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S U M Á R I O
OUTUBRO
05
22
28
37
ENTREVISTA
À MESA COM GONÇALO DA CÂMARA
PEREIRA
REPORTAGEM
O ENSINO SUPERIOR E TRANSFORMAÇÃO
DIGITAL
REPORTAGEM
PROMOÇÃO DA CRIPTOMÉRIA JAPÓNICA
NOS AÇORES - NOVOS PRODUTOS,
OPORTUNIDADES E MERCADOS
ENTREVISTA
REGIONAIS 2020
REPORTAGEM
LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE
TRABALHO DOS ENFERMEIROS AÇORIANOS
FACE AO COVID-19
74
24 78
80
82
50 87
CRÓNICA
ORDEM DOS ENFERMEIROS DOS
AÇORES
CRÓNICA
JOÃO CASTRO
CRÓNICA
RICARDO SILVA
DESTAQUE
FRASES DO MÊS
SÁTIRA
Educação e a Escola: Um
1/4 DE SÉCULO DE
amor em tempo de
ÉCONOMIA SOLIDÁRIA
Em jeito de despedida
Peste12 16 45
NOS AÇORES
E D I T O R I A L
LEGISLATIVAS REGIONAIS 2020
Vive-se um mês de outubro
agitadíssimo, retomando a velha
prática de campanha eleitoral que
não encontra outro método senão
o de apregoar o populismo, o
impossível e o demagogo.
Ainda restam alguns laivos
na chamada de atenção sobre
a abstenção, que teima em se
pronunciar fortemente a cada
ato eleitoral. Sobre este tema,
são inúmeros os estudos para
travar este fenómeno sem que
se consiga resultados concretos.
Pese embora o facto de os
estudos contradizerem as notórias
vontades de culpar os cadernos
eleitorais, permanece intacta a
metodologia da política conduzida
pelas governações em contra
ciclo e devastando a essência do
contributo cívico.
Não é empírico, é factual o
afastamento dos eleitores perante
tamanha e desastrada forma
de fazer política que assenta
essencialmente no compadrio e
nos favores. É este o fenómeno
a combater para que a abstenção
decida acreditar e confiar.
Mais grave é, em plena
campanha, quem está no poder
sair à rua e apresentar as mesmas
medidas, as mesmas soluções e
os mesmos chavões para caçar
o voto. O espírito é caçar o voto
custe o que custar, conquistar
o mesmo é tarefa impossível
para quem já está desacreditado,
mas insistem. Para combater a
abstenção, comecem por cumprir
o prometido em cada eleição,
em cada programa e deixem-se
de inventar e retocar que agora é
desta.
A maioria da abstenção está
naqueles que não acreditam
nos políticos por via de
governações desastrosas, falsas e
inconsequentes.
Ao olhar, também, para a
nomenclatura dos números da
abstenção, consegue-se perceber
que, nos cadernos eleitorais,
sobretudo nos Açores, temos
o fenómeno da deslocação de
eleitores por diversas razões e a
emigração. Esta última representa
aproximadamente 15% da
abstenção na Região Autónoma
dos Açores, em que a maioria
destes emigrantes se encontra na
América do Norte.
Ora, a preocupação do Partido
Socialista foi a de fazer uma
alteração na Lei Eleitoral na
Região Autónoma dos Açores,
de forma cirúrgica, dando
possibilidade ao voto em
mobilidade apenas para quem
esteja ausente dos Açores mas
em território nacional, ou seja,
para incidir principalmente nos
estudantes que se encontram a
estudar em território continental.
Esta franja de eleitores é muito
inferior à franja de eleitores
na emigração. Estes eleitores
ficaram de fora, tendo-lhes sido
vedada a possibilidade do voto
em mobilidade para as Eleições
Legislativas Regionais já que para
as Legislativas para a Assembleia
da República já o podem fazer.
Ou seja, para o PS e PSD,
existem açorianos de primeira
e os coitadinhos dos açorianos
emigrados. Convém realçar que,
para viabilizar esta alteração
Eleitoral, teria de haver
concordância entre Partido
Socialista e Partido Social
Democrata para alcançar os dois
terços dos votos na Assembleia
Legislativa Regional.
E é assim que os dois maiores
partidos da alternância
governativa querem acabar com a
abstenção.
FICHA TÉCNICA:
ISSN 2183-4768
PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES
NIF 510570356
SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,
9500-093 PONTA DELGADA
SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,
9500-093 PONTA DELGADA
DIRETOR/EDITOR RUI MANUEL ÁVILA DE SIMAS CP3325A
DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A
REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A,
CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA
MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO
REVISÃO ANA SOFIA MASSA
PAGINAÇÃO MÁRIO CORRÊA
CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E
MIGUEL CÂMARA
DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM
CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL
PUBLICIDADE RAQUEL AMARAL
MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO
INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO
RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS
Nº REGISTO ERC 126 641
COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO,
RICARDO SILVA
CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM
ESTATUTO EDITORIAL:
A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO
EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E
COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO).
A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E
PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA
E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E
INTERNACIONAL.
A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER
DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E
ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR, ISENÇÃO,
TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE.
A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE
A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE
IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS.
A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO
PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO,
PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO.
A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS NORMAS
ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E PELOS
PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.
04 NOOUT20
Gonçalo da Câmara Pereira
Fadista e Líder Nacional do PPM
NOOUT20 05
E N T R E V I S T A
ENTREVISTA EM
VÍDEO NA VERSÃO
DIGITAL
06 NOOUT20
E N T R E V I S T A
Cila: Sejam bem vindos à nossa rubrica À Mesa
Com. A rubrica deste mês de outubro é com
Gonçalo da Câmara Pereira. O Gonçalo já está aqui
comigo, no Restaurante da Associação Agrícola,
já degustámos este maravilhoso bife e estas
sobremesas maravilhosas, não é verdade Gonçalo?
Gonçalo da Câmara Pereira: É verdade e um
belíssimo vinho aqui dos Fenais de Ponta Delgada.
Cila: Gostaste do bife?
Gonçalo da Câmara Pereira: Claro, carne é carne.
Carne açoriana é sempre… E aqui na Associação é
cinco estrelas.
Cila: Gonçalo, fadista, um amante do Fado, um
amante da agricultura, dos cavalos, um amante
das tradições portuguesas, aquilo que nós temos
de mais na nossa alma, que é a nossa tradição,
os nossos antepassados, e o povo português
normalmente tem esta veia, esta veia da tradição.
De onde é que vieram as tuas origens?
Gonçalo da Câmara Pereira: A gente recebeu uma
herança cultural dos nossos pais. O meu pai era
da zona de Saloia, com inuências alentejanas, a
minha mãe era minhota, nascida no Brasil, uma
cultura quase cosmopolita e sempre defensora
das culturas. Hoje em dia, eu e os meus irmãos
cultivámos a cultura portuguesa nas suas formas
mais populares. Adoro linguajar, linguajar
português, que é uma riqueza que, hoje em
dia, está esquecida. Sabemos de onde é que é
um minhoto, quem é um algarvio, quem é um
ribatejano, quem é um alentejano, um beirão, um
açoriano. A diversidade é tão grande – Portugal
tem uma diversidade tão grande de linguajares
que nós chegamos aqui e ouvimos o linguajar
da Terceira diferente do linguajar aqui de Ponta
Delgada… É engraçado. E mais, aqui, dentro de
uma própria ilha, há linguajares diferentes e é esta
riqueza que Portugal tem que às vezes é esquecida.
Nós sabemos, de terra para terra, linguajares
diferentes, maneiras de pensar e maneiras de vestir.
Cila: Gonçalo, há pouco falavas-me que a tua mãe
chegou a gravar um disco. Fala-me um bocadinho
da tua mãe.
Gonçalo da Câmara Pereira: A minha mãe gostava
de fado. Era prima do meu pai. A minha mãe era
Tarouca, mas também era Câmara e o meu pai era
Câmara, portanto, nós somos primos duas vezes da
Teresa Tarouca, a Maria de Teresa de Noronha era
nossa tia-avó, o tio Vicente era tio, que era primo
direto do meu pai, portanto nós convivíamos em
casa, numa festa, batizado, aniversários – porque
é que a gente não pega numa ‘guitarrinha’ e canta?
A minha mãe tocava viola, a irmã tocava guitarra
portuguesa. Antigamente, pouca gente sabe, mas
NOOUT20 07
E N T R E V I S T A
a senhoras é que tocavam guitarra, porque vinha
do cravo. O som do cravo, como era difícil de
transportar o cravo, as portuguesas agarraram na
guitarra e, com as unhas, faziam a guitarra. No
nal do século XIX, princípio do século XX, um
homem pegou na guitarra e começou a dedilhar
e a fazer dos dedos palheta. Aí, as senhoras
começaram a partir as unhas e aí deixaram de
tocar. A minha mãe e as minhas tias tocavam ainda
à antiga. No interior, ainda se vê muitas velhotas a
tocar guitarra, sem ser dedilhada, de palheta.
Cila: E o teu pai?
Gonçalo da Câmara Pereira: O meu pai não tinha
jeito nenhum para cantar. Era fadista, aquela
pessoa fadista – ouvia uma guitarra, parava e ele
cava a ouvir. A gente não conseguia transportar
para a voz o que ouvia. Era engraçado, porque ele
sabia quando é que nós desanávamos e quando
estávamos fora de ritmo. Tinha um bom ouvido,
mas não conseguia transmitir passar do ouvido
para a voz. Cada vez que ele cantava era só rir.
Cila: Gonçalo, vocês todos cantam – os teus
irmãos, o teu Tio Vicente também canta, mas
dentro do fado, todos os teus irmãos, mais aqui
ou mais acolá, sempre cantaram o Fado e sempre
puseram cá para fora esta alma. Isto é uma
cultura que veio de trás, da tua mãe, destas festas
que tu falas, mas é uma coisa que vocês fazem
naturalmente?
Gonçalo da Câmara Pereira: Fazemos
naturalmente… O meu pai era Inspetor de
Trabalho, portanto, de dois em dois anos
mudávamos de terra, o que dava com que os
irmãos tivessem de conviver uns com outros,
porque a gente quando fazia amigos, já estávamos
a ir para outra terra. Convivíamos muito em casa,
a minha mãe, para nos entreter, ensinava a cantar
e a gente cantava, uns com os outros, aprendíamos
letras, fazíamos as nossas próprias letras para
brincarmos uns com os outros. O mais brincalhão
estava sempre a fazer letras de fados no gozo. O
Nuno era mais Serpa, o Mico já era mais para a
Balada Coimbrã. A minha irmã imitava muito bem
a Teresa Noronha, com o estilo dela, porque era os
sons que a gente ouvia. Habituamo-nos a cantar
todos.
08 NOOUT20
E N T R E V I S T A
Cila: As tuas lhas também cantam…
Gonçalo da Câmara Pereira: Todas cantam e sabem
dançar. Desde o folclore a um corridinho algarvio.
Mal delas se não soubessem cantar, porque estava
eu a negar-me a mim próprio, ensinei-lhes tudo.
Nós juntamo-nos e pomos um disco de viras, então
viras minhotas é uma coisa louca.
Cila: Há uns anos atrás estive contigo no Centro
Cultural de Belém (CCB), quando zeste um
concerto, tive o prazer de te conhecer nessa altura,
onde juntaste a família Câmara, onde estiveram as
tuas lhas e onde tiveste também uma convidada
especial, a Lili, que também cantou. Como é que
surgiu aquele espetáculo no CCB?
