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Mariana
Suplemento Literário
Junho 2020
Revista Mariana Histórica e Cultural - Dezembro 2020
Revista Mariana Histórica e Cultural
A Revista Mariana Histórica e Cultural é uma publicação eletrônica criada pelo professor Cristiano
Casimiro dos Santos em parceria através da Editora Mariana Histórica e Cultural . O periódico mensal
tem por objetivo divulgar matérias, artigos, ensaios, entrevistas e resenhas sobre a cultura e história da
cidade de Mariana.
A Revista mostra a cultura de uma forma leve e traz histórias e curiosidades da cidade de Mariana. A
revista é um passo importante para a divulgação e pesquisa de conteúdos sobre a cidade. Esperamos
que as matérias publicadas possam contribuir para a formação de uma consciência de preservação e
que incentivem pesquisas.
Esta edição especial, Suplemento Literário, apresenta textos de autores marianenses aprovados na
Lei Aldir Blanc de 2020.
Revista Mariana Histórica e Cultural está na rede mundial de computadores com a colaboração da
MASTERIX Sistemas no site: www.marianahistoricaecultural.com.br. A finalidade desta plataforma
é permitir ao público o acesso virtual e gratuito às informações sobre cultura, história e turismo de
Mariana.
A revista eletrônica, a edição especial e a plataforma de pesquisa (site) não recebem nenhum recurso
ou apoio dos governos municipal, estadual ou federal.
Assim, agradeço, imensamente, a todos que colaboram com esta publicação.
Cristiano Casimiro dos Santos
Revista Mariana histórica e Cultural
Diagramação: Cristiano Casimiro
Fotografias: Arquivo Revista Mariana Histórica, Márcio Eustáquio
de Lima, Décio Gabriel Soares, Acervo Ildeu Coelho e
Cristiano Casimiro.
Textos: Thalia Gonçalves, Andrea Donanadon Leal e Cristiano Casimiro
Revisão: Thalia Gonçalves
Artes: Emerson Camaleão e Cristiano Casimiro
Índice
04 Tecendo histórias, tapetes e afetos
Thalia Gonçalves
08 Mariana Terra de Gente que Joga Pedra em Avião
Cris ano Casimiros
12 O Fantasma no Órgão da Sé
Cris ano Casimiros
20 O Vento do Oriente
Cris ano Casimiros
26 Cordel do Galo Véio na São Silvestre
Andreia Donadon Leal*
Tecendo histórias, tapetes e afetos
Cristiano Casimiro
Tecendo histórias, tapetes e afetos
Thalia Gonçalves*
Com quantas linhas se tece uma história?
A de Cassiana Ferreira Nunes foi escrita com várias,
Mas as linhas de algodão que um dia fiou
Foram ao longo dos anos substituídas
Pelas piteiras de Cachoeira do Brumado.
A sua história começa há muitos anos…
137 para ser mais exata.
O ano era 1883 quando nascia em Cachoeira do Brumado
Aquela que seria a pioneira numa das mais belas artes do distrito:
Os tapetes de piteira, hoje, feitos de sisal.
Apesar disso, sua história e seu feito
Foram esquecidos por quase toda a sua comunidade
E apagada da memória do seu povo e dos documentos
Civis e religiosos.
Poucos falam e sabem sobre aquela que,
Mais do que tapetes, um dia teceu histórias e afetos.
Foi graças às mãos de Cassiana que, em Cachoeira do Brumado,
Tecer ganhou novos significados
Para além de qualquer definição encontrada em dicionário.
No distrito, tecer é verbo feminino e símbolo de
Arte, cultura, beleza, tradição, histórias e afetos.
Histórias que são passadas de geração para geração
No ato de tecer e construídas e narradas no cotidiano.
Histórias de vidas que se ergueram e se mantiveram
Graças ao dinheiro arrecadado com as vendas dos tapetes de piteira e sisal.
Histórias que existiram e resistiram por meio da arte iniciada por Cassiana.
Foram as mãos firmes e fortes da pioneira
Que desenvolveram a técnica que permitiu que diversas mulheres
Como minha avó e minha mãe
Assumissem, por meio da arte, a autoria das suas próprias histórias
E alcançassem certa independência financeira.
Em uma época que a vida era ainda mais severa e cruel para as mulheres
Cassiana foi além e mostrou ser possível exercer outros papéis
Que não fossem o de dona de casa ou trabalhadora rural
A tecelã foi uma mulher à frente do seu tempo
E abriu as portas para o empoderamento feminino local.
