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Revista Dr Plinio 274

Janeiro de 2021

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>274</strong> Janeiro de 2021<br />

O apostolado da<br />

Contra-Revolução


Flávio Lourenço<br />

Campeão<br />

da Fé,<br />

defensor da<br />

ortodoxia<br />

São Basílio - Basílica de São Lourenço, El Escorial, Espanha<br />

São Basílio viveu num mundo minado pelos mais satânicos métodos de perseguição ao Catolicismo, precisamente<br />

por serem hipócritas e velados, numa época em que, humanamente falando, a causa da ortodoxia<br />

estava perdida.<br />

Mais do que o Santo da ação social, devemos ver no grande Bispo de Cesareia o campeão da Fé, o defensor<br />

da ortodoxia, o homem da Igreja.<br />

Sua pureza de doutrina, santa intransigência em matéria de Fé e de costumes são a chave de sua obra no setor<br />

social. Se o sumo bem que podemos aspirar para o próximo é a realização de sua missão sobre a Terra para<br />

atingir a bem-aventurança eterna, é claro que sem essa chama da vida interior seria vã toda a obra de assistência<br />

social desenvolvida pelo grande Santo.<br />

São Basílio enfrentou o totalitarismo do Estado como os católicos de hoje terão de fazer perante os imperadores<br />

neopagãos e neocoroados, sem vacilações nem conivências, sem concessões ao erro, sem mutilações da Doutrina<br />

da Igreja, sob pretexto de proselitismo.<br />

Só assim podemos imitar o grande e santo Doutor em sua desassombrada intervenção a favor dos humildes,<br />

dos fracos, de todas as vítimas da arbitrariedade, da tirania, das injustiças sociais.<br />

Só com esse verdadeiro conceito de Caridade poderemos trazer à Igreja as multidões desgarradas que hoje se<br />

debatem no meio da mais completa miséria, principalmente espiritual.<br />

(Extraído de O Legionário n. 718, 12/5/1946)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>274</strong> Janeiro de 2021<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>274</strong> Janeiro de 2021<br />

O apostolado da<br />

Contra-Revolução<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em dezembro<br />

de 1989.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 Campeão da Fé, defensor da ortodoxia<br />

Editorial<br />

4 Contra-Revolução e vida interior<br />

Piedade pliniana<br />

5 Misericordiosa iniciativa<br />

Dona Lucilia<br />

6 Eloquente ação de presença<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

10 A importância do apostolado<br />

leigo na “consecratio mundi” - I<br />

Perspectiva pliniana da História<br />

14 A História considerada<br />

em função da glória<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

19 Papel da influência no<br />

relacionamento entre as almas<br />

Calendário dos Santos<br />

26 Santos de Janeiro<br />

Hagiografia<br />

28 O Apóstolo das Gentes<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Intimidade que convida o espírito a se elevar<br />

Última página<br />

36 Fé que transporta montanhas<br />

3


Editorial<br />

Contra-Revolução e vida interior<br />

Osacerdote ou católico leigo que verdadeiramente consagra sua vida à causa da Igreja é aquele<br />

que possui um modo de pensar pelo qual relaciona com Deus tudo quanto ele vê e trata. E,<br />

pelo fato de considerar tudo em função de Deus, discerne o que é o bem e o mal, a verdade e<br />

o erro, o belo e o feio.<br />

Para isso, deve ter uma alma profundamente admirativa, pois a pessoa incapaz de admirar é também<br />

incapaz de possuir verdadeira vida de piedade. Então, ao contemplar os vários aspectos da Doutrina<br />

Católica a respeito de Deus, do pecado, da Redenção, da Encarnação do Verbo, da Maternidade<br />

Divina de Maria, dos Sacramentos, da Igreja, da Lei de Deus, vai analisando, enlevando-se, entusiasmando-se,<br />

aprofundando e admirando cada vez mais.<br />

Ele pratica, por esta forma, a máxima tomista do ver, julgar e agir. Conforme as apetências de sua<br />

alma, pensa nessas riquezas inesgotáveis e faz as correlações. À medida que correlaciona, conhece<br />

mais: ver. Ao ver, admira mais: julgar, pois a admiração pressupõe a conclusão de que algo é admirável<br />

e, portanto, trata-se de um juízo. Só depois ele vai agir, ou seja, fazer o apostolado.<br />

Somente uma alma meditativa e pervadida de admiração pode realizar um autêntico apostolado.<br />

Ora, essa meditação que eleva o pensamento, desapegando-o do meramente palpável para relacionar<br />

tudo com o Criador, chama-se oração, isto é, a elevação da mente a Deus, imbuindo-se do espírito<br />

católico para difundi-lo em torno de si.<br />

Dessas horas de recolhimento e contemplação o apóstolo sai para o campo de batalha da existência<br />

quotidiana, levando consigo as recordações das verdades contempladas e observando. Assim, em<br />

qualquer lugar onde deite o olhar, ele analisará, sobretudo, os contrastes entre o espírito revolucionário<br />

e o contrarrevolucionário, que é o da Igreja, considerando tudo quanto a Contra-Revolução<br />

trouxe de belo para o mundo e o que a Revolução pôs de feio, de asqueroso.<br />

No Batismo recebemos a graça, que nos confere uma participação na própria vida de Deus. Para<br />

usar uma imagem, dá-se em nós mais ou menos o que acontece quando se enxerta uma planta na outra.<br />

Toda comparação claudica, mas esta figura nos permite ter uma ideia de como passamos a viver<br />

de uma vida que não é só a nossa, mas uma verdadeira participação da vida divina.<br />

Ora, somente pela graça nós obtemos a Fé e nos tornamos capazes dessa admiração à qual me referi<br />

e cujo nome é amor.<br />

Essa vida divina, nós a podemos comunicar a outros pois, ao entrar em contato conosco, as pessoas<br />

podem receber a graça. Fazendo circular a graça, fazemos circular a vida de Deus pelo mundo.<br />

Um católico que queira fazer apostolado sem a graça de Deus é louco, pois trata-se de algo impossível.<br />

Assim também, não há Contra-Revolução sem vida interior. *<br />

* Cf. Conferência de 22/5/1976.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Flávio Lourenço<br />

Nossa Senhora da<br />

Misericórdia - Museu de<br />

São Roque, Lisboa<br />

Misericordiosa<br />

iniciativa<br />

Óminha Mãe, considerai os obstáculos que oponho a tantas graças que recebo<br />

de Deus, por vosso intermédio: derrubai-os Vós, com poder de Rainha e misericórdia<br />

de Mãe, já que não os derrubo eu.<br />

Atraí-me sempre a Vós e tomai a misericordiosa iniciativa de vir ao meu encalço,<br />

sempre que eu tenha a infelicidade de me afastar de Vós.<br />

(Composta em março de 1969)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Flávio Lourenço<br />

Eloquente ação<br />

de presença<br />

Discreta ao exprimir em<br />

palavras seus sentimentos<br />

mais íntimos, Dona Lucilia<br />

possuía, entretanto, uma<br />

comunicativa ação de presença<br />

que envolvia de afeto aqueles<br />

que dela se aproximavam<br />

e impregnava até mesmo<br />

os objetos de seu uso.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Eu noto uma certa dificuldade<br />

– muito explicável – da parte<br />

dos mais novos em se darem<br />

conta de como uma pessoa tão transbordante<br />

de sentimentos como Dona<br />

Lucilia fosse tão reservada ao exprimir<br />

estes sentimentos em palavras.<br />

Então eu queria dar uma explicação<br />

a esse respeito.<br />

Mudança na mentalidade<br />

humana: do polemismo<br />

à espontaneidade<br />

Até meados do século XX, gostava-<br />

-se de polemizar e, portanto, as pessoas<br />

admiravam quem fosse lutador. Por<br />

6<br />

Castelo de Peñafiel,<br />

Espanha


Walter Stoneman (CC3.0)<br />

causa disso, era bonito e<br />

próprio ao homem ter controle<br />

de si mesmo, dar-se<br />

conta de tudo quanto pensava,<br />

policiar o que acontecia<br />

no seu exterior. Sob alguns<br />

aspectos, estas características<br />

estavam para o<br />

conjunto do homem como<br />

as torres estão para uma<br />

fortaleza medieval. Elas<br />

seriam as torres da mentalidade<br />

humana.<br />

Churchill 1 foi dos últimos<br />

homens desse gênero.<br />

Clemenceau 2 , Hindenburg<br />

3 e Ludendorff 4 certamente<br />

eram assim.<br />

Entretanto, a era do<br />

polemismo cedeu lugar<br />

à era kennediana 5 . Nessa<br />

transição, passou a ser<br />

bonito algo diferente do<br />

autocontrole: a espontaneidade.<br />

O homem já<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Winston Churchill em 1941<br />

Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff em 1916<br />

não se dá conta do que pensa, mas<br />

deixa correr o marfim, cogitando no<br />

que lhe vier à cabeça. Também não se<br />

importa muito com o que diz.<br />

No fundo, trata-se da negação<br />

do dogma do pecado original: todos<br />

os homens são bons e não precisam<br />

se controlar. Não precisam controlar<br />

seus pensamentos e, portanto,<br />

não precisam controlar suas palavras,<br />

porque os outros sempre as receberão<br />

bem. A espontaneidade tornou-se o<br />

modo de ser habitual das pessoas.<br />

Sentimentos inefáveis,<br />

transmitidos pela<br />

ação de presença<br />

Isso é o contrário daquilo ao que<br />

fui habituado. Em minha mocidade,<br />

e a fortiori no tempo de Dona Lucilia,<br />

impressionava num homem o fato<br />

de ele ter o domínio de si mesmo,<br />

notar-se um espaço de respeito e reverência<br />

entre o que ele pensava e<br />

o que consentia em pensar, e isto e<br />

o que ele dizia. Suas palavras saíam<br />

Georges Clemenceau em 1908<br />

amoldadas a cada um, para produzir<br />

o efeito desejado.<br />

De uma pessoa assim se dizia: “Esse<br />

é um homem!” O espontâneo, ao<br />

contrário, tornava-se um desacreditado:<br />

“Esse é espontâneo? Então não é<br />

civilizado!”<br />

Daí decorre que muito frequentemente<br />

a pessoa era levada a guardar<br />

os seus sentimentos mais íntimos e<br />

mais delicados, julgando-os inefáveis,<br />

superiores a qualquer expressão. E se<br />

sabia fazê-los sentir não por meio das<br />

palavras, mas pela presença.<br />

As senhoras e os homens antigos<br />

tinham muita presença e, pela presença,<br />

diziam uma porção de coi-<br />

Biblioteca Nacional da França (CC3.0)<br />

7


Dona Lucilia<br />

sas que são delicadas demais para se<br />

transmitir verbalmente.<br />

Para usar uma expressão que eu ouvi<br />

de um francês, certas confidências<br />

muito íntimas duas pessoas cochicham<br />

uma para outra, mesmo quando estão<br />

a sós. Quer dizer, sentimentos muito<br />

elevados, muito internos, mais se exprimem<br />

pela presença, pela atitude,<br />

pelo gesto, do que pela palavra.<br />

Silêncio cheio de<br />

carinho e atenção<br />

Ora, se há uma pessoa que no meu<br />

modo de sentir tinha presença, essa pessoa<br />

era Dona Lucilia. E uma presença<br />

que transborda até mesmo das molduras<br />

dos quadros dela. Quem tratou com<br />

mamãe sabe o quanto ela manifestava<br />

de consideração, de gentileza, de atenção,<br />

de estima para com alguém, sem dizer<br />

uma dessas palavras de amabilidade<br />

que se costumam usar hoje.<br />

Um membro do nosso movimento<br />

contou-me em certa ocasião as<br />

impressões que teve quando tratou<br />

com ela no período de minha doença,<br />

6 como minha mãe era comunicativa<br />

sem precisar dizer, por exemplo:<br />

“Considero-o muito”, “Tenho-lhe<br />

muita simpatia”. Nem ficaria bem se<br />

ela dissesse, pois seria redundante.<br />

Já estava dito.<br />

É como eu a sentia.<br />

O shake hands caloroso de nossos<br />

dias não cabia com ela. A comparação<br />

soa até absurda, de tal maneira<br />

está distante do modo de ser dela.<br />

Sem estrangular os dedos de ninguém,<br />

ao dar a mão Dona Lucilia já<br />

dizia uma porção de coisas.<br />

Isso explica por que, no convívio<br />

com ela, eu me sentia – não digo<br />

apesar dos silêncios dela, mas dentro<br />

dos silêncios dela, na ausência de<br />

elogios – acariciado de ponta a ponta,<br />

desde o primeiro momento de<br />

contato até o último. E ainda quando<br />

saía de casa sentia-me acariciado,<br />

tanto quanto cabe de uma mãe para<br />

com um filho. Mas sem que ela tivesse<br />

de dizer nada.<br />

Fico com a impressão de que o ter<br />

de dizer é algo dos tempos mais recentes,<br />

corresponde à era kennediana.<br />

As coisas que se dizem não são as<br />

mais importantes. O que se é, o que<br />

se comunica, é de longe o mais importante.<br />

Xales que guardam o<br />

perfume de uma presença<br />

Os que convivem comigo viram-<br />

-me enfrentar mil dificuldades. As<br />

dificuldades trazem riscos, e eu sei<br />

bem que os riscos entre os quais estou<br />

caminhando vão num crescendo.<br />

Entretanto, graças a Nossa Senhora,<br />

nunca me viram recuar. Mais<br />

do que isso, nunca me viram deixar<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1981<br />