Gonçalo da Câmara Pereira: O CCB tinha-me
pedido para eu organizar um espetáculo. Era o
lançamento de um disco, acho eu. E eu resolvi
levar a família toda. A Lili Caneças pediu-me para
cantar e se eu lhe ensinava a cantar. E eu disse, “sou
ensinante em cima do palco”, e ela lá apareceu,
com uma música brasileira, teve graça. Nesse
espetáculo, também entrou pela primeira vez uma
das minhas netas. É engraçado, os meus netos, com
sete ou oito anos, começaram a entrar nisto e, hoje
em dia, todos cantam, mas é raro ver. Eu tenho três
netos que já pisaram os palcos mais importantes de
Lisboa. Cantaram no CCB, no Coliseu e no Porto e
na Aula Magna. Já zeram os grandes palcos como
miúdos, e a cantar bem, porque se fosse a cantar
mal… Mas não, cantam bem.
Cila: Depois temos a outra façanha do Gonçalo,
que é a agricultura, o gosto pela agricultura, o
gosto pelos cavalos. De onde é que surgiu também
este gosto?
Gonçalo da Câmara Pereira: Em pequeninos,
fazia parte da nossa educação. Andávamos a ter
equitação. No nosso tempo, havia isso. As famílias
aprendiam equitação. Íamos para a GNR, para o
Quartel e aprendíamos a fazer equitação. Quando
nós depois estivemos ligados ao campo, quando
começámos a ir para a herdade no Alentejo,
tínhamos um cavalo e já aprendíamos.
Agora vou-lhe contar uma coisa engraçada – há
uns anos, quando fui à Terceira, vi que havia
lá uma raça completamente engraçada que os
portugueses pouco conhecem, que é o Cavalinho
da Terceira, hoje em dia reconhecido como raça
autóctone, que se chama o Pónei da Terceira, que é
NOOUT20 09
E N T R E V I S T A
um cavalo lusitano puro, mas pequenino. Eram os
mais pequeninos que entravam nas Caravelas. Na
Terceira, e aqui em São Miguel já há, o Cavalinho
da Terceira, eu estou apaixonado por eles, por
cavalos. Já estou a negociar com os agricultores da
ilha Terceira que me vão fornecer seis cavalos para
eu fazer uma escola de equitação para crianças,
porque aquilo é um cavalo muito dócil, muito giro,
com características de lusitano, mas para crianças.
As crianças adoram e fazem uma alta/média
escola com cavalos açorianos. Poucos portugueses
conhecem esta raça, que está registada já há 10
anos. Vou ter a honra de ser o primeiro continental
a ter uma escola de cavalos açorianos, é fantástico.
Cila: Conhecemos o Gonçalo fadista, o Gonçalo
que gosta da agricultura, mas se eu te pedisse para
te descreveres, como é que tu te descrevias?
Gonçalo da Câmara Pereira: Eu acho que sou um
apaixonado por Portugal. Acho que Portugal é um
país incrível, uma potência, e nós estamos hoje
em dia muito tristes por estarmos connados, por
acharmos que é só o Continente e meia dúzia de
ilhas, mas não é. Se o globo da Terra é constituído
por 2/3 de água, somos a terceira ou quarta maior
potência do Mundo, é que as riquezas, hoje em dia,
estão no Mar. E é isto que eu luto todos os dias,
para dizer que não é só a Rússia, a América e a
China. Estamos a par, não podemos é desmoralizar
e achar que somos pequeninos porque nós,
efetivamente, somos grandes, com uma cultura
fantástica, com uma globalização que eles não
sabem hoje em dia ainda o que é a globalização,
já nós sabíamos há 500 anos, quando falam da
globalização, povo global somos nós. Nós é que
zemos a globalização.
Adoro vir aos Açores porque, para mim, os Açores
são o centro do Mundo. Todo o Mundo está aqui –
a América de um lado, a Europa do outro, o Brasil,
África. O centro do Mundo é os Açores. Eu sei que
os Açores, se se encontrarem com eles próprios, vai
10 NOOUT20
E N T R E V I S T A
despoletar.
Cila: Já viajaste para as nossas comunidades em
trabalho, como fadista. O que é que achas das
nossas comunidades portuguesas, açorianas,
espalhadas pelo Mundo, pelo Canadá, pelos
EUA, pelo Brasil, estamos em todos os pontos.
Há bocado dizias que nós somos o centro do
Mundo, mas é um centro do Mundo com muitas
ramicações…
Gonçalo da Câmara Pereira: É a globalização.
Encontrei açorianos em San Diego da Califórnia,
encontrei no Havai. No Havai encontrei uma
coisa engraçada. Estamos a falar há 40 anos
atrás, encontrei três padres a falar português,
porque eram de origem portuguesa. Três padres
portugueses no Havai… Estranho, não é? Uma
ilha, três padres? Só um de origem açoriana, é uma
coisa espetacular. Por isso, acho que a diáspora
portuguesa deve muito aos açorianos.
A gente encontra em New Bedford, no Canadá,
açorianos… É um espetáculo.
Cila: Aliás, podemos dizer, inclusivamente, que
os Açores e esta diáspora são uma extensão
dos Açores. Os açorianos e os portugueses, que
estão em todos os cantos do Mundo, são como
tentáculos que espalham a nossa cultura por cada
país, por cada Região.
Cila: Gonçalo, antes de terminarmos, um fado.
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R E P O R T A G E M
“A educação e a escola:
um amor em tempos de peste” ANA MASSA
No âmbito do III Encontro Prosucesso, um
evento da Direção Regional da Educação que
teve lugar nos dias 10 e 11 de setembro, por
videoconferência, o tema principal centrou-se na
avaliação e sobre o mesmo e não só se debruçou
o professor doutor Laborinho Lúcio numa
intervenção intitulada “A educação e a escola: um
amor em tempos de peste”.
O orador começou por armar que “hoje todos
vivemos não apenas num tempo de incerteza,
mas vivemos verdadeiramente um tempo de
absurdo por um vírus para o qual nós em nada
contribuímos e que invadiu o nosso dia a dia”.
Perante este absurdo, há duas possíveis posições:
uma passiva, esperando que o m do absurdo
aconteça, ou proativa, “agindo sobre o tempo e
usando o absurdo como um diagnóstico”. Assim,
diante do absurdo e da incerteza, Laborinho Lúcio
arma que o instrumento essencial que temos à
nossa disposição é o conhecimento, o trabalho
sobre o conhecimento e o desenvolvimento
do conhecimento, constatando que os tempos
modernos foram conduzindo à ideia de que o
conhecimento está de certo modo capturado
“pela ligação entre investigação e produção de
conhecimento, criação de inovação e criação
de valor, isto é, o conhecimento veio a ser
progressivamente funcionalizado, dirigido a um
que no limite é o da criação de valor”.
Atendendo a que no ambiente escolar há que
trabalhar a relação entre capacidade, conhecimento
e competência e sendo certo que “nenhum desses
termos vive sem os outros, o que é certo é que
do ponto de vista metodológico, nós falamos de
realidades ontologicamente diferentes”. Para o
professor, a “educação é uma entidade autónoma
que se esgota em si mesma, como a saúde, mas
também como a arte, que não tem nalidade
própria. Elas valem por si mesmas”. Assim, a
educação deverá ser um elemento organizador
e ao mesmo tempo estruturante da condição
humana e é nessa medida que “nós não devemos
funcionalizar a educação no sentido de perguntar
‘para que serve ela?’, mas trabalhar a educação
dentro exatamente dessa dimensão ontológica
de estruturação da personalidade e de formação
12 NOOUT20
R E P O R T A G E M
do Eu”. O orador apela, assim, a uma necessidade
de regressar ao Eu, à sua formação e à ideia de
educação como estruturação ontológica do próprio
Eu e da personalidade.
Começando, nalmente, no tópico da
escola, Laborinho Lúcio começa por armar
que, no que concerne o presencial e o ensino à
distância, a questão começa logo por estar mal
colocada, “porque colocada em termos abstratos
ela é presencial e é presencial que deve ser”. “Uma
escola sem educação negaria a condição humana
da mesma maneira que não há educação sem a
escola, isto é, uma educação sem escola nega a
inclusão e este é um princípio fundamental, mas o
importante é compreender o que é a educação e o
que é a escola. Se em situações de ponta, mesmo no
limite, nós tivemos de optar por uma educação à
distância, é fundamental que saibamos programar
essa educação à distância por forma a que a escola,
que então já não será o lado físico da sua presença,
da sua armação, possa ter o mínimo de perda
nessa transposição da sala de aula e da escola em
geral para o ensino em casa”. Eis que esta questão
levanta o problema da inclusão, que o ensino
no domicílio não consegue resolver, daí que o
orador alerta para que “nós não podemos perder a
dimensão absoluta da exigência que se coloca hoje
à escola para garantir a inclusão universal de todos
e de cada um dos alunos”, sendo de facto uma
obrigação.
Relativamente à escola enquanto espaço físico,
“aquele lugar onde acontecem as coisas, onde
a relação entre os Eus e os Outros adquire
efetividade, onde o conito se desenvolve, onde
a solução do conito se encontra”, Laborinho
Lúcio arma que essa escola confronta-se hoje
com alguns problemas novos, nomeadamente a
relação entre os alunos e professores, a questão das
matérias ou dos programas e, nalmente, a questão
da avaliação nal que é o tema central deste
NOOUT20 13
R E P O R T A G E M
encontro do Prosucesso. No que toca à relação
entre alunos e professores, o orador constata que,
de facto, a gura do aluno sofreu várias alterações,
sendo que atualmente “uma das realidades novas
no interior das nossas escolas é que deixou de
haver o aluno. O aluno que era a gura central da
escola burguesa, no fundo, desapareceu”. E esta
realidade foi então substituída por uma outra
muito mais universal, na qual todos os alunos
são diferentes, “marcando uma heterogeneidade
profunda” no interior da escola. E é, então, com
esses alunos que se deverá estabelecer a relação
ensino-aprendizagem.
No que concerne às matérias, “temos hoje uma
excessiva extensão de matérias, porventura uma
excessiva complexidade em várias delas o que
faz com que muitas vezes se perca a noção da
distinção entre o essencial e o acessório e na
maior parte das vezes se perca grande parte do
tempo no acessório, pondo em causa aquilo
que era verdadeiramente essencial”. O orador
propõe, então, que haja uma abertura para duas
outras áreas que considera serem “absolutamente
indispensáveis”. Em primeiro lugar, a arte, não
necessariamente para fazer artistas, “mas para
criar público relativamente à arte, isto é, para
criar cidadãos conhecedores que através da arte
desenvolvam inteligência, desenvolvam a própria
moralidade na relação com o conhecimento e
desenvolvam a sentimentalidade nesta relação
entre a razão e a emoção, desenvolva o seu
pensamento crítico.”
Relativamente ao tópico da avaliação, Laborinho
Lúcio considera importante distinguir avaliação de
notação e seriação. “Nós introduzimos no nosso
modelo de educação através da escola um peso tal
nesta confusão entre avaliação, notação e seriação
que acabamos por pôr em causa muitas vezes o
14 NOOUT20
R E P O R T A G E M
essencial que é a formação e a educação para a
substituir por um peso excessivo e extremamente
constringente de realização gradual de mecanismos
de seleção. Por outro lado, há uma tendência a
avaliar com vista à notação e por isso precisamos
de avaliar “o errado ou acertado das respostas e não
avaliamos a progressão e muitas vezes há crianças
cuja progressão foi extraordinária, simplesmente
ainda está distante de atingir até se quiserem a
própria nota positiva e todavia essa progressão é
depois traduzida numa nota negativa que lhe é
atribuída”.
Por m, Laborinho Lúcio debruça-se sobre a
questão dos exames nacionais no m do ensino
secundário, armando que estes “têm vindo a
condicionar de tal maneira a formação ao longo
do ensino que hoje já na pré-primária começa a
pensar-se naquilo que vão ser os exames nacionais
para entrar na faculdade”. Outro problema é
também a normalidade com que esta situação
é vista pelos pais, “que aceitam isto como tal,
os próprios pais que têm lhos que garantem
o sucesso à partida e esse sucesso à partida é
confrontado depois na nota extraordinária que
se obtém à chegada”. Assim, os exames nacionais
“servem apenas para instrumentalizar o ingresso
no ensino superior”. Tal condiciona de forma
negativa a qualidade do próprio ensino.