Cassiana era apenas uma jovem mulher
Marcada pela luta e o luto quando fez seu primeiro tapete.
Atendendo ao pedido do filho, Geraldo Martins da Silva,
Que pediu à mãe que lhe arrumasse um tapete para lavrar ouro,
Já que o seu estava desmanchando.
Foi após observar aquele material se desfazendo
E utilizando dos seus conhecimentos prévios sobre amarrações
Que Cassiana fez o seu primeiro tapete.
E foi para extrair ouro, nas águas do Rio Brumado,
Que os tapetes que hoje encantam e enfeitam diversos locais do Brasil
Nasceram em Cachoeira do Brumado.
Dos rios, os tapetes foram usados como baixeiros
Nos lombos dos animais dos tropeiros cachoeirenses
Viajaram com as tropas por toda a nossa Minas Gerais e outros estados
brasileiros.
E foi como baixeiro que o trabalho de Cassiana ganhou fama e notoriedade.
Ao longo dos anos, os tapetes foram modificando.
Primeiro, passaram a ser feitos como os tapetes que hoje conhecemos
Depois ganharam tamanhos, cores e formatos diferentes.
Por último, o sisal foi substituído pela piteira.
Cassiana Ferreira Nunes é arte, mas principalmente resistência.
Resistência aos momentos de dor que viveu
E ao seu esquecimento.
Como uma triste coincidência da vida,
Os seus últimos anos de vida foram marcados também pelo esquecimento.
Suspeita-se que o Mal de Alzheimer tenha levado,
Aos poucos, as suas próprias lembranças e que um dia teceu.
Na terra em que nasceu e que também te esqueceu
Cassiana faleceu em 11 de dezembro de 1959, aos 79 anos.
No entanto, seu legado ainda sobrevive:
Nas memórias da sua família
Em cada novo tapete feito
E nas palavras que sobre ela foram escritas.
Porque o tecer, assim como o escrever, é (r)existir.
“Tecendo histórias, tapetes e afetos” é um poema
sobre Cassiana Ferreira Nunes, pioneira dos
tapetes de piteiras, hoje feitos de sisal, em
Cachoeira do Brumado, distrito de Mariana-MG.
Apesar do seu grande feito e a importância que
este artesanato tem para a história do
distrito,poucos conhecem a sua história e se
falam sobre ela. Mais do que isso, documentos e
registros oficiais como do cartório e da Paróquia
de Nossa Senhora da Conceição não têm
informações sobre ela como a data exata de seu
nascimento, batizado, casamento, etc. O único
registro oficial sobre ela encontrado foi a data de
seu falecimento. Por isso, este texto é uma
homenagem à tecelã e a sua história, além de
possibilitar que mais pessoas possam saber
sobre ela.
Ainda, é preciso ressaltar, que as informações narradas neste poema são frutos
de um trabalho rigoroso de apuração em documentos oficiais e entrevistas,
realizados durante dois anos, para a escrita do livro “Mãos que contam histórias:
vida e obra de artesãos cachoeirenses” apresentado
ao curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto como Trabalho
de Conclusão de Curso. Desta forma, foi inspirado no texto “A mulher que teceu
história” que é parte da obra citada. Entretanto, até o momento, o livro ainda não
foi publicado
Thalia Gonçalves: jornalista formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Desde
2017, pesquisa sobre artesanato com foco na cidade de Mariana-MG e no distrito de Cachoeira
do Brumado. É autora do livro "Mãos que contam histórias: vida e obra de artesãos
cachoeirenses" e do fanzine "poexis r". Além disso, venceu, em 2019, a Exposição de Pesquisa
Experimental em Comunicação, a Expocom, da Região Sudeste, na categoria Jornalismo
Literário e/ou de Opinião
Mariana terra de gente que
joga pedra em avião.
Cristiano Casimiro
Mariana terra de Gente que joga pedra em avião.
Esta história se passou em um tempo que as
horas eram marcadas pelas badaladas do
Sino da Sé e o apito do Trem da Central. “Era
final da década de 50, no rádio tocava “Love
me Tender de Elvis Presley” e “Acorda Maria
Bonita de Volta Seca”. As Meninas do
Colégio Providência no domingo faziam
footing no Jardim (Praça Gomes Freire).
Em uma manhã, tranquila, em Mariana, os
meninos: Didi, Marcinho (Caburé), Zito, Zé
Antônio e Elias já prontos com seus bodoques,
feitos de forquilha de goiabeira e
queimada no fogo de esterco de vaca, com
tiras de câmara de ar, dadas por Sô Raul do
Posto (Caixote em Pé) e munidos de pedras
redondas (seixos rolados), catadas cuidadosamente,
no leito do Ribeirão do Carmo.