8


J.P. Ramos<br />

de ser o primeiro a perceber a saída<br />

arriscada e entrar por ela! Se um risco<br />

é necessário, o primeiro a perceber<br />

a necessidade do risco e lançar-<br />

-se nele sou eu!<br />

Pois bem, tal era a ação de presença<br />

de mamãe, e a tal ponto essa<br />

ação de presença penetrou os objetos<br />

que lhe pertenceram, que até hoje<br />

não tive coragem de ver a coleção<br />

dos vários xales dela que estão guardados<br />

num armário, por receio de<br />

me emocionar demais. Vejam a força<br />

de uma ação de presença.<br />

Outro dia, pensando que eu não<br />

soubesse disso, alguém me perguntou:<br />

— O senhor sabe que no armário<br />

estão guardados alguns xales de Dona<br />

Lucilia?<br />

— Sei.<br />

— O senhor não quer que eu os leve<br />

até o escritório, para o senhor ver?<br />

Eu pensei comigo: “É uma pergunta<br />

embaraçosa e não sei se ele<br />

compreenderá a resposta. Mas talvez<br />

eu não execute bem meus trabalhos<br />

depois de ter visto esses xales”.<br />

Então respondi:<br />

— Não!<br />

Aos pouquinhos vou me preparando<br />

para ver esses xales. Quando<br />

isso acontecer, quero vê-los sozinho<br />

no meu escritório, junto ao Quadrinho<br />

7 . Se Nossa Senhora assim dispuser,<br />

chegará o momento. Eu me sentirei,<br />

nessa ocasião, respeitado e acariciado<br />

como só Dona Lucilia poderia<br />

fazer. <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

1/5/1981)<br />

1) Winston Churchill (*1874 - †1965).<br />

Estadista britânico, conhecido<br />

principalmente por sua atuação como<br />

primeiro-ministro do Reino<br />

Unido durante a Segunda Guerra<br />

Mundial.<br />

2) Georges Clemenceau (*1841 - †1929).<br />

Político francês, foi primeiro-ministro<br />

de seu país por dois mandatos, sendo<br />

o último deles durante a Primeira<br />

Guerra Mundial.<br />

3) Paul von Hindenburg (*1847 - †1934).<br />

Marechal alemão que comandou o<br />

Exército Imperial durante a Primeira<br />

Guerra Mundial e, posteriormente,<br />

foi presidente da República de Weimar.<br />

4) Erich Ludendorff (*1865 - †1937).<br />

General do Exército Imperial Alemão,<br />

que ganhou destaque por sua<br />

atuação durante a Primeira Guerra<br />

Mundial.<br />

5) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> faz referência a John Kennedy<br />

(*1917 - †1963), Presidente dos<br />

Estados Unidos.<br />

6) Trata-se da grave crise de diabetes<br />

que acometeu <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em dezembro<br />

de 1967, obrigando-o a permanecer<br />

em repouso no seu apartamento<br />

por alguns meses.<br />

7) Quadro a óleo pintado por um dos<br />

discípulos de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com base nas<br />