O professor Doutor Laborinho Lúcio termina a
sua intervenção ao exaltar o trabalho e a evolução
que a escola pública tem alcançado ao longo
destes quase 50 anos na era democrática. Todavia,
acredita que “há muito ainda por fazer e é nesse
muito ainda por fazer que é necessário colocar toda
a qualidade que permitiu ter feito já tanto quanto
foi feito. E o que há ainda muito é mais uma vez
a ser feito em conjunto com a comunidade. É por
isso que a educação e a escola, nos tempos de peste,
têm que ser um amor, um amor de todos nós”.
NOOUT20 15
R E P O R T A G E M
1/4 de Século de Economia
Solidária nos Açores
SOFIA CORDEIRO
No passado dia 09 de setembro, a Cooperativa
Regional de Economia Solidária (CRESAÇOR)
celebrou o seu 20º aniversário com um webinar
“1/4 de Século de Economia Solidária nos Açores”.
Ana Silva, Socióloga na empresa, foi a moderadora
deste webinar, sendo os convidados João Meneses,
Secretário Geral do BCSD Portugal, Roque
Amaro, professor no ISCTE- IUL, Dora Valadão,
Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Santa
Cruz das Flores e Célia Pereira, Diretora Executiva
da CRESAÇOR.
João Meneses começou por explicar em que
consiste, como se forma e que consequências
uma economia solidária pode trazer quando
uma empresa decide implementar uma política
sustentável.
“Nós vivemos num mundo complexo e penso que
todos temos essa noção. Existe uma emergência
climática que se expressa de diversas formas e
uma delas particularmente sensível é a subida do
nível das águas. Temos a noção também que a
natureza está em colapso e há variadas expressões
disso desde a amazónia aos recifes de coral. Temos
todos a perceção das tensões e desigualdades
sociais que nos tomam de surpresa muitas vezes
em variadas partes do mundo não apenas em
países em desenvolvimento mas também em
países desenvolvidos (…) há também uma série
de ambiguidades e populismos e os populismos
há 10 anos não se esperava uma presença forte
no mundo e de repente o mundo pára e ninguém
sabe muito bem o quão fundo pode chegar essa
16 NOOUT20
R E P O R T A G E M
pandemia, se estamos prontos para a próxima
que aí vier e aquilo que se tem dito com muita
frequência é que o coronavírus e a pandemia, o
connamento poderão ser um ensaio geral daquilo
que será a nossa vida caso não façamos nada
para parar as alterações climáticas e tudo o que
sofremos ao longo do connamento passaria a ser
o novo normal. Todos nós sabemos que por de
trás do vírus irá haver uma recessão grave talvez a
mais grave em 100 anos e há aqui mais duas vagas,
maiores ainda, e do quão poderão comprometer a
nossa vida futura. Primeiro a alteração climática
e depois a perda de biodiversidade, a tal natureza
em colapso e face a essas ambiguidades e a
essas tensões ‘o que se espera das empresas e
dos negócios’, ‘o que está a mudar’ na medida
em que a política falha à medida que vamos
sendo observados pelas novas gerações, que a
conança nos sistemas vai sendo testada e existe
barómetros com os níveis de conança muito em
baixo nos sistemas económicos, políticos, etc e o
que se espera está a mudar na medida em que as
normas estão mudando e que os reguladores vão
apertando a malha nomeadamente no sentido
da sustentabilidade e, por isso, para as empresas
e não só o Business as usual é cada vez mais
economicamente arriscado, é ambientalmente
estúpido, socialmente inaceitável e é legalmente
cada vez mais perigoso. Há muitas pessoas que
dizem que só com uma revolução é que nós
vamos conseguir mudar o estado das coisas ou
com uma reforma do capitalismo, porque se não
reformarmos agora o capitalismo rapidamente a
nossa qualidade de vida se pode desmoronar por
falta de sustentabilidade ambiental, por falta de
sustentabilidade social”. Por exemplo, os resultados
deste ano do Edelman test Barometer mostram que
o capitalismo “está em check”, ou seja, a maioria
dos inquiridos responde que sente uma injustiça
e que o sistema está a falhar para si. “A verdade
é que o capitalismo tem sofrido vários choques
externos na sua história e ainda recentemente
sofreu o choque da digitalização, as empresas e as
sociedades tiveram que se reorganizar em torno do
digital. Os modelos das empresas foram altamente
impactados e agora com a revolução da indústria
4.0 tudo o que é inteligência articial, a internet
das coisas, os robots, os drones, as impressões 3D
todas estas coisas. E a próxima grande revolução
vai ser a sustentabilidade, transformar não só as
empresas, mas as sociedades, as economias e os
nossos estilos de vida do dia a dia. Em muitos
casos elas vão aparecer combinadas: o digital e
a sustentabilidade, por exemplo, tudo o que seja
da economia da partilha, seja partilha de carros,
de bicicletas, roupa, combina o digital com a
otimização dos recursos, mas também quando
nós temos entregas por drones em vez por
rodovia com emissão de gases de efeito estufa ou
quando temos impressão 3D em vez de termos
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R E P O R T A G E M
produtos com cadeias de rede globais a atravessar
o mundo e a emitir gases com efeito estufa têm
de ser armazenados e temos o económico em
detrimento do sustentável. E a próxima grande
revolução é a da sustentabilidade, porque o
mundo está a car inabitável e esta é designada de
Antropoceno, porque é o homem pela primeira
vez em 500 milhões de anos a provocar a sexta
extinção massiva. O que não é sustentável é nós
consumirmos 100 mil milhões de toneladas de
recursos naturais que foi o que zemos o ano
passado que são nitos ou são renováveis de longos
círculos de renovação. Já estamos a viver a crédito
das gerações futuras desde a década de 70, ou seja,
estamos há 50 anos a delapidar recursos que as
gerações futuras não vão ter para a sua qualidade
de vida”.
João Meneses falou não só do ambiente, mas
também de questões sociais, pelo que “26 pessoas
mais ricas do mundo com uma riqueza equivalente
a 50% da população mundial, quatro mil milhões
de pessoas com 26 pessoas com a riqueza é
insustentável”. Por exemplo, “uma t-shirt de
algodão à venda numa loja consome 2.700 litros
de água que é o consumo médio de uma pessoa
em três anos. A t-shirt percorre 14.000 km e emite
mais gases que o seu peso, passa por 100 pares
de mão e quando se compra por 10€ ou 15€ não
estamos de facto a pagar o preço total da pegada
ambiental. As empresas já perceberam isto e estão
a adaptar-se, estão a procurar combinar ‘Purpose
& Prot’ e tem havido imensos movimentos
neste sentido inclusive em quadrantes nanceiros
que nós não esperávamos que começasse a
compreender a diferença, capazes de gerar valor
e economizar o ambiente é a combinação entre a
produção e o ambiente. Portanto, para as empresas
serem sustentáveis têm que reduzir custos de
energia, materiais, matéria-prima e isto signica
gerir riscos, porque as regras legais são cada
vez mais exigentes, porque há cada vez menos
matérias-primas disponíveis e nitas, o trabalho
infantil, desigualdade de género que arruína a
reputação de uma empresa. A diferenciação e
delização de clientes, há uma noção de propósito
para colaboradores para uma melhor retenção
de talentos, redução do custo de capital e é uma
oportunidade de negócio e investimento, porque
há uma série de nanciamentos hoje e vai haver
ao longo da década. Para Portugal, vamos ter um
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nanciamento da União Europeia até 2027 68.7 mil
milhões de euros”.
Os aspetos positivos das organizações da
economia solidária são: bem posicionada num
dos dois vetores de transformação de século XXI:
a sustentabilidade. A reforma do capitalismo
no sentido da solidariedade, “cada vez mais as
empresas a querer ser as melhores para o mundo
para que as empresas sejam um veículo de gerar
valor não só para o acionista, mas sobretudo
para as comunidades, colaboradores, clientes, e
aí criar um sentimento de valor que se partilha
inclusive com as gerações futuras”. A ideia de
empreendedorismo, de economia. Um sentido
de propósito e de missão. Ser um fenómeno
eminentemente local, num momento em que as
cadeias de valor estão a tornar cada vez mais locais
e por m, a ideia de estar habituada a trabalhar em
parceria”.
Por outro lado, os aspetos a melhorar nas
organizações de economia solidária é que está mal
posicionada num dos vetores transformadores do
século XXI: transformação digital. Falta escala
e ambição nos modelos de negócio. Fraca em
inovação e criatividade com escala, como por
exemplo, “um loop que recicla as embalagens
que temos em casa tudo o que seja produtos
de higiene e alimentares, eles vão a casa com
produtos elétricos fazer o rell das embalagens
em casa e evita, sobretudo, o uso de muitas
embalagens de plástico sucessivamente e, por m,
melhorar as condições laborais, porque é muito
difícil concorrer com empresas que pagam o
triplo e a economia solidária vai perdendo muito
talento por esta via.”
Em seguida, o Professor Rogério Roque Amaro,
professor no Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE-IUL) fala sobre a “Coesão Social
e Desenvolvimento Integrado em Regiões
Ultraperiféricas – Estratégias a partir da economia
solidária”.
A coesão social “é o processo mais do que
superlotado que vai atacando estes impedimentos
à justiça social e vai atacando conforme o
processo vai-se tornando cada vez menos
igualitário, injusto e discriminado para as
pessoas”. E o conceito de Desenvolvimento
Integrado “é um conceito fundamental porque
tem a ver com a ideia de multidimensional,
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R E P O R T A G E M
ou seja, tem a ver com a ideia de que o
desenvolvimento é copulativo, ou seja, agrega
várias dimensões da vivência, da vida e do bemestar
das pessoas e ele é incompleto, imperfeito e
desagregador das pessoas (…) o desenvolvimento
integrado é aquele que a dimensão económica não
se sobrepõe às outras, mas convive e articula-se,
coexiste e reforma a coesão social, a dimensão
cultural, ambiental, territorial, a dimensão
cognitiva da construção do conhecimento, a
dimensão política da democracia e da dimensão da
ética dos valores, pelo menos estas oito dimensões
à qual adicionaria ainda a dimensão da gestão,
porque há uma série de equívocos em relação à
economia solidária”.
A economia solidária “é uma economia, tem um
projeto económico, é uma economia que valoriza
as componentes sociais através de emprego, apoia
os mais necessitados, luta contra a pobreza, tem
preocupações ambientais, na eciência energética,
separação de resíduos e valoriza a cultura local”.
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O Ensino Superior e a
Transformação Digital
SARA BORGES
Com o desenvolvimento da pandemia, muitos
setores da sociedade recorreram aos meios
tecnológicos de modo a permitir a continuidade
da sua atividade. Neste caso, insere-se a atividade
do Ensino Superior. Assim, importa saber quais
impactos terão no futuro as mudanças feitas pelas
instituições do Ensino Superior para se adaptarem
à pandemia, como também se essas mudanças
serão permanentes e como estas afetaram os
alunos e as universidades.
Estas e outras questões foram respondidas por
um painel composto por quatro membros da
academia: António Vaz Carneiro (Professor
da Faculdade de Medicina da Universidade de
Lisboa), Arlindo Oliveira (Professor no Instituto
Superior Técnico), Maria do Céu Patrão Neves
(Professora na Universidade dos Açores), e Paulo
Zagalo e Melo (Pró-Reitor da Universidade
de Western Michigan), na quarta edição dos
webinars da Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD): What’s Next for Higher
Education and Digital Transformation?
Assim, uma das questões colocadas incide no facto
de o ensino à distância poder ou não se tornar a
norma em vez da exceção. Numa coisa os oradores
estão de acordo: o mundo mudou. Sendo assim,
falta perceber como.