Ouviam atentamente as instruções de
Marcinho (Caburé) para a batalha que logo,
logo iria iniciar.
Longe de Mariana, em Belo Horizonte,
especificamente no aeroporto Carlos Prates,
o piloto do Correio Aérea Brasileira Ildeu
Coelho ajustava o avião Fairchild PT -19
Cornel, assoviando a canção “por que
brilham seus olhos de Francisco Calos”,
observava, atentamente, o abastecimento
da aeronave. Avião abastecido plano de voo
liberado, o PT -19 taxiou lentamente em
direção a cabeceira da pista 45, decolagem
liberada, o avião partiu para uma viagem
entre Belo Horizonte e a Juiz de Fora na
Zona da Mata Mineira.
* Cristiano Casimiro dos Santos
No meio da viagem um sobrevôo por
Mariana, terra natal de Ildeu e cidade onde
residia a mãe e a namorada do piloto. No
cockpit da aeronave, muito bem acondicionado
em duas caixas de papelão reforçado e
com um pequeno paraquedas, dentro das
caixas, presentes: a famosa revista “O
Cruzeiro”,“ Revista Joia” , bombons e jornais
da capital.
Quando o avião ultrapassava o pico do
Itacolomi, o zumbido do motor já se fazia
ouvir em Mariana. Um sinal de alerta para o
grupo de meninos em terra. Todos já sabiam
o que fazer. Correndo em direção ao Jardim
(Praça Gomes Freire), eles posicionavam-se
em locais estratégicos da praça, entre o lago
e o coreto, atentos ao contato visual com a
aeronave.
Ildeu, no avião, calculava atento ao itinerário
e aos dois pontos para lançar as encomendas:
o primeiro para sua mãe perto da Igreja
de São Pedro e outro para sua namorada na
Praça da Fonte Luminosa perto da Estação
Ferroviária. Antes de lançar as caixas, o
piloto passava em voo rasante sobre o centro
da cidade, um sinal para a namorada que ele
tinha chegado. O barulho do avião alvoroçav
a a s a l u n a s i n t e r n a s d o C o l é g i o
Providência, que corriam para o pátio da
escola e acenavam, freneticamente, para a
aeronave. A cidade parava e olhava para o
céu encantada com o sobrevoo do avião
prateado Fairchild PT-19 Cornel.
Fairchild PT -19 Cornel
Arquivo Ildeu Coelho
No voo rasante do avião, o grupo formado
por Didi, Marcinho e Zé Antônio, já de bodoque
em punho e munição na lona da câmara
de ar atiravam a primeira rajada de pedras. O
avião passa como uma fecha sobre o grupo e
ao longe dava a volta, sobrevoando o a praia
do Canela, o cemitério de Santana e contornava
sobre a Cartuxa de Dom Viçoso, para
começar a fazer as entregas. Na segunda
passagem, a aeronave lançava a primeira
entrega, o pacote descia de paraquedas
perto da Igreja de São Pedro. Lentamente a
encomenda lançada pousava no quintal da
casa de mães do piloto. Neste momento a
segunda saraivada de pedra era lançada
contra o avião, desta vez Zito e Elias, aumentavam
o poder de fogo do grupo de meninos.
O Avião passa sobre todos e fazia, em grande
velocidade, fazia o contorno sobre a Mina
Del Rei, passava sobre a Igreja do Rosário e
fazia o contorno sobre Passagem de Mariana
para fazer a última entrega.
Os meninos, já sabiam que era a última
chance de abater a aeronave. Subiam
correndo o Beco do Chafariz e em segundos
estavam na Praça da Cadeia (Praça Minas
Gerais), posicionados no gramado da Igreja
de São Francisco, esperavam outra a passagem
da aeronave. Assim que o avião passava
sobre as torres da Igreja do Carmo disparavam
o máximo de pedras possível, com
seus boques, em direção da aeronave. Ildeu
em seu voo rasante só pesava em lançar a
encomenda na Praça da Estação, onde, sua
namorada, maravilhada, observa as manobras
do avião. Lançada a encomenda, o
pequeno paraquedas deslizava e silenciosamente
toca o chão ao lado da Fonte
Luminosa. A moça corria para
apanhar o aguardado presente.
