Gestão Hospitalar N.º 24 2021
#gestão em saúde, por Vasco Reis Homenagem Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração” Testemunhos de familiares e amigos Saúde Global Portugal na saúde global A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19 Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais? SNS: e agora para algo completamente diferente Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório A farmacogenética na prática clínica Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria? Liderança Digital: ENESIS 2020-22
#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
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JANEIRO FEVEREIRO MARÇO <strong>2021</strong><br />
Edição Trimestral<br />
N<strong>º</strong> <strong>24</strong><br />
GESTÃO<br />
HOSPITALAR<br />
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA aSSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES<br />
vasco reis<br />
1942-<strong>2021</strong>
GH cabeça<br />
TÍTULO<br />
novo<br />
GH SUMÁRIO<br />
janeiro fevereiRO marçO <strong>2021</strong><br />
4<br />
Editorial<br />
#gestão em saúde, por Vasco Reis<br />
6<br />
Homenagem<br />
Vasco Reis: “A inoculação do bichinho da saúde teve como<br />
instrumento a administração”<br />
GESTÃO<br />
HOSPITALAR<br />
12<br />
Homenagem<br />
Testemunhos de familiares e amigos<br />
Autor<br />
Cargo<br />
NAlictem. Et eostibus volesecatur as a<br />
ide dolorerfero consequia debis des<br />
am hicium nos preptatquo vel esto tem<br />
aut latquam, iur, omnim is porit eos re<br />
vendipieni vel iducimusapit ut utam vent<br />
utem dignam accabor eptatem quam et ute non re molor<br />
sandam et haribus aboribus.<br />
Debitas utemolu ptaspie ntibus molesci mintius si dit,<br />
necus et officid emperibus, con eatusam volorum quidusam<br />
abore cus dolorem aceperibus, quaerrum aut<br />
qui con reprovid que poresti ut aut lictota turiam ra<br />
cum repellabo. Aperum accum eatissi ncilla sam, ium<br />
res sam voluptae pa cones doluptatus nimillor rerisciae.<br />
Gentibu sandae molum, quident quo qui autent de in<br />
prate demporro tempore stiuntem nimus et doluptaque<br />
con et voles consequis nescius, eost ipsae corum<br />
reptatquae sa solupta eperum, odipsum estrum si dolor<br />
modi comnimporia sum, sitaectiat platuri tasseque es a<br />
si tecae eatur audam laut doluptatur sum quiatur, accatur,<br />
odit dipsum et volorum reiur, ut laccatem ut denditio<br />
moluptaquas atuscipsam ad eum iunt rem voluptate<br />
maximil lesenim agnatur, velitat adiorroviti tecture ptasitiae<br />
eostrume nem quo ius et volorem aciis nonsed<br />
eum vene veni beario ipsus mos eatumquo et dolum<br />
re, sequaturere nulpa inctum faccumq uaeritatesti autat<br />
fuga. Ut officia nossi aut ut faccabo ribusae eatur, cus<br />
escium voloruptas ab iunt eaqui omnime quatia dolor<br />
ad ut as quam facepe mo blaccabo. Ibus qui culpa aut<br />
aliquos utempore laccum et maxim res nat eaquaec<br />
aborporaes sum rest, sam fuga. Axim consecu llendunt<br />
landi officimos et in pa voluptae laborrum fuga. Con est<br />
rero imin re pariam qui ommodi conserovit, consequia<br />
porum quat ea que et a consed unto inctem ea volectecerro<br />
omnim venis et molorro voles nonestiVelicae.<br />
Ovitio veliatur, temolut dollique volorio. Ita dis quidebis<br />
PROPRIEDADE<br />
APAH - Associação Portuguesa<br />
de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />
Parque de Saúde de Lisboa Edíficio, 11 - 1<strong>º</strong> Andar<br />
Avenida do Brasil, 53<br />
1749-002 Lisboa<br />
secretariado@apah.pt<br />
www.apah.pt<br />
DIRETOR<br />
Alexandre Lourenço<br />
DIRETORA-ADJUNTA<br />
Bárbara Sofia de Carvalho<br />
COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />
Catarina Baptista, Miguel Lopes<br />
COORDENAÇÃO TÉCNICA<br />
Alexandra Santos, Sofia Marques<br />
EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO<br />
Bleed - Sociedade Editorial e Organização<br />
de Eventos, Ltda<br />
Av. das Forças Armadas, 4 - 8B<br />
1600 - 082 Lisboa<br />
Tel.: 217 957 045<br />
info@bleed.pt<br />
www.bleed.pt<br />
PROJETO GRÁFICO<br />
Sara Henriques<br />
DISTRIBUIÇÃO<br />
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Trimestral<br />
DEPÓSITO LEGAL N.<strong>º</strong><br />
16288/97<br />
ISSN N.<strong>º</strong><br />
0871- 0767<br />
TIRAGEM<br />
6.000 exemplares<br />
IMPRESSÃO<br />
Grafisol, Lda<br />
Rua das Maçarocas<br />
Abrunheira Business Center, 3<br />
2710-056 Sintra<br />
Esta revista foi escrita segundo as novas regras<br />
do Acordo Ortográfico<br />
Estatuto Editorial disponível em www.apah.pt<br />
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98<br />
104<br />
Saúde Global<br />
Portugal na saúde global<br />
Estudo<br />
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura<br />
sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação<br />
Voz do Cidadão<br />
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19<br />
Espaço ENSP<br />
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde<br />
no contexto da pandemia<br />
Direito Biomédico<br />
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono:<br />
fazendo justiça durante e além da emergência da Covid<br />
Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence<br />
Monitorização Covid-19<br />
Saúde Pública<br />
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente<br />
Comunicação em saúde<br />
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão<br />
dos hospitais?<br />
Opinião<br />
SNS: e agora para algo completamente diferente<br />
Doença Oncológica<br />
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres<br />
com cancro de mama<br />
Estudo<br />
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório<br />
Iniciativa APAH I 8ª Conferência de Valor<br />
A farmacogenética na prática clínica<br />
Iniciativa APAH I 8ª Conferência de Valor<br />
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação<br />
e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?<br />
104 Iniciativa APAH I Webinars<br />
Liderança Digital: ENESIS 2020-22<br />
3
GH EDITORIAL<br />
Alexandre Lourenço<br />
Presidente da APAH<br />
# gestão em saúde,<br />
por Vasco Reis<br />
“<br />
A<br />
gestão (...) é, indiscutivelmente, uma<br />
ciência e também uma arte”, defendia<br />
Vasco Reis no seu livro “<strong>Gestão</strong><br />
em Saúde: um espaço de diferença”.<br />
Tive a honra de ser aluno do<br />
Professor Vasco Reis. Estou certo que este sentimento<br />
perpassa todos os administradores hospitalares que<br />
tanto lhe devem.<br />
O Prof. Vasco Reis representava a administração hospitalar<br />
portuguesa. Foi gestor/diretor do Curso de Especialização<br />
em Administração <strong>Hospitalar</strong> entre 1980<br />
e 2005. Um cavalheiro - trabalhador, distinto, conhecedor,<br />
sensato, moderado. Espírito crítico, exigente.<br />
Quando alguém tinha um problema, dizia-se “por que<br />
não falas com o Prof. Vasco Reis?”. Tinha a porta do<br />
seu gabinete sempre aberta. Dispunha de uma palavra<br />
amiga, e encaminhava, até os iniciados. Enquanto aluno,<br />
nem sempre concordei com a sua visão da administração<br />
hospitalar. A experiência aproxima-me.<br />
Nasceu em Coimbra em 16 de fevereiro de 1942 e aí<br />
fez o liceu e se licenciou em Direito em outubro de<br />
1964. Em janeiro de 1970, concluiu o I Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> que se realizou na Escola Nacional<br />
de Saúde Pública e de Medicina Tropical, onde<br />
em 1978 ingressou como assistente. Aposentou-se<br />
em 2007, após uma carreira académica recheada, como<br />
Professor Catedrático do Grupo de Disciplinas de<br />
<strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde da Escola Nacional<br />
de Saúde Pública. Nesse ano é granjeado com a<br />
medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde<br />
grau “ouro”.<br />
Paralelamente com a atividade docente, realizou um<br />
percurso profissional que o levou a desempenhar diferentes<br />
cargos no âmbito do Ministério da Saúde,<br />
quer em hospitais (sobretudo nos Hospitais Civis de<br />
Lisboa a que esteve ligado durante mais de 20 anos,<br />
dez dos quais como Administrador Geral) quer noutros<br />
serviços do Ministério da Saúde. É com um sorriso<br />
que, recordamos as suas estórias do Hospital de São<br />
José. Representou o Ministério da Saúde no Comité<br />
Director de Saúde Pública do Conselho da Europa entre<br />
1990 e 2000. Sócio 103 da Associação Portuguesa<br />
de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es, os seus pares, atribuíram-lhe<br />
o título de sócio de mérito em 2018.<br />
No livro “50 anos, 20 olhares - o percurso da administração<br />
hospitalar portuguesa” sobre a sua profissão,<br />
que começou por ser um ofício, sublinha a importância<br />
conquistada. “Não é fácil, ao fim de estes anos todos,<br />
dizer que chegámos aqui. E chegámos. Agora, vamos<br />
lá ver. Vamos continuar? Vamos”.<br />
Esta GH é parte da homenagem dos administradores<br />
hospitalares ao Prof. Vasco Reis, testemunhada por<br />
muitos que sentem a dor da sua perda. No ano em<br />
que a sua associação completa 40 anos, iremos procurar<br />
perpetuar o seu contributo para a modernização<br />
da gestão hospitalar portuguesa através da publicação<br />
ou republicação dos seus contributos escritos.<br />
É essa a nossa obrigação. Ã<br />
4
GH homenagem<br />
VASCO REIS 1942-<strong>2021</strong><br />
“<br />
A INOCULAÇÃO<br />
DO BICHINHO DA SAÚDE<br />
TEVE COMO INSTRUMENTO<br />
A ADMINISTRAÇÃO<br />
”<br />
“A gestão (…) é, indiscutivelmente, uma ciência e também uma arte”,<br />
defende Vasco Reis no seu livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de diferençaˮ.<br />
E foi com arte que navegou pela ciência e se dedicou à administração hospitalar<br />
na sua vertente prática e teórica. O exercício e teorização desta profissão, diz,<br />
implicam-se um ao outro. “Eu não me via numa profissão sem cuidar do seu<br />
enquadramento teórico”. “Consegui associar as duas atividades. E conciliar<br />
as duas coisas é desejável. Talvez não seja necessário entrecruzá-las.<br />
Mas é desejável, embora não seja fácil. Mas sobrevivi. E agora, já não havendo<br />
mortes com efeito retroativo, estou aqui assim”, afirma com o humor característico<br />
de quem sabe por onde andou, por onde vai, e com a firme convicção de que hoje,<br />
se recomeçasse, faria tudo igual. Nascido em Coimbra, é sócio honorário da APAH<br />
e paralelamente à sua atividade docente realizou um percurso profissional que o levou<br />
a desempenhar diferentes cargos no âmbito do Ministério da Saúde - que em 2007<br />
lhe atribuiu a Medalha de Serviços Distintos de grau Ouro. A vida na saúde começou<br />
por ser um part-time. Mas foi o suficiente para a inoculação do“bichinho da saúde”.<br />
Ao pai, que o via a seguir a advocacia, a carreira jurídica, disse que era só transitório.<br />
Mas por lá ficou. O que, dando direito a discussão, acabou por se provar que era<br />
o caminho certo. O seu caminho. Sobre a profissão, que começou por ser um ofício,<br />
sublinha a importância conquistada. “Não é fácil, ao fim de estes anos todos, dizer<br />
que chegámos aqui. E chegámos. Agora, vamos lá ver. Vamos continuar ? Vamos”.<br />
6 7
GH homenagem<br />
Do ofício à profissão<br />
Quando se fala da profissão, o que é<br />
que se chama profissão? A profissão<br />
não é o que existe hoje. Para mim, tudo<br />
começou com aquilo a que eu chamo<br />
o ofício.<br />
E o que é o ofício? Ofício é a atividade que quando começa<br />
a ser consubstanciada com recurso a alguma teorização,<br />
ou seja, quando sobre o ofício avança a formação,<br />
começa a aproximar-nos da profissão. Portanto, para<br />
mim temos o ofício. Depois temos a formação.<br />
No caso que nos ocupa, o ofício começou em meados<br />
do século passado, nos anos 40, 50, com os primeiros<br />
lugares, empregos se quisermos, de administrador hospitalar,<br />
adjuntos de administração, que foram criados<br />
fundamentalmente à volta dos hospitais especializados,<br />
ou seja, psiquiátricos. Não havia sequer curso. O curso<br />
apareceu depois. Então, nesses meados do século passado<br />
começaram a desenvolver-se múltiplos lugares.<br />
Quando nos fomos aproximando do fim do quartel, começaram<br />
também a vir inputs do exterior e começou a<br />
ser necessária uma formação que consolidasse a profissão.<br />
Nessa altura, a acrescentar-se à prática a formação,<br />
o “como fazer”, apareceu a profissão - o que aconteceu<br />
já no final da década de 60, princípio da década de 70.<br />
Foi então que a formação caiu sobre o ofício e nós começámos<br />
a poder falar sobre profissão.<br />
Na estreia do curso<br />
Eu fiz o primeiro curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> que<br />
se realizou em Portugal.<br />
Antes, os primeiros candidatos ao curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> foram fazê-lo a Rennes. Eu não pude<br />
ir, porque havia o serviço militar. Eu estava na tropa e,<br />
portanto, não podia ir para o estrangeiro - não me deixaram<br />
abandonar o país durante os dois anos que demorava<br />
o curso. Mas prometeram-me que quando fizessem<br />
o primeiro cá em Portugal eu iria. E fui.<br />
Feito o curso, desenvolvi então a carreira de administração<br />
hospitalar: entrando nos Hospitais Civis de Lisboa<br />
(HCL), de onde nunca saí até à aposentação. Lá fiz toda<br />
a carreira, de diretor de serviços a administrador geral,<br />
passando por administrador num hospital integrado.<br />
O grupo dos HCL era uma instituição composta por sete<br />
estabelecimentos hospitalares que, no seu conjunto,<br />
faziam o grupo dos HCL, mas cada um deles, cada um<br />
dos hospitais, existia per se: São José, Capuchos, Curry<br />
Cabral, Desterro, Dona Estefânia, Santa Marta, Arroios.<br />
Hoje também já se juntou a Maternidade Alfredo da<br />
Costa, mas naquela altura não estava.<br />
O grupo HCL era o maior estabelecimento hospitalar<br />
do país, o que me obrigou a dar também atenção à formação<br />
e à teorização da administração hospitalar. Hoje<br />
sou professor, mas também posso dizer que também<br />
sou um teórico da administração hospitalar. O meu livro<br />
“<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de diferençaˮ é um<br />
produto da teorização da minha vida.<br />
Acabei por desenvolver uma dupla carreira, acumulando<br />
a prática da administração hospitalar com a carreira<br />
de docente e com a investigação necessária à carreira<br />
de docente. E, portanto, tive que andar pelos dois lados.<br />
O que fiz até me reformar.<br />
De facto, reformei-me como professor catedrático da<br />
Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova<br />
de Lisboa (ENSP-Nova), mas dois ou três anos antes<br />
ainda estava nos HCL - embora em acumulação com a<br />
Escola, a desempenhar as funções docentes. Era a forma<br />
legalmente possível de acumular as duas situações.<br />
Situação que ainda hoje existe.<br />
Por isso, pode ser, por vezes, difícil perceber o que eu<br />
digo se não se tiver em consideração que, sendo um<br />
administrador hospitalar, também sou um docente universitário<br />
que efetivamente conseguiu, penso eu que<br />
consegui, cruzar as duas atividades e conciliá-las.<br />
Talvez não seja necessário cruzá-las. Mas é desejável.<br />
Não é fácil. Mas sobrevivi. E agora, já não havendo mortes<br />
com efeito retroativo, aqui estou assim.<br />
Faria tudo de novo<br />
Hoje provavelmente, faria tudo igual. Não foi fácil, mas,<br />
em qualquer das circunstâncias, se voltasse ao princípio<br />
faria igual.<br />
Comecei muito cedo a fazer aquilo que hoje se chamaria<br />
- na altura também se falava disso com este nome<br />
- investigação em gestão de unidades de saúde e/ou administração<br />
hospitalar.<br />
Apanhei na minha vida uma viragem que foi extremamente<br />
importante, que foi quando a administração hospitalar<br />
foi substituída (acrescentada) pela gestão em saúde.<br />
A importância de um H<br />
Nós somos um país de cultura francófona. A minha segunda<br />
língua é o francês. O inglês vem lá atrás. E outras<br />
no meio. Ora, o inglês - que quando eu entrei para a<br />
saúde pouca gente falava - tinha uma vantagem que eu<br />
na altura não valorizava e hoje valorizo: é que hospital<br />
e health começavam com a mesma letra. Com H. Não<br />
fazem ideia do que isso facilitou nos países anglo-saxónicos.<br />
Hospital Administration e Health Administration eram<br />
o mesmo: HA.<br />
“<br />
COMECEI MUITO CEDO A FAZER AQUILO<br />
QUE HOJE SE CHAMARIA - NA ALTURA<br />
TAMBÉM SE FALAVA DISSO COM ESTE<br />
NOME - INVESTIGAÇÃO EM GESTÃO<br />
DE UNIDADES DE SAÚDE E/OU<br />
ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR.<br />
”<br />
O exercício e a teorização<br />
Licenciei-me em Direito em 1964 e entrei para a Direção-Geral<br />
dos Hospitais em 1965. Mas ainda estive ligado<br />
à advocacia uns anos, pois era uma área que não me<br />
exigia dedicação exclusiva.<br />
A saúde começou por ser um part-time, de manhã ou<br />
de tarde.<br />
Mas foi o suficiente para a inoculação do bichinho.<br />
E não me via a ser administrador de outra área. De facto,<br />
o bichinho era um bichinho da saúde, embora o instrumento<br />
de inoculação fosse a administração.<br />
Hoje, conciliaria tudo novamente, a carreira docente<br />
com a de administrador hospitalar. Para mim, nem sequer<br />
concebo outra coisa. Eu não me via numa profissão<br />
sem cuidar da sua estrutura teórica. Não me perguntem<br />
o que é que foi mais importante para mim, se<br />
foi o exercício ou se foi, efetivamente, a teorização e a<br />
formação. Um ajuda e implica o outro. }<br />
8 9
GH homenagem<br />
A entrada na carreira<br />
Vou contar uma coisa. Que foi razão de uma das poucas<br />
discussões que eu tive com o meu pai, que era advogado<br />
em Coimbra e com quem eu estagiava. Um dia, um<br />
colega meu falou-me de um lugar de técnico na Direção-Geral<br />
dos Hospitais em Coimbra - que era o apoio<br />
ao desenvolvimento de uma nova estrutura da saúde<br />
que nessa altura (anos 60, 70) se estava a criar.<br />
E eu falei com o meu pai, a quem disse: “O jeito que<br />
me dava ganhar umas massas…” Não foi fácil, mas ele<br />
lá concordou e, com o seu apoio, concorri e mais tarde<br />
fui para lá. Só que “aquilo” tinha um bichinho que se me<br />
pegou, e pouco a pouco fui dando mais atenção à parte<br />
da saúde do que à parte jurídica.<br />
E, ainda por cima, era uma profissão nova numa área<br />
“<br />
NÃO ESTOU PESSIMISTA EM RELAÇÃO<br />
AO FUTURO DOS SISTEMAS DE SAÚDE,<br />
GRAÇAS A UM CONJUNTO DE MEDIDAS<br />
QUE PODEM PERMITIR À ESTRUTURA<br />
DE SAÚDE SUPERAR OS OBSTÁCULOS<br />
QUE VÃO SURGINDO NO CAMINHO.<br />
”<br />
com permanentes exigências de inovação, e que me dava<br />
a possibilidade de integrar equipas pluridisciplinares<br />
(por exemplo, administradores, enfermeiros, assistentes<br />
sociais, etc.) com o objetivo de organizar e propiciar os<br />
melhores cuidados para uma população dentro de limites<br />
financeiros pré-estabelecidos.<br />
Hospitais Civis de Lisboa<br />
Poucos anos mais tarde, e depois de feito o curso de<br />
Administração <strong>Hospitalar</strong>, surgiu a hipótese de concorrer<br />
para o Hospital de Santo António dos Capuchos<br />
(Hospitais Civis de Lisboa).<br />
Com apenas 30 anos, o que naquela altura era relativamente<br />
raro, entrei para o que seria o primeiro degrau<br />
do meu percurso hospitalar. Sete anos depois, com 37<br />
anos, tomei posse do lugar de administrador geral do<br />
grupo HCL. No total, eram 3.000 ou 4.000 camas. Eram<br />
os tais sete hospitais, e cedo fui escolhido para administrador<br />
geral, por deliberação dos membros dos conselhos<br />
de administração dos hospitais do grupo, integrando<br />
assim a respetiva Comissão Coordenadora. Foi<br />
o segundo marco do meu percurso.<br />
Nesse contexto, começou a ser possível a utilização de<br />
maior autonomia para lançar processos inovadores. Lancei,<br />
por exemplo, um método baseado numa experiência<br />
americana - não o inventei - e que se chamava certificação<br />
de estadia, através do qual os médicos eram obrigados,<br />
a partir do momento em que o doente entrava no<br />
hospital, a fazer previsões quanto à alta do doente, tentando<br />
efetivamente que ela não fosse produto do acaso,<br />
mas fosse produto de uma atitude programada e dirigida.<br />
Aos 37 anos estava como administrador geral do grupo<br />
dos HCL e em 1986, com 44 anos, candidatei-me e<br />
realizei as provas públicas equiparadas ao doutoramento.<br />
Foi um dos primeiros doutoramentos em Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>. Em rigor, não sendo doutoramento,<br />
era legalmente equiparado, porque a minha escola não<br />
tinha capacidade de outorgar doutoramentos. Tinha, no<br />
entanto, a capacidade de aplicar a mesma legislação que<br />
aplicavam às universidades e, não lhe chamando doutoramento,<br />
fazer concursos para professor auxiliar que era<br />
o lugar com que se ficava depois desse concurso.<br />
Um dos primeiros a fazê-lo foi o Correia de Campos e<br />
depois, pouco antes de mim, o Nogueira da Rocha também<br />
o foi fazer. Eu também, e depois outros, tendo<br />
mais tarde sido utilizado como base para o desenvolvimento<br />
da carreira docente universitária.<br />
Mais tarde, e a partir dessas provas, nesse concurso para<br />
professor auxiliar, obtive em 2006 o título de agregado,<br />
que é condição sine qua non para se concorrer a professor<br />
catedrático. É evidente que eu, simultaneamente com<br />
isto, ensinava, criava e dirigia cursos, etc. Mas ao mesmo<br />
tempo, também fazia em acumulação funções de administração.<br />
Nem sempre como administrador geral, mas<br />
durante muitos anos como administrador geral.<br />
Sedimentação do ofício e formação<br />
de consolidação<br />
Há alguns pontos que considero terem sido muito relevantes<br />
no percurso da profissão entendida no seu conjunto.<br />
Primeiro, a progressiva sedimentação - a partir dos<br />
meados do século passado, dos anos 50 do século passado<br />
- de um ofício. Começaram nessa altura a surgir os<br />
lugares de administrador hospitalar, com vários nomes,<br />
nos poucos hospitais que existiam - uns eram das Misericórdias,<br />
outros eram do Estado, outros eram das Universidades,<br />
etc. E, portanto, foi nessa altura que se pode<br />
considerar que houve um progressivo crescimento do<br />
ofício, isto é, da prática da administração hospitalar. E já<br />
nessa altura começou a ser muito importante o profes-<br />
sor Coriolano Ferreira, porque foi o fomentador de tudo<br />
isso. Destaco um segundo ponto, que tem a ver com<br />
os empregos de administrador hospitalar, de adjunto de<br />
administrador, disto, daquilo e daqueloutro. Com esse<br />
desenvolvimento, surgiu a necessidade de uma formação<br />
específica que consolidasse esses ofícios, definindo uma<br />
prática que consolidou não só o ofício, mas que passou a<br />
ter também alguma teorização, com algum preceito - o<br />
que contribuiu para o crescente conhecimento público.<br />
Começou-se a falar então de administração hospitalar.<br />
Estes são dois aspetos extremamente relevantes no percurso<br />
da profissão.<br />
Em meados do século passado, criado o ofício, a formação<br />
começou a despontar - e foi nessa altura que fiz o<br />
curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, uma parte numas instalações<br />
que viriam a pertencer à escola, que não existia<br />
ainda nessa altura, e o resto no Instituto de Medicina Tropical<br />
(IMT) na Junqueira.<br />
Os primeiros administradores hospitalares que conheci<br />
não tinham o curso, pois ele não existia. E não tinham a<br />
sua prática fundada no conhecimento.<br />
Como é que as pessoas hoje arranjam emprego? Fazem<br />
uma formação, agarram na formação e há um amigo da<br />
família, um conhecido, há um vizinho, etc.: “Então não<br />
queres ir trabalhar para tal parte?”. E pronto. E esse é o<br />
ofício. Depois quando alguém começa a dizer: “É melhor<br />
veres o que é que estás a fazer, tentar exteriorizar<br />
um pouco a tua prática” - então, nessa altura, começa a<br />
surgir a profissão.<br />
Profissão trouxe ganhos à saúde<br />
Com a profissão evidenciou-se o contributo significativo<br />
e importante para a melhoria dos resultados de saúde<br />
da máquina de produzir cuidados de saúde. Eu penso<br />
que a própria saúde criou mecanismos de adaptação<br />
às novas realidades, porque tem de continuar a existir<br />
uma atividade de saúde com resultados e o custo disso<br />
é uma adaptação das estruturas de saúde e dos profissionais.<br />
Por isso, não estou pessimista em relação ao<br />
futuro dos sistemas de saúde, graças a um conjunto de<br />
medidas que podem permitir à estrutura de saúde superar<br />
os obstáculos que vão surgindo no caminho e permitir<br />
às populações que continuem a beneficiar de ganhos<br />
em saúde.<br />
Evolução por entre abanões<br />
A profissão teve um incremento de importância e de<br />
visibilidade, o que justifica que tenha passado a levar alguns<br />
abanões quer do poder político, quer de outros<br />
poderes circundantes. Abanões que influenciaram a sua<br />
evolução sem a pôr em causa. A profissão tem continuado<br />
a evoluir e eu só posso manifestar o meu voto para<br />
que continue a evoluir vencendo os piores obstáculos. Ã<br />
10 11
GH homenagem<br />
VASCO REIS, HOMEM DE FAMÍLIA<br />
3<br />
4<br />
Rute Reis<br />
Filha<br />
Pedro Reis<br />
Filho<br />
”Testemunhos<br />
A<br />
Direção da Associação Portuguesa<br />
de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />
(APAH), decidiu reservar para esta<br />
edição da revista <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong><br />
um espaço para homenagear a memória<br />
do Administrador <strong>Hospitalar</strong>, Professor Doutor<br />
Vasco Manuel Pinto dos Reis, solicitando-nos evocar a<br />
memória (bem presente) do nosso Pai.<br />
Talvez comecemos por referir a extrema dificuldade que<br />
ainda sentimos neste momento, em desvendar a intimidade<br />
de uma relação que nos marcou profundamente,<br />
tendo sido decidido “apenas” recordarmos algumas memórias<br />
do percurso pessoal, familiar e profissional do<br />
nosso Pai.<br />
O Pai nasceu em Coimbra em 16 de fevereiro de 1942.<br />
Aí fez o liceu e licenciou-se em Direito em outubro de<br />
1964. De acordo com as histórias muitas vezes contadas,<br />
a infância ficou marcada entre Coimbra onde residia, a<br />
Lousã materna e a Figueira da Foz, onde passava todos<br />
os meses de agosto.<br />
Orgulhosamente, sempre nos disse que praticou muito<br />
desporto, desde futebol (era um confesso ferrenho benfiquista),<br />
quer na equipa da Faculdade, quer sobretudo<br />
na praia da Figueira da Foz, mas também desporto federado,<br />
onde nadou e jogou basquete na Associação<br />
Académica de Coimbra.<br />
Ainda no período Universitário, foi dirigente associativo<br />
da secção de Intercâmbio da Associação Académica, desenvolveu<br />
o gosto pelo cinema, no Clube de Cinema de<br />
Coimbra e teatro (ator no Teatro dos Estudantes da<br />
Universidade de Coimbra e no Círculo de Iniciação Teatral<br />
da Academia de Coimbra).<br />
Foi contínua a sua qualificação tanto profissional como<br />
académica. Sempre foi exigente na sua formação, preparou-se<br />
com rigor e submeteu-se a provas de avaliação<br />
em que sempre se destacou pela qualidade.<br />
Em 1970, fez o I<strong>º</strong> Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, na<br />
Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical<br />
(ENSP), onde era o aluno mais novo do curso. Em 1978<br />
ingressou na ENSP como assistente. Em janeiro de 1986,<br />
foi aprovado em concurso de provas públicas idênticas<br />
às exigidas para a concessão do grau de Doutor nas Universidades<br />
para a categoria de Professor Auxiliar. Tendo<br />
passado em 2001 a tempo inteiro para a ENSP como<br />
professor associado convidado onde fez a agregação (a<br />
primeira feita na Escola) em março de 2004.<br />
Em maio de 2006, após respetivo concurso de provas<br />
públicas, foi nomeado Professor Catedrático do Grupo<br />
de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde da<br />
ENSP da Universidade Nova de Lisboa (UNL).<br />
Acumulou a atividade docente, nas áreas de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, das Políticas de Saúde e da <strong>Gestão</strong><br />
de Organizações de Saúde, com diferentes cargos e funções<br />
académicas tendo sido sucessivamente “Gestor do<br />
Curso de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong><br />
(1980/1998), diretor do mesmo Curso (1998/2005), Diretor<br />
do Curso de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde<br />
(2005/2007) e Membro do Conselho Diretivo. Desde<br />
1998, foi Subdiretor da ENSP e no seu último mandato,<br />
em regime de exercício seu Diretor, nos últimos três<br />
meses em que esteve no ativo. }<br />
1<br />
2<br />
5<br />
7<br />
9<br />
6<br />
8<br />
10<br />
12 13
GH homenagem<br />
12<br />
14<br />
15<br />
11<br />
13<br />
”Testemunhos<br />
Iniciou percurso profissional em 1965 na Direção Geral<br />
dos Hospitais a nível hospitalar, desempenhou funções<br />
nos Hospitais Civis de Lisboa em julho de 1972, onde foi<br />
“administrador geral” entre 1978 e finais de 1988, integrando<br />
o Conselho com o Dr. Mateus Marques e a Enf.ª<br />
Maria Silva (que com vaidade regularmente lembrava).<br />
Dedicou os últimos anos da sua atividade no Ministério<br />
da Saúde ao Departamento de Estudos e Planeamento<br />
da Saúde e à Direção Geral de Saúde, onde realizou<br />
numerosos projetos e estudos no plano nacional e internacional.<br />
Representou o Ministério em organizações<br />
internacionais, OMS e no Conselho da Europa (integrou<br />
entre 1990 e 2000 “Comité Diretor de Saúde Pública”)<br />
e foi ainda Gestor do Subprograma saúde do II Quadro<br />
Comunitário de Apoio (1994/1995). Desenvolveu<br />
atividade também no SUCH e na SAUDEC (empresa<br />
de consultadoria SUCH/IPE/CGD) onde realizou os estudos<br />
estratégicos para construção em PPP de diversos<br />
novos Hospitais.<br />
Escreveu dezenas de artigos e textos, participou em quase<br />
uma centena de comunicações em conferências de<br />
natureza técnico-científica. Um dos seus maiores marcos<br />
a nível da escrita, foi o seu livro publicado em 2007,<br />
“<strong>Gestão</strong> em saúde: um espaço de diferença”, editado<br />
pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />
Nova de Lisboa.<br />
Aposentou-se em Fevereiro de 2007 como Professor<br />
Catedrático da ENSP/UNL. Mantendo ainda actividade<br />
profissional como docente convidado da Escola Superior<br />
de Saúde de Alcoitão (ESSA/SCML) e da Escola de<br />
Ciências da Saúde da Universidade Lusófona (até 2017).<br />
Em Novembro de 2007 foi-lhe concedida a medalha de<br />
Serviços Distintos do Ministério da Saúde grau “ouro”.<br />
Paralelamente ao percurso profissional, o nosso Pai era<br />
um Homem de Família. Bem-disposto, com apurado<br />
sentido de humor, tinha um visual muito característico,<br />
usou “pêra” desde os 17 anos e só interrompeu quando<br />
se encontrava à porta do Quartel em Mafra. Sempre<br />
muito orgulhoso dos filhos e especialmente dedicado à<br />
Mãe (com quem celebrou as Bodas de Ouro, 2018). Os<br />
nossos Pais partilhavam uma grande paixão por viajar e<br />
conhecer novas culturas, tendo feito inúmeras viagens,<br />
sempre metodologicamente planeadas por mais curtas<br />
que fossem, que lhes permitiu conhecer todos os continentes.<br />
Ultimamente, mantinham as suas habituais viagens<br />
anuais para Tenerife com um grupo de amigos de<br />
longa data. Mantinham também a tradição de almoçar<br />
todos os fins-de-semana com o mesmo grupo de amigos<br />
na Praia das Maçãs, onde temos uma casa de família.<br />
Podemos ainda dizer que o nosso Pai era uma pessoa<br />
com um enorme orgulho nas suas conquistas, em tudo<br />
aquilo que, com muito esforço e dedicação, conseguiu<br />
desenvolver e alcançar. Trabalhador, com um forte sentido<br />
de responsabilidade, perseverança e humildade. Cultivava<br />
as suas relações, quer a nível familiar, quer a nível<br />
das suas amizades, procurando acompanhar o percurso<br />
de vida de todos aqueles que o rodeavam e mostrando-<br />
-se sempre disponível para ajudar.<br />
Um marido, pai, avô, amigo e profissional inigualável. O<br />
seu falecimento representa uma grande perda para todos<br />
aqueles que se cruzarem com ele ao longo da sua<br />
vida pessoal, académica ou profissional. Acreditamos ainda<br />
que deixará para sempre um grande marco na Saúde<br />
por ter contribuído para o prestígio da gestão hospitalar<br />
em Portugal. Deixará também um forte marco na história<br />
da nossa família que com saudade o relembrará para<br />
sempre e que tudo fará para que a memória do seu<br />
exemplo perdure. Ã<br />
16<br />
18<br />
1. Infância em Coimbra 2. Em família 3. 1964, formatura 4. Com os pais e irmão 5. Baquetebol 6. Tropa 7. 1970, CEAH<br />
com o Prof. Coriolano, Prof. Caldeira da Silva e Prof. Correia de Campos 8. 1986, evento com a assistência de familiares<br />
9. 1986, com o Prof. Caldeira da Silva 10. 1986, com o Prof. Galvão Melo 11. 1986, com o Prof. Nogueira da Rocha<br />
12. 1986, com o Dr. Mateus Marques e a Enfª Mª Silva 13. 1986, com o Prof. Coriolano e o Prof. Mantas 14. Com o<br />
Dr. Mateus Marques 15. Anos 90, com a Dra. Teresa Sustelo 16. 2004, Agregação 17. Macau, com Rogério Carvalho<br />
18. 2007, com o Dr. Manuel Delgado 19. 2007, com o Prof. A. Rendas.<br />
17<br />
19<br />
14 15
GH homenagem<br />
VASCO REIS,<br />
UM COMPANHEIRO E AMIGO<br />
”Testemunhos<br />
Nogueira da Rocha<br />
Provedor do Associado e do Cliente do SUCH, Sócio de Mérito APAH<br />
No seu livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço<br />
de diferençaˮ, Vasco Reis, na parte inicial<br />
que ele designou por “A causa das coisas”<br />
afirmou o seguinte: “E se não registasse,<br />
aqui e agora, alguns nomes, poucos<br />
de entre os credores que fui semeando mas sobretudo<br />
aqueles que nesta já longa viagem pela gestão da saúde<br />
continuam a ser uma referência permanente”. E ao referir-<br />
-se à minha pessoa disse: “O de Nogueira da Rocha com<br />
um percurso paralelo ao que segui e com ele tenho vivido<br />
uma inultrapassável cumplicidade pessoal e profissional”.<br />
Ao decidir revisitar e reviver esta afirmação optei por dar<br />
a este meu testemunho um tom marcadamente narrativo<br />
por se me afigurar ser o mais adequado e conforme com<br />
o “mote” de que parti.<br />
Alterarei a ordem das cumplicidades referindo-me em primeiro<br />
lugar à profissional, acrescentando que, em razão<br />
de qualquer das duas, na forma como reciprocamente nos<br />
tratávamos, ele era o Vasco e eu o Zé.<br />
Conheci o Vasco em 1966, num daqueles acasos que a<br />
vida nos proporciona. Era eu então Chefe de Repartição<br />
da Direção Geral dos Hospitais e o Vasco Técnico Superior<br />