“O mundo mudou e mudou para sempre. No
mundo da academia temos de perceber o que
se está a passar no mundo”, arma António
Vaz Carneiro, Diretor do Instituto de Medicina
Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa. Assim, o
académico refere que em termos globais esta
nova tecnologia já era recorrentemente utilizada e
acrescenta que isto é “um campo comum a todos.
E isto é um campo que vale a pena discutir se
vamos defender um ensino à distância online”. Por
outro lado, realça que o ensino à distância acarreta
diversos problemas, mas admite que as coisas
“basicamente correram bem” e refere que apesar
dos obstáculos foi possível realizar a avaliação de
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R E P O R T A G E M
forma “honesta, transparente e rigorosa”. Portanto,
a questão que se põe no futuro não é tanto aquilo
que a Faculdade quer fazer, mas aquilo que o
próprio sistema permite ou não que a Faculdade
faça.
Maria do Céu Patrão Neves, Professora Catedrática
de Ética na Universidade dos Açores, defende
que a resposta “imediata” do Ensino Superior foi
boa, porque tinha a capacidade técnica para o
fazer, mas se estas mudanças forem permanentes,
há muito mais a mudar do que criar plataformas
online e dar aulas à distância. Assim, expõe que
o modelo online para ser um modelo sustentável
terá de ser alvo de mudanças profundas, incidindo
em diversos aspetos. Deste modo, enumera
um conjunto de aspetos que carecem de uma
maior reexão, tais como, as condições em que
os professores se encontram, os meios que têm
ao seu dispor, as ferramentas que escolhem, as
questões de cibersegurança e proteção de imagem.
Por conseguinte, a académica realça uma outra
realidade, “se porventura optarmos por um modelo
unicamente online e não um blending, nesse caso
penso que o contacto com o aluno não é da mesma
natureza. (…) Como professores perdemos os
nossos recursos pedagógicos, que ultrapassam o
verbal: a nossa postura, a postura do aluno, o olhar,
o sentir”, referiu.
Arlindo Oliveira, Professor Catedrático do
Instituto Superior Técnico, partilha da mesma
opinião dos outros oradores e vê com muita
diculdade a manutenção da qualidade do
ensino num contexto em que aulas passam a ser
completamente à distância. Para o académico,
“o ensino à distância é uma cópia muito pálida
do ensino presencial que tem lugar numa boa
academia, numa boa universidade. O convívio (…)
é uma coisa absolutamente essencial e que faz parte
da educação do aluno”. Por outro lado, denota o
cansaço que se começa a acumular especialmente
nos alunos, mas também nos professores deste
mecanismo de ensino à distância. Portanto,
defende ser fundamental, em todo este processo,
preservarmos para o futuro as coisas positivas
que surgiram nesta fase e realça para o facto de
não sermos ingénuos ao pensar que este modelo
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puramente à distância poderá substituir o modelo
físico.
Em relação à avaliação, o professor Arlindo
Oliveira, em oposição ao professor António Vaz
Carneiro, refere um problema. A questão da
avaliação é sensível porque, segundo o académico,
“apesar de tudo ainda não temos as garantias
absolutas que é possível avaliar alunos à distância
sem a ocorrência de fraudes ou sem a ocorrência
de uma pressão excessiva sobre os alunos”.
Portanto, há ainda questões para as quais não
temos soluções ainda apesar de haver tecnologias
que permitam ajudar a limitar essas diculdades.
Do outro lado do Atlântico, Paulo Zagalo e Melo,
Pró-reitor para a Educação Global da Western
Michigan University, explicou que, em quatro
dias, a sua universidade passou 4500 cadeiras de
regime presencial para online. No que diz respeito
ao modelo adotado nos EUA, este refere que o
mesmo foi registado em Portugal e no mundo,
compartilhando a mesma opinião que os restantes
oradores de que o ensino à distância não irá
substituir o ensino presencial. No entanto, defende
que o online já não será apenas um pormenor.
Assim, arma que, “quando comparávamos o total
online com o presencial total, tínhamos custos
mais baixos para o online, mas no futuro quase
todos os programas terão cadeiras mistas. (…) O
que não vai voltar a acontecer é o online voltar a
ser acessório”. Por outro lado, refere a posição dos
alunos, acrescentando que este tem sido um tema
de debate central nas universidades americanas,
especicamente em relação à geração Z.
Desta forma, Paulo Zagalo e Melo questiona
quais são as particularidades da geração Z e como
será que a universidade pode mudar de forma a
aumentar o sucesso académico da geração Z, pois
refere que esta geração tem como preferência o
modelo de ensino online. Neste sentido, Maria
do Céu Patrão Neves, apesar de concordar com
Zagalo e Melo, acrescenta que a Universidade
não tem apenas de seguir as expetativas de uma
geração. Assim, defende que a Universidade tem
como responsabilidade fornecer instrumentos
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que, com a maturidade acrescida quer dos
seus professores, quer da própria instituição,
considerem ser irrelevantes para a formação
completa dessa geração. “Eu penso que há
aqui uma responsabilidade das instituições e
dos professores de trazer alguma outra forma
complementar que considere importante para a
formação destes jovens e mesmo que 70% preram
o online há uma realidade presencial que não é
suscetível de ser substituída, aliás as universidades
não são apenas espaços, fóruns de transmissão de
conteúdos é uma vivência. Não estamos só a falar
sobre uma exposição de conteúdos que vai do
professor para o aluno ou em que o professor se
torna apenas coach e vem muito do aluno para o
professor mas nós estamos a falar de uma vivência,
de um clima, partilhar, compreender, sentir isto
se faz numa universidade e isto é insubstituível,
precisamente as so skills que hoje são tão
valorizadas que se aprende no contacto físico, na
vivência, na partilha de projeto”.
Por outro lado, António Vaz Carneiro antecipa
que, num mundo em que a oferta de cursos online
aumenta de forma signicativa, a concorrência
passa a ser também das maiores universidades
do mundo, o que vai obrigar a uma mudança na
abordagem das universidades, que tem de se focar
mais nos alunos. Assim, refere que o facto de haver
agora aulas online de forma mais generalizada
irá causar um impacto na competitividade entre
universidades pois, segundo o académico, “um
jovem estudante que possa da sua casa evitar
gastar três meses para um quarto em Lisboa e
que durante três meses possa poupar aos pais três
ou quatro mil euros e está em casa a fazer aulas
online (…) ele vai fazer outra coisa, ele vai tentar
escolher no mundo inteiro quais são os professores
da sua área com quem ele quer ter aulas online.
E, portanto, se Harvard de repente baixa o preço
porque invés de receber 80 alunos de medicina por
ano passa a poder admitir 8 mil, então a Faculdade
de Medicina de Lisboa vai ter de competir com
Harvard. E isso é que vai revolucionar tudo isto”.
Desta forma, António Vaz Carneiro admite que
NOOUT20 25
R E P O R T A G E M
“se formos abrir a novas tecnologias e se formos
capazes de certicar a qualidade do ensino que
os nossos alunos vão ter, então temos de nos
habituar a olhar para tudo isto com um olhar
completamente diferente”.
Em relação ao nanciamento, para Arlindo
Oliveira, este tem de continuar a ser uma
prioridade para o país, tem de nanciar
adequadamente o Ensino Superior, destacando que
“adequadamente não é o que existe agora porque o
que existe agora é inadequado, mas reduzir do que
existe agora é que me parece muito mal”. Realça,
ainda, que o Estado paga menos a um aluno do
ensino superior do que por aluno do ensino básico
ou secundário, “o que é uma coisa impressionante e
possivelmente única a nível internacional” e refere
que não será por aí o melhor método de poupar,
mas podemos correr o risco de perder a vantagem
competitiva que o nosso Ensino Superior tem.
Maria Céu Patrão Neves complementa a armação
de Arlindo Melo e refere que o nanciamento
público das universidades portuguesas se destina
quase inteiramente para os ordenados dos seus
funcionários. Por outro lado, relembra a situação
atual da universidade de Cambridge que já passou
muitos dos seus cursos para o online, mas deixou
de forma clara e inequívoca que as propinas seriam
exatamente as mesmas.
Por m, esta transformação digital e os seus
impactos no Ensino Superior traduzem-se em
novos obstáculos, mas também em novas áreas de
oportunidade que devemos tentar explorar.
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26 NOOUT20
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Promoção da Criptoméria Japónica
nos Açores: Novos Produtos,
Oportunidades e Mercados
RUI SANTOS
No passado mês de setembro, realizou-se o
webinar “Promoção da Madeira de Cryptomeria
japónica D. Don na Construção – Novos Produtos,
Oportunidades e Mercados”, um projeto da
responsabilidade da Azorina (Sociedade de Gestão
Ambiental e Conservação da Natureza), que
contou com a participação de Anabela Isidoro,
Diretora Regional dos Serviços Florestais em
representação de João Ponte, Secretário Regional
da Agricultura e Florestas, e de Marta Ventinhas,
técnica do departamento orestal da Azorina.
Anabela Isidoro, Diretora Regional dos Serviços
Florestais, contextualizou a criptoméria nos Açores
através da sua história e de alguns dados sobre
a gestão das orestas da região e, em particular,
desta espécie.
Segundo a Diretora Regional, esta é uma das
principais espécies da oresta Açoriana. As suas
matas ocupam 12856 hectares e a espécie foi
introduzida no Arquipélago “em meados do século
XIX, ainda antes dos serviços orestais chegarem à
Região, o que aconteceu em 1948”.
A criptoméria teve sucesso na sua adaptação
aos Açores por encontrar na região “condições
idênticas ao local onde é originária, o Japão, ou
seja, valores de precipitação elevados, nevoeiros
abundantes, ventos intensos”.
“Presentemente a oresta é cada vez mais
valorizada e tida como essencial ao bem-estar
das populações por interferir de forma positiva
na qualidade do ar e da água, nos ecossistemas e
na diversidade da fauna e da ora, na paisagem,
despertando o interesse crescente enquanto
consumidor carbónico, com impacto positivo ao
nível das alterações climáticas. Fomentar a oresta
e fazer uma gestão responsável deste espaço
natural é por isso mesmo uma responsabilidade e
uma obrigação de cada um de nós”, salientou.
No que ao Governo dos Açores diz respeito,
“temos procurado cuidar e valorizar a nossa
oresta”. Para Anabela Isidoro foi em 2014 que a
política orestal nos Açores “deu um passo em
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R E P O R T A G E M
frente” com a publicação da estratégia orestal
regional direcionada para “garantir o ordenamento
e a gestão dos recursos orestais” e prosseguindo
objetivos estratégicos tais como “a promoção
da certicação da gestão orestal, a valorização
dos produtos orestais e a sua comercialização
através da procura de novos mercados, o aumento
da competitividade no setor orestal através da
utilização sustentável dos recursos orestais, o
incentivo da gestão orestal ativa e a dinamização
do uso múltiplo da oresta”.
Desde então, “já se desenvolveram várias medidas
importantes como por exemplo a certicação
da gestão orestal pela iniciativa do FSC (Forest
Stewardship Council)” em 2015 para as áreas
do perímetro orestal e matas regionais da
ilha de São Miguel (2119 hectares). Toda a
madeira proveniente destas áreas desde cortada,
processada e vendida por entidade com cadeia
de custódia certicada é madeira certicada,
pode ostentar o eco rótulo do FSC, reconhecido
internacionalmente como marca da gestão orestal
responsável”, explicou.