A aeronave seguia voando, sobre as montanhas,
em direção ao leste. Para despedir de
Mariana, o piloto fazia uma manobra chamada
Twister, balançando asa asas do Fairchild
PT -19 Cornel para cima e para baixo. Assim
todos sabiam que ele já estava indo embora.
E uma forma carinhosa de dar adeus a mãe e
a namorada.
Na Praça da Cadeia, sentados na escadaria
da Igreja do Carmo, vendo ao longe o avião
distanciando, entre as montanhas, o grupo
de meninos discutia a batalha. Na imaginação
juvenil, achavam que o balanço das asas
da aeronave era um deboche do piloto pelo
fracasso da artilharia em terra. Didi dizia que
acertou a hélice do avião, Zé Antônio achou
que acertou a asa, Marcinho Caburé dizia
que sua última “bodocada” passou bem perto
do motor. Mas todos lamentavam mais um
fracasso em tentar derrubar o Avião. Elias
tentava animar a turma dizendo “Mês que
vem tem mais!”
.
Em seu cockpit, rumo a zona da mata, Ildeu
era só saudades, passando sobre sua cidade
natal e palco de sua infância e juventude, o
piloto se emocionava e uma lágrima embaçava
um pouco a vista. Os meninos, desiludidos,
já pensavam na próxima aventura e nas
estratégias de combate.
Em 1999, conheci, o Marianense, Ildeu
Coelho no aeroporto do Galeão no Rio de
Janeiro. Conversamos e ficamos amigos.
Em uma de suas vindas a Mariana,
encontramos por acaso, com Didi
(Edson Marcos Vieira- famoso motorista
de taxi da Cidade), que nos relatou os
fatos acima. Ele nos contou todo o planejamento
e as estratégias feitas pelo
grupo de garotos para tentar derrubar o
avião de Ildeu Coelho. Curiosamente, o
piloto Ildeu Coelho desconhecia a traquinagem
dos meninos. Sempre, quando
voou sobre Mariana, nunca notou nada
de errado e nunca teve problemas. Com
diz o jargão da aviação: “ voando em céu
de brigadeiro”. Mas para aquele grupo de
meninos da no final da década de 50,
cada sobrevoo do Fairchild PT -19 Cornel
sobre Mariana era uma Operação de
Guerra
X
X
Vista aérea de Mariana década de 50 - Acervo Itafoto / MarezzaPhoto
X Pontos onde as encomendas aterrizavam de paraquedas.
Local onde os meninos estavam posicionados com seus bodoques.
Cristiano Casimiro é professor e Diretor da Revista Mariana histórica e Cultural
Cristiano Casimiro
O Fantasma no Órgão da Sé.
Cristiano Casimiro*
Esta história se passou na Catedral da Sé de Mariana, numa época que a cidade que dormia
cedo, junto com as primeiras estrelas, ou logo depois da missa da noite e o sino da Câmara Municipal.
Tudo começou quando o Rei de Portugal Dom José I deu de presente a Catedral da Sé um Órgão,
o órgão chegou ao Brasil em 1753, como presente ao primeiro Bispo de Mariana . Construído em
Hamburgo, Alemanha, por Arp Schnitger, um dos maiores construtores de órgãos de todos os
tempos. Órgão, que estava em uma igreja em Portugal, foi desmontado, encaixotado e enviado
para o Rio de Janeiro, de navio, e depois em lombo de burro até Mariana.
“...um órgão grande com sua caixa e talhas pertencentes a ele que chegou em 18 caixas grandes
numeradas com as orientações para montagem e também em 10 embrulhos grandes e pequenos
numerados...”.
A chegada do instrumento foi de grande alegria, curiosidade e festejo em Mariana.
O Órgão depois de montado, coisa que deu muito trabalho, foi uma grande atração nas missas e
festejos religiosos na Catedral da Se. O som do Órgão ficou famoso em todas as Minas Gerais.
Com o passar dos anos o Órgão estragou, e não tinha nenhuma pessoa, em Minas Gerais e no
Brasil, que pudesse concertar o instrumento. Sendo assim o órgão, parou de tocar nas missas e
os festejos religiosos não tiveram a participação do órgão. Então instrumento passou a ser uma
peça de decoração na Catedral da Sé.
Numa noite, de muita chuva, após a Missa da noite. João Sacristão, o zeladora da catedral da Sé,
estava limpando e arrumando os bancos da igreja quando escutou um barulho que vinha lá do
alto, de perto do órgão, o barulho era mais ou menos assim: PRUMM PRUMM PRUMM
PRUMMMMM.
João Sacristão olhou para cima, meio desconfiado, e disse:
- Quem tá ai?