da Comissão Inter-<strong>Hospitalar</strong> do Centro, com sede<br />
em Coimbra. Coriolano Ferreira, então Diretor-Geral dos<br />
Hospitais, havia, naquele ano, estado na origem da criação<br />
do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH)<br />
e, na primeira Assembleia Geral que teve lugar no Salão<br />
Nobre do Hospital de S. José no dia 27 de junho de 1966,<br />
foi decidido criar na Zona Centro (Coimbra) a Divisão de<br />
Instalações e Equipamentos com imediata entrada em<br />
funcionamento. Esta Divisão necessitava de uma viatura,<br />
tendo, para o efeito, sido adquirida, em Lisboa, um Renault<br />
4L, que deveria seguir para Coimbra. Fui encarregado<br />
desta tarefa e querem saber quem foi o meu “pendura“?<br />
O Vasco.<br />
Depois disso, e durante algum tempo, foram esporádicos<br />
os nossos encontros. Com significado, só em 1972 nos<br />
voltamos a encontrar. Era eu administrador de um dos<br />
Hospitais Integrados dos Hospitais Civis de Lisboa (HCL),<br />
o Hospital do Desterro, quando o Vasco iniciou o desempenho<br />
do cargo de Diretor dos Serviços Financeiros<br />
daquela Instituição, cargo esse - Diretor de Serviço - criado<br />
pelo Decreto n.<strong>º</strong> 499/70, de <strong>24</strong> de outubro, e constante<br />
do quadro tipo a ele anexo. O nosso relacionamento<br />
passou, então, a ser mais frequente, havendo a destacar<br />
a nossa designação, como representantes dos HCL para<br />
a Comissão de Escolha dos Novos Hospitais de Lisboa<br />
(Hospital Ocidental) e de Coimbra. Mas foi só em 1974,<br />
nos dias que se seguiram ao 25 de abril, que a cumplicidade<br />
profissional começou, verdadeiramente, a ganhar raízes.<br />
Neste período turbulento que assolou os HCL, como,<br />
de resto, a quase totalidade dos Hospitais e de um grande<br />
número de organizações públicas e privadas, unimos esforços<br />
no sentido de evitar que se instalasse a demagogia,<br />
o oportunismo e a ânsia de poder sem controlo, para mais<br />
marcado por disputas corporativas. E se o sucesso contra<br />
estes “males” não foi total, embora o saldo tivesse sido<br />
positivo, a nossa participação em todas as Assembleias<br />
Gerais de Trabalhadores, enfrentando muitas vezes insinuações<br />
e acusações mais ou menos diretas, bem como<br />
outras ações de que não tivemos o exclusivo, evitaram<br />
um “mal maior”.<br />
A partir de 1975 o Vasco passou a desempenhar o cargo<br />
de administrador do Hospital dos Capuchos e eu já<br />
havia iniciado, desde meados de 1974, funções como administrador<br />
do Hospital de Dona Estefânia. Consequência<br />
natural do desempenho destes cargos e porque o tema,<br />
vinha, há já algum tempo, a ser objeto das nossas “congeminações”,<br />
entendemos dever repensar a estrutura dos<br />
HCL, marcada por forte centralização, já que os Hospitais<br />
Integrados dispunham de um grau de autonomia extremamente<br />
reduzida e, mesmo esta, apenas pela via da delegação<br />
de poderes. Em diálogo com a Comissão Instaladora<br />
- os HCL viviam então em regime de instalação - e<br />
com os outros órgãos informais de gestão dos Hospitais<br />
integrados, lançámo-nos na elaboração de uma proposta<br />
que veio a encontrar, com a publicação do Decreto-Lei<br />
n.<strong>º</strong> 129/77 de 2 de abril e do Decreto n.<strong>º</strong> 30/ 77 de 20<br />
de maio, terreno propício à sua concretização. E ela veio<br />
a verificar-se com a aprovação e publicação da I Parte do<br />
Na vinha. Da direita para a esquerda: Eu, Belinhas,<br />
Correia de Campos, Corália e Vasco Reis.<br />
Regulamento Interno dos Hospitais Civis de Lisboa (Portaria<br />
n.<strong>º</strong> 358, de 6 de julho, Diário da República, I Série, n.<strong>º</strong><br />
153, de 6 de julho de 1978).<br />
A nossa cumplicidade profissional continuou, reforçada, a<br />
partir de 1978, na Escola Nacional de Saúde Pública, quer<br />
no exercício de funções docentes quer como membros<br />
do Conselho Diretivo (entre 1998 e 2002).<br />
No exercício de funções docentes a nossa cumplicidade<br />
perdurou até 2004, após a minha aposentação em 2002,<br />
já que o Vasco “obrigou-me” a continuar responsável pelo<br />
ensino das disciplinas Administração Geral e Estrutura<br />
da Administração Pública. Mas foi entre 1998 e 2002 que<br />
a nossa cumplicidade aumentou ainda mais. Com efeito<br />
passou a unir-nos novas responsabilidades já que, continuando<br />
as docentes, foram-lhe acrescentadas outras determinantes<br />
com forte e natural interdependência entre si:<br />
para o Vasco a de Diretor do Curso de Especialização em<br />
Administração <strong>Hospitalar</strong> e para mim a de Coordenador<br />
do Grupo de Disciplinas de Administração da Saúde.<br />
De realçar ainda a participação conjunta, em 1997, no<br />
Curso de Mestrado de Administração e <strong>Gestão</strong> Pública -<br />
Ramo de Administração de Saúde - organizado pela Universidade<br />
do Minho, Escola de Economia e <strong>Gestão</strong>, tendo<br />
como matéria “A Estrutura das Organizações de Saúdeˮ.<br />
Por último, como Presidente do Conselho de Administração<br />
do SUCH, pude contar com a valiosa colaboração<br />
do Vasco na abertura de uma nova frente de trabalho - a<br />
O meu doutoramento. Da direita para a esquerda: Prof. Correia de Campos,<br />
Prof. Lopes dos Reis, eu, minha mulher, Prof. Augusto Mantas e Prof. Vasco Reis.<br />
constituição de parcerias com empresas privadas - do<br />
que viria a resultar um significativo aumento da dimensão<br />
da Instituição.<br />
Em muito poucas palavras direi que este meu relacionamento<br />
com o Vasco permite-me afirmar sem reservas<br />
que a sua ação marcou a prática e o ensino da Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> em Portugal e muito lhe ficam a dever<br />
as muitas centenas de profissionais que foram seus alunos.<br />
Naturalmente decorrente, em grande parte, da cumplicidade<br />
profissional, surgiu, aumentou e manteve-se a cumplicidade<br />
pessoal que o Vasco refere. Cumplicidade pessoal<br />
que se traduziu em encontros que raramente ultrapassavam<br />
o espaço quinzenal, prejudicados nos últimos<br />
tempos pela pandemia que nos assola e tarda a desaparecer.<br />
Falávamos de tudo. Dos nossos sucessos, insucessos,<br />
das nossas famílias e das nossas “maleitas”. Enfim, de tudo<br />
quanto o passado e o presente nos fazia recordar e daquilo<br />
que o futuro poderia ou não vir a ser.<br />
A estes encontros juntaram-se alguns fins de semana passados<br />
na minha Quinta em Penafiel e que o Vasco e a Corália<br />
muito apreciavam.<br />
Poderia e deveria alongar-me nesta segunda cumplicidade.<br />
Muito gostaria de o fazer. Mas não me é possível pelo<br />
espaço limitado que me foi concedido. Direi tão somente<br />
que o Vasco foi um grande amigo, amizade que se alargou<br />
à sua mulher e filhos: Corália, Rute e Pedro.<br />
Obrigado Vasco. Será impossível esquecer-te. Ã<br />
16 17
GH homenagem<br />
”Testemunhos<br />
VASCO REIS,<br />
a persistência da solidez<br />
António Correia de Campos<br />
Sócio Honorário da APAH<br />
Vasco Manuel Pinto dos Reis nasceu a<br />
16 de fevereiro de 1942 e faleceu<br />
poucos dias antes de concluir 79 anos,<br />
no início de <strong>2021</strong>. A sua vida acompanhou<br />
algumas das maiores mudanças<br />
que a Saúde teve em Portugal e Vasco Reis foi protagonista<br />
quase direto de muitas delas. Eis por que a sua<br />
vida e obra são importantes para se conhecer a história<br />
contemporânea dos serviços de saúde em Portugal. A<br />
dedicação à Saúde e em especial aos hospitais fez com<br />
que ele jamais abandonasse a vida pública, ou saísse do<br />
País à procura de outras ocupações e outros temas.<br />
Vasco foi um dos primeiros jovens licenciados a ingressarem<br />
na então muito moderna Direção-Geral dos Hospitais,<br />
chefiada durante os seus primeiros nove anos por<br />
Coriolano Ferreira. A ele se seguiram outros jovens: em<br />
Coimbra, Júlio Pereira dos Reis, José Pedro Costa Alemão,<br />
José António Menezes Correia, João Santos Cardoso,<br />
Cândido Pacheco de Araújo e eu próprio; em Lisboa,<br />
Cristiano de Freitas, António Menezes Duarte, Manuel<br />
Cassiano Póvoas, João Delgado Simões, Mário Vieira<br />
de Carvalho, Sílvio Carvalho Santos, Margarida Lucas<br />
Barros Moura; e no Porto, Eduardo Sá Ferreira, Raul Moreno<br />
Rodrigues, Rui Pinto.<br />
A admissão destes jovens, planeada por Coriolano Ferreira<br />
e acompanhada de perto por alguns menos jovens,<br />
como Augusto Mantas, José Manuel Caldeira da Silva, Álvaro<br />
de Paiva Brandão, Eduardo Caetano e mulheres notáveis<br />
como Maria dos Prazeres Beleza, Maria Fernanda<br />
Resende, Mariana Diniz de Sousa, Marta Lima Basto, Irene<br />
Pinto de Carvalho, entre muitas outras, trouxe força<br />
motora a uma direção-geral que, dentro ainda do regime<br />
autoritário, nasceu para inquietar e provocar mudanças<br />
há muito necessárias.<br />
Entre 1965 e 1975, Vasco Reis foi técnico superior de administração,<br />
cumpriu serviço militar, diplomou-se no primeiro<br />
Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> da então Escola<br />
Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical, em<br />
1971, concorreu a diretor de serviço e foi nomeado em<br />
1972 para dirigir os serviços financeiros do maior hospital<br />
do País, os Hospitais Civis de Lisboa, com sete estabelecimentos<br />
dispersos pela cidade, 3.600 leitos e 4.000<br />
funcionários, função que desempenhou entre 1972 e<br />
1975. Depois, entre 1975 e 1978, passou a dirigir o Hospital<br />
de Santo António dos Capuchos, uma unidade dos<br />
HCL dotada de crescente autonomia que Vasco foi desenhando<br />
e construindo pondo em prática projetos que<br />
havia preparado e tinham recolhido à gaveta no tempo<br />
político anterior. O seu prestígio interno e externo tornaram<br />
natural a nomeação, em 1978 aos 36 anos, como<br />
administrador-geral desse grande estabelecimento integrado,<br />
tendo permanecido dez anos nessas funções,<br />
sempre intercalando com trabalho em comissões de reformas<br />
para que era regularmente nomeado.<br />
Em 1988, uma precoce epidemia privatística, levou à sua<br />
substituição forçada por pessoa cujo nome a história não<br />
regista, vinda de fora, certamente bem-intencionada, mas<br />
sem qualquer preparação específica para o lugar. Vasco<br />
foi acolhido no Departamento de Estudos e Planeamento,<br />
dirigido por Luís Magão, médico diplomado em<br />
administração hospitalar. Entre 1989 e 1997, Vasco Reis<br />
assegurou com brilho e sustentabilidade a representação<br />
de Portugal no Comité Diretor de Saúde Pública do Conselho<br />
da Europa, com deslocações periódicas a Estrasburgo.<br />
Foram os anos difíceis da propagação do SIDA pela<br />
Europa, do sangue contaminado, do início dos transplantes,<br />
da importância crescente das questões de ética e da<br />
qualidade em saúde, temas centrais das preocupações do<br />
Conselho da Europa em matéria de saúde pública.<br />
Vasco Reis iniciou funções de assistente na já então ENSP<br />
em 1978. Em 1985 apresentou-se a provas de concurso<br />
para professor auxiliar, sendo aprovado por unanimidade.<br />
Em 2006 obteve a agregação, quando a ENSP<br />
se havia já integrado na Universidade Nova de Lisboa.<br />
Pouco depois, mediante concurso, subia a professor catedrático.<br />
Entre 1978 e 2007 dirigiu primeiro o Curso<br />
de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> e depois<br />
o Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde. Entre 1998 e 2007<br />
integrou o Conselho Diretivo da ENSP, sucessivamente<br />
como vogal, subdiretor e mais tarde diretor, até à sua<br />
aposentação em 2007. Nessa data foi agraciado com a<br />
Medalha de Ouro de Serviços Distintos do<br />
Ministério da Saúde.<br />
No primeiro ano da sua vida profissional,<br />
em 1965, Vasco Reis redigiu dois pequenos<br />
textos (entradas) para o Dicionário Jurídico<br />
da Administração Pública, um sobre “Assistência<br />
<strong>Hospitalar</strong>” e outro sobre “Assistência<br />
na Doença aos Servidores do Estado”.<br />
O seu primeiro trabalho de fôlego foi<br />
a dissertação final do Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, em 1971, sob o título “Financiamento<br />
<strong>Hospitalar</strong>. Situação do problema<br />
em Portugal”. Este excelente trabalho<br />
ficou silenciado pela rapidez das alterações<br />
ocorridas nos anos imediatos.<br />
Basta lembramo-nos de que em 1971 é<br />
publicada a reforma de Gonçalves Ferreira<br />
e Arnaldo Sampaio, sendo ministro<br />
Baltazar Rebelo de Sousa; em 1974, o<br />
Movimento dos Capitães inscreve no<br />
seu programa (DL n<strong>º</strong> 203/74, de 15 de<br />
maio) em matéria de política social, o<br />
“Lançamento das bases para a criação<br />
de um serviço nacional de saúde ao qual<br />
tenham acesso todos os cidadãos”. Em<br />
1978, um despacho do Ministro António<br />
Arnaut abre a todos os cidadãos os<br />
serviços públicos de saúde, do Estado ou<br />
da Previdência Social; ainda nesse ano, a Previdência Social<br />
deixou de contribuir para os encargos de saúde dos<br />
seus beneficiários, passando estes a ser inteiramente<br />
suportados pelo Ministério da Saúde isto é, pelo Orçamento<br />
do Estado. Em setembro de 1979 é aprovada na<br />
AR a Lei de Bases do SNS, imediatamente regulamentada<br />
por uma série de diplomas publicados nos últimos<br />
dias do V Governo Constitucional, de Maria de Lurdes<br />
Pintasilgo. A dissertação de fim-de-curso de Vasco Reis<br />
ficou rapidamente desatualizada em menos de sete<br />
anos. Mas a sua leitura é essencial para quem pretenda<br />
conhecer a história do financiamento dos hospitais<br />
nos complexos e emocionantes tempos de transição<br />
do assistencialismo para o providencialismo, de matriz<br />
“bismarckiana”. Curiosamente, a transição para o modelo<br />
“beveridgeano”, iniciada com o esforço de universalização<br />
do acesso promovido pelo Ministro António<br />
Arnaut, acaba por obter consagração legal em diploma<br />
do referido V Governo, sendo Ministro dos Assuntos<br />
Sociais Alfredo Bruto da Costa, saindo da pena afiada<br />
de Coriolano Ferreira, então Secretário de Estado da<br />
Segurança Social. Este pequeno e importante diploma<br />
foi um dos liminarmente revogados nas primeiras semanas<br />
do Governo Sá Carneiro, tal como outros da Saúde.<br />
Todavia, a lógica da construção do Estado Social imposta<br />
pela Constituição determinava o modelo universal. E<br />
foi por iniciativa de António Bagão Félix, secretário de<br />
estado que sucedeu a Coriolano na Segurança Social, já<br />
no governo da AD que os princípios gerais do diploma<br />
inicial foram retomados.<br />
O segundo trabalho, talvez o mais importante de Vasco<br />
Reis, foi a sua tese para concurso a professor auxiliar<br />
(prova equivalente ao doutoramento), sob o título “O<br />
papel do Administrador Principal no Hospital Português”.<br />
Com base nos princípios de Henri Mintzberg divulgados<br />
nos anos de 70 e 80, Vasco Reis realizou uma<br />
investigação social aprofundada, usando o método Delphi<br />
de geração progressiva de consenso de grupo, sobre<br />
o papel dominante do administrador hospitalar principal.<br />
Utilizou quatro painéis (administradores principais, }<br />
18 19
GH homenagem<br />
”Testemunhos<br />
outros profissionais de administração, médicos hospitalares<br />
e pessoal dos serviços centrais do ministério), a<br />
quem eram apresentadas listas das dez funções mais<br />
comuns do administrador principal. Este trabalho foi solidamente<br />
fundamentado por uma extensa e profunda<br />
revisão de literatura, para cuja pesquisa Vasco Reis estagiou<br />
nos EUA e por um bem organizado trabalho de<br />
campo. A partir de então muitos outros investigadores<br />
recorreram a este tipo de painel para obter ou identificar<br />
os consensos possíveis sobre matérias individualizadas<br />
e pré-definidas.<br />
O trabalho que Vasco Reis apresentou ao júri da sua<br />
agregação em 2007, como prova de aptidão pedagógica,<br />
é uma peça de enorme maturidade académica e<br />
profissional. O seu título “<strong>Gestão</strong> integrada: estudo de<br />
casos” prolonga a ótica do administrador principal, responsável<br />
pela condução do hospital. Assenta em profunda<br />
pesquisa de literatura e na considerável experiência<br />
profissional do autor. Mas revela a solidez do método<br />
de casos para ensinar gestão integrada, tão em moda<br />
nos EUA, inúmeras vezes ensaiado no seu próprio<br />
ensino. As próprias histórias, baseadas em factos reais e<br />
ficcionais revelam o humor natural do seu autor e a adequação<br />
perfeita à realidade social e profissional do nosso<br />
País. O trabalho, infelizmente limitado às prateleiras<br />
dos trabalhos académicos, mereceria publicação para<br />
universo mais amplo.<br />
Ainda em 2007, Vasco Reis reúne uma série de trabalhos<br />
que publica no livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de<br />
diferença”. O título é precioso, “em” e não “da”, para<br />
evitar engulhos inesperados e esperados. Dentre os<br />
primeiros, os mais insólitos viriam provavelmente de colegas<br />
de outras faculdades que julgam o termo “gestão”<br />
coutada de economistas. Também me confrontei com<br />
essas e outras ridículas disputas territoriais. O livro centra-se<br />
nas especificidades da gestão em saúde, na sua organização<br />
diferenciada e como podem as diferenças ser<br />
operacionalizadas. Termina debatendo as implicações<br />
que um território tão sui generis tem para efeitos de formação.<br />
Quem entende que qualquer bom gestor dará<br />
um bom administrador hospitalar, não deve ler este livro.<br />
Ele vai desiludi-lo, se pretende reconverter a sua formação<br />
em “pau-para-toda-a-colher”. Para quem esteja no<br />
setor, o livro é um desafio e uma excelente reflexão do<br />
que a cada um falte fazer para ser bom administrador.<br />
Na parte final da sua vida ativa, quando Vasco Reis se dedicou<br />
à ENSP a tempo inteiro, a sua produção aumentou<br />
em qualidade e quantidade. Quase sempre acompanhado,<br />
o que é uma das características dos bons mestres.<br />
Merecem especial destaque artigos ainda precoces, como<br />
os que publicou na revista dos administradores (APAH)<br />
com Corália Reis e Pedro Esteves sobre consumo de<br />
medicamentos, sobre as questões dos sistemas de saúde,<br />
ou sobre a organização interna dos hospitais nos Açores.<br />
Ou quando passou a publicar regularmente na Revista<br />
Portuguesa de Saúde Pública, em 1985, como “Hospital,<br />
um sistema aberto”, um notável trabalho com Carlos<br />
Costa; em 1993, sobre “O sucesso nas organizações de<br />
saúde”, onde de forma clara se diferencia privado e público,<br />
prevenindo ambiguidades e confusões (artigo que<br />
merece ser hoje relido, pela sua atualidade); com Rute<br />
Reis, sobre “A saúde e a empresaˮ. Mais recentemente,<br />
publicou em 2003 na RPSP, com Eva Falcão, um outro<br />
excelente artigo sobre “Hospital público português: da<br />
crise à renovação”, onde se descrevem, com profundo<br />
sentido analítico as experiências inovadoras que mais<br />
tarde deram origem à maior autonomia do hospital público,<br />
quer como sociedade anónima (SA), quer depois<br />
como entidade pública empresarial (EPE). Ou ainda o<br />
clarificador artigo publicado em 2004, a solo, na RPSP<br />
sobre “<strong>Gestão</strong> em Saúde”, bem como o excelente editorial<br />
que publicou na RPSP, em 2005, na apresentação<br />
do número temático sobre “Avaliação do desempenho<br />
em meio hospitalarˮ. Vale ainda a pena ler o artigo que<br />
Vasco escreveu para o volume temático da RPSP sobre<br />
novos modelos de gestão da saúde em Portugal, sob o<br />
título “A intervenção privada na prestação pública: da<br />
expansão do Estado às parcerias público-privadas”. Este<br />
artigo analisa as três vagas de intervenção privada no domínio<br />
público: na indústria, nas infraestruturas e na área<br />
social. Em vez do maniqueísmo tão comum no nosso<br />
meio, o artigo procura identificar os requisitos de compatibilidade<br />
das PPP com sistemas de saúde organizados<br />
e orientados para a universalidade; vale a pena relê-lo, no<br />
mundo complexo da disputa presente e recente entre<br />
a bondade e a maldade de cada um dos setores. Vasco<br />
Reis foi um protagonista discreto e atento de todas estas<br />
mudanças que descreveu com elegância literária. Mas foi<br />
também um observador que delas tirou lições para o<br />
ensino a seu cargo.<br />
Causou sempre inveja nos colegas a sua elevada popularidade<br />
entre alunos e alunas. Havia quem a fundamentasse<br />
no paternalismo que lhe era congénito, ou na simpatia<br />
natural que irradiava, ou ainda no seu sentido de responsabilidade<br />
social que o levara a, logo no início da carreira,<br />
ter preferido a função pública a uma advocacia privada<br />
que se previa viesse a ser altamente confortável. Ou ainda<br />
ao seu feitio de estando longe continuar por perto,<br />
como os treinadores de bancada no velho café Arcádia<br />
de Coimbra. Podem inventar-se inúmeras explicações.<br />
Certo é que Vasco era apreciado por colegas, respeitado<br />
por colaboradores e adorado por discentes. Uma<br />
invejável combinação. Vasco Reis foi um contribuinte<br />
ativo para a profissão dos administradores de hospitais,<br />
talvez o mais permanente, persistente e fiável contribuinte.<br />
Muitos de nós, próximos dele, nos cansávamos<br />
depressa. Outros estavam constantemente a mudar de<br />
poiso e função, não aquecendo lugares e deveres por<br />
mais de dois ou três anos. Fui um desses. Tarde para<br />
mudar e jamais arrependido, não deixo de apreciar os<br />
que permaneciam na fortaleza, reforçando suas muralhas<br />
e agregando novos defensores.<br />
Os administradores de hospitais, o pessoal da Saúde, os<br />
serviços, a Escola e o País devem tudo isso e muito mais<br />
a Vasco Manuel Pinto dos Reis.<br />
Deixo para o fim uma nota pessoal. Conheci Vasco Reis<br />
em Novembro de 1961, era eu tesoureiro da direção<br />
da Associação Académica da Faculdade de Direito de<br />
Lisboa e ele diretor da secção de intercâmbio da Associação<br />
Académica de Coimbra, quando preparávamos<br />
a pernoita de estudantes de Lisboa em Coimbra por<br />
ocasião de uma reunião de convívio inter-academias,<br />
que precedeu o famoso Dia do Estudante de março de<br />
1962. Forçado a continuar estudos em Coimbra a partir<br />
do final desse ano, convivi diariamente com Vasco. Foi<br />
por seu intermédio que obtive emprego em 1966 na<br />
Comissão Inter-<strong>Hospitalar</strong> de Coimbra. Foi por minha<br />
proximidade que ele e Corália Andrade Pais se reuniram<br />
em casamento bem-sucedido. Pouco depois, um<br />
irmão de Corália, Fernando Andrade Pais, casou com<br />
Ana Dantas, irmã de minha Mulher Gilberta. Ambos<br />
adorávamos e chorámos a perda precoce desse cunhado<br />
comum. Os nossos filhos foram criados com grande<br />
e fraterno convívio. Relações quase familiares e de<br />
enorme proximidade. O recrudescimento brutal da<br />
pandemia Covid-19 impediu que todos fizéssemos como<br />
nos cumpria, o luto da sua perda. Vasco era um<br />
homem bom. A sua permanente bonomia, disponibilidade<br />
e carinho, fator de união entre as nossas famílias,<br />
espraiaram-se por todos, colegas, colaboradores, alunos<br />
e amigos que tiveram o privilégio de o conhecer. Ã<br />
20 21
GH homenagem<br />
”Testemunhos<br />
VASCO REIS<br />
Manuel Delgado<br />
Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1992-2008)<br />
Um professor, um chefe, um colega e sobretudo<br />
um amigo. Foi com estes quatro<br />
chapéus que conheci e partilhei os últimos<br />
42 anos da minha vida com Vasco<br />
Reis. Sempre afável, sereno, atento às falhas<br />
mas também aos pequenos ou grandes sucessos, Vasco<br />
Reis sabia ser solidário, reunir consensos e liderar projetos.<br />
Fazia-o como ninguém, discretamente, dando liberdade<br />
de pensamento e de ação, incentivando quando a vontade<br />
esmorecia, discutindo em pé de igualdade caminhos<br />
ou soluções, partilhando sempre a autoria dos projetos,<br />
preocupando-se sempre com o futuro dos seus discípulos,<br />
abrindo-lhes portas, dando-lhes oportunidades.<br />
1. O Professor<br />
Vasco Reis foi um dos professores que mais admirei quando<br />
fui aluno do X Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, da<br />
Escola Nacional de Saúde Pública. Conheci-o antes, quando<br />
realizei as provas de acesso finalizando com uma entrevista<br />
em que ele também esteve presente. Não me recordo<br />
já do conteúdo desses primeiros contactos, mas fiquei<br />
impressionado com a tranquilidade e segurança daquele<br />
plêiade de professores em que VR se integrava. Era um<br />
professor claro na mensagem, que combinava com elegância<br />
e sabedoria a parte teórica com a parte prática, nas<br />
suas aulas. Tive o privilégio de o ter como Gestor do Curso<br />
e de partilhar com ele várias reuniões ao longo de dois<br />
anos como delegado dos alunos. Recordo-me bem de um<br />
episódio complicado que tivemos de resolver: convidar<br />
um aluno a abandonar o curso, tal a visível inaptidão que<br />
o mesmo revelava todos os dias. VR demonstrou aqui o<br />
seu profundo sentido ético e humano, colocando em cima<br />
da mesa todas as soluções, dando ao aluno todas as oportunidades,<br />
reunindo de forma persistente e serena todos<br />
os prós e contras para a sua continuidade e, por fim, comunicando-lhe<br />
com cuidado e total dignidade a decisão final.<br />
Apesar de doloroso, o colega em causa saiu do curso<br />
aceitando bem a decisão tomada. Como professor, VR<br />
assumiu sempre um grande protagonismo na orientação<br />
académica dos alunos, quer na conceção e distribuição<br />
temporal do programa, quer na escolha dos locais de estágio,<br />
quer no apoio, sempre disponível, no aconselhamento<br />
e orientação dos alunos. Enveredou, entretanto,<br />
pela carreira académica, doutorou-se e assumiu funções<br />
de liderança na gestão da Escola Nacional de Saúde Pública.<br />
Fui seu colega como docente, e sei bem a importância<br />
que VR teve na atualização do Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, na forma como defendia o profissionalismo na<br />
gestão dos hospitais e no brio e orgulho como protegia os<br />
seus discípulos. Era o porto seguro a cuja porta todos batiam,<br />
quando já em exercício profissional ou ainda como<br />
alunos, sempre que se colocavam decisões difíceis. Nunca<br />
regateava um conselho amigo, desinteressado e esclarecido.<br />
2. O Gestor<br />
Estagiei nos “velhos” mas sempre atuais HCL (Hospitais<br />
Civis de Lisboa) a partir de 1980 e tive aí o meu primeiro<br />
emprego como administrador hospitalar. VR era então o<br />
administrador da Comissão Coordenadora, com o médico<br />
Mateus Marques e a enfermeira Maria Silva. Faziam um<br />
trio notável, em que a combinação de competências, o nível<br />
ético e técnico dos protagonistas e a sua capacidade de<br />
liderança marcaram provavelmente um dos melhores períodos<br />
do grupo hospitalar. VR tinha, como colaboradores,<br />
um conjunto de jovens administradores hospitalares que<br />
desenvolveram novos métodos de gestão, criaram novos<br />
indicadores e começaram a dar os primeiros passos na governação<br />
clínica. Os HCL eram, ao tempo, uma das principais<br />
referências nacionais na administração hospitalar e<br />
isso deve-se muito ao trabalho de VR.<br />
3. O Amigo<br />
Cresci, como pessoa e profissional, com os ensinamentos<br />
e os conselhos de VR. Devo-lhe as oportunidades de carreira<br />
que sempre tinha a gentileza de me sugerir. A nossa<br />
amizade foi também crescendo e sempre contei com a<br />
sua experiência e conhecimentos em muitas conferências,<br />
congressos, debates e pareceres que, ao longo dos muitos<br />
anos em que presidi à APAH, patrocinei ou organizei.<br />
VR nunca esqueceu as suas raízes profissionais na administração<br />
hospitalar, mantendo sempre uma relação ativa<br />
e colaborante com os interesses dos profissionais, sentindo-se<br />
sempre um dos nossos. Nos últimos anos partilhei<br />
com VR mais a amizade do que o trabalho. Depois da sua<br />
aposentação veio também a minha e passamos a almoçar<br />
periodicamente, já livres da pressão dos acontecimentos. Foi<br />
uma nova fase do nosso relacionamento, e aquela que mais<br />
me ligou à sua personalidade e ao seu caráter. Tínhamos<br />
longas conversas que se estendiam por variadíssimos temas:<br />
a família, a saúde, os amigos, as férias, a política, etc. VR era<br />
uma pessoa de grandes princípios, de grande amor e uma<br />
ternura cativante pelos que mais amava: a mulher, os filhos<br />
e os netos. Estará sempre presente na minha vida como um<br />
exemplo a seguir. Almoçaremos juntos um dia destes. Ã<br />
MEMORANDO<br />
Pedro Lopes<br />
Presidente da APAH (2008-2013)<br />
O<br />
meu primeiro contacto com o Professor<br />
Vasco Reis ocorreu no ano de<br />
1984, na Escola Nacional de Saúde<br />
Pública, no momento em que realizava<br />
as minhas provas para a entrada<br />
para o curso na altura designado por “Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>”.<br />
Tive a honra e o privilégio da posterior ligação ao “nosso<br />
Professor” como seu aluno e ainda nos contactos<br />
necessários originados pelo facto de ser o Gestor do<br />
Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> na altura.<br />
Uma pessoa com uma personalidade muito vincada que<br />
não deixava ninguém indiferente, designadamente pela<br />
forma como abordava a relação quer como professor,<br />
quer como confidente, com o seu semblante majestoso<br />
e também coloquial/jocoso que só a sua elevação colocava<br />
no correto momento discursivo.<br />
Um professor muito atualizado que rasgava o status quo<br />
da “Administração” de influência francesa na linha dos<br />
“meninos de Rennes”, os nossos primeiros colegas formados<br />
na Ecole Nationale de Santé Publique e partilhava<br />
o discurso da “<strong>Gestão</strong>” de cariz essencialmente anglo-saxónico.<br />
Sempre preocupado com a nossa formação lembro-me<br />
bem das suas sugestões para a leitura de revistas de<br />
administração e gestão hospitalar, designadamente a<br />
“Gestion Hospitaliére” que ainda hoje acompanho com<br />
a sua leitura mensal no serviço de Documentação do<br />
meu hospital.<br />
O seu percurso profissional, iniciado na década de 60,<br />
em Coimbra, sua cidade natal, na Direção Geral da Saúde,<br />
na nova estrutura regional em criação, a Comissão<br />
Inter-<strong>Hospitalar</strong>, como técnico superior, seguido de vários<br />
cargos e desempenho como administrador hospitalar,<br />
nomeadamente de Administrador Geral dos Hospitais<br />
Civis de Lisboa que culminou com a ocupação<br />
do cargo de Administrador da Comissão Coordenadora<br />
desses mesmos hospitais foi relevantíssimo, não só pelo<br />
seu contributo para a gestão do hospital público português,<br />
mas também para o ensino, refletindo assim, todo<br />
este conhecimento prático no seu papel de docente na<br />
Escola Nacional de Saúde Pública.<br />
As suas aulas de Administração <strong>Hospitalar</strong> recheadas<br />
de conhecimento teórico traziam, também, as suas vivências<br />
da prática hospitalar que transmitia, muitas vezes,<br />
com episódios por si passados no ambiente da gestão<br />
hospitalar e recheados de momentos humorísticos,<br />
pitada de sal que tão bem administrava nos momentos<br />
presenciados por todos os alunos do curso de administração<br />
hospitalar.<br />
Não tendo trabalhado pessoalmente com o Professor<br />
Vasco Reis não posso, no entanto, deixar de mencionar<br />
o seu espírito inovador designadamente a criação do<br />
Sistema de <strong>Gestão</strong> Previsional Descentralizado (SGPD)<br />
que recolhia informação dos vários serviços dos hospitais<br />
do Grupo com vista à definição das estratégias de<br />
planeamento e gestão, sistema este referido no Livro<br />
“50 Anos em 20 Olhares” da Associação Portuguesa<br />
de Administração <strong>Hospitalar</strong> que passo a citar: “Lancei,<br />
por exemplo, um método baseado numa experiência<br />
americana…”.<br />
Da sua vasta obra como investigador, professor e gestor<br />
hospitalar, não posso deixar de salientar o seu contributo,<br />
para mim o maior, no estudo, análise e proposta<br />
de um novo Estatuto Jurídico do Hospital que culminou<br />
com a apresentação em Janeiro de 1997 do respetivo<br />
Relatório Final, na sequência da nomeação para Coordenador<br />
do Grupo de Trabalho criado pelo Despacho<br />
169/96, de 19 de Abril, da Ministra da Saúde Maria de<br />
Belém, com vista ao estudo e eventual modificação do<br />
estatuto jurídico dos hospitais.<br />
O detalhe histórico dos vários estatutos jurídicos dos<br />
hospitais e a abordagem e recomendações práticas, em<br />
particular a questão da autonomia dos hospitais que ainda<br />
hoje discutimos, estão plasmadas nesse portentoso<br />
documento que infelizmente não foi levado à prática na<br />
sua totalidade.<br />
Estes são pequenos apontamentos de uma vida plena<br />
de intervenções quer no panorama académico, quer no<br />
panorama gestionário dos hospitais públicos portugueses.<br />
Deixa saudades o nosso Professor Vasco Reis. Ã<br />
22 23
GH homenagem<br />
VASCO pinto dos REIS:<br />
O Príncipe Perfeito<br />
Saber, seriedade<br />
e um sorriso<br />
Delfim Rodrigues<br />
Vice Presidente da APAH<br />
Carla Nunes<br />
Diretora da ENSP-NOVA<br />
”Testemunhos<br />
Vasco Reis. Pela sua capacidade, visão e<br />
planeamento é O nosso Príncipe Perfeito.<br />
Uma liderança serena, mas lúcida,<br />
firme e afável. Num tempo em que, como<br />
ele costumava adiantar, cito de memória:<br />
“A Administração <strong>Hospitalar</strong>, no fundamental, se<br />
caracterizava por ser confrontada com autorização de<br />
despesas urgentes e inadiáveis, com o senão de já haverem<br />
sido realizadas, exigia-se do Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />
uma mera ratificaçãoˮ.<br />
É neste ambiente que ousa centrar a nossa atividade nos<br />
doentes, o foco do sucesso para o nosso trabalho.<br />
A forma, enquanto Administrador Geral dos Hospitais<br />
Civis de Lisboa, como conseguiu, ainda no final dos anos<br />
70 e 80 do século passado, inspirar e dirigir a agregação,<br />
integração destas sete instituições, é um exemplo notável<br />
de empresarialização avant la lettre.<br />
Em época de elevadas taxas de ocupação e demoras mé-<br />
dias, concebeu um modelo de gestão centrado no doente<br />
e nos profissionais, “Sistema de ratificação de admissões<br />
e de revisão de internamentos ao sétimo dia”, incrementando<br />
o n.<strong>º</strong> de camas disponíveis e de par, de acordo<br />
com os mecanismos de financiamento do tempo, a receita<br />
disponível.<br />
Fonte de inspiração para os alunos de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, Saúde Pública, Medicina do Trabalho e da nossa<br />