“Em 2016 foi criada a bolsa de prestadores de
serviços orestais da Região com o objetivo de
prestar apoio aos produtores proprietários e
detentores de áreas orestais na região veiculando
os contactos, informação sobre empresas e
agentes do setor. Já em 2018 foi publicada a
portaria número 42 de 19 de abril que estabelece o
programa de apoio a empresas regionais ligadas à
leira da madeira, para certicação da sua cadeia
de responsabilidades, ou seja, para se integrarem
também na questão da certicação da gestão
orestal, bem como o apoio a produtores orestais
regionais para a certicação da respetiva gestão
orestal”. Foram também disponibilizados “dois
manuais que podem servir para utilização pelos
agentes do setor e pelos proprietários privados e
que são relativos à segurança, higiene e saúde no
setor orestal e um outro relativo às boas práticas
para a gestão orestal nos Açores”. Foi ainda criado
NOOUT20 29
R E P O R T A G E M
e disponibilizado a GesFlorA, “uma plataforma
digital comum, através da qual os agentes do
setor, públicos e privados, podem elaborar os
seus planos de gestão orestal”.
De acordo com a Diretora Regional dos
Serviços Florestais, foi graças a este trabalho
que a madeira de criptoméria “despertou nos
últimos anos um renovado interesse comercial
devido à aposta que tem vindo a ser feita na
sua valorização, certicação e promoção, por
ser uma madeira macia, fácil de trabalhar,
com excelente durabilidade e resistência”.
Conseguindo esta espécie “ganhar cada vez
mais destaque e espaço, seja ao nível da
construção civil, seja ao nível do mobiliário
ou até da construção de equipamentos como
instrumentos musicais, pranchas de surf, entre
outros”.
“Paralelamente tem sido feita muita
investigação em torno desta madeira, desde
logo ao nível da valorização de sobrantes
orestais, produção, caracterização e
qualicação do óleo essencial de criptoméria
e sobre a utilização de madeira em novos
produtos”, avançou. Estes projetos são da
responsabilidade da Azorina e desenvolvidos
pelo Centro de Inovação e Competência
da Floresta e pelo Laboratório Nacional de
Engenharia Civil.
Entre 2014 e 2020, foram exploradas, nas ilhas
de São Miguel, Santa Maria e Terceira “uma
área de quase 164 hectares, portanto estamos a
falar de sete anos”. Na ilha de São Miguel foram
“lançados cinco procedimentos concursais
para o corte de madeira neste mesmo
período”, tendo sido colocados à venda “cerca
de 707 hectares de povoamentos orestais
maioritariamente constituídos por criptoméria”,
dos quais foram vendidos “cerca de 287
hectares”, correspondendo a uma receita na
Região “de 520 mil euros”, a qual é partilhada
com a autarquia.
A exportação desta madeira é feita “sobretudo
para os Estados Unidos” onde, segundo a
Diretora Regional, “está a ter uma muito boa
aceitação para a aplicação em vedações de
jardins”.
Até junho de 2020 “tinham sido cortados
cerca de 97 000 m 3 de madeira, que depois
transformados e excluídos os desperdícios
30 NOOUT20
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deram origem a 62 000 m 3 de madeira serrada”.
Durante o processo, que Anabela Isidoro lembrou
ser ainda “muito recente”, tem havido “uma
aprendizagem e ajustamento de determinados
aspetos como por exemplo o prazo de execução
dos contratos”, que, inicialmente, eram de um ano,
mas passaram para cinco anos “dando assim maior
previsibilidade, exibilidade e até mesmo garantias
às empresas que entram nestes procedimentos para
a angariação de compradores de madeira a médio
prazo”, esclareceu.
Desde o início do processo foram envolvidas
cinco empresas, “três associadas à exploração
orestal e duas associadas à manutenção de
novas plantações”. Dos 237 hectares vendidos
“foram explorados 131 hectares (em São Miguel),
vericando-se que o ritmo de exploração tem
vindo a aumentar de ano para ano, o que reete
o aumento da eciência das empresas associadas
e a sua melhoria na adaptação às exigências do
processo”, armou.
Dos 131ha explorados “já foram reorestados
112”, estimando-se que até março ou abril de
2021 “a totalidade da área até agora explorada ca
reutilizada, porque estamos quase a iniciar meia
época de plantação, portanto vamos plantar aquilo
que foi explorado durante o verão”.
Cerca de 54% da área explorada “foi reutilizada
com o objetivo de manter e melhorar a
capacidade produtiva dos povoamentos orestais
de criptoméria, ou seja, da totalidade da área
explorada vamos continuar com 54% da área com
povoamento de criptoméria, agora mais bemadaptados
e mais bem instalados. Quanto aos 46%
remanescentes “foram reconvertidos para orestas
cujo principal objetivo é o da conservação do solo
da água e da biodiversidade. Para isso utilizamos
quer espécies nativas quer exóticas de crescimento
lento que produzimos nos nossos viveiros
orestais”.
Através destes concursos públicos para corte de
madeira em matas públicas, a Diretora Regional
dos Serviços Florestais sublinhou que o Governo
dos Açores potenciou o surgimento de novos
negócios na área da transformação e da inovação
associadas à leira da madeira, contribuindo
também para o aumento das exportações, “criando
este interesse em torno da madeira de criptoméria
abriu-se espaço para que os produtores orestais
privados possam também entrar e beneciar destes
circuitos de exportação, algo que começa-se agora
a vericar após muitos anos em que a exportação
foi praticamente inexistente”, aquando cingiase
“a um ou dois operadores que exportavam
anualmente alguns contentores de madeira”.
“Esta é certamente uma área em que há ainda
muito para explorar contribuindo para criar mais
riqueza e mais emprego nos Açores”, lembrou.
NOOUT20 31
R E P O R T A G E M
Já Marta Ventinhas, técnica do departamento
orestal da Azorina, começou por uma
apresentação de dados para contextualizar o
Projeto da Azorina de “Promoção da Madeira de
Cryptomeria japónica D. Don na Construção –
Novos Produtos, Oportunidades e Mercados”.
Com base no inventário orestal nacional de 2007,
realizado pela Direção Nacional dos Recursos
Florestais (DNRF), constata-se que “31% do
território açoriano é ocupado por oresta”. A área
de coberto orestal “é de 48500ha, acrescendo
26000 de oresta natural e matos”.
A Cryptomeria japónica é a segunda espécie
orestal com maior representatividade no
coberto orestal, “representando 26% da área
de povoamentos orestais dos Açores. É a
espécie com maior interesse económico pois
representa uma ocupação de 60% da área de
oresta de produção, e a maioria (37%) dos seus
povoamentos tem mais de 30 anos, “ou seja, estão
na idade de corte”.
Ainda segundo a DNRF, na Região, a nível
económico, a oresta representa “1400 postos de
trabalho”, com um volume de negócio anual de
cerca de “1.8 milhões de euros pela venda direta
e material lenhoso e de 10.9 milhões de euros
quando contabilizado ao nível do setor industrial
da primeira transformação”.
Devido à crise económica no início da última
década, que afetou a construção civil, teve como
consequência o “declínio do setor madeireiro
regional e da economia a ele associado”,
lembrando que “a madeira de criptoméria era,
essencialmente, utilizada no setor da construção
civil”.
A leira industrial regional desta espécie apresenta
como pontos fortes: “Recurso com caraterísticas
muito especícas e praticamente inexistente
no mercado europeu; Elevada disponibilidade
de áreas prontas para corte, certicadas pelo
FSC; Recurso normalizado para ns estruturais
de construção civil (pela Norma Portuguesa
4544:2015 ); Tendência exportadora em
crescimento; Disponibilidade de nanciamento
para desenvolvimento tecnológico e inovação
em todo o processo produtivo; Stakeholders
interessados em envolverem-se no processo de
desenvolvimento e inovação da leira orestal”.
Como pontos fracos: “Unidades industriais de
pequena dimensão, com reduzida capacidade
de processamento individual; Propriedades
da madeira (algumas condicionantes nas suas
aplicações), difícil escoamento da madeira de 2ª e
de sobrantes; Preços pouco competitivos; Mercado
muito concorrencial; Inovação reduzida ao nível
dos produtos disponibilizados aos mercados;
Aplicação reduzida das tecnologias disponíveis;
Diculdades ao nível da organização, da gestão e de
recursos humanos qualicados; Falta de tradição
em cooperação e associativismo; Utilização débil
das ferramentas de marketing”.
Marta Ventinhas lembrou que “havia a consciência
de alguns dos pontos fortes”, nomeadamente a
“elevada disponibilidade de áreas de madeira
prontas para corte, mas também interessados em
envolverem-se no processo de desenvolvimento
32 NOOUT20
R E P O R T A G E M
e inovação da leira orestal, por outro lado
sentimos que era importante procurar ultrapassar
alguns dos pontos fracos”, como aqueles que “se
prendem com propriedades da madeira, que a
limitam nos seus campos de aplicação ou os que se
prendem com o aspeto com o aspeto da inovação.
O Projeto pretende ir ao encontro do estipulado
pela Agenda Açoriana para a Criação de Emprego
e Competitividade Empresarial e pela Estratégia
Florestal Regional do XII Governo Regional dos
Açores - desenvolvimento económico em regime
de sustentabilidade do setor orestal regional,
através do “aproveitamento económico do
património público orestal da Região, composto
por uma essência principal a Cryptoméria
japónica D. Don; da promoção, dinamização e
modernização desta leira produtiva, realizando
uma gestão responsável do património orestal, e
da necessidade de desenvolver medidas de gestão
que promovessem a criação de emprego na área do
setor orestal”.
Para além disso, o projeto foi fundamentado “na
necessidade de promover o desenvolvimento
de produtos nais com base na diversicação,
inovação e aumento da qualidade, enfrentando
desta forma um mercado internacional, altamente
concorrencial”, e na tentativa de “procurar
ultrapassar condicionantes da madeira de
Criptoméria que limitam a sua aplicação no setor
da construção (baixa dureza, densidade, resistência
e rigidez) aplicação de testes e metodologias
posicionando-a a um nível economicamente
concorrencial, quando comparada com outras de
qualidade semelhante”.
Segundo Marta Ventinhas, como a Azorina já
acompanhava projetos de promoção e qualicação
dos produtos de madeira criptoméria, com
resultados positivos, pretendeu dar seguimento
aos resultados obtidos nos projetos anteriores
que envolveram a “publicação da Norma
Portuguesa NP4544:2015 - classicação visual
da madeira serrada de Criptoméria, proveniente
da RAA, tendo em vista a sua utilização para
ns estruturais; o desenvolvimento de testes de
qualicação da madeira de Criptoméria para
integração nos requisitos técnicos da Norma
Europeia NE1912 e testes de densicação; e a
Utilização de criptoméria em lamelados colados”,
mencionou.
O Projeto foi conanciado pelo programa Açores
NOOUT20 33
R E P O R T A G E M
2020 e pelo Governo Regional dos Açores, através
da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas.
A candidatura teve aprovação a 05 de março
de 2018 e tem data nal de execução a 30 de
novembro de 2020, com um custo total elegível
de 204.356,38€, sendo que 173.702,92€ (85%)
comparticipado pela União Europeia e 30.653,46€
(15%) pelo Governo Regional dos Açores.
O Projeto tem como objetivos a fomentação
da inovação tecnológica no tecido empresarial
da leira orestal regional, “proporcionando
a obtenção de produtos diferenciados e com
melhor qualidade”; a contribuição “para o
desenvolvimento de produtos inovadores para
a construção com incorporação de madeira de
criptoméria, que cumpram os requisitos técnicos
denidos na normalização europeia e que sejam
competitivos do ponto de vista económico;
analisar as oportunidades de produção de
produtos laminados (estruturais e não estruturais),
incorporando apenas madeira de criptoméria
ou integrando também outras espécies lenhosas
(se possível endógenos à região), nomeadamente
Acácia melanoxylon R. Br. , e/ou baseado na
alteração das propriedades da madeira através de
um processo de densicação”.