últimas fotografias de Dona Lucilia.<br />

9


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

A importância do apostolado<br />

leigo na “consecratio mundi” - I<br />

Deus dispôs na Criação uma mútua dependência entre os seres,<br />

a qual se evidencia, sobretudo, nas criaturas racionais: Anjos<br />

e homens. Isso faz com que a vida em sociedade constitua um<br />

importante instrumento para a salvação ou perdição das almas.<br />

Gabriel K.<br />

Otema a tratar é relativo à alocução<br />

de Pio XII ao Segundo<br />

Congresso Mundial do<br />

Apostolado dos Leigos 1 . Parece-me<br />

que muita coisa de nosso cotidiano,<br />

de nossa ação pessoal e de nosso labor<br />

apostólico tomará uma clareza maior<br />

se analisarmos esse documento.<br />

Uma ideia errada sobre<br />

a responsabilidade dos<br />

leigos no apostolado<br />

Com efeito, nosso Movimento é<br />

constituído, em sua grande maioria,<br />

por pessoas pertencentes à categoria<br />

de leigos consagrados inteiramente<br />

ao apostolado. Isto indica uma orientação<br />

e um empenho muito profundos<br />

no que diz respeito ao apostolado dos<br />

leigos, mas se mistura também com alguns<br />

estados de espírito inconscientes<br />

e pontos de vista equivocados, por não<br />

conhecermos o fundamento teológico<br />

dessa nossa dedicação.<br />

Permanecemos, por isso, ao menos<br />

subconscientemente, na velha ideia de<br />

que o padre se obrigou a trabalhar a<br />

vida inteira pela Igreja e renunciou às<br />

vantagens deste mundo; e que para<br />

nós, leigos, porque não nos consagramos<br />

à Igreja de modo especial, a vida é<br />

nossa. Deus quer que os padres façam<br />

tudo por Ele e que os leigos, ao contrário,<br />

gozem sua vida o quanto quiserem<br />

e puderem, contanto que não O<br />

ofendam. Entre a posição do padre e a<br />

do leigo haveria uma diferença fundamental:<br />

o padre dá tudo, o leigo simplesmente<br />

não ofende a Deus.<br />

Se aceitamos esse pressuposto,<br />

somos levados a concluir que temos<br />

um direito muito estrito de cuidar<br />

acima de tudo dos nossos interesses<br />

privados, nossa carreira profissional,<br />

nosso lazer, enfim, levar a vida como<br />

bem entendermos, contanto que não<br />

ofendamos a Deus.<br />

Este ponto de vista tem outra consequência,<br />

que poderia se traduzir<br />

no seguinte raciocínio: “Eu sou muito<br />

bom, pois Deus exige de mim muito<br />

pouco e dou muito. Ele é um men-<br />

digo a quem dou esmolas de rei. Queria<br />

saber se Ele nota bem isso... Ademais,<br />

não tenho obrigação de fazer isso.<br />

É por tê-Lo visto em aperto e, afinal,<br />

por ser Ele uma “boa pessoa”,<br />

que resolvi sair dos meus cômodos<br />

afazeres para auxiliá-Lo um pouco.<br />

Mas, na realidade, faço porque quero,<br />

e por isso mesmo Deus me deve<br />

ser muito grato. Dou quanto quiser,<br />

sem remorsos de consciência.”<br />

A “consecratio mundi”<br />

e o apostolado leigo<br />

Tudo quanto acaba de ser dito<br />

constitui um conjunto de meias verdades<br />

que se misturam com alguns<br />

erros muito graves, os quais encontram<br />

seu desmentido no documento<br />

10


acima mencionado. Consideremos a<br />

temática tratada pelo Santo Padre.<br />

Ele fala especificamente sobre o<br />

apostolado dos leigos e desenvolve,<br />

entre outros argumentos, o de que<br />

a consecratio mundi é uma das razões<br />

pelas quais os leigos devem fazer<br />

apostolado.<br />

O que vem a ser essa sacralização<br />

do mundo a que se refere o Sumo<br />

Pontífice? Um grande número de teólogos<br />

medievais usou essa expressão.<br />

Com a decadência da Escolástica, ela<br />

se tornou menos frequente e, ao menos<br />

no linguajar comum da Teologia<br />

contemporânea, o termo é quase desconhecido.<br />

Pio XII deu-lhe vida nova<br />

empregando-o nessa alocução. Essencialmente,<br />

a consecratio mundi explica-se<br />

da seguinte maneira.<br />

A ordem humana se compõe de<br />

duas sociedades: uma sobrenatural,<br />

espiritual, que é a Igreja Católica;<br />

outra temporal, constituída pelas nações<br />

com toda a sua organização relativa<br />

à vida social.<br />

A respeito da finalidade dessas duas<br />

sociedades, encontramos em muitos<br />

tratados de Direito Natural uma<br />

noção que, sem ser errada, é, entretanto,<br />

perigosamente parcial: a Igreja<br />

trabalha para a salvação das almas, enquanto<br />

à sociedade temporal compete<br />

a manutenção dos meios materiais para<br />

a sustentação da vida natural.<br />

Segundo a doutrina da consecratio<br />

mundi, a vida nesta Terra foi dada<br />

aos homens para alcançarem o Céu.<br />

Por conseguinte, todas as coisas terrenas<br />

devem nos servir de meio para nos<br />

elevarmos até Deus. Se considero, por<br />

exemplo, uma borboleta ou ouço uma<br />

música, devo notar nelas uma semelhança<br />

criada com o Ser incriado.<br />

Sendo Deus a Perfeição, a Ordem, a<br />

Beleza, ao contemplar tudo quanto seja<br />

retamente ordenado, perfeito e belo,<br />

a minha alma deve amar essa perfeição,<br />

ordem e beleza, de maneira a compreender<br />

que sou chamado a adorar,<br />

no Céu e por toda a eternidade, Aquele<br />

que, de modo inexprimível, infinito,<br />

sobrenatural, é o modelo<br />

divino de todas essas perfeições<br />

e belezas. Por isso,<br />

não posso manter-me indiferente<br />

aos seres que me<br />

circundam.<br />

Se passa por mim, por<br />

exemplo, um sacerdote<br />

encanecido no trabalho<br />

apostólico, com seu breviário<br />

embaixo do braço,<br />

dando-me a impressão<br />

do acúmulo de bênçãos<br />

sobre bênçãos durante<br />

décadas de uma vida consagrada<br />

a Deus, devo me<br />

lembrar de que ali não<br />

está somente um ancião<br />

vestido de preto, mas que<br />

as virtudes irradiadas por<br />

ele têm como modelo o<br />

próprio Deus. De maneira<br />

que, compreendendo<br />

e amando todos os valores ali representados,<br />

não amo apenas o sacerdote,<br />

mas o próprio Deus, de Quem ele<br />

é uma imagem e semelhança.<br />

O mesmo princípio se aplica quando<br />

considero uma religiosa que ensina<br />

o Catecismo a crianças. Por vezes,<br />

trata-se de uma senhora de grandes<br />

dons e inteligência, que abandonou<br />

uma elevada posição social e emprega<br />

seu tempo em formar crianças<br />

com as quais ela nada tem a ver. Não<br />

tenho o direito de passar por ela sem<br />

pensar no cúmulo de qualidades morais<br />

que isso representa, pois aquilo<br />

foi instituído por Deus para meu bem<br />

e posto no meu caminho pela Providência<br />

para edificação de minha alma.<br />

E eu devo pensar que ali está<br />

uma alta beleza de alma.<br />

As obras humanas<br />

completam a Criação<br />

Papa Pio XII<br />

Mas isto vai mais longe. Entro num<br />

palacete e contemplo dimensões, formas<br />

e jogos de cores bonitos; devo considerar<br />

que as proporções desse edifício<br />

foram idealizadas por um arquiteto,<br />

mas foi Deus quem deu aos homens<br />

a capacidade de fazer esses cálculos e<br />

criou a matéria passível de ser assim<br />

modelada. O próprio Criador concedeu<br />

ao homem a possibilidade de completar<br />

suas obras, de maneira a tornar<br />

perfeita a beleza do universo.<br />

Amando as obras retas elaboradas<br />

pelo ser humano, amo algo feito<br />

por Deus indiretamente. Dante Alighieri<br />

diz que as obras dos homens<br />

são netas de Deus porque, sendo Ele<br />

o Pai dos homens, é “Avô” daquilo<br />

de bom que produzimos.<br />

Realmente, em alguns aspectos, a<br />

Criação se assemelha aos desenhos<br />

que são dados para as crianças colorirem.<br />

Deus deixou muita coisa incompleta<br />

no universo, traçando apenas<br />

o esboço e conferindo-nos capacidade<br />

para completar sua obra.<br />

Imaginem um lindo panorama<br />

diante do qual passa um arquiteto<br />

de talento e percebe que aquela paisagem<br />

poderia ser completada por<br />

uma bela torre, um imponente castelo<br />

ou uma bonita capela. Ele interpreta<br />

o panorama e coloca ali o tipo<br />

de edifício necessário para que a<br />

Danilo I.<br />

11


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Flávio Lourenço<br />

Nossa família, o local de trabalho,<br />

a escola onde estudamos constituem<br />

esse ambiente que nos rodeia e no<br />

qual a todo momento nossa batalha<br />

está sendo travada, com o concurso<br />

de fatores que nos levam para o bem<br />

e outros para o mal.<br />

O peso disto resulta tão grande<br />

que, às vezes, tenho pena de certos<br />

sacerdotes que não compreendem a<br />

realidade como ela é. Fico pasmo ao<br />

ouvir um sacerdote dizer:<br />

— Tal cidade é imoral porque o<br />

cinema está fazendo muito mal lá.<br />

Mas explica-se: eles não têm padre,<br />

a matriz está fechada. Mas logo que<br />

o Sr. Bispo mandar um padre para<br />

lá, a vida sobrenatural ficará mais intensa<br />

e tudo se resolverá.<br />

Eu poderia dizer a esse padre: “Se<br />

basta uma matriz para fechar um cinema,<br />

como se explica que exista um<br />

cinema em frente da matriz? O padre<br />

celebra a Missa, administra os Sacramentos<br />

e já está tudo bem? Ora, os<br />

padres vivem fazendo isto e as coisas<br />

correm como estão correndo.”<br />

Outras vezes ouço comentários<br />

assim de padres ou de católicos leigos:<br />

— Tal paróquia é florescentíssima:<br />

vinte associações religiosas, duaquela<br />

beleza seja perfeita. Com isso,<br />

esse homem completou a obra da<br />

Criação porque Deus assim o quis.<br />

A sociedade temporal existe<br />

para levar as pessoas à virtude<br />

Vistas as coisas por esse prisma, torna-se<br />

claro que quanto mais uma civilização<br />

tem aspectos de reta beleza e ordenação,<br />

tanto mais leva as pessoas à<br />

prática da virtude. Compreendemos,<br />

assim, como não se pode afirmar de nenhum<br />

modo que a sociedade temporal<br />

simplesmente prepara as condições<br />

materiais para as pessoas não morrerem<br />

de fome, ignorando o fato de que<br />

ela é feita para conduzir à virtude.<br />

E entendemos melhor a grande<br />

importância do convívio dentro<br />

da sociedade temporal para a salvação<br />

das almas, se consideramos que<br />

Deus dispôs suas criaturas de maneira<br />

a haver mútua ajuda e dependência<br />

entre seres maiores e menores.<br />

Vê-se isto com os espíritos angélicos.<br />

São eles escalonados numa hierar-<br />

Procissão - Museu Nacional Soares<br />

dos Reis, Porto, Portugal<br />

quia e Deus quer que<br />

os Anjos dos coros superiores<br />

governem e<br />

ajudem os inferiores, e<br />

estes sirvam e auxiliem<br />

os superiores. Assim, a<br />

Providência Divina faz<br />

com que sua obra se<br />

complete.<br />

O mesmo se dá<br />

com o homem, a<br />

quem Deus criou sociável.<br />

Eu creio ser<br />

muito raro que uma<br />

alma vá ao Céu ou ao<br />

Inferno sem levar consigo muitas outras,<br />

sobretudo determinadas pessoas<br />

a quem Deus dá um particular poder<br />

de influência. No convívio diário notamos<br />

como certas almas são dotadas<br />

de uma capacidade especial para arrastar<br />

outras. Alguém faz uso da palavra,<br />

ninguém presta atenção, mesmo<br />

quando diz coisas muito sensatas;<br />

outro fala uma coisa que vale a décima<br />

parte do que disse o anterior, e repercute<br />

pela sala inteira, todo mundo<br />

comenta. Ou, então,<br />

um conta um caso, todos<br />

acham sem graça; outro<br />

narra o mesmo caso,<br />

acham engraçadíssimo.<br />

Isso corresponde a certos<br />

dons imponderáveis<br />

que fazem com que toda<br />

palavra da pessoa tenha<br />

um alcance verdadeiramente<br />

extraordinário.<br />

Também o ambiente<br />

criado pelo conjunto<br />

das pessoas exerce sobre<br />

cada indivíduo uma<br />

influência muito grande,<br />

contra a qual ele poderá<br />

reagir com êxito maior<br />

ou menor, mas sempre<br />

a receberá. Por essa razão<br />

o ambiente que nos<br />

rodeia pesa muito sobre<br />

a nossa salvação, e esse<br />

ambiente é a sociedade<br />

temporal.<br />

Por vezes, a influência da<br />

sociedade temporal sobre a ação<br />

da Igreja é menosprezada<br />

Danilo I.<br />

12


Sacred Hearts Archives, Louvain (CC3.0)<br />

São Damião de Veuster em 1863<br />

culto espírita; mais adiante, uma igreja<br />

cismática e uma mesquita maometana.<br />

Conversa-se com o pároco:<br />

— Como vai a paróquia?<br />

— Muito bem. Uma de nossas associações<br />

comprou tal aparelho, temos<br />

mimeógrafo, um gabinete dentário<br />

moderníssimo...<br />

Entretanto, sabemos o mal que<br />

o cinema vai fazer e, depois dele, a<br />

dança. Também é conhecido o mal<br />

causado pelo baile. Não acredito na<br />

sinceridade de uma pessoa que me<br />

diga que ir ao baile não faz mal. Todo<br />

rapaz procura para dançar uma<br />

moça pela qual tenha atração, pois<br />

do contrário não procuraria. Ora,<br />

qual o homem, normalmente constituído,<br />

que pode dançar durante<br />

quinze minutos com uma pessoa pela<br />

qual tenha atração, sem que nada<br />

aconteça? Isto é uma mentira, uma<br />

hipocrisia.<br />

Então, a pessoa ouve pela manhã,<br />

na igreja, um sermão com uma porção<br />

de conselhos, mas entre os quais<br />

se omite: “Não vá dançar”. Ela vai<br />

ao baile e ali faz exatamente o contrário<br />

do que ouviu no sermão. Entretanto,<br />

o padre e os membros das<br />

associações paroquiais acham que<br />

não há nada de mais. Porque, como<br />

foi feito aquilo que é próprio à vida<br />

da Igreja, o resto não importa. Eles<br />

não se lembram exatamente que a<br />

sociedade temporal tem um peso<br />

imenso para a salvação das almas.<br />

Se quisermos que as almas se salvem,<br />

deve-se agir dentro da sociedade<br />

temporal, fazendo com que ela<br />

seja reta, conforme à Lei de Deus e<br />

Lhe dê glória. Uma sociedade temporal<br />

assim torna-se um meio poderoso<br />

de santificação. Sem dúvida um<br />

meio instrumental, pois o meio próprio<br />

é a Igreja, mas um meio sem o<br />

qual o homem não se salva, porque<br />

se trata da ordem que Deus pôs no<br />

mundo.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de<br />

21/1/1958)<br />

1) Realizado em 5 de outubro de 1957.<br />

as mil pessoas inscritas, tem obras<br />

sociais muito desenvolvidas...<br />

Na porta da igreja há um aviso:<br />

“Pede-se às senhoras que forem receber<br />

a Sagrada Comunhão que não<br />

o façam com trajes imodestos.”<br />

Quer dizer, quando não é por reverência<br />

à Sagrada Comunhão, não<br />

tem importância.<br />

Pergunto por que não mudar a<br />

frase para: “As senhoras que usam<br />

trajes imodestos não compareçam à<br />

Sagrada Comunhão.” Respondem<br />

que não pode ser, porque hoje em<br />

dia ninguém aceitaria isso. Portanto,<br />

é preciso condescender.<br />

Ora, a paróquia é florescente,<br />

mas não se pode exigir das paroquianas<br />

que cumpram os Mandamentos!<br />

