades locais deverão<br />

sempre ser protegidos. Estes princípios, entre outros, são<br />

os que fazem da Lei de Terras uma das mais elogiadas do<br />

mundo. Então, porque é que, mesmo assim, tem de ser revista?<br />

E em que aspectos se deve mexer?<br />

Não uniformizar as regras sobre a terra<br />

É o caminho proposto pelo economista António Francisco<br />

cujo percurso profissional já o colocou no centro destas<br />

questões. O académico recorda que quando esteve a coordenar<br />

a Estratégia de Desenvolvimento Rural, a ideia era<br />

não dar o mesmo tratamento a toda a terra, como se faz<br />

actualmente, mas discriminar as zonas comunitárias das<br />

zonas públicas, por isso entende que não faz sentido abordar<br />

a questão sem esta divisão, como se tem feito nos dias<br />

que correm. Esta ideia vai um pouco ao encontro do que foi<br />

24<br />

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LEI DE TERRAS<br />

2006<br />

2007<br />

2010<br />

2011<br />

Aprovado o regulamento<br />

do solo urbano<br />

Altera o artigo 35. o<br />

do Regulamento da Lei<br />

Actualização<br />

das taxas de acesso<br />

Consulta<br />

às comunidades<br />

À luz do Decreto n.º 60/2006,<br />

as regras técnicas a observar<br />

na elaboração dos planos de<br />

ordenamento são objecto de<br />

regulamentação específica<br />

nas áreas de cidades e vilas.<br />

Os órgãos locais do Estado<br />

e os autárquicos ganharam<br />

poder de emissão de licenças<br />

especiais para diferentes tipos<br />

de actividade, incluindo nas<br />

chamadas zonas de protecção<br />

parcial.<br />

O Decreto n.º 50/2007 altera<br />

o artigo 35. o da Lei de Terras.<br />

Impunha-se a necessidade de<br />

alterar os requisitos relativos<br />

ao processo de titulação do<br />

DUAT adquirido por ocupação<br />

pelas comunidades locais.<br />

Assim, os requisitos passavam<br />

a ser decididos pela entidade<br />

competente em função da área.<br />

No ordenamento anterior, eram<br />

exigidos vários requisitos neste<br />

processo.<br />

O Diploma Ministerial n.º<br />

144/2010 actualizou os valores<br />

das taxas a pagar pelos<br />

requerentes ou titulares do<br />

DUAT. A nova tabela estabeleceu<br />

que a autorização provisória<br />

passava a custar 1 500 meticais,<br />

a autorização definitiva 750 Mt,<br />

a taxa anual por hectare para 75<br />

Mt, e o Turismo, habitação de<br />

veraneio (lazer) e comércio com<br />

extensão de três quilómetros<br />

para 500 Mt por hectare.<br />

Através do Diploma Ministerial<br />

n.º 158/2011, os ministros da<br />

Agricultura e da Administração<br />

Estatal determinaram que a<br />

consulta à comunidade deve<br />

compreender duas fases: a<br />

primeira, que consiste numa<br />

reunião pública para informar<br />

a comunidade local sobre<br />

o pedido de aquisição; e a<br />

segunda, até 30 dias após<br />

a primeira, para o<br />

pronunciamento da comunidade.<br />

feito em Angola, onde a reforma permitiu que haja, actualmente,<br />

parcelas de terra não vendável geridas pelo Estado,<br />

e parcelas que o Estado pode vender para a utilização de<br />

privados, ficando assim salvaguardados os interesses soberanos<br />

da Nação e a independência dos privados.<br />

Para o economista, “é tudo muito difícil de entender porque,<br />

muitas vezes, ouvem-se grupos a reclamar que lhes foi retirada<br />

a terra, e a questão é: quem é que tem terra afinal?<br />

Temos um sistema legal que não reconhece o direito legítimo<br />

à terra. Até do ponto de vista da dignidade, como é que um<br />

camponês se pode sentir com auto-estima quando o Estado<br />

diz que a terra não é dele? Somos todos inquilinos do Estado”,<br />

critica o economista. Também defende que “o não reconhecimento<br />

do direito privado sobre a terra desvaloriza tudo,<br />

daí que o conflito está institucionalizado e não há volta a dar”.<br />

Na opinião do académico, “o sistema colonial de gestão da<br />

terra era muito melhor do que o actual porque respeitava<br />

as comunidades, mesmo reconhecendo a discriminação das<br />

chamadas melhores terras. Em Chókwè, por exemplo, havia<br />

negros que detinham terra produtiva. O Estado tinha<br />

um grande intervencionismo, mas havia a preocupação de<br />

garantir um certo respeito pelas comunidades”, concluiu.<br />

A resposta está na fiscalização da Lei...<br />

O director-geral do CIP, Edson Cortez, considera que a chave<br />

está no fortalecimento das instituições, já que não é só<br />

em relação à terra que se tem uma legislação impecável,<br />

mas também uma fraca capacidade de a fazer cumprir.<br />

Em relação à Lei de Terras, Cortez defende que, primeiro,<br />

deve reflectir os problemas que forem apurados no processo<br />

de auscultação pública. Depois, será necessário que<br />

haja uma fiscalização rigorosa do seu cumprimento para<br />

garantir que, efectivamente, mesmo depois de aprovada,<br />

haja quem penalize as violações independentemente da<br />

posição política, social ou qualquer tipo de privilégio de que<br />

a pessoa goze. “Aquilo a que assistimos, hoje, é que não há<br />

força suficiente para sancionar os ‘poderosos’. As próprias<br />

instituições públicas têm desapropriado pessoas sem que<br />

tenham o DUAT. Não cumprem com os trâmites previstos<br />

na Lei evocando que pretendem construir algo que é de<br />

interesse público. A situação é pior quando em causa está<br />

o Investimento Directo Estrangeiro. Assim, a fiscalização<br />

deve desempenhar um papel que faça a diferença neste<br />

processo que acaba de iniciar”, repisou.<br />

A Lei é mal interpretada ou será mesmo preciso mexer-lhe?<br />

Alda Salomão, assessora jurídica do Centro Terra Viva,<br />

também com domínio da Lei e das discussões que há em<br />

torno do tema, faz uma abordagem contrária à de Edson<br />

Cortez e de António Francisco sobre a protecção dos direitos<br />

das comunidades relativos à terra. Para a jurista e<br />

ambientalista, o verdadeiro sentido da reforma está na interpretação<br />

da Lei. Explica que o princípio de que a terra e<br />

outros recursos naturais são propriedade do Estado tem, na<br />

própria Lei, a clarificação de que a titularidade da propriedade<br />

de recursos sobre a terra pelo Estado é feita em nome<br />

e a favor dos cidadãos. “Portanto, clarifica também que o<br />

Estado é uma entidade subordinada aos cidadãos. Aliás, o<br />

conceito de Estado integra cidadãos e instituições no território<br />

nacional. Ou seja, a propriedade pública da terra e<br />

dos recursos naturais pelo Estado, no nosso contexto, significa,<br />

necessariamente, a propriedade colectiva dos cidadãos<br />

sobre a terra e os seus recursos. Isto está claro na Constituição<br />

da República, Política e Lei de Terras, mas muitas<br />

vezes há uma confusão conceitual. Pensa-se que o facto de<br />

a terra ser do Estado, este faz o que quiser sem precisar de<br />

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25


Nação<br />

“Enquanto o Estado assumir a posição de<br />

que a governação é participativa, temos de<br />

reconhecer como um aspecto positivo”<br />

consultar ninguém porque, por um lado, confunde-se o<br />

conceito de Estado e confunde-se o princípio que ditou o<br />

estabelecimento da propriedade do Estado sobre a terra”,<br />

esclarece a responsável, defendendo, também, maior fiscalização<br />

do cumprimento deste princípio legal.<br />

Outros méritos da Lei de Terras<br />

Mesmo a reforçar a ideia de que a Lei é segura, Alda Salomão<br />

faz menção a outros aspectos que carecem de melhor<br />

interpretação para resolverem as ineficiências de gestão<br />

e dos conflitos. Refere-se, por exemplo, ao poder e peso que<br />

se atribui aos cidadãos no processo de tomada de decisões<br />

respeitantes ao acesso e o uso da terra.<br />

“Temos um princípio de que o processo de tomada de decisões<br />

é participativo. Isto é, os cidadãos e as comunidades<br />

têm um papel, um lugar a ocupar e alguma coisa a dizer,<br />

contribuindo para as decisões que são tomadas sobre como<br />

é que a terra é usada, por quem, quando e como”, elogiou.<br />

E acrescenta que “enquanto o Estado assumir a posição e<br />

a opção de que a governação será feita de forma participativa<br />

e faz todo o esforço nesse sentido, então isso é um<br />

aspecto a notar, a destacar e a reconhecer como positivo”.<br />

Além do mais, o quadro político-legal estabelece que os<br />

recursos devem ser usados para a promoção do desenvolvimento<br />

nacional e o papel de destaque é atribuído ao<br />

sector privado, que também tem de aceder à terra e aos<br />

seus recursos para a geração de rendimentos e de lucros.<br />

Mas... se a Lei for de facto alterada?<br />

A E&M não traz a voz do sector privado a propósito do<br />

que quer ver mudado ao seu favor no novo figurino da<br />

Lei de Terras, porque o presidente do Pelouro da Terra e<br />

Ambiente na CTA (entidade que representa, oficialmente,<br />

o sector privado nacional), Bruno Vedor, integrado na missão<br />

da auscultação pública, não tinha reagido à solicitação<br />

da E&M para se pronunciar até ao fecho desta edição. Mas,<br />

recorrendo ao já conhecido anseio do empresariado, basta<br />

avançar que a maior queixa reside na dificuldade de<br />

acesso à terra, daí a necessidade de definir regras que ajudem<br />

a equilibrar as disputas entre o sector privado e as<br />

comunidades.<br />

O director-geral do CIP, Edson Cortez, lança uma crítica<br />

importante em relação ao timing em que todo este movimento<br />

acontece: “É contraditório ter de começar um<br />

processo de auscultação de pessoas numa altura em que<br />

não as podemos reunir e aqui prevemos que possamos entrar<br />

em choque, porque as pessoas geralmente lesadas em<br />

casos de conflito de terra são, na sua maioria, camponeses,<br />

nativos que detêm parcelas de terra durante vários anos<br />

e cuja posse vai transitando de geração em geração, e que<br />

têm conhecimento profundo sobre a maneira como o processo<br />

de desapropriação se desencadeia. São pessoas que<br />

deviam ser ouvidas sem quaisquer limitações, neste caso<br />

impostas pela pandemia do Covid-19, para que se possa fazer<br />

uma reforma da Lei que resolva os reais problemas<br />

das comunidades”, alertou o pesquisador.<br />

26<br />

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OPINIÃO<br />

A revisão da política da Terra em<br />

Moçambique — desafios e oportunidades<br />

Paula Duarte Rocha & Ana Berta Mazuzes • HRA Advogados<br />

em julho do corrente ano, o Presidente da República<br />

de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, lançou<br />

a auscultação pública para a revisão da política<br />

da terra em Moçambique, que culminará<br />

com a revisão da Lei n.º 19/97 de 1 de outubro,<br />

Lei de Terras e demais legislações que regulam<br />

o processo de gestão de terra no país.<br />

Moçambique é um país marcado por uma forte herança do<br />

regime socialista que vigorou entre 1975 e 1990, e a aprovação<br />

da actual política nacional de terras, em 1996, constituiu<br />

uma consagração dos princípios já em vigor desde<br />

essa era, que se desdobram nas seguintes linhas mestras:<br />

A propriedade do Estado sobre a terra, já consagrada na<br />

Constituição de 1975 e 1990;<br />

A protecção do direito das comunidades locais sobre a terra; e<br />

O Direito de acesso à terra a todos os moçambicanos.<br />

A Lei de Terras, aprovada pela Lei n.º 19/97 de 1 de outubro<br />

Lei de Terras, consagrou o regime de acesso e transmissão<br />

da terra, respeitando os limites já estabelecidos pela Constituição<br />

da República e política nacional de terras, tendo<br />

sido igualmente aprovado o seu Regulamento, através do<br />

Decreto n.º 66/98 de 8 de Dezembro, que estabelece de forma<br />

minuciosa os procedimentos para o acesso a terra e a<br />

sua transmissão. No entanto, o Regulamento da Lei de Terras<br />

aplica-se apenas as zonas não abrangidas pelas áreas<br />

sob jurisdição dos Municípios. Para estas áreas, é aplicado<br />

o Regulamento do Solo Urbano, aprovado através do Decreto<br />

n.º 60/2006 de 26 de dezembro.<br />

Nos termos da Lei de Terras e do seu Regulamento, tanto<br />

as pessoas singulares e colectivas nacionais e estrangeiras,<br />

podem ser titulares Direito de Uso e Aproveitamento<br />

da Terra “DUAT”. As pessoas singulares nacionais podem<br />

adquirir o DUAT por ocupação de boa-fé ou ocupação pelas<br />

comunidades locais, e por via da autorização do pedido<br />

pelas autoridades competentes. Já as pessoas colectivas<br />

e pessoas singulares estrangeiras, podem adquirir o<br />

DUAT por via da autorização do pedido pelas autoridades<br />

competentes.<br />

Para além das formas de acesso previstas nos instrumentos<br />

referidos anteriormente, o Regulamento do Solo Urbano<br />

prevê outras formas de aquisição do DUAT dentro dos<br />

espaços urbanos, nomeadamente: o sorteio, a hasta pública<br />

e a negociação particular.<br />

Quanto as formas de transmissão do DUAT, a Lei e os respectivos<br />

regulamentos estabelecem duas principais formas:<br />

(i) por via de herança ou (ii), por via da transmissão<br />

de prédios urbanos que resulta na transmissão automática<br />

do DUAT.<br />

A propriedade exclusiva do Estado sobre a terra, assim<br />

como as formas de aquisição e transmissão, sempre foram<br />

apontadas como factores que influenciam de forma<br />

negativa o ambiente de negócios em Moçambique, dada<br />

a elevada insegurança por parte dos agentes económicos,<br />

principalmente os investidores estrangeiros, pois resulta<br />

numa elevada burocracia no processo de aquisição<br />

do DUAT, na intervenção de diferentes entidades, numa<br />

elevada discricionariedade da administração pública e,<br />

em limitações quanto à transmissão do direito. A título<br />

de exemplo, a aquisição do DUAT para implementação de<br />

projectos de investimento carece de uma autorização pela<br />

entidade competente, que deve ser antecedida por uma<br />

consulta das comunidades locais, para o caso de espaços<br />

que se situam fora das áreas municipais. A obrigatoriedade<br />

de consulta pelas comunidades locais visa evitar que<br />

sejam concedidos DUATs em espaços já ocupados pelas comunidades<br />

locais; no entanto, os investidores por vezes enfrentam<br />

resistência por parte destas comunidades, o que<br />

vem a constituir um entrave para o processo de aquisição.<br />

Por outro lado, há uma dualidade de critérios entre o regime<br />

aplicado para as zonas urbanas e para as zonas que<br />

não são abrangidas pelas áreas municipais. Enquanto a Lei<br />

de Terras e o seu Regulamento prevêem duas formas de<br />

A Lei de Terras prevê apenas duas formas de aquisição do DUAT: a ocupação<br />

e a autorização do pedido. No entanto, o seu Regulamento acaba por prever<br />

outras formas que não estão previstas na Lei, o que não deveria acontecer<br />

28<br />

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A propriedade exclusiva do Estado sobre a terra, assim como as formas de aquisição e transmissão são, muitas vezes, um entrave ao ambiente de negócios em Moçambique<br />

aquisição, a ocupação ou autorização do pedido, o Regulamento<br />

do Solo urbano vai mais além, ao prever outras formas,<br />

designadamente: sorteio, hasta pública e negociação<br />

particular. A Lei de Terras prevê apenas duas formas de<br />

aquisição do DUAT, a ocupação e a autorização do pedido; no<br />

entanto, o seu Regulamento vem a prever outras formas<br />

que não estão previstas na Lei, o que não deveria acontecer.<br />

As condições impostas às pessoas colectivas quanto à existência<br />

de um projecto e prazos para implementação dos<br />

projectos concedem à administração pública maior discricionariedade<br />

tanto na atribuição do DUAT como na revogação<br />

do mesmo. Por outro lado, Moçambique é um país<br />

caracterizado por um elevado número de conflitos de terra<br />

devido à falta de um sistema que permita às entidades<br />

terem controlo sobre as atribuições ou aquisições de DUAT,<br />

o que leva à existência de múltiplas atribuições do DUAT<br />

sobre as mesmas parcelas.<br />

A sociedade civil, assim como o sector empresarial, tem<br />

vindo a lançar apelos para uma revisão da Lei de Terras,<br />

do modo a eliminar barreiras no acesso à terra tanto pelas<br />

populações assim como pelos agentes económicos. Na<br />

comemoração dos 20 anos da Lei de Terras, foi lançado<br />

oficialmente o processo de revisão da Lei de Terras, e recentemente<br />

o Presidente da República lançou oficialmente<br />

o processo da auscultação pública da revisão dessa Lei.<br />

Nessa ocasião, reiterou que a revisão “não deixará cair<br />

os princípios da propriedade do Estado sobre a Terra e<br />

da protecção as comunidades locais”, eliminando assim as<br />

expectativas em torno do debate sobre a possibilidade de<br />

privatização da terra com vista à melhoria do ambiente<br />

de negócios. Não obstante este facto, durante os mais de 20<br />

anos em que a Lei de Terras está em vigor, vários outros<br />

problemas foram identificados que carecem de cobertura<br />

legal nesta revisão. Para alem dos já mencionados, questões<br />

como a possibilidade e procedimentos para desanexação<br />

da terra e a possibilidade de transmissão de DUAT por<br />

via da cessão de exploração são alguns pontos-chave que<br />

não poderão ser negligenciados nesta revisão.<br />

Embora o Estado tenha optado por manter o regime actualmente<br />

em vigor – o que se entende, tendo em conta<br />

os problemas que a privatização da terra poderia trazer<br />

uma vez que a maior parte da população é pobre e teria<br />

dificuldades de ter acesso à terra se esta fosse comercializada<br />

— esta revisão é uma oportunidade para melhorar<br />

todos os aspectos que constituem uma barreira ao acesso<br />

e aproveitamento da terra por parte das pessoas singulares<br />

e colectivas.<br />

Por outro lado, é uma revisão desafiante, uma vez que as<br />

linhas mestras até aqui lancadas não vão ao encontro das<br />

expectativas do sector empresarial, que vinha defendendo<br />

a tese da privatização da terra. Nisto, o governo deverá<br />

encontrar um balanço entre os princípios que pretende<br />

manter e a eliminação dos procedimentos e as limitações,<br />

tanto no acesso como na transmissão do DUAT.<br />

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Nação<br />

“Não precisamos de mexer na Política<br />

de Terras, temos é de clarificar a Lei”<br />

Alda Salomão<br />

Assessora jurídica do Centro Terra Viva<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & D:R:<br />