Ninguém respondeu.
João perguntou novamente, com a voz trêmula:
- Quem tá aí em cima?
A Igreja ficou em um grande silêncio, e dava para escutar até um mosquito voando.
João voltou a sua tarefa de limpeza e quando ele estava limpando o último banco o barulho voltou
com um som forte que parecia sair do tubo mais grosso do órgão...um barulho grave mais o
menos assim PRUUUMMMM PRUUUMMMM PRUUUMMM.
João já tremendo de medo, se benzeu duas vezes, pediu a proteção nossa senhora e gritou:
- Quem está tocando o órgão? É Anjo?
O som do tubo do órgão ficou ainda mais forte e toucou mais uma vez:
PRUUUM PRUUMM.
Cristiano Casimiro
João não pensou duas vezes, mesmo com suas pernas tremendo como vara verde em noite de
ventania, saiu correndo pela porta principal da igreja gritando: FANTASMA! FANTASMA!
João correu pela rua direita, passou a ponte de areia, sem olhar para trás , sem respirar direito, a
única coisa que ele fazia além de correr era gritar FANTASMA ! FANSAMA NO ÓRGÃO DA SÉ!
Subiu o morro do São Gonçalo, onde morava o Padre Divino, o pároco da Sé, como se fosse um
cavalo a galope. Bateu na porta da casa do padre e aos gritos, e bastante assuntado relatou os
fatos ao pároco. O padre achou muito estranho aquilo tudo, mas barulho na Igreja poderia ser um
ladrão. Resolveu ir até a Catedral.
O Padre vestiu a batina e desceu com João até a Sé. Chegando lá, os dois entraram bem
devagar, pela nave da igreja, Padre Divino na frente e João Sacristão atrás agarrado na batina do
Padre com crucifixo na mão. Quando eles chegaram no meio da Igreja o padre deu uma boa
olhada em tudo, virou a cabeça em direção a órgão e gritou bem forte:
- Em nome de Deus, quem está ai?
(Não houve resposta)
O Padre gritou novamente, agora com voz firme:
-Em nome do Cristo Crucificado, quem está ai em cima?
Não houve resposta e nem barulho nenhum no órgão.
O padre virou para João Sacristão e disse com uma voz muito áspera:
- Senhor João Nazareno da Misericórdia, isto é algum tipo de brincadeira de mau gosto? O
senhor está querendo brincar comigo?
João com a cabeça baixa e os olhos cheios de lágrimas
- Não “Sô Padre”, o órgão tocou sim. Juro por todos os Santos e pela alma da minha falecida
mãezinha.
O padre já nervoso com o ocorrido, disse:
- Jurar em falso vai lhe levar para profundezas do inferno seu infeliz. Vamos embora que já está
tarde.
Quando os dois já se preparavam para sair da Igreja, o Órgão fez um barulho assim:
PRUMMM PRUUMMM PRUMMM.
João Sacristão já saiu correndo e nem olhou para trás. O padre arrepiou todos os cabelos do
corpo e começou a tremer e, também, saiu correndo para fora da Igreja.
Os dois só foram se encontrar lá no final da rua direita.
O Padre branco como uma cera e com os olhos arregalados e João sacristão quase sem fala e
com os cabelos em pé.
Cristiano Casimiro
Passado o susto, João virou para o padre e disse:
- É mentira? É mentira? O senhor não ouviu com seus próprios ouvidos? Tem ou não tem um
fantasma que toca o órgão.
- É João você tem razão, tem alguma coisa muito estranha naquele órgão e o eu acho que esta
coisa não é deste mundo. Vou contar tudo para o Bispo amanhã bem cedo. Agora vamos dormir,
pois já está tarde.
João perguntou ao padre:
- Sô Padre, A Igreja vai ficar aberta?
O padre respondeu:
- Vai, pois a esta hora da noite ninguém vai querer ir lá, e se for vai ter uma bela surpresa!
No outro dia pela manhã, João sacristão já tinha contado para todo mundo sobre o fantasma, e o
assunto se espalhou por toda cidade.
No outro dia bem cedo, o padre relatou o ocorrido ao Bispo e aos outros padres.
O Bispo mandou fazer uma vigília de sete dias na Igreja da Sé e a cada duas horas fosse rezada
uma missa para as almas dos mortos.
E assim foi feito durante uma semana.
