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Economia & Mercado Setembro 2020

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OPINIÃO<br />

das cidades, ficando incluídas nestes amplos espaços rurais<br />

circundantes, sem que isso significasse a alteração<br />

das suas características em termos de ocupação do espaço,<br />

de produção e hábitos; c) as reformas da descentralização<br />

adoptadas na segunda metade da década de 1990 desencadeou<br />

a autarcização, que se iniciou com 33 municípios e<br />

evoluiu para os actuais 53, dentro de uma opção de gradualismo;<br />

d) o crescimento natural da população que reside<br />

nas cidades, e; e) o êxodo rural, principalmente dos jovens,<br />

procurando melhores oportunidades económicas e de emprego<br />

na cidade de Maputo e noutras cidades importantes<br />

do País, ou seja, pessoas que saem do campo não porque<br />

procuram vida boa e fácil nas grandes cidades, mas porque<br />

em algumas áreas rurais a vida é ainda difícil (Araújo,<br />

2002; Valá, 2009).<br />

Todavia, há desafios relacionados com o planeamento e ordenamento<br />

territorial, e ao facto de a teoria da transformação<br />

da economia dual de Arthur Lewis (1955), baseada<br />

na transferência de excedente de mão-de-obra do campo<br />

para a cidade, para servir como força de trabalho nas indústrias<br />

e serviços e potenciando a urbanização, não ocorrer<br />

de forma linear e automaticamente em países como<br />

Moçambique, devendo ser antecedida pela transformação<br />

da agricultura tradicional através do reforço do capital<br />

humano e uso de novas tecnologias pelas famílias rurais<br />

(Schultz, 1964).<br />

Em alguns casos, a ruralidade ultrapassa os limites das<br />

áreas rurais, quando alguns seus traços estão presentes<br />

na cidade através da presença de hábitos, valores e práticas<br />

do campo. É interessante entender a estratégia de proximidade<br />

rural – urbana, em que os produtores agrários<br />

ficam nas proximidades das cidades, não só para atingir<br />

o mercado com mais facilidade, diminuindo os custos de<br />

transporte e facilitando o manejo de produtos perecíveis,<br />

mas também pela possibilidade de a família continuar no<br />

espaço que lhe garanta renda e, ao mesmo tempo, acesso<br />

aos serviços que a cidade proporciona. Ficando no inter-<br />

-cruzamento entre as áreas rurais e urbanas, os moradores<br />

podem produzir culturas agrícolas, criar animais e<br />

seus derivados, e promover a agro-indústria, quer para o<br />

consumo familiar, quer como alternativa à falta de empregos<br />

nas cidades e geração de renda.<br />

Na verdade, já Ester Boserup (1965) havia sublinhado que<br />

a pressão demográfica tende a impulsionar a inovação<br />

tecnológica, particularmente no contexto agrário, estabelecendo<br />

uma ligação estreita entre crescimento populacional,<br />

desenvolvimento tecnológico e a necessidade de<br />

construção de estradas. Por outro lado, os assentamentos<br />

urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar<br />

a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades<br />

de emprego, educação, bem como de circulação<br />

e partilha de informação, a promoção de um mercado de<br />

consumo dinâmico e a geração de receitas fiscais.<br />

1. Optar por uma estratégia para cada pólo ou alterar<br />

a doutrina de desenvolvimento económico adoptada?<br />

O fim do isolamento entre a cidade e o campo é frequentemente<br />

expresso pelo conceito de “continuum” rural-urbano<br />

que, como o da urbanização do campo, possui duas interpretações.<br />

A primeira corresponde a uma visão urbano-<br />

-centrada (dicotómica), que privilegia o pólo urbano do<br />

“continuum” como fonte de progresso e dos valores dominantes<br />

que se impõem ao conjunto da sociedade. O extremo<br />

Os assentamentos urbanos, pelo facto de<br />

serem concentrados, tendem a facilitar a<br />

provisão de bens e serviços e a oferecer mais<br />

oportunidades de trabalho assalariado<br />

rural do “continuum”, visto como o pólo atrasado, tenderia<br />

a reduzir-se sob a influência avassaladora do pólo urbano<br />

desenvolvido num movimento comparado ao dos vasos comunicantes<br />

em que, por definição, um só, o urbano, se enche,<br />

enquanto o outro, o rural, só podia, consequentemente,<br />

esvaziar-se. Levada às últimas consequências, esta vertente<br />

das teorias da urbanização do campo aponta para<br />

um processo de homogeneização espacial e social, que se<br />

traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras<br />

entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da<br />

própria realidade rural espacial e socialmente distinta da<br />

realidade urbana. A segunda interpretação, ao contrário<br />

da primeira, considera o “continuum” rural-urbano como<br />

uma relação que aproxima e integra dois pólos extremos.<br />

Nesta perspectiva, a hipótese central é que, mesmo<br />

ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a<br />

continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o<br />

campo e a cidade não excluem as particularidades dos dois<br />

pólos e, por conseguinte, não representam o fim previsível<br />

do espaço rural, mas tão somente que o “continuum” se situa<br />

entre o pólo urbano e o pólo rural, distinto entre si e em<br />

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