a<br />

jurista,<br />

ambientalista<br />

e fundadora do Centro<br />

Terra Viva – uma<br />

Organização Não Governamental<br />

criada em 2002<br />

para colmatar lacunas de<br />

educação, informação, preservação e<br />

aplicação de legislação ambiental – já<br />

vem acompanhando a discussão sobre<br />

a exploração da terra há vários anos.<br />

Alda Salomão integrou, inclusive, um<br />

grupo de peritos que produziu o Relatório<br />

de Avaliação da Governação<br />

de Terras em Moçambique 2015-2016,<br />

encomendado pelo Banco Mundial e<br />

pela FAO com o objectivo de avaliar o<br />

desempenho interno sobre a matéria.<br />

Mesmo reconhecendo os problemas<br />

que há, Alda Salomão não vê razões<br />

para se alterar a legislação, mas apon-<br />

ta uma série de outros campos de<br />

intervenção a serem considerados para<br />

assegurar uma melhor exploração<br />

da terra. A preparação dos Recursos<br />

Humanos das instituições públicas em<br />

termos de capacidade jurídica é um<br />

deles.<br />

Quando falamos na legislação em<br />

Moçambique ouvimos sempre dizer:<br />

“Fizemos um bom trabalho no<br />

alinhamento dos nossos princípios<br />

e valores às disposições legais, políticas,<br />

etc., mas a implementação<br />

deixa muito a desejar”. Com a Lei<br />

de Terras não é diferente. Afinal, o<br />

que é que falhou no processo da sua<br />

formulação?<br />

Há duas dimensões de análise. Uma<br />

tem que ver com os aspectos intra-legais,<br />

isto é, relacionados com o conteúdo<br />

dos instrumentos político-legais. Ou<br />

seja, quais são as deficiências que encontramos<br />

no texto da política ou no<br />

texto da Lei ou dos regulamentos sobre<br />

a terra, e que impedem a sua implementação.<br />

A outra dimensão de<br />

análise tem que ver com questões extra-legais.<br />

Dizem respeito aos problemas<br />

que estamos a enfrentar no quadro<br />

da implementação da Lei mas que<br />

não têm que ver com o seu conteúdo.<br />

Como tal, é importante esmiuçarmos<br />

estes aspectos todos para evitar<br />

que embarquemos num processo de<br />

revisão de uma política que não tem<br />

quaisquer problemas. Ou seja, os problemas<br />

que constatamos no âmbito da<br />

implementação da legislação não decorrem<br />

de fragilidades ao nível da po-<br />

30<br />

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Lei de Terras<br />

Em concreto, o que é que deve mudar?<br />

O que há por melhorar e de<br />

que maneira?<br />

Tenho defendido que é importante que<br />

a fundamentação da revisão da Lei seja<br />

muito clara. Há problemas de interpretação<br />

do seu conteúdo e dificuldades<br />

extra-legais. Por isso é que me parece<br />

que a prioridade, neste momento,<br />

é rever a Lei de terras e não a política.<br />

Por exemplo, o conceito do Estado e a<br />

sua propriedade sobre a terra e os recursos<br />

naturais precisa de estar muito<br />

claro. A legislação não contém este<br />

conceito porque penso que se concluiu<br />

que não era necessário que essa definição<br />

fosse incluída ao nível da Lei de<br />

Terras, mas na verdade há uma série<br />

de problemas decorrentes da má interpretação<br />

e confusão sobre o conceito<br />

de Estado. Os representantes do Estado,<br />

por exemplo, confundem Governo<br />

com Estado, por um lado e, por outro,<br />

não percebem os objectivos para<br />

os quais a propriedade pública foi instituída.<br />

Também há a questão do conceito<br />

de comunidade local. Nós dizemos<br />

que as comunidades locais têm o<br />

direito à Terra com base em normas<br />

e práticas costumeiras, mas há muito<br />

debate e controvérsia à volta da entidade<br />

a que chamamos comunidade local<br />

que é uma entidade jurídica titular<br />

de direitos reconhecidos pelo Estado.<br />

É por aqui que se deve explicar a<br />

origem da ineficácia na gestão da<br />

terra enquanto fonte de riqueza e<br />

a dificuldade de arbitrar e conter<br />

os crescentes conflitos?<br />

Veja: questiona-se o que é comunidade<br />

local, quem é membro ou não desta<br />

comunidade. A relação entre comunidade<br />

local enquanto entidade jurídica<br />

e outros actores é muito pouco clara.<br />

Isto é, enquanto actor no processo<br />

de gestão e administração de terras, a<br />

comunidade local não está muito bem<br />

posicionada apesar de a constituição<br />

poderes e responsabilidades institucionais<br />

sobre os limites de poder do Governo<br />

central, das autoridades tradicionais,<br />

dos governos distritais, etc., e a<br />

relação entre todos estes actores bem<br />

como a destes com o sector privado nacional<br />

e/ou estrangeiro.<br />

E quando se diz que é obrigação do<br />

Estado e das empresas consultar os<br />

cidadãos e as comunidades locais<br />

sobre os processos relativos à exploração<br />

da terra, o que significa?<br />

Qual é o valor da consulta?<br />

Isso também não está claro. Uma leitura<br />

integrada de todas as disposições<br />

da constituição da Política e da Lei permitem<br />

facilmente chegar à conclusão<br />

de que o consultado tem o direito de<br />

dizer “não”. Mas não está claro na Lei,<br />

e muitas vezes não se dá ao consultado<br />

a prerrogativa de dizer “não”. Geralmente,<br />

o Governo leva às comunidades,<br />

por exemplo, investidores com<br />

projectos de investimento e impõe que<br />

estas cedam parcelas de terra, sem<br />

mesmo explicar-lhes sobre os seus direitos<br />

e obrigações nem informá-las<br />

sobre as opções de posicionamento,<br />

previstas na Lei, que podem tomar.<br />

Assim, há uma percepção generalizada,<br />

sobretudo no meio rural, de que a<br />

terra é do Estado e que se o Governo a<br />

É preciso clarificar conceitos, poderes e responsabilidades institucionais<br />

sobre os limites de poder do Governo central, das autoridades tradicionais,<br />

dos governos distritais, etc. e a relação entre todos estes actores, e destes<br />