Então no que consiste uma paróquia<br />

florescente?<br />

A dois passos, um templo protestante;<br />

quase em frente, um lugar de<br />

Comunhão dos fiéis na Santa Missa<br />

Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia<br />

Vicente Torres<br />

13


Perspectiva pliniana da História<br />

L. Prang & Co. (CC3.0)<br />

Chegada de Cristóvão Colombo<br />

à América - Biblioteca do<br />

Congresso, Washington<br />

A História considerada<br />

em função da glória<br />

Marcada por feitos grandiosos que causam<br />

entusiasmo, a História dá lugar a diferentes tipos<br />

de glória. Qual é a primeira e a maior delas?<br />

Poderíamos definir o entusiasmo<br />

como sendo o sentimento<br />

que se produz na alma quando<br />

alguém é posto em presença de<br />

uma ação notavelmente grande a<br />

vários títulos – como, por exemplo,<br />

seu tamanho, seu arrojo, sua beleza<br />

–, a qual tenha custado um esforço<br />

ou um risco também notável para ser<br />

realizada.<br />

Se percorrermos as mais diversas<br />

realizações possíveis de um homem,<br />

veremos que sempre que uma delas<br />

entusiasma a terceiros é porque se fez<br />

recomendar por alguns desses títulos.<br />

Uma grande ação: o<br />

descobrimento da América<br />

Tomemos como exemplo a ação<br />

de Cristóvão Colombo descobrindo<br />

a América. É uma ação notavelmente<br />

grande porque o foi em seus efeitos,<br />

dando a conhecer um mundo novo.<br />

Ela é grande pelo esforço nela empregado<br />

e pelos riscos a que expunha<br />

os navegantes, pois exigiu deles que<br />

pela primeira vez avançassem em direção<br />

ao desconhecido. Ademais, naquele<br />

tempo tinha-se mais ou menos<br />

a ideia de que o mundo fosse circular,<br />

mas à maneira de uma bandeja.<br />

Então, o grande problema era chegar<br />

até o confim do mar, onde eles supunham<br />

que este se ligasse com o céu.<br />

O que aconteceria ali? Alguns supunham<br />

que as águas do mar caíam<br />

num abismo sem fundo, e quando<br />

chegassem imprudentemente nesse<br />

14


lugar, a nau afundaria. Era, pois, uma<br />

ação muito arriscada; mesmo porque<br />

muitos deles acreditavam haver figuras<br />

mitológicas, demônios nos extremos<br />

do mar, o que lhes incutia terror<br />

de chegar até lá e serem deglutidos<br />

por alguma força estranha. Tudo isso<br />

dava-lhes um verdadeiro pavor.<br />

Por fim, a ação era grande devido<br />

à travessia enorme a ser feita.<br />

Mais ainda, nota-se a grandeza<br />

da ação pela dama ilustre que a encomendou:<br />

Isabel, a Católica, que<br />

ao conquistar Granada, juntamente<br />

com seu esposo, o Rei Fernando II,<br />

pôs termo à longa reconquista empreendida<br />

por Espanha e Portugal<br />

que lutaram valentemente durante<br />

séculos para libertar a Península Ibérica<br />

do poderio maometano.<br />

É bonito considerar como o primeiro<br />

ato praticado em Granada<br />

após sua conquista foi o mesmo realizado<br />

na América por ocasião de<br />

seu descobrimento: celebrou-se uma<br />

Missa.<br />

Compreende-se que para recompensar<br />

tudo isso a Providência tenha<br />

aberto, por assim dizer, as portas<br />

do mar para essas duas nações. Para<br />

Portugal, as navegações pelo Cabo<br />

da Boa Esperança até atingirem<br />

o Japão e mais tarde a China. Para<br />

a Espanha, em sentido diverso, navegação<br />

rumo a um destino tão incerto<br />

a ponto de, em determinada altura,<br />

os marinheiros de Colombo estarem<br />

meio revoltados contra ele, querendo<br />

voltar porque não havia mais<br />

jeito, aquele mar não acabava mais,<br />

do outro lado não deveria haver terra<br />

nenhuma, aquele empreendimento<br />

era uma loucura...<br />

Cristóvão Colombo estava no momento<br />

de ter que enfrentar uma revolta<br />

de seus marujos, quando começaram<br />

a aparecer galhos verdes de<br />

árvores flutuando no mar, o que é sinal<br />

evidente de haver terra próxima.<br />

Então, foram avançando até chegarem<br />

à Ilha de São Domingos e começar<br />

a conquista da América.<br />

A Rainha vê-se obrigada a<br />

penhorar as joias da Coroa<br />

Há um pormenor que torna esse<br />

empreendimento ainda mais digno<br />

de nota: a Rainha Isabel não tinha<br />

dinheiro para pagar a expedição.<br />

Entretanto, ela não hesitou em<br />

dar o lance. Mandou pegar as joias<br />

da Coroa, penhorou-as e levantou o<br />

dinheiro. Portanto, se Colombo tivesse<br />

naufragado, a Rainha perdia<br />

todas as joias da Coroa espanhola.<br />

Mas Isabel, a católica, teve coragem<br />

em todos os sentidos da palavra.<br />

Pouco tempo depois do descobrimento<br />

da América, enviaram para<br />

ela uma nau com a notícia, e assim<br />

ela ficou sabendo que não só pagaria<br />

Colombo, mas tiraria um lucro muito<br />

maior do que o valor das joias da<br />

Coroa.<br />

Estando em viagem a Barcelona,<br />

tive a oportunidade de conhecer as<br />

cópias, feitas de acordo com os documentos<br />

do tempo, das três naus<br />

da esquadra de Colombo: Santa María,<br />

Pinta e Niña. Pude entrar nesses<br />

navios que são cópias fidelíssimas<br />

daquelas embarcações. Ora, são<br />

três “cascas de noz” dentro das quais<br />

aqueles homens audazes embarcaram<br />

rumo ao desconhecido!<br />

Por esses vários aspectos podemos<br />

analisar como foi grande essa ação.<br />

A prova de Cristóvão Colombo<br />

e a vitória inesperada<br />

Houve, ademais, a grande prova<br />

para Colombo. Ele tinha estudado, fizera<br />

cálculos segundo os quais ele estava<br />

certo de que essas terras deveriam<br />

existir, e enfrentou a revolta dos<br />

marujos, que poderiam matá-lo.<br />

Sem dúvida, é belo quando se alcança<br />

uma vitória esperada; mas<br />

quando chega a vitória inesperada,<br />

esta é ainda mais bonita.<br />

E aconteceu precisamente que<br />

enquanto ele estava às voltas com<br />

aqueles homens insatisfeitos, aborrecido<br />

e temendo uma revolta a<br />

qualquer momento, de repente alguém<br />

grita uma palavra mais ou menos<br />

deste gênero: “Terra próxima!”<br />

Talvez ele receasse tratar-se de<br />

um delírio do marujo, porque às vezes<br />

pessoas sujeitas a muita preocupação<br />

começam a delirar. Podemos<br />

imaginar Cristóvão Colombo<br />

correndo para o tombadilho e vendo<br />

aqueles pedaços de árvores que<br />

eram emissários do Continente americano<br />

vindo de encontro ao seu descobridor.<br />

Partida de Cristóvão Colombo para a América<br />

Biblioteca do Congresso, Washington<br />

L. Prang & Co. (CC3.0)<br />

15


Perspectiva pliniana da História<br />

M. Díaz. (CC3.0)<br />

A meu ver, de todos os aspectos<br />

pelos quais essa navegação desperta<br />

o entusiasmo é o risco. Se não tivesse<br />

havido o risco da vida, tudo isso seria<br />

muito menos grandioso. Embora não<br />

se tratem de proezas militares, os riscos<br />

dessa viagem despertam um entusiasmo<br />

parecido com o militar, precisamente<br />

porque aqueles homens arriscaram<br />

a vida por um elevado objetivo.<br />

A beleza do combate<br />

na Idade Média<br />

A esse respeito são características<br />

as batalhas medievais com guerreiros<br />

revestidos de couraça, elmos, perneiras,<br />

com escudo, lança, espada, montados<br />

em fogosos corcéis e formados<br />

em fileiras, prontos para o embate.<br />

Estando, assim, os dois exércitos<br />

frente a frente, um deles destacava<br />

um cantor que se adiantava e cantava<br />

as razões pelas quais eles iriam combater.<br />

Poesias ou cânticos improvisados<br />

ou repetição de velhas canções<br />

célebres, cujas letras eram adaptadas<br />

para as circunstâncias do momento.<br />

Terminados os cânticos por ambos<br />

os exércitos, os ânimos estavam no auge<br />

de seu calor, os arautos se retiravam e as<br />

duas cavalarias partiam para o ataque.<br />

Por vezes, pela violência do entrechoque,<br />

as lanças rompiam-se em es-<br />

tilhaços, os cavaleiros caíam por terra,<br />

passando a combater a pé, com<br />

espadas. A batalha que no início, segundo<br />

a expressão francesa, era rangée<br />

– organizada em filas – após o primeiro<br />

choque passa a ser mêlée, porque<br />

todos se misturavam, os exércitos<br />

se interpenetravam e os contendores<br />

se engalfinhavam mutuamente. Algo<br />

semelhante se dava com a infantaria.<br />

Por vezes a vitória era celebrada<br />

com um outro cântico improvisado<br />

pelo arauto do exército vencedor.<br />

Dentre as possíveis glórias de um<br />

homem, a militar era considerada<br />

uma das maiores na Idade Média.<br />

Por exemplo, Carlos Magno foi um<br />

grande administrador, governador e<br />

bom diplomata. Para o tempo dele,<br />

era um homem culto, enfim, de muito<br />

valor. Não obstante, o que as canções<br />

de gesta exaltam nele é muito o guerreiro<br />

do que qualquer outra qualidade.<br />

Por quê? Porque na guerra está o<br />

risco, o esforço, a glória.<br />

Com o advento das armas de<br />

fogo, a guerra da coragem<br />

cede lugar à da riqueza<br />

A partir do momento em que se<br />

descobriu a pólvora isso começou a<br />

declinar, porque a guerra passou a<br />

ser cada vez mais mecânica. Quem<br />

As três caravelas de Colombo: Niña, Pinta e Santa María<br />

possuía mais armas de fogo levava<br />

vantagem. Ora, tinha mais armas<br />

quem contasse com mais dinheiro.<br />

Logo, já não era mais tanto a guerra<br />

da coragem, mas a da riqueza.<br />

Entretanto, o rei mais rico era aquele<br />

que tivesse conseguido bons empréstimos<br />

de grandes capitalistas. Assim,<br />

por detrás da guerra não aparecia mais<br />

a figura grandiosa de um Carlos Magno,<br />

soberano militar que arriscava seu<br />

sangue, mas estava o interesse financeiro<br />

de um monarca que necessitava bajular<br />

algum financista a fim de conseguir<br />

os meios para fazer a guerra.<br />

Por outro lado, o tiro dado a distância<br />

diminui a sensação do risco,<br />

embora talvez haja maior perigo na<br />

guerra com armas de fogo.<br />

Depois começaram a aparecer outras<br />

formas de guerra ainda menos<br />

gloriosas, desferidas não mais de exército<br />

a exército, mas de exército contra<br />

a população civil. Então, por exemplo,<br />

o uso de artilharia a longa distância,<br />

visando atingir as cidades do país adversário.<br />

Até chegar aos recursos mais<br />

recentes e terríveis como a guerra química<br />

e bacteriológica, com a qual se<br />

pode contagiar e exterminar populações<br />

inteiras.<br />

Que glória há em dizimar assim<br />

senhoras, crianças, velhos que nem<br />

sequer estão lutando? Há, sem dúvida,<br />

uma suma crueldade, não uma<br />

coragem fenomenal. Ora, a glória<br />

militar não está no número de vítimas<br />

que o guerreiro fez, mas na<br />

quantidade de riscos que correu e na<br />

coragem com que ele os enfrentou.<br />

Compreende-se a diferença fantástica<br />

existente entre isso e a batalha<br />

medieval precedida por arautos!<br />

Um lance característico da guerra<br />

moderna que marcou a História contemporânea<br />

foi a destruição de Hiroshima<br />

e Nagasaki, as duas cidades<br />

do Japão onde havia maior população<br />

católica e sobre as quais caíram bombas<br />

terrivelmente mortíferas. Que coragem<br />

tiveram os aviadores que lançaram<br />

essas bombas? Ninguém fala<br />

16


deles para glorificá-los. Creio que esses<br />

pilotos podem ter tido remorsos ao<br />

considerar o que fizeram, de tal modo<br />

as consequências foram tremendas!<br />

A glória literária consiste<br />

em ressuscitar o heroísmo<br />

Há outro tipo de glória relacionada<br />

com a glória militar.<br />

Todas as nações passam por fases<br />

heroicas em sua história. A Espanha,<br />

por exemplo, no período das Cruzadas<br />

era tão apreciável; porém, a meu ver,<br />

foi ainda mais na época das contendas<br />

contra os protestantes para manter a<br />

santa Fé Católica Apostólica Romana.<br />

Trata-se, portanto, de uma luta muito<br />

meritória que corresponde à época de<br />

ouro e de glória militar daquela nação.<br />

Contudo, há períodos na história<br />

dos povos em que se apaga o espírito<br />

militar, e o entusiasmo pelo heroísmo<br />

cede lugar ao gosto de sentir-se em segurança,<br />

na comodidade do lar dentro<br />

do qual transcorre uma vidinha sem<br />

lances heroicos. Esses são os períodos<br />

de degradação de uma nação.<br />

Aqui entra o papel da glória literária,<br />

que consiste em levantar na alma<br />

do povo o gosto pelo maravilhoso por<br />

meio dos recursos literários relacionados<br />

com o emprego da palavra, mas<br />

servindo-se de outros, inclusive e muito<br />

largamente da música. Com isso podem-se<br />

reavivar no homem os sentimentos<br />

que fazem dele um herói, levando<br />

uma população inteira que vai<br />

se tornando lerda, egoísta e moleirona<br />

a se reerguer, de repente, como um só<br />

homem. Essa ressurreição do heroísmo<br />

tem a beleza do próprio heroísmo.<br />

Um exemplo característico são<br />

Os Lusíadas de Camões, que não é<br />

propriamente um cântico de guerra,<br />

mas um poema exaltando a glória<br />

dos navegadores portugueses que<br />

realizaram a proeza de descer pela<br />

África, dando a volta pelo “Cabo das<br />

Tormentas” – que após essa façanha<br />

passou a ser chamado “Cabo da Boa<br />

Esperança” – entraram pelo Oceano<br />

Índico, chegaram a tocar na Índia e<br />

foram até o Japão. Quiseram ir até a<br />

China, mas não puderam. E a isso liga-se<br />

um outro tipo de glória.<br />

Uma conquista mais valiosa<br />

do que todo o universo<br />

Em uma das muitas expedições marítimas<br />

dos portugueses, viajava com<br />

eles São Francisco Xavier, que ansiava<br />

por converter a China a todo custo.<br />

Porém, quando se dirigia para lá adoeceu<br />

numa pequena ilha. Sentindo a<br />

proximidade da morte, pediu para o<br />

deitarem com o olhar voltado para a<br />

China; gesto que no caso concreto dele<br />

correspondia à coragem de morrer<br />

olhando para o Céu. Ele morria contemplando<br />

o presente magnífico que<br />

a sua grande alma de apóstolo desejava<br />

dar a Deus. São Francisco Xavier<br />

queria que o “Celeste Império” – como<br />

era chamado naquele tempo – fosse<br />

dado ao Rei, dono do Céu.<br />

Essa é a glória religiosa, própria a<br />

quem quer alcançar para Deus uma<br />

grande vitória na Terra, um grande<br />

número de almas para Ele ser o Senhor<br />

e Rei delas no Céu, por toda a<br />

eternidade.<br />

Desse modo dá-se a Deus algo<br />

que Ele ama mais do qualquer conquistador<br />

poderia almejar.<br />

Com efeito, se um missionário conseguisse<br />

salvar a alma de um só de nós<br />

ele daria mais a Deus do que se um<br />

homem pudesse conquistar para Ele<br />

a Terra, a Lua e todo o nosso sistema<br />

planetário. Porque a Igreja nos ensina<br />

que tudo quanto Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo sofreu na sua Paixão e<br />