profissão, participou ativamente na comissão negociadora<br />
da carreira. Recordo a sua grande admiração por<br />
outro grande Português, Joaquim Agostinho. O Vasco,<br />
naquela sua bonomia, elevado e requintado senso de humor,<br />
sempre nos adiantava, antes dos testes, que qualquer<br />
menção a Joaquim Agostinho, desde que a propósito<br />
das perguntas, só poderia ser devidamente valorizada.<br />
Um grande abraço meu Mestre amigo Vasco por tanta<br />
inspiração, tanto ensinamento incentivo, alento em que<br />
me revejo como Pessoa e Administrador <strong>Hospitalar</strong>. Ã<br />
A<br />
vida da Escola Nacional de Saúde Pública<br />
estará para sempre ligada ao percurso<br />
do Professor Vasco Reis. É uma<br />
honra e privilégio para a comunidade<br />
ENSP ter tido a oportunidade de usufruir<br />
do seu conhecimento. Um homem que sempre se<br />
diferenciou no seu enorme saber, seriedade e formalidade,<br />
mas que para os amigos e colegas sempre acompanhava<br />
com um sorriso brincalhão.<br />
Vasco Reis foi das primeiras pessoas que conheci na Escola<br />
e com quem tive o privilégio de trabalhar. Das primeiras<br />
aulas de Estatística que lecionei na ENSP foi no curso<br />
de <strong>Gestão</strong> em Saúde, do qual era coordenador. Falámos<br />
um pouco sobre a necessidade de ensinar estatística de<br />
uma forma muito adaptada às necessidades concretas daquele<br />
curso e da conveniência de ajustar a linguagem ao<br />
perfil daqueles alunos, ele com um semblante sério e muito<br />
formal. E eu que vinha de uma escola de engenharia, de<br />
um departamento de matemática, onde ensinava estatística<br />
a futuros matemáticos e engenheiros.<br />
Após este primeiro encontro “desafiante”, rapidamente<br />
houve empatia entre nós, e mesmo depois de ele sair da<br />
Escola, sempre trocamos palavras e mensagens muito carinhosas,<br />
simpáticas e brincalhonas.<br />
Vasco Reis foi um dos primeiros alunos da nossa Escola,<br />
em 1970, do primeiro Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong><br />
na Escola Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical.<br />
Com a sua licenciatura de base em Direito na Universidade<br />
de Coimbra, entrou na escola como aluno e<br />
saiu como professor catedrático, de <strong>Gestão</strong> de Organizações<br />
de Saúde, tendo-se aposentado em 2007. Conhecia<br />
a Escola como ninguém e sabia que era o ensino adaptado<br />
aos desafios da realidade que fazia sentido. O seu<br />
percurso foi assim: era docente e era administrador hospitalar<br />
(e inúmeros outros cargos já referidos na sua nota<br />
biográfica), lecionando de uma forma diferente e proporcionando<br />
que as suas aulas fossem muito estimulantes,<br />
focadas nos problemas concretos e reais da administração<br />
hospitalar. Trazia a realidade de fora para dentro da<br />
Escola, em todos os cursos que coordenou e onde lecionou,<br />
tanto no Curso de Especialização em Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, como no Curso de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da<br />
Saúde. É reconhecido pela sua preocupação em formar<br />
gestores em saúde para obter o melhor desempenho<br />
profissional. Acrescentou ao conhecimento científico a<br />
experiência profissional que possuía pela forma como<br />
geriu a sua carreira.<br />
A ele, e a alguns outros colegas, a escola deve o reconhecimento<br />
do seu papel único e imprescindível na formação<br />
em Administração <strong>Hospitalar</strong>, das Políticas de Saúde<br />
e da <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde. Acompanhou<br />
de perto, e de forma despretensiosa, as diversas etapas<br />
que a Escola viveu, sempre de uma forma ponderada e<br />
dedicada, tendo também desempenhado por diversas<br />
vezes funções de direção na ENSP (Conselho Diretivo,<br />
subdiretor e diretor em exercício).<br />
É um amigo da Escola e eu, enquanto atual diretora da<br />
Escola, sei a “sorte” que tivemos em ter o Professor Vasco<br />
Reis connosco! Ã<br />
25
GH homenagem<br />
ESTE É UM TEXTO QUE EU<br />
NUNCA QUERERIA VIR A ESCREVER<br />
Professor, tutor, colega,<br />
mestre, o exemplo<br />
Jorge Poole da Costa<br />
Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />
Ana Escoval<br />
Professora Associada ENSP<br />
”Testemunhos<br />
Este é um texto que eu nunca quereria vir<br />
a escrever. Nos últimos tempos, em que<br />
as más notícias se sucedem e a tristeza<br />
cobre os nossos dias, tento viver numa<br />
realidade alternativa como se estes tempos<br />
não fossem de verdade e, num destes dias, tudo<br />
voltasse a ser como dantes. Não volta. O tempo é implacável<br />
e nada permanece igual.<br />
Os almoços mensais com o Professor Vasco Reis acabaram.<br />
Acabou o seu sorriso e já não vai mais ser possível<br />
abraçá-lo, naquele abraço caloroso que só a genuína<br />
amizade permite.<br />
Tenho de voltar atrás. Àquele dia de Verão em que o<br />
conheci, numa entrevista que aos vinte e três anos me<br />
levaria para uma profissão que era, para mim, uma incógnita<br />
total. Foi inteligente, sarcástico, paternal e sedutor.<br />
Manteve-se assim pela vida toda.<br />
Levou-me para estágios nos Hospitais Civis de Lisboa<br />
onde se impunha pelo trabalho, pela capacidade e pela<br />
inovação que imprimia a uma instituição que dirigia com<br />
indisfarçável prazer e reconhecida competência.<br />
Levou-me para a investigação em Administração <strong>Hospitalar</strong><br />
com as novas ferramentas que a informática disponibilizava<br />
e que a classificação internacional de doenças<br />
permitia. Distribuímos os volumes, que até aí permaneciam<br />
amontoados, pelos hospitais do grupo e pelos<br />
serviços e iniciámos a experiência da codificação com<br />
um resumo clínico informatizado que visava substituir,<br />
em 1986, a secular “papeleta”.<br />
Fizemos um imenso inquérito à população que acorria<br />
à urgência de S. José, conduzido por médicos, que demonstrou<br />
a enorme percentagem de falsas urgências naqueles<br />
setecentos ou oitocentos episódios por dia. Para<br />
ele tudo tinha de ser demonstrado. Não bastavam as<br />
convicções ou as aparências. A gestão é uma ciência e<br />
têm de ser utilizados os instrumentos adequados para<br />
caracterizar ou medir uma determinada realidade. O<br />
trabalho foi apresentado em 1988, numas jornadas de<br />
Administração <strong>Hospitalar</strong> intituladas: “Urgência: Uma<br />
excepção que se transforma em regra?”.<br />
Levou-me até Macau para, juntos, prepararmos a geração<br />
de dirigentes que ficaria nos Serviços de Saúde quando<br />
Portugal deixasse a administração do território. Ajudou-me<br />
a preparar as aulas e, com imenso entusiasmo,<br />
mostrou-me Hong Kong e Macau de forma inesquecível.<br />
Conhecia os restaurantes, as lojas, os monumentos.<br />
Vibrava com a viagem, com as conversas, com a missão<br />
cumprida. Desde as pérolas do Tó-pô no Hotel Lisboa,<br />
que insistia que trouxesse para a minha mulher, até às<br />
lojas das grandes marcas em Kowloon.<br />
Voltaríamos lá para colaborarmos no relatório sobre a<br />
organização dos serviços de saúde e a situação sanitária<br />
que Portugal deixava naquele distante território.<br />
A nossa cumplicidade era enorme. A nossa amizade também.<br />
Era um homem de família. Apaixonado pela família<br />
que criou. Tínhamos imenso em comum e sempre sentimos<br />
isso. Estive com ele quando partiu a mãe e depois<br />
o pai. Estive com ele quando nasceu a primeira neta. Ele<br />
esteve comigo sempre.<br />
Muitos terão já dito muitas vezes que era um professor<br />
brilhante. Um grande gestor hospitalar. Um servidor<br />
público de excepção. Um investigador inquieto e curioso.<br />
Muitos terão já dito que a sua obra publicada é de<br />
imensa qualidade e interesse. Muitos terão já dito muitas<br />
coisas que o fariam sorrir de orgulho.<br />
Eu, no fundo, quero apenas dizer-vos que partiu um homem<br />
profundamente bom. Terno. Meigo. Único. Esse<br />
era o seu maior brilho. Ã<br />
Distinguiu-me a Associação Portuguesa<br />
de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es com<br />
o convite para escrever um pequeno<br />
artigo, um testemunho, sobre o nosso<br />
Professor Vasco Reis, que foi e será<br />
sempre uma referência para todos os Administradores<br />
<strong>Hospitalar</strong>es. Estou grata. Faleceu no dia 23 de janeiro<br />
de <strong>2021</strong>. Dia triste. Foi meu Professor de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> no 15<strong>º</strong> Curso, na ENSP. Conheci-o por isso<br />
em 1984 (já lá vão quase 37 anos), enquanto professor<br />
na disciplina de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Foi igualmente<br />
meu Tutor de estágio no Hospital de Santo António<br />
dos Capuchos integrado nos Hospitais Civis de Lisboa,<br />
onde experienciei o dia-a-dia de um administrador na<br />
gestão. Foi um extraordinário mergulho.<br />
Para as muitas gerações de administradores hospitalares<br />
que tiveram o privilégio de o conhecer, trabalhar e<br />
aprender com ele, o dia da sua morte foi um dia de profunda<br />
tristeza. A profissão está de luto. O Professor Vasco<br />
Reis representava a administração hospitalar portuguesa.<br />
Foi por mais de duas décadas diretor do Curso<br />
de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> na Escola<br />
Nacional de Saúde Pública (ENSP) e deixou-nos uma<br />
herança ímpar para a saúde pública e para a administração<br />
hospitalar em Portugal.<br />
Desafiador, humano e compassivo, sarcástico e irónico,<br />
reservado e disponível, tolerante e complacente, entre<br />
outras, são características que relembro dele em várias<br />
situações e palcos. Também revejo o homem de família,<br />
o pai que tinha nos seus dois filhos, igualmente administradores<br />
hospitalares, um orgulho enorme e que dava<br />
sempre aos seus alunos e colaboradores de quem se<br />
orgulhava um apoio forte e de grande cumplicidade. Enquanto<br />
pedagogo e mestre guiava, orientava e cobria<br />
com o manto da segurança que transmitia. Procurava<br />
dar liberdade e responsabilizar, mas era muito exigente<br />
nos resultados.<br />
As relações fazem-se e cimentam-se em estórias e histórias<br />
e, daí relembro aquando do meu estágio no Hospital<br />
dos Capuchos, o dia em que o meu tutor Vasco<br />
Reis me pede para ir a uma reunião ao Departamento<br />
de <strong>Gestão</strong> Financeira do Ministério da Saúde, discutir algumas<br />
das questões que se levantavam com a aplicação<br />
da matriz em que assentava a modalidade de pagamento<br />
aos hospitais. Quis saber quem ia acompanhar, ao<br />
que o Professor Vasco Reis respondeu: “Acompanha-se<br />
a si própria e vai falar com a Dr.ª Suzete Tranquada para<br />
lhe apresentar as questões que estivemos a discutir<br />
na reunião de ontemˮ. Deixava-nos experimentar, voar,<br />
opinar, fazer e quando nos corrigia era com delicadeza<br />
e suavidade. Nunca nos colocava em situações constrangedoras.<br />
Ouvia-nos e exemplificava os seus pontos<br />
de vista. Queria-nos excelentes, resilientes, humanos,<br />
disponíveis, sábios. Queria-nos maiores e respeitados.<br />
Para além do dom da palavra tinha o da escrita. Das suas<br />
inúmeras publicações (livros, artigos, estudos, relatórios,<br />
etc.) destaco a sua participação no livro da APDH, “O<br />
Futuro da Saúde em Portugal”, subordinado ao tema “O<br />
sistema de saúde português: donde vimos, para onde vamos”,<br />
onde António Correia de Campos, na altura Ministro<br />
da Saúde, no Posfácio da referida publicação escreve<br />
“Vasco Reis identifica a enorme transformação sofrida<br />
no sistema de Saúde português, especificamente na<br />
organização, na prestação e no financiamento dos cuidados<br />
de saúde…”, e eu atrevo-me a realçar do que escreveu<br />
a necessidade de manutenção dum sistema universal,<br />
tendencialmente gratuito, compreensivo, sustentável<br />
e que garanta a acessibilidade que viabiliza um dos<br />
pilares da nossa solidariedade. Que assim possa ser a<br />
bem do nosso SNS, caro Professor Vasco Reis. Ã<br />
26 27
GH homenagem<br />
VASCO REIS,<br />
LíDER DA GESTãO HOSPITALAR<br />
O meu Mestre inesquecível<br />
”Testemunhos<br />
José Gonçalves André<br />
Admininstrador <strong>Hospitalar</strong> - Sócio APAH, Auditor Interno ARSLVT,<br />
Membro CAAH 2020-<strong>2021</strong><br />
O<br />
Professor Vasco Reis era um homem<br />
com uma personalidade muito vincada,<br />
com pensamento próprio e muito<br />
atualizado, devido às suas preocupações<br />
em saber o que se passava no<br />
mundo da gestão hospitalar. Lembro-me que uma das<br />
suas revistas de referência era a revista francesa de<br />
“Gestion Hospitaliere”, que nos aconselhava também<br />
a ler.<br />
Para além de administrador da Comissão Coordenadora<br />
dos HCL, nos anos 80 do século passado, data<br />
em que tive o privilégio de trabalhar e aprender com<br />
ele, era sobretudo um líder no sentido de influenciar<br />
e conduzir equipas de gestão dos diversos serviços e<br />
hospitais que integravam os HCL.<br />
Tendo passado por diversos serviços, recordo quando<br />
exercia funções no chamado Serviço de Auditoria, que<br />
funcionava junto da Comissão Coordenadora (CC), e<br />
que tinha como função principal, desenvolver atividades<br />
de planeamento e controlo de gestão, que fazia a<br />
integração e acompanhamento dos diversos planos de<br />
atividade de cada um dos sete Hospitais dos HCL, termos<br />
posto em prática um modelo de gestão inovador<br />
criado pelo Vasco Reis, designado por Sistema de <strong>Gestão</strong><br />
Previsional Descentralizado (SGPD), que permitia<br />
recolher e tratar a informação de gestão dos diversos<br />
serviços e hospitais e fornecer à CC a informação que<br />
precisava para fazer a gestão do Grupo.<br />
De tal forma este sistema foi importante e marcante<br />
que já nos finais da década de 90, quando fui nomeado<br />
como administrador delegado do Hospital da Covilhã,<br />
ensaiei um modelo semelhante e, em Mirandela, no início<br />
dos anos 2000 o apliquei com ótimos resultados e<br />
satisfação dos principais responsáveis.<br />
José Gonçalves André com Vasco Reis no Congresso Europeu<br />
de Administração <strong>Hospitalar</strong>.<br />
Voltando ao Vasco Reis, eu diria em abono da verdade,<br />
que para além de grande gestor da administração<br />
hospitalar, foi um grande professor na ENSP, que curiosamente<br />
nunca deixou essa atividade de ensino, a par<br />
da função de administrador (confidenciava-me ele, nos<br />
tempos de vacas frias, quando foi vítima da divisão do<br />
Grupo HCL, que a sua “salvação”, era a sua ligação aos<br />
CAH da ENSP).<br />
Para além do que já referi, perdemos um amigo, com<br />
qualidades humanas excecionais. Ã<br />
Teresa Sustelo de Freitas<br />
Presidente do Conselho Diretivo do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
Psiquiátrico de Lisboa<br />
Começo por referir que tudo o que vou<br />
escrever sobre o meu muito querido<br />
Mestre e Amigo Professor Vasco Reis,<br />
será sempre uma ténue sombra sobre<br />
uma das pessoas mais excecionais que<br />
conheci. Sinto-me ainda mais pequena do que sou, pois<br />
tudo o que possa referir será altamente redutor e não<br />
conseguirei expressar-me com a justiça que merece e<br />
que se impõe. Espero que me perdoem por isso.<br />
O nosso primeiro encontro foi em setembro de 1983,<br />
na entrevista que fazia parte dos métodos de seleção<br />
para o Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Pessoa afável<br />
e com enorme sentido de humor.<br />
Lembro-me que fiquei um pouco preocupada quando,<br />
durante a entrevista, eu respondi que uma das coisas<br />
que gostava de fazer era cozinhar e o professor riu-se e<br />
andou à volta desta resposta. Pensei que, se calhar, não<br />
devia ter dito mas era verdade. Mais tarde disse-me que<br />
eu tinha sido corajosa pois acreditava que poucas mulheres<br />
em circunstâncias idênticas teriam referido tal gosto.<br />
Foi o gestor do nosso 14<strong>º</strong> Curso e nosso professor,<br />
sempre muito atento aos alunos, rigoroso, exigente, disponível,<br />
perspicaz e profundamente trabalhador. Reunia<br />
duas qualidades fundamentais: um enorme conhecimento<br />
teórico sobre as coisas e o conhecimento prático<br />
da aplicação concreta no terreno. O curso durava<br />
dois anos com aulas e estágios e a tese. O último estágio<br />
do curso tive o privilégio de o fazer nos Hospitais Civis<br />
de Lisboa onde era o Administrador Geral da Comissão<br />
Coordenadora dos HCL. Era o elemento fundamental<br />
e preponderante desta comissão. Com ele aprendemos<br />
todos muitíssimo pois era um homem e um profissional<br />
muito à frente do seu tempo. Foi um eterno inovador.<br />
Estudava muito afincadamente tudo em geral, e<br />
em particular sobre gestão e administração, e punha em<br />
prática as teorias mais modernas e mais exigentes. Já<br />
em 1985, no nosso primeiro ano como administradores<br />
hospitalares, tivemos a oportunidade de perceber que<br />
tinha erguido um sistema de informação, de controlo e<br />
de auditoria de gestão, muito exigente, bem divulgado<br />
e que convidava à participação de todos os profissionais,<br />
com especial incidência dos conselhos de gerência<br />
dos vários hospitais que constituíam o grupo hospitalar<br />
e que atuavam com delegação de competências da Comissão<br />
Coordenadora. Criou um modelo de gestão em<br />
cascata, que se replicava a todos os níveis institucionais.<br />
Motivou, obviamente, o interesse dos vários setores em<br />
participar ativamente e criando um clima de saudável<br />
competição.Importa frisar que quem mais beneficiava<br />
do desenvolvimento destes importantes instrumentos<br />
de avaliação de resultados eram os doentes.<br />
Tive ainda o privilégio de trabalhar, sob a sua coordenação,<br />
no grupo de trabalho nomeado pela então ministra<br />
Dra. Maria de Belém Roseira, sobre o estatuto jurídico<br />
dos hospitais do SNS. Também neste contexto a sua<br />
faceta visionária, capacidade crítica, de análise e criativa<br />
permaneceram bem visíveis. Antecipou, e de uma<br />
forma mais profunda e consistente, a empresarialização<br />
dos hospitais.<br />
Publicou muitos artigos, fruto das suas investigações<br />
permanentes e divulgava-os, partilhando com todos nós,<br />
numa altura bem diferente da que vivemos, em termos<br />
de difusão da informação e do conhecimento.<br />
Eu tive o privilégio de iniciar a minha carreira a trabalhar<br />
com este grande Mestre. Foi a pessoa que mais influenciou<br />
a minha prática profissional e por quem tinha e<br />
tenho uma admiração enorme.<br />
Todos nós tomamos decisões difíceis e eu dou por mim<br />
muitas vezes a pensar como é que o meu Mestre faria<br />
naquelas circunstâncias. Estou segura que muitos pensarão<br />
da mesma forma porque, ou na ENSP ou nos Hospitais,<br />
o nosso querido Professor deixou para a nossa<br />
vida toda uma marca indelével.<br />
Tive o enorme privilégio de me aproximar muito dele e<br />
de me ter acolhido na sua fantástica família e de ter criado<br />
fortíssimos laços de amizade que muito prezo e de que<br />
tenho o maior orgulho.<br />
Estou-lhe eternamente grata por tanto e por tudo o que<br />
me deu, sempre tão profissional e generosamente.<br />
Está para sempre nas minhas melhores e belíssimas recordações.<br />
Ã<br />
28 29
GH homenagem<br />
ATÉ SEMPRE VASCO<br />
Foi assim que aconteceu!<br />
Germano de Sousa<br />
Administrador do Grupo Germano de Sousa<br />
António Pinto Soares<br />
Médico Dermatologista<br />
”Testemunhos<br />
Mais um amigo e companheiro dos tempos<br />
de Coimbra que a morte rouba<br />
ao nosso convívio e amizade. Quando<br />
lá cheguei, caloiro de medicina no início<br />
da notável década de 60 do século<br />
passado, o Vasco começava o 2<strong>º</strong> ano de Direito. E foi<br />
no meio do turbilhão das crises e revoltas estudantis que<br />
marcaram essa década, sem os quais talvez o 25 de abril<br />
se tivesse dado bem mais tarde, que nos fizemos amigos<br />
e companheiros na mesma luta pela libertação do jugo<br />
salazarista, partilhando a ânsia de liberdade e o encantamento<br />
dos novos ventos culturais que, vindos da Europa<br />
democrática a custo rompiam as fronteiras de um<br />
país cediço e cinzento. Com outros companheiros, muitos<br />
felizmente ainda entre nós, tudo fizemos e em tudo<br />
participámos. Desde cooperativas livreiras até ao teatro<br />
de vanguarda, desde as assembleias magnas e greves de<br />
protesto até aos convívios onde muitas vezes o Zeca e o<br />
Adriano faziam ouvir a sua voz. Com a sua habitual calma<br />
e já com a sua proverbial barba o Vasco estava presente<br />
contribuindo para o futuro com a sua inteligência,<br />
coragem e bom senso.<br />
Depois da Universidade, venho a reencontrá-lo nos Hospitais<br />
Civis de Lisboa, essa icónica instituição que desde<br />
sempre foi a melhor escola de ensino pós-graduado de<br />
Lisboa e do país, em todas as especialidades médicas e<br />
cirúrgicas e que graças ao Vasco, muito foi valorizada nos<br />
dez anos, de 1978 a 1988, em que foi seu Administrador<br />
Geral. Fui, durante esse período, Diretor de Serviço<br />
num dos hospitais do grupo e, como tal, testemunha privilegiada<br />
das reformas que introduziu, algumas muito inovadoras<br />
para a época, melhorando grandemente o funcionamento<br />
do grupo hospitalar.<br />
Durante todos estes anos fui seguindo com muito agrado<br />
o percurso do Vasco e o modo como se tornou uma<br />
figura incontornável na gestão e organização hospitalar<br />
bem como a sua brilhante carreira universitária. Recordo-me<br />
bem do forte abraço que lhe dei quando o soube<br />
catedrático na Escola Nacional de Saúde Pública.<br />
A última vez que estivemos juntos foi no casamento de<br />
uma amiga comum. Como sempre fizemos, comentámos<br />
as circunstâncias da política de saúde, intercalando-<br />
-as com memórias de in illo tempore.<br />
A ausência de um amigo que a morte levou é sempre<br />
injusta e precoce para os amigos e difícil de preencher.<br />
Mais ainda quando este país, que atravessa tempos tão<br />
difíceis, precisava também da sua inteligência, saber e da<br />
voz do seu bom senso na Saúde.<br />
Porém, verdadeiramente injusta, precoce e insubstituível<br />
foi a sua morte para toda a sua família a quem deixo as<br />
minhas mais sentidas condolências.<br />
Esta maldita pandemia não deixou que eu e muitos outros<br />
amigos, nos despedíssemos pela última vez. Que<br />
seja este depoimento a despedida.<br />
Até sempre, Vasco! Ã<br />
Em 1962, em Coimbra, o meu grande<br />
amigo José Carlos Monteiro Costa, mais<br />
tarde um dos primeiros a ter, em França,<br />
uma graduação em Administração <strong>Hospitalar</strong>,<br />
convidou-me para ir tomar café<br />
ao Mandarim...!<br />
O piso de cima acolhia a inquietude dos estudantes da<br />
época. Ali, entre o fumo e as gargalhadas, se discutia<br />
tudo, de André Breton a Sartre ou a Marcuse, de Miles<br />
Davis a John Cage e Billie Holiday, do Teatro Moderno<br />
a Gil Vicente, da pintura moderna a Pierro de la Francesca,<br />
da poesia provençal ao neo-realismo, de Fellini a<br />
Jean Luc Godard; e sobretudo a conspiração.<br />
Aquilo não era um café, era uma espécie de clube em<br />
que cada um se sentava num dos lugares disponíveis<br />
das mesas existentes, um turbilhão de sonho e inquietação.<br />
Foi ali que conheci o Vasco Reis, um pouco mais<br />
velho; tinha um aspeto de solidez e ponderação que o<br />
tornava diferente da divagação especializada.<br />
O Vasco, já nessa altura cofiava a pera e dava a entender<br />
um conhecimento particular dos meandros da<br />
política Universitária e da Nação.<br />
Nessa altura tinha 19 anos e criei laços de amizade para<br />
toda a vida com vários dos intervenientes daquelas<br />
noites. É certo que todos tiveram percursos diferentes,<br />
de opções culturais e políticas, de sucessos e insucessos;<br />
alguns foram-se encontrando ao longo da vida, mas<br />
mesmo aqueles que só raramente encontrei, sabia que<br />
quando os visse eram amigos reais, ou seja, era como<br />
se tivéssemos estado juntos ontem!<br />
Obtive o título de Especialista em Dermatologia e Venereologia<br />
pouco antes do 25 de Abril; trabalhava nos<br />
Hospitais Civis de Lisboa. O período que se seguiu até<br />
1976, foi particularmente confuso, na vida <strong>Hospitalar</strong><br />
e Universitária, onde também estava empenhado. No<br />
princípio dos anos 80, obtive a graduação e o lugar de<br />
Chefe de Serviço <strong>Hospitalar</strong> no Hospital do Desterro.<br />
É curioso que não tenho a noção dos Administradores<br />
<strong>Hospitalar</strong>es, no Hospital, até ao 25 de Abril; lembrome<br />
apenas do Dr. Lima das Neves e a imagem que<br />
tenho é que existiriam uns 6 ou 7 Administradores, no<br />
seu todo, nos 9 hospitais do grupo H.C.L.<br />
Por razões do acaso fui eleito Coordenador do Internato<br />
Médico dos H.C.L.; durante mais de 10 anos, durante<br />
toda a década de 80 e parte da de 90, mantive reuniões<br />
regulares com a Comissão Coordenadora dos H.C.L.<br />
Foi aí que reencontrei o Vasco que, conjuntamente<br />
com um médico notável pela sua inteligência e correção,<br />
o Dr. José Alberto Mateus Marques, mantinham<br />
a coesão dos H.C.L.; com os mesmos orçamentos de<br />
sempre, procuravam sempre modernizar as instalações<br />
e quadros hospitalares, assim como apoiar as estruturas<br />
culturais da Instituição, nomeadamente a Sociedade<br />
Médica dos Hospitais Civis de Lisboa, de que fui Presidente<br />
por um mandato nos anos 90.<br />
O Vasco Reis, sempre lúcido, leal, sereno e determinado,<br />
contribuiu para a reconstrução do Grupo <strong>Hospitalar</strong><br />
de uma forma digna e decisiva. Depois, o Vasco<br />
dedicou-se particularmente ao Ensino e à Vida Universitária<br />
e eu fui, nos últimos 23 anos da minha Vida <strong>Hospitalar</strong>,<br />
Diretor do serviço de Dermatologia do Hospital<br />
do Desterro e dos Capuchos.<br />
Fomo-nos encontrando pontualmente com doçura e<br />
amizade. Obrigado Vasco. Ã<br />
30 31
GH homenagem<br />
TERTÚLIAS DAS ALHEIRAS<br />
Para um Amigo<br />
”Testemunhos<br />
José de Quintanilha Mantas<br />
Filho de Augusto Mantas<br />
Meu pai, Augusto Mantas, convidava,<br />
para jantares de alheiras, (feitas em<br />
nossa casa, em Bornes, Macedo de<br />
Cavaleiros) alguns dos administradores<br />
hospitalares, colegas de trabalho,<br />
seus pares, com quem trabalhava e convivia, no dia a<br />
dia. Habituámo-nos a tratar os pares do pai, como a mãe<br />
os tratava, (Vasco Reis, Vasquinho, Correia de Campos,<br />
Campos, Francisco Ramos, Francisco) sempre dentro<br />
da cordialidade e carinho que nos mereceram.<br />
Perto das 19H30, tocavam à porta, corremos a escada<br />
(na casa velha, na Gonçalves Crespo, 78 degraus) e depois<br />
de vermos quem subia, chegámos ao pé da mãe,<br />
Mi e dissemos “Ó mãe o pai traz um Beatle...ˮ (cabelo<br />
despenteado, nós da gravata abaixo com botão desapertado,<br />
casaco na mão) nem mais que o Cristiano de<br />
Freitas, subia com o pai, apresentou-nos, o Cristiano à<br />
vontade, e começámos a preparar algumas bebidas e<br />
salgadinhos. De novo tocam à porta e vemos, a sempre<br />
linda cabeleira branca do Vasco Reis acompanhado<br />
pela Corália, casal mimoso e carinhoso. Abraços, beijos,<br />
o Vasco Reis e Corália cumprimentando o Cristiano.<br />
Conversa aqui, palavra ali, petiscando e bebendo. Chegam<br />
o Correia de Campos e Belinhas, sua mulher que<br />
se encontram à porta da rua com o Vitor da Fonseca e<br />
o Cassiano Póvoas.<br />
Passando ao jantar, a mãe geria os lugares, ficando o<br />
Vasco Reis ou o Campos à sua direita, e a Corália ou a<br />
Belinhas à direita do pai, seguidos dos restantes comensais.<br />
Sopa de agrião, alheiras de Bornes, batatas cozidas,<br />
grelos, azeite da casa, as travessas de mão em mão,<br />
explicando a mãe, nos entretantos, o seu fabrico.<br />
Eu ou o Toni abríamos as garrafas, Evel 66, Dão, Porta<br />
de Cavaleiros.<br />
Vasco Reis lembrava uma ou outra receita de família<br />
que a Corália ia fazendo, com requintes que seu marido<br />
enaltecia com ternura. Vasco Reis tinha um motus vivendi<br />
muito peculiar, no descritivo que fazia de receitas, da<br />
delicadeza dos passos que se davam à beira do fogão,<br />
saindo das mãos de sua mulher, deliciosos petiscos.<br />
No meio destes debates culinários, se desviavam as suas<br />
opiniões sobre alguns problemas hospitalares trocando<br />
com Correia de Campos e Augusto Mantas conversas<br />
amenas mas frutuosas, não menos opinadas também<br />
por Vitor da Fonseca (Vitor Manuel Mateus Ribeiro da<br />
Fonseca, meu Diretor no Such) e Cassiano.<br />
Após uma sobremesa de leite-creme, ou outra que a<br />
mãe Mi fazia, fruta, café, ficavam na sala de jantar, os<br />
Senhores, fumando e bebendo um Porto, Gouvinhas<br />
(anterior a 1898), um cognac Napoléon, um armagnac<br />
Marquis de Puysegur, prosseguindo os debates hospitalares,<br />
sempre frutuosos e elucidativos pela parte de<br />
Vasco Reis, sempre muito seguro e direto no que descrevia,<br />
cabendo à mãe Mi encaminhar as Senhoras de<br />
novo para o escritório, onde mostrava as centenárias<br />
rendas e bordados de família, louças e porcelanas com<br />
histórias curiosas, ou fotos de viagens, onde estavam<br />
meu pai, Vasco Reis e colegas, hoje, organizadas e arquivadas<br />
por mim.<br />
Foram inúmeros os jantares para os quais meu pai convidava,<br />
sempre com o cuidado de não misturar cores<br />
políticas ou incompatibilidades, relembro alguns, Carlos<br />
Costa, Francisco Ramos, Rogério de Carvalho, Monteiro<br />
Costa, Sebastião Lima Rego, Roque da Silveira, Manuel<br />
Delgado, Coriolano Ferreira, Nogueira da Rocha,<br />
Menezes Duarte, Dona Inês, Cecília Ribeiro, M.ª Emília<br />
Franco Henriques e Dona Marília. Ã<br />
Fernando Leal da Costa<br />
Professor Associado Convidado da ENSP<br />
Não tenho muitos. Não sou habitual nos<br />
links sociais das principais redes da internet.<br />
O número de Dunbar não se aplica<br />
na minha contagem, pelo que nunca me<br />
preocupei a somar se tenho mais do que<br />
150 amigos. Devem andar nas dezenas. Duas a três, no<br />
máximo. Muitos desses amigos não são pessoas com<br />
quem prive muito. Confesso que sou de poucas intimidades.<br />
Eu estou aqui e sei que os amigos estão comigo e<br />
eu com eles. Não me parece que seja só amigo daqueles<br />
com quem estou sempre, das “visitas lá de casa”. Neste<br />
último grupo, mais restrito, devem estar uma meia dúzia,<br />
descontando a família que, por sinal, também é reduzida.<br />
Há “conhecidos” que julgo serem meus amigos. Se não<br />
forem, não fará mal. Eu gosto deles. Chega isso.<br />
Há um tipo de amigos que são os Mestres. Grupo muito<br />
limitado que conto sem dificuldade. São 10. Número redondo.<br />
São aqueles de quem nunca me preocupei saber<br />
se me consideram na sua pool de amizades, mas a quem<br />
eu devo as partes mais relevantes do meu caminho pessoal,<br />
da construção do homem profissional e, também por<br />
isso, do que Sou. A maioria está viva. Três deles, lamenta-<br />
velmente, já não estão entre nós, embora o seu trabalho,<br />
o seu legado, perdure.<br />
Vasco Reis é, será sempre, um desses Mestres. Foi com ele<br />
e por ele que ingressei no Corpo de docentes da Escola<br />
Nacional de Saúde Pública (ENSP), em 2004. Deixaram-<br />
-me entrar, seguramente porque fui levado pelo Professor<br />
Vasco Reis. Graças a Vasco Reis e com a ajuda dele, iniciei-<br />
-me na docência regular e remunerada, coisa que na minha<br />
vida de Médico me tinha sido quase sempre negada,<br />
pelo establishment, pelas regras, pelas circunstâncias, por<br />
outras pessoas. Acreditou em mim, sem que nada o obrigasse<br />
a isso. Ganhei mais com a “Escola”, com os Colegas<br />
e Alunos, do que alguma vez a ENSP ganhou comigo. Só<br />
por isso já lhe estou grato.<br />
Com Vasco Reis e a sua visão de modernidade e mudança,<br />
plasmada em muitos escritos de que relevo “<strong>Gestão</strong><br />
em Saúde: um espaço de diferença”, o testemunho que<br />
nos deixou em 2007 e que deve ser de leitura obrigatória<br />
pelos Administradores <strong>Hospitalar</strong>es, um livro de cabeceira,<br />
aprendi mais do que alguma vez ensinei. Interessei-me por<br />
um lado da Administração <strong>Hospitalar</strong> e da Saúde que comecei<br />
por conhecer mal, para depois compreender que<br />
sempre o tinha conhecido, o da interface entre o core business<br />
das instituições de saúde, promover, prevenir, tratar,<br />
e as sucessivas plataformas de comando que vão de cada<br />
profissional individual, passando pelas direções de serviços,<br />
conselhos de administração local, estruturas regionais,<br />
até à Administração e Governo centrais. Devo dizer, com<br />
humildade e nesta singela homenagem, que Vasco Reis foi<br />
um dos obreiros mais significativos do meu percurso de<br />
Médico nas suas múltiplas facetas e manifestações. Não<br />
me ocorre nada de mais importante. Ã<br />
32 33
GH homenagem<br />
A minha homenagem<br />
a VASCO REIS<br />
Legado pioneiro<br />
e significativo<br />
Silvino Maia Alcaravela<br />
Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />
Rui Santana<br />
Professor ENSP<br />
”Testemunhos<br />
Emocionado recordo aqui um distante dia<br />
de setembro de 1978, em que na minha<br />
casa em Abrantes recebi uma chamada<br />
do Professor Vasco Reis, o meu entrevistador<br />
nas exigentes provas de seleção<br />
para a frequência do nono Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>.<br />
Disse-me na altura que me teria informado mal<br />
acerca da indisponibilidade de atribuição de bolsas para<br />
a frequência do curso e que fazia muito empenho em<br />
não perder (um sociólogo que conseguia entender) para<br />
frequência do nono CAH. Assim me decidi a frequentar<br />
o curso.<br />
A nossa relação iria aprofundar-se no estágio para elaboração<br />
da dissertação de final da Especialização em Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, que realizei no Hospital de Santo<br />
António dos Capuchos, sob a sua orientação.<br />
Animado de preocupações de evolução gestionária dos<br />
hospitais propôs-me como tema da dissertação: Contributo<br />
para uma Redefinição da Função Serviço Social do<br />
HSAC numa perspetiva de utilização hospitalar.<br />
A temática abordada tinha dois objectivos fundamentais:<br />
Determinar a incidência dos casos sociais na demora<br />
média do Hospital, matéria muito invocada para justificar<br />
as demoradas estadias em diversos serviços. Através da<br />
aplicação de técnicas de one day survey. Contando com<br />
grande acolhimento dos médicos diretores de serviço,<br />
pudemos calcular o peso desta casuística no internamento<br />
inadequado no HSAC em três por cento;<br />
Analisar a função do serviço social e avaliar o seu contributo<br />