com o sector privado nacional e estrangeiro<br />

lítica (entenda-se política como a base<br />

operacionalizada pela Lei). E esta é a<br />

situação em que nos encontramos.<br />

lhe atribuir direitos e poderes de intervenção<br />

na administração de terras<br />

e no acesso e uso de recursos. Quando<br />

se chega à questão da tomada de decisões<br />

sobre processos ou intervenções<br />

que acontecem em terras comunitárias<br />

nunca fica claro quem é que deve<br />

tomar as decisões. Afinal, até onde<br />

é queasas as entidades que gerem a<br />

terra com base em práticas costumeiras<br />

têm poder decisório? Se uma entidade<br />

externa pretender ocupar terras<br />

comunitárias, quem é que determina<br />

se a sua terra é ocupada ou não?<br />

Qual é o peso da decisão da autoridade<br />

comunitária perante o Governo? Pode<br />

o líder comunitário dizer que não precisa<br />

de um determinado investimento<br />

em razão de existirem outras prioridades?<br />

É preciso clarificar conceitos,<br />

requerer para quaisquer fins, não<br />

há o que fazer senão ceder. Ao adoptar<br />

instrumentos legais desta natureza,<br />

que têm impacto muito profundo<br />

na vida das pessoas e das comunidades,<br />

uma das principais obrigações<br />

do Estado deveria ser assegurar que<br />

todos os cidadãos e famílias deste país<br />

conheçam pelo menos as disposições<br />

legais da Lei de Terras que é a base<br />

da vida social, cultural e económica da<br />

Nação. Os cidadãos têm de saber onde<br />

se posicionam de ponto de vista legal<br />

no que diz respeito à terra, o seu principal<br />

meio de subsistência. Têm de saber<br />

como agir perante as instituições<br />

do Estado e do sector privado, conhecerem<br />

as suas responsabilidades e direitos.<br />

Por muito boa que a legislação<br />

seja, se os cidadãos não a conhecem e<br />

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31


Nação<br />

cos ou privados com as comunidades.<br />

E teremos os agentes do Estado a<br />

essa imposição. Isto para dizer que o<br />

nível de consciência, de integridade<br />

pública e de internalização da importância<br />

do conceito do Estado de Direito<br />

é fundamental. Neste momento, ainda<br />

não atingimos o ponto em que todos os<br />

agentes do Estado conhecem e dominam<br />

a legislação e actuam nos termos<br />

prescritos pela mesma. Temos ministros,<br />

governadores, directores provinciais,<br />

administradores distritais, etc.,<br />

que não conhecem o quadro legal sobre<br />

terras. É preciso preparar os Recursos<br />

Humanos das instituições públicas<br />

em termos de capacidade jurídica.<br />

Mesmo que a Lei seja revista, se os agentes do Estado não prestarem<br />

atenção à obrigatoriedade de actuarem permanentemente nos termos da<br />

Lei, continuaremos a ter problemas de a Lei impor que haja negociações<br />

entre investidores públicos ou privados com as comunidades<br />

não sabem usá-la, não chegaremos onde<br />

queremos chegar.<br />

Então coloca-se, também, a necessidade<br />

de adoptar mecanismos de<br />

controlo do cumprimento da Lei,<br />

medida que tem sido defendida por<br />

várias entidades. Entende ser este<br />

o caminho a seguir na revisão que<br />

se está a preparar?<br />

A capacidade de resposta do Governo<br />

está muito aquém de atender às solicitações<br />

dos cidadãos, daí resultarem os<br />

conflitos entre as comunidades, entre<br />

estas e os investidores, etc., por falta de<br />

fiscalização cuidada. É importante que<br />

as instituições e o Governo, a todos os<br />

níveis, tenham esta preocupação como<br />

prioridade. Por exemplo, em 2015 o<br />

Presidente tinha anunciado cinco milhões<br />

de títulos e o resultado, no fim do<br />

quinquénio, está muito aquém disso.<br />

A pergunta que se impõe é: porque<br />

é que estamos a falhar em relação a<br />

uma prioridade tão grande quanto a<br />

protecção de direitos? Porque é que<br />

não conseguimos delimitar terras para<br />

todas as comunidades do País? Qual<br />

é a dificuldade, desde 1997, de termos o<br />

território dos distritos organizados do<br />

ponto de vista sociojurídico se todas as<br />

comunidades estão sob alguma legislação<br />

administrativa que pode fazê-<br />

-lo? A questão da clarificação da ocupação<br />

territorial e do seu mapeamento<br />

para prevenir conflitos não está a<br />

ser prioridade. A administração pública<br />

deve ter a capacidade de emitir títulos<br />

de uso e aproveitamento de terras<br />

sempre que for solicitado ou requerido,<br />

porque está escrito na Política<br />

e na Lei. Mas não é o que está a<br />

acontecer.<br />

Sente que estes pontos todos estão a<br />

ser tomados em conta pelo Governo<br />

no processo de reforma agora na<br />

fase de auscultação pública? Existe<br />

ou não a consciência dos reais<br />

problemas?<br />

É fundamental avaliar a maneira como<br />

os agentes do Estado se conformam<br />

com a legislação na sua actuação diária.<br />

Mesmo que a Lei seja revista, se<br />

os agentes não prestarem atenção à<br />

obrigatoriedade de actuarem permanentemente<br />

nos termos da mesma,<br />

continuaremos a ter problemas<br />

na imposição, prevista legalmente, de<br />

negociações entre investidores públi-<br />

É esta a lacuna que explica os problemas<br />

ao nível do ordenamento<br />

territorial que se têm testemunhado<br />

a todos os níveis?<br />

Em parte, sim. Não estamos a organizar<br />

o território e as populações para<br />

termos uma gestão pacífica de terras<br />

e recursos naturais. Não estamos a<br />

adoptar instrumentos que foram criados<br />

pela Política e pela Lei que deveriam<br />

ajudar a orientar não só a tomada<br />

de decisões ao nível político, mas<br />

também ao nível económico como, por<br />

exemplo, os planos de ordenamento<br />

territorial e os planos de uso de terras.<br />

Até hoje, com 45 anos de independência,<br />

os distritos não têm planos de ordenamento<br />

de terra para assegurar<br />

a prevenção de conflitos. E este, mais<br />

uma vez, não é um problema relacionado<br />

com a própria Lei.<br />

Há quem fale em fragilidades ao<br />

nível da responsabilização como<br />

caminho para reorientar as<br />

boas práticas de gestão da terra…<br />

De acordo! A ligeireza com que se trata<br />

a questão da violação de direitos<br />

tem de ser resolvida e a responsabilização<br />

é aqui chamada. Neste momento,<br />

quando os direitos dos cidadãos são<br />

violados, os espaços de recursos para<br />

requerer protecção são complicadíssimos.<br />

A maior parte da população não<br />

sabe sequer por onde começar para<br />

resolver um problema de violação dos<br />

seus direitos. Os que podem até vão<br />

queixar-se às televisões, mas não é assim<br />

que devia ser. Há, igualmente, que<br />

considerar a logística de implementação<br />

deste quadro político-legal. É preciso<br />

ter recursos materiais e financeiros.<br />

Se isto não acontece como é que faremos<br />

a fiscalização dos processos?<br />

32<br />

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Nação<br />

“É necessário fortalecer os<br />

mecanismos que garantem a função<br />

social e económica da terra”<br />

Idah Pswarayi-Riddihough<br />

Directora do Banco Mundial para Moçambique<br />

Texto de Celso Chambisso• Fotografia de Mariano Silva<br />

numa das primeiras entrevistas<br />

que concede à<br />

comunicação social desde<br />

que assumiu a pasta<br />

de directora do Banco<br />

Mundial para Moçambique,<br />

há pouco mais de um mês, Idah<br />

Pswarayi-Riddihough junta-se aos que<br />

elogiam a Lei moçambicana de Terras,<br />

mas admite que há muito espaço ainda<br />

para ajustar a estrutura legal e institucional.<br />

O Banco Mundial é uma das<br />

organizações multilaterais mais presentes<br />

em assuntos ligados à gestão de<br />

terras em diversos países.<br />

Em Moçambique, a instituição também<br />

tem um grande envolvimento estando<br />

ligado a diversos projectos e estudos<br />

que visam aperfeiçoar a legislação nacional<br />

de terras e a maximização do<br />

seu aproveitamento enquanto recurso<br />

capaz de promover o desenvolvimento<br />

económico, com destaque para a realização<br />

da “Avaliação da Governação<br />

de Terras em Moçambique Relatório<br />

2016”, que envolveu uma equipa de peritos<br />

nacionais de várias instituições<br />

na avaliação dos desafios internos.<br />

Uma pesquisa do Observatório do Meio<br />

Rural, intitulada “Discursos à volta do<br />

regime de propriedade da Terra em<br />

Moçambique”, e que foi publicado há<br />

cinco anos, recorda que uma tendência<br />

recorrente em muitos países é que<br />

ainda que a compra e venda da terra<br />

não sejam formalmente permitidas, estas<br />

existem e constituem preocupação<br />

para muitas Organizações da Sociedade<br />

Civil, populações e administrações<br />

de Estados como o Burquina Fasso, Mali,<br />

Ruanda, Costa do Marfim e Moçambique,<br />

por exemplo. Em relação a este<br />

último, ainda de acordo com a publicação,<br />

o valor da terra é influenciado<br />

pela presença ou não de um título de<br />

cadastro e pelos custos de acesso, sendo<br />

os preços nos mercados de terras rurais<br />

os mais baixos. O Relatório desta<br />

mesma pesquisa diz ainda que “para o<br />

Banco Mundial, a existência dos mercados<br />

de terra é desejável visto que estes<br />

podem melhorar a eficácia das transferências<br />

de terras e facilitar o acesso<br />

ao crédito para realizar investimentos.<br />

Reduzindo a assimetria de informação<br />

sobre a terra, as transacções<br />

tornam-se menos custosas de implementar,<br />

aumentando assim a liquidez<br />

do mercado de terras e permitindo a<br />

transferência das terras dos agricultores<br />

menos produtivos para os mais<br />

produtivos”.<br />

Ao contrário deste posicionamento, a<br />

directora do Banco Mundial apresenta<br />

uma visão neutra e pró-desenvolvimento,<br />

isto é, não atribui relevância ao<br />

tipo de regime de gestão da terra, mas<br />

sim ao alcance que pode ter no bem-estar<br />

geral.<br />

Em que medida o Banco Mundial está<br />

envolvido nas iniciativas, para a<br />

nova reforma legal, já iniciadas, nomeadamente<br />

a auscultação agora<br />

lançada pelo Presidente Nyusi?<br />

O Banco Mundial está a apoiar o processo<br />

de revisão da Política Nacional<br />

de Terras e de reforma legal como<br />

A Lei atribui poderes significativos de gerenciamento de terras às<br />

comunidades, mas não fornece uma orientação para o estabelecimento<br />

de uma entidade local que não seja a própria comunidade conforme a Lei<br />

parte do Projecto de Administração de<br />

Terras financiado pelo Banco através<br />

do Projecto MozLand. O apoio é direccionado<br />

especificamente para garantir<br />

um processo de consulta amplo, inclusivo<br />

e transparente, que inclua todas<br />

as partes interessadas dos sectores<br />

público e privado, e líderes da Sociedade<br />

Civil e da comunidade, nos níveis<br />

nacional, local e comunitário, e<br />

utilizando plataformas de consultas<br />

formais e informais. Esse esforço inclui<br />

o apoio ao Fórum Consultivo da<br />

Terra à Conferência Nacional da Terra<br />

e à Reunião Nacional de Autoridades<br />

Tradicionais e Outros Líderes Comunitários<br />

em Terra, a serem organizados<br />

no processo de consulta pública.<br />

O Banco Mundial, por meio do Projecto<br />

MozLand, fornece ainda assistência<br />

técnica especializada no contexto<br />

da revisão da política nacional e da legislação<br />

de terra por meio da elaboração<br />

de estudos técnicos, conforme solicitado<br />

e acordado com a Comissão para<br />

a Revisão da Política Agrária Nacional,<br />

que é a entidade responsável por<br />

coordenar, preparar e conduzir o processo<br />

de consulta.<br />

Uma breve avaliação dos aspectos<br />

relevantes, negativos e positivos<br />

da Lei de Terras em Moçambique, a<br />

que conclusões leva?<br />

É importante ressaltar que a Lei de Terras<br />

é bastante progressista em termos<br />

de reconhecimento dos direitos costumeiros<br />

da terra. Acreditamos que o<br />

País é amplamente considerado como<br />

tendo uma das políticas de terra e estruturas<br />

legislativas mais progressistas<br />

para uma governança da terra sustentável<br />

e equitativa em África.<br />

De acordo com a Lei de Terras de 1997<br />

34<br />

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Lei de terras<br />

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35


Nação<br />

e a Constituição de 2004, os cidadãos e<br />

as comunidades locais têm reconhecimento<br />

estatutário dos seus direitos de<br />

usar e se beneficiar da terra que ocupam<br />

(DUAT), com base na ocupação costumeira<br />

e de boa fé. Os DUAT obtidos<br />

por meio da ocupação costumeira e de<br />

boa fé são reconhecidos e protegidos<br />

por Lei. Essas formas costumeiras e de<br />

boa fé de ocupação ainda são as principais<br />

maneiras pelas quais os pobres<br />

rurais obtêm direitos relativamentes<br />

à terra.<br />

No entanto, a Lei e os regulamentos ainda<br />

apresentam lacunas significativas,<br />

particularmente no que diz respeito à<br />

representação legal das comunidades e<br />

ao gerenciamento de terras comuns e<br />

recursos naturais. Não obstante os progressos<br />

alcançados até agora, Moçambique<br />

ainda tem espaço para ajustar a<br />

estrutura legal e institucional.<br />

A Lei de Terras atribui poderes e responsabilidades<br />

significativos de gerenciamento<br />

de terras e recursos naturais<br />

às comunidades, mas não fornece uma<br />

estrutura ou orientação para o estabelecimento<br />

de uma entidade local, além<br />

da “comunidade local”, conforme definido<br />

vagamente na Lei.<br />

Que implicações tem a herança socialista<br />

na eficácia da actual política<br />

e legislação de terras no País. Ou<br />

seja, de que forma impacta no seu<br />

uso sustentável, quer para a actividade<br />

económica, quer na salvaguarda<br />

da posse segura?<br />

Um dos legados do passado de Moçambique<br />

é a sua legislação progressista<br />

e actual em relação à terra. O Banco<br />

Mundial apoia esse processo consultivo<br />

que visa rever a eficácia da política<br />

e legislação actual, com vista a<br />

abordar questões relacionadas com a<br />

sustentabilidade e segurança da posse,<br />

e aguarda com expectativa o resultado<br />

desse processo.<br />

Que conjunto de mais-valias o País<br />

poderia colher se a terra fosse privatizada,<br />

o que garantidamente<br />

não vai acontecer, segundo avisou o<br />

Presidente da República no acto do<br />

lançamento da auscultação pública<br />

para a sua revisão?<br />

O Banco Mundial considera que o importante<br />

é que a revisão da Lei de<br />

Terras aperfeiçoe mecanismos para,<br />

de um lado, garantirem o interesse<br />

público da terra e, de outro, assegurarem<br />

que o uso e aproveitamento<br />

da terra pelo sector privado (indivíduo,<br />

empresas, etc.) seja feito de forma<br />

transparente, eficiente e justa.<br />

Não podendo ser privatizada, e estando<br />

garantido que haverá a protecção<br />

da posse pelas comunidades,<br />

que outros factores devem fazer<br />

parte do novo figurino da Lei para<br />

garantir uma exploração mais<br />

sustentável?<br />

Moçambique, à semelhança de muitos<br />

países, pode continuar com o quadro<br />

actual onde a terra é um bem público,<br />

mas reconhecer na Lei que existe<br />

esse mercado da terra sem assim<br />

estar a privatizá-la. É, portanto, necessário<br />

fortalecer os mecanismos para<br />

garantir a função social e económica<br />

da terra, seja ela sob direito público<br />

ou privado. O Banco considera que<br />

o importante é proteger os direitos de<br />

diferentes titulares de posse, incluindo<br />

usos alternativos da terra, com regulamentação<br />

clara sobre direitos e<br />

responsabilidades, uso, acesso fácil a<br />

informações e mecanismos transparentes<br />

para a resolução de disputas<br />

para todos os detentores de posse e<br />

para todos usuários da terra.<br />

Uma das preocupações do Banco<br />

Mundial, expressas no Relatório de<br />

“Avaliação da Governação de Terras<br />

em Moçambique 2016”, tem que<br />

ver com a resolução dos conflitos<br />

de terra. Um trecho do documento<br />

revela que, em 2006, o Banco Mundial<br />

fazia um diagnóstico sobre a<br />

questão do acesso à terra em Moçambique<br />

que concluiu que a Lei de<br />

Terras não promoveu investimentos<br />

de longo prazo na agricultura,<br />

nem há evidências de que tenha<br />

36<br />

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Lei de terras<br />

empoderamento e desenvolvimento<br />

da comunidade local, pelo que o projeto<br />

MozLand precisa de ser complementado<br />

por outros programas para<br />

estimular ainda mais o investimento e<br />

o desenvolvimento económico.<br />

E quanto à possibilidade de tanto os<br />

pequenos como os grandes agricultores<br />

usarem a terra como garantia<br />

para empréstimos, que posicionamento<br />

o Banco Mundial defende?<br />

A experiência internacional mostra<br />

que a formalização da posse da terra<br />

através da emissão de títulos é um<br />

elemento importante das políticas de<br />

desenvolvimento rural, pois pode trazer<br />

segurança fundiária e incentivar<br />

investimentos.<br />

A experiência internacional mostra,<br />

igualmente, que o uso da terra como<br />

garantia para empréstimos depende<br />

de uma série de factores que são<br />

específicos a cada circunstância, como<br />

sejam a oferta de linhas de crédito<br />

adequadas, uma demanda efectiva<br />

para tais serviços financeiros e<br />

a capacidade das famílias de pagar<br />

as suas dívidas. Como tal, pode beneficiar<br />

alguns agricultores, mas eventualmente<br />

não será bom para todos,<br />

pelo que carece de mais análises para<br />

um posicionamento mais preciso.<br />

mercado da terra urbana. Feito isso, o<br />

estudo comparou a fórmula actual de<br />

cálculo do IPRA, que não incorpora o<br />

valor da terra, com modelos praticados<br />

na maioria dos cidades no mundo<br />

onde o cálculo do imposto da propriedade<br />

urbana é feito sobre o valor<br />

de mercado. Isso levou a concluir que<br />

cidades como Maputo e Matola poderiam<br />

aumentar a arrecadação do<br />

IPRA em até dez vezes se seu cálculo<br />

levasse em conta o valor já praticado<br />

nessas cidades. Outra conclusão do estudo<br />

foi que por não levar em conta<br />

a terra na cobrança do IPRA, as cidades<br />

ficam sem um instrumento muito<br />

importante para incentivar um uso<br />

mais produtivo do solo urbano. Muitas<br />

cidades no mundo não apenas cobram<br />

um imposto sobre propriedade de terrenos<br />

subaproveitados, como também<br />

têm mecanismos de progressividade<br />

que aumentam em até dez vezes a<br />

alíquota da cobrança sobre essas terras<br />

improdutivas. Se essas reformas<br />

fossem implementadas, os municípios<br />

fortaleceriam muito a sua base de receitas,<br />

e assim teriam mais capacidade<br />

para investir em infra-estruturas<br />

urbanas e habitação que hoje é insuficiente<br />

para a maioria da população.<br />

Isso também daria mais incentivo ao<br />

sector privado para construir, ao in-<br />

O importante é proteger os direitos de diferentes titulares de posse,<br />

incluindo usos alternativos da terra, com regulamentação clara sobre<br />

direitos e responsabilidades, uso, acesso fácil a informações...<br />

proporcionado uma distribuição<br />

equitativa da terra… O Banco acredita<br />

que o Governo detém, agora,<br />

instrumentos para resolver os conflitos<br />

recorrentes?<br />

A adopção de um programa sistemático<br />

e bem direccionado de delimitação<br />

de terras comunitárias pode gerar investimentos<br />

mais eficientes, tanto na<br />

esfera pública quanto na privada, com<br />

impactos positivos associados. Os processos<br />

de delimitação da comunidade<br />

e formalização dos direitos relativos à<br />

terra (actualmente apoiados por vários<br />

projectos financiados pelo Banco<br />

Mundial) fornecem bases sólidas para<br />

investimentos privados inclusivos<br />

nos sectores agrícola e florestal para<br />

o benefício de várias partes interessadas.<br />

A delimitação e certificação de<br />

terras pela comunidade devem ser<br />

vistas como um aspecto integrante do<br />

Um estudo do Banco Mundial, publicado<br />

em <strong>Agosto</strong> de 2017, dava conta<br />

de que a terra urbana não está a<br />

ser bem aproveitada para a construção<br />

de habitações e de infra-estruturas.<br />

Por isso, os municípios estão<br />

a perder dinheiro. Da autoria<br />

de um especialista urbano do Banco<br />

Mundial, André Herzog, o estudo<br />

sugeriu que, se distribuída de forma<br />

equitativa, a terra urbana poderia<br />

aumentar oito vezes as receitas<br />

dos municípios. Que instrumentos<br />

suportam esta conclusão?<br />

Qual é o aspecto particular do mau<br />

aproveitamento da terra que ocasiona<br />

este subaproveitamento do<br />

potencial?<br />

O estudo do Banco Mundial levantou<br />

o valor real praticado nas transacções<br />

imobiliárias em Maputo e Matola<br />

para entender melhor o valor do<br />

vés de especular com a terra urbana,<br />

aumentando em muito a produção<br />

habitacional, comercial e industrial<br />

na cidade.<br />

Sendo o Quadro de Avaliação da Governação<br />

de Terras (LGAF) um instrumento<br />

de diagnóstico participativo,<br />

sente que as recomendações<br />

da equipa de peritos envolvida na<br />

sua elaboração estão a ser tomadas<br />

em consideração?<br />

O Quadro de Avaliação da Governança<br />

da Terra, concluído em 2016, foi um<br />

esforço participativo liderado por vários<br />

stakeholders ​e especialistas nacionais<br />

e resultou em várias recomendações<br />

que devem ser consideradas<br />

e actualizadas conforme apropriado,<br />

como uma contribuição importante<br />

para o processo de consulta recentemente<br />

lançado.<br />

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37


Nação<br />

Políticas de terra lá fora.<br />

Como é que o assunto é tratado?<br />

Em África, muitas preocupações em torno da exploração de terra são semelhantes, sobretudo a<br />

necessidade de evitar conflitos assegurando a posse segura pelas comunidades. O Ruanda é um<br />

dos exemplos a seguir, mas há outras experiências, boas e más, sobre as quais vale a pena reflectir<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />

angola tem uma história<br />

semelhante à de Moçambique,<br />

até mesmo no que<br />

diz respeito a questões<br />

relativas à gestão de terras.<br />

Mas o percurso nas<br />

reformas tem estado a ditar um rumo<br />

diferente. Um artigo publicado no<br />

portal Angola Press, a 14 de Junho passado,<br />

faz uma resenha do percurso do<br />

País e dá a entender que os angolanos<br />

estão, de certa forma, confortáveis<br />

com os resultados das reformas que<br />

foram realizando nos últimos anos na<br />

sua legislação que data de 1992.<br />

De acordo com o artigo, “o Estado angolano<br />

continua a dar particular atenção<br />

à questão do acesso à terra, com actualizações<br />

periódicas da legislação, com<br />

vista a permitir um melhor aproveitamento<br />

dos terrenos, fundamentalmente<br />

para efeitos agrícolas e habitacionais”.<br />

Embora a base da construção da Política<br />

e Lei de Terras tenha sido semelhante,<br />

ao contrário do que acontece<br />

em Moçambique, em Angola, um olhar<br />

atento, baseado num estudo comparado,<br />

demonstra que enquanto a Lei de<br />

1992 era reduzida apenas a fins agrários,<br />

a actual Lei de Terras (Lei n.º 9/04,<br />

9 de Novembro) trouxe uma visão integradora<br />

e multidisciplinar e passou<br />

a abarcar funções agrárias, económicas,<br />

sociais e urbanísticas, que permitem<br />

aos particulares e às sociedades<br />

serem titulares de diversos direitos sobre<br />

terrenos.<br />

Assim, hoje, com a mudança de paradigma<br />

suportada em fundamentos da<br />

Lei Magna (2010), a terra passou a ser<br />

propriedade originária do Estado, que<br />

tem uma parte considerada de domínio<br />

público, isto é, que não se pode vender<br />

a pessoas singulares e colectivas,<br />

e outra de domínio privado, ou seja,<br />

vendável.<br />

Para os angolanos, “a Lei em vigor está<br />

mais enriquecida, tratando a problemática<br />

da terra na perspectiva da<br />

habitação, do uso e do aproveitamento<br />

das riquezas naturais, relevando, inclusive,<br />

o direito mineiro, agrário, florestal<br />

e de ordenamento do território.<br />

Também dá suporte ao exercício de<br />

actividades económicas, agrárias, industriais<br />

e de prestação de serviços”.<br />

Com as mudanças na legislação, a<br />

aquisição de direitos é por contrato.<br />

Os interessados podem requerer uma<br />

parcela, para fins diversos, aos governos<br />

provinciais, ministérios de tutela<br />

e Conselho de Ministros, desde que tenham<br />

capacidade de aquisição dos direitos<br />

sobre bens imóveis.<br />

Mas este conforto não é de todo generalizado.<br />

Há quem defenda uma nova<br />

revisão da Lei, com o argumento<br />

de que, apesar dos avanços, a maioria<br />

dos terrenos em posse dos cidadãos é<br />

desprovida de título ou documento legal.<br />

Além disso, muitos cidadãos não se<br />

preocupam em legalizar os espaços.<br />

Continuam a erguer residências em<br />

terrenos pertencentes ao Estado, sem<br />

falar na ociosidade de grandes porções<br />

de terra nas mãos dos cidadãos.<br />

Mesmo com o reconhecimento dos<br />

avanços, estes factores vão adiando o<br />

alcance do ponto óptimo na gestão da<br />

terra em Angola, o que vai suscitando<br />

a necessidade de reformas adicionais.<br />

38<br />

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lei de terras lá fora<br />

Aprender com o Ruanda e o Leste Europeu<br />

O Banco Mundial apoiou os esforços de<br />

muitos governos na transição das economias<br />

centralmente planificadas para<br />

economias de mercado, que envolveram<br />

acções como o registo de direitos<br />

de terra, modernização de registos<br />

e cadastros fundiários, a criação/modernização<br />

de sistemas de informação<br />

fundiária, entre outros. Segundo a instituição,<br />

Moçambique pode, certamente,<br />

aprender com essas experiências e<br />

o Banco está pronto para apoiar consultas<br />

e intercâmbios sobre as lições<br />

aprendidas. Um exemplo notável em<br />

África é a experiência do Ruanda, que<br />

levou à emissão massiva de títulos de<br />

propriedade sobre a terra e o registo<br />

de direitos fundiários, bem como a<br />

incorporação destes num sistema moderno<br />

de administração fundiária.<br />

De notar ainda que muitos países do<br />

Leste Europeu foram dos primeiros a<br />

reformarem as suas economias, o que<br />

levou a mudanças profundas no quadro<br />

legal e institucional. Essas mudanças<br />

ajudaram estes países a se desenvolverem<br />

economicamente e a melhorarem<br />

as condições de acesso à habitação<br />

e investimento para aumentar<br />

a produtividade da terra.<br />

Alguns não fizeram essa transição de<br />

forma transparente, eficiente e justa,<br />

e acabaram por piorar ainda mais o<br />

uso e aproveitamento da terra. “Por<br />

isso é muito importante para Moçambique<br />

esse debate público, informado<br />

por estudos profundos, e que envolva<br />

todos os sectores da sociedade para<br />

garantir que essas reformas, tragam<br />

os benefícios esperados para o desenvolvimento<br />

do país”, sugere o Banco<br />

Mundial.<br />

A dura batalha da África do Sul<br />

e do Zimbabué<br />

O rumo traçado por estes países divide<br />

opiniões. Há quem o considere correcto<br />

e quem o critique. A E&M não<br />

assume qualquer posição a respeito,<br />

mas pretende recordar ao leitor as<br />

consequências de uma lógica de política<br />

de expropriação de terras que ambos<br />

seguem ao tentarem estabelecer<br />

o que chamaram de justiça social, podendo<br />

contribuir, eventualmente, para<br />

tirar ilações do que se pode ou não<br />

fazer no contexto interno.<br />

O economista António Francisco recorda<br />

que o Zimbabué imitou Moçambique<br />

e fez ao fim de 20 anos o que aqui<br />

foi feito em um ano ou dois, quando o<br />

O que se faz lá fora?<br />

Dois exemplos de reformas na Lei de Terras,<br />

o de Angola e o do Ruanda, apresentam<br />

resultados positivos. Já o Zimbabué trouxe<br />

resultados nefastos à economia e a África<br />

do Sul vai seguir o mesmo, mas tentará<br />

“inovar” para evitar o abismo.<br />

Angola<br />

A terra passou a<br />

ser propriedade<br />

originária do Estado,<br />

que tem parte da<br />

terra considerada de<br />

domínio público, isto é,<br />

que não se pode vender<br />

a pessoas singulares e<br />

colectivas, e outra de<br />

domínio privado, ou<br />

seja, vendável.<br />

África do Sul<br />

Desde o princípio de<br />

2018, o Governo vem<br />

manifestando interesse<br />

em expropriar terras<br />

da minoria branca para<br />

a maioria negra sem<br />

indemnizá-la.<br />

No Zimbabué a<br />

experiência não<br />

resultou, a ver vamos<br />

como será na África<br />

do Sul.<br />

Ruanda<br />

Mobilizou uma<br />

campanha que levou<br />

à emissão massiva de<br />

títulos de propriedade<br />

sobre a terra e o registo<br />

de direitos fundiários<br />

e a incorporação<br />

dos mesmos num<br />

sistema moderno<br />

de administração<br />

fundiária.<br />

Zimbabué<br />

Há quase 20 anos, o<br />

já falecido Presidente<br />

Robert Mugabe retirou<br />

dos experientes<br />

farmeiros brancos<br />

grandes extensões de<br />

terra produtiva para as<br />

atribuir aos produtores<br />

negros, alegando<br />

restabelecer a justiça<br />

na posse e mergulhou o<br />

país na crise.<br />

País expulsou os colonos. Para o economista,<br />

ao fazer isso, o Presidente Robert<br />

Mugabe tinha motivações meramente<br />

políticas, nomeadamente a de<br />

tentar salvar o seu Governo colocando<br />

os rurais contra os urbanos, perante<br />

os quais já estava a perder poder.<br />

Mas os resultados disso sobre a economia<br />

foram avassaladores: o País precipitou-se<br />

para uma crise económica<br />

sem precedentes, porque na mão dos<br />

farmeiros negros, a terra ficou praticamente<br />

improdutiva face ao fraco<br />

domínio das técnicas de produção<br />

em comparação com os agricultores<br />

brancos. Por isso, “o actual Presidente<br />

do Zimbabué anda à procura<br />

dos farmeiros brancos para os indemnizar”,<br />

recorda o economista, dando<br />

a entender que se trata de um assumir<br />

de erros por parte do Governo<br />

zimbabueano.<br />

Enquanto isso, a África do Sul vem ensaiando<br />

o mesmo caminho do Zimbabué<br />

e, desde princípios de 2018, fala<br />

na alteração da legislação, no sentido<br />

de expropriar a terra dos farmeiros<br />

brancos sem os indemnizar. Ciente das<br />

consequências que esta medida trouxe<br />

ao Zimbabué, o Presidente sul-africano,<br />

Cyril Ramaphosa, diz ser “uma<br />

questão que vamos continuar a tratar<br />

com cuidado e com responsabilidade”.<br />

O certo é que a Lei de Terras Nativas<br />

da África do Sul, aprovada em 1913<br />

deu direito de posse de 90% das terras<br />

aos brancos, que constituíam à época<br />

menos de um terço da população.<br />

Uma fórmula única para a África<br />

Um relatório do Banco Mundial intitulado<br />

“Como África pode Transformar<br />

a Posse da Terra, Revolucionar a<br />

Agricultura e Acabar com a Pobreza”,<br />

publicado há sete anos, já referia que<br />

mais de 90% dos terrenos rurais de<br />

África estão indocumentados, o que os<br />

torna extremamente vulneráveis a<br />

usurpações e expropriações com compensação<br />

muito baixa. No entanto, e<br />

com base em experiências piloto encorajadoras<br />

em alguns países, incluindo<br />

Moçambique, o relatório sugere um<br />

plano de acção que aponta que o continente<br />

poderia, finalmente, concretizar<br />

a grande promessa de desenvolvimento<br />

das suas terras, no decorrer<br />

da próxima década, se adoptasse medidas<br />

que incluíssem, entre várias outras,<br />

a realização de investimento para<br />

cadastrar todas as terras comunitárias<br />

e as mais férteis.<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

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OPINIÃO<br />

Necessidade ou Rigor?<br />

Denise Branco • Investigadora e Consultora em Comunicação<br />

Intercultural e Tradução para Fins Empresariais, Técnicos e Científicos<br />

“P<br />

Para quem (re)conhece a informação que a abordagem<br />

reciso” é uma palavra intrigante e<br />

provocadora pelas opções interpretativas<br />

que nos proporciona pois dá<br />

vida a duas atitudes de dinâmicas<br />

opostas: (1) a da necessidade e da carência<br />

e (2) a da exactidão e do rigor.<br />

da Programação Neurolinguística (PNL) faculta sobre o<br />

processo de tomada de decisão e de comunicação do indivíduo,<br />

– e na verdade das colectividades -, muito estará a<br />

aprender no actual clima mundial de necessidade versus<br />

precisão. Num momento de incertezas que comprometem<br />

e questionam veementemente o rigor e a exactidão de<br />

previsões – porque implicam responsabilização –, a análise<br />

do discurso demonstra uma fuga para a “necessidade”.<br />

Os discursos alternam entre acção e passividade: responsabilidade<br />

e dependência. Pelo meio, a inflexibilidade e intolerância<br />

de quem receia o desconhecido.<br />

O campo da educação – no que esta noção encerra enquanto<br />

forma de estar na vida e não apenas a limitação<br />

ao espaço físico que representa a visão de um país – tem<br />

sido o lugar onde “necessidade” e “rigor” se têm digladiado<br />

internacionalmente pelas mais diversas razões: económicas,<br />

políticas, de saúde pública, entre outras, infelizmente,<br />

nem sempre educacionais, nem sempre honrando o ser<br />

humano no seu todo. Neste terreno, aparentemente mais<br />

neutro, colhem-se dados fundamentais sobre a resiliência<br />

e agilidade do Agora e do Amanhã de cada indivíduo e de<br />

cada colectividade. Neste reflexo encontram-se ampliadas<br />

as vulnerabilidades e as mais-valias que ilustram claramente<br />

as escolhas de cada Estado. É nesse reflexo que, em<br />

tempos de incerteza, se pode encontrar certezas sobre a<br />

sustentabilidade de qualquer decisão, em qualquer área<br />

da vida: pessoal ou profissional. Porquê deter-nos neste<br />

aspecto? Porque é por via da educação – e da prioridade<br />

que lhe é dada – que se constroem narrativas. Narrativas<br />

cuja repetição diária reforça a programação de comportamentos.<br />

Esgotada da sua essência mais nobre por se ter<br />

tornado numa buzzword que serviu – e serve – variados<br />

propósitos, é a educação que determina o lado para o qual<br />

o pêndulo cai. É na linguagem da educação – pessoal ou<br />

organizacional – que reside a programação para a acção<br />

ou a passividade. As escolhas feitas na área da educação<br />

são hoje bem visíveis num mundo que vive refém de uma<br />

incerteza pandémica.<br />

A abordagem PNL visa equipar o indivíduo com as competências<br />

e ferramentas necessárias para atingir o seu<br />

potencial máximo. Assim, convido o leitor a realizar um<br />

eficaz exercício que, num convite passado, tinha como<br />

objectivo conhecer-se melhor para comunicar melhor.<br />

Hoje, o exercício consiste em conhecer-se melhor para<br />

poder agir com um propósito mais claro e mais eficaz na<br />

construção da sua narrativa pessoal ou organizacional.<br />

Detenha-se sobre as seguintes questões: ouve ou escuta?<br />

Vê ou observa? Pensa ou reflecte? Reage ou age? Tem “necessidade”<br />

de ou “quer fazer”? Num momento de incerteza,<br />

as respostas a estas questões irão trazer-lhe maior clareza<br />

sobre o que pode escolher fazer por si/pela sua organização<br />

ou, por outro lado, compreender melhor as opções<br />

que outros lhe oferecem. Ou não. Aí encontrará a motivação<br />

e energia para a narrativa que pretende continuar a<br />

escrever, ou a oportunidade para transformá-la.<br />

Convido o leitor a realizar um eficaz exercício que, num convite passado, tinha como objectivo<br />

conhecer-se melhor para comunicar melhor. Hoje, o exercício consiste em conhecer-se melhor<br />

para poder agir com um propósito mais claro e mais eficaz na construção da sua narrativa...<br />

40<br />

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<strong>Mercado</strong> e finanças<br />

Em que medida é inclusiva...<br />

... a inclusão financeira?<br />

Até 2022, 60% da população deverá estar inserida no sistema financeiro e, nessa medida, as carteiras móveis têm<br />

sido decisivas, a avaliar pelo seu contributo nos resultados do Finscope 2019. Mas a banca só cresceu 1% desde 2014<br />