Ainda como objetivos, o Projeto tenciona
“contribuir para o aumento da capacidade
exportadora e a internacionalização do setor
empresarial regional, ligado à leira da madeira
(através da inovação, diferenciação e melhoria da
qualidade dos produtos de madeira de criptoméria,
e seus derivados, produzidos na Região);
acrescentar mais valias económicas aos produtos
nais produzidos na região e transacionáveis
entre esta e os mercados externos; aumentar a
34 NOOUT20
R E P O R T A G E M
cooperação interinstitucional e interempresarial
em benefício do desenvolvimento global da região,
nomeadamente do setor industrial”, nomeou a
técnica do departamento orestal da Azorina.
Durante a execução do Projeto, foi submetida a
madeira de Criptoméria dos Açores a processos
e tecnologias, com o objetivo de “ultrapassar as
suas condicionantes naturais, suprarreferidas,
melhorando as suas características mecânicas”;
foram desenvolvidos produtos tipo (revestimento
de piso e vigas lameladas coladas), requisitos a
cumprir e sistema de avaliação do desempenho
(e.g. marcação CE); foi modicada a madeira por
densicação, incluindo estudos de otimização
de forma a “garantir a estabilidade do processo
(minoração da capacidade de recuperação do
material densicado)”; o desenvolvimento
de novos produtos, “incorporando madeira
densicada (incluindo estudos sobre qualidade
da colagem e estabilidade dimensional), vigas
lameladas coladas mistas (combinação de
espécies) e vigas do tipo l”, e a realização de ações
de demonstração e de divulgação de resultados
obtidos, promovendo a aplicação das novas
metodologias.
NOOUT20 35
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CLÁUDIA CARVALHO
A Agricultura, o Turismo e o Ambiente
foram eleitos como o triângulo de
uma nova cadeia de valor através de
políticas, projetos e investimentos
integrados, sustentados e sustentáveis,
avaliados no contexto económico e
social de cada ilha, com importância
no mercado interno, mas também na
internacionalização de bens e serviços
agro rurais.
Uma nova visão sobre ordenamento
do território, que faculte investimentos
não agrícolas nas explorações agrícolas
e a diversicação de negócios no
espaço rural.
Os investimentos e a gestão dos
caminhos, do abastecimento de água
e da eletricação agrícolas devem ser
partilhados pelas diversas entidades
públicas face à sua utilização.
Uma estratégia para a inovação e
valorização do leite e da carne.
Destacam-se as seguintes iniciativas e
debates:
“Situação do setor agrícola nos Açores”;
“Ultraperiferia – O instrumento
europeu para políticas diferenciadas
nos Açores”
“COVID-19-Intervenção Emergente na
Agricultura dos Açores”
“Produção de Leite e Lacticínios nos
Açores – Estratégia Pós 2020”
“Perda de rendimento dos produtores
de leite dos Açores”
“Agricultura – Impacto da Seca e
Gestão da Água”
“Penalização aos produtores de leite”
“Criação e um programa de
investigação e desenvolvimento de
novos produtos agrícolas”
“Organização do ensino e formação
agrícola e agroindustrial de elevada
qualidade”
“Apoio à criação da “Rede de Loja
Açores”
“Custos de Produção de Leite e
Modelos de Exploração”
“Desligamento-Garantir os apoios ao
rendimento desligados da produção”
(Relatado. Não foi agendado para
Plenário.)
NOOUT20 47
E N T R E V I S T A
Em primeiro lugar quero assinalar que estarei grato
para sempre pela oportunidade proporcionada de
servir os Açoreanos, enquanto deputado regional.
Desenvolvi com os Açoreanos uma relação de
proximidade, em especial com os picarotos, que se
traduziu num sentimento de efetiva representação
das pessoas, segundo o feedback que fui recebendo.
Por motivos de saúde não poderei continuar, mas
ca a certeza de que dei o melhor de mim em
prol da minha ilha e dos Açores, aplicando o lema
Rotary, “dar de si antes de pensar em si”.
Neste percurso de quatro anos destaco, em relação
aos temas de âmbito regional, a luta travada com
sucesso pela recuperação do tempo de serviço
dos professores e descongelamento das carreiras;
o grupo de trabalho que integrei e que produziu
importantes conclusões sobre as respostas públicas
regionais na área da promoção dos direitos e
proteção das crianças e jovens com mais de
doze anos; o Relatório de Interesse Regional que
elaborea, sobre a situação do ensino prossional na
região e propostas de linhas futuras.
Na atuação no âmbito de ilha destaco o
encerramento da fábrica da COFACO e toda
a onda de pessimismo que se abateu sobre a
economia da ilha, as diversas intervenções
sobre a necessidade urgente de melhoria das
acessibilidades à ilha e as inúmeras situações de
fragilidade que encontrei nas respostas do Serviço
Regional de Saúde a quem dele necessita.
Ao longo destes quatro anos senti uma enorme
honra em representar os Açoreanos na Assembleia
Legislativa Regional, sede da autonomia e da
democracia nos Açores.
48 NOOUT20
E N T R E V I S T A
O ferry parte do terminal da Horta. É a última
travessia do canal que faço como deputado, entre
tantas outras, que durante oito anos realizei. E as
emoções turvam a minha mente.
No teatro e na política somos atores que
desempenham os seus papéis sem direito a
improvisos.
Se fossemos livres, como os cagarros que
sobrevoam este ferry e rasam estoicamente
a ondulação, soltando os seus gritos quase
humanos…, mas, infelizmente, há normas
partidárias a respeitar, preceitos regimentais a
obedecer e protocolos a cumprir.
Foram oito anos de aprendizagem em que as
derrotas suprimiram as vitórias, em que os sonhos
foram esmagados por ideias pré-concebidas, préestabelecidas
e pré-decididas, em bastidores pouco
democráticos.
O sol está vertiginosamente a caminho do seu
ocaso. Não resisto a tirar uma fotograa, o
momento é mágico, a esteira de luz cruza os ilhéus,
suave no seu brilho como a dignidade de alguém
que parte, e cujo amanhecer não lhe pertence mais.
Assim é o ocaso da minha passagem pela política,
que tentei exercer sempre com a maior dignidade
possível, mantendo o respeito por quem me elegeu,
pelas instituições partidárias e pela ilha de S. Jorge.
A viagem continua e os balanços das ondas
trazem-me à memória a primeira viagem para o
Parlamento, numa manhã luminosa, em que os
raios de sol brilhavam como a minha ânsia de fazer
tanto pela minha ilha e os meus sonhos voavam
como o voo picado do garajau.
Passaram oito anos de asas cortadas, com voos
curtos e circulares.
Ficou a honra do dever cumprido e a melancolia
de um sonho não alcançado.
NOOUT20 49
E N T R E V I S T A
A experiência parlamentar é uma missão e
foi como tal que encarei os seis anos em que
desempenhei funções como Deputada - com um
respeitoso sentido de dever.
Ao Deputado eleito são dadas oportunidades
incomuns para reforçar o seu conhecimento da
realidade dos Açores, dos Açorianos, para assim
criar e defender soluções para a melhoria de tudo
o que envolva as suas condições de vida. Foi, para
mim, uma honra maior ser eleita pelas pessoas e
trabalhar por elas. Exercer estas funções exigiu de
mim dinamismo e persistência, tendo abordado e
debatido temáticas tão díspares como a Juventude,
os Transportes, Ciência e Tecnologia, Cidadania,
Emprego, Ambiente, Mar, etc. – algumas delas bem
distantes da minha área de formação.
Levo comigo um conhecimento aprofundado
sobre o funcionamento da nossa Autonomia, e
continuarei a defender a premência do seu reforço.
Ganhei igualmente um respeito redobrado pelos
representantes eleitos pelo povo, tantas vezes
incompreendidos. O labor mais importante e
graticante do Deputado não se faz na visibilidade
do Plenário – faz-se na rua, ouvindo e trabalhando
sobre o que as pessoas têm para dizer.
Termino esta fase na ALRAA com tranquilidade e
motivação para continuar a prestar serviço público.
Aos que cam e aos que chegam, faço votos de
que digniquem a Assembleia Legislativa e que
se elevem acima da prossecução de quaisquer
objetivos pessoais – o voto é do Povo e pelo Povo
e o Deputado deve ser única e exclusivamente um
instrumento da vontade daquele.
50 NOOUT20
E N T R E V I S T A
Servir e representar o Povo Açoriano foi uma das
maiores honras e o meu segundo maior desao de
vida.
Desempenhei as funções de deputada cumprindo
aqueles que entendo serem os deveres inerentes à
função, o que para mim é um gosto sem obrigação:
proximidade às pessoas, propositura política e o
prestar de contas.
Tudo z para responder aos cidadãos que me
contactaram, porventura nem sempre com a
resposta desejável, mas a possível.
Participei nos cinco debates do plano e orçamento
e nas seis interpelações, na área da educação.
Debati e defendi a posição do PS, que acredito ter
sido a melhor defesa a favor dos Açorianos, em
mais de 35 propostas legislativas nas 41 sessões
plenárias. Integrei as duas comissões de inquérito
e fui relatora de um dos grupos de trabalho. Estive
presente em cerca de 218 iniciativas públicas e
em mais de 186 reuniões e visitas das comissões
especializadas(Assuntos Sociais e Política Geral).
O GPPS apresentou iniciativas legislativas, duas na
área da educação e uma do emprego, e propostas
de alterações ao plano e orçamento, na área da
educação (três) e ambiente (uma), as quais tive
o gosto de ser a autora. A defesa de uma escola
inclusiva e inovadora foi o foco do meu trabalho
político. Neste percurso parlamentar estou
certa que z o que me foi possível fazer e que,
reconheço, ser sempre possível fazer melhor e
mais.
A Autonomia enquanto regime político a favor
dos Açorianos ainda tem um enorme caminho a
percorrer. Sempre entendi que o deputado tem
um mandato para construções políticas a favor da
sociedade e nunca para uso pessoal. O mandato de
deputado existe pelo Povo, um Povo trabalhador
e íntegro, pelo que no deputado deve gurar essas
mesmas características. O Povo terá um maior
poder de escolha num futuro sistema de listas
abertas. O futuro está repleto de desaos. Desejo
aos futuros deputados um bom trabalho a favor do
Povo Açoriano!
NOOUT20 51
R E P O R T A G E M
Levantamento das condições
de trabalho dos enfermeiros
açorianos face ao covid-19
A Secção Regional da Ordem dos Enfermeiros
nos Açores levou a cabo um questionário aos
Enfermeiros Açorianos, no sentido de efetuar
um levantamento das condições de trabalho no
contexto da atual pandemia pelo Covid-19, no que
concerne a faltas de material e equipamentos, os
riscos ocupacionais mais comuns para a saúde e
segurança dos trabalhadores da saúde e as medidas
para sua prevenção no contexto da atual pandemia
Covid-19, nomeadamente nos primeiros três meses
de atuação do combate nos Açores.
Para Pedro Soares, Presidente da Secção Regional,
“os Enfermeiros participaram, desde o primeiro
minuto, no combate a este agelo que é o Covid-19,
em todas as etapas essenciais preconizadas,
nomeadamente no atendimento telefónico nas
linhas de saúde, na colheita de amostras para
os testes, no transporte de utentes, na prestação
direta de cuidados nas unidades de internamento
e tratamento, e em todo o apoio comunitário, não
esquecendo nunca os utentes denominados não
Covid-19, ou seja, toda a nossa população não
infetada”. O Presidente refere ainda a importância
deste estudo no alcance a um entendimento “sobre
aquilo que correu menos bem e assim se possa agir
o quanto antes, corrigindo no imediato o que ainda
não foi corrigido”.
Relativamente aos resultados do estudo,
conrmam-se as “suspeitas” da Ordem
dos Enfermeiros e comprovam-se todas as
preocupações alertadas já em março relativamente
à falta de equipamentos de proteção individual,
entre outras situações disponíveis no estudo agora
publicado.
52 NOOUT20
C R Ó N I C A
Todos Enfermeiros,
Enfº Pedro Soares
Presidente do Conselho Diretivo Regional
dos Açores da Ordem dos Enfermeiros
todos iguais.