no planeamento de altas e continuidade de cuidados,<br />
matéria que só alguns anos depois viria a ter assunção<br />
política na criação das unidades de cuidados continuados<br />
e no desenvolvimento dos serviços de cuidados<br />
domiciliários.<br />
Nesta linha de atenção na utilização do internamento<br />
hospitalar, Vasco Reis viria a ensaiar e implementar as<br />
primeiras técnicas de ratificação de estadias, visando a<br />
racionalização da utilização das camas hospitalares, matéria<br />
que adquiria relevância face ao crescimento acelerado<br />
dos custos hospitalares.<br />
Não esquecemos a acolhedora atmosfera no trabalho de<br />
campo no HSAC, onde para além da orientação, simpatia,<br />
disponibilidade e fino humor de Vasco Reis, o apoio<br />
dos Diretores de Serviço, aqui relembrado no Doutor<br />
Valadas Preto, e até da auxiliar que servia o habitual café<br />
de saco, tinham a marca inconfundível da liderança dum<br />
gestor reconhecido e respeitado.<br />
Do mestre ficou a inspiração como modelo, a admiração<br />
pelo desempenho profissional e perfil intelectual e<br />
humano, a gratidão pelo incentivo, apoio e o grande contributo<br />
na carreira, que felizmente abracei ao longo de<br />
quase trinta anos. Obrigado Vasco Reis. Ã<br />
Recordar o Prof. Vasco Reis conduz-me<br />
ao meu percurso na Escola Nacional<br />
de Saúde Pública. Desde a entrevista,<br />
onde encontrei o privilégio de o conhecer,<br />
à primeira aula do Curso de<br />
Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> em outubro<br />
de 2001, aos ensinamentos letivos, científicos e<br />
pessoais, à discussão do meu trabalho final.<br />
Posteriormente, foi a convite do Prof. Carlos Costa e<br />
do Prof. Vasco Reis que fui incentivado a percorrer um<br />
percurso na academia e na ENSP. Mais do que esta ligação<br />
profissional, tive também o privilégio de poder<br />
contar com a presença do Prof. Vasco Reis em momentos<br />
de celebração e confraternização pessoal. Por<br />
todos estes momentos e oportunidades proporcionadas<br />
só tenho palavras de admiração, reconhecimento e<br />
agradecimento ao Prof. Vasco Reis.<br />
Tendo na minha formação de base uma licenciatura em<br />
<strong>Gestão</strong> de Empresas, aprendi com o Prof. Vasco Reis<br />
as diferenças que existem na gestão de organizações de<br />
saúde. A história da Administração <strong>Hospitalar</strong>, as suas<br />
características diferenciadoras e sobretudo o porquê<br />
de existir a área cientifica da gestão de organizações<br />
de saúde. As perguntas e os porquês eram importantes<br />
para o Professor e ainda hoje eu procuro ter presente<br />
e praticar esse ensinamento.<br />
O Prof. Vasco Reis fica fortemente ligado ao Curso<br />
de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong>, o qual<br />
frequentou na sua primeira edição e posteriormente<br />
dirigiu durante 25 anos. A sua participação conduziu<br />
à formação de centenas de alunos que exerceram ou<br />
ainda exercem as funções de administração hospitalar<br />
nos nossos hospitais. Para além de contribuir para a<br />
estruturação da formação e da profissão, o Prof. Vasco<br />
Reis manteve a sua veia empreendedora e esteve<br />
também diretamente envolvido na criação do Curso<br />
de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde, sendo o seu diretor<br />
entre 2005 e 2007.<br />
Deixou-nos também um legado pioneiro e muito significativo<br />
na ciência da Administração <strong>Hospitalar</strong> no nosso<br />
país. Publicações como “O sistema de saúde português:<br />
donde vimos, para onde vamos”, “<strong>Gestão</strong> em Saúde”<br />
ou “Vamos reconstruir o arquipélago”, são referências<br />
que se tornaram clássicas e às quais ainda hoje recorro.<br />
De referência também a sua tese de doutoramento, um<br />
contributo para o papel do Administrador <strong>Hospitalar</strong>.<br />
Não posso também deixar de recordar a última aula do<br />
Prof. Vasco Reis. Mais do que a sua memorável lição foi<br />
a manifestação de dezenas (centenas?) de antigos alunos<br />
que não quiseram deixar de estar presentes nesse<br />
momento. As suas características pessoais conduziam a<br />
relações de toque pessoal e sentimento familiar que<br />
perduraram ao longo dos anos.<br />
As tentativas de aplicação de novas teorias, modelos e<br />
práticas de outros sectores ao setor da saúde, e particularmente<br />
às organizações de saúde, constituem atropelos<br />
grosseiros que continuam mais ativos do que nunca.<br />
Cabe-nos a nós, académicos, administradores hospitalares,<br />
profissionais que exercem cargos de gestão, ter<br />
presente os ensinamentos do Prof. Vasco Reis, reconhecendo<br />
a diferença científica da gestão de organizações<br />
de saúde nas dimensões de investigação, formação<br />
e sua aplicação.<br />
Como o Prof. Vasco Reis gostava de citar, este pode<br />
ser o nosso pequeno contributo para não apenas proporcionar<br />
mais anos à vida, mas dar mais vida aos anos<br />
àqueles para quem nós trabalhamos todos os dias. Ã<br />
34 35
GH homenagem<br />
O VASCO era o porto seguro<br />
As frases, as lições e o humor<br />
Maria de Belém Roseira<br />
Ministra da Saúde do XIII Governo Constitucional (1995-1999)<br />
Sílvia Lopes<br />
Professora Auxiliar da ENSP<br />
”Testemunhos<br />
Perde-se no tempo o momento em que conheci<br />
o Professor Vasco Reis. Por ser amigo<br />
de familiares, por ter cruzado o nosso caminho<br />
em múltiplos projetos ao longo das<br />
últimas mais de quatro décadas, não consigo<br />
precisar o momento. E isso quer dizer que tenho a sensação<br />
que o conheci desde sempre. Por isso me faz falta.<br />
Muita falta!<br />
Recordo aqui a sua afabilidade, a sua bonomia, o seu trato<br />
fácil, a sua gargalhada sonora, a sua disponibilidade permanente<br />
para construir, a sua franqueza e a tranquilidade<br />
que punha nos desafios que agarrava, o seu gosto pela<br />
docência e a preocupação com os seus alunos.<br />
Os nossos caminhos cruzaram-se, como disse, em múltiplas<br />
circunstâncias e são boas as recordações que me deixaram.<br />
Tanto tempo, tantos projetos, tantas realizações.<br />
O Vasco era o porto seguro, o amigo que conseguia ser<br />
colega sem se deixar contaminar pela amizade. Sabia usar<br />
a frontalidade educada que constrói a confiança. O Professor<br />
que vivia e respirava para os seus alunos. Generoso<br />
na partilha do seu conhecimento e da sua experiência,<br />
sabia ouvir os argumentos dos outros e mudar a sua opinião<br />
se fosse caso disso. Não buscava o protagonismo<br />
fácil, não retorcia a História para buscar nela lugar para<br />
além do que tinha tido. E se ele conhecia a História da<br />
Saúde em Portugal e as histórias da sua construção!<br />
Recordo-o com saudade e gratidão:<br />
A colaboração que me deu em dossiers complexos e<br />
também a forma competente e prestigiante como representou<br />
o País em matéria de Relações Internacionais,<br />
quer na OMS, quer no Conselho da Europa, que pude<br />
testemunhar. Os documentos estruturantes e marcantes<br />
para cuja elaboração aí contribuiu ativamente e cuja<br />
aprovação, em alguns casos improvável, pode festejar.<br />
As alegrias que partilhámos e a forma carinhosa como<br />
me tratava por “menina”.<br />
E os sustos de saúde que foi pregando. Sustos graves<br />
que conseguiu ultrapassar sempre. Por isso me deixou a<br />
sensação de que iria durar para sempre ou, pelo menos,<br />
para além de mim. Assim não foi.<br />
A sensação que me invade quando penso no Vasco é a<br />
do vazio que o seu desaparecimento me deixa. Porque<br />
nem sequer pude despedir-me dele fisicamente. Época<br />
em que confinamento é regra não deixa lugar para a expressão<br />
física dos afetos. E isso deixa-nos incompletos.<br />
Faz falta, para além da falta que se sente.<br />
Mas não perdi o mais valioso: a recordação serena que<br />
dele guardo e a gratidão por tudo o que me transmitiu,<br />
pois cada um de nós é ele próprio e o outro. E eu sou<br />
como sou, também pelo que o Vasco me transmitiu,<br />
sem eu ter dado conta, sem ele ter dado conta e sem<br />
nenhum de nós saber precisamente o quê. Mas está cá!<br />
Obrigada, Vasco, e até sempre!<br />
As minhas mais sentidas condolências à sua família, aos<br />
seus amigos, à Escola Nacional de Saúde Pública - a sua segunda<br />
casa - e à Associação Portuguesa de Administradores<br />
<strong>Hospitalar</strong>es onde será sempre um dos seus Maiores! Ã<br />
C<br />
M<br />
Y<br />
CM<br />
MY<br />
CY<br />
O<br />
meu primeiro encontro com o Professor<br />
Vasco Reis está ligado a um momento<br />
que marcou a minha vida profissional,<br />
a entrevista para admissão ao<br />
Curso de Especialização em Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>. Enquanto aluna do CEAH, em 2002,<br />
recordo-me do entusiasmo com que o Professor Vasco<br />
Reis nos transmitia o seu conhecimento, em especial em<br />
algumas matérias com que mais o identifico, como as<br />
especificidades da gestão em saúde e como estas motivam<br />
a necessidade de uma formação específica ou o papel<br />
do administrador no hospital. Foi na sala de aula que<br />
comecei a tomar contacto com o seu percurso profissional,<br />
rico e intenso, não só pelas funções de responsabilidade<br />
que ocupou, mas também pela forma como se<br />
lhes dedicava. E se nas aulas mostrava a sua capacidade<br />
de análise, não deixava de a acompanhar por pequenas<br />
histórias do seu dia-a-dia profissional, particularmente<br />
nos Hospitais Civis de Lisboa, algumas das quais ainda<br />
hoje me recordo.<br />
O Professor Vasco Reis esteve também presente no início<br />
do meu percurso enquanto docente na ENSP. Teve<br />
um papel central para o início do meu doutoramento<br />
e era coordenador do departamento que integrei e do<br />
AF_Anuncio_Inst_OCP_Final.pdf 1 11/03/<strong>2021</strong> 18:12<br />
qual ainda hoje faço parte. Nesse período, pude conhecê-lo<br />
melhor e ao seu percurso. Sem demérito do restante,<br />
destacava aqui a vasta experiência do Professor<br />
Vasco Reis na coordenação do CEAH, à qual esteve associado<br />
entre 1980 e 2005. Mais tarde, tive o gosto de<br />
poder colocar em prática alguns dos ensinamentos que<br />
colhi desse período. O tempo que partilhámos na ENSP<br />
deu-me ainda a oportunidade de conversar com o Professor<br />
Vasco Reis, o que era um gosto enorme, porque<br />
muitas vezes levava comigo algo que me desafiava a<br />
pensar mais, melhor ou diferente.<br />
A presença do Professor Vasco Reis continuou a fazer-<br />
-se sentir após a sua saída da ENSP e frequentemente<br />
me recordo de algumas das frases (lições, poderia até<br />
chamar-lhes) que ficaram para mim como a sua marca.<br />
Ao pensar naquelas que mais uso como “instrumentos<br />
de trabalho” vejo que são ao mesmo tempo eloquentes<br />
e certeiras, além de pautadas por um fino humor. Seria<br />
redutor e ousado procurar aqui descrever como era o<br />
Professor Vasco Reis, mas estas estarão certamente entre<br />
as características que recordo mais vivamente.<br />
O Professor Vasco Reis deixou uma marca indelével no<br />
meu percurso profissional e, consequentemente, em<br />
quem sou hoje. Foi uma honra e um privilégio. Ã<br />
CMY<br />
K<br />
36<br />
www.ocp.pt
GH homenagem<br />
”Testemunhos<br />
Damos vida à imagem<br />
que nos deixou<br />
Jorge Varanda<br />
Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1988-1992)<br />
Natural de Coimbra, de que terá herdado<br />
a bonomia e um certo sentido de humor,<br />
foi nessa cidade que Vasco Reis fez os seus<br />
estudos, liceais e universitários.<br />
Pela minha parte, cheguei apenas a Coimbra<br />
em 1963 para iniciar o 2<strong>º</strong> Ciclo dos estudos liceais<br />
e aí me mantive até acabar a licenciatura em Direito,<br />
em 1968. Os quatro anos de diferença de idade fizeram<br />
com que Vasco Reis fosse finalista quando comecei a<br />
estudar no Liceu D. João III e que usasse já as fitas largas<br />
quando eu fui caloiro na Faculdade de Direito. Percorremos<br />
os mesmos lugares: a escadaria, o átrio e os corredores<br />
do Liceu e a parte velha da Universidade, mas<br />
não resta qualquer memória de algum eventual encontro<br />
ou cruzamento.<br />
O primeiro encontro deu-se só em 1970 no quartel do<br />
Lumiar, onde funcionavam os cursos da Escola Prática de<br />
Administração Militar. Vasco Reis era oficial miliciano e docente<br />
quando transitei de Mafra para o Lumiar no curso<br />
de especialização. Coube-me a especialidade de Licenciados<br />
em Direito que, provavelmente, teria sido a sua e lhe<br />
teria aberto ali a porta a atividades de docência.<br />
Visto à distância, pode dizer-se que foi o Conde de Lippe<br />
que nos aproximou, dada a preponderância do Código de<br />
Disciplina Militar no contexto do Direito Militar.<br />
Durante o curso de especialização, Vasco Reis levou-nos<br />
ao expoente da disciplina militar instituída pelo Conde<br />
Lippe, o presídio militar de Elvas, cujo forte foi por ele<br />
mandado construir cerca de duzentos anos antes. Nesses<br />
longínquos anos 70, o castigo dado aos indisciplinados da<br />
tropa era o de carregarem um barril mal cheio de água<br />
pela encosta do monte até ao topo, despejá-lo por um canal<br />
que a reconduzia à origem e voltar ao sopé para encher<br />
o barril e carregá-lo de novo, monte acima. Assim<br />
passavam os dias. O esforço físico era agravado pelo calor<br />
que fazia naquele dia que visitámos o forte e pelo chocalhar<br />
da água dentro da vasilha. O espírito disciplinador do<br />
Conde ainda sobrevivia quase dois séculos depois de ter<br />
reorganizado as forças militares portuguesas.<br />
Valeu para amenizar essa visita a uma realidade tão estranha<br />
aos nossos valores e costumes atuais um almoço de<br />
excelente comida alentejana na ilustre cidade de Elvas.<br />
Depois do Lumiar, só voltei a encontrar o Professor Vasco<br />
Reis em 1978 a meio do Curso de Administração Militar,<br />
curiosamente na vizinhança do Quartel do Lumiar<br />
onde nos tínhamos conhecido. O novo Professor de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> vinha da prática de administração<br />
hospitalar nos antigos Hospitais Civis de Lisboa e de certo<br />
modo era um herdeiro apropriado, a nível do ensino,<br />
do Professor Coriolano Ferreira. Com tempo, estaria a<br />
gerar-se a herança deste último, bem ao estilo do seu<br />
pensamento, através de um ensino baseado na prática.<br />
Aliás, todo o Curso, estava desenhado desse modo, com<br />
aulas e estágios de assimilação da realidade.<br />
A partir do fim do Curso e do início das atividades profissionais<br />
cruzei-me uma vez ou outra com o Professor Vasco<br />
Reis na Escola Nacional de Saúde Pública na discussão<br />
de trabalhos dos alunos ou no apoio a estágios realizados<br />
no Centro <strong>Hospitalar</strong> das Caldas da Rainha, onde fui<br />
administrador principal entre meados de Dezembro de<br />
1979 e início dos anos 90. A meio dessa década, coube-<br />
-me coordenar as comemorações dos 500 anos do Hospital<br />
Termal Rainha Dona Leonor. Os Hospitais Civis interessaram-se<br />
depois pelo nosso programa de comemorações<br />
quando da preparação do V Centenário do Hospital<br />
de Todos os Santos, fundado em Lisboa em 1492.<br />
Assinalo ainda que, a meio dos anos 80, tive muito gosto<br />
em colaborar com o Professor Vasco Reis num painel<br />
Delphi para o trabalho que apresentou em 1986 “O Papel<br />
do Administrador Principal no Hospital Portuguêsˮ,<br />
no concurso para Professor Auxiliar da Cadeira de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> da Escola Nacional de Saúde Pública,<br />
pedra basilar da sua carreira docente. Guardo, aliás, um<br />
exemplar que me ofereceu com uma dedicatória pessoal.<br />
Outro momento que posso recordar é o da discussão<br />
do meu curriculum apresentado em 1990 numa Comissão<br />
de Avaliação que ele integrava. Eu vinha de 10 anos<br />
de gestão no Centro <strong>Hospitalar</strong> das Caldas da Rainha e<br />
tinha um longo historial de colaboração com o Curso de<br />
Administração <strong>Hospitalar</strong> da ENSP. Em termos de resultados,<br />
orgulhava-me o aumento da produção dos dois<br />
hospitais que constituíam o Centro <strong>Hospitalar</strong> e, em particular,<br />
a redução da demora média que permitia tratar<br />
muitos mais doentes no respetivo Hospital Distrital. Lembro<br />
que Vasco Reis quis puxar por mim, não deixando a<br />
avaliação apenas por um terreno formal ou laudatório.<br />
Para isso é que servem as Comissões de Avaliação.<br />
Essa baixa da demora média aproxima-me de uma referência<br />
que Vasco Reis faz no texto que escreveu para o<br />
livro comemorativo dos 50 anos da carreira de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> pela APAH em que ele identifica uma<br />
certificação de estadia nos Hospitais Civis de Lisboa, pela<br />
qual os médicos assistentes da cada doente eram conduzidos<br />
a fazer a previsão da alta do doente, com base<br />
numa justificação clínica. Recordo que o Dr. João Urbano<br />
colaborou com a gestão dos Hospitais Civis num trabalho<br />
de planeamento de altas, talvez nessa solução que tanto<br />
Carlos Pereira Alves<br />
Presidente da Direção da APDH<br />
Conheci o Vasco Reis a seguir ao 25 de abril<br />
nos Hospitais Civis de Lisboa (HCL), sendo<br />
ele Membro da Comissão Instaladora<br />
e eu vogal da Assembleia Geral de Trabalhadores<br />
do Hospital dos Capuchos.<br />
Desde aí, não sendo de convívio íntimo com o Vasco Reis<br />
e não tendo trabalhado com ele diretamente, iniciou-se<br />
uma longa viagem de encontros, convívio, reuniões, discussões<br />
e cumplicidades que me permitiram o conhecimento<br />
de Vasco Reis como homem e como profissional.<br />
Vasco Reis é por mim recordado como homem do lado<br />
do progresso, progresso em sentido lato, no seu sentido<br />
de progresso social, homem de contributos para uma<br />
Sociedade mais justa, mais equitativa, mais fraterna.<br />
Homem a favor do estado social, a favor de um Serviço<br />
orgulhou o Professor Vasco Reis.<br />
Todos nós sentimos a morte das pessoas que nos são<br />
próximas em termos de relacionamento. Todos nós, porém,<br />
sabemos que a morte é inevitável e que a soma<br />
dos anos nos aproxima desse fim no qual nos custa pensar.<br />
Cinquenta anos de carreira de administração hospitalar<br />
são, aliás, uma fatia considerável das vidas de quem<br />
os empreendeu em maior ou menor medida.<br />
Nessa perspetiva, não nos admiremos de termos perdido<br />
num espaço de tempo limitado os Drs. João Urbano,<br />
Eduardo Sá Ferreira, Cristiano de Freitas, Santos Cardoso<br />
e Vasco Reis.<br />
O Professor Vasco Reis foi o que mais consistentemente<br />
se dedicou em simultâneo ao exercício profissional e<br />
à docência, bem à imagem de Coriolano Ferreira. Lembrando<br />
os seus feitos e as suas qualidades, estamos a dar<br />
vida à imagem que nos deixou. Ã<br />
Pequena nota<br />
de reconhecimento e saudade<br />
Nacional de Saúde (SNS) como pilar essencial e fundamental<br />
da defesa da saúde, SNS não olhado como negócio,<br />
mas como um direito universal e gratuito no momento<br />
do cidadão dele necessitar.<br />
Para esse SNS, deu contributos para o seu desenvolvimento<br />
e organização como executivo nas suas funções<br />
nos HCL e como académico na Escola Nacional de Saúde<br />
Pública (ENSP).<br />
Vasco Reis era um homem da tolerância, do diálogo e de<br />
consensos, a favor da inclusão, jamais defendendo uma<br />
divisão da sociedade entre bons e maus.<br />
Homem de convicções e não de imposições. Homem da<br />
Liberdade e da defesa dessa mesma liberdade.<br />
Homem de convívio afável que lhe granjeou muitos amigos,<br />
como confirmado no jantar de homenagem que se<br />
realizou no restaurante Clara Jardim, ali tão perto do nosso<br />
inesquecível Hospital dos Capuchos.<br />
Por tudo isto, como disse Constantino Sakellarides na<br />
sessão de homenagem que lhe prestou a ENSP, “O Vasco<br />
vai fazer falta.ˮ<br />
Vasco Reis continuará presente e a fazer falta. Ã<br />
38
GH homenagem<br />
Uma referência<br />
da Administração <strong>Hospitalar</strong><br />
"Acho que<br />
fizemos bem"<br />
Grande nome<br />
da Saúde Pública<br />
”Testemunhos<br />
José Carlos Lopes Martins<br />
Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1996-1989)<br />
Sim, o Vasco é uma referência. Homem íntegro,<br />
inteligente, rigoroso, foi um profissional<br />
de valor, de qualidade e de dedicação<br />
inexcedíveis, quer no exercício da administração<br />
de hospitais, nomeadamente no en-<br />
Professor VASCO REIS<br />
Isabel Saraiva<br />
Presidente da Respira<br />
Conheci o Professor Vasco Reis quando<br />
nos anos 90 deu o seu saber e empenho<br />
à realização do Fórum da Economia da<br />
Saúde - Consequências Económicas de<br />
uma Política de Saúde, um projeto da API-<br />
FARMA, no qual, enquanto Diretora Executiva da instituição,<br />
tive o gosto de participar.<br />
Foi uma ação inovadora, que reuniu não só os melhores<br />
académicos portugueses, mas também, peritos internacionais<br />
e que ao longo de diversas sessões, debateu a<br />
tão grupo Hospitais Civis de Lisboa, quer na atividade<br />
docente, especialmente na Escola Nacional de Saúde<br />
Pública.<br />
Sempre o vi disponível para responder a desafios que<br />
com frequência os poderes públicos e instituições oficiais<br />
lhe faziam, por reconhecerem a sabedoria e clarividência<br />
dos trabalhos e contributos que produzia<br />
O seu humor fino e vivacidade tornavam quaisquer<br />
conversas com o Vasco, ainda que sérias, extremamente<br />
agradáveis<br />
O Vasco era um homem notável e afável e assim permanecerá<br />
na minha memória. Ã<br />
interligação, hoje óbvia, mas pouco evidente ao tempo,<br />
da saúde e da economia.<br />
As competências e a experiência do Professor Vasco<br />
Reis que ao longo de vários meses, escreveu, telefonou<br />
e contactou os palestrantes, sugeriu e aperfeiçoou<br />
textos e documentos, foram decisivas para o sucesso<br />
deste projeto. Guardo belas recordações deste trabalho<br />
conjunto: o Professor Vasco Reis, era um homem afável<br />
com um distinto e discreto sentido de humor, uma elevada<br />
capacidade de transmitir conhecimento e de reunir<br />
à sua volta os mais capazes profissionais.<br />
Estou grata à APAH, por se ter lembrado de mim para<br />
dar um testemunho sobre o Professor Vasco Reis e<br />
também por não deixar que as memórias se esbatam. Ã<br />
João Oliveira<br />
Presidente do C. A. do IPO Lisboa<br />
“<br />
Sabe, João? Acho que fizemos bem”, disse-<br />
-me o professor Vasco Reis, em meados<br />
do último dezembro.<br />
Foi uma curta conversa, na qual regressámos<br />
um pouco ao tempo em que, distantes<br />
na formação, distantes nas funções, com considerável<br />
distância na idade e nunca tendo tido convivência<br />
próxima, éramos parte desse misto de bem-fazer,<br />
tradição, modernidade, abnegação profissional, espírito<br />
de corpo e muitas mais coisas difíceis de explicar aos<br />
de fora, que se chama Hospitais Civis de Lisboa (HCL).<br />
Comecei a ser médico nos HCL.<br />
Primeiro o internato geral, depois a atração pela Hematologia<br />
e, a seguir, o despertar para o tratamento<br />
dos outros cancros, influenciado pelo Dr. Joaquim<br />
Gouveia, que então se batia pela sua ideia de organização<br />
da oncologia nos HCL.<br />
Via-o em longas conversas com o administrador Vasco<br />
Reis, em frente da igreja do Hospital dos Capuchos.<br />
Amigos antigos de Coimbra, explicar-me-ia Gouveia<br />
que, infelizmente, também já não pode dizer-nos do<br />
que falavam.<br />
Mas eu sei que falavam do futuro dos HCL e dos serviços<br />
de saúde em geral, porque o que então perspectivavam,<br />
com o professor Vasco Reis na difícil tarefa<br />
de encaixar a mudança nos hábitos estabelecidos e de<br />
encontrar as formas de concretizar os incentivos e a<br />
valorização dos mais novos, influenciou tudo o que eu<br />
vim a fazer como médico.<br />
Agora, passados mais de trinta e cinco anos sobre o<br />
nosso tempo dos HCL, eu ouvia do professor Vasco<br />
Reis este “Acho que fizemos bem”, a lembrar-me a<br />
importância dos que, discretamente, quase sem darmos<br />
por tal, passam pela nossa vida e a determinam<br />
para melhor. Ã<br />
Paulo Faria Boto<br />
Professor Auxiliar da ENSP<br />
Conheci o Professor Vasco Reis no final dos<br />
anos 90; coordenava ele, na altura, o Curso<br />
de Especialização em Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, na Escola Nacional de Saúde<br />
Pública, que será sempre a sua Escola.<br />
Foi dos primeiros, como sabemos, a ter formação especializada<br />
nesta área, obtida no estrangeiro, e era um acérrimo<br />
defensor da especificidade da mesma, pelo que a<br />
Administração <strong>Hospitalar</strong> em Portugal lhe deve muito.<br />
Enquanto docente e coordenador de curso, lembro-me<br />
da sua bonomia, afabilidade, espírito conciliador, e da forma<br />
paternal como tratava os alunos. E do seu sentido de<br />
humor e boa disposição. Lembro-me de uma aula em<br />
que discutíamos o que verdadeiramente importava nos<br />
sistemas de saúde, e concordámos numa palavra: valores.<br />
Era um dos pilares da Escola, com outros grandes nomes<br />
da Saúde Pública em Portugal.<br />
Foi um dos professores que me convidou a continuar na<br />
Escola como docente, e um dos que me levou a doutorar-me.<br />
Quando se decidiu reformar, pareceu-me cedo. A<br />
Escola e os mais novos ainda precisavam dele. Mas aprendi,<br />
com o tempo, a respeitar estas decisões, e o seu timing.<br />
Vi-o menos vezes a partir de então.<br />
Passados uns anos, enquanto leciono e coordeno um<br />
curso na Escola, suspeito que sou influenciado, mesmo<br />
que inconscientemente, por algumas das coisas que o vi<br />
fazer ou ouvi dizer. Ainda hoje cito um ou dois dos seus<br />
lemas e uma ou duas das suas anedotas.<br />
Cruzamo-nos ao longo das nossas vidas com muitas pessoas,<br />
mas não são muitas as que, de facto, influenciam o<br />
nosso percurso. Quando olhamos para trás, não podemos<br />
deixar de as reconhecer. Essas são, de facto, as que<br />
deixam marca.<br />
Falta-nos mais gente como ele. Na academia, na administração<br />
pública, no país. Ã<br />
40 41
GH homenagem<br />
VASCO REIS: Produção científica<br />
• Alves E, Reis VP, Costa G. Coord. I. as Jornadas de Saúde<br />
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, 15 de maio<br />
de 2008. Saúde, equidade e inclusão. Lisboa: Santa Casa da<br />
Misericórdia de Lisboa; 2008. ISBN 978-972-8761-28-8.<br />
• Sousa P, Furtado C, Reis VP. Patient safety research: a<br />
challenge for public Health. In: Ovretveit J, Sousa P, editors.<br />
Quality and safety improvement research: methods and<br />
research practice from the International Quality Improvement<br />
Research Network. Lisbon: Escola Nacional de<br />
Saúde Pública: MMC Karolinska Instituted; 2008. p. 46-56.<br />
• Reis VP. <strong>Gestão</strong> em saúde: um espaço de diferença. Lisboa:<br />
Universidade Nova de Lisboa. Escola Nacional de Saúde Pública.<br />
Schering-Plough; 2007. ISBN 978-972-98811-7-6.<br />
• Reis VP. A avaliação do desempenho em hospitais: editorial.<br />
Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2005; Temático<br />
(5): 3-6. Volume temático sobre Avaliação do desempenho<br />
em meio hospitalar.<br />
Disponível em http://hdl.handle.net/10362/16989<br />
• Reis VP. <strong>Gestão</strong> integrada: estudo de casos: programa,<br />
conteúdos e métodos de ensino. Lisboa: Escola Nacional<br />
de Saúde Pública; 2004. Obtenção do título de Agregado<br />
no Grupo de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de<br />
Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />
Nova de Lisboa.<br />
• Reis VP. Lição de síntese. Lisboa: Escola Nacional de<br />
Saúde Pública; 2004. Obtenção do título de Agregado no<br />
Grupo de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde<br />
da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />
Nova de Lisboa.<br />
• Reis VP. A intervenção privada na prestação pública: da<br />
expansão do Estado às parcerias público-privadas. Revista<br />
Portuguesa de Saúde Pública. 2004; Temático (4):121-36.<br />
Volume temático sobre Novos modelos de gestão da<br />
saúde em Portugal.<br />
Disponível em http://hdl.handle.net/10362/16891<br />
• Reis VP. <strong>Gestão</strong> em saúde. Revista Portuguesa de Saúde<br />
Pública. 2004;22(1):7-17.<br />
Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/16979<br />
• Reis VP, Falcão E. Hospital público português: da crise<br />
à renovação? Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2003;<br />
21(2):5-14. Disponível em http://hdl.handle.net/10362/100623.<br />
• Reis VP. O sistema de saúde português: donde vimos,<br />
para onde vamos. In: Barros PP, Simões J, coord. Livro de<br />
homenagem a Augusto Mantas. Lisboa: Associação Portuguesa<br />
de Economia da Saúde; 1999. p. 260-97.<br />
• Gomes AF, coord., Reis VP, relator. O sistema de saúde<br />
em Macau: diagnóstico e recomendações: relatório final:<br />
Julho 1997. Macau: Gabinete do Secretário Adjunto para<br />
os Assuntos Sociais e Orçamento. Governo de Macau. Escola<br />
Nacional de Saúde Pública Universidade Nova de Lisboa;<br />
1997. ISBN 972-97492-0-5.<br />
• Reis VP, Reis RP. A saúde e a empresa. Revista Portuguesa<br />
de Saúde Pública. 1996;14(1): 45-56.<br />
• Reis VP. As questões que se põem aos sistemas de saúde.<br />
<strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong>. 1995;9(31): 21-30.<br />
Costa C, Reis VP. O sucesso nas organizações de saúde.<br />
Revista Portuguesa de Saúde Pública. 1993; 11(3): 59-68.<br />
• Reis VP. Organização interna dos hospitais: o caso dos<br />
Açores. <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong>. 1990; 7(<strong>24</strong>-25):22-32.<br />
• Reis VP. O papel do administrador principal no hospital<br />
português. Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública; 1986.<br />
Concurso para professor auxiliar da Cadeira de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> da ENSP.<br />
• Reis VP. O hospital: um sistema aberto. Revista Portuguesa<br />
de Saúde Pública. 1985; 3(1): 11-18.<br />
• Reis VP, Reis CP, Esteves PB. Consumo de medicamentos<br />
em meio hospitalar: algumas perspectivas. Revista Portuguesa<br />
de Saúde Pública. 1983; 1(2): 53-61.<br />
• Reis VP. Avaliação do rendimento em estabelecimentos<br />
hospitalares. In: Ias Jornadas de Administração <strong>Hospitalar</strong>,<br />
Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública, 5 a 7 de Dezembro<br />
de 1977. Comunicações. Lisboa: Escola Nacional<br />
de Saúde Pública; 1977.<br />
• Reis VP. Financiamento hospitalar: situação do problema<br />
em Portugal: despesas de exploração. Lisboa: Escola<br />
Nacional de Saúde Pública; 1971. (Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> / ENSP; I. 1970/1971).<br />
Nota: Lista de produção científica referente a documentos<br />
disponíveis na Biblioteca da ESP-NOVA.<br />
42
GH SAÚDE GLOBAL<br />
PORTUGAL NA SAÚDE GLOBAL<br />
Francisco Pavão<br />
Gabinete de Diplomacia da Saúde da Ordem dos Médicos<br />
Miguel Guimarães<br />
Bastonário da Ordem dos Médicos<br />
A<br />
pandemia por Covid-19 é um desafio<br />
global exigindo que cientistas, políticos<br />
e governos abordem múltiplas<br />
dimensões que vão muito além das<br />
implicações para a saúde e bem-estar<br />
das populações. Globalmente, ademais das enormes<br />
consequências económicas e sociais, continuamos a viver<br />
tempos de enorme incerteza e constante adaptação<br />
pelo que, inevitavelmente, os Estados passaram a colocar<br />
a saúde como tema central da sua Política Externa.<br />
Neste contexto, a dimensão da Saúde Global ganha<br />
um novo protagonismo e relevância, dada a necessidade<br />
de uma abordagem estratégica interdependente e<br />
resposta política por parte dos países, organizações internacionais,<br />
agentes privados e muitos outros actores<br />
às questões internacionais da saúde.<br />
O grande desafio e conquista do acesso à saúde equitativo<br />
para todos e em todas as regiões do mundo,<br />
actualmente evidente na agenda do dia devido ao processo<br />
de vacinação contra a Covid-19, não pode ser<br />
realizado sem diálogo conjunto e mecanismos de solidariedade<br />
e cooperação exigentes e eficazes.<br />
Para tal, é necessário que estejamos preparados, o que<br />
requer planeamento e antecipação, para atender, por<br />
um lado aos sucessivos avisos dos cientistas e agências<br />
sobre a perigosidade do surgimento de epidemias, e<br />
por outro para nos colocarmos enquanto país no palco<br />
da influência e liderança da Saúde Global.<br />
Não será justificado pois, citando o General António<br />
Ramalho Eanes, que é “impossível prever o imprevisto”.<br />
Esta pandemia permite-nos retirar muitas e importantes<br />
lições, quer de espectro interno e externo, sendo<br />
que neste âmbito deve Portugal, aproveitando o seu<br />
posicionamento geoestratégico e geopolítico, implementar<br />
uma agenda conjunta de diplomacia e de saúde.<br />
Durante estes exigentes tempos de crise sanitária que<br />
revelaram a pouca preparação das sociedades para<br />
enfrentarem mudanças tão significativas do seu dia-a-<br />
-dia, que colocou os sistemas de saúde sobre enorme<br />
pressão e o mundo perante o colossal inimigo da desinformação<br />
e negacionismo, é-nos exigido que não esqueçamos<br />
as prioridades elencadas pela Organização<br />
Mundial da Saúde para uma década de acção e a concretização<br />
dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável,<br />
de forma a conquistar a Paz e o desenvolvimento<br />
das populações<br />
Ao longo dos últimos meses também nós fomos contribuindo<br />
para o diálogo de que a saúde é um recurso<br />
valioso, um direito humano básico e um bem público<br />
global que precisa de ser protegido e promovido por<br />
todos nós.<br />
É também isso que propomos trazer-vos nesta rúbrica<br />
de Saúde Global que agora inicia. Ã<br />
44
GH estudo<br />
A síndrome de fragilidade<br />
em idosos: REVISÃO DE LITERATURA<br />
SOBRE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO<br />
E ESCALAS DE CLASSIFICAÇÃO<br />
Mário Pinto<br />
Instituto de Ciências Biomédicas<br />
Abel Salazar (ICBAS), Portosintesis<br />
Domingos Susana Arranhado<br />
Universidade Atlântica<br />
Isabel Alçada<br />
Universidade Nova<br />
Mariana Pinto<br />
Nutricionista Unidade Hemodiálise<br />
O<br />
perfil de um doente frágil corresponde<br />
a uma pessoa idosa, com multimorbilidade,<br />
um estado de saúde instável e<br />
frequentemente incapacitado. A fragilidade<br />
é uma entidade clínica progressiva<br />
que pode ser prevenida e tratada, e apresenta-se como<br />
uma preocupação e uma prioridade em saúde. Para o<br />
seu diagnóstico é essencial ter disponível um instrumento<br />
válido, confiável, de fácil aplicação e que possa prever o<br />