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.<br />

ra está distorcida e jamais vai possibilitar<br />

o alcance da meta que as autoridades<br />

perseguem desde 2016, de expandir<br />

a cobertura para 60% da população<br />

economicamente activa até<br />

2022”.<br />

Souto apresenta um conjunto de argumentos<br />

que conduzem a este posicionamento,<br />

e que se resumem, basicamente,<br />

na situação económica e social<br />

do País.<br />

Primeiro, sugere que se visite o discurso<br />

que a administradora do Banco<br />

de Moçambique, Gertrudes Tovela,<br />

proferiu por ocasião da divulgação<br />

do Relatório de Inquérito aos Consumidores<br />

Finscope 2019, no qual revelou<br />

que “todos os intervenientes no<br />

sistema são chamados a implementar<br />

acções que melhorem o actual estado<br />

de inclusão financeira no País. A título<br />

ilustrativo, os resultados indicam que o<br />

acesso aos serviços bancários cresceu<br />

o<br />

acesso aos serviços financeiros<br />

melhorou significativamente<br />

nos últimos<br />

cinco anos, com os níveis<br />

de exclusão a reduzirem<br />

de 60% em 2014 para<br />

46% em 2019, lembrando que em 2009<br />

estava nos 18%, graças ao papel relevante<br />

que a carteira móvel vem desempenhando<br />

na melhoria do acesso,<br />

tendo registado um aumento impressionante<br />

de 3% para 29% da população<br />

adulta no mesmo período, embora<br />

o número de contas bancárias tenha<br />

aumentado apenas um ponto percentual,<br />

de 20% para 21%. Os resultados<br />

estão no Relatório do Inquérito aos<br />

Consumidores Finscope 2019, divulgado<br />

em intervalos de cinco anos pela Financial<br />

Sector Deepening Mozambique<br />

(FSD Moç.).<br />

A E&M ouviu o CEO do Gapi-SI, António<br />

Souto, para quem “a inclusão financeiapenas<br />

um ponto percentual em cinco<br />

anos, passando a percentagem da<br />

população adulta com conta bancária<br />

de 20%, em 2014, para 21%, em 2019”<br />

(dos 14,2 milhões de pessoas com idade<br />

superior a 16 anos). Para António Souto,<br />

este é o assumir de que “o actual estado<br />

não é bom”.<br />

Indo aos pontos concretos<br />

De acordo com o gestor, os próprios documentos<br />

apresentados sobre a evolução<br />

da inclusão financeira de 2014 a<br />

2019 apresentam pontos que provam<br />

que o País não está no caminho da inclusão<br />

financeira, a justificar pelo fraco<br />

poder económico das pessoas. O primeiro<br />

aspecto é que o uso dos telemóveis<br />

cresceu de 48% para 53% o que<br />

não pode ser considerado relevante<br />

para o intervalo de cinco anos a que<br />

se refere a pesquisa; em termos de comunicação,<br />

a rádio diminuiu de 47%<br />

42<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


Serviços financeiros<br />

“Estes dados todos são ilustrativos de<br />

que não chegaremos à inclusão”, justificou<br />

o gestor.<br />

Fraca qualidade da bancarização?<br />

Outra questão que o gestor coloca é o<br />

facto de o crescimento da bancarização<br />

ter sido de apenas um ponto percentual,<br />

o que é muito pouco para o volume<br />

do investimento feito nestes últimos<br />

cinco anos.<br />

António Souto questiona também a razão<br />

para se “aplaudir” o crescimento<br />

da população servida pelos serviços<br />

financeiros formais de 23% para 43%<br />

com o argumento de que estes serviços,<br />

grosso modo, referem-se ao mobile<br />

money através de transacções que<br />

se resumem a transferências que, sem<br />

deixarem de ser importantes, deixam<br />

de fora transacções fundamentais no<br />

mercado como o acesso aos depósitos e<br />

ao crédito.<br />

Já o informal, que cresceu de 27% para<br />

32%, significa que as pessoas “fugiram”<br />

do sistema financeiro formal, aumentando<br />

o número de pessoas que opta<br />

por outras vias. E isso é também confirmado<br />

pelos dados da poupança formal<br />

que, no geral, caiu de 8% para 7%<br />

entre 2014 e 2019, e a população banca-<br />

de o País insistir estrategicamente na<br />

disponibilização de pontos de acesso<br />

aos serviços financeiros, é tempo de<br />

voltar as atenções para o facto de as<br />

pessoas usarem ou não estes pontos<br />

de acesso. Ou seja, é preciso que haja<br />

uma verificação atenta que apure se<br />

não serão as mesmas pessoas que já<br />

tinham acesso ao banco a usufruírem<br />

dos novos pontos de acesso por razões<br />

diversas, levando a que tal expansão<br />

tenha impacto reduzido ou nulo na promoção<br />

da inclusão. “É necessário questionarmos<br />

como poderemos ter mais<br />

pessoas abrangidas. Portanto, não<br />

falemos apenas do acesso, que já nos levou<br />

a um estágio relativamente avançado.<br />

É muito importante começarmos<br />

a falar do uso, sob pena de, até 2022,<br />

haver uma regressão por haver pessoas<br />

que não estão a usar os diferentes<br />

pontos de acesso expandidos. Temos<br />

de passar do acesso para o uso”, sugere.<br />

A directora da FSD Moç. defende<br />

que uma expansão dos serviços financeiros<br />

que seja mais abrangente só será<br />

possível se o mercado for capaz de<br />

trazer produtos e serviços que respondam<br />

às necessidades específicas<br />

das pessoas. Isto é, “os provedores dos<br />

diferentes serviços devem estar aptos<br />

“A distorção da inclusão financeira não vai poder ser resolvida<br />

só com políticas monetárias. Este é o meu argumento central,<br />

porque há aqui reflexos de políticas económicas e sociais”<br />

para 41%; a televisão só aumentou nas<br />

regiões urbanas (de 21% para 25%); o<br />

uso do computador aumentou só de 4%<br />

para 5%; o acesso à internet é de apenas<br />

9%; a leitura de jornais e de revistas<br />

é baixíssima. Ou seja, estes indicadores<br />

de acesso à informação mostram<br />

que há dificuldades no poder económico<br />

das pessoas.<br />

Para agravar, os dados mostram que<br />

52% da população tem rendimentos<br />

que variam entre mil e 5 mil meticais,<br />

representando uma deterioração<br />

em comparação com 2014, se a condição<br />

das pessoas tiver de ser “dolarizada”<br />

(lembrando que houve uma acentuada<br />

depreciação do metical ao longo<br />

deste período).<br />

Além disso, houve muitas pessoas que<br />

perderam rendimentos: em 2014 eram<br />

só 2% e no ano passado subiram para<br />

18% e só 9% da população adulta tem<br />

emprego formal, antes do Covid-19.<br />

rizada caiu de 7% para 3% no mesmo<br />

período. Além disso, ao nível da região,<br />

Moçambique é o terceiro país com<br />

maior nível de exclusão financeira. E<br />

as perspectivas com esta perda de capacidade<br />

e poder de compra das pessoas<br />

vai pôr em sérias dúvidas o objectivo<br />

da cobertura de 60% dos adultos<br />

financeiramente incluídos até 2022.<br />

Todos estes pormenores levam António<br />

Souto à conclusão de que “a distorção<br />

da inclusão financeira não vai poder<br />

ser resolvida só com políticas monetárias.<br />

Este é o meu argumento central,<br />

porque há aqui reflexos de políticas<br />

económicas e sociais”.<br />

Disponibilidade vs utilização dos serviços<br />

A E&M também ouviu a directora-executiva<br />

da FSD Moç., Esselina Macome,<br />

que lançou, igualmente, um debate interessante<br />

sobre a matéria.<br />

De acordo com a economista, em lugar<br />

a entenderem estas necessidades utilizando<br />

as técnicas apropriadas, sendo<br />

requisito fundamental que se aproximem<br />

das pessoas e conheçam a fundo<br />

a realidade do seu dia-a-dia, para daí<br />

desenharem soluções mais ajustadas”,<br />

sublinhou.<br />

O papel da literacia financeira<br />

Para a economista, a literacia será<br />

fundamental no processo de expansão<br />

da utilização dos serviços financeiros.<br />

Esselina Macome entende que<br />

o mais importante, neste contexto,<br />

não é o domínio dos termos da área,<br />

mas a capacidade de usar os diferentes<br />

produtos e serviços de que o mercado<br />

dispõe. Ou seja, há aspectos que<br />

as pessoas já conhecem no mundo das<br />

finanças, e muitos outros que não conhecem.<br />

Por exemplo, desta vez o estudo<br />

considerou indicadores indirectamente<br />

ligados ao sector financeiro<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

43


Inclusão financeira<br />

deu grande salto...<br />

Nos últimos cinco anos, a inclusão<br />

cresceu graças ao aumento acentuado da<br />

utilização das soluções móveis<br />

Em % da *população adulta<br />

inclusão financeira<br />

carteira móvel<br />

bancarização<br />

*O estudo considera como população adulta a indivíduos<br />

acima dos 16 anos de idade, portanto, em idade activa.<br />

Serviços formais cresceram<br />

abaixo do esperado<br />

Mais uma vez, este resultado<br />

é impulsionado pelo crescimento<br />

da carteira móvel<br />

Em % da população adulta<br />

serviços formais<br />

bancarizado<br />

outros serviços formais<br />

excluídos<br />

Opções estão<br />

mais diversificadas<br />

Maior parte usa em simultâneo as<br />

soluções móveis e a banca, mas há mais<br />

pessoas a preferirem só a carteira móvel<br />

Em % da população adulta<br />

só conta bancária<br />

dinheiro móvel e conta bancária<br />

Só dinheiro móvel<br />

excluídos<br />

2014 2019<br />

40<br />

54<br />

3<br />

29<br />

20<br />

21<br />

23<br />

43<br />

20<br />

21<br />

10<br />

41<br />

60<br />

46<br />

6<br />

15<br />

14<br />

65<br />

... e É mais fácil aceder<br />

ao dinheiro móvel<br />

Este fenómeno pode explicar a razão<br />

por que a carteira móvel está a crescer<br />

acentuadamente<br />

Acesso em minutos, a maioria a pé e a minoria de táxi ou de “chapa”<br />

agente de dinheiro móvel<br />

mercearia<br />

agência bancária<br />

atm<br />

empréstimo informal<br />

Moçambique entre os piores<br />

De um conjunto de países recentemente<br />

avaliados no continente, Moçambique<br />

ainda apresenta um dos mais elevados<br />

índices de exclusão financeira<br />

Em % da população adulta<br />

seichelles<br />

áfrica do sul<br />

ruanda<br />

quénia<br />

eswathini<br />

uganda<br />

namíbia<br />

tanzânia<br />

nigéria<br />

moçambique<br />

15<br />

10<br />

15<br />

22<br />

45<br />

45<br />

45<br />

45<br />

25<br />

FONTE Relatório do Inquérito aos Consumidores<br />

Finscope 2019<br />

Nota: inclusão financeira considera todos os que possuem e/<br />

ou usam serviços financeiros formais ou informais; exclusão<br />

considera pessoas que não usam qualquer destes serviços;<br />

serviço formal é o que é prestado por uma instituição<br />

financeira, seja bancária ou não; serviço informal são os não<br />

regulados; bancarizados são os serviços regulados pelo Banco<br />

Central; e os serviços de outras instituições financeiras<br />

são os prestados por instituições financeiras não-bancárias<br />

reguladas pelo Banco Central.<br />

3<br />

7<br />

7<br />

11<br />

13<br />

13<br />

13<br />

13<br />

13<br />

13<br />

Fraca cobertura no meio<br />

rural e mulheres excluídas<br />

Dados indicam que há muito por fazer<br />

para criar serviços específicos<br />

para o meio rural e para as mulheres.<br />

Em % da população adulta<br />

exclusão urbana<br />

exclusão rural<br />

exclusão masculina<br />

exclusão feminina<br />

como a capacidade de planificar as<br />

suas necessidades financeiras e concluiu<br />

que a maioria não tem esta prática,<br />

incluindo as pessoas que utilizam<br />

os serviços financeiros formais<br />

e conhecem os termos da área. Esselina<br />

Macome suspeita que este fenómeno<br />

pode ser reflexo da redução dos<br />

níveis de poupança que, entre 2014 e<br />

2019 caiu de 35% para 16%. Mas para<br />

reforçar a literacia, felizmente, há<br />

já iniciativas em curso. O sector da<br />

Educação já assumiu programas específicos<br />

a serem leccionados a partir<br />

da 4ª classe. Trata-se de um trabalho<br />

que foi desenvolvido pelo Banco<br />

de Moçambique e pela Bolsa de Valores<br />

de Moçambique (BVM). Além disso,<br />

a própria FSD Moç. está a preparar<br />

um jogo digital para as crianças<br />

aprenderem, enquanto brincam, a lidar<br />

com instrumentos da área financeira<br />

e deixa a promessa de disponibilizar<br />

esses meios em breve.<br />

21<br />

60<br />

43<br />

48<br />

44<br />

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Serviços financeiros<br />

Indo ao estudo: peso da carteira móvel<br />

é o destaque<br />

Em 2014, só 3% da população adulta<br />

utilizava os serviços financeiros por<br />

telemóvel, uma proporção que passou<br />

para 29%, em 2019. “Procurámos saber<br />

qual terá sido o maior factor impulsionador<br />

do salto que se verificou<br />

e concluímos que foi o aumento da utilização<br />

dos meios digitais, com peso<br />

substancial das carteiras móveis, contribuindo,<br />

em grande medida, para<br />

que tivéssemos um aumento dos 40%<br />

que tínhamos em 2014 para 54% em<br />

2019 da cobertura de acesso aos serviços<br />

financeiros por pessoas economicamente<br />

activas (a partir dos 16 anos<br />

de idade)”, explicou a directora-executica<br />

da FSD Moç. De acordo com Esselina<br />

Macome, a outra área que evoluiu<br />

bastante foi a dos seguros. A economista<br />

explicou também que se verificou<br />

um crescimento tangencial da banca<br />

tradicional, do ponto de vista de utilizadores.<br />

“Se olharmos apenas para a<br />

banca, a evolução foi de apenas um<br />

ponto percentual para 21%. Em termos<br />

percentuais parece pouco, mas<br />

em termos de número absoluto é significativo.<br />

Porquê? Se tentarmos ver<br />

quantas pessoas tinham conta bancária<br />

dentro do grupo economicamente<br />

activo de 2014 até 2019, concluímos<br />

que há um grande aumento, já que ultrapassa<br />

190 mil pessoas. Também verificamos<br />

que as pessoas fazem muitos<br />

serviços utilizando mais do que uma<br />

plataforma financeira. São poucas as<br />

pessoas que utilizam apenas a banca.<br />

Geralmente utiliza-se, em simultâneo,<br />

a banca, as carteiras móveis e<br />

até os serviços financeiros informais.<br />

Portanto, há uma intercepção”, esclareceu.<br />

O que explica esta mistura de<br />

opções pelos usuários dos serviços financeiros<br />

é a acessibilidade e o tempo<br />

necessário para alcançar cada um<br />

dos provedores. Por exemplo, o tempo<br />

para chegar a uma agência bancária<br />

(ver gráfico) é muito superior ao<br />

necessário para chegar a um agente<br />

de carteira móvel, mesmo porque, em<br />

cinco anos, não houve qualquer evolução<br />

na média dos 45 minutos necessários<br />

para chegar a um banco ou a<br />

uma caixa ATM, enquanto que o tempo<br />

para chegar ao dinheiro móvel reduziu<br />

de 15 para dez minutos. Ao contrário<br />

da ideia de António Souto a este<br />

respeito, e a avaliar pela evolução<br />

dos indicadores da pesquisa, Esselina<br />

Macome acredita que “se o ritmo<br />

com que se conseguiu avançar nos últimos<br />

cinco anos se mantiver, seguramente,<br />

o País não falhará a meta dos<br />

60% de cobertura da população activa<br />

em termos de acesso aos serviços<br />

financeiros físicos ou electrónicos formais”.<br />

Verdade ou não, o importante é<br />

que as ferramentas de análise estão<br />

lançadas e o tempo encarregar-se-á<br />

por confirmar.<br />

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45


OPINIÃO<br />

YES, Boss.<br />

o<br />

ambiente de trabalho na sua organização é<br />

psicologicamente seguro? Se fizer esta pergunta<br />

a um dos seus Colaboradores e a resposta<br />

chegar pronta, e com um “YES, Boss”… bem,<br />

talvez o seu ambiente de trabalho não seja<br />

psicologicamente seguro. E vejamos porquê.<br />

A produtividade do trabalho é uma medida que resulta<br />

da interacção, numa dada unidade de tempo, do seguinte<br />

conjunto de variáveis: Produtividade do Trabalho = (Esforço<br />

+Competência+Motivação+Ambiente de Trabalho)/(Unidade<br />

de Tempo). Nesta crónica pretendo analisar a variável<br />

“Ambiente de Trabalho”, e aquele que é um dos seus<br />

principais condicionadores — a “segurança psicológica<br />

do trabalhador”. Por segurança psicológica, entenda-se<br />

a crença na qual, numa dada organização, a equipa é um<br />

espaço seguro para que o colaborador possa, no exercício<br />

da sua actividade, assumir riscos de interacção interpessoal<br />

sem medo de ser julgado, embaraçado ou punido.<br />

E vem este tema a propósito de uma expressão comum<br />

em Moçambique, e que pode muito bem ser considerada<br />

como um “teste rápido” do nível de segurança psicológica<br />

de uma organização: “YES, Boss”.<br />

Proponho analisar o verdadeiro significado desta sub-cultura<br />

organizacional, o “YesBossismo” (expressão acabada<br />

de inventar!), considerando três perspectivas:<br />

1) Submissão: associada à perspectiva do Colaborador.<br />

2) Autoridade: tipicamente associada à perspectiva dos<br />

Gestores & Dirigentes.<br />

3) Remediação: soluções possíveis para combater o<br />

“YesBossismo”.<br />

1) Analisando a expressão “YES, Boss”, na perspectiva da<br />

submissão, e em face do excessivo nível de autoridade<br />

exercido pelos Gestores & Dirigentes, o Colaborador reflecte<br />

um nível de medo que se manifesta através de: não<br />

pergunta, com medo de ser visto como ignorante; não<br />

critica construtivamente a acção ou omissão dos seus colegas<br />

e/ou da equipa, com medo de ser considerado mau<br />

colega; não admite e esconde os seus erros, com medo<br />

de ser considerado incompetente; não se socorre dos colegas,<br />

com medo de ser considerado não autosuficiente.<br />

Tudo sintomas de um ambiente de trabalho psicologicamente<br />

inseguro e demonstrativo de baixa produtividade.<br />

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique<br />

2) Analisando a expressão “YES, Boss”, na perspectiva<br />

da autoridade, e em face da baixa produtividade manifestada<br />

pela força de trabalho dos Yes Man que gerem<br />

(e que são produto da sua fraca liderança, diga-se em<br />

abono da verdade), os Gestores & Dirigentes reflectem<br />

uma atitude de desconfiança, muitas vezes traduzida em<br />

linguagem e atitudes abusivas e ofensivas, e que se manifesta<br />

através dos seguintes sinais: consideram que as suas<br />

equipas são preguiçosas e sem vontade de trabalhar; valorizam<br />

o Presencismo; têm a certeza de que são capaz de<br />

responder com maior rapidez e qualidade do que as suas<br />

equipas seriam capazes (Cultura do super-herói); tendem<br />

a considerar que as suas equipas, por aquilo que são pagos,<br />

deveriam trabalhar mais arduamente; deixam-se cair na<br />

armadilha da gestão por impressão e não por factos.<br />

Todos sintomas de um ambiente de trabalho psicologicamente<br />

inseguro e de baixa produtividade.<br />

3) Na perspectiva da remediação e combate ao “YesBossismo”<br />

proponho que os Gestores & Dirigentes em Moçambique<br />

iniciem uma caminhada em direcção à Liderança<br />

Ágil. Sendo esta uma caminhada longa, sugiro que se comece<br />

por um pequeno passo: que as reuniões que se vão<br />

realizar doravante sejam “psicologicamente seguras”.<br />

Nestas, os Líderes Ágeis combatem o medo através: do<br />

encorajamento de TODOS a contribuir na reunião; da escuta<br />

activa, perguntando e mostrando-se curiosos; de evitar<br />

não dominar, ou interromper, ou “falar por cima”; da repetição,<br />

pela sua própria voz, dos pontos de vista dos Colaboradores,<br />

dando importância à diversidade de opiniões e valorizando<br />

pontos de vista diferentes dos seus; da assunção<br />

dos seus erros e fragilidades, e contando histórias de insucessos;<br />

não julgamento; valorização do trabalho em equipa.<br />

Tudo sintomas de um ambiente de trabalho psicologicamente<br />

seguro e, consequentemente, de alta produtividade.<br />

Em conclusão, o YesBossismo reflecte um ambiente de trabalho<br />

psicologicamente inseguro, onde prolifera o medo, o<br />

presencismo, os ‘Yes Man’, a gestão por impressão, conduzindo<br />

à infelicidade pessoal e à redução da produtividade.<br />

A Liderança Ágil é um caminho longo, mas eficaz, de combate<br />

ao ambiente de trabalho psicologicamente inseguro.<br />

As reuniões psicologicamente seguras são o primeiro passo<br />

da Liderança Ágil e do fim da cultura do “YES, Boss”.<br />

Analisando a expressão “YES, Boss”, na perspectiva da submissão, e em face do excessivo nível<br />

de autoridade exercido pelos Gestores & Dirigentes, o Colaborador reflecte um nível de medo<br />