Talvez fosse caso para dizer que o Sistema Regional
de Saúde está bem e recomenda-se, mas isso não
é verdade. Tem lacunas, vícios e maleitas crónicas
que tendem a limitar os resultados. Devemos
todos ser sérios e perceber que investir num
sistema de saúde numa Região como os Açores
não é tarefa fácil. Não podemos ter um hospital
em cada ilha, mas por outro lado, temos de criar
todas as condições de acesso ao SRS dos Açores,
independentemente da ilha, um Açoriano é um
Açoriano.
Perceber o Covid19, deve passar também por
perceber que o nosso sistema tem falhas e que é
urgente corrigir, mesmo com os custos acrescidos
que uma região insular com nove ilhas acarreta.
Não podemos aceitar por muito mais tempo que
haja cidadãos sem acesso atempado a cuidados
de saúde, populações distantes dos serviços,
uma oferta pouco exível e pouco sensível às
circunstâncias arquipelágicas, assim como escassez
nos recursos humanos no que aos técnicos de
saúde diz respeito, nomeadamente Enfermeiros,
aliás, as pessoas, quer sejam utentes quer sejam
prossionais, são o SRS.
Vivemos tempos onde é fundamental ouvir, incluir
e trabalhar nos momentos decisórios com quem
realmente sente e sabe as diculdades no terreno, e
temos grandes prossionais nos Açores. A criação
de uma Unidade Regional de Gestão de Acesso
ao SRS poderia ser a solução para sermos mais
ecazes e ecientes.
Os Enfermeiros têm alertado para várias
situações decitárias no SRS, não por um mero
capricho, não simplesmente pela crítica fácil,
mas fundamentalmente por uma preocupação
profunda com a situação atual e previsões futuras
sobre a saúde de todos nós. Quando se fala na
necessidade de contratação de Enfermeiros,
estamos a falar efetivamente num ganho enorme
para a saúde dos Açorianos, assim como, numa
poupança económica para a região.
Muitos estudos cientícos são claros neste
76 NOOUT20
C R Ó N I C A
aspeto, com uma séria aposta na Enfermagem,
conseguimos diminuir os tempos de internamento,
os reinternamentos, as taxas de infeção, teremos
recuperações de utentes mais rápidas, entre
outras tantas situações. Não podemos é subverter
e corrigir a falta de Enfermeiros no terreno,
utilizando programas de empregabilidade com
remunerações indecentes. Lembremo-nos que os
Enfermeiros Açorianos em Estagiar L, para além
de serem caso único nos pais nestes programas,
irão exercer a sua prossão em total igualdade com
os restantes Enfermeiros mediante o pagamento
de um salário muito mais baixo do que seria
legalmente devido, cerca de 500€ menos.
A região em 2020 viu 83 novos Enfermeiros
terminarem a sua formação na Escola de Saúde da
Universidade dos Açores, serão os nossos únicos
recursos disponíveis por um ano, não seria decente
efetivar a sua contratação e assim reforçar todo o
SRS, em especial tendo em conta o momento que
vivemos, de total incerteza futura?
É preciso que se note, que no terreno os
prossionais de saúde estão no seu limite, os
Enfermeiros completam horários com horas extra
simplesmente porque não há volta a dar, ou fazemno
ou os utentes terão consequências com uma
assistência decitária ou mesmo inexistente. Urge
tomarmos o pulso a esta situação e resolver.
As assimetrias e injustiças em termos de carreira
continuam, sem uma correção ecaz à vista.
Continuamos, mais uma vez, a ter enfermeiros que
exercem funções em Estruturas Residenciais para
idosos e Misericórdias, com iguais funções, mas
com vencimentos díspares.
Vejamos o exemplo do Arquipélago da
Madeira, porque os bons exemplos devem
ser discutidos e adaptados. Não há Estagiar L
para enfermeiros, todos os recém-formados
em 2020 foram contratados para o sistema
regional e os prossionais em Contratos por
tempo Indeterminado (CIT) foi-lhes feito
justiça no reposicionamento na carreira. É caso
para reetirmos seriamente nesta situação, não
podemos um dia aplaudir e chamar de heróis,
para mais tarde criarmos injustiças enormes
com inuência direta na vida de cada um, não só
nanceira mas principalmente a nível emocional
e motivacional. Recentemente, foi anunciado a
correção dos CIT nos Açores, é um princípio,
aguarda-se a redação.
O futuro da saúde nos Açores passa pelo
investimento nestes prossionais, nomeadamente
NOOUT20 77
C R Ó N I C A
nas condições de segurança no seu dia-adia,
nos equipamentos de trabalho e no seu
reposicionamento a nível de carreira com um
real reconhecimento remuneratório, lembremos
sempre que um sistema de saúde saudável é uma
comunidade com todo o apoio célere e ecaz no
que á saúde diz respeito.
O futuro passa por uma aposta clara na saúde
comunitária, na promoção da saúde e na
prevenção da doença, combater a iliteracia na
saúde, criar o Enfermeiro de família e através deste
cuidar da nossa população em termos primários,
na comunidade, evitar os entupimentos dos
Hospitais. Os nossos recursos são limitados, e cada
vez mais se exige uma gestão cuidada, responsável.
Lembremo-nos todos os dias que a pobreza e a
doença andam de mãos dadas, a luta tem de ser de
todos, ao mesmo tempo.
Esta luta contra a covid19 não pode iludir a
necessidade de trabalharmos no sentido da
sustentabilidade do sistema regional de saúde,
muito pelo contrário. Uma das lições óbvias
para todos nós, desde a população aos dirigentes
políticos, é que os sistemas de saúde têm de estar
habilitados a responder a uma situação como esta
de pandemia que, se não for possível prever, tem
de ser vencida e ao mesmo tempo continuar a
garantir a todos, os cuidados de saúde necessários.
Outra das lições que também já se podem retirar
desta pandemia, é a de que a saúde deve ser uma
prioridade. Parece hoje óbvio para todos que
não se investiu o suciente em saúde, e que o
custo do não investimento é enorme para todos
nós. Dentro deste domínio, merece relevo a
saúde pública, uma das funções indeclináveis do
Estado, de fazer o acompanhamento da evolução
de saúde da população. Esta prioridade à saúde
teve eco igualmente em termos europeus e não
seria de estranhar se a União Europeia passasse
a acompanhar mais de perto o desempenho dos
diferentes sistemas de saúde.
A dúvida é, se por um lado há essa sensibilidade
política, há essa noção de priorizar estas
necessidades, ou se por outro, haverá condições
económicas para tal, mesmo sendo urgente e
havendo vontade.
Os próximos anos serão desaantes para todos
nós, mas diz a história que os açorianos sempre
conseguiram ultrapassar as vicissitudes da vida,
esta será apenas mais uma prova dura para todos,
não há volta a dar ou a quem a entregar.
Os Enfermeiros têm a perfeita noção de que
ou começamos a olhar para o todo em vez de
valorizarmos as partes, ou então não se prevê
que seja dado o salto qualitativo e organizativo
do SRS, não há outro caminho. Creio que o
desenvolvimento estará sempre na capacidade de
unir o que é diferente, e hoje, agora, temos de unir
as nossas energias em redor deste compromisso,
em continuarmos, juntos, a contribuir para um
mundo melhor, mais justo, mais solidário, a nossa
missão são as pessoas.
78 NOOUT20
PUB
C R Ó N I C A
RECUPERAR O
JOÃO F. CASTRO
PROFESSOR MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA
joaocastro@sapo.pt
DESÍGNIO DO MAR
Os tempos são de complexidade acrescida, face
à pandemia resultante da COVID 19. Os Açores
e o Mundo enfrentam um desao desconhecido,
com danos evidentes no tecido social, perante a
perspetiva de uma recessão económica profunda,
com características globais. Ou seja, ninguém
cará excluído, todos somos chamados para um
envolvimento neste processo.
Prevê-se uma crise sem precedentes, para a
qual urge encontrar resposta, evidenciando
vulnerabilidades no modelo económico e social,
suscitando a necessidade de um estado forte,
conável, que regule os diferentes sectores da
economia, centrado no combate às desigualdades
e à pobreza, para uma sociedade mais justa e
inclusiva. Dados do semestre europeu estimam,
para 2020, uma contração da economia na ordem
dos 6,8%, um aumento de desemprego para 9,7%
da população ativa (6,5% em 2019), a queda do
PIB pode chegar aos 12%; a queda do consumo aos
11%; a queda do investimento aos 26% e a taxa de
desemprego aos 11,5%.
No contexto Europeu, os Planos de Recuperação
e Resiliência assumem-se como instrumentos
fundamentais para estimular o crescimento e o
emprego. Os Países (re)organizam-se no sentido
de criar linhas de orientação com o objetivo de
ultrapassar, ou pelo menos minimizar, o problema,
em que importa articular o Quadro Financeiro
Plurianual 21/27 e o Fundo de Recuperação, (Next
Generation), com um conjunto de medidas para
atenuar as consequências socioeconómicas da
80 NOOUT20
C R Ó N I C A
pandemia. Aponta para que 30% das despesas,
se destinem a projetos relacionados com o
clima, visando perseguir os acordos de Paris, as
metas climáticas da EU para 2030. Inova com a
perspetiva de novas fontes de nanciamento, para
além dos contributos nacional, a implementar até 1
de janeiro de 2023, como: um regime de comércio
de emissões de carbono, da União Europeia,
com perspetiva de ser alargado aos sectores da
aviação e dos transportes marítimo; imposto sobre
as transações nanceiras; e, em taxas sobre os
plásticos.
Portugal tem em curso a construção do Plano de
Recuperação Económica 2020/30, que assenta
na necessidade de alteração da organização da
sociedade, de comportamentos, de estilos de vida
e na transformação económica, com um modelo
de crescimento mais ecientes, que redistribua a
riqueza, assente numa utilização sustentável dos
recursos naturais.
Os Açores irão dispor de 3,2 mil milhões de euros
para o próximo Quadro Global de Financiamento
Comunitário – 2021-2027. Num processo de
convergência com a União Europeia, face a um
histórico de boas taxas de execução, em que os
fundos estruturais são fundamentais. Desta forma,
cam também dotados de condições nanceiras
para a implementação de uma Agenda para o
Relançamento Económico e Social, que importa
concretizar.
O Mar, vê assim reforçado o seu posicionamento,
enquanto oportunidade de ligação com o mundo,
recentrando o desao na reexão sobre os
recursos marinhos (vivos e não vivos) com uma
marinha ajustada em embarcações, em marítimos
em formação e investigação, bem como, na
infraestruturação portuária que permita explorar
a relação logística, a integração nas redes mundiais
de comércio, energia, transportes, tecnologia e
conhecimento.
Importa RECUPERAR! e sublinhar, o DESÍGNIO
do MAR!
NOOUT20 81
C R Ó N I C A
Por Ricardo Silva
Luis Sepúlveda, Palavras em Tempos de Crise,
2013
A escolha deste livro, tem, obviamente, a ver, ainda com
a infeliz morte de Luís Sepúlveda às mãos da Covid – 19.
Quis revisitar alguns dos seus livros e parei neste! O seu
título adequado ao momento em que vivemos – embora
por outras razões – e o conteúdo dos seus emotivos artigos,
reexões, histórias e pensamentos, sob a forma de crónicas
ou não, sobre diversas matérias, emolduradas numa escrita
sempre apaixonante, levou à opção.
São 27 entradas por portas diferentes, algumas, é certo, que
dão para a mesma temática, ou saída, mas por ângulo de
abordagem diferente. Narrações de lutas de trabalhadores,
sobretudo, de mineiros contra a exploração salarial;
histórias pessoais com grandes escritores como Gabriel
Garcia Márquez ou Pablo Neruda; posições políticas contra
o ataque à Natureza e o Meio Ambiente; reexões sobre
as redes socias e o seu lado negro; memórias de amigos
e encontros da vida que o fazem discorrer no seu estilo
direto, e por vezes contundente, fazem deste livro uma
peça de esperança em favor de um mundo mais humano e
solidário.