Morte foi para resgatar todos os homens,<br />

mas Ele teria sofrido o mesmo<br />

por qualquer homem individualmente.<br />

Em outras palavras se Deus tivesse<br />

criado um só homem e esse tivesse<br />

pecado, Nosso Senhor estaria resolvido<br />

a padecer toda a Paixão e Morte na<br />

Cruz para resgatar aquela alma.<br />

Pois bem, imaginem um missionário<br />

que consegue a conversão de um<br />

país inteiro, o qual durante séculos,<br />

até o fim do mundo, continua um<br />

país católico; quantas almas vão para<br />

o Céu porque aquele homem deu<br />

aquilo a Deus!<br />

Carlos Magno, Imperador<br />

missionário<br />

Pobre Cristóvão Colombo, se o<br />

compararmos com Carlos Magno,<br />

guerreiro magnífico que conteve os<br />

bárbaros na Alemanha e lhes quebrou<br />

a sanha, impediu os mouros de<br />

passarem pelos Pirineus e concorreu<br />

para começar a reação contra os pa-<br />

Charles Oliver Murray (CC3.0)<br />

17


Perspectiva pliniana da História<br />

gãos normandos que entravam pelos<br />

rios da França, lançando desse modo<br />

os fundamentos da Europa atual.<br />

Durante séculos e séculos, a Europa<br />

católica, senhora do mundo, era<br />

filha do presente dado a Deus por<br />

Carlos Magno.<br />

É uma beleza dar uma nação a<br />

Deus. Carlos Magno deu um continente,<br />

a mais gloriosa e ilustre família<br />

de nações que houve na História:<br />

a Europa. Deu mais, a América é filha<br />

da Europa de ponta a ponta. Ela<br />

é também um fruto do fruto de Carlos<br />

Magno, o Imperador missionário.<br />

São Bento e a primeira<br />

de todas as glórias<br />

Contudo, é preciso considerar ainda<br />

que nada disso teria adiantado se<br />

não houvesse sacerdotes e leigos especialmente<br />

voltados para converter<br />

as almas. O grande Carlos conquistou<br />

as áreas, quebrou os adversários,<br />

mas para batizar, atender em Confissão,<br />

arrancar do paganismo essa gente<br />

e encaminhá-la para as vias da Civilização<br />

Cristã, para construir a Cristandade<br />

com suas catedrais, universidades,<br />

seu feudalismo, toda a sua cultura,<br />

enfim, tudo isso foi objeto muito<br />

mais do labor de missionários do que<br />

de Carlos Magno.<br />

Entre tantas figuras destaca-se a<br />

de São Bento, fundador dos Beneditinos,<br />

a grande Ordem de missionários<br />

da Idade Média, que espalhou<br />

conventos por toda a Europa e foi o<br />

fator principal da conversão daquele<br />

continente. Buscando eles a solidão,<br />

constituíam abadias para fugir das<br />

cidades, centros de perdição. Mas as<br />

cidades saíam correndo atrás deles,<br />

pois quando fundavam um mosteiro,<br />

as populações católicas se localizavam<br />

em torno. E assim foi-se povoando<br />

a Europa católica.<br />

Esta não é uma glória superior à<br />

militar e à literária? Sem dúvida é<br />

a primeira das glórias, porque visa<br />

a glória de Deus mais diretamente,<br />

conquistando para Ele algo que vale<br />

enormemente mais do que terras<br />

e tesouros: almas.<br />

Ademais, esses heróis fazem o sacrifício<br />

maior do que o do soldado.<br />

Uma coisa é dizer: “Eu avanço, mor-<br />

ro, mas vou para o Céu!” Outra mais<br />

nobre é: “Eu vou para a frente, vivo<br />

e arrasto uma longa e dura vida<br />

na Terra; mas, custe o que custar, eu<br />

me santificarei! Vencerei meus defeitos<br />

até a raiz para pertencer inteiramente<br />

a Deus, Nosso Senhor, e a<br />

sua Mãe Santíssima, Nossa Senhora.<br />

Qual literatos, qual soldados, qual<br />

nada! Eu faço o maior dos sacrifícios:<br />

eu me dou a mim mesmo!”<br />

Do alto do Céu estão nos ouvindo<br />

os guerreiros, os literatos,<br />

os missionários e apóstolos que foram<br />

para lá. Eles não têm rivalidades<br />

entre si e cada um canta a glória<br />

do outro para cantar a glória de<br />

Deus. Possivelmente terão sorrido<br />

com complacência para todas essas<br />

considerações que fizemos. Terão<br />

visto as nossas almas e pedido a<br />

Nossa Senhora que perdoe os nossos<br />

defeitos, e nos torne semelhantes<br />

ao Divino Filho d’Ela. Terão pedido<br />

para nós a glória também, mas<br />

a d’Eles principalmente. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

10/8/1991)<br />

DonGatley (CC3.0)<br />

Abadia de Monte Cassino, Itália<br />

18


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Papel da influência<br />

no relacionamento<br />

entre as almas<br />

Como ensina São Tomás de Aquino, a desigualdade entre os seres<br />

é necessária, pois a igualdade desfiguraria o universo e a sociedade<br />

humana. Por disposição divina, há na Igreja pessoas com uma visão<br />

mais nítida da Doutrina e maior senso católico, e possuem com isso<br />

uma superior capacidade de induzir os outros à prática do bem.<br />

National Gallery of Ireland (CC3.0)<br />

Os critérios e valores que a respeito<br />

das desigualdades sociais<br />

figuram e preponderam em<br />

nossos dias são muito diferentes dos<br />

de antigamente. A este propósito pretendo<br />

considerar duas posturas erradas<br />

para depois apresentar a posição católica<br />

com suas raízes doutrinárias.<br />

Estado de espírito<br />

de conformismo<br />

Para isso vamos imaginar que, entrando<br />

numa casa de família, encontrássemos<br />

numa gaveta não apenas<br />

álbuns com fotografias, mas a correspondência<br />

mantida ao longo dos anos<br />

entre pais e filhos, desde as cartas mais<br />

antigas até as mais recentes. E pegássemos,<br />

então, uma redigida no século<br />

XX na qual lêssemos o seguinte:<br />

“Meu filho, não pense jamais que<br />

sua inteligência e sua vontade são a<br />

regra e a medida de todas as coisas.<br />

Nas margens dos caminhos da vida<br />

transviados e isolados, você encontrará,<br />

errando com fantasmas, mais<br />

de um homem de valor que se perderam<br />

por pensar assim.<br />

“O que é a inteligência de um só<br />

homem para resolver por si os problemas<br />

incontáveis e, mais do que isso,<br />

insondáveis do universo da vida?<br />

Se você tem alguma opinião, é à custa<br />

de ter aceitado como certas as primícias<br />

que lhe foram proporcionadas<br />

por outros homens tão cegos e<br />

frágeis como você. Nem a sua opinião<br />

nem a deles vai além do valor<br />

relativo do juízo humano.<br />

“Mil pessoas com reduzida vista,<br />

observando uma estrela, percebem a<br />

respeito dela pouco mais do que se a<br />

fitasse um só indivíduo. Em todo caso,<br />

ainda é mais provável que a verdade<br />

esteja com a maioria, pois se<br />

quatro olhos péssimos veem mais do<br />

que dois igualmente maus, pelo mesmo<br />

cálculo conclui-se que a maioria<br />

tem mais probabilidade de acertar.<br />

“De qualquer forma, conforme-se a<br />

ela, pois só assim evitará ser tido por<br />

singular, extravagante e esquisitão. Terá<br />

num convívio com seus semelhan-<br />

19


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

perfeição de ti mesmo por um aproveitamento<br />

árduo, forte, ousado de<br />

todos os teus recursos, vencendo teus<br />

defeitos. Serás um homem na expressão<br />

maior do termo, com o governo<br />

absoluto de ti e a plenitude de personalidade<br />

em que consiste toda a dignidade<br />

de um homem. Ainda que a sorte<br />

te seja adversa, pisado, esmagado,<br />

vencido, todos te respeitarão.<br />

“Pelo contrário, se a sorte te for favorável,<br />

a vitória será para ti o adorno<br />

dos teus méritos e terás aos olhos<br />

de teus pares um ascendente mais alto,<br />

mais estável, mais bem aceito do que te<br />

poderia dar todas as boas aparências<br />

do bluff da propaganda. Além de grande,<br />

serás feliz, pois a sensação da plenitude<br />

do teu valor, o gosto inebriante<br />

de pensar só por tua cabeça, de decidir<br />

apenas pela tua vontade e de conduzir<br />

com lucidez, força e destreza, através<br />

de mil imprevistos, a luta de tua vida<br />

é o maior e único prazer digno de um<br />

verdadeiro varão; prazer dos grandes,<br />

dos fortes, dos sábios que fundam novas<br />

filosofias, dos guerreiros que criam<br />

novos impérios, dos descobridores que<br />

investem contra o desconhecido e encontram<br />

novos mundos.<br />

“Se agires de outra maneira, não<br />

serás verdadeiramente um homem.<br />

Vês em torno de ti esses homúnculos<br />

de joelhos a obedecer? São subordinados<br />

dos outros e levados segundo<br />

as conveniências daqueles<br />

de quem dependem; débeis, indecisos,<br />

tímidos. Quando triunfam recebem<br />

aplausos, mas não suscitam admiração.<br />

Quando fracassam são objeto<br />

de desprezo ou de comiseração,<br />

nunca, porém, de respeito. Se saem<br />

vencedores, o que ganham é nada;<br />

se derrotados, perdem tudo. Quando<br />

vivem, vegetam; quando morrem,<br />

desfazem-se em pó e com todos os<br />

seus louros, suas nutridas carnes e<br />

seus ossos só na sepultura cessam de<br />

tremer.”<br />

Seria uma carta característica do<br />

individualismo romântico do século<br />

XIX: engrandecimento da indepentes<br />

aquela consonância, aquele calor<br />

de solidariedade, de simpatia que é o<br />

prazer supremo, sem o qual são iguais<br />

a zero todos os gostos da vida.<br />

“Se a sorte lhe for adversa, você<br />

encontrará quem o compreenda, ampare<br />

e ajude. Se ela lhe for favorável,<br />

sua vitória produzirá alegria e não inveja<br />

nos outros, e você terá em torno<br />

de si amigos e não vencidos. Nisto encontrará<br />

uma tranquilidade, uma estabilidade,<br />

um aconchego que será o<br />

encanto de sua existência. A vida lhe<br />

correrá em progresso fácil, uniforme,<br />

sem as apreensões, os raios e as borrascas<br />

que podem nos acometer ao<br />

longo de nossa existência.<br />

“Se agir de outra maneira será um<br />

Dom Quixote, fantasma e não homem.<br />

Veja em torno de si esses originais que<br />

durante a vida inteira tudo decidiram e<br />

fizeram por si mesmos. Pretenderam<br />

ser a medida de todas as coisas e, como<br />

ninguém os aceitou enquanto tais,<br />

criaram em torno de si isolamento e incompreensão.<br />

Seus inimigos são todo<br />

mundo, seus amigos ninguém, sua vida<br />

uma luta sem fim, seu falecimento<br />

uma festa coletiva e se logram estima<br />

é apenas depois da morte, pois só então<br />

cessam de guerrear, de discutir e de<br />

perturbar. Mas de que lhes vale isso se<br />

nem eles e nem nós sabemos o que nos<br />

aguarda depois desta vida?”<br />

Esta seria uma carta mais do que<br />

banal, exprimindo um estado de espírito<br />

de conformismo: é preciso ser<br />

como todo mundo, pois a vida assim<br />

é gostosa, dá bons resultados.<br />

Individualismo romântico<br />

Em seguida, poderíamos encontrar<br />

uma carta mais antiga, por exemplo,<br />

do século XIX, com os seguintes<br />

conselhos:<br />

“Meu filho, nunca te deixes influenciar<br />

nem mandar por ninguém. Sê homem.<br />

Toma por ti tuas decisões, aguça<br />

tua lógica, aviva tuas observações.<br />

Tens valor suficiente para encontrar<br />

por ti a tua verdade e escolher o teu<br />

caminho. Agindo assim, chegarás à<br />

Christie’s (CC3.0)<br />

dência, afirmação de que o homem<br />

deve dominar todas as coisas.<br />

Ambas as atitudes se opõem<br />

ao contrarrevolucionário<br />

Poderíamos dizer que se estabelecem<br />

dois modos de ser diferentes. No<br />

século XIX, o ideal é o do homem cuja<br />

perfeição pessoal está em atingir a plenitude<br />

de si mesmo. No século XX, o<br />

ideal é o do homem prático que visa alcançar<br />

o êxito na vida. O conceito de<br />

felicidade no século XIX é o gozo da<br />

própria plenitude pessoal, enquanto<br />

20


que no século XX é a sensação de segurança<br />

resultante do auxílio mútuo entre<br />

os homens. O que um homem quer<br />

dos outros, no século XIX, é admiração<br />

e respeito; já no século XX, ele busca<br />

ajuda e simpatia. O primeiro procura a<br />

glória; o segundo, o repouso.<br />

Essas atitudes eu não diria que são<br />

exclusivas do século XIX ou do século<br />

XX; elas se prolongam em nossos dias.<br />

Já existiam no século XIX e continuam<br />

a existir no século XX, mas com<br />

tonalidades diferentes. Nós poderíamos<br />

dizer que o espírito prático predomina<br />

no século XX, e que o espírito<br />

individualista e de afirmação romântica<br />

da própria personalidade predominava<br />

no século XIX, mas ambas as atitudes<br />

costumam existir em nossos dias<br />

e às vezes na mesma pessoa.<br />

É preciso que, analisando o estado<br />

de espírito das pessoas, notemos nelas<br />

tinturas de ambas as posições, de<br />

maneira que elas, às vezes, têm acessos<br />

de afirmação pessoal exagerada:<br />

“Em mim ninguém manda!”; depois,<br />

de repente, atira-se como capacho<br />

diante de alguém para fazer um<br />

bom negócio. Ou, às vezes, tem, por<br />

exemplo, um acesso de medo diante<br />

da opinião pública, mas, de repente,<br />

dá a louca de fazer a coisa mais extravagante<br />

que pode haver.<br />

Até certo ponto, ambas as atitudes<br />

se voltam em oposição ao contrarrevolucionário.<br />

A que corresponde à afirmação<br />

pessoal se opõe no seguinte<br />

sentido: o contrarrevolucionário obedece<br />

ao espírito católico, aceitando<br />

uma disciplina de pensamento em relação<br />

à Igreja. Então, contra esta posição<br />

disciplinada em relação ao bom<br />

espírito, as objeções feitas ao contrarrevolucionário<br />

à século XIX são: “Você<br />

deveria ser independente, mais livre,<br />

ter mais personalidade...”, etc.<br />

De outro lado, com referência à<br />

posição dos contrarrevolucionários<br />

em relação ao mundo, as objeções<br />

são as do século XX: “Vocês são isolados,<br />

diferentes, estão em luta contra<br />

todo o mundo. Vocês não gozam<br />

as vantagens do círculo de sociabilidade.<br />

Vocês são uns Dons Quixotes!”<br />

A desigualdade das criaturas<br />

À luz da Doutrina Católica, o que<br />

se deve pensar a esse respeito encontra-se<br />

muito bem expresso em São<br />

Tomás de Aquino, quando ele trata<br />

sobre a desigualdade das criaturas.<br />

Como explica São Tomás, para que<br />

a Criação espelhasse as perfeições de<br />

Deus, era preciso que houvesse vários<br />

seres. As perfeições divinas não poderiam<br />

ser convenientemente espelhadas<br />

por meio de um ser só. Por isso,<br />

ele afirma que a bondade de Deus<br />

está representada de um modo mais<br />

perfeito por todo o universo em seu<br />

conjunto do que estaria por uma única<br />

criatura, qualquer que fosse.<br />

Vejam bem o aspecto que essa afirmação<br />

tem. Se Deus criasse só Nossa<br />

Senhora, cuja excelência é incomparavelmente<br />

maior do que todos os Anjos<br />

e todos os Santos, Ela em si, sozinha,<br />

não espelharia tão bem a bondade<br />

do Criador quanto o universo tendo<br />

a Santíssima Virgem e uma porção<br />

de outros seres diferentes d’Ela. Essa<br />

pluralidade de seres distintos entre si,<br />

para constituir um conjunto que espelha<br />

Deus, é indispensável para que o<br />

fim dado pelo Criador aos seres ao fazer<br />

a Criação se realizasse com toda a<br />

conveniência.<br />

Pergunta-se: “Deus não poderia<br />

ter criado seres distintos, mas inteiramente<br />

iguais? Seria preciso que esses<br />

seres fossem desiguais? Essa desigualdade<br />

entre os seres é necessária?<br />

São Tomás examina o problema e<br />

demonstra que Deus amou os seres<br />

gratuitamente e deu a uns mais e a<br />

outros menos, sem nenhuma injustiça,<br />

porque quis dar, e que, fazendo<br />

a Criação com vários seres, Ele não<br />

podia deixar de criá-los desiguais.<br />

Nós poderíamos reportar aos homens<br />

o mesmo princípio existente entre<br />

os Anjos. Estes são seres de uma<br />

qualidade enormemente superior aos<br />

homens, mas não realizam no Céu essa<br />

plenitude de personalidade que a<br />

imaginária carta do século XIX representaria.<br />

O Anjo não está colocado no<br />

Paraíso celeste como um cidadão livre,<br />

independente, vacinado, eleitor,<br />

maior de idade, que olha a Deus face a<br />

face e não precisa de ninguém.<br />