46<br />

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empresas<br />

48<br />

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Dar dimensão ilusória<br />

mas luxuosa à realidade<br />

Uma ilusão tangível em espaços reais parece que ganha uma nova dimensão<br />

em habitações e instituições, por via da criatividade de um grupo de jovens que<br />

descobriu na arte do design tridimensional uma solução para o desemprego<br />

pro-lar 3d é uma empresa<br />

singular. Gerida por um<br />

grupo de jovens moçambicanos,<br />

dedica-se à deco-<br />

a ração de interiores (casas,<br />

Texto Emídio Massacola • Fotografia Mariano Silva<br />

escritórios, restaurantes<br />

ou hotéis constam do seu portefólio<br />

de clientes), através da pintura<br />

em três dimensões. Fundada em 2018,<br />

por Nelson Massingue, a ideia é simples,<br />

se bem que de execução complexa:<br />

tornar real ao olho humano<br />

um ambiente gravado numa parede.<br />

“O nosso propósito inicial era dar uma<br />

ideia de espaço, profundidade e luxo<br />

em habitações de pessoas sem grandes<br />

posses”, conta o fundador da empresa.<br />

Os desenhos são baseados em técnicas<br />

de ilusão de óptica, feitos com tinta<br />

lavável e aplicados nas mais diversas<br />

superfícies, explica Massingue. “Apesar<br />

de as aplicações serem feitas, na<br />

maioria das vezes, em paredes, também<br />

decoramos outras superfícies de<br />

gesso, carros e até sanitas, imagina.<br />

Podemos fazer isto em qualquer objecto<br />

que o cliente pretenda”, diz.<br />

Com apenas o nível médio de ensino<br />

concluído, Nelson Massingue considera<br />

que a arte de desenhar é uma habilidade<br />

inata que lhe foi dada “por Deus”,<br />

exclama, enquanto recorda a descoberta<br />

do prazer do desenho, feita ainda<br />

em tenra idade.<br />

Foi, por isso mesmo, desde bem cedo,<br />

solicitado para decorar fachadas de<br />

pequenos bares e barracas de venda<br />

de diversos produtos.<br />

Com a evolução das plataformas digitais,<br />

Nelson, o caso provado de alguém<br />

que aprendeu à custa da sua própria<br />

vontade, pôde aprimorar as técnicas<br />

e tornar-se, segundo ele mesmo,<br />

no primeiro a implementar tal ideia<br />

em Moçambique. “Este tipo de pintura<br />

resiste por muito mais tempo do que o<br />

papel-parede que muitas vezes as pes-<br />

soas utilizam para revestir as suas<br />

casas. E é, como se pode ver, inovador”,<br />

revela, sem esconder o orgulho.<br />

No espaço entre o talento natural e<br />

a prática concreta de uma actividade<br />

profissional, foi a demanda que<br />

lhe mostrou o seu lugar no mercado<br />

há pouco mais de um ano. Já com esse<br />

propósito optou por “recrutar” jovens<br />

desempregados.<br />

“Dei-lhes a mão. E agora somos<br />

11, mas ainda preciso de mais.<br />

Requisitos? (sorri) Basta a vontade de<br />

trabalhar, aprender e dedicação porque<br />

na vida só se aprende fazendo”.<br />

Apesar de a Pro-lar 3D actuar num<br />

nicho bastante específico onde os serviços<br />

muitas vezes são solicitados quando<br />

existe uma “folga financeira”, há já um<br />

crescimento assinalável. “A facturação<br />

é algo difícil de dizer porque não funcionamos<br />

de forma linear, depende dos<br />

trabalhos que apareçam, mas temos<br />

estado a crescer regularmente e a nossa<br />

média mensal é dez encomendas de<br />

trabalhos por mês”, revela.<br />

Hoje, os trabalhos da Pro-lar 3D podem<br />

ser encontrados em oito províncias do<br />

País, sendo que, maioritariamente, as<br />

solicitações surgem das grandes cidades,<br />

como Maputo, Matola, Beira ou<br />

Nampula. Fora do País, já houve trabalhos<br />

realizados na África do Sul, Zimbabué<br />

e Maláui. E não pára por aí. Recentemente,<br />

conta, houve duas solicitações<br />

– ainda pendentes – para Portugal e<br />

outra para o Brasil, havendo, entretanto,<br />

uma confirmada para as Honduras,<br />

que ficou suspensa e adiada para uma<br />

fase pós Covid-19.<br />

No imediato, um dos planos estratégicos<br />

para levar a Pro-lar 3D a outras<br />

dimensões de negócio passa por organizar<br />

o seu portefólio de trabalhos em<br />

plataformas digitais de modo a que<br />

chegue a vários cantos do mundo, com<br />

aquele detalhe de Moçambique.<br />

B<br />

Empresa<br />

PRO-LAR 3D<br />

Ano de criação<br />

2018<br />

FUNDADOR<br />

Nelson Massingue<br />

Colaboradores<br />

11<br />

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49


megafone<br />

MULTICHOICE ADICIONA<br />

CANAIS DESPORTIVOS DA<br />

ESPN À DSTV E GOTV<br />

A MultiChoice Group e a The<br />

Walt Disney Company Africa assinaram<br />

um memorando para a<br />

inclusão de canais desportivos<br />

da ESPN – 1 e 2, respectivamente<br />

– nas plataformas da Multi-<br />

Choice, DSTV e GOtv. Desde 29<br />

de Julho que estas plataformas<br />

exibem, 24 horas por dia, o melhor<br />

do desporto dos EUA e do<br />

futebol europeu. “Esforçamo-<br />

-nos por fornecer conteúdo internacional<br />

de classe mundial<br />

oferecendo aos nossos clientes<br />

fiéis uma selecção interminável<br />

de entretenimento excepcional”,<br />

afirmou Calvo Mawela, CEO da<br />

MultiChoice Group.<br />

BRITAM SEGUROS<br />

REGISTA LUCRO<br />

NEGATIVO EM 2019<br />

A Britam Companhia de Seguros<br />

de Moçambique, S.A. registou,<br />

no ano passado, prejuízos de 16<br />

milhões de meticais, depois do<br />

lucro de 1,1 milhão de meticais<br />

no ano anterior.<br />

As causas da queda, de acordo<br />

com a seguradora, foram as indemnizações<br />

que teve de pagar<br />

advindas do impacto dos ciclones<br />

Idai e Kenneth sobre os<br />

bens assegurados, bem como<br />

da aplicação de IFRS 16 (a regra<br />

mais recente das Normas Internacionais<br />

de Relato Financeiro,<br />

implementado desde Janeiro de<br />

2019), que obrigou a companhia<br />

a reconhecer activos e passivos<br />

de Leasing de Direito de Uso<br />

Adicionais no montante de 18,9<br />

milhões de meticais.<br />

STANDARD BANK CAPACITA<br />

PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS<br />

O foco do programa é dotar as Pequenas e Médias<br />

Empresas de ferramentas que as possam apoiar<br />

na validação dos seus modelos de negócio<br />

a incubadora do standard bank, em parceria com a<br />

Eni Rovuma Basin, promoveu um programa de capacitação<br />

para 50 PME no âmbito da promoção de ligações comerciais<br />

e de oportunidades para aquelas. Realizado virtualmente, o<br />

programa teve por objectivo apoiar as PME na validação dos<br />

seus modelos de negócio de modo a que possam garantir a<br />

sua sustentabilidade.<br />

Na visão do administrador-delegado da instituição bancária,<br />

um crescimento económico sustentável e inclusivo só será<br />

possível se se trabalhar em conjunto no mesmo ecossistema<br />

com as PME e os empregadores. “Moçambique oferece inúmeras<br />

oportunidades, particularmente no sector de Petróleo e<br />

Gás, onde estas empresas podem dar o seu contributo, devendo,<br />

para tal, estar preparadas, qualificadas e capacitadas”.<br />

Por sua vez, o director da Eni Rovuma Basin, Roberto<br />

Dall’Omo, disse que, a longo prazo, as PME podem alavancar<br />

a economia. “Por isso, decidimos investir na sua promoção,<br />

capacitação e desenvolvimento”, descrevendo-as como “um<br />

pilar importante na nossa Estratégia de Desenvolvimento e<br />

Conteúdo Local”. Tatiana Pereira, que representa a IdeaLab,<br />

a parceira implementadora da iniciativa, disse que o programa<br />

foi uma oportunidade para conectar as diferentes PME do<br />

País, dando oportunidade àquelas que não estão em Maputo.<br />

O Grupo Standard Bank é uma instituição financeira que<br />

oferece serviços bancários e financeiros a indivíduos,<br />

empresas, instituições e corporações na África e no exterior.<br />

É a maior instituição bancária e financeira em África no<br />

sector dos serviços financeiros. A rede do Standard Bank é<br />

uma das maiores do País. Cobre todas as principais cidades e<br />

aglomerações urbanas de Moçambique, tendo 44 agências.<br />

NIKE DESTRONA MARCAS<br />

DE LUXO GRAÇAS À<br />

PANDEMIA<br />

A Nike, gigante norte-americana<br />

do calçado e vestuário e<br />

equipamentos desportivos, lançou<br />

uma linha de máscaras de<br />

protecção individual que já se<br />

tornou no principal produto<br />

da marca durante a pandemia<br />

do novo Coronavírus, segundo<br />

apurou o ‘Lyst Index’, plataforma<br />

que analisa os hábitos<br />

de compra de mais de nove milhões<br />

de utilizadores, por mês,<br />

em mais de 12 mil marcas e lojas<br />

online.<br />

A marca registou um crescimento<br />

de 75% nas vendas digitais,<br />

responsáveis ​por 30% da receita<br />

total da empresa.<br />

O pódio deste ranking, divulgado<br />

recentemente, é ainda dividido<br />

com a Off-White em segundo<br />

lugar, seguindo-se a Gucci.<br />

BCI INAUGURA AGÊNCIA<br />

BANCÁRIA EM METUGE<br />

O Presidente da República, Filipe<br />

Nyusi, inaugurou, recentemente,<br />

a agência do Banco<br />

Comercial e de Investimentos<br />

(BCI), no distrito de Metuge,<br />

província de Cabo Delgado, o<br />

primeiro balcão naquela região<br />

do norte do País.<br />

Segundo o administrador do BCI,<br />

Mukhtar Abdulcarimo, a obra,<br />

cuja construção durou cerca de<br />

dois meses, custou 29,6 milhões<br />

de meticais, e prevê-se que venha<br />

a beneficiar 89 192 habitantes,<br />

incluindo os 758 funcionários<br />

públicos que vão passar a<br />

levantar os seus salários naquele<br />

balcão.<br />

50<br />

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sociedade<br />

52<br />

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digital<br />

Silicon Valley Face à Democracia<br />

O digital new deal — por analogia à política de Roosevelt após a Grande Depressão — concebido pelos<br />

gigantes de Silicon Valley foi amplamente experimentado durante a pandemia e pode estar para ficar.<br />

Até que ponto dele resultam ameaças à democracia?<br />

Texto Naomi Klein , jornalista, escritora e activista canadiana, correspondente sénior do The Intercept<br />