Mas não adiantou muita coisa, pois todas as noites o barulho grave do tubo principal do órgão era
escutado:
PRUUMMM PRUUMMM PRUUMM PRUUMMM
Quando acabou a vigília de sete dias o Bispo reuniu-se com todos os padres, pois o órgão ainda
continuava tocando e muitas histórias estavam sendo contadas sobre as causas de o órgão tocar
toda noite. O Bispo perguntou aos padres qual seria o motivo do órgão estar tocando.
Uns disseram que era uma maldição de um padre que morreu na Sé, outros falaram que era o
espírito do Arp Schingter que veio buscar o órgão e ainda havia uma grande parte dos padres que
afirmava que o fantasma estava ali, pois o órgão tinha pinturas que não eram da religião católica,
pinturas chinesas, e que estas pinturas vermelhas e douradas, eram coisa do capeta e atraiam
maus espíritos.
Bem depois de muita conversa o bispo decidiu que as missas iriam continuar a celebradas de
duas vezes ao dia para tentar livrar a Igreja do fantasma e que o órgão deveria ser pintado de
branco para espantar os maus espíritos.
O Padre Divino e João Sacristão foram incumbidos da missão de pintar o órgão de branco, e
assim o fizeram: montaram um andaime dentro da Igreja, misturam a cal com água para fazer a
tinta... Nesta mistura João Sacristão pôs um pouco de água benta para que a tinta tivesse mais
poder.
Em três dias o órgão recebeu duas demãos de tinta e tudo ficou branquinha como nuvem,
nenhuma pintura chinesa podia ser vista, foi tudo coberto por tinta branca.
Cristiano Casimiro
Depois da pintura, o órgão ficou sem fazer barulho, não ouvia o PRUUMM PRUUM mais. Todos
pesaram que o fantasma tivesse indo embora e que tudo estava em paz.
Já se passavam duas semanas sem barulho no órgão e tudo parecia ter voltado ao normal.
Mas, em uma noite de sexta feira:
João Sacristão e Padre Divino arrumavam o andor de Nossa Senhora da Assunção depois da
missa, quando o Órgão fez dois barulhos um forte com sempre PRUUMMM PRUUMM PRUUMM
e outro fino PRIIIMM PRIIMMM PRIIMMM.
Um olhou para o outro, gritaram e saíram correndo derrubando tudo que tinha pela frente e só
pararam de correr lá na ponte de areia. Os dois brancos como ceras não conseguiam nem falar.
Sentaram na ponte de areia até tomar fôlego...
O Padre divino murmurou:
- Agora não é um fantasma, são dois.
- E acho que e pai e filho, pois o barulho de um é forte e o outro é fraquinho (disse João sacristão)
Passando pela ponte de areia com suas mulas de cargas estava Tião Tropeiro, que se espantou
com o padre e sacristão àquela hora da noite sentados na ponte e com cara de quem havia visto
fantasma. Tião perguntou aos dois:
- O que é que vocês estão fazendo aqui há esta hora e com cara que viram “O coisa Ruim”?
O Padre contou todo ocorrido para Tião.
Tião propôs ao Padre e João voltar à Igreja e procurar o fantasma.
A princípio o padre relutou em voltar, João não queria voltar de maneira nenhuma.
Tião Tropeiro, homem muito valente, e conhecedor de muitas simpatias cortar maus espíritos,
disse:
- Eu vou lá ver este tal de fantasma. E vocês?
O padre disse com uma voz firme:
-Nós também vamos (E segurou o braço de João Sacristão, que tentava fugir). Somos homens de
FÉ e quem está com DEUS não pode ter medo de nada.
João Sacristão murmurou:
Um é valentão o outro é homem de Deus... Esta confusão vai sobrar para mim.
Quando os três chegaram à Igreja parecia que havia um concerto lá dentro.
Era PRRRUMMM PRRUUMM PRRRUUMM pra cá, PRRIIIMM PRRRIIIMMM pra lá.
Tião Tropeiro disse:
- Para este órgão parar de tocar e só tirar os tubos... E aí eu quero ver como este fantasma vai
tocar sem som. Vamos lá em cima tirar os tubos!!???
O padre que já estava rezando desde quando entrou na Igreja disse:
- Pelo Cristo Crucificado vamos.
João Sacristão respondeu:
- Posso ficar lá fora esperando para ver se chega alguém?
Tião deu um puxão em João Sacristão e os três subiram as escadas em caracol até o coro, Tião
na frente com um candelabro na mão, o padre com um crucifixo e água benta e João atrás com
uma vela.