Pelo contrário, o Anjo do Céu está<br />

dependente de outrem. Em que sentido<br />

da palavra? O conhecimento angélico<br />

de Deus é de dois modos: os Anjos<br />

veem a Deus face a face. Todos eles<br />

têm a visão beatífica e por aí possuem<br />

um certo conhecimento de Deus. Mas<br />

também os Anjos de categoria supe-<br />

21


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Jörgens.mi (CC3.0)<br />

as perfeições divinas, o melhor é a desigualdade.<br />

Esta é a ordem concreta das<br />

coisas e assim deveria ser mesmo no<br />

Paraíso terrestre, apesar de todos os repelões<br />

que isso poderia dar no orgulho,<br />

na pretensão e na vaidade humana.<br />

Juizo Final (detalhe)<br />

Cappella degli<br />

Scrovegni, Pádua<br />

rior informam aos Anjos de categoria<br />

inferior certas coisas que eles veem e<br />

os de categoria inferior não veem. Então,<br />

os Anjos de categoria inferior têm<br />

dois modos de conhecimento: um direto<br />

e outro que é o indireto, obtido<br />

por meio dos outros Anjos.<br />

E o Anjo, que afinal de contas realiza<br />

uma plenitude de personalidade<br />

muito maior do que a do homem,<br />

apoia-se, por assim dizer, em Anjos superiores<br />

para ter de Deus um conceito<br />

completo. Ele recebe uma informação<br />

a respeito do Criador que por si mesmo<br />

não poderia ter. Quer dizer, o Anjo<br />

neste sentido, apesar de ser espírito<br />

puro, de ter toda a lucidez da natureza<br />

angélica, recebe informações – notícias,<br />

para falar em nossa linguagem – a respeito<br />

de Deus que ele diretamente não<br />

tem. Ele é obrigado a ter certa humildade,<br />

pois precisa receber de outro.<br />

A igualdade desfiguraria<br />

o universo e a própria<br />

sociedade humana<br />

Antes do pecado original, como seria<br />

isso com os homens? São Tomás<br />

trata também da questão e esclarece<br />

o assunto. Antes do pecado original,<br />

a inteligência humana não tinha sofrido<br />

as consequências de se tornar capaz<br />

de erro. Nem a vontade humana<br />

tinha ficado desregrada, propensa ao<br />

mal, como se tornou depois do pecado<br />

original. Apesar disso, os homens seriam<br />

de inteligência e capacidade desiguais,<br />

e a natureza humana era tal<br />

que se os homens tivessem vivido no<br />

Paraíso terrestre com a natureza íntegra,<br />

uns seriam mais capazes e dirigiriam<br />

os outros, enquanto os menos capazes<br />

deveriam ser dirigidos. Isto era<br />

feito como ordem ideal da sociedade<br />

humana. Não se tratava de uma contingência<br />

enfermiça, de uma situação<br />

que não pode ser superada, mas era a<br />

relação ideal entre os homens.<br />

Às vezes, vemos uns bobos alegres<br />

que dizem: “Seria uma beleza se todos<br />

pudéssemos ser iguais, mas neste<br />

mundo a igualdade não se realiza...”<br />

Ora, não se deve lamentar que a<br />

igualdade não exista. Ela desfiguraria<br />

o universo e a própria sociedade humana.<br />

Como ordem ideal entre os homens,<br />

para que a humanidade espelhe<br />

Tendência do homem para<br />

confiar na opinião pública<br />

Imaginemos que Adão e Eva não<br />

tivessem pecado e no Paraíso terrestre<br />

habitassem, por exemplo, quinhentas<br />

mil pessoas. Pergunta-se: Haveria opinião<br />

pública e quais seriam as relações<br />

dos homens com ela?<br />

Embora um homem possa ser inferior<br />

a outros, há no espírito de cada<br />

ser humano riquezas pelas quais ele é<br />

superior a todos, ainda que a um pequeno<br />

título, por mais modesto que<br />

seja. Se houvesse quinhentos mil homens<br />

cônscios dessa verdade, permutando<br />

entre si aquilo que eles veem a<br />

respeito dos outros, de maneira a essa<br />

permuta harmônica de opiniões, todas<br />

verdadeiras, constituir uma espécie de<br />

parte coletiva da verdade total, em razão<br />

de seu instinto de sociabilidade e<br />

pelo fato de a opinião pública não errar,<br />

no Paraíso terrestre o homem poderia<br />

ter toda confiança na opinião<br />

dos outros, encontrando na opinião de<br />

todos um repouso para o seu próprio<br />

espírito. Seria um manancial enorme<br />

de sabedoria, honestidade, bom senso<br />

no qual ele iria buscar os elementos<br />

necessários para se formar.<br />

Esta tendência do homem para<br />

confiar na opinião pública é inerente<br />

à sua natureza e, ao cometer o pecado<br />

original, o homem veio para a Terra<br />

com essa mesma tendência, razão<br />

pela qual nos sentimos tão prazerosos<br />

quando podemos concordar com todo<br />

mundo. Temos uma propensão natural<br />

para pensar que uma coisa é de um<br />

certo jeito quando todos veem assim.<br />

Saindo do Paraíso terrestre, aconteceu,<br />

entretanto, um desastre para<br />

o homem: tornou-se sujeito a erro<br />

e, com ele, também a opinião públi-<br />

22


ca. Assim, o ser humano encontra-se<br />

numa alternativa das mais cruéis: como<br />

ele vê que a opinião pública erra<br />

muito, fica colocado numa posição de<br />

desconfiança em relação a ela; mas<br />

como também tem a experiência de<br />

que ele erra muito, acaba sendo empurrado<br />

para uma confiança exagerada<br />

na opinião pública. Do fato de<br />

a opinião pública ser cega, ou catacega,<br />

tanto quanto ele, resulta um movimento<br />

duplo, ora de desconfiança excessiva,<br />

ora de confiança demasiada.<br />

Homens que influenciam<br />

e guiam outros<br />

É a Santa Igreja Católica Apostólica<br />

Romana que nos põe na posição<br />

verdadeira diante desse quadro. Na<br />

realidade, se pensamos no tesouro<br />

que representa para nós a sã Doutrina<br />

Católica, não temos palavras para<br />

agradecer a Deus o fato de pertencer<br />

e essa Instituição divina.<br />

Basta considerar tudo quanto ela<br />

ensina sobre Deus, os Anjos, a outra<br />

vida, a Moral, a estrutura da sociedade<br />

e do Estado, sobre a economia, enfim,<br />

mil coisas a respeito das quais devemos<br />

ter uma certeza firmíssima, à qual<br />

jamais poderíamos ter chegado apenas<br />

pelo mecanismo do nosso espírito.<br />

Amparado assim por um ensinamento<br />

infalível, o ser humano encontra<br />

uma série de verdades e de certezas, escapando<br />

desse jogo de confiar demais<br />

em si ou na opinião pública, para ter<br />

confiança inteiramente e sem reservas<br />

na Igreja Católica, única que lhe pode<br />

dar toda a verdade, e fora da qual ele<br />

vê apenas fragmentos da verdade. Na<br />

autoridade da Igreja ele encontra uma<br />

plenitude de segurança que nenhum<br />

dos outros critérios – sejam os do individualismo<br />

romântico do século XIX<br />

ou do pragmatismo coletivista do século<br />

XX – lhe oferece. Na Igreja o homem<br />

encontra aquela plena estabilidade<br />

que a sua personalidade pede.<br />

Entretanto, ainda aqui há uma distinção<br />

a ser feita. Nem todos veem a<br />

Doutrina da Igreja com a mesma clareza<br />

e lucidez. Por uma ordem providencial<br />

existem na Igreja a parte docente<br />

que nos dá a doutrina, e a discente que<br />

é ensinada. Contudo, não podemos reduzir<br />

o jogo das influências da Igreja<br />

apenas a esse fato. Há também aqueles<br />

que por disposição divina têm uma<br />

visão mais nítida da Doutrina Católica<br />

e possuem em quantidade maior aquilo<br />

que chamamos o senso católico, e têm<br />

com isso uma capacidade maior de induzir<br />

os outros à prática do bem. Outros,<br />

pelo contrário, são menos providos<br />

dessas qualidades.<br />

Isso não é necessariamente o efeito<br />

de uma falta de santidade nem de inteligência,<br />

mas das disposições da Providência<br />

Divina, pura e simplesmente,<br />

por onde nós vemos que certos homens<br />

são colocados no caminho de<br />

outros para influenciá-los e guiá-los,<br />

enquanto esses outros correspondem<br />

à graça de Deus na medida em que se<br />

deixam influenciar e guiar. Portanto,<br />

dentro da própria Igreja Católica, de<br />

fiel a fiel, Deus estabeleceu desigualdades<br />

porque quis, e deu a algumas almas<br />

a missão de fazer bem às outras.<br />

Duas espécies de influências<br />

E assim como quem tem obrigação<br />

de fazer o bem não pode deixar de o<br />

realizar sob pena de subverter o plano<br />

do desígnio da Providência, aquele<br />

que foi destinado a receber o bem<br />

não pode deixar de o acolher sob pena,<br />

também ele, de desvirtuar as intenções<br />

da Providência. De maneira que<br />

essa atitude individualista, que consistiria,<br />

por exemplo, em dizer: “Tal amigo<br />

meu me dá um conselho, mas vou<br />

seguir esse conselho se eu quiser, porque<br />

não há razão nenhuma para ele<br />

me influenciar, me orientar. Faço o<br />

que entendo, porque sou um homem<br />

formidável que dentro do mundo da<br />

Doutrina Católica me oriento de acordo<br />

com a minha cabeça...” Essa é uma<br />

posição absolutamente falsa, contrária<br />

ao que a Igreja nos ensina sobre os desígnios<br />

da Providência Divina.<br />

Nessa ordem de coisas há duas espécies<br />

de influências. A primeira é como<br />

que institucional e conforme à natureza<br />

da Igreja. Todo homem foi feito<br />

para ser espiritualmente dirigido<br />

e, a meu ver, esta é a mais formidável<br />

23


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Classense Town Library (CC3.0)<br />

condenação dessa falsa independência<br />

que o espírito liberal poderia contar<br />

entre as almas na Igreja. Todo homem<br />

foi feito para confessar, portanto<br />

para ter confessor e diretor espiritual.<br />

É possível que em circunstâncias<br />

anormais da vida da Igreja não seja<br />

tão fácil encontrar diretor espiritual,<br />

mas são anomalias que pesam severamente<br />

sobre as condições de santificação<br />

de uma cidade, de uma região,<br />

de um país ou de toda uma raia de cultura.<br />

Mas, normalmente, o homem foi<br />

feito para ser dirigido espiritualmente.<br />

Mas além dessa influência existe<br />

também a dos bons livros, bons ambientes,<br />

dos bons amigos, bons superiores,<br />

que são influências que o homem<br />

conscientemente deve aceitar e<br />

diante de cuja liderança ele subconscientemente<br />

precisa se inclinar. Agir<br />

de outra maneira é afirmar um espírito<br />

de independência contrário à<br />

Doutrina Católica.<br />

São Gregório VII<br />

repreende firmemente<br />

São Pedro Damião<br />

Lembro-me de ter lido uma carta<br />

muito interessante de São Pedro Damião<br />

para São Gregório VII, o papa<br />

que executou a reforma da Igreja em<br />

condições magníficas com uma energia<br />

enorme; um dos seus auxiliares<br />

era São Pedro Damião.<br />

São Gregório VII era tremendo<br />

em severidade. Ele mandou São Pedro<br />

Damião, então cardeal, à França<br />

para fazer uma reforma. Provavelmente<br />

este não tinha ainda atingido<br />

os píncaros da santidade e, chegando<br />

lá, foi na onda dos bispos franceses e<br />

fez uma combinação com eles da qual<br />

São Gregório VII não gostou.<br />

Então, o Santo Papa enviou uma<br />

carta tremenda para São Pedro Damião,<br />

dizendo: “Onde está a previdência<br />

do seu espírito que em contato<br />

com raposas astutas não percebe?<br />

Você foi mole, não soube resistir…”<br />

Só faltou chamá-lo de hipócrita...<br />

E São Pedro Damião escreveu a<br />

São Gregório VII:<br />

“Recebi tua carta e aceito humildemente<br />

a repreensão que me é feita.<br />

Realmente eu mereço. Posso dizer<br />

que, mesmo com menos energia,<br />

menos insistência e argumentação,<br />

eu já reconheceria meu erro e me<br />

emendaria. Mas, afinal – e vem a expressão<br />

de São Pedro –, és o ‘Santo<br />

Satanás’ que me tentas para toda a<br />

forma de bem; eu me inclino diante<br />

de ti, modifico meu juízo e estou disposto<br />

a refazer minha ação.”<br />

Está conforme, até o último extremo,<br />

ao que dizíamos.<br />

A expressão “Santo Satanás” quer<br />

dizer um homem posto junto a ele para<br />

induzi-lo a toda forma de bem, como<br />

o demônio está próximo a nós para<br />

nos levar a toda forma de mal; e é<br />

virtude aceder a todos os incitamentos<br />

que o Santo nos faz para o bem, como<br />

será virtude recusar todos os incentivos<br />

que o demônio nos faz para o mal.<br />

Assim como em relação ao demônio,<br />

percebendo que ele deseja uma<br />

coisa, ipso facto devemos querer o<br />

contrário, também relativamente<br />

àquele cuja influência sentimos que<br />

nos leva para o bem devemos abrir a<br />

nossa alma intencionalmente. Abri-la<br />

– não recuo diante da palavra – varonil<br />

e corajosamente porque é por aí<br />

que a graça de Deus penetra em nós.<br />

As obras de Deus não<br />

têm anonimato<br />

São Pedro Damião - Biblioteca Classense, Ravenna, Itália<br />

As obras de Deus não têm anonimato.<br />

Essa ideia de que o Criador<br />

age sobre nós por processos puramente<br />

anônimos ou quase anônimos,<br />

eu acho que é exatamente um<br />

dos maiores defeitos de certas concepções<br />

de apostolado com as quais<br />

nos debatemos.<br />

Tenho visto padres que têm, por<br />

exemplo, a concepção de que é um<br />

24


RomkeHoekstra (CC3.0)<br />

apostolado tenha plena pujança é<br />

necessário um contexto de relações<br />

inteiramente pessoais, que sirvam de<br />

instrumento para a graça de Deus.<br />

As coisas impessoais absolutamente<br />

não bastam.<br />

Se isso é verdade, precisamos reconhecer<br />

que aqueles que são objeto<br />

dessa ação apostólica devem se deixar<br />

influenciar. Mas se eles não se<br />

deixam influenciar, evidentemente a<br />

ação não realiza o seu fim.<br />

Dessa forma se demonstra que,<br />

mesmo dentro do firmamento da<br />

Igreja Católica, umas almas devem<br />

exercer mais influências e outras<br />

precisam ser mais influenciadas.<br />

É a ordem natural das coisas. Querer<br />

violar esta ordem é colocar-se fora<br />

da linha dos desígnios de Deus.<br />

Através dessa influência de caráter<br />

pessoal a alma é atraída. v<br />

Papa São Gregório VII - Igreja de São Bonifácio,<br />

Leeuwarden, Países Baixos<br />

(Extraído de conferência de<br />

setembro de 1956)<br />

grande apostolado construir uma<br />

igreja, numa paróquia qualquer, e<br />

pôr ali um sacerdote o qual começa<br />

a celebrar Missas, realizar casamentos,<br />

absolver; enfim, julgam que com<br />

o funcionamento sacramental e administrativo<br />

da paróquia o apostolado<br />

está feito.<br />

Que tudo isso é muito bom, não<br />

nego, até pelo contrário concordo<br />

inteiramente. Mas colocar numa<br />

igreja um padre qualquer, que trate<br />

anonimamente massas de povo<br />

que passam, é cair exatamente dentro<br />

dessa atmosfera de anonimato a<br />

qual devemos recusar. Porque ocasiona<br />

estas coisas que estamos fartos<br />

de ver: as igrejas se enchem aos domingos<br />

e o vigário, vendo ali um padre<br />

qualquer que veio do interior ou<br />

de outro Estado, lhe pergunta:<br />

— O que o senhor deseja?<br />

— Eu quero celebrar a Missa.<br />

— Está bem. Mas o senhor faz o<br />

sermão também?<br />

— Faço, pois não.<br />

Esse padre durante a Missa vai ao<br />

púlpito e profere o sermão. Ele não<br />

conhece ninguém que está na igreja,<br />

e os fiéis também não se conhecem.<br />

Terminada a celebração aquilo<br />

se dispersa. Esse tipo de relações impessoais<br />

está fora da ordem plena da<br />

Providência para a salvação eterna.<br />

A Providência pede uma coisa diferente<br />

disso.<br />

Dizem que nós estamos na época<br />

do apostolado dos leigos. Este, porém,<br />

não consiste em, por exemplo,<br />

mandar um qualquer percorrer dez<br />

colégios fazendo um incitamento para<br />

a Páscoa. Depois passa um padre<br />

em cada um desses estabelecimento<br />

e celebra a Missa, todos comungam<br />

e está feita a Páscoa. É uma coisa<br />

boa, mas ficar nisso não basta porque<br />

não realiza o objetivo.<br />

Deus age sobre umas pessoas por<br />

meio de outras e pessoalmente consideradas.<br />

Para que a eficácia do<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1950<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