e autora de best-sellers como “A batalha pelo paraíso”. • Fotografia D.R.<br />

esta é a questão posta pela<br />

ensaísta canadiana Naomi<br />

Klein. Não enjeitando a utilidade<br />

destes instrumentos<br />

digitais, a autora encoraja-<br />

-nos a olhar, de uma forma<br />

crítica, para a distopia de alta tecnologia<br />

que lhes pode estar subjacente. Ou<br />

seja: não é prudente deixarmos o campo<br />

completamente livre para os gafam<br />

[Google, Apple, Facebook, Amazon<br />

e Microsoft]. Em vez disso, temos de repensar<br />

a internet como um serviço<br />

público ao serviço dos cidadãos.<br />

Num instante fugaz, durante o briefing<br />

diário de Andrew Cuomo, governador<br />

de Nova Iorque, sobre a situação<br />

do coronavírus, no dia 6 de Maio,<br />

os rostos sérios que há semanas enchem<br />

os ecrãs deram lugar ao que parecia<br />

um sorriso. “Estamos prontos, entramos<br />

com tudo”, proclamou. “Somos<br />

nova-iorquinos, por isso somos dinâmicos<br />

e ambiciosos (...). Compreendemos<br />

que a mudança não só é iminente como<br />

também pode ser nossa aliada, se<br />

for feita da maneira certa.”<br />

A inspiração para este tom atipicamente<br />

positivo estava na aparição<br />

em vídeo do antigo CEO da Google, Eric<br />

Schmidt, que se juntou ao briefing de<br />

Imprensa do governador para anunciar<br />

que acabara de receber a missão<br />

de liderar um grupo de especialistas<br />

encarregado de inventar o futuro pós-<br />

-covid, no estado de Nova Iorque [o primeiro<br />

epicentro da epidemia covid-19<br />

nos EUA], pondo ênfase na integração<br />

sistemática da tecnologia em todas as<br />

áreas da vida local. “A prioridade”, disse<br />

Eric Schmidt, “é a telemedicina, o ensino<br />

à distância e a banda larga de alta<br />

velocidade... Temos de procurar soluções<br />

que possam ser propostas agora,<br />

implementá-las o mais depressa<br />

possível e utilizar esta tecnologia para<br />

melhorar a situação”. Para aqueles<br />

que ainda tinham dúvidas sobre as intenções<br />

do antigo chefe da Google, podiam<br />

ver-se, no vídeo, atrás dele, duas<br />

asas de anjos dourados numa moldura.<br />

No dia anterior, Andrew Cuomo havia<br />

anunciado uma parceria semelhante<br />

com a Fundação Bill e Melinda Gates,<br />

com vista a criar um “sistema educativo<br />

conectado”.<br />

Andrew Cuomo explicou que a pandemia<br />

tinha aberto “uma janela histórica<br />

de oportunidade para a integração<br />

e promoção das ideias” [de Bill Gates],<br />

apelidando-o de visionário. “Todos<br />

estes edifícios, todas estas salas de aula,<br />

para que servem face a toda a tecnologia<br />

que temos à nossa disposição?”,<br />

perguntava. Uma questão aparentemente<br />

retórica.<br />

Levou algum tempo, mas algo que se<br />

assemelha a uma “doutrina de choque”<br />

em versão pandémica começa a<br />

ganhar forma (de acordo com a “doutrina<br />

de choque” teorizada por Naomi<br />

Klein, os defensores do capitalismo<br />

aproveitam as grandes catástrofes<br />

para fazerem passar reformas ultraliberais).<br />

Chamemos-lhe o Screen New<br />

Deal, segundo o modelo do New Deal, a<br />

política intervencionista do Presidente<br />

Roosevelt, lançada em 1933, após a<br />

crise de 1929, e o Green New Deal ecológico,<br />

defendido por uma parte dos<br />

democratas norte-americanos. Muito<br />

mais tecnológico do que tudo aquilo<br />

que já vimos depois de catástrofes<br />

anteriores, o modelo para o qual estamos<br />

a avançar a um ritmo acelerado,<br />

enquanto a hecatombe contínua, considera<br />

estes meses de isolamento físico<br />

não como um mal necessário (salvar<br />

vidas) mas como uma experiência<br />

em tamanho real, a qual nos permite<br />

encarar um futuro sem contacto<br />

físico e altamente lucrativo.<br />

Máquinas sem risco biológico<br />

Anuja Sonalker, CEO da Steer Tech,<br />

uma empresa sediada em Maryland<br />

que desenvolve software de estacionamento<br />

automático, resumia recentemente<br />

a nova argumentação, revista<br />

e adaptada à luz do covid-19: “Constata-<br />

se um forte entusiasmo por tecnologias<br />

sem contacto que não passam<br />

pelo humano”, disse. “Os seres humanos<br />

representam um risco biológico. A<br />

máquina não.” É um futuro em que as<br />

nossas casas nunca mais serão locais<br />

totalmente privados e que também<br />

servirão, graças a tudo o que é digital,<br />

de escolas, de consultórios médicos, de<br />

ginásio e, se o Estado o decretar, até de<br />

prisão. Claro que, para muitos de nós,<br />

a casa já era uma extensão do escritório<br />

e o nosso primeiro lugar de entretenimento,<br />

mesmo antes da pandemia,<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

53


sociedade<br />

e a monitorização dos prisioneiros em<br />

ambiente aberto [graças particularmente<br />

à pulseira electrónica] já estava<br />

em vias de se generalizar. No entanto,<br />

com o frenesim da pandemia, todas<br />

estas tendências deverão conhecer<br />

uma aceleração fulgurante.<br />

Trata-se de um futuro em que, para<br />

os privilegiados, quase tudo é entregue<br />

em casa, quer virtualmente, através<br />

da cloud e do streaming, quer fisicamente,<br />

através de veículos autónomos<br />

e drones, em acções que serão depois<br />

“partilhadas” através de um ecrã<br />

numa rede social. É um futuro que emprega<br />

muito menos professores, médicos<br />

e motoristas, que não inclui nem dinheiro<br />

nem cartões de crédito (a pretexto<br />

de evitar a propagação de vírus),<br />

onde os transportes públicos e as<br />

artes do espectáculo são reduzidos à<br />

sua expressão mais simples.<br />

Ameaça à democracia<br />

É um futuro que pretende funcionar<br />

graças à Inteligência Artificial, mas<br />

que, na realidade, se mantém graças<br />

a dezenas de milhões de empregados<br />

anónimos que trabalham à porta fechada<br />

em armazéns, em centros de<br />

tratamento de dados, em plataformas<br />

de moderação de conteúdos, em fábricas<br />

de electrónica, em minas de lítio,<br />

em explorações agrícolas gigantes,<br />

em fábricas de processamento de carne<br />

e em prisões, vulneráveis à doença<br />

e à sobre-exploração. É um futuro<br />

em que cada gesto nosso, cada palavra<br />

nossa, cada interação nossa com os outros<br />

é geolocalizável, rastreável e<br />

analisável devido à colaboração, sem<br />

precedentes, entre o Estado e os gigantes<br />

do digital.<br />

Se esta imagem lhe parece familiar<br />

é porque este mesmo futuro, em que<br />

tudo é conduzido por aplicações e assenta<br />

em empregos precários, já nos<br />

era vendido antes do covid-19, em nome<br />

da fluidez, do conforto e da personalização.<br />

Mas muitos de nós já estávamos<br />

preocupados com os problemas<br />

de segurança, de qualidade e de<br />

desigualdade, levantados pela telemedicina<br />

ou pelo ensino à distância.<br />

Preocupados com os veículos de condução<br />

autónoma, que corriam o risco<br />

de ceifar os peões, ou com os drones,<br />

que ameaçavam danificar as encomendas<br />

(ou ferir pessoas). Preocupados<br />

com a geolocalização e a desmaterialização<br />

dos meios de pagamento,<br />

que nos iriam tirar a nossa privacidade<br />

e reforçar a discriminação étnica<br />

e sexual. Preocupados com as redes<br />

sociais sem escrúpulos, que poluem<br />

a nossa ecologia de informação<br />

e a saúde mental das nossas crianças.<br />

Preocupados com as “cidades inteligentes”<br />

cheias de sensores, que substituem<br />

as autoridades locais. Preocupados<br />

com os “bons empregos”, que estas<br />

tecnologias iriam fazer desaparecer.<br />

Preocupados com os “maus” empregos,<br />

que elas iriam produzir em série.<br />

Mas, acima de tudo, estávamos preocupados<br />

com a ameaça à democracia<br />

que a acumulação de poder e de<br />

riqueza por alguns gigantes digitais<br />

representa.<br />

Futuro arrepiante<br />

Mas isto era num passado distante: estávamos<br />

em Fevereiro. Actualmente,<br />

a maioria destas preocupações legítimas<br />

está a ser varrida por uma onda<br />

de pânico [causada pela pandemia], e<br />

esta distopia está a sofrer uma rápida<br />

transformação. Hoje, num cenário de<br />

grande destruição, ela é-nos vendida<br />

acompanhada da promessa suspeita<br />

de que estas tecnologias seriam a única<br />

forma de nos protegermos de pan-<br />

demias – a condição sine qua non de segurança<br />

para os nossos entes queridos<br />

e para nós próprios. Graças a Andrew<br />

Cuomo e às suas várias parcerias com<br />

bilionários (incluindo uma com o antigo<br />

presidente da câmara de Nova Iorque<br />

e bilionário Michael Bloomberg<br />

sobre o rastreio e a localização), o estado<br />

de Nova Iorque é a montra deste<br />

futuro arrepiante – mas as ambições<br />

estendem-se muito para além<br />

das fronteiras de qualquer estado<br />

norte-americano ou de qualquer país.<br />

Tudo gira à volta de Eric Schmidt.<br />

Muito antes de os norte-americanos<br />

abrirem os olhos para a ameaça<br />

do covid-19, já Schmidt conduzia uma<br />

agressiva campanha de lobby e de comunicação<br />

para promover esta visão<br />

da sociedade “à Black Mirror” que Andrew<br />

Cuomo acaba de autorizar. No<br />

centro desta visão está uma estreita<br />

associação entre o Estado e alguns<br />

gigantes de Silicon Valley, em que escolas<br />

públicas, hospitais, consultórios<br />

médicos, Polícia e Exército subcontratarão<br />

(com custos elevados) uma<br />

boa parte das suas funções a empresas<br />

tecnológicas privadas. É uma visão<br />

que Eric Schmidt está a promover<br />

54<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


digital<br />

Andrew Cuomo, mayor de Nova Iorque e Eric Schmidt, ex-Ceo<br />

da Google, no momento do anúncio de que acabara de receber<br />

a missão de “inventar” o futuro pós-covid’ em Nova Iorque<br />

na presidência do Defense Innovation<br />

Board [Conselho de Inovação para a<br />

Defesa], que aconselha o Pentágono sobre<br />

o crescimento da Inteligência Artificial<br />

no sector militar, mas também<br />

na presidência da poderosa National<br />

Security Commission on Artificial Intelligence,<br />

NSCAI [Comissão de Segurança<br />

Nacional sobre Inteligência Artificial],<br />

que aconselha o Congresso sobre<br />

“os avanços da Inteligência Artificial,<br />

da aprendizagem automática e<br />

das tecnologias relacionadas”, com vista<br />

a responder “às exigências de segurança<br />

nacional e económica dos Estados<br />

Unidos, nomeadamente ao risco<br />

económico”. Ambos os organismos incluem<br />

nas suas fileiras um grande número<br />

de capitães da indústria de Silicon<br />

Valley e quadros superiores de<br />

empresas como Oracle, Amazon, Microsoft,<br />

Facebook e, claro, os antigos<br />

colegas de Eric Schmidt na Google.<br />

Estratégia de Eric Schmidt<br />

Na sua qualidade de presidente, Schmidt,<br />

que ainda detém mais de 5,3 mil<br />

milhões de dólares em acções da Alphabet<br />

(a empresa-mãe da Google),<br />

bem como participações substanciais<br />

noutras empresas do sector, está a fazer<br />

o que parece ser uma campanha<br />

de extorsão de fundos em Washington<br />

em nome da Silicon Valley. O objectivo<br />

número uma das duas organizações<br />

[o Defense Innovation Board e a NS-<br />

CAI] é um aumento em flecha da despesa<br />

pública em Inteligência Artificial<br />

e nas infraestruturas necessárias para<br />

implementar tecnologias como o 5G<br />

– investimentos que beneficiariam directamente<br />

as empresas em que Eric<br />

Schmidt e outros membros destes organismos<br />

têm grandes participações.<br />

Exposta inicialmente em apresentações<br />

à porta fechada, frente aos parlamentares,<br />

e depois em artigos e entrevistas<br />

destinados ao grande público,<br />

a ideia principal dos argumentos de<br />

Schmidt é a de que a posição dominante<br />

dos EUA na economia global está directamente<br />

ameaçada pela política<br />

da China, que gasta sem limites para<br />

se doptar de infraestruturas de vigilância<br />

de alta tecnologia – permitindo<br />

que empresas chinesas, como Alibaba,<br />

Baidu e Huawei, embolsem os benefícios<br />

das suas aplicações comerciais.<br />

O Electronic Privacy Information Center<br />

(Epic) [Centro de Informação sobre<br />

Informática e Liberdades] acedeu recentemente,<br />

através de um pedido ao<br />

abrigo da lei de acesso à informação,<br />

a uma apresentação feita pela NSCAI<br />

de Eric Schmidt, em Maio de 2019. Descobre-se<br />

aí uma série de afirmações<br />

alarmistas, nomeadamente a referência<br />

a que o quadro regulamentar mais<br />

permissivo da China e a que o seu gosto<br />

desmesurado pela vigilância permitirão<br />

que a China ultrapasse os EUA<br />

em várias áreas, incluindo “a Inteligência<br />

Artificial ao serviço do diagnóstico<br />

médico”, os veículos autónomos,<br />

as infraestruturas digitais, as “cidades<br />

inteligentes”, a partilha de carros e o<br />

pagamento sem papel.<br />

As razões citadas [pela NSCAI] para<br />

explicar esta vantagem competitiva<br />

da China são múltiplas, a começar pelo<br />

número considerável de consumidores<br />

que faz compras online, a “falta<br />

de um sistema bancário tradicional na<br />

China”, que permitiu a Pequim contornar<br />

o dinheiro e os cartões de crédito<br />

para “criar um mercado gigantesco<br />

de comércio electrónico e de serviços<br />

digitais”, através do “pagamento sem<br />

papel”, mas também a grave escassez<br />

de médicos, o que levou o Estado a trabalhar<br />

em estreita colaboração com<br />

empresas como a Tencent, para utilizar<br />

a Inteligência Artificial em benefício<br />

da medicina “predictiva”.<br />

A apresentação destacava também<br />

que as empresas chinesas “têm a possibilidade<br />

de ultrapassar rapidamente<br />

as barreiras regulamentares, enquanto<br />

as iniciativas norte-americanas<br />

encalham nos procedimentos de<br />

conformidade à lei HIPAA [sobre a<br />

confidencialidade dos dossiers médicos]<br />

e nos de homologação da Food and<br />

Drug Administration [a agência de segurança<br />

sanitária e alimentar].<br />

Mas a NSCAI explicava esta vantagem<br />

competitiva principalmente em<br />

termos das parcerias público-privadas,<br />

que a China não se faz rogada de<br />

assinar, nas áreas de vigilância em<br />

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55


sociedade<br />

massa e de recolha de dados. A apresentação<br />

sublinhava o “forte envolvimento<br />

do Estado chinês, por exemplo,<br />

na implementação do reconhecimento<br />

facial”, precisando que “a vigilância<br />

é um cliente óbvio da Inteligência<br />

Artificial” e, mais à frente, que “a vigilância<br />

em massa é uma das aplicações<br />

emblemáticas do deep learning”<br />

[aprendizagem profunda, assente em<br />

algoritmos e na qual se baseia o reconhecimento<br />

facial].<br />

Concorrência estratégica com a China<br />

Numa das páginas da apresentação,<br />

intitulada Recolha de Dados: Vigilância<br />

= Cidades Inteligentes, salientava-<br />

-se que a China, graças ao Alibaba – o<br />

principal concorrente chinês do Google<br />

– estava a liderar a corrida. O que é interessante,<br />

porque a Alphabet, a empresa-mãe<br />

da Google, está a vender-<br />

-nos exactamente o mesmo através da<br />

sua filial [dedicada à inovação urbana]<br />

Sidewalk Labs, escolhendo o centro de<br />

Toronto para estabelecer o seu protótipo<br />

de “cidade inteligente”. Só que o<br />

projecto de Toronto acaba de ser abandonado,<br />

após dois anos de controvérsia<br />

reiterada sobre a enorme quantidade<br />

de dados pessoais que a Alphabet<br />

iria recolher, além da falta de salvaguardas<br />

na protecção da privacidade<br />

dos residentes e dos benefícios questionáveis<br />

para a cidade como um todo.<br />

Cinco meses após esta apresentação,<br />

em Novembro de 2019, a NSCAI apresentou<br />

ao Congresso um relatório preliminar<br />

no qual alertava: os Estados<br />

Unidos da América precisavam de alcançar<br />

a China nestas tecnologias controversas.<br />

“Encontramo-nos numa situação<br />

de concorrência estratégica”,<br />

repetia-se no relatório, obtido pelo<br />

Epic ao abrigo da lei de acesso à informação.<br />

“A Inteligência Artificial é uma<br />

questão central. O futuro da nossa segurança<br />

e o da nossa economia dependem<br />

disso.” No final de Fevereiro, Eric<br />

Schmidt decidira concentrar a sua<br />

campanha no grande público, talvez<br />

percebendo que os investimentos em<br />

massa, que a sua comissão estava a<br />

pedir, não seriam aprovados sem um<br />

forte apoio. Num artigo publicado pelo<br />

New York Times [a 27 de Fevereiro] e<br />

intitulado I was the boss of Google: China<br />

could pass Silicon Valley, Eric Schmidt<br />

apelava “a parcerias inéditas<br />

entre o Estado e o sector privado” e,<br />

mais uma vez, alertava para a ameaça<br />

do perigo: “A Inteligência Artificial<br />

irá empurrar as fronteiras em todos<br />

os domínios, da biotecnologia à banca,<br />

e já constitui também uma prioridade<br />

no domínio da Defesa... Se a tendência<br />

actual se confirmar, o investimento<br />

total da China em investigação<br />

e desenvolvimento poderá ultrapassar<br />

o dos Estados Unidos da América<br />

dentro de dez anos, mais ou menos ao<br />

mesmo tempo que se espera que a sua<br />

economia ultrapasse a nossa. A menos<br />

que esta tendência se inverta, encontrar-nos-emos,<br />

nos anos 2030, em concorrência<br />

com um país que tem uma<br />

economia mais forte, que investe mais<br />

em investigação e desenvolvimento,<br />

que tem, portanto, uma melhor investigação,<br />

que implementa mais tecnologias<br />

novas e que tem uma infraestrutura<br />

informática mais forte. Em suma:<br />

os chineses pretendem tornar-se<br />

a principal força inovadora do planeta,<br />

e os Estados Unidos da América não<br />

estão equipados com os meios necessários<br />

para os vencer.”<br />

56<br />

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digital<br />

Novos anjos da guarda<br />

A única solução, para Eric Schmidt, seria<br />

uma campanha em massa de investimentos<br />

públicos. Aplaudindo a Casa<br />

Branca por ter pedido a duplicação<br />

do financiamento para a Inteligência<br />

Artificial e a investigação em computação<br />

quântica, escrevia: “Seria conveniente<br />

duplicar uma vez mais os financiamentos<br />

atribuídos a estes domínios,<br />

reforçando-se as capacidades institucionais<br />

dos laboratórios e dos centros<br />

de investigação... Ao mesmo tempo, o<br />

Congresso deveria satisfazer o pedido<br />

do Presidente para rever em alta o financiamento<br />

da investigação e desenvolvimento<br />

da Defesa (para proporções<br />

inéditas em 70 anos), e o Departamento<br />

de Defesa deveria utilizar estes<br />

recursos para se doptar de capacidades<br />

de ponta nos domínios da Inteligência<br />

Artificial, da computação quântica,<br />

da tecnologia hipersónica e de outras<br />

áreas tecnológicas prioritárias.”<br />

Isto foi exactamente duas semanas antes<br />

de a epidemia do covid-19 ter sido<br />

elevada à categoria de pandemia, e em<br />

parte alguma Eric Schmidt mencionou<br />

que este desenvolvimento de alta tecnologia<br />

tinha como objectivo proteger<br />

a saúde dos norte-americanos. Apenas<br />

nos foi dito que era necessário não<br />

sermos esmagados pela China. Mas,<br />

claro, o discurso iria mudar em breve.<br />

Nos dois meses seguintes, Schmidt trabalhou<br />

para ripostar as exigências<br />

formuladas anteriormente – aumento<br />

massivo da despesa pública em infraestruturas<br />

tecnológicas, multiplicação<br />

de parcerias público-privadas na<br />

área da Inteligência Artificial, flexibilização<br />

de muitas das salvaguardas<br />

que visam garantir a nossa segurança<br />

e proteger a nossa privacidade. Hoje,<br />

todas estas medidas (e muitas mais)<br />

estão a ser-nos vendidas como a única<br />

esperança para nos protegermos<br />

de um vírus que se espera que continue<br />

a atormentar-nos durante os próximos<br />

anos. Os gigantes digitais com os<br />

quais Eric Schmidt tem laços estreitos<br />

e que povoam os influentes conselhos<br />

consultivos a que ele preside reposicionaram-se<br />

para aparecer como anjos<br />

da guarda da saúde pública e geneum<br />

verdadeiro know-how no fornecimento<br />

e na distribuição. No futuro, terão<br />

de fornecer serviços e aconselhamento<br />

aos decisores políticos que não<br />

possuam os sistemas de informação e<br />

a experiência necessários. Será igualmente<br />

conveniente desenvolver o ensino<br />

à distância, que nunca antes foi<br />

experimentado a tal escala. A internet<br />

elimina a exigência de proximidade<br />

física, o que permite aos estudantes<br />

frequentar os cursos dos melhores<br />

professores, independentemente da<br />

área geográfica em que vivem. A necessidade<br />

de uma experimentação rápida<br />

em larga escala irá também acelerar<br />

a revolução biotecnológica... Em<br />

suma, a necessidade de uma infraestrutura<br />

digital digna desse nome há<br />

muito tempo que se faz sentir no nosso<br />

país... Se quisermos construir uma<br />

economia e um sistema educativo baseados<br />

na desmaterialização, precisamos<br />

de uma população totalmente conectada<br />

e de infraestruturas de elevado<br />

desempenho. Para tal, o Estado<br />

O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, disse que a<br />

empresa, “orgulhosamente americana”, não teria tido sucesso<br />

sem “leis que encorajam a concorrência e a inovação”<br />

rosos defensores dos “heróis quotidianos”,<br />

sem os quais a economia não funcionará<br />

(muitos deles, como os motoristas<br />

de entregas, perderiam os seus<br />

empregos, se estas empresas forem<br />

bem-sucedidas).<br />

Uma visão de futuro<br />

Menos de 15 dias após o início do confinamento<br />

do estado de Nova Iorque,<br />

Eric Schmidt publicou [a 27 de Março]<br />

outro artigo no Wall Street Journal,<br />

em que anunciava esta mudança<br />

de base e transmitia claramente a intenção<br />

de Silicon Valley aproveitar a<br />

crise para provocar mudanças duradouras.<br />

“Tal como outros norte-americanos,<br />

os actores do sector das novas<br />

tecnologias estão a trabalhar para desempenhar<br />

o seu papel no apoio aos<br />

que estão na linha da frente da pandemia...<br />

Mas a pergunta que todos devem<br />

fazer é: como queremos que seja<br />

este país quando a pandemia desaparecer?<br />

Como podem as tecnologias<br />

emergentes, que actualmente estão a<br />

ser utilizadas para enfrentar a crise,<br />

fazer com que o futuro seja melhor?<br />

Empresas como a Amazon possuem<br />

deve fazer investimentos consideráveis<br />

– talvez como parte de um plano<br />

de recuperação – para transformar<br />

as infraestruturas digitais nacionais<br />

em plataformas desmaterializadas<br />

(nuvem) e associá-las à rede 5G.”<br />

Durante esta mesma vídeo-conferência,<br />

o seu comentário mais eloquente<br />

foi, porém, o seguinte: “Estas empresas<br />

que temos prazer em denegrir trazem<br />

benefícios notáveis nas áreas da<br />

comunicação, da saúde pública e da difusão<br />

de informação. Imagine como seria<br />

a sua vida nos EUA sem a Amazon.”<br />

Acrescentava que as pessoas deviam<br />

“demonstrar um pouco mais de gratidão<br />

para com as empresas que dispunham<br />

dos capitais necessários, que investiram,<br />

que conceberam as ferramentas<br />

que usamos hoje e que foram<br />

uma ajuda preciosa”.<br />

Um discurso que nos lembra que, até<br />

há muito pouco tempo, a desconfiança<br />

da opinião pública em relação a estas<br />

empresas aumentava dia para dia.<br />

Os candidatos presidenciais debatiam<br />

abertamente a ideia de desmantelar<br />

os gigantes digitais. A Amazon foi forçada<br />

a abandonar o seu projecto de<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

