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OPINIÃO<br />
das cidades, ficando incluídas nestes amplos espaços rurais<br />
circundantes, sem que isso significasse a alteração<br />
das suas características em termos de ocupação do espaço,<br />
de produção e hábitos; c) as reformas da descentralização<br />
adoptadas na segunda metade da década de 1990 desencadeou<br />
a autarcização, que se iniciou com 33 municípios e<br />
evoluiu para os actuais 53, dentro de uma opção de gradualismo;<br />
d) o crescimento natural da população que reside<br />
nas cidades, e; e) o êxodo rural, principalmente dos jovens,<br />
procurando melhores oportunidades económicas e de emprego<br />
na cidade de Maputo e noutras cidades importantes<br />
do País, ou seja, pessoas que saem do campo não porque<br />
procuram vida boa e fácil nas grandes cidades, mas porque<br />
em algumas áreas rurais a vida é ainda difícil (Araújo,<br />
2002; Valá, 2009).<br />
Todavia, há desafios relacionados com o planeamento e ordenamento<br />
territorial, e ao facto de a teoria da transformação<br />
da economia dual de Arthur Lewis (1955), baseada<br />
na transferência de excedente de mão-de-obra do campo<br />
para a cidade, para servir como força de trabalho nas indústrias<br />
e serviços e potenciando a urbanização, não ocorrer<br />
de forma linear e automaticamente em países como<br />
Moçambique, devendo ser antecedida pela transformação<br />
da agricultura tradicional através do reforço do capital<br />
humano e uso de novas tecnologias pelas famílias rurais<br />
(Schultz, 1964).<br />
Em alguns casos, a ruralidade ultrapassa os limites das<br />
áreas rurais, quando alguns seus traços estão presentes<br />
na cidade através da presença de hábitos, valores e práticas<br />
do campo. É interessante entender a estratégia de proximidade<br />
rural – urbana, em que os produtores agrários<br />
ficam nas proximidades das cidades, não só para atingir<br />
o mercado com mais facilidade, diminuindo os custos de<br />
transporte e facilitando o manejo de produtos perecíveis,<br />
mas também pela possibilidade de a família continuar no<br />
espaço que lhe garanta renda e, ao mesmo tempo, acesso<br />
aos serviços que a cidade proporciona. Ficando no inter-<br />
-cruzamento entre as áreas rurais e urbanas, os moradores<br />
podem produzir culturas agrícolas, criar animais e<br />
seus derivados, e promover a agro-indústria, quer para o<br />
consumo familiar, quer como alternativa à falta de empregos<br />
nas cidades e geração de renda.<br />
Na verdade, já Ester Boserup (1965) havia sublinhado que<br />
a pressão demográfica tende a impulsionar a inovação<br />
tecnológica, particularmente no contexto agrário, estabelecendo<br />
uma ligação estreita entre crescimento populacional,<br />
desenvolvimento tecnológico e a necessidade de<br />
construção de estradas. Por outro lado, os assentamentos<br />
urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar<br />
a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades<br />
de emprego, educação, bem como de circulação<br />
e partilha de informação, a promoção de um mercado de<br />
consumo dinâmico e a geração de receitas fiscais.<br />
1. Optar por uma estratégia para cada pólo ou alterar<br />
a doutrina de desenvolvimento económico adoptada?<br />
O fim do isolamento entre a cidade e o campo é frequentemente<br />
expresso pelo conceito de “continuum” rural-urbano<br />
que, como o da urbanização do campo, possui duas interpretações.<br />
A primeira corresponde a uma visão urbano-<br />
-centrada (dicotómica), que privilegia o pólo urbano do<br />
“continuum” como fonte de progresso e dos valores dominantes<br />
que se impõem ao conjunto da sociedade. O extremo<br />
Os assentamentos urbanos, pelo facto de<br />
serem concentrados, tendem a facilitar a<br />
provisão de bens e serviços e a oferecer mais<br />
oportunidades de trabalho assalariado<br />
rural do “continuum”, visto como o pólo atrasado, tenderia<br />
a reduzir-se sob a influência avassaladora do pólo urbano<br />
desenvolvido num movimento comparado ao dos vasos comunicantes<br />
em que, por definição, um só, o urbano, se enche,<br />
enquanto o outro, o rural, só podia, consequentemente,<br />
esvaziar-se. Levada às últimas consequências, esta vertente<br />
das teorias da urbanização do campo aponta para<br />
um processo de homogeneização espacial e social, que se<br />
traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras<br />
entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da<br />
própria realidade rural espacial e socialmente distinta da<br />
realidade urbana. A segunda interpretação, ao contrário<br />
da primeira, considera o “continuum” rural-urbano como<br />
uma relação que aproxima e integra dois pólos extremos.<br />
Nesta perspectiva, a hipótese central é que, mesmo<br />
ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a<br />
continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o<br />
campo e a cidade não excluem as particularidades dos dois<br />
pólos e, por conseguinte, não representam o fim previsível<br />
do espaço rural, mas tão somente que o “continuum” se situa<br />
entre o pólo urbano e o pólo rural, distinto entre si e em<br />
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www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>