25


Samuel Holanda<br />

C<br />

alendário<br />

Santa Paula<br />

1. Solenidade da Santa Mãe de<br />

Deus, Maria.<br />

Beato Valentim Paquay, presbítero<br />

(†1905). Religioso franciscano falecido<br />

em Hasselt, Bélgica. Deu exemplo<br />

de caridade na pregação, no confessionário<br />

e na devoção ao Santo Rosário.<br />

2. Santos Basílio Magno (†379) e<br />

Gregório Nazianzeno (†c. 389), bispos<br />

e Doutores da Igreja. Ver página 2.<br />

São Teodoro, bispo (†594). Por ter<br />

se empenhado em estabelecer a disciplina<br />

eclesiástica, foi perseguido pelos<br />

reis Childeberto e Gontrano. Morreu<br />

em Marselha, França.<br />

3. Solenidade da Epifania do Senhor<br />

(no Brasil, transferida do dia 6).<br />

Santíssimo Nome de Jesus.<br />

Santa Genoveva, virgem (†c. 500).<br />

Por conselho de São Germano, aos 15<br />

anos tomou o véu das virgens consagradas.<br />

Confortou os habitantes de Paris<br />

aterrados pelas incursões dos hunos<br />

e socorreu seus concidadãos em tempos<br />

de carestia.<br />

4. Beato Manuel González García,<br />

bispo (†1940). Promoveu a difusão do<br />

dos Santos – ––––––<br />

culto da Santíssima Eucaristia nas Dioceses<br />

de Málaga e Palência, Espanha, e<br />

fundou a Congregação das Irmãs Missionárias<br />

Eucarísticas de Nazaré.<br />

5. São João Nepomuceno Neumann,<br />

bispo (†1860). Religioso redentorista<br />

que, como Bispo de Filadélfia,<br />

Estados Unidos, empenhou-se<br />

em dar assistência aos imigrantes pobres<br />

e formação cristã às crianças.<br />

6. São Carlos de Sezze, religioso<br />

(†1670). Irmão leigo franciscano, destacou-se<br />

por sua piedade eucarística.<br />

7. São Raimundo de Penyafort,<br />

presbítero (†1275).<br />

São José Tuân, mártir (†1862). Pai<br />

de família e agricultor, morreu degolado<br />

em An Bai, Vietnã, por se ajoelhar<br />

diante de um crucifixo, ao invés<br />

de calcá-lo aos pés.<br />

8. Santa Gudélia, virgem (†c. 712).<br />

Dedicou-se, em sua casa em Moorsel,<br />

Bélgica, às obras de caridade e à oração.<br />

9. Beata Maria Teresa de Jesus Le<br />

Clerc, virgem (†1622). Fundou com<br />

São Pedro Fourier a Congregação das<br />

Cônegas Regulares de Nossa Senhora,<br />

sob a Regra de Santo Agostinho,<br />

em Nancy, França.<br />

10. Batismo do Senhor.<br />

São Paulo de Tebas, eremita (†s. IV).<br />

11. São Tomás de Cori, presbítero<br />

(†1729). Sacerdote franciscano italiano,<br />

célebre pela sua pregação e vida<br />

austera. Exerceu seu apostolado em<br />

Subiaco e dioceses circunvizinhas.<br />

12. São Bento Biscop, abade (†c. 690).<br />

13. Santo Hilário de Poitiers, bispo<br />

e Doutor da Igreja (†367).<br />

São Godofredo, religioso (†1127).<br />

Conde de Kappenberg, Alemanha, decidiu<br />

tomar o hábito premonstratense,<br />

por influência de São Norberto.<br />

14. Beato Pedro Donders, presbítero<br />

(†1887). Religioso redentorista<br />

holandês que durante quarenta e cinco<br />

anos exerceu seu apostolado junto<br />

aos escravos, aos leprosos e aos índios,<br />

no Suriname.<br />

15. Santo Arnaldo Janssen, presbítero<br />

(†1909). Sacerdote alemão, fundador<br />

da Sociedade do Verbo Divino,<br />

da congregação das Missionárias Servas<br />

do Espírito Santo e a das Servas do<br />

Espírito Santo da Adoração Perpétua.<br />

16. São José Vaz, presbítero (†1711).<br />

Religioso da Congregação do Oratório<br />

de origem indiana, evangelizou o Sri<br />

Lanka e traduziu o Evangelho para os<br />

dialetos tâmil e cingalês.<br />

17. II Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Antão, abade (†356).<br />

São Fabiano<br />

Flávio Lourenço<br />

26


––––––––––––––––– * Janeiro * ––––<br />

Augusto D.<br />

Beato Gamelberto, presbítero<br />

(†c. 802). Empregou todos os seus<br />

bens na fundação do mosteiro de<br />

Metten, Alemanha.<br />

18. Beata Regina Protmann, virgem<br />

(†1613). Movida pelo amor aos pobres,<br />

fundou em Braniewo, Polônia, a Congregação<br />

das Irmãs de Santa Catarina.<br />

19. São Macário Magno, presbítero<br />

e abade (†c. 390). Durante mais de<br />

cinquenta anos viveu como eremita<br />

no deserto. Reunindo vários discípulos,<br />

constituiu no Egito o mosteiro de<br />

Scete (Wadi El Natrun).<br />

20. São Fabiano, Papa e mártir (†250).<br />

São Sebastião, mártir (†s. IV).<br />

Beato Cipriano Iwene Tansi, presbítero<br />

(†1964). Religioso cisterciense,<br />

nascido em Onitsha, Nigéria. Abraçou<br />

a Fé contra a vontade de seus<br />

pais, ordenou-se sacerdote e tornou-<br />

-se religioso na Abadia de Mount<br />

Saint Bernard, Inglaterra.<br />

21. Santa Inês, virgem e mártir<br />

(†s. III/IV).<br />

Beatos João Batista Turpin du<br />

Cormier e treze companheiros, mártires<br />

(†1794). Guilhotinados em Laval,<br />

durante a Revolução Francesa, por<br />

sua Fé Católica.<br />

22. São Vicente, diácono e mártir<br />

(†304).<br />

São Vicente Pallotti, presbítero<br />

(†1850). Fundou em Roma a Sociedade<br />

do Apostolado Católico. Com suas<br />

obras e escritos, estimulou a vocação<br />

Restos mortais de São João Neumann<br />

de todos os batizados para trabalhar<br />

generosamente pela Igreja.<br />

23. Santo André Chong Hwa-<br />

-gyong, catequista e mártir (†1840).<br />

Para auxiliar o Bispo, São Lourenço<br />

Imbert, fez da sua casa refúgio de<br />

cristãos e por isso foi flagelado e enforcado<br />

na prisão, em Seul, Coreia.<br />

24. III Domingo do Tempo Comum.<br />

São Francisco de Sales, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†1622).<br />

São Feliciano de Foligno, bispo<br />

(†c. séc. III). Evangelizador da região<br />

da Úmbria, Itália, da qual foi o primeiro<br />

Bispo.<br />

25. Conversão de São Paulo, Apóstolo.<br />

Ver página 28.<br />

Beato Manuel Domingo y Sol,<br />

presbítero (†1909). Fundou em Tortosa,<br />

Espanha, a Sociedade dos Sacerdotes<br />

Operários do Coração de Jesus.<br />

26. São Timóteo e São Tito, Bispos.<br />

Santa Paula, viúva (†404). Viúva romana<br />

que foi viver com sua filha, Santa<br />

Júlia Eustóquio, em um mosteiro por ela<br />

fundado próximo a Belém da Judeia.<br />

27. Santa Ângela Mérici, virgem<br />

(†1540).<br />

Beato Paulo José Nardini, presbítero<br />

(†1862). Sacerdote da Diocese de<br />

Speyer, Alemanha, fundador da Congregação<br />

das Irmãs Franciscanas da<br />

Sagrada Família.<br />

28. São Tomás de Aquino, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†1<strong>274</strong>).<br />

Santa Gudélia<br />

Beata Olímpia Bidà, virgem e mártir<br />

(†1952). Religiosa ucraniana da Congregação<br />

das Irmãs de São José, presa<br />

no campo de concentração de Kharsh,<br />

Sibéria, onde suportou toda espécie de<br />

tormentos por amor a Cristo.<br />

29. Beato Bronislau Markiewicz,<br />

presbítero (†1912). Sacerdote salesiano,<br />

fundador da Congregação de São<br />

Miguel Arcanjo. Morreu em Miejsce<br />

Piastowe, Polônia.<br />

30. Santa Jacinta Mariscotti, virgem<br />

(†1640). Religiosa da Ordem<br />

Terceira Franciscana falecida em Viterbo,<br />

Itália. Após passar quinze anos<br />

nos prazeres mundanos, abraçou uma<br />

vida austera e promoveu irmandades<br />

para assistência dos idosos e adoração<br />

da Santíssima Eucaristia.<br />

31. IV Domingo do Tempo Comum.<br />

São João Bosco, presbítero (†1888).<br />

Santo Eusébio, monge (†884). Religioso<br />

da Abadia de São Galo, Suíça,<br />

natural da Irlanda, que depois se retirou<br />

para o Monte São Vítor, na Áustria,<br />

e ali viveu como eremita.<br />

Flávio Lourenço<br />

27


Hagiografia<br />

Gabriel K.<br />

O Apóstolo das Gentes<br />

O zelo, ardor, perspicácia, constância e<br />

destemor que o Apóstolo possuía pelo<br />

judaísmo, após sua conversão, ele aplicou<br />

pela Igreja com dedicação incondicional.<br />

A vida apostólica de São Paulo, um<br />

verdadeiro prodígio e assombro, é uma<br />

prova constante e cabal dessa afirmação.<br />

São Paulo é o modelo da argúcia,<br />

intrepidez, capacidade de<br />

realização, postas ao serviço do<br />

apostolado. Depois do Príncipe dos<br />

Apóstolos, ninguém o excedeu, em<br />

nenhum sentido, entre os que evangelizaram<br />

o mundo.<br />

As virtudes desse grande Santo<br />

têm uma atualidade perene na Igreja,<br />

que o honra de todos os modos. Um<br />

esplêndido monumento em seu louvor<br />

é a grandiosa Basílica de São Paulo,<br />

construída em Roma, da qual nosso<br />

clichê fixa um aspecto.<br />

Sejam o seu exemplo e as suas<br />

preces um auxílio para que os católicos<br />

do século XX, e especialmente<br />

os desta sua arquidiocese, se esmerem<br />

mais e mais no serviço da Igreja.<br />

O que mais chama a nossa atenção<br />

na vida de São Paulo é a sua decisão,<br />

sua atitude integral diante de<br />

um ideal. Quando o Apóstolo quer<br />

alguma coisa, ele a quer deveras. Vive<br />

integralmente por um ideal, e tudo<br />

é sacrificado por sua realização.<br />

O perseguidor da Igreja<br />

Enquanto moço em Jerusalém, o<br />

ideal de sua vida era o judaísmo, e é no<br />

Cristianismo que ele descobre o seu inimigo<br />

mais perigoso. Sem medir fadigas,<br />

dedica-se então a extirpar pela raiz<br />

esse inimigo. É um entusiasta! Não de<br />

um entusiasmo platônico e gesticulador<br />

que nada vale, e sim de um entusiasmo<br />

interior e profundo que constantemente<br />

se traduz em atos: “Saulo,<br />

respirando ameaças e morte contra os<br />

discípulos do Senhor.” E como tal era<br />

conhecido até em Damasco, duzentos<br />

e cinquenta quilômetros distante de Jerusalém.<br />

Ele mesmo escreve aos Gálatas<br />

(1, 13): “Certamente ouvistes dizer<br />

do meu modo de vida de outrora<br />

no judaísmo, com que excesso eu perseguia<br />

a Igreja de Deus e a expugnava.<br />

E avantajava-me no judaísmo a muitos<br />

dos meus companheiros de idade e<br />

nação, extremamente zeloso das tradições<br />

de meus pais.”<br />

Um entusiasmo sadio e verdadeiro<br />

traduz-se em obras e São Paulo<br />

entrega-se deveras à perseguição da<br />

Igreja: “Respirando ameaças e morte…”<br />

Espírito perspicaz e de vistas<br />

largas, ele compreende logo que<br />

a extirpação eficiente deve começar<br />

nos grandes centros de irradiação<br />

mundial. A cidade de Damasco, para<br />

Imagem de São Paulo na entrada<br />

da Basílica a ele dedicada, Roma<br />

onde fugiram muitos cristãos, é um<br />

tal centro perigoso. E como vive inteiramente<br />

para o seu ideal, não mede<br />

esforços nem perigos, não quer<br />

saber de medidas incompletas e pusilânimes,<br />

e espontaneamente se dirige<br />

ele mesmo a Damasco, viagem<br />

de mais ou menos uma semana, a<br />

28


Gabriel K.<br />

fim de “levar presos para Jerusalém<br />

a quantos homens e mulheres achasse<br />

seguindo essa doutrina” (At 9, 1).<br />

Com o mesmo zelo entregouse<br />

ao novo ideal<br />

Interior da Basílica de São Paulo, Roma<br />

sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl<br />

2, 20). Textos que provam seu amor,<br />

sua identificação com o ideal da sua vida:<br />

Cristo. Tudo está subordinado a este<br />

ideal, e enumerando, por exemplo,<br />

seus honrosos títulos de judeu escreve:<br />

“Tudo isto tenho por perdas pelo eminente<br />

conhecimento de Jesus Cristo,<br />

meu Senhor, pelo qual tenho tudo perdido<br />

e eu avalio por esterco, a fim de<br />

ganhar a Cristo” (Fl 3, 8).<br />

É desta fibra que se fazem os grandes<br />

apóstolos, os heróis de Jesus Cristo.<br />

Outro característico digno de nota é<br />

que São Paulo soube unir a espontaneidade<br />

e o ardor da sua alma a um raciocínio<br />

severo e uma dialética rigorosa.<br />

“E eu me fiz tudo para todos...” (1<br />

Cor 9, 22). Mais outro belo característico<br />

do grande Apóstolo, também muito<br />

pronunciado, é a sua bondade, a delicadeza<br />

para com os que o rodeiam.<br />

A sua compaixão para com os que sofrem.<br />

Com quanto interesse e dedicação<br />

ele cumpre a sua missão de angariar<br />

esmolas para os pobres de Jerusalém<br />

e da Palestina! (cf. Rm 15, 25; 1 Cor<br />

16, 1 ss; 2 Cor, 8-9). Com quanto engenho<br />

ele inventa piedosos artifícios para<br />

aumentar estas coletas pelos pobres!<br />

Convertido ao Cristianismo, São<br />

Paulo devia tornar-se um grande<br />

Apóstolo. Mudou de ideal, mas não<br />

de mentalidade e caráter e com o<br />

mesmo entusiasmo produtivo procura<br />

a realização de seu novo ideal:<br />

Cristo. O mesmo zelo, ardor, perspicácia,<br />

constância, destemor. As<br />

mesmas medidas completas e enérgicas,<br />

o mesmo gosto pelo essencial<br />

que de preferência o faz procurar os<br />

grandes centros de irradiação mundial.<br />

A mesma dedicação incondicional.<br />

A vida apostólica de São Paulo,<br />

um verdadeiro prodígio e assombro,<br />

é uma prova constante e cabal dessa<br />

afirmação.<br />

“Para mim, viver é Cristo...”<br />

Com esta mentalidade, purificada<br />

ainda pela graça, vive perpetuamente<br />

com o ideal “Cristo” diante de seus<br />

olhos. Mais ou menos trezentas e trinta<br />

vezes aparece o nome de Jesus nas suas<br />

epístolas. Sem a menor hesitação escreve:<br />

“Para mim, viver é Cristo...” (Fl<br />

1, 21). Ou então: “Eu vivo, mas já não<br />

Saulo a caminho de<br />

Damasco - Igreja<br />

de São Paulo,<br />

Zaragoza, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

29


Hagiografia<br />

Flávio Lourenço<br />

Jesus aparece<br />

a Saulo - Museu<br />

de Belas Artes,<br />

Valência, Espanha<br />

Acha tempo, no ardor das lides<br />

apostólicas, para escrever uma bela e<br />

delicada carta de recomendação em<br />

favor de um pobre escravo fugitivo,<br />

pedindo que o senhor novamente o<br />

aceite com bondade e espírito de perdão,<br />

sem os castigos de costume. Também<br />

não recua em granjear o próprio<br />

sustento com o trabalho de suas mãos<br />

a fim de não incomodar a ninguém.<br />

É com grande delicadeza que trata<br />

dos fiéis de todos os lugares. Com<br />

uma fineza admirável sabe descobrir<br />

as boas qualidades dos homens, elogiando-os<br />

alegremente na prática do<br />

bem. Em cada carta aparecem os traços<br />

inconfundíveis desta bondade e<br />

lhaneza de trato. Com grande instância<br />

recomenda sejam seus colaboradores<br />

bem tratados nas igrejas, e com<br />

muita e santa alegria, toma nota dos<br />

bons resultados por eles alcançados.<br />

Numa palavra, todos os que entravam<br />

em contato com o grande Apóstolo,<br />

do maior ao menor, sabiam e sentiam<br />

constantemente que São Paulo se<br />

interessava por eles, que não eram para<br />

o Apóstolo um mero número, que<br />

ele se lembrava todos os dias de cada<br />

um, até do mais humilde, que São<br />

Paulo jamais se esquecia de um serviço<br />

prestado, fosse à sua própria pessoa<br />

ou aos seus. Todos enfim percebiam<br />

que São Paulo era um verdadeiro amigo,<br />

um pai para cada um.<br />

Assim também compreendemos<br />

que, dando vazas aos seus sentimentos<br />

de amor, São Paulo escrevesse a<br />

frase quase incompreensível: “Porque<br />

eu mesmo desejara ser anátema<br />

por amor de meus irmãos que são os<br />

meus parentes segundo a carne, os<br />

israelitas” (cf. Rm 9, 3). E enumerando<br />

os seus trabalhos e fadigas pela<br />

causa de Cristo, compreendemos<br />

que em último e mais importante lugar<br />

enumere os seus cuidados de pai.<br />

“E isto sem contar o mais: a minha<br />

preocupação cotidiana, a solicitude<br />

que tenho por todas as igrejas” (2<br />

Cor 11, 28).<br />

v<br />

(Extraído de O Legionário n. 702,<br />

20/1/1946)<br />

Flávio Lourenço<br />

São Paulo, cego, sendo conduzido a Damasco - Museu de Belas Artes, Lille, França<br />