57


sociedade<br />

instalar a sua sede em Nova Iorque,<br />

devido à forte oposição local. O projecto<br />

Sidewalk Labs da Google estava em<br />

crise crónica, e os próprios funcionários<br />

da Google recusavam- se a apoiar<br />

ferramentas de vigilância com aplicações<br />

militares. Por outras palavras, a<br />

democracia – ou seja, a participação<br />

inoportuna do grande público na organização<br />

das grandes instituições e<br />

do espaço público – estava a revelar-<br />

-se o principal obstáculo à visão que<br />

Schmidt pretendia impor.<br />

O “travão” do poder público<br />

Hoje, em plena hecatombe, e no clima<br />

de medo e de incerteza que a acompanha,<br />

estas empresas veem nesta pandemia<br />

uma clara oportunidade de porem<br />

fim a este compromisso democrático,<br />

de forma a beneficiarem do mesmo<br />

tipo de poder que os seus concorrentes<br />

chineses, que se dão ao luxo de<br />

fazer o que querem sem serem impedidos<br />

pelos recursos intempestivos ao<br />

direito do trabalho ou do cidadão.<br />

O Governo australiano assinou um<br />

contrato com a Amazon que lhe permite<br />

registar dados da sua controversa<br />

aplicação de rastreio do vírus, e o<br />

seu homólogo canadiano fez o mesmo<br />

para a entrega de equipamento médico,<br />

contornando (perguntamo-nos porquê)<br />

o serviço postal público.<br />

E, no espaço de apenas alguns dias, no<br />

início de Maio, a Alphabet lançou uma<br />

nova iniciativa do Sidewalk Labs para<br />

repensar a infra-estrutura urbana,<br />

com a atribuição de 400 milhões de dólares<br />

[365 milhões de euros]. Josh Marcuse,<br />

administrador do Defense Innovation<br />

Board presidido por Eric Schmidt,<br />

anunciou que vai deixar o seu<br />

cargo para trabalhar a tempo inteiro<br />

na Google, como chefe de estratégia<br />

e inovação para o sector público mundial<br />

– por outras palavras, vai ajudar<br />

a Google a explorar algumas das muitas<br />

oportunidades que ele e Schmidt<br />

trabalharam para criar através de<br />

campanhas de lobby.<br />

Sejamos claros: a tecnologia irá certamente<br />

desempenhar um papel importante<br />

na protecção da saúde pública<br />

nos futuros meses e anos. A questão<br />

é se esta tecnologia estará sujeita ao<br />

controlo da democracia e dos cidadãos,<br />

ou se será imposta no frenesim de um<br />

estado de excepção, sem que sejam levantadas<br />

as questões de fundo que determinarão<br />

a forma das nossas vidas<br />

nas décadas vindouras.<br />

Perguntas como estas, por exemplo:<br />

uma vez que estamos a constatar que<br />

a tecnologia digital é indispensável<br />

em tempos de crise, estas redes – e os<br />

nossos dados – deverão permanecer<br />

nas mãos de actores privados, como a<br />

Google, a Amazon ou a Apple? Se eles<br />

são largamente financiados por fundos<br />

públicos, então não deveriam os<br />

cidadãos ser também seus proprietários<br />

e controlá-los? Se a internet tem<br />

um lugar assim tão grande nas nossas<br />

vidas como claramente tem, não deveria<br />

ser considerada um serviço público<br />

sem fins lucrativos?<br />

E embora não haja dúvida de que a<br />

vídeo-conferência proporciona uma<br />

ligação vital ao mundo exterior em<br />

tempos de contenção, a questão reside<br />

em se saber se investir nas pessoas<br />

não será a forma mais sustentável de<br />

nos protegermos, e é esta questão que<br />

merece um verdadeiro debate. Vejamos<br />

o caso da educação. Eric Schmidt<br />

tem razão em dizer que as salas de<br />

aula superlotadas são um risco para a<br />

saúde, pelo menos até encontrarmos<br />

uma vacina. Mas, nesse caso, porque<br />

não duplicar o número de professores<br />

e diminuir o tamanho das turmas<br />

para metade? Porque não assegurar<br />

que todas as escolas tenham uma enfermeira?<br />

Isto permitiria criar empregos<br />

num contexto económico digno<br />

da Grande Depressão [a pior crise económica<br />

do século XX] e daria um pouco<br />

mais de espaço ao pessoal e aos utilizadores<br />

de ensino. E se os edifícios são<br />

demasiado pequenos, porque não dividir<br />

o dia em turnos e dar mais espaço<br />

às actividades educativas ao ar livre,<br />

apoiando-se nos muitos estudos<br />

que demonstram que o tempo passado<br />

na Natureza melhora a capacidade de<br />

aprendizagem das crianças?<br />

Como melhorar a Educação<br />

A implementação de tais medidas levaria<br />

tempo, obviamente, mas não são<br />

tão arriscadas como fazer tábua rasa<br />

de métodos testados: humanos adultos,<br />

qualificados, que ensinam os jovens<br />

58<br />

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digital<br />

Além da discriminação étnica e social<br />

óbvia que este ensino cria em relação<br />

a crianças que não têm internet<br />

ou computadores em casa (problemas<br />

que os gigantes digitais sonham em<br />

resolver através da compra em massa<br />

de equipamento com financiamento<br />

público), levantam-se sérias questões<br />

sobre a capacidade de o ensino à distância<br />

satisfazer as necessidades dos<br />

estudantes com deficiências, tal como<br />

exigido por lei. E não há solução tecnológica<br />

para o problema da aprendizagem<br />

num ambiente doméstico sobrelotado<br />

e/ou violento.<br />

Falta de debate público<br />

A questão não é se as instituições devem<br />

evoluir para se adaptar a este vírus<br />

altamente contagioso para o qual<br />

não existe cura ou vacina. Como todas<br />

as outras instalações de acolhimento,<br />

elas irão mudar. O problema, como<br />

sempre nestes tempos de trauma colectivo,<br />

é a falta de debate público relativamente<br />

às formas que estas mudanças<br />

devem assumir e quem deve<br />

beneficiar delas. Empresas privadas<br />

tir que todos terão os recursos materiais<br />

e a assistência necessários para<br />

passar a quarentena em segurança.<br />

Em qualquer caso, estamos perante<br />

uma escolha concreta e difícil entre,<br />

por um lado, investir nas pessoas<br />

e, por outro lado, investir na tecnologia,<br />

porque a verdade cruel é que, na<br />

situação actual, é pouco provável que<br />

invistamos em ambos. A recusa de<br />

Washington em transferir os recursos<br />

necessários para os estados e cidades<br />

significa que a crise sanitária dará<br />

muito rapidamente lugar a uma austeridade<br />

orçamental. Escolas públicas,<br />

universidades, hospitais e operadores<br />

de redes de transportes enfrentam<br />

questões existenciais quanto ao seu futuro.<br />

Se a implacável campanha de lobby<br />

dos gigantes digitais sobre ensino<br />

à distância, tele-medicina, 5G e veículos<br />

autónomos (o seu Screen New Deal)<br />

der frutos, simplesmente não haverá<br />

mais dinheiro nos cofres para lidar<br />

com outras emergências, incluindo o<br />

tão necessário Green New Deal. Pelo<br />

contrário: o preço a pagar por todas<br />

estas engenhocas vistosas será uma<br />

“Porque não duplicar o número de professores<br />

e diminuir o tamanho das turmas para metade,<br />

ao invés de se mudar todo o paradigma do ensino?”<br />

humanos que estão à sua frente, em locais<br />

onde aprendem a socializar.<br />

Ao tomar conhecimento da nova parceria<br />

do estado de Nova Iorque com a<br />

Fundação Gates, Andy Pallotta, presidente<br />

do sindicato estatal dos professores,<br />

respondeu inequivocamente:<br />

“Se quisermos reinventar a educação,<br />

comecemos por satisfazer as necessidades<br />

dos assistentes sociais, psicólogos,<br />

enfermeiros escolares, por propor<br />

actividades artísticas enriquecedoras,<br />

cursos de aperfeiçoamento e por reduzir<br />

o tamanho das turmas em toda<br />

a academia.” Uma federação de associações<br />

de encarregados de educação<br />

também fez questão de salientar que,<br />

embora os pais tivessem, de facto, tido<br />

uma “experiência de aprendizagem<br />

à distância” (para usar a expressão<br />

de Eric Schmidt), as conclusões foram<br />

alarmantes: “Desde o encerramento<br />

das escolas, em meados de Março,<br />

a nossa preocupação com as deficiências<br />

óbvias do ensino baseado no ecrã<br />

não cessa de aumentar.”<br />

de tecnologia ou estudantes? A mesma<br />

questão aplica-se à saúde. Evitar<br />

os consultórios médicos e os hospitais<br />

durante uma pandemia é uma questão<br />

de bom senso. Mas a tele-medicina<br />

tem sérias lacunas. Seria conveniente<br />

lançar um debate informado sobre os<br />

prós e contras da atribuição de recursos<br />

públicos preciosos à tele-medicina<br />

– e não ao recrutamento de enfermeiros<br />

mais bem formados, munidos com<br />

todo o equipamento de protecção necessário,<br />

que podem deslocar-se a casa<br />

dos doentes para fazerem um diagnóstico<br />

e tratá-los.<br />

Talvez o mais urgente seja a necessidade<br />

de se encontrar o equilíbrio justo<br />

entre as aplicações de rastreio do vírus,<br />

que podem desempenhar um papel<br />

importante se acompanhadas por<br />

protecções apropriadas da privacidade,<br />

e os apelos à criação de um “corpo<br />

de saúde de proximidade”, que empregaria<br />

milhões de norte-americanos,<br />

não só para rastrear a cadeia de<br />

infecção mas também para garanonda<br />

de despedimentos na educação e<br />

de encerramentos de hospitais.<br />

Oportunidade perfeita<br />

A tecnologia fornece-nos ferramentas<br />

poderosas, mas nem todas as soluções<br />

são tecnológicas. E o maior inconveniente<br />

de se confiar a homens como<br />

Bill Gates e Eric Schmidt decisões cruciais<br />

sobre como “reinventar” as nossas<br />

cidades e estados é que eles passaram<br />

as suas vidas a demonstrar que<br />

não há nem um problema que a tecnologia<br />

não consiga resolver. Para eles, e<br />

para muitos outros em Silicon Valley,<br />

a pandemia é a oportunidade perfeita<br />

para receber não só gratidão, mas<br />

também a consideração e o poder de<br />

que eles sentem ter sido injustamente<br />

privados. Ao escolher o antigo chefe<br />

do Google para ficar frente da comissão<br />

que irá determinar os termos<br />

de desconfinamento no estado de Nova<br />

Iorque, Andrew Cuomo deu-lhe algo<br />

que se parece muito com um cheque<br />

em branco.<br />

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59


lá Fora<br />

A HORA DA DESILUSÃO<br />

Oficialmente, foi devido à pandemia que as eleições foram adiadas na Etiópia, mas a verdade é que Abiy Ahmed,<br />

o primeiro-ministro e Nobel da Paz, que tem vindo a prometer o início de uma nova era para o País, começa<br />

a dar sinais preocupantes, segundo um antigo membro do partido no poder<br />

Texto Mulugeta G. Berhe • Fotografia D.R.<br />

adecisão do primeiro-ministro<br />

Abiy Ahmed em<br />

adiar as eleições na Etiópia<br />

causou uma crise constitucional.<br />

A Covid-19 serve-lhe<br />

de pretexto, mas não é a causa.<br />

Evocando a pandemia, o Governo de<br />

Addis Abeba decidiu adiar indefinidamente<br />

as eleições agendadas. No entanto,<br />

esse adiamento está na origem<br />

de um problema excepcional que as<br />

autoridades definem, hoje, como uma<br />

crise constitucional. O mandato de<br />

cinco anos das legislaturas federais e<br />

regionais, bem como o das suas administrações,<br />

termina a 30 de <strong>Setembro</strong>,<br />

o que pressupõe uma dificuldade específica.<br />

Depois dessa data, quem estará,<br />

afinal, autorizado a governar até à<br />

realização de novas eleições?<br />

O partido no poder apresenta quatro<br />

cenários possíveis para contornar<br />

esta crise constitucional: dissolver<br />

o Parlamento; declarar o Estado de<br />

Emergência; alterar a Constituição; ou<br />

concordar numa interpretação desta<br />

última. Das quatro opções, a última é a<br />

preferida do Governo. E foi a que o Parlamento<br />

aprovou a 5 de Maio de <strong>2020</strong>.<br />

O partido no poder solicitou ao Conselho<br />

da Federação [a Câmara Alta<br />

do Parlamento da Etiópia] uma inter-<br />

pretação no espaço de um mês. Uma<br />

decisão rejeitada pelos partidos da<br />

oposição que detêm, na sua maioria, o<br />

poder em circunscrições importantes.<br />

O Congresso Federalista Oromo, uma<br />

coligação de seis partidos, denunciou-a<br />

e apelou a um diálogo no sentido de se<br />

alcançar uma solução política. A Frente<br />

de Libertação do Povo do Tigré alegou<br />

que a medida era inconstitucional<br />

e que iria preparar eleições regionais<br />

para impedir que o regime permanecesse<br />

em funções de maneira ilegítima.<br />

Dadas as tensões que atravessam o cenário<br />

étnico e político da Etiópia, estas<br />

eleições só podiam ser complicadas.<br />

60<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>


Etiópia<br />

A comissão eleitoral e o seu novo presidente<br />

garantiram que tinham iniciado<br />

os preparativos para o escrutínio. Mas<br />

foi só em Fevereiro deste ano que o calendário<br />

eleitoral foi tornado público.<br />

Tal vai contra o processo habitual que<br />

prevê que a comissão anuncie o calendário<br />

nove meses antes do dia da<br />

votação. Segundo as informações comunicadas<br />

em Fevereiro, as eleições<br />

teriam lugar a 29 de <strong>Agosto</strong> de <strong>2020</strong>.<br />

Várias organizações e grupos políticos<br />

manifestaram preocupação relativamente<br />

a esta data. Devido à estação<br />

das chuvas, trata-se de uma época do<br />

ano em que grande parte das áreas<br />

rurais é de difícil acesso. Isso limitaria<br />

a participação da maioria dos etíopes.<br />

A comissão eleitoral, no entanto, permaneceu<br />

determinada nesta data de<br />

<strong>Agosto</strong>, alegando que qualquer adiamento<br />

causaria uma crise constitucional,<br />

porque seria um governo não<br />

eleito que passaria a estar em funções.<br />

A julgar por esta sucessão de acontete.<br />

Quando se substitui a Frente Democrática<br />

Revolucionária do Povo Etíope<br />

(FDRPE) pelo Partido da Prosperidade,<br />

pode dizer-se que se perde toda a legalidade.<br />

O Partido da Prosperidade<br />

só tem uma legalidade de fachada,<br />

porque os representantes eleitos sob<br />

a bandeira do FDRPE ingressaram ilegalmente<br />

no Partido da Prosperidade.<br />

Adiar eleições sem um acordo político<br />

apropriado pode ser a última gota que<br />

fará transbordar o copo. O País corre<br />

o risco de vir a ser balcanizado em<br />

função de linhas de fractura étnicas.<br />

A região do Tigré declarou que planeia<br />

realizar as suas eleições regionais.<br />

Nem a comissão eleitoral nem o<br />

Governo de Ahmed estão legalmente<br />

em posição de impedir que a população<br />

do Tigré organize essa eleição.<br />

Qualquer tentativa de impedimento<br />

pela força poderá dividir os etíopes<br />

conforme a sua etnia. Esse facto poderia<br />

levar a população do Tigré a<br />

invocar o Artigo 39 da Constituição<br />

O International Crisis Group observou que as tácticas usadas<br />

por Ahmed eram uma reminiscência dos métodos autoritários<br />

do passado. Aqueles a que ele tinha jurado renunciar<br />

A Comissão Nacional de Eleições foi<br />

reorganizada em 2018. Birtukan Mideksa,<br />

uma ex-líder da oposição, ficou<br />

como responsável. Apesar destes<br />

desenvolvimentos, o Governo sempre<br />

mostrou relutância em cumprir<br />

o prazo previsto para as eleições.<br />

O primeiro-ministro Ahmed disse que<br />

o seu Governo tinha de consultar todos<br />

os grupos políticos do País antes de determinar<br />

se convinha ou não manter<br />

o prazo.<br />

Métodos do passado<br />

No seu relatório mais recente, o International<br />

Crisis Group observou<br />

que as tácticas de Ahmed eram uma<br />

reminiscência dos métodos autoritários<br />

do passado, a que ele tinha jurado<br />

renunciar, e que incluíam a prisão e<br />

a perseguição de activistas e de opositores.<br />

Somente em Outubro de 2019<br />

(quando o Comité Nobel havia acabado<br />

de anunciar que Ahmed era o laureado<br />

com o prémio Nobel da Paz) é que<br />

o primeiro-ministro declarou explicitamente<br />

que qualquer adiamento das<br />

eleições podia afectar a legalidade e a<br />

legitimidade do seu Governo.<br />

cimentos, é óbvio que a crise constitucional<br />

já se estava a formar antes dos<br />

problemas adicionais causados pelo Covid-19.<br />

Os preparativos tardios e a escolha<br />

de uma data irrealista já ameaçavam,<br />

na prática, a realização dessas<br />

eleições, bem como a sua legitimidade.<br />

A pandemia ofereceu às autoridades o<br />

pretexto ideal para novos adiamentos.<br />

Especialistas na Etiópia, como René Lefort,<br />

jornalista e autor de Éthiopie, La<br />

Révolution Hérétique [Maspéro, 1981],<br />

realçam o facto de Ahmed estar a personalizar<br />

cada vez mais o poder. Na<br />

opinião deste escritor, Ahmed mostrou<br />

que aspirava, a todo custo, tornar-se o<br />

“grande homem” do País – se necessário,<br />

saindo do quadro da legalidade.<br />

Negociações políticas<br />

O Governo reverteu o progresso feito<br />

no domínio da liberalização do espaço<br />

político. A intimidação e o encarceramento<br />

em massa dos opositores regressaram,<br />

prova de um retorno aos<br />

antigos métodos autoritários. O regime<br />

de Ahmed falha no cumprimento<br />

das suas promessas e a sua legitimidade<br />

está a desmoronar-se rapidamene<br />

a proclamar a independência. Vários<br />

dos grandes grupos da oposição,<br />

incluindo a maior coligação de partidos<br />

oromos (grupo étnico da Etiópia),<br />

disseram igualmente que planeiam<br />

seguir o próprio caminho após 30 de<br />

<strong>Setembro</strong>. Recusam-se a reconhecer<br />

um governo ilegítimo. A solução passa,<br />

portanto, mais por negociações políticas<br />

do que por uma “interpretação” da<br />

Constituição. Independentemente das<br />

contorções a que sejam submetidas<br />

para interpretá-las num sentido favorável,<br />

nenhuma das cláusulas da Constituição<br />

prevê a extensão do mandato<br />

do primeiro-ministro cessante para<br />

lá de 30 de <strong>Setembro</strong> [o que acaba de<br />

ser feito, já que o seu mandato foi prorrogado<br />

“até ao final da pandemia”].<br />

Um acordo quanto à data das próximas<br />

eleições, bem como quanto à<br />

forma que tomaria um governo provisório,<br />

entre o mês de <strong>Setembro</strong> e as<br />

próximas eleições, só pode resultar<br />

de um diálogo entre todos os partidos<br />

políticos e os principais agentes da sociedade<br />

civil. Caso contrário, a Etiópia<br />

corre o risco de sofrer a pior crise da<br />

sua História moderna.<br />

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NOVOS ÂNGULOS<br />

Saltar em frente ou back to basics<br />

Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development<br />

dizem-nos as notícias que a economia de Moçambique<br />

contraiu 3,25% no segundo trimestre<br />

do ano, face ao mesmo período do ano<br />

passado, segundo o Instituto Nacional de Estatística<br />

(INE).<br />

O desempenho negativo da actividade económica<br />

é atribuído, em larga medida, ao fraco desempenho do<br />

sector dos serviços, que regrediu em 4,06%, com maior destaque<br />

para o ramo de Hotelaria e Restauração com uma variação<br />

de menos 35,84%. Já a Indústria Extractiva, caiu 25,55%.<br />

Novidade é que a Agricultura teve um variação positiva de<br />

3,53% sendo, na prática, dos poucos ramos de actividade a<br />

demonstrar crescimento. Não é difícil de perceber porquê.<br />

Ao contrário do que se chegou a temer, o País não entrou<br />

em lockdown, o que levou a que a actividade económica<br />

que sustenta a economia nacional, porque é, ainda hoje, a<br />

agricultura que mais contribui para o total da riqueza nacional,<br />

se mantivesse nos eixos.<br />

Num mundo que se fechou em casa nos primeiros meses do<br />

ano, com a circulação de pessoas limitada, estrangulando<br />

negócios, cadeias de distribuição e indústrias, Moçambique,<br />

por características específicas da economia nacional, acaba<br />

por apresentar alguns traços diferentes da tendência<br />

mundial mesmo que, na globalidade, os sectores mais afectados<br />

sejam essencialmente os mesmos. Turismo, Transporte<br />

Aéreo e Eerviços são os grandes afectados.<br />

No entanto, com as exportações a travarem e, até pelo peso<br />

que têm no dia-a-dia económico, a produção interna ganhou<br />

um (ainda que pequeno) novo fôlego numa altura em que o<br />

ar é potencialmente perigoso, um pouco por toda a parte.<br />

Não deixo de olhar para o modo como Moçambique tem lidado<br />

com a pandemia, como a evidência de uma bem estruturada<br />

decisão, tomada de forma equilibrada e ponderada<br />

de acordo com a realidade existente no País.<br />

E como só um processo conduzido dessa forma pode,<br />

mesmo numa época de confusão global, em que muito<br />

está ainda está por descobrir, trazer benefícios. E, neste<br />

caso, até revelador de uma sugestão para reflectir sobre<br />

algo que não tenho visto suficientemente debatido.<br />

Olhando ao panorama do mundo, não deixa de parecer<br />

ilógico como uma das mais antigas actividades humanas<br />

acabe por emergir do tal novo normal figurando a par<br />

(bem menos visível, é certo) da ascensão da tecnologia.<br />

Afinal, o tal admirável novo mundo que nos traçam desde o<br />

final de 2019 não é assim tão novo. Ou tão admirável.<br />

Porque sugere caminhos distintos para problemas idênticos.<br />

O que fazer perante os constrangimentos que têm sido<br />

colocados ao modelo de sociedade que temos vindo a construir,<br />

de forma mais ou menos alinhada, em todo o mundo,<br />

assentes na exploração de recursos naturais, na sua transformação<br />

e comercialização, baseada na massificação dos<br />

canais de informação. Agir sobre eles, consciencializando?<br />

Ou optando pela solução que passa por deixar de sair de<br />

casa para ficar o resto da nossa existência a olhar para o<br />

computador ou para o telemóvel? Se perguntarmos a um<br />

agricultor ele sabe a resposta.<br />

Muito se tem escrito nos últimos meses sobre o papel da<br />

tecnologia e de como ela se constituiu rapidamente como a<br />

única solução para um problema que ainda não sabemos,<br />

na realidade, qual é verdadeiramente.<br />

Ao mesmo tempo que se noticiam tratamentos em fase de<br />

testes, e com sucesso, ou se anuncia a iminência da invenção<br />

de vacinas, somos constantemente inundados por uma<br />

torrente de certezas absolutas sobre como é que vai ser o<br />

mundo que sempre conhecemos. E vai ser digital, dizem-nos.<br />

O que é tão ridículo e exagerado como dizer que alguém que<br />

vê mal não pode ler nunca um livro. Ou que um outro alguém<br />

que teve uma indigestão nunca mais deveria comer.<br />

Sendo mais concreto, recordo que, sempre que se registaram<br />

ataques terroristas em países europeus, especialmente<br />

atentatórios de um modelo de liberdade social construído<br />

ao longo de séculos, uma das retóricas que prevaleceram<br />

foi a da resistência positiva, em nome de um modo de vida<br />

que levou gerações a ser alcançado. E em que Liberdade,<br />

mais do que uma palavra maiúscula, era a base para nos<br />

elevar e distanciar das acções minúsculas.<br />

Com a pandemia, nada disso se passou. Há uma ameaça mas,<br />

desta vez, foi diferente e em poucos meses abdicámos, todos<br />

no mundo, de coisas que demoraram séculos a conseguir.<br />

Haverá razões para tal e, mais do que debater porque assim<br />

Aceitar as restrições impostas pelas entidades competentes é, tão só, uma questão de bom senso<br />

e de respeito. Já acatar, sem questionar, o novo normal digital, não parece ser um bom caminho<br />

62<br />

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Do crescimento na agricultura à quebra, em dois, de um navio. A pandemia e a nova sociedade fazem-nos pensar sobre o que nos move. Ilustração de Sebastien Thibault<br />