Quando chegaram ao coro da Igreja o barulho era ensurdecedor: PRRRUUMMM PRRRIIMMM
PRRUUUUUUMMMMMM PRRRIIIIIMMMMM PRRUUUMMMM PRIIIIIIMMMMMM.
O Padre divino começou a rezar o terço e jogar água benta no órgão, João Sacristão começou a
rezar junto com o padre, Tião Tropeiro pulou a grade de madeira, que cercava o órgão, e
começou a arrancar os tubos.Quanto mais força o Tião fazia para arrancar os tubos mais o som
ficava alto: PRRUUUUMMM PRRRUUMMM PRRRIIMMM PRRUUUUUUMMMMMM
PRRRIIIIIMMMMM PRRUUUMMMM RRIIIIIIMMMMMM.
Com muito esforço, Tião Tropeiro conseguiu arrancar o tubo mais alto do órgão. Neste momento
o som parou e todos olharam no buraco deixado pelo grande tubo... Lá dentro dois grandes
olhos vermelhos apareceram... Os três se afastaram e um grande vulto negro começou a sair
pelo buraco. Todos se abaixaram e esconderam atrás do missal do coro.... O medo na cara de
cada um era muito grande, parecia que os três estavam vendo uma coisa terrível de outro
mundo.
A Igreja ficou em um silêncio profundo... De dentro do órgão um par de asas cinza saiu voando
e deu a volta por toda nave da igreja ... Logo depois outro par de asas, menor, saiu do mesmo
lugar e também voou pela Igreja... Os dois bichos saíram pela porta principal que João Sacristão
deixou aberta.
Tião Tropeiro virou e disse:
- Vocês viram o tamanho dela? E do filhote?
O padre meio sem graça disse:
- Não, eu estava com o olho fechado.
-João Sacristão pergunta: Dela quem?
- Da Coruja, uma coruja criada, “das bitelas”, devia estar aqui há muito tempo, pois, até ninho fez
e criou filhote.
Depois de verificar todo órgão e de pôr o tubo no lugar o mistério do fantasma do órgão foi
solucionado. Era apenas uma coruja de igreja que fez o ninho dentro do órgão e criou seu filhote.
O barulho era, simplesmente, o som produzido pela coruja, que passava por dentro dos tubos.
Quando o som do pio da coruja passava por dentro dos tubos do órgão dava a impressão que o
instrumento estava sendo tocado. Daí a grande confusão.
Assim acabaram os barulhos no órgão da Sé, e todos riram muito da grande confusão.
Mas dizem, que em noite de lua cheia, no período de quaresmas podemos ouvir vários acordes
no órgão ... PRUMM PRUMM PRUMM...PRIIIM PRIMMM!!!!
Cristiano Casimiro é professor e Diretor da Revista Mariana histórica e Cultural
Cristiano Casimiro
Arte: Libitina - Deusa Romana da Morte - Emerson Camaleão 2020
VENTO DO ORIENTE
Coronaversus
Texto: Cristiano Casimiro
Arte: Emerson Camaleão
O sopro do vento do oriente
Do Taoísmo, não trouxe a sabedoria
Mostrou a gadanha reluzente
O semblante da morte fria
No Rio Amarelo se aflorou
Atravessou montanha e mares
Por todo canto aportou
Ceifando vidas e isolando lares
Como arte marcial
Doutrina milenar
Atinge um órgão vital
Mata por falta de ar
No berço da cultura ocidental
Atingiu o Tâmisa, o Sena e o Pó
Com a força de uma adaga letal
Dizimou milhares, sem dó.
Apesar de sua estirpe majestosa
Seu semblante coroado
Mata de forma asquerosa
Sem chance ao contaminado
Com extrema velocidade
O Oceano Atlântico cruzou
Chegou ao Rio Hudson
A América conquistou
Médicos, políticos e cientistas
Não sabem o que fazer
Mais mortes... Cresce as listas
Não tem como conter
Nas terras quentes dos trópicos
O vírus não irá sobreviver
Estes foram os prognósticos
Logo, tiveram de contradizer
As margens do Rio Tietê
Atingiu a alta sociedade
Gente de pluma e paetê
Contaminou, toda cidade
Aterrizou no Galeão
Como grande vendaval
A morte veio de avião
Dizem que chegou no carnaval
Desembarcou de veleiro
No litoral Nordestino
De peixeira e gibão de vaqueiro
Pelo sertão, saiu sem destino
Nas terras do Norte
Invadiu a Amazônia brasileira
Brancos e índios não tiveram sorte
Todos ceifados de primeira
Logo, logo o país foi tomado
Em toda parte tinha a infecção
Por todo lado um contaminado
Trazendo morte e indignação
Virou pauta principal
Rádio, televisão e internet
Entrevista virtual
A morte em manchete
Sem planejamento adequado
Todos falavam, e muito palpite
O Brasil mal orientado
Comprava até remédio para rinite.