risco de resultados adversos.<br />
O presente estudo tem como objetivo central identificar<br />
instrumentos especificamente desenvolvidos para avaliar<br />
e estratificar a fragilidade entre idosos a partir de informações<br />
colhidas pelos profissionais de saúde e identificar<br />
aquela que seja mais fácil de usar, segundo critérios estabelecidos<br />
pelas Normas de Consensos para a seleção de<br />
instrumentos de medida em saúde (COSMIN).<br />
A revisão bibliográfica foi efetuada no período compreendido<br />
entre dia 1 de janeiro de 2013 e 1 de janeiro de<br />
2018. A investigação foi conduzida por dois investigadores,<br />
de acordo com os Itens de Relatórios Preferenciais<br />
para Revisões Sistemáticas (PRISMA). Foram utilizadas<br />
a base de dados da Medline, PubMed, Embase, LILACS<br />
e Cochrane Library sem restrição de idioma, definidos e<br />
organizados os descritores. Foi usado o Population Implementation<br />
Comparador Outcomes (PICO).<br />
Foram definidos a priori os critérios a serem seguidos, em<br />
relação ao tipo de estudos, medidas de diagnóstico, à<br />
seleção, tamanho da amostra e à presença de vieses.<br />
As principais características de cada instrumento foram<br />
estudadas, avaliando sua potencial utilização clínica. Dos<br />
881 artigos selecionados, foram identificados 16 estudos<br />
com 26 ferramentas de avaliação de fragilidade. As ferramentas<br />
foram classificadas como uni e multidimensional.<br />
Os instrumentos unidimensionais são orientados para o<br />
domínio físico e da funcionalidade e estado biológico/<br />
fisiológico, enquanto as avaliações multidimensionais baseiam-se<br />
na análise das interações dos domínios físico,<br />
psicológico e social do funcionamento humano. Foram<br />
estudados e comparadas 9 instrumentos, dos quais apenas<br />
3 são clínicos e destes, 2 estratificam a fragilidade.<br />
Ainda não existe internacionalmente uma medida padrão<br />
e consensual para avaliar a fragilidade; algumas medidas<br />
são mais adequadas para rastreio nos hospitais e outras<br />
na comunidade. Os domínios que observamos nos instrumentos<br />
estudados, são de principalmente uni (físicos/<br />
clínicos) e multidimensional (cognitivo, psicológico, social<br />
e ambiental). Dada a complexidade do diagnóstico da fragilidade<br />
e do idoso, recomenda-se o uso conjunto de ferramentas<br />
físicas e de triagem multidisciplinar.<br />
Introdução<br />
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), verifica-se<br />
uma acelerada tendência para um progressivo envelhecimento<br />
da população mundial, prevendo-se que<br />
nos próximos 50 anos deste século o número de pessoas<br />
com mais de 65 anos duplique, podendo atingir em 2050<br />
cerca de 2,1 bilhões de pessoas. A OMS considera também<br />
que as Doenças Não Transmissíveis (DNTs) são responsáveis<br />
pela morte de 40 milhões de pessoas por ano,<br />
o que equivale a 70% da totalidade de mortes no mundo. 1<br />
A população portuguesa tem vindo a diminuir desde<br />
2010. Atualmente, estima-se um total de cerca de 10,3<br />
milhões de habitantes, concentrados nas zonas urbanas<br />
e litorais, sendo constituída por uma maioria de idosos e<br />
uma minoria de jovens. Verifica-se que 21% dos portugueses<br />
têm 65 ou mais anos e apenas 14% têm menos<br />
de 15. As pessoas com 75 ou mais anos são cerca de um<br />
milhão, sendo a maioria deste grupo etário constituída<br />
por mulheres. 2<br />
O número de pessoas idosas tem aliás vindo a aumentar<br />
dramaticamente em quase todos os países, com um consequente<br />
aumento da prevalência da fragilidade. 3<br />
O conceito de fragilidade parece ser consensual entre<br />
os investigadores e tem prevalecido o contexto clínico. 4<br />
Trata-se de um conceito de fragilidade complexo e multifacetado,<br />
abrangendo os domínios físico, psicológico<br />
e social. A síndrome de fragilidade do idoso é amplamente<br />
reconhecida para explicar as variações de riscos<br />
para a saúde e para identificar perfis de pessoas idosas<br />
tendo em vista a prestação de cuidados personalizados.<br />
Estando o envelhecimento associado ao declínio das capacidades<br />
físicas e mentais, ao perfil de doente frágil corresponde<br />
uma pessoa geralmente idosa, com multimorbilidade,<br />
com um estado de saúde instável e frequentemente<br />
incapacitada, cujas necessidades de cuidado são<br />
determinadas, entre outros fatores, às doenças crónicas,<br />
às situações sociofamiliar, económica e ambiental, à acessibilidade<br />
a serviços de saúde, à ocupação do tempo livre.<br />
É sabido como as relações sociais desempenham um papel<br />
central no bem-estar humano e estão diretamente<br />
envolvidas na manutenção da saúde. 38 Em contraponto,<br />
verifica-se que a solidão se associa com frequência à fragilidade,<br />
ao aumento do risco de doenças cardiovasculares,<br />
ao aumento da tensão arterial, ao aumento das respostas<br />
inflamatórias ao stress e à mortalidade. 5<br />
A fragilidade é prevalente em idosos, pois atinge apenas<br />
10% da comunidade em geral, 6 mas atinge 80% de idosos<br />
em contexto de cuidados de longa duração. 7 Nos hospitais<br />
e nos serviços de urgência, entre adultos com mais de<br />
85 anos a prevalência da fragilidade varia entre 50 a 80%, 8<br />
sendo responsável por um peso significativo na procura<br />
de cuidados nos serviços de saúde. 9<br />
De acordo com os resultados dos Estudos de Envelhecimento<br />
Saudável e Longevidade (DO-HEALTH), a prevalência<br />
de fragilidade na Europa, variou entre os vários<br />
países, tendo a população portuguesa com mais de 70<br />
anos registado o maior grau de prevalência (variação entre<br />
3.1% e 30.3%), e a população austríaca o menor grau<br />
(variação entre 0 e 2.5%). 10<br />
Os custos dos cuidados prestados a cidadãos com síndrome<br />
de fragilidade têm um peso muito significativo<br />
no total da despesa dos sistemas de saúde da Europa. 11<br />
Conscientes deste facto, os governos têm vindo a desenvolver<br />
estratégias para dispensar apoios sociais e serviços<br />
de longa duração a pessoas em situação de fragilidade,<br />
e têm procurado implementar medidas preventivas que<br />
visam melhorar a sua qualidade de vida. 12<br />
Tratando-se de uma questão que afeta à escala global um<br />
elevadíssimo número de cidadãos e cujas repercussões<br />
nos sistemas de saúde se encontram bem e conhecidas, }<br />
46 47
GH estudo<br />
torna-se indispensável dispor de um instrumento que permita<br />
identificar a síndrome de fragilidade, em particular entre<br />
os cidadãos do grupo etário de idosos, e permita igualmente<br />
realizar avaliações seguras conducentes a um encaminhamento<br />
adequado.<br />
Verifica-se que atualmente existem mais de 51 instrumentos<br />
de medida da fragilidade, subsistindo um amplo debate<br />
sobre os mais adequados para utilização na prática clínica.<br />
Este debate, centrado na procura de um consenso em<br />
torno de uma medida padrão que permita o reconhecimento<br />
consistente da fragilidade, ocorre um pouco por<br />
todo o mundo e é de grande atualidade científica. 13<br />
O Royal College of Physicians e a Sociedade Francesa de<br />
Geriatria e Gerontologia defendem a triagem da fragilidade<br />
em idosos 14 e recomendam algumas ferramentas de<br />
diagnóstico da fragilidade física, cognitiva e clínica, habitualmente<br />
usadas e validadas, tais como o FRAIL, 15 a Clinical<br />
Frailty Scale 16 e o Gérontopôle Frailty Screening Tool. 4<br />
Justificação<br />
A abordagem científica da fragilidade não tem ainda uma<br />
expressão significativa, devendo considerar-se ainda relativamente<br />
limitado o conhecimento sobre esta matéria.<br />
Por outro lado não se encontra ainda devidamente identificado<br />
o modo como os profissionais de saúde, bem<br />
como os consumidores dos serviços de saúde, percebem<br />
a fragilidade e se é ou não considerada um problema de<br />
saúde pública. 17<br />
Considerando-se que os profissionais de saúde - médicos,<br />
enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos<br />
e outros - têm absoluta necessidade de uma ferramenta<br />
de diagnóstico da fragilidade, válida, confiável, fácil<br />
e de uso rápido no hospital ou no ambulatório, a identificação<br />
de uma dessas ferramentas parece ser muito útil<br />
à comunidade.<br />
Verifica-se que existem várias ferramentas de triagem e<br />
de diagnóstico de fragilidade na literatura, as quais têm sido<br />
usadas em doentes idosos para relacionar a fragilidade<br />
com os resultados adversos que dela advêm. 18<br />
Objetivos<br />
O presente estudo tem como objetivo central identificar,<br />
mediante pesquisa na literatura atual, o conjunto de<br />
instrumentos especificamente desenvolvidos para avaliar<br />
a existência da fragilidade clínica em pessoas idosas, para<br />
proceder à sua análise e eleger aquele que, cumprindo as<br />
propriedades clinimétricas e psicométricas requeridas, 19<br />
seja mais fácil de usar.<br />
Como objetivos secundários, pretendeu-se:<br />
1. Comparar o desempenho de diferentes instrumentos<br />
de avaliação de fragilidade clínica;<br />
2. Avaliar sistemática e criticamente a sua confiabilidade,<br />
validade e sensibilidade;<br />
3. Avaliar a possibilidade da existência de instrumentos que<br />
permitam proceder à estratificação da população frágil;<br />
4. A partir do estudo de cada uma das medidas de fragilidade,<br />
identificar possíveis relações entre elas;<br />
5. Encontrar um instrumento de medida cuja aplicação<br />
seja simples, rápida, segura, fiável, reprodutível e não necessite<br />
de equipamento especial.<br />
O conceito de fragilidade e as formas de a medir<br />
Em 2001 Linda Fried e seus colaboradores, nos EUA, propuseram<br />
a definição e classificação da fragilidade, através<br />
da apresentação do fenótipo de fragilidade com cinco<br />
componentes físicos: marcha lenta; autoavaliação de exaustão;<br />
perda involuntária de peso no último ano; diminuição<br />
da atividade física; diminuição da força e de preensão manuais.<br />
Desta definição resultou uma escala de três classes:<br />
idosos robustos; pré-frágeis; frágeis. 20<br />
No Canadá, Rockwood e Mitnitski, também no ano de<br />
2001, apresentaram um outro modelo de fragilidade, baseado<br />
em Défices Acumulados, que inclui não apenas os<br />
componentes físicos mas também os aspetos psicossociais<br />
da fragilidade. 21<br />
A fragilidade deve ser encarada como uma questão de<br />
saúde pública, pelo que a sua prevenção e o seu diagnóstico<br />
precoce são fundamentais para a manutenção da<br />
qualidade de vida dos mais velhos. A escolha do instrumento<br />
de avaliação de fragilidade deve ter em conta o<br />
modelo conceptual em que se baseia, a sua forma de administração,<br />
a adequabilidade ao contexto e, entre outras<br />
propriedades, a sua capacidade preditiva. 22<br />
Naturalmente, os instrumentos destinados a medir a fragilidade<br />
devem ser implementados e avaliados de acordo<br />
com o objetivo do seu uso. 23<br />
Nos últimos anos, fruto da falta de um consenso da definição<br />
de fragilidade, assistiu-se ao surgimento de um<br />
grande número de instrumentos para avaliação de fragilidade.<br />
Tendo em conta o seu objetivo, estes instrumentos<br />
podem ser agrupados em dois grupos:<br />
1. O grupo clínico/triagem, definido pela sua dimensão<br />
fisiobiológica, portanto unidimensional;<br />
2. O grupo multidimensional de rastreio, abrangendo os<br />
domínios físico, psicológico e social. <strong>24</strong><br />
A taxonomia e as definições utilizadas para as propriedades<br />
clinimétricas das escalas avaliadas seguiram os critérios<br />
estabelecidos pelas Normas para Instrumentos de<br />
Medida de Saúde (COSMIN) 25 baseadas no Consensus<br />
e foram: Validade, Confiabilidade, Sensibilidade, Especificidade,<br />
Valor Preditivo Positivo (VPP), Valor Preditivo<br />
Negativo (VPL) e adaptação cultural. 26<br />
Metodologia<br />
Pesquisa e fontes de informação<br />
A presente investigação seguiu os princípios de uma revisão<br />
de artigos publicados sobre instrumentos de diagnóstico<br />
e rastreio de fragilidade, publicados no período de<br />
tempo compreendido entre o dia 1 de janeiro de 2013 e<br />
1 de janeiro de 2018. Foram definidos os critérios a aplicar:<br />
na seleção e análise deste tipo de estudos; na identificação<br />
do período de tempo; na seleção e dimensão da<br />
amostra; na presença de vieses.<br />
O objetivo seria encontrar os estudos de revisão sistemática,<br />
metanálise, observacionais de coorte com ferramentas<br />
disponíveis para diagnóstico clínico e de rastreio,<br />
seguindo a metodologia padrão aconselhada para estudos<br />
de revisão das guidelines da Cochrane e a lista de<br />
verificação PRISMA. 27<br />
Foi usado o motor de busca da Medline, PubMed, da Embase,<br />
da LILACS e da Cochrane Library, sem restrição de<br />
idioma, usando vocabulário controlado pelo MeSH da<br />
MEDLINE, 28 para assegurar uniformidade, consistência e<br />
precisão. Foram definidos e organizados os seguintes descritores:<br />
Frailty elderly, Review, Assessments, Screening, Clinical,<br />
Tools, Scales.<br />
Na seleção de artigos e resumos de artigos os critérios<br />
de inclusão foram os seguintes: apenas foram considerados<br />
artigos de investigação completos e artigos de revisão.<br />
Foi igualmente realizada uma “busca lateral”, na qual<br />
foram pesquisadas as citações de artigos relevantes. Para<br />
os identificar, foi usado o Population Implementation Comparator<br />
Outcomes (PICO): 28,29 População: com idade ≥ 50<br />
anos. Implementação/indicador, formas de medir a fragilidade<br />
em ensaios de controlo observacional, transversal<br />
ou randomizado. Comparador: não aplicável e resultados.<br />
Com esta estratégia, houve a garantia da identificação da<br />
maioria dos trabalhos publicados dentro dos critérios estabelecidos.<br />
Os artigos selecionados foram incluídos na<br />
base de dados Mendeley Desktop.<br />
Identificação<br />
Triagem<br />
Eligibilidade<br />
Incluídos<br />
Número de artigos identificados na investigação<br />
(n = 872)<br />
Dos trabalhos selecionados só 16 cumpriram as condições<br />
de inclusão<br />
Segue-se o diagrama de fluxo de investigação de artigos<br />
que identificassem a síndrome de fragilidade e de ferramentas<br />
clínicas e de triagem mais usadas.<br />
No quadro 1 podemos observar os critérios de elegibilidade<br />
de artigos usados para análise<br />
As leituras dos títulos dos artigos e respetivos resumos foi<br />
feita por dois investigadores (MP) e (MCP). Na sequência<br />
desta leitura efetuou-se uma seleção independente<br />
e cega que obedeceu a critérios de inclusão e exclusão<br />
previamente definidos: estudos completos, realizados em<br />
humanos com idade ≥ a 50 anos; que apresentassem escalas<br />
de avaliação psicométrica e clinimétricas de fragilidade<br />
clínica.<br />
Foram considerados como critérios de exclusão: estudos<br />
em curso, estudos de opinião, cartas ao editor, editoriais,<br />
resumos publicados em atas de conferência. }<br />
Gráfico 1<br />
Número de artigos repetidos retirados<br />
(n = 561)<br />
Artigos rastreados<br />
(n = 320)<br />
Artigos completos elegiveis<br />
(n = 97)<br />
Artigos incluídos na síntese qualitativa<br />
(n =16)<br />
Artigos incluídos para análise quantitativa<br />
(n =16)<br />
881<br />
trabalhos iniciais<br />
320<br />
selecionados<br />
97<br />
elegíveis<br />
16<br />
para análise<br />
Número de artigos identificados noutras fontes<br />
(n = 9)<br />
Quadro 1: Fases do diagrama do fluxo da pesquisa de artigos sobre ferramentas de identificação de Síndrome de Fragilidade.<br />
Artigos excluídos<br />
(n = 223)<br />
Artigos excluídos por não<br />
apresentarem fragilidade física<br />
(n = 65)<br />
Artigos sem ferramentas<br />
de avaliação<br />
(n = 15)<br />
48 49
GH estudo<br />
Artigos selecionados na sequência de uma primeira triagem<br />
Foram incluídos alguns estudos que descreviam e testavam<br />
a operacionalização dos instrumentos, como por exemplo<br />
escalas e índices, especificamente desenvolvidos para fazer<br />
o rastreio/diagnóstico e triagem da síndrome de fragilidade.<br />
As referências foram geridas recorrendo-se à base de dados<br />
do Mendeley e a seleção foi feita pelos dois autores,<br />
usando os critérios de elegibilidade acima mencionados.<br />
Sempre que os resumos não se revelaram suficientemente<br />
esclarecedores, foi realizada uma leitura na íntegra.<br />
Em seguida, foi feita a leitura completa dos estudos potencialmente<br />
interessantes para o presente estudo, da qual decorreu<br />
a lista final de inclusão. Quaisquer desacordos<br />
entre os autores foram resolvidos recorrendo ao terceiro<br />
autor.<br />
Critérios de avaliação dos artigos quanto às escalas<br />
de fragilidade<br />
Na avaliação dos artigos incluídos na lista resultante da triagem<br />
descrita foram analisados os diferentes aspetos, relacionados<br />
com as ferramentas usadas para a rastreio e para<br />
avaliação clínica da fragilidade:<br />
1. Tempo necessário para a sua aplicação prática;<br />
2. Potencial uso dos dados obtidos pela avaliação global<br />
geriátrica (CGA);<br />
3. Necessidade de utilização de equipamento especializado,<br />
por exemplo o dinamómetro manual, avaliação do<br />
peso, medição de diâmetros e pregas, testes dinâmicos<br />
de levantar e andar, de equilíbrio e marcha;<br />
4. Necessidade de treino do utilizador da escala;<br />
5. Avaliação métrica da fiabilidade, da validade, sensibilidade,<br />
validade preditiva e estratificação de risco.<br />
Critérios de avaliação da seleção das escalas<br />
Para escolha dos instrumentos de avaliação da fragilidade<br />
foram usados os 4 critérios recomendados por Clegg et al.:<br />
1. Inclusão da definição da etiologia biológica;<br />
2. Inclusão de diagnóstico e planeamento de cuidados,<br />
utilizando a avaliação geriátrica integral (AGI);<br />
3. Possibilidade para medição de outcomes;<br />
4. Estratificação do risco de fragilidade (pré fragilidade). 30<br />
A estes critérios os autores do presente estudo acrescentaram<br />
um 5<strong>º</strong> critério: Possibilidade de uma utilização simples<br />
e rápida por parte dos profissionais de saúde.<br />
Avaliação do Risco de viés entre estudos<br />
A qualidade dos estudos foi avaliada de forma independente<br />
pelos dois investigadores e pode ser observada no<br />
quadro 2.<br />
A avaliação qualitativa dos estudos observacionais e de<br />
coorte (9 trabalhos em 16) foi feita recorrendo ao Newcastle<br />
Otawa Scale (NOS) que atribui scores expressos em<br />
número de estrelas. 31,32 Qualquer discordância na avaliação<br />
da qualidade foi resolvida por consenso, resultando<br />
uma classificação de cada artigo num mínimo de 7 estrelas,<br />
sendo que estudos com scores superiores acima de 7 estrelas<br />
são considerados pela NOS com baixo risco de viés.<br />
Nos trabalhos de revisão, a avaliação de qualidade foi<br />
confirmada recorrendo à ferramenta AMSTAR. 33 Submetidos<br />
à checklist desta ferramenta foram identificados<br />
os artigos com uma média de 10 respostas “sim”, o que<br />
reflete um baixo risco de viés, pois corresponde a 10<br />
pontos em onze possíveis.<br />
Finalmente o artigo do ensaio clínico randomizado prospetivo<br />
foi avaliado de baixo risco pelo Cochrane Risk Bias. 34<br />
1<strong>º</strong> Autor Idades/Media Viés NOS Viés Amstar Viés CRB Escalas<br />
Rónán O'Caoimh 80 7 3<br />
Theodore K. Malmstrom >5075 8 1<br />
Talal A. 63(±15) 7 1<br />
Salina Juna, M. D. >65 7 1<br />
S. J. Moug >65 7 2<br />
Elsa Dent >65 8 15<br />
Bienvenu Bongue 77,7 8 5<br />
Borja del Pozo-Cruz >65 7 1<br />
Sjors Verlaan MSc 77,2 11 6<br />
Bem R. Davies >65 9 11<br />
Annie Cheung 76,5 8 2<br />
Edward Chong 89,4 8 4<br />
Judit Kovacs >65 Baixo risco 3<br />
Cecilia G. Ethun >65 10 5<br />
Davide L. Vetrano >60 11 3<br />
Quadro 2: De viés.<br />
1<strong>º</strong> Autor Desenho Ano País Amostra Idades Escalas Contexto<br />
Rónán O'Caoimh Coorte 2014 Irlanda,<br />
Cork<br />
803 80 CFS, RISC,<br />
Comorbilidades<br />
Comunidade<br />
S. J. Wallis Observacional 2015 UK,<br />
Cambridge<br />
11271 >75 CFS Hospital/<br />
urgência<br />
Talal A. Coorte 2015 Canadá 390 63(±15) CFS Hospital/IR<br />
Salina Juna, M. D. Coorte Prospetiva 2016 Canadá 75 >65 CFS Hospital/<br />
urgência<br />
S. J. Moug Observacional 2016 UK, Cardiff 325 >65 CFS, MoCA Hospital/<br />
urgência<br />
Elsa Dent Revisão sistemática 2016 Austrália 26<br />
Trabalhos<br />
>65 PFS, FI, SOF,<br />
EFS, FRAIL,<br />
CFS, MPI,<br />
TFI, PRISMA<br />
7, GFI, SPQ,<br />
GFS, Kihon<br />
Cheklist,<br />
medidas<br />
individuais de<br />
fragilidade<br />
Comunidade<br />
Theodore K. Malmstrom Coorte Longitudinal 2014 USA 998 >5o<br />
65 Frailty Trait Comunidade<br />
Scale<br />
Sjors Verlaan MSc Metanálise 2017 Holanda 5447 77,2 PFS, SOF, TFI, Comunidade<br />
EFS, Kihon,<br />
CFS<br />
Bem R. Davies Revisão sistemática 2017 UK, Bristol 207720 >65 eFI, CARS, Comunidade<br />
VES 13, TFI,<br />
GFI, PFS<br />
Annie Cheung Coorte retrospetiva 2017 Canadá 266 76,5 CFS, FI lab Hospital/<br />
trauma<br />
Edward Chong Coorte prospetiva 2017 Singapura 210 89,4 FI, FRAIL, TFI,<br />
CFS<br />
Judit Kovacs<br />
Ensaio clínico<br />
prospetivo<br />
Cecilia G. Ethun Revisão sistemática 2017 USA,<br />
Atlanta<br />
2017 Romania 57 >65 EuroScoreII,<br />
CFS, EFS<br />
65436 >65 FRAIL, VES<br />
13, PFS, FI<br />
CGA<br />
Hospital/<br />
agudos<br />
Hospital/<br />
cirurgia<br />
Hospital /<br />
cancro<br />
Davide L. Vetrano Revisão sistemática 2018 Suécia/Itália 144403 >60 CHS, FI, CFS Hospital/<br />
HTA<br />
Quadro 3: Artigos analisados.<br />
Abreviaturas: FI-CGA = Frailty Index derived from Comprehensive Geriatric Assessment; EFS = Edmonton Frailty Scale; CFS = Clinical Frailty Scale; CHS = Cardiovascular<br />
Health Study Index (PFS=Phenotype Frailty scale); CARS FI-CD = Frailty Index of Accumulated Deficits; SOF = Study of Osteoporotic Fracture; FRAIL =<br />
Fatigue, Resistance, Ambulation, Illness and Loss of Weight Index; Kihon VES 13 MPI = Multidimensional Prognostic Index; TFI = Tilburg Frailty Index, FTS = Frailty<br />
Trait Scale, CARS, Fi lab, eFI, EuroScoreI (Surgery scale).<br />
Análises adicionais: Sensibilidade e precisão da Investigação<br />
De acordo com o Cochrane Handebook (https://training.<br />
cochrane.org/handbook), 27 foi avaliada a sensibilidade e<br />
precisão/especificidade. 35 A precisão e a sensibilidade nem<br />
sempre são reconciliáveis pois uma investigação altamente<br />
sensível é frequentemente menos precisa. A sensibilidade<br />
é definida como o número de relatórios relevantes<br />
identificados, dividindo pelo número total de relatórios<br />
relevantes existentes e a precisão e especificidade estabelecem<br />
a parte da literatura que deve ser considerada<br />
não relevante (negativos ou excluídos). A sensibilidade<br />
calculada para os estudos em análise foi de 31% (97/320)<br />
e a precisão e especificidade de 3% (223+80/881), sendo<br />
considerada normal entre 2 e 3%.<br />
Resultados<br />
Recorrendo ao motor de busca acima referido, foram identificados<br />
872 artigos, aos quais se juntaram 9 disponíveis na<br />
biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do }<br />
50 51
GH estudo<br />
Porto, o que contabilizou um total de 881 artigos.<br />
Foram retirados os artigos duplicados, do que resultou uma<br />
seleção de 320 (36%), a submeter à avaliação dos títulos,<br />
resumos e conclusões. Deste conjunto foram excluídos 292<br />
por não cumprirem os critérios de elegibilidade, permanecendo<br />
para leitura do texto completo 97 artigos, trabalho<br />
que foi realizado pelos dois investigadores.<br />
Após a avaliação do texto completo, foram ainda excluídos<br />
66 estudos por não apresentarem referência à fragilidade física<br />
e 15 por não incluírem ferramentas de avaliação.<br />
Finalmente, foram admitidos para análise de revisão sistemática<br />
16 estudos publicados entre 2014 e 2018, que<br />
abrangeram 440.079 participantes e apresentam 26 escalas.<br />
O Quadro 3 inclui os 16 trabalhos admitidos, apresentando:<br />
a respetiva identificação pelo primeiro autor; o desenho<br />
do estudo; o ano em que foi publicado; o país de<br />
origem; o contexto em que foi desenvolvido; a idade dos<br />
participantes ou a sua idade média; o número e tipo de<br />
escalas usadas para identificar a fragilidade e se a investigação<br />
foi efetuada no hospital ou na comunidade.<br />
No que respeita ao desenho, foram encontrados 9 estudos<br />
de coorte (56%), 5 revisões (31,2%), um estudo transversal<br />
e um ensaio clínico. Quanto ao país de origem dos<br />
Escala/<br />
Índice<br />
Tipo de<br />
medida:<br />
clínica/<br />
rastreio<br />
País<br />
origem<br />
Quadro 4: Das escalas/instrumentos.<br />
Tempo<br />
(min)<br />
FI-CGA Clínica Canada
GH estudo<br />
nios predominantemente físicos, mas também surgiram<br />
igualmente escalas que consideravam fatores de ordem<br />
psicológica, social e ambiental. A associação da fragilidade<br />
com fatores sociais tem sido amplamente reconhecida,<br />
sendo que o isolamento social também está significativamente<br />
associado à mortalidade.<br />
Um dos pontos de relevância no contexto do diagnóstico<br />
da fragilidade é a utilização de abordagens amplas, uma<br />
vez que o foco exclusivo em problemas físicos pode levar<br />
à fragmentação do cuidado ao idoso. 36<br />
Na avaliação e na estratificação da fragilidade nos idosos<br />
é, portanto, aconselhável incluir as diferentes dimensões,<br />
nomeadamente as condições sociais e ambientais. No<br />
cenário clínico, onde a fragilidade assume importância inquestionável,<br />
o desafio atual consiste em operacionalizar<br />
o conceito e facilitar seu reconhecimento. 4<br />
Muitos idosos preferem permanecer nas suas próprias<br />
casas pelo máximo de tempo possível, em vez de envelhecerem<br />
em lares e casas de repouso, devido aos aspetos<br />
psicossociais favoráveis de permanecerem no seu<br />
ambiente e à possibilidade de gozarem de maior autonomia.<br />
Nestes contextos, os instrumentos que identificam a<br />
pré-fragilidade ou a fragilidade e os seus fatores de risco<br />
devem ser utilizados precocemente, pois a incapacidade<br />
resultante da fragilidade pode ser tratada, com um prognóstico<br />
mais positivo. Intervenções adequadas e na fase<br />
inicial da fragilidade tornam-se mais eficazes quando aplicadas<br />
em idosos. 37<br />
É ainda necessário considerar que a fragilidade é um processo,<br />
caracterizado por frequentes transições ao longo do<br />
tempo, sendo a probabilidade de transição para estados<br />
de maior fragilidade superior às transições para estados de<br />
menor fragilidade e a possibilidade de transição de “muito<br />
frágil” para um “estado robusto” extremamente baixa. 38<br />
O aumento do número de idosos frágeis conduz ao aumento<br />
da fragilidade na comunidade. E uma comunidade<br />
frágil gera um aumento do consumo de cuidados e um<br />
aumento da despesa pública com dependência de cuidadores.<br />
Trata-se de um novo conceito a desenvolver: a de<br />
fragilidade das comunidades, decorrente das fragilidades<br />
individuais e que carece de identificação e estratificação<br />
dos grupos de população frágil.<br />
São vários os cenários onde a avaliação da fragilidade pode<br />
ser realizada: nos cuidados de saúde primários, unidades<br />
de agudos, serviços de urgência, unidades de trauma,<br />
hospitais, enfermarias, consultas de especialidade dos hospitais<br />
e ACEs, unidades de reabilitação, unidades de diálise;<br />
cuidados ao domicílio, na rede nacional de cuidados<br />
continuados, lares ou casas de repouso, na comunidade,<br />
em todos espaços e lugares.<br />
Conclusão<br />
A fragilidade é uma condição de saúde heterogénea, progressiva<br />
e complexa, que pode ser prevenida e tratada.<br />
A sua avaliação precoce e a estratificação de risco para a<br />
saúde é a base indispensável para se assegurar a conceção<br />
e o desenvolvimento de planos de cuidados dimensionados<br />
para as reais necessidades do doente, com o objetivo<br />
de reverter o seu estádio.<br />
No cenário clínico, a fragilidade assume importância inquestionável,<br />
sendo o desafio atual operacionalizar o conceito<br />
e facilitar o seu reconhecimento usando instrumentos que<br />
identificam a pré-fragilidade. No entanto, não existe ainda<br />
uma medida internacional padrão e consensual para avaliar<br />
a fragilidade. Algumas medidas são mais adequadas para o<br />
rastreio da fragilidade ao nível da comunidade e outras para<br />
ambiente hospitalar.<br />
A utilidade de abordagens multidisciplinares reveste-se de<br />
grande relevância no contexto da fragilidade, uma vez que<br />
o foco exclusivo em problemas físicos pode levar à fragmentação<br />
do cuidado ao idoso. 36 As relações sociais desempenham<br />
um papel central no bem-estar humano e<br />
estão diretamente envolvidas na manutenção da saúde. 39<br />
Sendo previsível que, em Portugal, os profissionais de saúde<br />
optem preferencialmente por um instrumento adequado<br />
ao contexto de seu trabalho que inclua uma escala<br />
simples e fácil de aplicar, considera-se que aqueles que oferecem<br />
melhores condições são o TFI e a CFS, os quais deverão<br />
com vantagens ser traduzidos e adaptados à população<br />
portuguesa e usados na população portuguesa.<br />
Recomendações<br />
Para o futuro da prestação de cuidados de saúde individualizados<br />
e complexos ao idoso será indispensável a<br />
avaliação clínica da Síndrome de Fragilidade. Para tal recomendam-se<br />
tomar uma de três decisões alternativas:<br />
1. Criar um consenso generalizado, para disponibilizar, de<br />
entre os instrumentos existentes, aquela que seja considerada<br />
padrão, não só com o objetivo da investigação,<br />
como da prática clínica diária, e que irá permitir estudos<br />
comparativos internacionais de prevalência de fragilidade<br />
e do seu atendimento.<br />
2. Desenvolver um novo instrumento de medida padrão,<br />
que tenha por base uma operacionalização consensual do<br />
conceito e se associe a uma escala universalmente aceite.<br />
3. Enquanto não se alcança o desejado consenso, e tendo<br />
em conta a complexidade do doente idoso e do diagnóstico<br />
de fragilidade, recomenda-se o recurso a uma ferramenta<br />
de diagnóstico clínico e a uma outra de triagem<br />
multidisciplinar, sendo possível realizar esses procedimentos<br />
em duas etapas: primeira etapa - triagem multidimensional,<br />
para todos os indivíduos idosos; segunda etapa -<br />
avaliação apenas para os frágeis. 23<br />
Agradecimentos<br />
Agradecemos a todos os intervenientes, nomeadamente<br />
ao Dr. Hélder Reis e à Prof.ª Dra. Susana Arranhado.<br />
Conflitos de Interesses<br />
Não se identificaram conflitos de interesses. Ã<br />
1. Direção Geral de Saúde. Depressão e outras Perturbações Mentais Comuns.<br />
Direção-Geral da Saúde. 2017;1-104.<br />
2. Turismo TDO, Demogr S, Regi NAS, Portuguesas ES, Territorial R, Territorial R,<br />
et al. Retrato Territorial de Portugal Edição 2017. 2017;1-18.<br />
3. Morley JE, Vellas B, Abellan van Kan G, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, et<br />
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record.uri?eid=2-s2.0-84888333320&partnerID=40&md5=1bfa7344c017a-<br />
96b16aa52a856b510cc<br />
28. Part 1 - Finding the Best Clinical Evidence. 3(3):10-26.<br />
29. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA<br />
extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): Checklist and explanation. Ann Intern<br />
Med. 2018;169(7):467-73.<br />
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31. Indicate N. Newcastle-Ottawa Quality Assessment Form for Cohort Studies:17-8.<br />
32. Donato H, Donato M. Etapas na Condução de uma Revisão Sistemática. Acta<br />
Med Port. 2019;32(3):227.<br />
33. Zeng X, Zhang Y, Kwong JSW, Zhang C, Li S, Sun F, et al. The methodological<br />
quality assessment tools for preclinical and clinical studies, systematic review and<br />
meta-analysis, and clinical practice guideline: A systematic review. J Evid Based Med.<br />
2015;8(1):2-10.<br />
34. Kojima G. Frailty as a predictor of hospitalisation among community-dwelling<br />
older people: A systematic review and meta-analysis. Journal of Epidemiology and<br />
Community Health. 2016.<br />
35. Green S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews. 2008.<br />
36. Gobbens RJ, Assen MA van, Luijkx KG, et al. The Tilburg Frailty Indicator: Psychometric<br />
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and Independence among Older Persons. 2005;161(6):575-84.<br />
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among community-living older persons. Arch Intern Med. 2006;166:418-23.<br />
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all-cause mortality in older men and women. 2013;110(15):5797-801.<br />
54 55
GH voz do cidadão<br />
ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE<br />
PARA ALÉM DA COVID-19<br />
Isabel Saraiva<br />
Presidente da RESPIRA<br />
RESPIRA - Associação Portuguesa de Pessoas<br />
com DPOC e Outras Doenças Respiratórias<br />
Crónicas (www.respira.pt) é uma Instituição<br />
Particular de Solidariedade Social (IPSS)<br />
A<br />
1. fundada há catorze anos por um grupo de<br />
pessoas que, apoiando-se no estímulo de diversos médicos<br />
pneumologistas, decidiu tomar em mãos a defesa<br />
dos seus direitos como doentes, a promoção da saúde<br />
respiratória, e o acesso aos cuidados de saúde.<br />
A defesa dos interesses e direitos das pessoas com Doenças<br />
Respiratórias Crónicas, a informação a diversos públicos<br />
(média, escolas, associações profissionais, etc.), a colaboração<br />
com os profissionais de saúde em matéria de<br />
promoção da saúde, assim como o desenvolvimento de<br />
um trabalho consistente na área da prevenção e tratamento<br />
das Doenças Respiratórias Crónicas, são o enquadramento<br />
da ação e a razão de ser da RESPIRA.<br />
Estes objetivos obrigam a que a RESPIRA tenha uma presença<br />
ativa nas atividades seguintes:<br />
• Área da Prevenção Tabágica, com uma chamada de<br />
atenção especial para os efeitos do tabagismo na mulher<br />
e na criança.<br />
• Área da Vacinação, com a fundação do MOVA - Movimento<br />
dos Doentes pela Vacinação e todo o trabalho<br />
nele desenvolvido, incluindo a defesa da ideia da necessidade<br />
de a vacinação ser gratuita para todos os portugueses<br />
com idade igual ou superior a 65 anos.<br />
• Na área das questões Ambientais, o que, constituindo<br />
uma preocupação permanente, tem levado a RESPIRA a<br />
colaborar não só em ações de defesa da qualidade do ar<br />
exterior mas também da qualidade do ar das habitações.<br />
• Através de recomendações persistentes para o desenvolvimento<br />
e acessibilidade aos programas de Reabilitação<br />
Respiratória, enquanto programas de intervenção<br />