foi, interessa-me perceber se ainda pode voltar a ser.<br />

Passados quase nove meses do primeiro caso chinês do coronavírus,<br />

já terá passado tempo suficiente para reflectirmos<br />

sobre algumas coisas do antigo normal. Do que era<br />

bom nele e do que que não estava, de facto, bem na forma<br />

como habitávamos o planeta e nos relacionávamos.<br />

Casos como o da brutal explosão de uma carga abandonada<br />

ao longo de anos no Porto de Beirute, ou o do navio japonês<br />

que se partiu em dois, pintando com 800 toneladas de<br />

óleo negro sujo os recifes do mar da Maurícia, parecem<br />

dar força à razão de que é urgente mudar algo na forma<br />

de fazer muitas das coisas que suportaram o que foi normal<br />

para nós nas últimas largas décadas. A forma de fazer<br />

negócios, de comerciar, de cultivar, de trabalhar. E de<br />

aprender. Mas que repensemos todos esses modelos, pelas<br />

razões certas. Não por medo.<br />

Porque ainda estamos a tempo de reciclar o antigo normal,<br />

antes de o enviarmos para o lixo e nos fecharmos em<br />

casa a fingir que, com esse novo mundo, tudo o que estava<br />

errado desaparece, só porque está mais longe. E assim<br />

possamos, no conforto do isolamento social permanente,<br />

fazer compras pela Amazon, twittar sabedorias inócuas,<br />

postar poses no Instagram, ou tentar ser pais, filhos ou irmãos,<br />

professores ou companheiros, ao mesmo tempo que<br />

trabalhamos, imitando imagens que nos chegam de lugares<br />

arrumados, fingindo não estar confusos entre as reais<br />

vantagens de se tentar ser profissional no espaço em que<br />

se devia procurar ser indíviduo e família.<br />

Aceitar as restrições impostas por todas as entidades<br />

competentes é, tão só, uma questão de bom senso e de<br />

respeito pela Liberdade do próximo que todos devemos<br />

ao que chamamos de sociedade democrática. E zelar<br />

para que isso aconteça à nossa volta. Já acatar serenamente<br />

todas as mudanças sociais que, em todo o<br />

mundo, estão há meses a ser promovidas pelos grandes<br />

interessados no negócio do mundo tecnológico, da inteligência<br />

artificial ao retalho online, a quem, natural<br />

e legitimamente, interessa enquanto modelo de<br />

negócio que a sociedade deixe de ser pessoal e passe a<br />

ser unicamente digital, parece-me um salto virtual para<br />

um vazio bem real. Ser Humano pressupõe existir e para<br />

isso, tem de haver coexistência. Com distanciamento, claro,<br />

e cuidados com um vírus que ainda estamos a descobrir.<br />

O crescimento da agricultura mostra-nos, afinal, que ainda<br />

há um velhinho mundo, bastante simples, no qual, se<br />

semearmos, colhemos e até comemos. Nem que seja só<br />

para conseguir digitar mais depressa. Que não seja apenas<br />

isso o ser Humano daqui para a frente.<br />

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63


ócio<br />

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio<br />

66<br />

Nesta edição<br />

visitamos<br />

o Feitoria<br />

Boutique Hotel,<br />

na Ilha de<br />

Moçambique<br />

e<br />

g<br />

68<br />

O Jacarandá<br />

e o lugar onde<br />

Moçambique<br />

se junta, no<br />

prato, com a<br />

gastronomia<br />

portuguesa<br />

69<br />

A escolha da<br />

adega recai<br />

na nova vaga<br />

de Bourbons


Feitoria<br />

Boutique<br />

Hotel<br />

Preço médio<br />

7 500 MZN<br />

+258<br />

849696963o<br />

info@feitoria.<br />

com.mz<br />

e<br />

Feitoria Boutique Hotel<br />

a um ritmo<br />

doce<br />

as belas histórias têm belas<br />

atmosferas e belos protagonistas.<br />

Levam tempo.<br />

Esta história tem pelo menos<br />

sete anos, os que foram<br />

necessários para reestruturar<br />

uma antiga ruína e torná-la<br />

num boutique hotel.<br />

Foram anos de grande trabalho.<br />

Muitos contentores de<br />

materiais vindos de Portugal,<br />

da Índia, da África do Sul.<br />

Foram dezenas os trabalhadores<br />

envolvidos, muitos<br />

dos quais estão agora a<br />

trabalhar como funcionários<br />

da Feitoria, o boutique<br />

hotel que abriu as portas<br />

há alguns meses, na Ilha<br />

de Moçambique, fruto do<br />

sonho, do amor e da capacidade<br />

de entrega de Mário<br />

Gomes e de Ângela Freitas.<br />

Acolhe hóspedes nacionais<br />

e internacionais que<br />

chegam à Ilha em lazer,<br />

em trabalho ou para assistir<br />

a conferências. Tem 20<br />

quartos que oferecem uma<br />

linda vista sobre o rendilhado<br />

(como o belo logo do<br />

Feitoria) das ruelas da cidade,<br />

das estrelas no céu e<br />

das águas do canal da Ilha,<br />

onde levemente cruzam os<br />

dhows. Os quartos têm nome<br />

de especiarias que os<br />

feitores comercializavam<br />

antigamente naquele lugar.<br />

Os antigos armazéns<br />

são quartos que dão para a<br />

piscina, a antiga loja e a casa<br />

do feitor são outros quartos,<br />

uma sala de conferências<br />

e a recepção do hotel.<br />

Cores suaves, típicas da Ilha<br />

– branco, amarelo, cor-de-<br />

-rosa e azul claro –, são iluminadas<br />

à noite pela luz ténue<br />

de candeeiros de latão<br />

vazado, acompanhando o<br />

ritmo doce das ondas do mar.<br />

Quando Ângela e Mário<br />

decidiram reestruturar a<br />

antiga ruína não ficaram<br />

assustados com o grande<br />

trabalho que iriam ter.<br />

Procuraram manter a traça<br />

arquitectónica, usando<br />

as técnicas de construção<br />

e os materiais de há quatro<br />

séculos, quando esta<br />

feitoria foi construída,<br />

em 1780. Ao lado da pura<br />

(e árdua!) necessidade de<br />

reabilitação, a motivação<br />

era de natureza prática e<br />

ambiental: poupança energética<br />

com painéis solares,<br />

gerador, estação de tratamento<br />

da água (a água e<br />

a energia são as grandes<br />

dores de cabeça na Ilha) e<br />

materiais de primeira classe<br />

para enfrentar a corrosividade<br />

do sal e do mar. O<br />

hotel conta com um sistema<br />

fiável e eficiente, instalado<br />

num edifício em frente – a<br />

casa técnica –, com baixo<br />

impacto ambiental e com toda<br />

a vantagem para os hóspedes<br />

e para o ecossistema<br />

frágil da Ilha.<br />

texto Paola Rolletta<br />

fotografia Mauro Pinto<br />

66<br />

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Os quartos têm nome de especiarias que os feitores<br />

comercializavam antigamente naquele lugar<br />

ROTEIRO<br />

Como ir<br />

A LAM voa de Maputo para<br />

Nampula e/ou Nacala (a partir<br />

de 16 000 MZN ida e volta). Em<br />

Nampula e/ou Nacala, aluga-se<br />

um carro e segue-se para a Ilha<br />

por estrada, cerca de 180 km de<br />

Nampula e 120 Km de Nacala<br />

(aluguer de carro custa cerca<br />

de 4 500 MZN. Um dos taxistas<br />

mais conhecidos é Fatahe).<br />

O que fazer<br />

Roteiro de dhow até às ilhas<br />

de Goa, Sete Paus, Cobra e às<br />

praias da Carrusca e Cabaceira<br />

Pequena. Pode-se ainda fazer<br />

snorkeling e ver as baleias.<br />

Onde comer<br />

O restaurante Karibu, no bairro do<br />

Museu, serve óptimo peixe, atum<br />

fresco com gengibre, deliciosas<br />

saladas de polvo. Tudo pelas<br />

mãos da cozinheira D. Maria<br />

Amélia que prepara uma óptima<br />

matapa de siri siri e um guloso<br />

pudim de abóbora. Preço médio<br />

por refeição é de 700 MZN.<br />

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67


Todos<br />

reconhecemos,<br />

sem dificuldade,<br />

os elementos<br />

de base que<br />

constituem a<br />

essência de um<br />

bom restaurante.<br />

O menu do<br />

“Jacarandá”<br />

reflecte uma<br />

tradição<br />

culinária<br />

Jacarandá<br />

Preço médio<br />

1 000 MZN<br />

Av. Armando<br />

Tivane<br />

nº 65<br />

Maputo<br />

+258 82 323 5180<br />

todos reconhecemos, sem<br />

dificuldade, os elementos de<br />

base que constituem a essência<br />

de um bom restaurante:<br />

a qualidade da matéria-<br />

-prima, isto é, a excelência<br />

dos produtos que são o fundamento<br />

da oferta gastronómica.<br />

Mas sem o saber, ou<br />

melhor, sem a arte capaz de<br />

os transformar numa iguaria<br />

cujo desfrute os torna<br />

memoráveis, é óbvio que<br />

só a qualidade não basta.<br />

Existem certamente outras<br />

componentes, ainda que<br />

num plano subsidiário, que<br />

ajudam a fazer a diferença:<br />

um serviço competente e<br />

atencioso e uma atmosfera<br />

acolhedora. É a combinação<br />

de tudo isto que distingue os<br />

bons restaurantes e transforma<br />

a degustação num ritual<br />

que convida à constante<br />

repetição da experiência.<br />

Mas se esta constelação de<br />

factores são os traços distintivos<br />

de todos os bons<br />

restaurantes, o que verdadeiramente<br />

traça uma linha<br />

divisória entre estes e<br />

aqueles que se encontram<br />

num patamar superior<br />

de excelência é o “suplemento<br />

de alma” que neles<br />

encontramos. Ou seja, é a<br />

g<br />

Jacarandá, onde a comida<br />

percepção de que a qualidade<br />

da experiência vivida<br />

(em todas as suas dimensões)<br />

resulta de um investimento<br />

afectivo incondicional e<br />

reflecte, mais do que um<br />

“saber fazer”, uma entrega<br />

que faz do “acto culinário”<br />

um elemento existencial<br />

constitutivo da própria vida<br />

e não, tão só, uma “prática”<br />

meramente “profissional”.<br />

E é isto que encontramos<br />

no “Jacarandá”. Mas de onde<br />

vem este “suplemento<br />

de alma”? Porventura do<br />

facto de este ser, assumidamente,<br />

um projecto familiar<br />

e, enquanto tal, tecido<br />

pelas memórias profundas<br />

do que, para as três mulheres<br />

que são os pilares desta<br />

aventura (Florinda, Carla e<br />

Sandra Costa), marcaram<br />

a sua história “culinária”, e<br />

os gostos e os sabores que<br />

alimentaram o seu percurso.<br />

É, sem dúvida, por isso que<br />

Carla Costa gosta de definir<br />

a oferta do “Jacarandá” como<br />

“aquilo que gostávamos<br />

de comer em casa: o medalhão<br />

com natas e cogumelos,<br />

o strognoff, o arroz de pato,<br />

o bacalhau com natas ou à<br />

braz....”. E, nesse sentido, o “Jacarandá”<br />

é, essencialmente,<br />

‘comida de casa’. “Nós queremos<br />

que as pessoas que aqui<br />

vêm comer se sintam como<br />

se estivessem em sua casa<br />

ou na dos pais ou dos avós...”. O<br />

menu do “Jacarandá” reflecte,<br />

em larga medida, a tradição<br />

culinária portuguesa.<br />

Apesar de Carla e Sandra<br />

terem nascido na Zambézia,<br />

as suas raízes (e a longa<br />

estadia que tiveram em<br />

Portugal antes de regressar<br />

ao País), levaram-nas,<br />

compreensivelmente, a de-<br />

tem alma<br />

senhar uma ementa mais<br />

“portuguesa”, mesmo que<br />

dela constem pratos como o<br />

arroz de garoupa à zambeziana,<br />

ou o caril de camarão.<br />

E ainda bem, pois a qualidade<br />

da oferta é insuperável.<br />

Experimentem, por<br />

exemplo, o pernil de porco<br />

com castanhas portuguesas,<br />

acompanhado de grelos salteados<br />

e batata frita, o arroz<br />

de garoupa e camarão, o arroz<br />

de pato ou o medalhão<br />

com natas e cogumelos e<br />

verão que esta é, genuinamente,<br />

a “comida da casa”<br />

que qualquer um desejaria<br />

poder desfrutar.<br />

texto rui Trindade<br />

fotografia Jay Garrido<br />

68<br />

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Maker’s Mark<br />

País<br />

EUA<br />

Região<br />

Kentucky<br />

Aroma<br />

Frutas vermelhas, calda<br />

de caramelo e baunilha<br />

Sabor<br />

Xarope de maple, caramelo,<br />

especiarias, baunilha,<br />

frutas vermelhas<br />

Teor Alcoólico<br />

45%<br />

Wild Turkey Rare Breed<br />

País<br />

EUA<br />

Região<br />

Kentucky<br />

Aroma<br />

Baunilha, caramelo,<br />

laranja e notas florais<br />

Sabor<br />

Chocolate, baunilha, especiarias<br />

e notas de madeirao<br />

Teor Alcoólico<br />

56,4%<br />

FEW Bourbon<br />

País<br />

EUA<br />

Região<br />

Illinois<br />

Aroma<br />

Caramelo, malte,<br />

especiarias, canela.<br />

Sabor<br />

Caramelo, pimenta do reino,<br />

cravo e canela; final longo e floral<br />

Teor Alcoólico<br />

46,5%<br />

Woodford<br />

Reserve<br />

Distiller’s<br />

Select<br />

País<br />

EUA<br />

Região<br />

Kentucky<br />

Aroma<br />

Laranja e<br />

caramelo.<br />

Ao contrário<br />

de outros<br />

bourbons,<br />

o aroma de<br />

baunilha é<br />

muito subtil,<br />

ainda que<br />

presente<br />

SABOr<br />

Levemente<br />

picante, com<br />

bastante<br />

caramelo<br />

e açúcar<br />

mascavo.<br />

Baunilha e<br />

laranja subtis<br />

Teor alcoólico<br />

43,2%<br />

A história do bourbon quase<br />

se confunde com a própria<br />

história dos estados Unidos<br />

Bourbon<br />

a nova vaga<br />

dos whiskies americanos<br />

o bourbon é considerado por muitos a bebida<br />

nacional dos EUA. Na verdade, a sua história<br />

quase se confunde com a do País, pois o início<br />

do seu fabrico está ligado à chegada, em finais<br />

do século XVIII, de imigrantes alemães,<br />

escoceses e do norte da Irlanda que trouxeram<br />

consigo não apenas a tradição do consumo<br />

do whisky mas também os conhecimentos<br />

de destilação que estão na sua base. Porém, enquanto<br />

os whiskies do Velho Continente são essencialmente<br />

feitos com centeio, os norte-americanos<br />

são feitos a partir do milho. Um bourbon,<br />

para se poder assim chamar, tem de ter<br />

no mínimo 51% de milho. Existem muitas marcas<br />

que são bem conhecidas dos apreciadores<br />

(Jim Beam, o Wild Turkey, o Elijah Craig,<br />

etc.), mas um facto interessante, em anos recentes,<br />

tem sido o destaque dado a bourbons<br />

com características particulares e distintivas.<br />

Um facto que atesta bem como os factores de<br />

diferenciação pesam cada vez mais no mercado.<br />

Um exemplo notório é o Maker’s Mark.<br />

Promovido como o “único bourbon artesanal do<br />

mundo”, é feito de trigo doce e vermelho, milho<br />

e cevada. O Maker’s Mark é, certamente, um<br />

pioneiro mas a verdade é que a tendência para<br />

a produção artesanal, enquanto garante de<br />

“autenticidade”, vem ganhando força e seria<br />

de admirar se, também no que diz respeito aos<br />

bourbons, ela não se verificasse. Daí que não<br />

possamos deixar de mencionar o Few, um bourbon<br />

relativamente seco e apimentado feito de<br />

70% de milho, 20% de centeio e 10% de cevada.<br />

A nossa sugestão principal deste mês vai, no<br />

entanto, para o Woodford Reserve Distiller’s<br />

Select que tem sido incluído, de forma consistente,<br />

no lote dos melhores bourbons actualmente<br />

disponíveis no mercado.<br />

Feito de forma 100% artesanal, é produzido<br />

por uma das mais antigas destilarias dos Estados<br />

Unidos. Um dos aspectos que lhe confere<br />

uma personalidade muito particular<br />

é o facto de ser composto de 72% de milho,<br />

18% de centeio e 10% de malte de cevada,<br />

com uma fermentação mais demorada. As<br />

barricas virgens de carvalho onde matura<br />

são produzidas na Brown Forman Cooperage,<br />

também responsável por fabricar as usadas<br />

pela Jack Daniel’s. Isso permite que a destilaria<br />

escolha apenas as melhores barricas para<br />

maturar o seu bourbon por sete anos, quase<br />

três anos a mais do que a sua maioria .<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

69


Resgate<br />

Já em<br />

exibição<br />

no Netflix<br />

“RESGATE”. UM FILME MOÇAMBICANO<br />

“resgate” é um filme moçambicano,<br />

que já se estende<br />

para o mundo, cumprindo<br />

um objectivo preconizado<br />

pela produtora moçambicana<br />

“Mahla Filmes”.<br />

Para surpresa de todos, incluino<br />

os autores, o filme<br />

moçambicano tornou-se no<br />

primeiro dos PALOP com<br />

os direitos adquiridos pela<br />

gigante mundial do streaming,<br />

a Netflix. Mas este<br />

voo não é, de todo, obra do<br />

acaso. Afinal, durante vários<br />

anos, desde 2011, intercalados<br />

pela realização<br />

de vídeos, documentários<br />

e eventos, os resultados<br />

da produção iam deixando<br />

clara a possibilidade<br />

de realizar um dia o sonho<br />

de ir mais longe, uma ambição<br />

tomada a sério pelos<br />

produtores. De acordo com<br />

o cinematografista e realizador<br />

de “Resgate”, Pipas<br />

Forjaz, “houve vários desafios<br />

para levar o filme à Netflix<br />

no que diz respeito à<br />

adaptação da própria história,<br />

às técnicas de filmagem.<br />

Filmar um documen-<br />

“Resgate” é a realização de um sonho<br />

“o de produzir um filme independente,<br />

que conta ‘histórias’ locais<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong><br />

QUE ABRE UM NOVO MERCADO PARA OS PALOP<br />

tário não é o mesmo que filmar<br />

uma ficção, neste caso,<br />

as exigências de ficção são<br />

muito maiores”, diz.<br />

Apesar das carências do<br />

País e da particular falta de<br />

apoios ao cinema nacional,<br />

a produção moçambicana<br />

pode ser vista em mais de<br />

190 países do mundo, entre<br />

os “10 Mais” da Netflix, particularmente<br />

nos ecrãs dos<br />

países falantes da língua<br />

portuguesa. “Esta nossa entrada<br />

na Netflix acarreta<br />

muita responsabilidade de<br />

encarar outros estilos e de<br />

fazer superar o que agora<br />

conseguimos com ‘Resgate’,<br />

melhorar a qualidade...”,<br />

complementa Mickey Fonseca,<br />

o realizador do filme.<br />

Mas como pega a Netflix<br />

num filme moçambicano,<br />

pensamos todos? “Creio que<br />

a ideia de eles começarem<br />

com ‘Resgate’, um produto<br />

novo no mercado, é para<br />

avaliarem o mercado PA-<br />

LOP e depois começarem a<br />

incluir outros filmes falados<br />

em português”. O filme, que<br />

estreou a 29 de Julho passado<br />

sob o título “Redemption”,<br />

conta as vicissitudes<br />

do quotidiano moçambicano<br />

através de um personagem<br />

que faz de tudo para<br />

ter uma vida melhor que<br />

aquela que parece ter-lhe<br />

sido negada pelo destino.<br />

“Um dos segredos do ‘Resgate’<br />

é o facto de não só se<br />

passar aqui dentro da cidade<br />

de Maputo, mas também<br />

de abordar esses vários<br />

pontos: o problema da banca,<br />

do acesso ao emprego, do<br />

crime… e por detrás de tudo<br />

isso há outras mensagens”,<br />

contou Mickey Fonseca.<br />

O “Resgate” é igualmente a<br />

realização de um sonho “o<br />

de produzir um filme independente,<br />

que conta ‘histórias’<br />

locais, interpretada<br />

por actores moçambicanos,<br />

produzido por moçambicanos”,<br />

assinalou.<br />

Como que a resgatar os<br />

poucos incentivos que existem<br />

à indústria cinematográfica<br />

de Moçambique, o<br />

apelo surge natural, para<br />

que “as entidades competentes<br />

se alinhem junto do<br />

sector privado” e apoiem a<br />

sétima arte.<br />

71


CADILLAC<br />

LYRIQ<br />

Marca:<br />

Cadillac<br />

Modelo:<br />

Lyriq<br />

Bateria: 100<br />

kWh<br />

Velocidade:<br />

500 km<br />

autónomos<br />

Preço<br />

estimado:<br />

75 a 90 mil<br />

dólares<br />

v<br />

CADILLAC LYRIQ<br />

a primeira aposta da General<br />

Motors (GM) para o O PRIMEIRO ELÉCTRICO DA GM<br />

segmento dos eléctricos é<br />

um luxuoso SUV, o Cadillac<br />

Lyriq, totalmente construído<br />

numa plataforma eléctrica<br />

modular e alimentado<br />

pelas novas baterias de longo<br />

alcance Ultium criadas<br />

na própria fabricante.<br />

Embora um pouco atrasado<br />

no rol de lançamentos de<br />

modelos eléctricos de luxo, o<br />

crossover da GM foi projectado<br />

para competir no mesmo<br />

patamar de modelos como<br />

o Tesla Model Y, o Ford<br />

Mustang Mach-E, o Volvo<br />

XC40 Recharge, o Audi Q4 E-<br />

-Tron e o BMW iNext.<br />

O concept apresentado este<br />

mês representa já cerca<br />

de 80% a 85% do que vai ser<br />

a versão final para o mercado<br />

a uma “redefinição do luxo<br />

americano”.<br />

Com cerca de 4,80 metros de<br />

comprimento, o interior espaçoso,<br />

que proporciona um<br />

ambiente mais arejado, tem<br />

apenas quatro assentos e<br />

uma consola central que divide<br />

os bancos dianteiros e<br />

traseiros, com um ecrã sensível<br />

ao toque para os passageiros<br />

de trás.<br />

Entretanto, os bancos dianteiros,<br />

dão acesso a um painel<br />

dinâmico com um ecrã<br />

OLED curvo de 33 polegadas,<br />

também sensível ao toque.<br />

Espera-se que o Apple<br />

CarPlay, Android Auto e um<br />

hotspot Wi-Fi sejam recursos<br />

padrão quando o Lyriq<br />

trica do grupo GM, sendo<br />

que os clientes poderão optar<br />

por versões de tracção<br />

traseira ou integral. A tracção<br />

integral será opcional e<br />

adiciona um segundo motor<br />

na frente para conduzir essas<br />

rodas. O Lyriq será o primeiro<br />

de muitos modelos<br />

eléctricos da fabricante automóvel,<br />

destinados a transformar<br />

a mítica marca norte-americana,<br />

que sempre<br />

foi conhecida pelos elevados<br />

consumos que os seus<br />

carros ostentavam. Eram<br />

quase um símbolo do poder<br />

americano sobre os recursos<br />

naturais.<br />

Não deixa de ser interessante<br />

que seja este Lyriq a quete<br />

e, segundo o presiden-<br />

chegar aos showrooms brar o lirismo, sendo o pri-<br />

da General Motors, Steve<br />

Carlisle, que falava na apresentação<br />

deste Cadillac, com<br />

o modelo Lyriq, dará início<br />

da Cadillac.<br />

O Lyric será o primeiro Cadillac<br />

que terá como base a<br />

plataforma modular elécmeiro<br />

passo de uma estratégia<br />

que, até ao final desta<br />

década, tornará a GM numa<br />

marca totalmente eléctrica,<br />

aumentando a produção para,<br />

segundo anuncia, um milhão<br />

de veículos eléctricos<br />

por ano até 2025.<br />

A primeira aposta da GM no segmento<br />

dos eléctricos é um luxuoso SUV<br />

72<br />

www.economiaemercado.co.mz | <strong>Agosto</strong> <strong>2020</strong>

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