30


Luzes da Civilização Cristã<br />

Leandro W.<br />

Intimidade que convida<br />

o espírito a se elevar<br />

O estilo burguês, sem levar<br />

diretamente à oração, cria as<br />

condições para o espírito ter<br />

vontade de rezar e sentir-se<br />

bem quando reza. Nele a arte<br />

procura exprimir o bom senso,<br />

o pudor, o recato, a estabilidade,<br />

a continuidade, o equilíbrio das<br />

coisas bem ordenadas desta Terra,<br />

e a criação de uma ordem de coisas<br />

que mais permite ao espírito<br />

humano elevar-se ao mais alto<br />

do que propriamente o eleva.<br />

Creio que em nenhum país do mundo a vida burguesa,<br />

no que ela tem de legítimo e digno, atingiu<br />

graus de desenvolvimento como na Alemanha e,<br />

com ela, o incremento de um valor característico da ordem<br />

burguesa, sem o qual não se compreende o que é a<br />

aristocracia.<br />

O espírito aristocrático e o burguês<br />

Enquanto a tendência para os píncaros e de se servir<br />

dos valores culturais para considerar continuamente o<br />

mais elevado é peculiar ao espírito aristocrático, e estabelece<br />

junção entre este e o espírito religioso; no espírito<br />

Rothemburg,<br />

Alemanha<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Pedro Morais<br />

Catedral de Colônia<br />

burguês, a arte procura exprimir o bom senso, o pudor,<br />

o recato, a estabilidade, a continuidade, o equilíbrio das<br />

coisas bem ordenadas desta Terra, e a criação de uma<br />

ordem que mais permite ao espírito humano elevar-se ao<br />

mais alto do que propriamente o eleva.<br />

Por exemplo, a Catedral de Colônia é um edifício eminentemente<br />

aristocrático. Ela eleva o espírito humano a<br />

tudo quanto há de mais alto.<br />

Já uma casa alemã burguesa, apesar até de ter seu teto<br />

em forma de cone, não se pode dizer que eleva o espírito<br />

humano ao mais alto. Ela cria condições para que<br />

ele se eleve por si, mas é uma coisa diferente.<br />

Ambiente que convida à intimidade<br />

Analisemos, por exemplo, algumas construções alemãs<br />

tipicamente burguesas, uma delas utilizada provavelmente<br />

para a prefeitura ou outro órgão público, o que<br />

se nota por causa do brasão e do relógio, característicos<br />

de edifícios desse gênero. O estilo é típico das pequenas<br />

cidades burguesas, incontáveis na Alemanha medieval,<br />

muitas das quais ainda se conservam hoje.<br />

Vê-se uma casa mais ou menos da mesma época, inteiramente<br />

coadunada com a prefeitura, e, no fundo, uma<br />

igreja barroca, mas que ainda tem o caráter modesto<br />

burguês, de uma igreja de pequena localidade, não como<br />

uma catedral de uma importante cidade como Colônia,<br />

prestigiosíssima metrópole cultural de todo o Reno.<br />

A parte térrea da residência forma uma espécie de<br />

hall aberto solidamente sustentado por um madeirame<br />

trabalhado discretamente, mas com uma certa distinção<br />

de linhas. Vê-se o corpo do edifício, e duas saliências<br />

que se projetam sobre a rua. Há mais um andar em cima<br />

e advinha-se que lá há guardados objetos de toda ordem,<br />

como cadeiras velhas da bisavó, empilhados ali em<br />

quantidade. É o sótão onde, ademais, mora a criada...<br />

Procuremos com a vista da imaginação penetrar janela<br />

adentro. Têm-se uma sensação condizente com a vida<br />

burguesa, mas que não se experimenta no estilo aristocrático:<br />

a intimidade.<br />

A vida aristocrática não convida à intimidade, mas a<br />

um perpétuo estadear magnífico de si mesmo, produzindo<br />

uma naturalidade no esplendor. O verdadeiro aristocrata<br />

é inteiramente natural dentro do esplendor, mas<br />

não tem intimidade. Esta encontra-se em uma casa burguesa.<br />

Imaginemos dentro da sala um armário onde guardam<br />

a roupa de ir para a festa, mas quando chegam em<br />

casa dão um suspiro de alívio, tiram o sapatão, a roupa<br />

que apertava, sentam-se numa cadeirona macia, esticam-se:<br />

“Enfim, em casa!”<br />

É o gosto da intimidade, do móvel cômodo, do ar tépido,<br />

da luz tamisada que não deixa entrar a realidade de<br />

fora, do cortinadinho, dos objetos próximos uns dos outros<br />

e ao alcance da mão, em que o homem descansa do<br />

trabalho manual.<br />

Pormenores do ambiente e da<br />

intimidade do lar burguês alemão<br />

Nada disso é necessário para o aristocrata. Pelo contrário,<br />

vamos supor que ele está junto à mesa, toca uma<br />

sineta e manda o criado pegar um livro. Não se pode pedir<br />

isto a um homem como o burguês que trabalhou o<br />

dia inteiro, e que quando tem um livro, que é uma grossa<br />

Bíblia, já a tem ao alcance da mão. Onde está o criado?<br />

Está a mulher, que quando o marido a solicita muito,<br />

resmunga com uma pitoresca rabugice burguesa...,<br />

de maneira que não é bom mexer muito com ela, pois<br />

também trabalhou o dia inteiro.<br />

Percebe-se uma coisa curiosa: quem está dentro desse<br />

ambiente sente-se a uma légua da rua. A residência é<br />

construída de modo a constituir uma atmosfera completamente<br />

diferente, dentro da qual o ruído da rua não penetra.<br />

A pessoa está na intimidade de um ambiente que<br />

ela marca e onde ela sente até um pequeno gozo.<br />

32


Quando chega o verão, à boa maneira alemã,<br />

abre-se a janela, põem-se pedacinhos de pão e vão<br />

os passarinhos comer, e o alemão fica todo contente.<br />

Ou, então, coloca um pote com gerânio pendurado<br />

ao lado de fora para o concurso de flores da<br />

prefeitura. Precisa ganhar o prêmio, porque é muito<br />

bonito.<br />

Comento com delícias as construções do mundo<br />

alemão, porque acho tudo isso maravilhoso.<br />

Ermell (CC3.0)<br />

Os regalos da vida burguesa<br />

e convite ao recolhimento<br />

O que isso tem de ver com a contemplação?<br />

É o lar sem pretensões, honesto, da família legítima,<br />

constituída segundo os Sacramentos. É<br />

a casa onde o refulge o modesto esplendor da vida<br />

de família, que está longe de ser o do celibato<br />

na vida religiosa ou o da aristocracia, mas um esplendor<br />

próprio que se manifesta com o seu prosaísmo.<br />

É a dignidade do corriqueiro, onde a pessoa<br />

pode recolher-se, isolar-se e, dando repouso<br />

e silêncio ao corpo, começar a meditar. Não é o<br />

conforto do preguiçoso que se afunda numa poltrona<br />

e torna-se amolecido. Não é isso. Tudo é<br />

mais varonil e, por isso, dessas casas, em épocas<br />

de guerra, saem os melhores guerreiros do mundo.<br />

Em tempos de paz, comedores de pão, tocadores<br />

de flauta e violino.<br />

Há, portanto, uma harmonia que convida ao recolhimento,<br />

à oração. Num ambiente como esses, uma pessoa<br />

sentada em uma sala ou ajoelhada num oratório, pode<br />

Antiga Câmara Municipal de Bamberg, junto ao Rio Regnitz<br />

isolar-se de tudo. Assim, essas casas, sem levarem diretamente<br />

à oração, criam as condições para o espírito ter<br />

vontade de rezar e sentir-se bem quando reza. Aí estão<br />

os regalos da intimidade e da vida burguesa.<br />

Vista de Bamberg,<br />

Alemanha<br />

Ermell (CC3.0)<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Heidas (CC3.0)<br />

O espírito de cruz<br />

Não posso terminar esse comentário sem uma bofetada<br />

na Revolução.<br />

A Revolução diz: “O pobre plebeu, esmagado...” Se for<br />

para gozar a vida, eu acho discutível o que é melhor, se<br />

é essa vida numa casa burguesa ou em um palácio. Passar<br />

num palácio quinze dias pode ser muito agradável.<br />

Será igualmente agradável viver a vida inteira nele, numa<br />

contínua representação, numa perpétua ostentação?<br />

Nunca sustentei que o palácio fosse o melhor lugar para<br />

gozar a vida. O gozo da vida, mais na proporção do homem,<br />

é o do burguês da Idade Média. Palácio corresponde<br />

a sacrifício. Parece-me indispensável termos isso em vista.<br />

Na casa burguesa pode haver espírito de cruz. Em certo<br />

sentido, o palácio é uma cruz para o indivíduo que mora<br />

nessa casa e não se dá bem conta de como é o palácio,<br />

pois ele precisa ter muita resignação para não residir e<br />

não invejar quem resida no palácio. Por outro lado, essa<br />

própria vida que estou descrevendo com todo o seu conforto<br />

comporta um lado de trabalho muito duro. De maneira<br />

que não é a casa, mas na vida de trabalho duro do<br />

burguês que entra a cruz.<br />

A patriarcalidade do espírito alemão<br />

Praça do mercado em Hildesheim, Alemanha<br />

Histórica Cervejaria Schlenkerla, desde<br />

1405, Bamberg, Alemanha<br />

Consideremos agora uma praça pública de uma cidade<br />

alemã, já de um certo desenvolvimento, como Frankfurt.<br />

Vê-se uma fonte em estilo rococó, uma grade bonita,<br />

flores maravilhosas que ninguém rouba e nenhum moleque<br />

acha bonito escangalhá-las durante a noite e voltar<br />

com riso de bandido de oito anos para casa, contando<br />

que estraçalhou tudo quanto viu.<br />

O edifício da prefeitura se prestava à maior solenidade<br />

do Sacro Império. Tudo dentro dele é lindíssimo, soleníssimo.<br />

Há um soalho tão precioso que só se entra no<br />

prédio com chinelos de feltro enormes que cobrem os sapatos<br />

para não o estragar.<br />

Do terraço, o Imperador recém-eleito aparecia para o povo,<br />

jogava moedas de ouro e começava a tocar um sininho<br />

que logo depois dava origem ao repicar de todos os sinos da<br />

cidade, anunciando que a Cristandade tinha um novo chefe.<br />

A monarquia alemã era de um fausto, de uma glória<br />

extraordinária, mas conservou sempre uma nota patriarcal<br />

que a monarquia francesa não tinha. Mesmo<br />

São Luís IX, sentado num trono debaixo do carvalho de<br />

Vincennes, julgando, não tinha no seu perfil espiritual<br />

algo que é a síntese de todas as classes sociais. Ele era<br />

um aristocrata que se aproximava do povo.<br />

Os Imperadores do Sacro Império e os da Casa d’Áustria<br />

não eram a culminância da ordem social afável para com o<br />

povo, mas eram uma espécie de síntese de todas as classes,<br />

por onde a monarquia austríaca, mais esplendorosa do que<br />

a francesa por vários lados, comportava cenas como essas:<br />

Século XVIII, a Imperatriz Maria Teresa está no teatro,<br />

Ópera de Viena, soleníssima, e recebe a notícia de<br />

que havia nascido o filho de seu filho mais velho. Ela faz<br />

um sinal, interrompe a orquestra e grita para o povo:<br />

— José teve um filho!<br />

Asio otus (CC3.0)<br />

34


Thomas Wolf (CC3.0)<br />

Prefeitura de Frankfurt<br />

Todo mundo se levanta, aplaude e aclama:<br />

— Viva a Imperatriz e viva o novo Arquiduque!<br />

Tudo numa espécie de intimidade que nós não vemos<br />

Maria Antonieta, austríaca afrancesada, ter. E se ela tivesse<br />

nem ficaria bem para ela.<br />

A um povo compete dizer: “José teve um filho!”; a outro,<br />

aparecer no balcão do Castelo um arauto precedido<br />

por alabardeiros, e que bate três vezes no chão com uma<br />

lança e diz: “Nós temos a honra e a alegria de vos anunciar<br />

que a muito alta e poderosa Princesa foi agraciada<br />

por Deus Nosso Senhor com o nascimento de um Delfim!”,<br />

e faz uma grande reverência. São estilos, cada um<br />

tem sua razão de ser e sua beleza.<br />

Variedade nascida da Igreja<br />

Tenho toda a compreensão e admiração para com o estilo<br />

austríaco e sua beleza. O Imperador jogava desse terraço<br />

ouro para o povo e pouco depois começavam os festejos. As<br />

fontes eram preparadas de maneira a jorrar não água ordinária,<br />

mas vinho. Por conta do novo Imperador, eram trazidos<br />

para a praça pública bois inteiros que eram assados.<br />

O povo começa a dançar. Estava preparado um monte de<br />

trigo, e o Imperador devia sair correndo a cavalo com um<br />

recipiente na mão e enchê-lo com aquele trigo. O povo todo<br />

aplaudia porque o Soberano provara ser bom cavaleiro.<br />

Assim, transcorria essa solenidade, entre festejos<br />

quase infantis, pois o bom alemãozão é um pouco infantilzão.<br />

Mas nisso entra também o melhor do sabor dos<br />

pães que ele faz e dos gerânios que ele cultiva, uma coisa<br />

um pouco infantil, um pouco popular, muito guerreira,<br />

sumamente aristocrática, em todo caso metafísica, mas<br />

que é diferente da frieza azul e ouro das plumas, das se-<br />

das e do esplendor de Versailles. São riquezas diversas<br />

que nos ajudam a amar a Igreja Católica na variedade<br />

das almas que ela produziu.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 10/6/1968)<br />

Detalhe da fonte na Praça da<br />

Prefeitura de Frankfurt<br />

Pedro (CC3.0)<br />

35


Flávio Lourenço<br />

Bodas de Caná<br />

Catedral de Le<br />

Mans - França<br />

Fé que transporta montanhas<br />

No episódio das Bodas de Caná, colocada diante da necessidade de um milagre, a Santíssima Virgem não teve<br />

dúvida alguma nem quanto ao poder de seu Divino Filho, nem de que Ele atenderia sua oração. Ela Se<br />

limitou simplesmente a dizer àqueles servidores: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Jesus ordenou,<br />

ato contínuo, e o milagre se operou.<br />

Nossa Senhora nos dá, pois, exemplo da Fé que transporta montanhas, através da qual se operam as verdadeiras<br />

maravilhas.<br />

Se ao longo de nossa vida de apostolado nos encontrarmos em situações de tal apuro que se faça necessário um milagre<br />

de primeira grandeza, como a transmutação da água em vinho, devemos esperá-lo, confiantes na intervenção<br />

divina como Maria Santíssima confiou à vista do apuro daqueles esposos. É desta ordem a confiança que devemos<br />

ter na intercessão de Nossa Senhora.<br />

(Extraído de conferência de 1951)

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