não farmacológica da maior valia para a qualidade de vida.<br />
Todas estas diversas intervenções e variadas colaborações<br />
em projetos têm em comum a permanente atenção<br />
aos direitos das pessoas com DPOC e outras Doenças<br />
Respiratórias Crónicas, bem como às necessidades dos<br />
familiares e cuidadores. No site da Associação na internet<br />
(www.respira.pt) e na sua página no Facebook - que a RES-<br />
PIRA procura manter sempre atualizados - podem ser encontradas<br />
informações que têm valia não só para a comunidade<br />
dos doentes, mas também para o público em geral.<br />
2. A declaração do Estado de Emergência e a declaração<br />
de suspensão da atividade assistencial não urgente, em<br />
março de 2020, vieram acrescentar preocupações e, posteriormente,<br />
ações às tradicionais atividades da RESPIRA.<br />
A importância e dimensão das Doenças Respiratórias<br />
Crónicas foi logo sinalizada quando, no diploma que<br />
decretou o Estado de Emergência, se recomendou um<br />
dever geral de recolhimento domiciliário para as pessoas<br />
com Doença Respiratória Crónica, dando a indicação do<br />
risco que corriam e correm.<br />
Ainda não tinha passado o espanto que causou a declaração<br />
do Estado de Emergência e a obrigatoriedade<br />
de confinamento, quando foi divulgada a informação de<br />
que a atividade assistencial não urgente tinha sido suspensa,<br />
isto é, os tratamentos, as consultas, os actos de<br />
diagnóstico, as intervenções cirúrgicas tinham sido adiados<br />
ou cancelados.<br />
Para as doenças crónicas os cuidados de saúde têm de<br />
ser regulares. As características e evolução da doença a<br />
isso obriga e ficar sem este acesso continuado, teve (e<br />
tem) uma repercussão profunda na vida das Pessoas com<br />
Doenças Crónicas. O desamparo e o medo aliados às dúvidas<br />
sobre como e de que forma se podia fazer frente à<br />
pandemia, deixaram um traço de que dificilmente os doentes<br />
se libertarão. Entre março e maio de 2020 - data em<br />
que formalmente foi retomada a atividade assistencial - a<br />
ajuda e o acompanhamento dos cuidados de saúde vieram<br />
quase exclusivamente através do telefone, quebrando<br />
o isolamento e dentro dos condicionalismos e restrições<br />
que vigoravam, prestando apoio aos doentes crónicos.<br />
À suspensão dos atos médicos e à forma mitigada de<br />
prestação de cuidados de saúde referidas, há que juntar a<br />
perceção do risco de infeção, o medo que se instalou de<br />
recorrer aos serviços de saúde, a disseminação de notícias<br />
falsas sobre a Covid-19, sobre as curas fraudulentas e as<br />
meias verdades sobre a pandemia.<br />
E é fácil de perceber - se nos recordarmos da informação<br />
que nos entrava em casa através de reportagens dramáticas<br />
sobre os efeitos devastadores da pandemia nos serviços<br />
de saúde, nas residências dos mais velhos, na economia,<br />
no emprego, em resumo nas nossas vidas - que ficámos a<br />
viver temerosos, num tempo suspenso e sem fim à vista.<br />
E os números dessa suspensão começaram a aparecer.<br />
A métrica em alguns casos atinge o patamar dos milhões,<br />
noutros a de dezenas de milhares. Mas sempre valores esmagadores<br />
pela dimensão, pela incógnita da recuperação,<br />
pela aflição que comportam. É preciso perceber que todos<br />
e cada um destes números têm rosto e nome, diagnóstico<br />
adiado, intervenção retida, cuidados cancelados.<br />
Mesmo quando em maio de 2020 se recomendaram reagendamentos<br />
com normas de segurança e a utilização de<br />
meios não presenciais, mesmo assim, a dificuldade de acesso<br />
aos estabelecimentos de saúde entrou no nosso quotidiano.<br />
As queixas ouvidas de telefones nunca atendidos, de correio<br />
eletrónico sem resposta, da dificuldade de obter prescrições,<br />
juntaram-se aos relatos, infelizmente menos frequentes, de<br />
um atendimento de excelência e de um acesso tranquilo,<br />
quase normal, aos cuidados de que tanto precisamos.<br />
3. E quase sem percebermos entrámos em <strong>2021</strong>, esperançosos<br />
com a chegada das vacinas mas logo com uma<br />
aflição ainda maior, com imagens mais angustiantes, mensagens<br />
dramáticas, numa agonia de números nos quais<br />
revivemos o medo dos primeiros tempos da pandemia.<br />
Com um ritmo de vacinação demasiado lento para as<br />
nossas expetativas e para a nossa ansiedade, assaltados<br />
por dúvidas, assistimos a discussões científicas cujo alcance<br />
dificilmente nos chega e percebemos que a atividade assistencial<br />
não Covid-19 tinha de novo sido suspensa.<br />
No momento em que escrevo, não se conhecem números<br />
resultantes desta interrupção mas suspeita-se de que,<br />
mais uma vez, os valores serão de uma dolorosa grandeza.<br />
Precisamos de uma comunicação objetiva e realista sobre<br />
quando e onde seremos vacinados. Precisamos de informação<br />
quantitativa e qualitativa: quantos atos médicos<br />
foram adiados, de que tipo, onde. Precisamos de saber<br />
como se reorganizarão os serviços. Precisamos de saber<br />
como seremos informados do agendamento dos cuidados.<br />
Precisamos que se perceba que ao peso da doença é<br />
de uma enorme injustiça juntar a carga da incerteza. Suspeitamos<br />
todos que as consequências da pandemia no<br />
campo da saúde, da economia, do trabalho perdurarão<br />
no tempo. Sabemos pouco, ainda, sobre as sequelas de<br />
vária natureza, que podem ter efeitos severos na saúde e<br />
na qualidade vida de quem viveu a infeção.<br />
Precisamos de mais investigação, de mais conhecimento,<br />
de mais preparação, e de mais recursos humanos e financeiros.<br />
Precisamos de quase tudo para retomarmos um<br />
ritmo humano de vida. Ã<br />
56
GH ESPAÇO ENSP<br />
REAPROXIMAR OS DOENTES<br />
NÃO-COVID DOS SERVIÇOS<br />
DE SAÚDE NO CONTEXTO<br />
DA PANDEMIA<br />
Ana Rita Goes<br />
Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa<br />
(ENSP-NOVA), Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP)<br />
& Comprehensive Health Research Centre (CHRC)<br />
A<br />
pandemia por Covid-19 tem levado<br />
ao cancelamento de um grande volume<br />
de atividade clínica não urgente,<br />
de forma a responder à grande sobrecarga<br />
colocada sobre os serviços de<br />
saúde pelos doentes infetados com SARS-CoV-2. Este<br />
foco dos serviços nos doentes Covid tem sido motivo<br />
de preocupação, pelos impactos a curto, médio e longo<br />
prazo nas doenças não-Covid. De forma concomitante,<br />
os dados que têm sido divulgados sugerem também um<br />
aumento dos episódios de cancelamento da atividade<br />
programada (por exemplo, consultas e cirurgias eletivas)<br />
por iniciativa do utente. O Barómetro Covid-19: Opinião<br />
Social apresentou já resultados precisamente neste sentido,<br />
mostrando que cerca de 15 a 20% dos participantes<br />
reportam ter decidido não ir a uma consulta médica e<br />
cerca de 30 a 40% evita agendar ou adia cuidados de saúde<br />
não urgentes por receio de contrair Covid-19 (https://<br />
barometro-covid-19.ensp.unl.pt/opiniao-social/). À medida<br />
que os casos de Covid-19 reduzem, as instituições<br />
planeiam a retoma da atividade clínica não urgente. Neste<br />
âmbito, é importante considerar-se não apenas os<br />
aspetos relacionados com a organização dos serviços,<br />
mas também o desafio de recuperar a confiança dos<br />
utentes. O investimento numa estratégia de comunicação<br />
externa, que permita trazer clareza e apaziguar as<br />
preocupações dos utentes, pode catalisar uma mudança<br />
positiva e ajustar a procura e utilização de cuidados às<br />
necessidades de saúde. A boa notícia é que as ferramen-<br />
tas habituais de uma comunicação efetiva também funcionarão<br />
aqui.<br />
O primeiro passo neste movimento de recuperação da<br />
confiança dos utentes passa pelo reconhecimento do<br />
problema. Por muito que as instituições tenham adotado<br />
medidas para minimizar o risco e por muito que considerem<br />
que são seguras para o doente não-Covid, é preciso<br />
lembrar que as decisões das pessoas não são apenas<br />
determinadas por mecanismos racionais e lógicos, mas<br />
também por mecanismos intuitivos e emocionais. Ora,<br />
a resposta mais intuitiva para uma situação em que se<br />
sente medo ou preocupação é o evitamento da ameaça.<br />
Desta forma, quando cancela ou adia, o utente sente que<br />
se está a proteger de uma ameaça, seja ela real ou não.<br />
Por outro lado, esta perceção de ameaça foi ainda mais<br />
alimentada ao longo das últimas semanas, com os relatos<br />
da situação difícil que têm vivido os hospitais, muitas<br />
vezes “coloridos” com ideias de caos e desnorte dentro<br />
dos serviços. Por outro lado, é importante levar em conta<br />
que a demora na obtenção de cuidados de saúde é,<br />
em qualquer circunstância, um fator que influencia a adesão<br />
posterior a esses cuidados. Portanto, não basta que<br />
a instituição tenha conseguido garantir a segurança dos<br />
utentes, é preciso aceitar que é necessário promover essa<br />
perceção de segurança junto dos mesmos e, nalguns<br />
casos, também a perceção de necessidade de cuidados.<br />
Em seguida, para a definição da estratégia de comunicação<br />
externa, é preciso conhecer bem o problema e as<br />
audiências. É necessário monitorizar o tipo de serviços<br />
que estão a ser cancelados ou adiados e as características<br />
dos utentes que estão a tomar esta decisão. Adicionalmente,<br />
é preciso explorar as perceções dos utentes (por<br />
exemplo, perceções de confiança e segurança no serviço,<br />
motivos e preocupações que levam ao cancelamento),<br />
podendo socorrer-se de questionários, mas também<br />
de informação registada no ato do cancelamento ou<br />
adiamento. O essencial aqui é ouvir, dar voz às preocupações<br />
dos utentes e encontrar forma de sistematizar<br />
esta informação. A análise destes dados permitirá definir<br />
o que se pretende mudar de forma mais específica e<br />
quem são as audiências visadas.<br />
No que se refere às mensagens e meios de comunicação,<br />
como em qualquer circunstância, uma comunicação<br />
aberta, honesta e frequente contribui para desenvolver<br />
a confiança. O contexto de uma pandemia, em que a<br />
incerteza, o stress e a ansiedade são elevados, favorece<br />
uma espécie de visão em túnel, em que as pessoas se<br />
focam apenas no presente, podendo ter dificuldade em<br />
transitar para um “novo normal”. Nestas condições, é<br />
ainda mais importante garantir a transparência, orientar<br />
e dar significado ao que está a acontecer. Não basta garantir<br />
às pessoas que o serviço de saúde é seguro, é necessário<br />
fornecer informação sobre o que está a ser feito<br />
para as manter seguras. As pessoas parecem valorizar<br />
particularmente informação sobre os fluxos de doentes,<br />
medidas para facilitar o distanciamento e rotinas de testagem<br />
(em situações de realização de procedimentos). Por<br />
outro lado, é importante garantir que circula informação<br />
clara sobre o plano de reagendamento da atividade que<br />
tenha estado suspensa, para que os utentes sintam que é<br />
atribuída importância às suas necessidades de saúde, “reconciliando-se”<br />
com os serviços. No caso de cirurgias, é<br />
importante fornecer um plano detalhado de cada etapa<br />
do processo, que ajude o utente e a família a perceberem<br />
o que irá acontecer e como devem proceder. É<br />
também importante ser transparente quanto às taxas de<br />
infeção no contexto de saúde em questão: pior do que<br />
ficar preocupado com informação verdadeira é receber<br />
essa informação de outras fontes, como se estivesse a<br />
ser ocultada. Mas, mais importante do que seguir estas<br />
pistas para mensagens relevantes, é fundamental ouvir os<br />
utentes e dar-lhes a informação que precisam quando<br />
precisam, reconhecendo que as necessidades de infor- }<br />
58 59
GH ESPAÇO ENSP<br />
“<br />
A RETOMA DA ATIVIDADE ELETIVA<br />
NÃO DEPENDE APENAS DOS RECURSOS<br />
E ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE.<br />
NA VERDADE, PODEMOS ESTAR A SOBRESTIMAR<br />
A RAPIDEZ OU FACILIDADE COM QUE<br />
OS UTENTES RETOMARÃO O CONTACTO<br />
PRESENCIAL COM OS SERVIÇOS E,<br />
EM PARTICULAR, A REALIZAÇÃO<br />
DE PROCEDIMENTOS ELETIVOS.<br />
É IMPORTANTE ANTECIPAR AS BARREIRAS<br />
QUE PODERÃO INTERFERIR COM ESTA RETOMA<br />
E DESENVOLVER ESTRATÉGIAS PARA ATIVAR<br />
O ENVOLVIMENTO DOS UTENTES.<br />
”<br />
mação evoluem ao longo de uma crise. Não é nunca<br />
demais salientar a importância de fornecer informação<br />
de forma simples e clara.<br />
Em relação aos meios, é importante tirar partido dos<br />
diferentes canais e veículos que estão ao alcance da instituição,<br />
para disseminar as mensagens de forma consistente<br />
e frequente, socorrendo-se dos canais oficiais da<br />
instituição (cartas e mensagens de texto enviadas aos<br />
utentes com o agendamento; contactos telefónicos realizados<br />
nesse contexto, por iniciativa da instituição ou<br />
do utente; contactos realizados com os profissionais de<br />
saúde; redes sociais; painéis informativos), mas também<br />
de canais privilegiados na comunidade (por exemplo,<br />
do poder local e de instituições e serviços que prestam<br />
cuidados na comunidade) e da comunicação social. A<br />
escolha mais específica do tipo de canal e veículo terá<br />
de levar em consideração as características das audiências<br />
identificadas previamente. Por outro lado, na própria<br />
instituição, é preciso dar visibilidade a medidas que para<br />
o leigo podem ser invisíveis, assinalando-as nos contextos<br />
em que são implementadas. Na seleção dos meios,<br />
a palavra de ordem é garantir o alcance e a exposição<br />
da audiência, criando um movimento de construção da<br />
confiança que envolva os atores da instituição, mas também<br />
a comunidade.<br />
Naturalmente, tratando-se de confiança, a comunicação<br />
com os profissionais de saúde de referência assume<br />
aqui um papel central. Neste sentido, é importante dar<br />
espaço ao utente para partilhar as suas preocupações<br />
e não as desvalorizar. Pelo contrário, o profissional de<br />
saúde deve validar essas preocupações, reconhecendo<br />
que muitas das mensagens que têm sido disseminadas<br />
favorecem uma visão negativa acerca dos cuidados de<br />
saúde, e depois fornecer informação sobre o que está<br />
a ser feito para minimizar o risco. Esta informação deve<br />
ser tão personalizada quanto possível, ajudando o utente<br />
a “visualizar” o seu percurso na instituição e todos os<br />
cuidados associados a cada etapa desse percurso. Finalmente,<br />
é preciso apoiar a tomada de decisão, com informação<br />
específica sobre os riscos e benefícios de receber<br />
os cuidados de saúde naquele momento em particular.<br />
A retoma da atividade eletiva não depende apenas dos<br />
recursos e organização dos serviços de saúde. Na verdade,<br />
podemos estar a sobrestimar a rapidez ou facilidade<br />
com que os utentes retomarão o contacto presencial<br />
com os serviços e, em particular, a realização de procedimentos<br />
eletivos. É importante antecipar as barreiras que<br />
poderão interferir com esta retoma e desenvolver estratégias<br />
para ativar o envolvimento dos utentes. Neste<br />
sentido, é preciso considerar a forma como os indivíduos<br />
podem colocar em confronto o risco de exposição à<br />
Covid-19 e/ou as preocupações com a capacidade dos<br />
serviços para atenderem às suas necessidades com os benefícios<br />
de avançar com um procedimento eletivo. Este<br />
balanço dependerá de muitas variáveis, como a natureza<br />
das necessidades de saúde (por exemplo, severidade ou<br />
impacto) ou o tipo de resposta associado (por exemplo,<br />
ambulatório vs internamento), e concretizar-se-á em decisões<br />
diversas. Uma primeira vaga de doentes avançará<br />
independentemente da sua perceção de risco porque<br />
estão desesperados para dar resposta às suas necessidades<br />
de saúde, seja pela ameaça que representam seja<br />
pelo nível em que interferem com as atividades do dia<br />
a dia. Uma segunda vaga poderá incluir aqueles que se<br />
sentem seguros porque consideram que o seu risco de<br />
infeção é baixo ou que o procedimento acarreta poucos<br />
riscos e requer pouco seguimento. Haverá depois um<br />
conjunto de indivíduos que se sentem menos seguros<br />
(ou menos desesperados pelo procedimento) que precisarão<br />
de um encorajamento adicional para avançar com<br />
os seus procedimentos. Finalmente, é preciso considerar<br />
um potencial último grupo para o qual esse encorajamento<br />
não será suficiente e que só avançará quando<br />
sentir que a ameaça está controlada, nomeadamente<br />
porque a vacina fez o seu papel. Qualquer um destes grupos<br />
terá preocupações e necessidades de informação e<br />
a recuperação da sua confiança exige uma resposta ajustada<br />
à sua diversidade. Ã<br />
Daniel S., RO<br />
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60 61<br />
PT-NA-2100002
GH direito biomédico<br />
RESPONSABILIDADE EM SAÚDE<br />
PÚBLICA NO MUNDO LUSÓFONO:<br />
FAZENDO JUSTIÇA DURANTE E<br />
ALÉM DA EMERGÊNCIA DA COVID<br />
André Dias Pereira<br />
Professor da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra;<br />
Diretor do Centro de Direito Biomédico; Investigador do Instituto<br />
Jurídico, Investigador principal do Projeto - WHO ERC<br />
Catarina de Almeida<br />
Licenciada e Mestranda em Direito, Faculdade de Direito,<br />
Universidade de Coimbra;<br />
Investigadora júnior do Projeto - WHO ERC<br />
Corria o ano de 2020 quando o mundo foi<br />
assolado pela pandemia da Covid-19. É<br />
certo que outras estirpes virais se haviam<br />
afirmado no século XXI como grandes<br />
potenciadoras de prejuízos humanos e<br />
materiais. Como esquecer a “primaˮ SARS, em 2003,<br />
tão mortal e assustadora, mas que felizmente não se dava<br />
com o calor? Ou a gripe A, em 2009, (gerada pelo famoso<br />
H1N1 pdm09) que terá dizimado cerca de meio<br />
milhão de pessoas, sobretudo crianças e jovens, no seu<br />
primeiro ano de propagação? A Covid-19 apanhou o<br />
mundo de surpresa, gerou de imediato insegurança,<br />
tensões e instabilidade a nível interno e externo nos<br />
países, que deixaram cicatrizes profundas que perdurarão<br />
muito além da crise epidémica e revelou sobretudo<br />
as fragilidades dos sistemas de saúde à escala mundial,<br />
que ficaram perto do colapso, a insuficiência da atuação<br />
política internacional, e alertou para a grande responsabilidade<br />
dos Estados em estruturar sistemas de saúde<br />
eficientes, que proporcionem às populações o acesso<br />
a tratamentos em tempo útil e que respeitem a figura<br />
do profissional de saúde. O veículo para preparar uma<br />
emergência de saúde pública é, principalmente, o legislativo<br />
e o regulamentar: em Portugal, como em outros<br />
países, desde as medidas iniciais de aquisição de material<br />
de proteção individual para os hospitais no sentido de<br />
reforçar os seus stocks (Despacho n.<strong>º</strong> 3219/2020, de 3<br />
de março) à implementação, para dar resposta a esta<br />
pandemia, de um plano nacional de vacinação contra a<br />
Covid-19 (Portaria n<strong>º</strong> 298-B/2020, de 23 de dezembro),<br />
o mundo jurídico emerge de mãos dadas com o mundo<br />
da saúde pública.<br />
Para além dos múltiplos problemas de alocação de recursos<br />
que a pandemia suscitou (desde os humanos,<br />
como profissionais de saúde, aos materiais, como camas<br />
nos cuidados intensivos, ventiladores, equipamento<br />
de proteção individual, testes de diagnóstico, medicamentos,<br />
vacinas, etc.), muitas outras questões éticas<br />
emergiram no contexto internacional: questionou-se a<br />
legitimidade de se suspenderem as visitas hospitalares<br />
a doentes não-Covid e as visitas a lares, de se protelarem<br />
tratamentos e ações de rastreio igualmente urgentes<br />
como de combate ao cancro, de se cancelarem<br />
sistematicamente consultas de rotina nomeadamente<br />
de doentes com patologias crónicas e graves, de se<br />
criarem protocolos de atuação nos hospitais, definindo<br />
prioridades de atendimento, quiçá comprometedoras<br />
do acesso a cuidados por idosos ou populações mais<br />
vulneráveis, de se relegarem as crianças e jovens para o<br />
ensino à distância, sem garantias de igualdade no acesso<br />
a conteúdos transmitidos online, de se criarem e imporem<br />
mecanismos de rastreio digital (como a aplicação<br />
StayAway Covid em Portugal, potencialmente lesiva de<br />
direitos constitucionalmente garantidos, mesmo tida<br />
em consideração a declaração de Estado de Emergência)<br />
ou de se limitarem direitos de culto religioso ou<br />
de circulação dentro e entre Estados. Existem questões<br />
cujo impacto indubitavelmente se estenderá para além<br />
da Covid-19: a saúde mental dos cidadãos, há mais de<br />
um ano orientados para se manterem em recolhimento<br />
domiciliário, em formato de completo confinamento ou<br />
similar, bem como das crianças cuja idade mais fértil para<br />
adquirir conhecimentos, experiências e potenciar capacidades<br />
de interação social coincidiu com estes mais de<br />
12 meses de pandemia, são problemas que vão perseguir<br />
e condicionar as opcões políticas dos próximos<br />
anos e cujas repercussões ainda estão por avaliar; sem<br />
deixar de mencionar o catastrófico impacto económico<br />
da pandemia, transversal a todos os Estados.<br />
Perante este contexto, a Organização Mundial de Saúde<br />
teve o ensejo de, em outubro de 2020, promover<br />
uma iniciativa dirigida aos investigadores interessados<br />
nos assuntos da área da saúde pública, convidando-os a<br />
apresentarem propostas que focassem precisamente na<br />
avaliação ética da preparação e resposta a emergências<br />
de saúde pública 1 . A Covid-19 atingiu uma dimensão<br />
universal que é, indiscutivelmente, o seu traço caraterizador,<br />
que a distingue das sazonais epidemias de gripe.<br />
A perspetiva de elaborar propostas de legislação e regulamentares,<br />
colhendo as experiências que esta pandemia<br />
proporcionou, é pertinente e oportuna e fazia<br />
superior sentido se se combinassem dados de vários<br />
países, unidos por uma história partilhada e pela língua<br />
portuguesa, comum a todos eles: Angola, Brasil, Moçambique,<br />
Portugal e a Região Administrativa Especial<br />
de Macau, da RPC.<br />
Especialistas destes países e da Região Administrativa Especial<br />
lançaram as bases para se desenvolver um estudo<br />
que combinasse a sempre relevante e mais tradicional<br />
análise teórica e concetual da mais recente legislação<br />
e bibliografia atualizada dos diferentes territórios, com<br />
um dado empírico: dados recolhidos por meio de um<br />
questionário, disponível online, endereçado a um leque<br />
de potenciais participantes, desde logo, profissionais de<br />
saúde, académicos, representantes de direitos dos pacientes<br />
e Organizações Não Governamentais, mas também<br />
funcionários públicos, que representem instâncias<br />
com importante papel nas tomadas de decisão e definição<br />
de estratégias de contenção e combate à pandemia.<br />
Os temas centrais do questionário incidem nas<br />
supra mencionadas considerações éticas que foram sendo<br />
identificadas nos últimos meses, e as perguntas incorporam<br />
duas vertentes, uma objetiva (descrição de<br />
factos, como a experiência legislativa, por exemplo) e }<br />
62 63
GH direito biomédico<br />
“<br />
ATÉ AO MOMENTO, TIRANDO O MELHOR<br />
PARTIDO POSSÍVEL DAS SESSÕES DE PARTILHA<br />
JÁ REALIZADAS, A EQUIPA TEM PROCURADO<br />
INTERPRETAR OS NÚMEROS ATUAIS<br />
DE INFETADOS E MORTOS NOS PAÍSES<br />
ENVOLVIDOS NO ESTUDO.<br />
”<br />
outra mais subjetiva (vivência da Covid da perspetiva<br />
profissional do inquirido ou opinião relativamente aos<br />
assuntos tratados). A abordagem multidisciplinar do estudo<br />
está patente não apenas no elenco de questões<br />
que integram o questionário como também no respetivo<br />
público alvo, nos colaboradores envolvidos, mas<br />
sobretudo na própria equipa que conduz o projeto:<br />
professores académicos especializados na lecionação de<br />
conteúdos de diversas áreas (Direitos da Saúde, Direitos<br />
Humanos, Filosofia do Direito, Direito Constitucional<br />
e Administrativo, entre outras), juristas e advogados,<br />
e ainda investigadores das áreas de Bioética e Biodireito.<br />
Discutidos e analisados estes dados, e envolvida a comunidade<br />
no debate das ideias da equipa por meio de<br />
um workshop, será produzido um Livro Branco, reproduzindo<br />
e tratando as questões éticas identificadas e intersecionando-as<br />
com as experiências concretas de cada<br />
sistema jurídico, que se pretende que confluam em<br />
propostas e recomendações suscetíveis de serem implementadas<br />
na prática e que criem condições para se<br />
melhorar a capacidade de resposta dos sistemas de saúde,<br />
por via de políticas legislativas viáveis, que tenham<br />
em consideração as particularidades sociais, económicas<br />
e de desenvolvimento, em geral, dos diferentes países e<br />
Região Administrativa Especial envolvidos.<br />
Como o nome do projeto indica, pretende-se que os<br />
seus outputs cheguem às comunidades destes Países Lusófonos<br />
e produzam efeitos, se não antes, depois de ultrapassada<br />
esta pandemia. É fácil compreender que mitigar<br />
os efeitos de uma doença tem, na outra face da<br />
moeda, o importante objetivo de evitar, ou pelo menos<br />
preparar devidamente a reação, nas várias frentes, a futuras<br />
pandemias, refletindo e instruindo os profissionais<br />
e populações sobre o que “correu mal” na abordagem<br />
a este vírus e enaltecendo as descobertas que foram<br />
feitas, bem como a capacidade de resposta que se conseguiu<br />
reunir numa situação de emergência.<br />
Até ao momento, tirando o melhor partido possível das<br />
sessões de partilha já realizadas, a equipa tem procurado<br />
interpretar os números atuais de infetados e mortos nos<br />
países envolvidos no estudo, destacando-se os quase<br />
10 milhões de infetados neste espaço da lusofonia, 9,3<br />
milhões só no Brasil, atribuídos, desde logo, à complacência<br />
de governantes de certas regiões, que não têm<br />
imposto e fiscalizado as medidas de contenção da propagação<br />
do vírus, questão que surge associada às dificuldades<br />
inerentes a controlar a Pandemia num país de dimensões<br />
continentais. Angola e Moçambique parecem<br />
protegidos pelo seu clima e pela atuação precoce das<br />
autoridades competentes, fator este que também surge<br />
como determinante na ação de mitigação dos efeitos<br />
da pandemia na RAEM, que contou 47 casos no seu<br />
território. Nos dois países africanos, o baixo número de<br />
casos positivos contabilizados - mesmo considerando o<br />
seu significativo incremento desde início deste ano civil -<br />
pode ser também explicado pela menor disponibilidade<br />
de testes nas populações rurais, nas quais o acesso a<br />
cuidados de saúde é limitado pelo reduzido número de<br />
instituições e profissionais de saúde, sobretudo especializados.<br />
Um vetor que tem sido decisivamente vantajoso<br />
nestes países é a utilização massiva da comunicação<br />
social, utilizada pelos Governos como ferramenta chave<br />
para educar as populações sobre a natureza e propagação<br />
da doença. Este método informativo parece ser particularmente<br />
eficaz para não sobrecarregar os cidadãos<br />
com dados numéricos e estatísticos de difícil interpretação<br />
divulgados nas notícias, que aumentam o cansaço<br />
generalizado das populações, uma realidade presente<br />
nos países envolvidos no estudo. A equipa mostrou-se<br />
favorável em vir a incluir nas suas recomendações esta<br />
opção para países como Portugal ou Brasil, onde a informação<br />
não parece estar a chegar aos cidadãos da forma<br />
mais simples e apreensível.<br />
A natureza e a tempestividade das restrições impostas,<br />
sobretudo à circulação dos residentes dentro e nas<br />
fronteiras dos países, não é uniforme em todos os Estados<br />
estudados: Moçambique, por exemplo, não chegou<br />
a ter um lockdown no modelo restritivo português de<br />
2020, enquanto a RAEM tem mantido as suas fronteiras<br />
tendencialmente encerradas desde finais de janeiro do<br />
ano passado. É da análise e comparação dos dados retirados<br />
das diferentes realidades, que a equipa pretende<br />
retirar conclusões e contribuir para o estudo da Saúde<br />
Pública no espaço da Lusofonia. Ã<br />
1. O Call for Proposals pode ser consultado em: https://www.who.int/docs/defaultsource/ethics/call-for-proposals-phephren-oct2020.pdf?sfvrsn=acd14ef2_6<br />
(Último acesso a 23/01/<strong>2021</strong>).<br />
64
GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />
MONITORIZAÇÃO COVID-19<br />
Afonso Pedrosa<br />
Diretor do Serviço de Inteligência de Dados<br />
Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário São João<br />
Maria João Campos<br />
Diretora do Centro de <strong>Gestão</strong> da Informação<br />
Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário São João<br />
No início de março de 2020 começaram<br />
a chegar os primeiros casos conhecidos<br />
a Portugal e ao Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário<br />
de São João (CHUSJ). Desde<br />
fevereiro que nos começamos a aperceber<br />
que iria ser fundamental a existência de uma ferramenta<br />
que permitisse gerir todos os recursos internos<br />
diretamente associados à resposta Covid-19, bem<br />
como dos recursos de toda a capacidade do Hospital.<br />
Esta monitorização teria que dar resposta à informação<br />
de procura dos recursos livres/ocupados para cada uma<br />
das áreas e, com o recurso a modelos preditivos, conseguir<br />
antecipar o conhecimento das necessidades. A<br />
monitorização foi proposta pelo Centro de <strong>Gestão</strong> de<br />
Informação 1 , composta pelo Serviço de Tecnologias de<br />
Informação e Comunicação, Serviço de Arquivo e pelo<br />
Serviço de Inteligência de Dados (SID), incluindo a missão<br />
do SID a manutenção e desenvolvimento de uma<br />
ferramenta de big data, bem como a análise de dados<br />
e a aplicação de algoritmos inteligentes sobre os dados.<br />
À data a quantidade de informação era reduzida, quer<br />
sobre a doença, meios de contágio ou os modelos organizativos<br />
já desenvolvidos em Wuhan. Assistíamos ao<br />
caos generalizado no norte de Itália, antecipando uma<br />
grande exigência organizativa interna para, de uma forma<br />
conjunta, dar resposta a uma necessidade totalmente<br />
desconhecida: Foi perceptível que teríamos que nos<br />
antecipar às necessidades de informação e ser parte<br />
da solução, contribuindo com a informação necessária<br />
para o suporte à definição e monitorização interna dos<br />
nossos processos assistenciais.<br />
Neste contexto, o desenvolvimento de um dashboard<br />
de monitorização Covid-19 foi realizado com a metodologia<br />
agille, iniciando-se pela identificação da metodologia<br />
de identificação Covid-19. No início de março,<br />
ainda sem publicações de normas orientadoras da<br />
DGS, foi nossa proposta a identificação de casos positivos<br />
a partir de resultados de Patologia Clínica, em que<br />
o doente ficava de imediato com a informação de classificação<br />
positivo/negativo, sendo rastreado em todas<br />
as áreas assistenciais, permitindo desta forma conhecer<br />
todos os casos existentes no hospital. Posteriormente,<br />
após publicação das primeiras normas orientadoras da<br />
DGS, os critérios foram ajustados incluindo-se o critério<br />
de recuperado.<br />
Iniciamos o desenvolvimento, com informação em tempo<br />
real dos acontecimentos internos, sempre com o cuidado<br />
de traçar cenários sobre a necessidade de recursos<br />
a alocar futuramente para continuado funcionamento<br />
e desenvolvimento sustentado da solução.<br />
Foi criada uma estrutura de integração de dados, com<br />
refrescamento de informação a cada 30 minutos. As<br />
fontes de dados foram o SONHO, dados do laboratório<br />
de análises no CLINIDATA, dados dos Cuidados<br />
Intensivos no B.ICU-CARE, dados do Serviço de Urgência<br />
de Adultos e de Pediatria, no ALERT e no JONE,<br />
respetivamente, dados da DGS e dados da CDC Europa.<br />
Todos estes dados foram integrados numa só base<br />
de dados, tendo-se definido a criação de um dashboard<br />
que atualiza a cada 30 minutos, construído com tecnologia<br />
de PowerBI, com áreas dedicadas que cobrem as<br />
necessidades de informação que este novo processo<br />
assistencial exigiu.<br />
O uso de algoritmos de análise preditiva permitiu ainda<br />
criar um cenário diário de previsão para infeção, internamentos<br />
e óbitos, antecipando os 7 dias subsequentes<br />
em termos de casuística prevista.<br />
Iniciamos o desenvolvimento do tabulador geral (fig. 1)<br />
e do tabulador de positivos (fig. 2).<br />
No tabulador geral é apresentada a distribuição de casos<br />
de infeção no hospital, a evolução diária e os dados<br />
por distrito, género e idade.<br />
Para os casos de doentes positivos internados no<br />
CHUSJ, foi desenvolvido o tabulador de Positivos em<br />
que são apresentados os dados dos internamentos por<br />
serviço, com distinção entre infetados, recuperados e }<br />
Figura 1: Vista geral de monitorização Covid-19.<br />
Figura 2: Vista de doentes positivos Internados por Serviço.<br />
Figura 3: Vista do fluxo de doentes na Urgência de Adultos e Pediatria.<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
66 67
GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />
“<br />
A CAPACIDADE DE RESPOSTA DO SERVIÇO<br />
DE PATOLOGIA, NOMEADAMENTE TEMPOS<br />
DE ESPERA PARA RESULTADOS, É FACILMENTE<br />
MONITORIZADA (FIG. 5), BEM COMO A ANÁLISE<br />
DA CAPACIDADE DE REALIZAÇÃO DE TESTES<br />
DAS ANÁLISES PEDIDAS INTERNAMENTE<br />
POR OUTRAS INSTITUIÇÕES, ADICIONANDO-SE<br />
AINDA INDICADORES RELATIVOS<br />
A COMUNICAÇÃO OFICIAL DE DADOS<br />
DO CHUSJ PARA O SINAVE LAB.<br />
”<br />
outros. São apresentados indicadores de produção do<br />
internamento entre doentes por nível de internamento<br />
e demora média. O desenvolvimento efetuado teve<br />
como preocupação a garantia de dois aspetos críticos:<br />
1. A expansibilidade para novas áreas no hospital;<br />
2. A adaptação automática em tempo real da informação<br />
apresentada sem necessidade de intervenção<br />
técnica para ajuste de configurações, aspetos considerados<br />
essenciais para uma resposta efetiva às necessidades<br />
informacionais.<br />
Com o desenvolvimento do tabulador das Urgências<br />
(fig. 3), passamos de imediato a conhecer os números<br />
de quem nos procurava, quantos internados e o local<br />
em que se encontravam os recursos livres/ocupados,<br />
bem como o cálculo das demoras médias que se estavam<br />
a verificar. Os dados apresentados no tabulador<br />
das Urgências refletem incidências na urgência de adultos<br />
e pediátrica, com monitorização em tempo real da<br />