O governo tomou uma decisão
Escola e comércio ficam fechados
A quarentena uma solução
Todos dentro de casa, trancados
Álcool gel, água e sabão
Conselho certeiro
Higiene das mãos
Usar o dia inteiro
A morte nas mãos de Libitina
Medicamentos foram usados
Ganhou fama a cloroquina
Não dando os resultados.
Máscara virou vestuário
Proteção respiratória
Agora o uso é diário
Não tem outra escapatória
Saúde colapsando
Falta de respirador artificial
Corrupção se instalando
Do brasileiro, outro mal
No Planalto, desentendimento
Complicando a nação
Uns pedem o distanciamento
Outros, a volta da produção
Um dilema foi colocado
Virou uma grande discussão
Da quarentena:
SAIR ou NÃO ?????
O tempo foi passando
Problema sem solução
O inverno chegando
Grande aflição.
No noticiário
Sempre a mesma informação
A curva subiu
Morte e desilusão
No governo
Falta de comunicação
Ministro fala uma coisa
Presidente diz que não.
No Brasil, o governo
De gripizinha chamou
Zombando das mortes
o vírus multiplicou.
Mesmo com a pandemia
O TSE eleições declarou
Uma grande hipocrisia
A campanha começou
Carretas e falatório
caminhada e aglomeração
vírus para todo lado
Perdemos controle da situação.
Oxford | AstraZeneca, Sputnik,
Pfizer, Moderna e Vacina Chinesa.
Academia trabalhando
A ciência mostra sua beleza
Teste em todo mundo
Voluntários de prontidão
Eficácia garantida
Chegou a solução.
Países se preparando
Hora da vacinação
Na ponta de uma agulha
A esperada salvação.
Neste processo
No Brasil grandes desafios
O negacionismo do Governo
Nós ficamos a ver navios.
Politização da vacina
A guerra foi instalada
Uma nação dividida
Sem imunizar a manada.
Presidente em Brasília
Não quer a vacina Chinesa
Insultos e xenofobia
Decepção e tristeza.
O Mundo todo vacinando
Um belo presente de Natal
Nas terras Tupiquiniquins
As vacinas nem no Carnaval
Que venha 2021
Com o vento da cura
Nos desejos imunização
Um só pedido e muitas Juras...
Cientistas de todo mundo
Pesquisa em mutirão
Esforço concentrado
Vacina é a solução.
Cordel do Galo Véio na São Silvestre
Galo Véio ao centro - Abertura do JOCOMA - Arquivo Décio Gabriel Soares
Cordel do Galo Véio na São Silvestre
Com sol, com chuva nas ruas
A figura lá apontava
Um aceno assim me dava
As vontades eram suas
Um atleta dos ligeiros
Um palpite aqui estéio
A vitória tem seus meios
Quando o atleta é Galo Véio.
Lá vai ele em seu trotado
Pernas finas, pés no chão
Se do trigo faz-se o pão
No cacete ele é sovado
Um atleta dos ligeiros
Diante dele me ajuéio
Salt'os galos dos puleiros
Se quem manda é o Galo Véio
Nesse treino vai a esmo
Pelas ruas da Primaz Ganhar, perder, tanto faz
Pois compete c'ele mesmo
E pra quem desdenha dele
Retratar-se eu aconséio
Em seu mundo se espelhe
Venha ser um Galo Véio
Todo aluno tem seu mestre
Um aprende e outro ensina
Mas se o aluno tem por sina
Ir correr na São Silvestre
Vai mestre passar chapéu
E eu vontade co'ele méio
Peço ajuda até pro céu
Pra levar o Galo Véio
O destino é a Paulista
Desejo de gaveteiro
Se subir a Brigadeiro
Tá selada sua conquista
Pra que ele viva esse sonho
Meu teiado até distéio
Acompanhá-lo disponho
Pra dar luz ao Galo Véio
E não é que ele chega
Na linha da bandeirada
E vencida essa jornada
Andreia Donadon Leal*
A Casa de Cultura - Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes
apresenta o poema à maneira de Cordel da Acadêmica Andreia Donadon,
em homenagem à inesquecível figura Marianense - GALO VÉIO
Feliz 2021
Revista Mariana Histórica e Cultural - Dezembro 2020