Reexões como “Narrar … Resistir” são de registo estético
e interventivo notável! A função da palavra ou das palavras
é o motivo da sua atenção. Diz que “ continua a acreditar
na força das palavras para ordenar as coisas, os factos, e
assim, uma vez ordenados, avaliar se estão bem ou devem
ser mudados” e prossegue com “ a minha valoração das
palavras ensinou-me que estas possuem um profundo
sentido de pudor e sofrem quando são mal usadas.” Por
estas declarações parte a apontar a importância da palavra
certa, da palavra que não encobre, que não engana ou
dissimula. As palavras são para descrever as boas e bonitas
lutas do homem contra o semelhante que só vê no lucro e
na opressão a degradação do homem e do ambiente. Neste
sentido, Luís Sepúlveda é a favor da realidade e não do
eufemismo tão corrente, da névoa e da neblina que esconde
os grandes momentos ou movimentos da resistência
82 NOOUT20
C R Ó N I C A
humana.
A crónica “Dar Voz aos que não têm Voz” é o dar
conta daquele que escreve prosa ou poema a favor
dos que não têm voz. São milhares ou muitos
milhões aqueles que não a têm e a função de “dar
voz” é o reivindicar da justiça, é o armar dos
direitos humanos, é a denuncia social da exploração
feita sobre os homens e sobre os povos. O escritor
tem esta função? Pode ter, mas também pode não
ter! Mas se a tiver que a sua obra, ou parte dela,
seja uma tribuna ou área de inuência sobre a
liberdade, a justiça social, a dignidade humana e a
defesa do Meio Ambiente. Luís Sepúlveda defende,
jura mesmo, que é preciso contar as histórias
para quebrar os esquecimentos para que a voz se
imponha ao silêncio!
A “Carta a uns jovens leitores japoneses” é um
momento para que Luís Sepúlveda fale de si um
pouco, do que gosta, faz ou fez, e de como se
move na vida. Arma que tudo o que fez na vida
teve o sonho ou o desejo a conduzi-lo por uma
transformação mais positiva da realidade! Por um
lado, “agrada-me a poesia das pequenas coisas”
onde inclui a leitura diversicada, sem método,
ao sabor da vivência do momento. Numa síntese
revela-se um sexagenário satisfeito com a beleza da
vida e com o seu contributo para o mundo.
A história de “Quando Gabo foi mais velho e mais
feio do que Gabo” é real e tão cómica que parece
ccionada! Passa-se em 1990, em Santiago do
Chile com Gabriel Garcia Márquez. Resume-se
à insistência de um individuo, num restaurante,
que perante Gabriel Garcia Márquez armava
que ele era muito parecido com ele mesmo, por
desconhecer ser o próprio, e que por tal parecença
devia concorrer a um programa da televisão chilena
da altura sobre a existência de duplos! Só que no
nal da conversa o individuo lamentou que “a
parecença é muito grande, não se pode negar, mas
olhando bem tu és mais velho e mais feio do que
Gabriel Garcia Márquez!”. Foi o dia em que Gabriel
Garcia Márquez foi mais velho e mais feio do que
ele próprio!
A crónica “Sobre os trolls e a importância da boca”
é de uma atualidade a todos os títulos plena e
profundamente saborosa de se ler por que é uma
reexão sobre o mundo das redes sociais onde
habitam os “trolls”. A Internet sendo o seu ambiente
natural, eles, os “trolls”, são anteriores à mesma.
São seres, humanos, dotados de boca “não para
falar, mas para emitir ruídos, fonemas, palavras mal
juntas que apresentam como ideias.” O problema
do “troll” é que a boca desligou-se do cérebro
e este horrível mecanismo conduz à existência
de armações ridículas, ignorantes, ofensivas,
mentirosas e perigosas! É das tais crónicas de leitura
obrigatória e que sentido de oportunidade para os
dias de hoje!
Eu sou do Sul, da América do Sul e de todo o Sul é
o sentido da reexão “A Porada palavra Sul” que
nos leva a entender melhor o seu amor pelo Chile e
pelo Sul, o da América e todo aquele que ca abaixo
do Equador.
Ser do Sul marca a vida e inclusive poder-se-ia
pensar numa forma verbal “Ser o Sul”, defende
Sepúlveda e conrma que o espírito do Sul está
presente em todos os seus livros.
Mais reexões ou pensamentos se poderiam para
aqui convocar, mas só a leitura lenta, interior
e espaçada destas crónicas darão um valor
acrescentado a estas Palavras tão propositadas em
Tempos de Crise. Penso que o valor deste livro está
no facto de podermos ver de forma mais clara o
pensamento do Luís Sepúlveda jornalista, cronista,
cidadão do mundo, viajante, exilado, que se espraia
por um conjunto de questões interessantes do seu
tempo. Ao romancista conhecido acrescentou-se
um outro Luís Sepúlveda tão cativante quanto o
primeiro, mas onde se pode sentir um defensor do
Humanismo, da Natureza e Solidariedade entre os
povos.
A leitura vale a pena!
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“O Ambiente é demasiado importante para
estar apenas nas mãos do partido que
suporta o Governo”
António Lima, coordenador regional do BE/Açores.
“NÃO ESTOU NESTE PROJETO POLÍTICO POR UMA QUESTÃO
DE AMBIÇÃO PESSOAL. SAÍ DE UMA ZONA DE CONFORTO
PARA CUMPRIR UMA MISSÃO”
José Manuel Bolieiro, presidente do PSD/A
“É preciso retirar a maioria absoluta ao PS, porque
estamos a ver que quanto mais musculada fica e
mais dura no tempo, mais há ‘jobs for the boys’, mais
beneficiam quem tem cartão partidário e menos
hipóteses há para os jovens”
ARTUR LIMA, PRESIDENTE DO GRUPO PARLAMENTAR DO CDS/A
“Não estamos a falar de falta de
informação. Estamos a falar de dar toda
a informação [sobre a situação da Sata]”
VASCO CORDEIRO, PRESIDENTE DO PS/AÇORES.
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Açores e o seu
Património Geológico
www.iroa.pt
facebook.com/iroaazores
Paulo Filipe Silva Borges
Licenciado em Geologia
Mestre em Geociências,
ramo do Ambiente e
Ordenamento
A geologia é uma ciência que poucos
entendem, alguns negligenciam por
interpretarem o estudo das “pedras”
de inútil. A educação da ciência na
comunidade tem sido crescente para
dar a entender o valor da ciência nos
seus diferentes domínios e ramos,
portanto aqui deixo-vos um pouco
de cultura geológica.
Os Açores, aos olhos da geologia são
terrenos novos, jovens e dinâmicos,
no entanto desconhecidos ou
desvalorizados pela comunidade.
O esforço do Geoparque Açores
pela partilha deste conhecimento
tem sido incessante, mas muitos (de
forma generalista) ainda desprezam
este valioso parque promovido
internacionalmente pelo seu lema
de “9 ilhas 1 geoparque”. Como algo
tão único e deslumbrante aos olhos
de quem nos visita, mas não passa
de “uns trilhos” aos olhos dos locais?
Talvez por não terem essa educação
ambiental como estes turistas?
Várias teorias podem-se aplicar:
como talvez os poucos recursos ou
indústrias que exploram a geologia;
o encobrimento da vegetação das
paisagens, escondendo as formas
geológicas; ou talvez o reduzido
número de locais informativos para
estes ambientes, ou os custos de
acessos a centros interpretativos
(que não tem recursos humanos
especializados).
Nos Açores existem locais de grande
complexidade geológica, com muitos
pormenores e desenvolvimentos da
história, sim história!! As rochas são
como livros que contam a história
da Terra e, mais precisamente, a
formação das nossas ilhas. Ilhas
que surgiram do mar, como conta a
memória da ponta do Capelo, com
a erupção dos Capelinhos, uma
grande porção de terra que surgiu do
fundo do mar, de forma explosiva,
cobrindo os céus de nuvens negras e
os terrenos de cinzas. Muitos outros
locais se originaram de semelhante
forma, mas que não houve quem
tivesse vivido esses momentos
para os contar, apenas as rochas o
podem contar… comecemos pelo
que nos lembramos, o vulcão dos
Capelinhos:
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n o | w w w . n o r e v i s t a . p t
Esta bela imagem retrata o ambiente que se viveu
em redor da cratera do Vulcão dos Capelinhos,
enquanto a Terra tremia, o oceano libertava
extensas colunas de gases, um ambiente inóspito e
quente, em que a chuva era rochas incandescentes,
de várias formas e tamanhos, umas mais quentes
e moles outras mais duras e frias. Dias, meses de
turbulência vários km2 de materiais grosseiros e
cinzas depositados formaram o que se chamou de
ilha nova e acabou por se juntar à ilha do Faial,
crescendo assim além do limite anterior. Hoje
com a inuência do mar, da chuva e dos ventos,
apenas 25% do que se formou naquele tempo está
preservado agora, ainda possível de ver enquanto
não for desgastado ou enquanto não for recoberto
por um novo episódio vulcânico.
Mas isto levanta uma questão dos leitores, como
podemos ver os episódios anteriores e mais
antigos recobertos por novas erupções? É possível
através daquilo que chamamos de aoramentos
geológicos, situações onde a rocha se expõe,
aora, de forma a que a possamos observar, seja
por erosão do envolvente, seja por remoção da
vegetação, seja por movimentos de terra.
Na imagem abaixo vemos uma exposição de cores
e formas, que sem um auxílio, poderá não ser fácil
de entender o que aqui ocorreu. Estamos perante
uma porção da história da formação da Caldeira
da ilha Graciosa. (atentem ao martelo azul que se
encontra no centro da imagem que tem 50 cm de
comprimento).
Na formação da Caldeira da Graciosa, houve uns
episódios explosivos, de inquietude e turbulência,
de natureza basáltica depositou e acumulou os
primeiros depósitos da base, negros, de baixa
densidade como outras bagacinas. Num curto
espaço de tempo, nova erupção, esta com a
cobertura dos terrenos de branco, ocos brancos
incandescentes a cair, não seria neve, mas sim
rochas traquíticas piroclásticas a caírem ao
cuidado dos ventos.
Após um período de acalmia vulcânica, eis que
algo rebenta na caldeira e surgem grandes blocos
de uma grande explosão, as chamadas Bombas
vulcânicas, como a que vemos na imagem. O
terreno de bagacinas branco é deformado por uma
grande rocha caída do céu. Tal força e impacto
terá sido para ter tal profundidade e deformação
no solo, cando ali encaixado e preservado até
aos dias de hoje. Após tal chuva de grandes
blocos e bombas, veio as miudezas, nova chuva
de piroclásticos basálticos, cobre a deformação
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do terreno e volta a terraplanar a superfície. Um
terreno branco que volta a ser negro.
Os ventos têm grande inuência nos materiais
leves que se depositam, podendo chegar a grandes
distâncias, como por exemplo erupções do faial
que formam acumulações em São Jorge. Mas
no local apresentado na imagem, os depósitos
superiores não vieram de longe, a na camada de
depósitos amarelos (surtseanos) apontam para a
erupção do ilhéu do Carapacho, transportado e
depositado por ação do vento.
A acalmia ou a não ocorrência de atividade
vulcânica deixa as intempéries atuarem. As
forças do vento, da água e das plantas e animais,
deformam a superfície, deslocam massas de
terreno, criando outros depósitos sedimentares
ou alteração da superfície dos outrora formados,
criando os solos que pisamos hoje, e desgastam
os terrenos possibilitando a exposição destes
aoramentos.
Que mais segredos poderão ter os nossos Açores
enterrados? Pedaços de Terra ansiosos por contar
a sua história, parte de um património Geológico
que pertence aos Açores.
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