distribuição dos doentes nas áreas que foram criadas<br />
no Serviço de Urgência especificamente para lidar com<br />
a pandemia. Foi incluída informação sobre os resultados<br />
enviados por SMS aos doentes cujo resultado é negativo<br />
e, mais tarde, resultados de doente positivo, processo<br />
implementado devido ao elevado fluxo de doentes<br />
no Serviço de Urgência, libertando os profissionais<br />
de saúde.<br />
Para o internamento de nível II e III é fundamental ter a<br />
noção dos equipamentos usados (ventiladores mecânicos,<br />
ONAF, ECMO), sendo a informação de disponibilidade<br />
de cada equipamento essencial para a boa gestão<br />
dos recursos. Neste contexto, foi desenvolvido o tabulador<br />
respetivo com o mapeamento de toda a capacidade<br />
instalada no CHUSJ e a sua ocupação (fig. 4).<br />
A capacidade de resposta do Serviço de Patologia, nomeadamente<br />
tempos de espera para resultados, é facilmente<br />
monitorizada (fig. 5), bem como a análise da capacidade<br />
de realização de testes das análises pedidas internamente<br />
por outras instituições, adicionando-se ainda<br />
indicadores relativos a comunicação oficial de dados<br />
do CHUSJ para o SINAVE LAB. Com a evolução da pandemia,<br />
novos locais iniciaram testagem à Covid-19, pelo<br />
que para manter o modelo de informação definido<br />
foi necessário garantir o registo de “análise externa”<br />
no sistema. Esta função foi assumida pelo Serviço de<br />
Arquivo, que passou diariamente a validar admissões a<br />
internamento, quer por transferência de outros hospitais,<br />
quer pela admissão do Serviço de Urgência, ação<br />
que foi fundamental para garantir o funcionamento integrado<br />
da solução.<br />
De referir que toda a lógica de monitorização Covid-19<br />
não exigiu aos nossos profissionais a alteração de processo<br />
de registo clínico a que estão habituados pois,<br />
seria impensável, em momento pandémico, exigir esse<br />
esforço adicional quando tanto estava a acontecer em<br />
muito pouco tempo.<br />
Do ponto de vista técnico o processo de desenvolvimento<br />
foi sempre estruturado e articulado com a gestão<br />
de topo, tendo a primeira análise preditiva sido efetuada<br />
em ambiente teste e solicitada reunião imediata<br />
com a Administração para correto alinhamento dos<br />
testes realizados com as necessidades de informação<br />
antecipadas e manifestadas. A título de exemplo assinala-se<br />
como necessário a ocorrência do primeiro óbito,<br />
para que fosse possível aplicar e testar o algoritmo<br />
preditivo que nos permitia passar a conhecer as necessidades<br />
para os próximos 7 dias subsequentes em número<br />
de casos e, consequentemente, das necessidades<br />
de camas nível I, II/III. Efetuado este mapeamento real<br />
da ocupação do hospital, comparando com uma previsibilidade<br />
máxima e mínima da necessidade permitia<br />
adequar os meios necessários, foi de imediato decidido<br />
que esta informação ficaria disponível internamente<br />
para todas as áreas de gestão. Desta forma, podemos<br />
afirmar que as áreas clínicas nunca foram surpreendidas<br />
com as necessidades permitindo que, atempadamente,<br />
os profissionais pudessem ajustar as áreas, recursos e<br />
meios para a resposta necessária (fig. 6). A confirmação<br />
dos resultados ao longo do tempo ajudou a que<br />
o quadro da previsão ganhasse credibilidade e pudesse<br />
ser seguida com confiança pelos utilizadores.<br />
Após o momento inicial da pandemia tornou-se claro }<br />
Figura 4: Vista de alocação dos recursos em Unidade de Cuidados Intensivos.<br />
Figura 5: Vista geral de indicadores de desempenho do Serviço de Patologia Clínica.<br />
Figura 6: Vista de Previsão para os próximos 7 dias.<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
68 69
GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />
“<br />
A GESTÃO DE INFORMAÇÃO EM SITUAÇÃO<br />
PANDÉMICA TEM DE SER ÁGIL, RÁPIDA<br />
E EFETIVA ALINHADA COM AS NECESSIDADES<br />
DAS ÁREAS CLÍNICAS PARA PERMITIR<br />
UMA BOA MONITORIZAÇÃO E DISPONIBILIZAR<br />
OS ELEMENTOS INFORMATIVOS PARA<br />
UMA BOA GESTÃO DE TODOS<br />
OS RECURSOS DISPONÍVEIS.<br />
”<br />
que a coexistência das áreas Covid-19 e das áreas não-<br />
-Covid-19 se iriam manter necessárias por muito tempo<br />
pelo que se iniciou o desenvolvimento da monitorização<br />
de doente Covid-19 positivo em toda a atividade<br />
programada.<br />
Conhecer estes casos em áreas de ambulatório (fig.<br />
7), MCDTs ou Bloco era fundamental pois um doente<br />
Covid-19 positivo quando chamado pelo Hospital para<br />
consulta ou realização de um exame assume que o<br />
hospital conhece a sua situação e que essa deslocação<br />
é segura. Desta forma, e com total independência do<br />
circuito funcional onde o doente foi identificado como<br />
Covid-19 positivo, o mesmo é reconhecido por todas<br />
as áreas clínicas até ao momento em que este apresenta<br />
critérios de recuperação. Esta monitorização permitiu<br />
anteceder o conhecimento sobre a atividade programada<br />
em 7 dias, dando a possibilidade a cada uma<br />
das áreas clínicas de efetuar contacto com o doente em<br />
momento prévio à sua deslocação ao hospital, sendo<br />
essencial para permitir uma gestão efetiva de circuitos<br />
internos distintos que garantem a segurança dos doentes<br />
e profissionais do CHUSJ.<br />
O mesmo aconteceu com as monitorizações em Drive-<br />
Thru, implementadas com requisição automatizada pré-<br />
-internamento até 72 horas, pioneiras a nível nacional,<br />
e rastreios internos de testagem de rastreio do doente<br />
ao 5<strong>º</strong> dia de internamento (fig. 8), bem como rastreios<br />
em Serviços piloto Hospital Dia Oncologia, Oncologia<br />
Pediátrica e Serviço de Medicina Interna.<br />
Esta monitorização permitiu assegurar a rastreabilidade<br />
interna de casos positivos, com melhoria da eficácia e<br />
controlo de potenciais surtos internos, proteger o doente<br />
internado e os profissionais em prestação direta<br />
de cuidados de saúde, resultando numa rápida resposta<br />
das áreas clínicas na separação de doentes e circuitos<br />
distintos.<br />
A 27 de dezembro de 2020, e apenas com dois dias<br />
úteis de preparação, o CHUSJ iniciou o processo de vacinação<br />
dos seus profissionais de saúde prioritários, de<br />
acordo com a norma publicada pela DGS. O processo<br />
definido passou a monitorizar os momentos subsequentes<br />
das sessões de vacinação de 1ª e 2ª dose. A<br />
monitorização deste processo teve como requisitos:<br />
1. A capacidade de preparação dos serviços farmacêuticos<br />
para um número de vacinas por hora;<br />
2. O agendamento por profissional de saúde identificado<br />
para vacinação e respetiva notificação;<br />
3. A sua efetivação no dia de vacina com gestão dos<br />
adiantados/atrasados e faltosos;<br />
4. O registo de administração em tempo real no E-<br />
-VACINAS;<br />
5. O número simultâneo de colaboradores do CHUSJ<br />
em recobro;<br />
6. O teste interno funcional da App My São João para<br />
o Registo de Reações Adversas para acompanhamento<br />
pelo Serviço de Saúde Ocupacional e notificação oficial<br />
ao Infarmed.<br />
A <strong>Gestão</strong> de Informação em situação pandémica tem<br />
de ser ágil, rápida e efetiva alinhada com as necessidades<br />
das áreas clínicas para permitir uma boa monitorização<br />
e disponibilizar os elementos informativos para uma<br />
boa gestão de todos os recursos disponíveis. O Centro<br />
de <strong>Gestão</strong> de Informação participou ativamente em todas<br />
as atividades internas de contingência Covid-19, fez<br />
parte das reuniões do grupo de crise e implementou a<br />
monitorização das necessidades mais prementes, contribuindo<br />
seguramente para os excelentes resultados<br />
de prestação clínica do CHUSJ (#SomosSaoJoao). Ã<br />
1. O CGI foi criado em 2016 com a missão de prestar um serviço que permita<br />
aportar valor aos profissionais de saúde do CHSJ na prestação dos cuidados de<br />
saúde, com eficiência e segurança, proporcionando informação para suporte à tomada<br />
de decisão na prestação e para a investigação clinica, com centralidade nos<br />
utentes do CHUSJ.<br />
Figura 7: Vista de monitorização da atividade programada em Ambulatório.<br />
Figura 8: Vista de rastreio interno em Internamento.<br />
Figura 9: Vista de monitorização da Vacinação no CHUSJ.<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
Fonte: CHUSJ<br />
70 71
GH SAÚDE PÚBLICA<br />
INFEÇÕES ASSOCIADAS<br />
A CUIDADOS DE SAÚDE<br />
E SEGURANÇA DO DOENTE<br />
Rita Filipe<br />
Médica Assistente de Saúde Pública<br />
Este artigo pretende rever o impacto que<br />
as infeções associadas a cuidados de saúde<br />
(IACS) têm nos serviços de saúde e<br />
realçar que estas constituem uma componente<br />
crítica de qualquer programa de<br />
segurança do doente.<br />
A World Alliance for Patient Safety foi criada, em 2004, na<br />
57ª Assembleia Mundial de Saúde, para tornar a segurança<br />
dos doentes uma iniciativa global e a prevenção<br />
das IACS (clean care is safer care), foi uma das 6 áreas<br />
que foi considerada prioritária. 1<br />
As IACS constituem um problema de saúde pública devido<br />
à elevada morbimortalidade e custos associados. 2<br />
Considera-se IACS qualquer infeção adquirida pelos doentes<br />
em consequência dos cuidados e procedimentos<br />
de saúde prestados e que pode, também, afetar os profissionais<br />
de saúde durante o exercício da sua atividade.<br />
Por vezes, estas infeções são também denominadas de<br />
infeções nosocomiais, apesar desta designação não ser<br />
inteiramente abrangente por excluir o ambulatório. 3<br />
O conceito de IACS é, por isso, mais abrangente já que<br />
se refere a todas as unidades prestadoras de cuidados de<br />
saúde, pelo que é importante assegurar a comunicação<br />
e a articulação entre as diversas unidades de saúde, para<br />
a identificação destas infeções a fim de reduzir o risco de<br />
infeção cruzada. 3<br />
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as<br />
IACS constituem hoje uma epidemia silenciosa, sendo o<br />
evento adverso mais frequente ao nível da prestação de<br />
cuidados de saúde. 4 Estima-se que um em cada quatro<br />
doentes internados numa UCI tem um risco acrescido<br />
de adquirir uma IACS, sabendo-se ainda, que esta esti-<br />
mativa pode duplicar nos países menos desenvolvidos. 3<br />
Embora parte destas infeções possam ser o preço a pagar<br />
pelos avanços tecnológicos e terapêuticos, considera-se<br />
que pelo menos 20% de todas as IACS seriam<br />
provavelmente evitáveis. 2<br />
As infeções urinárias são as IACS mais frequentes, no<br />
entanto as infeções da corrente sanguínea e as pneumonias<br />
estão associadas a maior mortalidade e custos. 2<br />
A Pneumonia Associada ao Ventilador (PAV) corresponde<br />
à pneumonia que ocorre mais de 48 horas após<br />
a entubação endotraqueal e constitui a segunda infeção<br />
nosocomial mais frequente (a seguir à infeção urinária),<br />
e aquela que representa maior mortalidade (20-33 %). 4<br />
Das estratégias que visam a prevenção da PAV destaca-<br />
-se o conceito proposto, em 2007, pelo Institute for Healthcare<br />
Improvement (IHI) de Ventilator Bundle que não é<br />
mais do que um conjunto de cinco componentes de<br />
cuidados que refletem uma prática baseada na evidência.<br />
Estas cinco componentes são: a elevação da cabeceira<br />
da cama a 30-45°, a interrupção diária da sedação com<br />
avaliação da possibilidade de extubação, a profilaxia da<br />
úlcera péptica, a profilaxia da trombose venosa profunda<br />
e a descontaminação oral diária com clorohexidina. 5<br />
Estas componentes são consideradas o núcleo da estratégia<br />
e promovem uma abordagem do tipo “tudo ou<br />
nada” em que mais importante do que o valor individual<br />
de cada uma é o princípio subjacente a uma abordagem<br />
integrada e multifatorial. 2<br />
A Infeção Nosocomial da Corrente Sanguínea (INCS)<br />
é uma infeção sistémica que não estava presente nem<br />
em incubação no momento da admissão do doente na<br />
Unidade de Saúde. Encontra-se frequentemente associada<br />
ao uso de cateter, cuja utilização é uma prática<br />
quase indispensável em contexto de cuidados intensivos.<br />
A mortalidade atribuída é aproximadamente de<br />
4-20%. O IHI também desenvolveu um Central line bundle<br />
que compreende cinco componentes cuidados que<br />
refletem uma prática baseada na evidência, a saber: higiene<br />
das mãos, utilização de barreiras de proteção máximas<br />
aquando da colocação do cateter, utilização de<br />
clorohexidina na antissepsia da pele, escolha ideal do local<br />
de inserção do cateter e a revisão diária da necessidade<br />
de cateter com a sua remoção logo que possível. 6<br />
A infeção urinária constitui a infeção nosocomial mais<br />
frequente (<strong>24</strong> %) e estima-se que 80% destes episódios<br />
se relacione com a cateterização vesical. Estima-se que,<br />
aplicando as medidas de controlo de infeção adequadas,<br />
se possam evitar até 69% das infeções urinárias o que<br />
representa 380.000 infeções e 9.000 óbitos por ano. 7<br />
No “pacote” de intervenções estão contempladas: utilização<br />
de técnica asséptica na colocação e manuseamento<br />
do cateter urinário, utilização de dispositivo urinário<br />
não invasivo ou de cateterização intermitente sempre<br />
que possível, respeito estrito das indicações clínicas para<br />
colocação e promoção da remoção precoce do cateter. 2<br />
A infeção do local cirúrgico (ILC) são o segundo efeito<br />
adverso mais frequente que ocorre no doente hospitalizado<br />
levando a um aumento da mortalidade, prolongamento<br />
de internamento, reinternamentos e custos<br />
acrescidos. 10 De acordo com o IHI, 40 a 60 % por cento<br />
das ILC são evitáveis. As medidas de prevenção de eficácia<br />
comprovada envolvem o uso apropriado de antibióticos<br />
profiláticos, tricotomia só quando indicado e por<br />
métodos que não lesem a pele, controlo da glicémia na<br />
cirurgia cardíaca e manutenção da normotermia no pós-<br />
-operatório da cirurgia colorectal. 7<br />
O fenómeno da multirresistência foi descoberto nos<br />
anos 60 a 80. A resistência bacteriana aos antibióticos<br />
representa a evolução contínua na luta pela sobrevivência<br />
das espécies, manifestando-se quer pela capacidade<br />
de sofrer mutações, quer pela troca de material genético<br />
entre as espécies bacterianas. 2<br />
As manifestações clínicas das infeções por microrganismos<br />
multirresistentes podem não ser mais graves, mas<br />
complicam a sua abordagem estreitando o leque de opções<br />
terapêuticas. Consequentemente representam um<br />
aumento significativo de morbimortalidade e dos custos<br />
associados. 8<br />
Portugal possui uma Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica<br />
de Resistências aos Antimicrobianos. Globalmente,<br />
Portugal tem apresentado taxas de resistência<br />
semelhantes às da maioria dos países europeus em termos<br />
de Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas e taxas<br />
mais elevadas que a média europeia em Staphylococcus<br />
aureus e Enterococcus. No que se refere à ocorrência de<br />
infeção por MRSA apesar de se ter verificado uma diminuição<br />
dos valores entre 2011 (53.4%) e 2013 (46.8%),<br />
Portugal continua a estar entre os países europeus com<br />
mais elevada taxa de MRSA, assim como de Enterococcus<br />
faecium resistente à vancomicina. 3,9<br />
A segurança do doente resulta da interação de diversos<br />
fatores relacionados, por um lado, com o doente e,<br />
por outro, com a prestação de cuidados que envolvem<br />
elementos de natureza individual e organizacional/estrutural.<br />
A eficácia das intervenções para a prevenção e controlo<br />
da infeção dependem da forma como são definidos<br />
e implementados os programas de controlo de infeção. 2<br />
A pandemia por Covid-19 evidenciou a importância da<br />
segurança dos profissionais de saúde e como a segurança<br />
dos doentes dependem desta, não havendo segurança<br />
dos doentes sem que exista segurança dos profissionais<br />
de saúde. Equipamentos de proteção individual<br />
(EPI) inadequados são um problema em vários settings,<br />
como por exemplo os hospitais ou as estruturas residenciais<br />
para idosos, havendo infelizmente vários exemplos<br />
de profissionais de saúde que ficaram infetados e morreram<br />
de Covid-19. 10<br />
Assim, à semelhança do verificado em surtos anteriores,<br />
como o Ébola ou a Síndrome Respiratória do Médio<br />
Oriente (MERS-CoV), apenas quando os profissionais<br />
de saúde estiverem em segurança é que os seus doentes<br />
estarão seguros, e só desta forma é que conseguirão<br />
manter o sistema de saúde seguro e resiliente. 10<br />
Em conclusão, as IACS constituem um desafio para o século<br />
XXI e o seu combate tem o potencial de salvar milhões<br />
de vidas, reduzir a morbilidade e incapacidades de<br />
longa duração e levar a grandes poupanças através da implementação<br />
de conjuntos básicos de medidas de controlo<br />
de infeção, contribuindo assim para a segurança<br />
do doente. Ã<br />
1. Campos, L., Saturno, P., Carneiro, A.V.. “Plano Nacional de Saúde 2011-2016:<br />
a qualidade dos cuidados e dos serviços”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2010.<br />
2. Pina, E., Ferreira, E., Marques, A., Matos, B.. “Infecções associadas aos cuidados de<br />
saúde e segurança do doente”. Revista Portuguesa de Saúde Pública; 2010.<br />
3. Direção-Geral da Saúde. “Programa nacional de prevenção e controlo da infecção<br />
associada aos cuidados de saúde”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2007.<br />
4. Centers for Disease Control and Prevention. “Guidelines for preventing health-care-associated<br />
pneumonia”. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther;<br />
2003.<br />
5. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide : Prevent Ventilator- Associated<br />
Pneumonia” Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement; 2012.<br />
6. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide: Prevent Central Line-<br />
-Associated Bloodstream Infections”. Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement;<br />
2012.<br />
7. Gould, C.V. et al.. “Guideline for Prevention of Catheter-Associated Urinary Tract<br />
Infections 2009”. Healthc Infect Control Pract Advis Comm; 2009.<br />
8. Siegel, J.D. et al.. “Management of Organisms In Healthcare Settings, 2006”. American<br />
Jounal of Infection Control; 2006.<br />
9. European Centre for Disease Prevention an-d Control. “Surveillance of antimicrobial<br />
resistance in Europe 2018”. Stockholm: ECDC; 2019.<br />
10. Shaw, A., Flott, K., Fotana, G., Durkin, M., Darzi. A..“No patient safety without<br />
health worker safety” Lancet 2020: 1–2. https://doi.org/10.1016/S0140-<br />
6736(20)31949-8.<br />
72 73
GH comunicação em saúde<br />
COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL:<br />
ATÉ QUANDO O PARENTE POBRE<br />
NA GESTÃO DOS HOSPITAIS?<br />
Pedro Coelho dos Santos<br />
Mestre em Guerra da Informação pela Academia Militar,<br />
Especialista em Comunicação na área da Saúde<br />
A<br />
gestão de um hospital atende a uma<br />
multiplicidade de áreas para lá daquelas<br />
que estão diretamente relacionadas<br />
com a prestação de cuidados de<br />
saúde. Uma dessas continua a marcar<br />
passo: a Comunicação Institucional.<br />
Urge alterar este cenário, pois a perceção que os cidadãos<br />
têm do Serviço Nacional de Saúde está direta e<br />
fortemente relacionada com a qualidade da Comunicação<br />
das suas diversas instituições, entre as quais os hospitais.<br />
E não é seguramente coincidência que os gestores<br />
hospitalares que valorizam seriamente a Comunicação,<br />
incorporando-a na sua prática quotidiana, obtenham habitualmente<br />
melhores resultados.<br />
Em primeiro lugar, importa encontrar uma resposta para<br />
a seguinte pergunta: o que é a Comunicação Institucional?<br />
Existem diversas definições possíveis na literatura, mas arrisco<br />
uma de minha autoria. Comunicação Institucional é<br />
a atividade, envolvendo diversas competências, que visa<br />
promover o bom entendimento e o envolvimento da<br />
Instituição com os seus diversos públicos-alvo.<br />
Um dos erros frequentes que encontro no diálogo com os<br />
gestores hospitalares sobre esta matéria é uma visão demasiado<br />
restrita daquilo que é Comunicação, limitando-a<br />
praticamente à assessoria de imprensa. Ora, referi “diversas<br />
competências” da definição atrás efetuada, pelo que a Comunicação<br />
Institucional abarca - além da já referida assessoria<br />
de imprensa - a comunicação estratégica, o aconselhamento,<br />
a comunicação interna, a gestão das redes sociais<br />
e de outros suportes comunicacionais, a gestão de crise<br />
mediática e a produção de conteúdos informativos.<br />
Um outro erro muito frequente é atafulhar os seus “gabinetes<br />
de comunicação” com tarefas que nada têm a<br />
ver com esta área: a gestão e resposta às reclamações, a<br />
sinalética, o gabinete do utente e o centro de documentação.<br />
Ah, e já agora junte-se-lhe a angariação de donativos<br />
junto de diversos agentes económicos da área de<br />
influência do hospital para conseguir ter um router de<br />
internet melhorzinho para a enfermaria pediátrica…<br />
Ora, se as estruturas dedicadas à Comunicação (quando<br />
existem) têm já um problema de escassez de recursos<br />
humanos, atribuir-lhe mais e mais tarefas que estão<br />
muito pouco relacionadas com a sua área de atuação<br />
é garantir que o mais importante vai ficar por concretizar.<br />
Implementar uma estratégia de comunicação é uma<br />
tarefa que exige uma planificação cuidada e uma dedicação<br />
permanente, pelo que não faz qualquer sentido<br />
estar a canalizar tempo e atenção para o que não contribua<br />
efetivamente para esse objetivo.<br />
Por fim, ainda no capítulo dos erros frequentes, muitos<br />
dos gestores hospitalares desvalorizam sistematicamente<br />
o papel que a Comunicação Institucional pode ter<br />
para a eficácia organizacional das suas organizações. “Eu<br />
sei escrever bem”, “os jornalistas têm o meu contacto<br />
e ligam-me quando é preciso” ou “o importante não é<br />
comunicar, é apresentar trabalho” são algumas das frases<br />
notáveis que ouvi por parte de responsáveis de hospitais<br />
e que fui colecionando ao longo da minha carreira<br />
profissional de duas décadas na área da saúde.<br />
A Comunicação é efetivamente um recurso valioso para<br />
a boa gestão. Em primeiro lugar porque, se bem utilizada,<br />
permite valorizar o papel da Instituição no contexto<br />
em que se esta insere, contribuindo para a sua boa imagem<br />
e boa reputação.<br />
No contexto pandémico em que vivemos atualmente,<br />
todos nos apercebemos já do bom desempenho que algumas<br />
instituições vêm tendo neste domínio. Permitam-<br />
-me dar o exemplo do Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de<br />
São João (CHUSJ), onde existe liderança ao nível máximo<br />
da gestão e bons executores na área da Comunicação.<br />
Ora, a visibilidade do CHUSJ, resultante da aposta na área<br />
da Comunicação, tem-lhe permitido acumular um enorme<br />
capital de confiança por parte dos cidadãos, capital<br />
esse que perdurará para lá da pandemia. É precisamente<br />
esse um dos grandes objetivos da Comunicação enquanto<br />
ativo de gestão: ganhar a confiança do(s) público(s).<br />
A par desse objetivo, temos também o de dar visibilidade<br />
ao trabalho que a Instituição desenvolve e propiciar a<br />
constituição de parcerias-positivas com outras entidades.<br />
Bem como, é importante não o esquecer, contribuir para<br />
a motivação interna dos profissionais do hospital.<br />
Todos nós preferimos indiscutivelmente trabalhar numa<br />
Instituição com boa imagem. E todos nós - bem, pelo<br />
menos aqueles que estão atentos… - sabemos também<br />
o impacto que uma reputação negativa ou uma crise<br />
mediática têm no moral das equipas.<br />
Para já não falar da forma como as tutelas - sejam as<br />
administrativas, mais concretamente as Administrações<br />
Regionais de Saúde, sejam as políticas, designadamente<br />
os secretários de Estado e ministros - valorizam uma<br />
boa comunicação por parte dos hospitais. Vejamos uma<br />
vez mais o CHUSJ e a sua boa imagem atual: qual será<br />
o responsável político que, no seu estado de sanidade<br />
mental normal, recusaria o apoio e associar-se a uma<br />
qualquer iniciativa desse Hospital? Pois.<br />
Sim, uma estratégia de Comunicação Institucional bem<br />
delineada e bem executada contribui indiscutivelmente<br />
para que o Hospital possa atingir os objetivos a que se<br />
propõe. E, igualmente importante, permite que os outros<br />
se apercebam do trabalho que é desenvolvido. Porque<br />
aquela máxima de que what happens in Vegas, stays in<br />
Vegas não se aplica lá muito bem (mesmo no caso das<br />
broncas escabrosas, porque pura e simplesmente não é<br />
possível escondê-las em instituições como os hospitais) }<br />
74 75
GH comunicação em saúde<br />
“<br />
SIM, COMUNICAR PROACTIVAMENTE<br />
É VANTAJOSO PARA UM HOSPITAL.<br />
GANHA A INSTITUIÇÃO E GANHAM<br />
OS CIDADÃOS, QUE DEVIDAMENTE<br />
INFORMADOS SOBRE O QUE SE PASSA<br />
NO SEU HOSPITAL, FICAM MELHOR APTOS<br />
PARA AVALIAREM A SUA PRESTAÇÃO<br />
E PARA VALORIZAREM DEVIDAMENTE<br />
O PAPEL QUE ESTE DESEMPENHA<br />
NAS SUAS VIDAS.<br />
”<br />
à realidade atual das sociedades altamente mediatizadas.<br />
E por falar em sociedades altamente mediatizadas, é<br />
indiscutível o poder que os media têm junto dos cidadãos,<br />
influenciando de forma decisiva o julgamento que<br />
estes fazem das instituições. Ora, os media apenas se<br />
vão lembrar do Hospital quando alguma coisa correr<br />
verdadeiramente mal: o doente que ficou horas e horas<br />
à espera para ser atendido na Urgência, a lista de espera<br />
para cirurgia que aumentou, a queixa do sindicato sobre<br />
as horas extraordinárias que estão por pagar, o incêndio<br />
na cozinha ou a troca de identidades na morgue…<br />
Para contrabalançar essa tendência dos media para noticiarem<br />
a desgraça e os eventos negativos, o caminho<br />
é apenas um: implementar uma estratégia proativa de<br />
comunicação, divulgando os eventos, os acontecimentos,<br />
as conquistas e os resultados da Instituição. Poderá<br />
parecer contrassensual com o que acabei de escrever<br />
sobre o negativismo dos media, mas estes também gostam<br />
de dar boas notícias.<br />
Acontece que muitas das vezes pura e simplesmente<br />
não chegam ao seu conhecimento as notícias positivas,<br />
enquanto que para a confusão há sempre alguém disponível<br />
(muitas vezes dentro do próprio hospital) para “assobiar”<br />
aos ouvidos dos jornalistas. Não se pense que<br />
estou a diabolizar o papel desses profissionais, antes pelo<br />
contrário, pois desempenham um papel fundamental<br />
na sociedade e são absolutamente determinantes para a<br />
qualidade da democracia.<br />
Desde que o que se passa nos hospitais seja efetivamente<br />
do interesse do público e preencha os chamados “valores-<br />
-notícia”, mesmo quando são acontecimentos positivos,<br />
os media tendem a valorizar esse tipo de notícias. Mas,<br />
como a esmagadora maioria dos hospitais não tem essa<br />
proatividade comunicacional, apenas os acontecimentos<br />
negativos acabam por encontrar eco no espaço mediático.<br />
Sim, comunicar proactivamente é vantajoso para um<br />
hospital. Ganha a Instituição e ganham os cidadãos, que<br />
devidamente informados sobre o que se passa no seu<br />
hospital, ficam melhor aptos para avaliarem a sua prestação<br />
e para valorizarem devidamente o papel que este<br />
desempenha nas suas vidas.<br />
Posto isto, são os administradores hospitalares tão desprovidos<br />
de sentido que não tenham noção da importância<br />
da Comunicação Institucional e das vantagens<br />
que poderia trazer às suas instituições? Não, claramente<br />
que não são e claramente que têm essa consciência.<br />
A questão é que a esmagadora maioria dos hospitais portugueses<br />
não tem estruturas internas de Comunicação ou<br />
tem-nas de forma muito insipiente e pouco profissionalizada<br />
(além de estarem atafulhadas com diversas outras<br />
tarefas, como já vimos). Face à multiplicidade de áreas e<br />
à complexidade do dia-a-dia dos hospitais, com muitos<br />
assuntos sempre urgentes em cima da mesa, estruturar<br />
devidamente a área da Comunicação acaba quase sempre<br />
por ficar nos últimos lugares da lista de prioridades.<br />
E, depois, como começar? Todos sabemos da dificuldade<br />
que os hospitais enfrentam na contratação de recursos<br />
humanos fora das áreas de prestação direta de cuidados<br />
de saúde.<br />
Existem várias possibilidades: a criação de estruturas internas,<br />
o recurso a consultoria específica, a contratação<br />
de agências de comunicação, entre outras. Cada uma delas<br />
tem as suas vantagens e desvantagens e isso daria pano<br />
para mangas para um outro artigo.<br />
O que considero mais relevante deixar como mensagem<br />
final deste artigo é o seguinte: os hospitais podem e<br />
devem servir-se da Comunicação Institucional como um<br />
ativo para a sua gestão quotidiana. Se delinearem uma<br />
estratégia de Comunicação, se a implementarem de forma<br />
planificada e permanente, com recurso a um ou mais<br />
especialistas na área, podem ganhar grandemente com<br />
esta decisão.<br />
Como um dia ouvi a um presidente de um Conselho de<br />
Administração de um hospital: “nunca me apercebi da<br />
importância de uma estratégia de Comunicação até ter<br />
incorporado uma na minha prática de gestão. Achava<br />
que podia passar bem sem isso. Hoje acho que não posso<br />
voltar a não a ter e não passo sem ela”. É um bom<br />
resumo, digo eu. Ã<br />
76
GH opinião<br />
SNS: E AGORA PARA ALGO<br />
COMPLETAMENTE DIFERENTE<br />
“<br />
A ESCULTURA NÃO É SIMPLESMENTE A FORMA ESCULPIDA<br />
DE UMA COISA, MAS A ESCULTURA DO SEU EFEITO.<br />
John Ruskin<br />
”<br />
João Alcafache<br />
Médico Psiquiatra no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
do Baixo Vouga (Aveiro). Pós-Graduado em <strong>Gestão</strong> na Saúde pela Católica Business School<br />
Ana Lúcia Costa<br />
Médica Interna Complementar em Psiquiatria<br />
no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental<br />
do Centro <strong>Hospitalar</strong> do Baixo Vouga (Aveiro)<br />
Carlos Alcafache<br />
Técnico de Cardiopneumologia na Unidade Local de Saúde da Guarda.<br />
Pós-Graduado em <strong>Gestão</strong> e Administração em Serviços de Saúde pela Escola Superior<br />
de Saúde de Viseu. Professor adjunto convidado da Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias<br />
(Instituto Politécnico de Castelo Branco)<br />
A<br />
explosão tecnológica a que se assistiu<br />
durante o século XX teve um impacto<br />
determinante na forma como<br />
o ser humano se compreende e se<br />
reinventa. A história do mundo mudou<br />
as pessoas e as pessoas mudaram a história do<br />
mundo, especialmente pela evolução progressiva na literacia<br />
das populações que, depois de satisfeitas as básicas,<br />
as fez descobrir novas necessidades e novos desejos.<br />
Esta procura estendeu-se aos cuidados de saúde, sendo<br />
que a sua democratização nos fez ganhar consciência do<br />
limite de recursos, gerando uma questão conceptual. Se<br />
a procura pela longevidade (e porque não, imortalidade)<br />
é uma batalha infinita, os recursos não são, cedendo pe-<br />
Sabrina Magueta<br />
Médica Interna Complementar em Psiquiatria<br />
no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental<br />
do Centro <strong>Hospitalar</strong> do Baixo Vouga (Aveiro)<br />
rante um dos conceitos básicos da economia. Neste paradigma,<br />
gera-se uma ponderação tripartida de interesses,<br />
em três polos clássicos, envolvidos com potencial conflito<br />
de interesses - os pagadores, os utentes e os prestadores.<br />
Porquê mudar, o que mudar, como mudar e quando<br />
mudar, mantendo o sistema sustentável, têm vindo a ser<br />
as questões centrais com que os governos se têm debatido,<br />
que esbarram amiúde na inércia na resistência natural<br />
de um sistema pesado e complexo, do qual todos<br />
teremos de sair ilesos. Teremos mesmo?<br />
Porque mudar?<br />
Na verdade, no que diz respeito à saúde, a circunstância<br />
já mudou sem que nos tenhamos apercebido disso, e a<br />
manutenção do status quo exige um esforço associado<br />
que, ainda que inconsciente, representa um consumo<br />
de recursos geralmente superior ao da adaptação à<br />
mudança, porque lhe é oposta. Acerca desta dinâmica<br />
vetorial, Giuseppe Tomasi di Lampedusa no romance “Il<br />
gattopardo”, sobre a decadência da aristocracia siciliana<br />
durante o Risorgimento escreve “É preciso que tudo mude,<br />
para que tudo fique na mesma”.<br />
Recuperando o tema central, os tempos mudaram, os<br />
utentes mudaram e, como tal, também os profissionais<br />
e as instituições de saúde se veem forçadas a mudar.<br />
Esta, sempre bem-vinda, evolução, acarreta consigo um<br />
nível crescente de consciencialização dos direitos individuais<br />
e dos níveis de exigência na qualidade dos cuidados<br />
de saúde prestados. Se até há relativamente pouco<br />
tempo, a consciência do médico era o único regulador<br />
da sua atividade, atualmente, considerando as diferentes<br />
vertentes acessórias à atividade médica, como a avaliação<br />
de desempenho, contenção de custos e diversidade<br />
de atuação, tem-se assistido à cultura da divulgação de<br />
resultados como método de padronização e controlo<br />
de qualidade. Numa sondagem realizada pelo Instituto<br />
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISC-<br />
TE) e Instituto de Ciências Sociais (ICS) acerca da avaliação<br />
do Sistema Nacional de Saúde (SNS) mediante<br />
três parâmetros (tempo de espera, tratamento clínico<br />
e qualidade), numa escala de 0 a 10, os algarvios dão<br />
3,1 ao tempo de espera (contra 6 no Alentejo, 5,3 a<br />
Norte ou 5,1 na Grande Lisboa), avaliam com 4,4 o<br />
“tratamento clínico” (contra 6,9 no Alentejo e Norte<br />
ou 6,4 em Lisboa e Centro) e atribuem 3,5 à “qualidade<br />
global” dos serviços de saúde (contra 6,5 a Norte ou 6,2<br />
na Grande Lisboa). Estes dados expõem a fragilidade da<br />
estabilidade do sistema, ao mesmo tempo que alertam<br />
para a necessidade de mudança, e provavelmente não<br />
apenas na velocidade a que está a ser feita 1 .<br />
O que mudar?<br />
Recentemente assistimos à evolução tecnológica dos audiovisuais,<br />
que pelo aumento exponencial da qualidade e da resolução<br />
dos conteúdos, os meios de suporte viram-se obrigados<br />
a acompanhar a mudança, passando-se do VHS para<br />
o DVD e de seguida para o Blue-ray, até que se tornaram<br />
obsoletos, pela impossibilidade da contenção de volumes de<br />
dados de tamanho crescente, bem como pela alteração dos<br />
padrões de consumo dos utilizadores. Desta forma assistiu-<br />
-se a uma mudança para transação dos conteúdos on demand,<br />
em plataformas digitais, sempre disponíveis na nuvem.<br />
Esta mudança não representa apenas uma mudança simples<br />
e sequencial, mas uma mudança de paradigma.<br />
Uma mudança da mesma natureza será necessária no<br />
SNS, mudança que permita manter a sua universalidade,<br />
o seu espírito e os seus princípios reguladores, mas que,<br />
simultaneamente permita que se mantenha competi- }<br />
78 79
GH opinião<br />
Modelo hierárquico<br />
(centrado na pessoa)<br />
Modelo centrado<br />
no projecto<br />
Tabela: Modelo Centrado no Projecto.<br />
Vantagens<br />
Automatismo na escolha<br />
Aceitação apriorística pelos pares<br />
Centrado no valor<br />
Obriga a auto-regulação programada<br />
Maior facilidade perante a necessidade<br />
de substituição das equipas/projectos<br />
Sem ónus pessoal para o destituído<br />
tivo, atrativo e contemporâneo. Por outras palavras,<br />
uma mudança que permita a sua própria mudança. No<br />
artigo “Hospitals Can’t Improve Without Better Management<br />
Systems”, John S. Toussaint, propõe uma transição<br />
de um modelo antiquado de gestão por objetivos,<br />
que é frequentemente contraproducente para as<br />
equipas que pretendem desenvolver bons resultados,<br />
para um modelo de gestão por processo, à semelhança<br />
do sistema de produção desenvolvido pela Toyota. Em<br />
rotura com o modelo atual, no modelo de gestão por<br />
processo, não se trata de meramente alcançar alguns<br />
objetivos-chave, mas antes exige que os líderes saibam<br />
exatamente como o atendimento é prestado para que,<br />
de seguida, acompanhem os profissionais da linha da<br />
frente na melhoria diária desses processos 2 .<br />
Ter-se-á esgotado a lógica de input/output, que tem<br />
conduzido à insatisfação crescente dos utentes que<br />
procuram soluções no setor privado; à insatisfação dos<br />
prestadores que por não verem reconhecido o seu esforço,<br />
seguem o mesmo caminho; e dos pagadores que<br />
perante esta sangria potencial se vêm limitados nas alternativas,<br />
por um modelo conceptualmente blindado.<br />
Concretamente, e no cenário nacional, quando se assiste<br />
à migração dos utentes e dos profissionais, para o<br />
setor privado, cada vez mais robusto, torna-se obrigatório<br />
tentar perceber porquê. Segundo os dados do Instituto<br />
Nacional de Estatística, o ano de 2016 representa<br />
um marco histórico, em que, pela primeira vez, dos 225<br />
hospitais do país, 114 (51,7%) eram particulares. Feito o<br />
diagnóstico, passemos ao tratamento.<br />
Como mudar?<br />
Seleção (de projetos e não pessoas)<br />
Quando considerado o SNS, historicamente, a seleção<br />
dos líderes tem vindo a seguir uma lógica quase dinástica,<br />
com a atribuição de cargos relevantes aos profissionais<br />
com mais anos e de carreia e maior graduação,<br />
Desvantagens<br />
Tensão no momento do insucesso<br />
Foco no indivíduo<br />
Centrado na visão individual<br />
Tendência à perpetuação do cargo<br />
Impacto negativo na imagem do destituído<br />
Mecanismo de auto-regulação menos eficaz<br />
Selecção inicial mais laborosa<br />
Hipotética rejeição por parte dos “sucessores naturais”<br />
preteridos<br />
sendo que estes dois fatores estão intrínseca e automaticamente<br />
relacionados. A maior graduação é quase<br />
inevitável com a acumulação de mais anos de carreira.<br />
Se, imbuídos de boa-fé e crença na competência adquirida<br />
pelo tempo, este método de alguma forma retira<br />
pressão às administrações hospitalares, no momento da<br />
seleção dos sucessores para cargos de direção, quando<br />
confrontados com o insucesso e com a necessidade de<br />
mudança/substituição, o preço a pagar por esse automatismo,<br />
é elevado. O embaraço criado para ambas as partes<br />
é, frequentemente, relevante a começar pela conceção<br />
individualista da responsabilidade pelo insucesso,<br />
associada ao método de seleção: seleciona-se um líder<br />
e não o seu projeto.<br />
Estas circunstâncias associadas à nomeação de profissionais<br />
para cargos de direção, tem conduzido à manutenção<br />
e perpetuação de modelos que apresentam sucessivamente<br />
resultados sub-ótimos, participando a desmotivação<br />
das equipas, como causa/consequência, ou ambas.<br />
E se o ónus da seleção transitasse para um determinado binómio<br />
projeto/líder, apresentado por um determinado líder,<br />
a executar num determinado período, durante o qual<br />
exerceria funções? Terminado esse período, o projeto e a<br />
sua execução seriam devidamente avaliados, bem como o<br />
desempenho das equipas, a par das iniciativas do líder para<br />
fazer face às dificuldades encontradas.<br />
Na impossibilidade de incumprimento desse mesmo<br />
projeto nos moldes acordados, mas perante a demonstração<br />
concreta dos esforços nesse sentido, apenas vencidos<br />
pelas circunstâncias, poder-se-ia estender o mesmo<br />
projeto por novo período, reconduzindo o seu líder/<br />
diretor. Findo um período, tanto o líder quanto os colaboradores<br />
estão preparados (à priori) para o seu terminus<br />
bem como o ónus da substituição de um líder não é<br />
automaticamente colocado em si mesmo, contornando<br />
tensões e atritos associados.<br />
“<br />
TANTO A PROMOÇÃO COMO A PREMIAÇÃO,<br />
DE FORMA A CONSOLIDAR O PRINCÍPIO<br />
DE JUSTIÇA E DE IGUALDADE QUE PAUTAM<br />
O SNS, REQUEREM O INVESTIMENTO<br />
CONTÍNUO NUM SISTEMA INTEGRADO<br />
DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO,<br />
DE PROMOÇÃO E INCENTIVO À QUALIDADE,<br />
SISTEMA ESTE QUE POSSA GERAR<br />
UM AMBIENTE DE CONFIANÇA PARA<br />
COM AS CHEFIAS E ENTIDADES DECISÓRIAS.<br />
”<br />
Promoção e premiação<br />
Tendo por base o conceito de organização de Amaru<br />
Maximiano, como uma combinação de esforços individuais<br />
que tem por finalidade realizar propósitos coletivos,<br />
apenas será possível tornar inteligível o comportamento<br />
coletivo dessa mesma organização após compreender<br />
o funcionamento ou comportamento individual<br />
dos membros que dela fazem parte 3 .<br />
No behaviorismo, reforço, é a consequência de um<br />
comportamento que o torna mais provável, ou seja,<br />
são estímulos a um determinado comportamento. Os<br />
reforços podem ser de dois tipos: reforço positivo e<br />
reforço negativo. Um reforço positivo aumenta a probabilidade<br />
de um comportamento pela presença de uma<br />
recompensa. Um reforço negativo também aumenta a<br />
probabilidade de um comportamento pela retirada de<br />
um estímulo aversivo após o indivíduo apresentar o<br />
comportamento pretendido 4 .<br />
Estando o SNS sujeito a princípios globais de igualdade<br />
e níveis remuneratórios indexados a tabelas salariais<br />
rígidas dependentes da carreira, as possibilidades são<br />
balizadas, ao inverso de um setor privado onde este<br />
parâmetro relevante é, em abstrato, ilimitado. Resta-nos<br />
uma estratégia combinada de reforços positivos e negativos.<br />
Contemplando que o retorno relacionado com o<br />
trabalho foi identificado como um dos fatores determinantes<br />
para a saída do SNS de uma parte significativa do<br />
seu capital humano, e, os constrangimentos contratuais<br />
não permitem um passo óbvio e direto que se relaciona<br />
com aumentos salariais, é possível fazê-lo de forma<br />
indireta, através da promoção da evolução na carreira,<br />
mediante resultados, bem como através da premiação<br />
dos mesmos. Neste capítulo da premiação, implica<br />
maior liberdade aos diferentes Serviços, Departamentos<br />
e Centros de Respostas Integrados (CRIs), no que<br />
concerne a gestão de horários de trabalho, recompensa<br />
por objetivos com dias de férias extra e/ou costeio de<br />
formação complementar, entre outros, que de alguma<br />
forma se assumissem como verdadeiros reforços positivos,<br />
em alternativa aos incentivos remuneratórios. Não<br />
obstante, a recompensa remuneratória nas Unidades de<br />
Cuidados de Saúde Primários (UCSP) foi iniciada em<br />
território nacional em 2005, com o aparecimento das<br />
Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, e num estudo<br />
recente foram demonstrados os bons resultados<br />
associados a este modelo, pela eficiência e pela satisfação<br />
dos utentes.<br />
A satisfação dos utentes é indispensável para a avaliação<br />
da qualidade dos cuidados e há evidência da sua correlação<br />
com os próprios resultados em saúde. A satisfação<br />
global nos centros de saúde era de 56,9% em 2005,<br />
e mostraram um aumento muitíssimo significativo, para<br />
79,5%, em 2015, nas USF-B. Se toda a população inscrita<br />
em UCSP estivesse inscrita em USF B teríamos uma<br />
melhoria significativa dos resultados em saúde e uma<br />
redução significativa dos custos globais, mesmo considerando<br />
o aumento com os recursos humanos, gerando<br />
uma poupança de 103.611.995€ no ano de 2015. Em<br />
2018, num estudo realizado foi possível demonstrar que<br />
as USF-B representam maior eficiência com ganhos em<br />
saúde imediatos e a médio/longo prazo (custo global<br />
inferior em 352.832 €) 5-8 .<br />
Se o espaço está criado dentro do próprio SNS, ainda<br />
que exclusivo das UCSP, porque não mimetizar o modelo<br />
nos cuidados hospitalares?<br />
No âmbito dos reforços negativos, a evicção de fatores<br />
geradores de stress e contraproducentes para a qualidade<br />
do serviço prestado, como redução da carga horária,<br />
do trabalho extraordinário indesejado, a melhoria<br />
das condições de trabalho, afiguram-se como parâmetros<br />
de intervenção simples e mais imediatos. Tanto a<br />
promoção como a premiação, de forma a consolidar o<br />
princípio de justiça e de igualdade que pautam o SNS,<br />
requerem o investimento contínuo num sistema integrado<br />
de avaliação de desempenho, de promoção e incentivo<br />
à qualidade, sistema este que possa gerar um<br />
ambiente de confiança para com as chefias e entidades<br />
decisórias, e não seja visto como um meio de controlo,<br />
ameaça e potencial punição. }<br />
80 81
GH opinião<br />
“<br />
A MELHOR FORMA DE SOBREVIVER<br />
A UMA HISTÓRIA DE PRESSÃO<br />
EXTERNA PERMANENTE, CENTRÍPETA<br />
E MULTIDIRECIONAL, É COM MAIS<br />
INOVAÇÃO, ATRIBUINDO UM SENTIDO<br />
AO PRINCÍPIO ECONÓMICO<br />
NEOSCHUMPETERIANO.<br />
”<br />
Quando mudar?<br />
De acordo com os princípios económicos de Kondratieff,<br />
que se tornou famoso por tentar provar estatisticamente<br />
o fenómeno das “ondas longas”, movimentos<br />
cíclicos de aproximadamente 50 anos de duração,<br />
conhecidos posteriormente na Economia, como ciclos<br />
de Kondratieff, ou vivemos em crise ou entre crises, e<br />
ao nosso alcance poderá eventualmente estar apenas o<br />
controlo do comprimento de onda. O SNS tem pouco<br />
menos que 50 anos, mas, felizmente, para lá caminha.<br />
A melhor forma de sobreviver a uma história de pressão<br />
externa permanente, centrípeta e multidirecional, é com<br />
mais inovação, atribuindo um sentido ao princípio económico<br />
neoschumpeteriano. Segundo este, e de forma<br />
adaptada ao contexto da saúde, podemos concluir que<br />
para que uma inovação seja realizada, é necessário que<br />
três condições sejam cumpridas:<br />
1. Novas e mais vantajosas possibilidades do ponto de<br />
vista económico privado;<br />
2. Acesso limitado a tais possibilidades, seja em razão<br />
das qualificações pessoais, seja por causa de circunstâncias<br />
exteriores;<br />
3. A situação económica permita o cálculo de custos e<br />
um planeamento razoavelmente confiável.<br />
Do ponto de vista económico privado, as possibilidades<br />
nunca foram tão diversas como agora. Segundo dados<br />
de 2017, só os dois maiores grupos privados de saúde<br />
valeram, em conjunto, 1.1 mil milhões de euros em proveitos<br />
operacionais (mais 6,7% do que no ano anterior).<br />
A segunda condição é assegurada pela escassez dos recursos<br />
humanos agravada quer pela sua saída contínua<br />
para o setor privado quer para mercados estrangeiros,<br />
tendencialmente mais apelativos. E a terceira, o planeamento,<br />
é desta que o fazemos de vez?<br />
Conclusão<br />
Nas instituições de saúde a liderança é fator determinante<br />
para uma boa gestão. Neste contexto, ganha sentido<br />
refletir acerca dos pressupostos geralmente associados<br />
à seleção dos seus líderes. O perfil pessoal do líder é,<br />
mais que nunca, preponderante na eficácia com que implementa<br />
um projeto a longo prazo, tendo isso impacto<br />
direto nos resultados desejados. A ideia de que a idade<br />
ou a experiência é fator eliminatório no momento de<br />
selecionar o líder, sobrepondo-se essa variável a qualquer<br />
outra, está ultrapassada, sendo progressivamente<br />
valorizados critérios mais adaptados aos desafios que a<br />
atualidade das instituições vai impondo. Esta alteração<br />
de modelo de gestão de liderança é perspetivada como<br />
um dos fatores primordiais para a evolução de processos<br />
através de novas visões de organização de serviços,<br />
especialmente centrados em tecnologia.<br />
Atualmente debate-se acerca da necessidade da constante<br />
adequação dos meios para alcançar metas dinâmicas,<br />
no entanto a temática da meritocracia tem tanto<br />
de consensual como de difícil implementação, tendo<br />
em conta a subjetividade do conceito. Quando considerado<br />
o SNS, surgem dificuldades acrescidas impostas<br />
por limitações no recurso a instrumentos pragmáticos<br />
e contemporâneos de gestão de equipas. A proposta<br />
apresentada de um modelo integrativo: 1) centrado em<br />
projetos e suportado por medidas auxiliares de 2) promoção<br />
e 3) premiação, visa colmatar ou minimizar estas<br />
limitações específicas que se têm perpetuado ao longo<br />
dos 40 anos do SNS. Mais do que promover a mudança,<br />
é fundamental promover a mudança da mudança que<br />
se tem observado ao longo do tempo, que tem pecado<br />
por especial desfasamento da realidade, surgindo invariavelmente<br />
tarde demais. Ã<br />
1. Eira, A. "A Saúde em Portugal: A procura de cuidados de saúde privados." Faculdade<br />
de economia da universidade do Porto (2010).<br />
2. Ferreira, M., Lopes, A., Guimarães, M. & Barros, H. "A Carreira Médica e os<br />
Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde" Acta Medica Portuguesa<br />
(2018).<br />
3. Pereira, A. et al.. "Avaliação custos-consequências comparativa das USF B e UCSP<br />
2015. Unidades Funcionais dos CSP como Centros de Resultados" Coord. Nac.<br />
para a Reforma do SNS área dos Cuid. Saúde Primários (2018).<br />
4. Calejo, M. A. M. O diagrama do conhecimento da partição económica e da<br />
história. (2009).<br />
5. Ferreira, P. L. & Raposo, V. "Monitorização da satisfação dos utilizadores das USF<br />
e de uma amostra de UCSP" CEISUC (2015).<br />
6. Alcântara, P. & Cabral, M. V. O Estado da Saúde em Portugal. (2009).<br />
7. Goldsmith, M. & Reiter, M. O que o fez chegar aqui, não o leva mais além.<br />
SmartBook (2011).<br />
8. Bernhart, M. H., Wiadnyana, I. G. P., Wihardjo, H. & Pohan, I. "Patient satisfaction<br />
in developing countries" Social Science and Medicine, (1999).<br />
82
GH doença oncológica<br />
PROJETO ONCOMMUNITIES:<br />
ACOMPANHAMENTO ONLINE PARA<br />
MULHERES COM CANCRO DE MAMA<br />
Maria Piedade Leão<br />
Psicóloga Clínica. Coordenadora do projeto Oncommunities<br />
- IPO Coimbra<br />
O<br />
cancro de mama é uma das doenças<br />
oncológicas mais prevalentes no nosso<br />
país, com aproximadamente 7000 novos<br />
diagnósticos a cada ano.<br />
O primeiro ano após o diagnóstico<br />
compreende, habitualmente, os tratamentos mais agressivos,<br />
em que as doentes estão mais expostas e vulneráveis<br />
ao sofrimento físico (acção do próprio tumor e efeitos secundários<br />
dos tratamentos), psicológico (ansiedade, medo,<br />
imprevisibilidade do futuro), existencial (questionamento<br />
do projeto e do sentido de vida) e social (ajustes<br />
no exercício da profissão, necessidade de ativação de recursos<br />
comunitários, ajustes na interação com as redes<br />
formal e informal). Este sofrimento global, se não for devidamente<br />
sinalizado e acompanhado, terá impactos negativos<br />
importantes na qualidade de vida das doentes, das<br />
famílias e das próprias comunidades.<br />
Nos anos seguintes ao diagnóstico, as mulheres continuarão<br />
a enfrentar desafios relacionados com a saúde física<br />
(efeitos secundários tardios dos tratamentos realizados) e<br />
com a saúde psicológica (sintomas ansiosos, ou depressivos).<br />
Estes desafios estão solidamente descritos na literatura;<br />
está igualmente fundamentado que o sofrimento<br />
psicológico está associado a piores resultados em saúde<br />
(perda de qualidade de vida, quebra na adesão ao plano<br />
de tratamentos, maior frequência no recurso a consultas<br />
não planeadas). Paradoxalmente, a atenção aos impactos<br />
psicológicos do diagnóstico e dos tratamentos está dificultada<br />
pela falta de recursos humanos e de meios técnicos<br />
que permitam identificar este tipo de sofrimento e<br />
intervir precocemente. Assim sendo, é fundamental atuar<br />
no sentido da identificação precoce de dificuldades, necessidades<br />
e de recursos; esta identificação garantirá o<br />
acesso a cuidados de saúde especializados, minimizando<br />
a magnitude dos impactos negativos na pessoa, na família<br />
e na comunidade.<br />
As contingências sócio-sanitárias decorrentes da pandemia<br />
Covid-19 tornam ainda mais pertinente a adopção<br />
de estratégias que aliem a minimização do risco de contágio<br />
à necessidade de garantir o acompanhamento dos<br />
doentes em tratamento ativo, bem como a vigilância clínica<br />
e psicológica das sobreviventes de cancro de mama.<br />
O Projeto Oncommunities, de visão e financiamento europeus<br />
(Programa EIT Health), é um programa inovador<br />
que nasceu no início de 2019 em Barcelona (Fundacio<br />
Institut d'Investigacio Biomedica de Bellvitge e Institut Catalã<br />
d’Oncologia), sendo posteriormente alargado a equipas de<br />
Portugal (Instituto Pedro Nunes e Instituto Português de<br />
Oncologia de Coimbra) e da Polónia (Nofer Instituteof Occupational<br />
Medicine). Atualmente, para além dos parceiros<br />
já referidos, integram o Projeto o Hospital de la Santa<br />
Creu i Sant Pau (HSCSP, Barcelona) e o Hospital General<br />
Universitario Gregorio Maranon (HGM, Madrid).<br />
O objectivo geral é garantir que mulheres com cancro<br />
de mama têm acesso aos recursos técnicos, pedagógicos<br />
e psicoterapêuticos necessários para responder aos<br />
desafios e às exigências colocadas pela doença. A criação<br />
de uma app, atrativa e intuitiva, foi a forma encontrada<br />
para facilitar o encontro entre as doentes e a equipa<br />
de saúde, com tempos mínimos de resposta entre a<br />
identificação da necessidade e o aconselhamento por<br />
parte da equipa. A app, no pleno uso das suas potencialidades,<br />
permitirá cuidados integrais e personalizados,<br />
contribuindo para aumentar a segurança em saúde, para<br />
otimizar os recursos disponíveis e para empoderar as<br />
doentes no seu percurso de tratamentos.<br />
Objectivos específicos<br />
• Garantir o acompanhamento contínuo e personalizado<br />
de mulheres com cancro de mama (acompanhamento<br />
médico, de enfermagem e psicológico);<br />
• Reforçar abordagens multidisciplinares que melhor<br />
respondam às necessidades integrais das doentes;<br />
• Monitorizar sintomas físicos e psicológicos, assegurando,<br />
sempre que necessário, respostas ágeis em complicações<br />
associadas aos tratamentos;<br />
• Maximizar a segurança em saúde durante os tratamentos<br />
oncológicos;<br />
• Garantir ajuda psicológica contínua e personalizada;<br />
• Melhorar índices de qualidade de vida e a satisfação<br />
global com os cuidados recebidos;<br />
• Integrar as novas tecnologias no plano de acompanhamento<br />
das doentes.<br />
O público-alvo<br />
O público-alvo são mulheres com cancro de mama,<br />
com especial enfoque no primeiro ano após o diagnóstico,<br />
que tenham conta de e-mail, telemóvel com software<br />
compatível com a app e acesso à internet.<br />
As potenciais utilizadoras da app são sinalizadas por elementos<br />
do Grupo Multidisciplinar de Mama do IPOC e<br />
encaminhadas para a equipa do Projeto que fará a apresentação<br />
da aplicação, esclarecerá dúvidas e recolherá o<br />
consentimento informado como forma de garantir que<br />
a participação das doentes é livre e esclarecida.<br />
A equipa<br />
Reconhecendo a multidimensionalidade dos desafios<br />
que as mulheres com cancro de mama enfrentam, também<br />
a equipa é multi e interdisciplinar, sendo constituída<br />
por duas médicas (médica oncologista e médica cirurgiã),<br />
duas enfermeiras especialistas, uma psicóloga clínica<br />
e uma técnica superior. A interdisciplinaridade responde<br />
às necessidades das doentes na área médica, de enfermagem<br />
e da psicologia clínica.<br />
Aplicabilidade da app<br />
A app tem quatro níveis de intervenção que permitem<br />
monitorizar sintomas físicos e psicológicos, agendar a<br />
prescrição de intervenções, recordar a toma de medicação,<br />
assegurar aconselhamento psicológico, bem como<br />
o contacto com o profissional de saúde de referência<br />
para a área do sintoma identificado (medicina, enfermagem<br />
ou psicologia). Em situações de agravamento<br />
de sintomas, ou de dificuldade na contextualização das<br />
queixas, é possível agendar avaliação através de videoconferência.<br />
Possibilita, ainda, sob supervisão dos profissionais<br />
de saúde, estabelecer grupo de conversação<br />
entre doentes para partilha de experiências e suportemútuo<br />
(rede social privada).<br />
1.<strong>º</strong> Nível: Monitorização e Triagem<br />
Este 1.<strong>º</strong> nível de cuidados permite a monitorização de<br />
sintomas físicos e psicológicos. É também possível registar<br />
a medicação prescrita, e acompanhar o grau de<br />
adesão à terapêutica. As doentes podem contactar a<br />
equipa de saúde através de mensagem privada; a equipa<br />
assegura resposta às questões colocadas com a maior<br />
brevidade possível.<br />
2.<strong>º</strong> Nível: Campus<br />
A app permite que os profissionais de saúde, após identificarem<br />
necessidades específicas, aconselhem o visionamento<br />
de conteúdos online de carácter psico-educativo<br />
(por exemplo: Como lidar com a ansiedade após o<br />
diagnóstico? ou Recomendações nutricionais).<br />
3.<strong>º</strong> Nível: Rede social privada<br />
Esta aplicabilidade permite que as doentes interajam<br />
entre si, e com os profissionais de saúde, de forma }<br />
84 85
GH doença oncológica<br />
anónima. Pretende-se disponibilizar um espaço virtual<br />
privilegiado para a partilha de dúvidas, de informações,<br />
de recursos úteis, e de suporte mútuo. A rede social é<br />
acompanhada em permanência por um profissional de<br />
saúde que medeia e estimula as interações e garante o<br />
rigor dos conteúdos partilhados.<br />
4.<strong>º</strong> Nível: Terapia intensiva<br />
Nas situações em que se identifique sofrimento psicológico<br />
severo, o psicólogo da equipa recorre à videoconferência<br />
para sessões semanais de acompanhamento de<br />
cariz psicoterapêutico. Este acompanhamento é intensivo<br />
e personalizado.<br />
O funcionamento<br />
As doentes acedem diariamente à app e consultam o<br />
planeamento para o dia (consultas médicas, tratamentos,<br />
exames, questionários de avaliação psicológica a responder),<br />
registam sintomas físicos e psicológicos, revêm<br />
a medicação a tomar, verificam eventuais contactos por<br />
parte da equipa de saúde, e, se necessário, enviam mensagem<br />
à equipa.<br />
A equipa também acede diariamente à app para verificar<br />
as interações por parte das doentes (registo de sintomas,<br />
índices de sofrimento psicológico, mensagens).<br />
Sempre que os sintomas registados forem severos, o<br />
alerta surge em cor vermelha para identificação rápida<br />
Doentes e famílias<br />
Hospital e equipa de saúde<br />
Comunidade<br />
por parte da equipa; sintomas moderados são exibidos<br />
em cor laranja, e os sintomas ligeiros em cor verde. Este<br />
sistema de cores ajuda a equipa a concentrar atenção e<br />
recursos nas situações que exigem intervenção urgente.<br />
Benefícios e vantagens da app<br />
Na tabela da página seguinte apresentamos os principais<br />
benefícios e vantagens da utilização da app para doentes<br />
e famílias, para profissionais de saúde envolvidos, e para<br />
a comunidade de modo geral.<br />
Resultados e conclusões<br />
Até final de dezembro de 2020, 102 doentes beneficiavam<br />
da app. Foram respondidos 700 questionários de<br />
avaliação psicológica (Sofrimento Psicológico, Qualidade<br />
de Vida, Apoio Social, Stress Pós-Traumático, Crescimento<br />
Pós-Traumático), e reportados 500 sintomas que foram<br />
respondidos pela equipa multidisciplinar.<br />
Pela facilidade de uso, e potencial em termos de promoção<br />
de qualidade de vida das doentes, consideramos<br />
que o Projeto Oncommunities tem um enorme potencial<br />
e deve continuar a ser uma ferramenta ao serviço das<br />
equipas de saúde, das doentes e das famílias. Atendendo<br />
a este potencial, será interessante ponderar o alargamento<br />
do Projeto a doentes com outras patologias<br />
oncológicas.<br />
Os ajustamentos à prestação de cuidados de saúde durante<br />
a pandemia Covid tornam ainda mais pertinente<br />
a adopção de estratégias que aliem o cumprimento das<br />
medidas de proteção à necessidade de garantir o acompanhamento<br />
das doentes em tratamento ativo. Tam-<br />
Cuidados contínuos, personalizados e integrais<br />
Uso fácil e intuitivo<br />
Sentimentos de maior segurança e confiança<br />
Acesso fácil e rápido à equipa multidisciplinar<br />
<strong>Gestão</strong> de sintomas negativos sem ida a urgência hospitalar<br />
Melhor gestão de sintomas psicológicos<br />
Satisfação da equipa por integrar projecto inovador<br />
Gratificação profissional pela proximidade aos doentes<br />
Antecipação e controlo de eventos adversos<br />
(previsível) redução de idas a urgências<br />
Eficiência na gestão de recursos humanos disponíveis<br />
Eficiência na gestão de recursos<br />
Satisfação de todos os envolvidos (doente/família/equipa)<br />
Parceria entre o sector da saúde e instituto tecnológico<br />
Reconhecimento das novas tecnologias de informação como ferramentas de<br />
trabalho úteis em saúde<br />
Contribuição para a produção de conhecimento científico<br />
bém neste contexto, o Projeto Oncommunities apresenta-se<br />
como uma mais-valia por permitir, à distância, a<br />
contínua monitorização clínica e psicossocial do percurso<br />
das doentes. Ã<br />
86 87
GH estudo<br />
DESIGN THINKING COMO<br />
FERRAMENTA PARA A EFICIÊNCIA<br />
NO BLOCO OPERATÓRIO<br />
José Carlos Caiado<br />
Professor Auxiliar Convidado,<br />
Coordenador Health & Analytics Lab NOVA IMS<br />
Guilherme Victorino<br />
Professor Auxiliar Convidado,<br />
Coordenador Health & Analytics Lab NOVA IMS<br />
Sofia Grilo<br />
Innovation & Analytics Lab NOVA IMS<br />
A<br />
ausência de um planeamento estratégico<br />
adequado e a falta de informação<br />
epidemiológica e de gestão torna difícil<br />
o planeamento da oferta de cuidados<br />
de saúde. O sistema carece muitas<br />
vezes de uma cultura de avaliação e de responsabilização<br />
e as ferramentas de gestão têm que acompanhar<br />
as necessidades cada vez mais exigentes de gestão das<br />
unidades de saúde. A capacidade de inovação e a descentralização<br />
dos objetivos dentro das instituições é fundamental<br />
e, para isso, é necessária a implementação de uma<br />
gestão estratégica em vez de uma gestão reativa de forma<br />
a contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.<br />
O facto de os recursos na área da saúde serem escassos<br />
e limitados impõem que os gestores hospitalares, nomeadamente<br />
nos hospitais públicos, tenham uma necessidade<br />
crescente de encontrar formas de organização interna que<br />
lhes permita obter melhores desempenhos, clínicos, assistências<br />
e de qualidade, ao mais baixo custo. Assim, os<br />
gestores destas organizações de saúde necessitam implementar<br />
sistemas de gestão e avaliação da performance nas<br />
suas diferentes dimensões de desempenho para que de<br />
forma atempada lhes permita corrigir os desvios verificados<br />
de modo a melhorar o desempenho da organização.<br />
Uma das áreas críticas é o Bloco Operatório onde o alinhamento<br />
entre os objetivos estratégicos e de inovação e<br />
os objetivos operacionais e de eficiência são uma forma<br />
clara de responder às novas necessidades melhoria de performance,<br />
atingindo melhores desempenhos económicos<br />
e financeiros e ao mesmo tempo prestando cuidados de<br />
saúde de qualidade e a custos comportáveis para os uten-<br />
tes. É, pois, importante avaliar em que medida os hospitais<br />
têm implementado processos corretos de definição e alinhamento<br />
entre os objetivos estratégicos e os objetivos<br />
operacionais e relacionar a assistência desses processos<br />
estruturados de planeamento e controlo de gestão com a<br />
obtenção de melhores indicadores de desempenho.<br />
Com vista a lançar o debate sobre novas oportunidades<br />
de inovação e aumento da eficiência no Bloco Operatório,<br />
a NOVA Information Management School (NOVA<br />
IMS) em parceria com a APAH e com o apoio da Bayer,<br />
desenvolveu um projeto inovador através da metodologia<br />
de Design Thinking. O objetivo era o de aprofundar<br />
possíveis formas de intervir no workflow e melhorar a<br />
eficiência do Bloco Operatório (BO) através de novas<br />
abordagens centradas na humanização para o doente e<br />
na optimização operacional para o hospital.<br />
Através de um modelo de co-criação recorrendo a uma<br />
plataforma online foi feita uma primeira leitura das percepções<br />
e atitudes de um grupo de peritos em relação à<br />
temática e, posteriormente, desenhadas interações síncronas<br />
que captaram de forma abrangente as diferentes opiniões.<br />
Os participantes representam um grupo heterogéneo,<br />
proveniente de diferentes áreas da saúde - administradores<br />
hospitalares e corpo clínico - de forma a integrar<br />
visões, experiências e expectativas distintas permitindo<br />
alinhar percepções e atitudes entre todos os stakeholders.<br />
Os resultados refletem posições concordantes às prioridades<br />
identificadas sendo de salientar aspetos como a<br />
valorização dos recursos humanos, a liderança e comunicação;<br />
o desenvolvimento de uma cultura de gestão<br />
de informação; e a melhoria da gestão operacional de<br />
processos e recursos (físicos, humanos e financeiros).<br />
Desafios culturais e comportamentais<br />
Uma organização hospitalar engloba diversas dimensões<br />
(produção, operacional, financeira, recursos humanos...),<br />
por esse motivo é importante definir o alinhamento das<br />
áreas prioritárias para o cumprimento dos seus objetivos<br />
globais. No entanto, a opinião dos participantes foi concordante<br />
na medida em que lhes é difícil definir áreas<br />
prioritárias num contexto tão interdependente como um<br />
hospital. O BO foi considerado um espaço de convergência<br />
de uma grande diversidade de profissionais onde,<br />
existindo esta complexidade, há que valorizar o estabelecimento<br />
de dinâmicas que promovam a conexão e integração<br />
com todas as unidades funcionais da organização.<br />
Tendo em conta a clareza dos objetivos definidos para<br />
o bloco operatório e a alocação dos meios necessários<br />
para a sua prossecução, é de notar que a maioria dos<br />
participantes tende a uma maior valorização da eficiência<br />
e gestão do BO tendo em conta a situação pandémica<br />
vivida atualmente. O agendamento cirúrgico e reorganização<br />
de processos são fatores apontados como<br />
essenciais para potenciar a eficiência e eficácia do BO.<br />
Contudo, apesar dos objetivos estarem bem definidos,<br />
os meios e apoio necessários à sua prossecução ficam<br />
aquém das necessidades. Por esse motivo, foi entendido<br />
como relevante aprofundar se os objetivos definidos<br />
eram percebidos pelos participantes como hierárquicos,<br />
burocráticos ou orientados a resultados. O consenso foi<br />
geral, os objetivos devem ser orientados a resultados<br />
apesar de 25% dos participantes reconhecerem que o<br />
processo atual de definição de objetivos ainda é hierárquico<br />
ou muito burocrático.<br />
Para terminar esta secção do estudo, foi averiguada a qualidade<br />
da gestão de informação. Apontada como ineficiente<br />
pela maioria dos participantes (75%), que apesar de terem<br />
consciência da sua existência a criticam por ineficácia.<br />
Desafios da pandemia<br />
Na segunda secção foram explorados os desafios que<br />
emergiram da situação pandémica. Desde os potenciais<br />
impactos das novas regras e procedimentos até à necessidade<br />
de melhoria da eficiência do BO. A nível global o<br />
aumento das listas de espera após o eclodir da pandemia<br />
tem sido notório.<br />
Analisando as opiniões dos participantes relativamente }<br />
88 89
GH estudo<br />
Figura 1: Wordclouds resultantes da análise do conteúdo das respostas dos participantes. À esquerda, palavras associadas aos aspetos que determinam o<br />
sucesso da implementação de um processo de melhoria de eficiência e, à direita, as palavras associadas ao fracasso da implementação de um processo de<br />
melhoria de eficiência.<br />
ao planeamento necessário, resultante da implementação<br />
de novas medidas para combater a pandemia, estas são diversas,<br />
de acordo com a experiência de cada participante.<br />
Não obstante, os seguintes pontos parecem sobressaltar:<br />
1. Exigência de teste prévio à Covid-19;<br />
2. Espaçamento temporal entre cirurgias, de modo a<br />
permitir a desinfeção adequadas;<br />
3. Necessidade de tratar os doentes muito prioritários,<br />
prioritários e oncológicos que se encontram registados<br />
em lista de espera.<br />
Para que estes três pontos sejam assegurados é sugerido<br />
a criação de um protocolo de segurança, que garanta que<br />
todo o corpo clínico está livre de infecção, treinar os protocolos,<br />
esclarecendo todos os intervenientes no processo<br />
e reavaliando periodicamente as medidas implementadas.<br />
O estudo foi ainda mais longe, tentando recolher a visão<br />
dos participantes no que toca à implementação do<br />
modelo ideal de recuperação das listas de espera. As<br />
opiniões centram-se na aplicação de um sistema misto,<br />
público com adicional e privado com SIGIC; utilização do<br />
potencial dos BO; inclusão de critérios clínicos na avaliação<br />
da qualidade das cirurgias efetuadas, minimizando<br />
desperdícios e; reavaliação do modelo de financiamento.<br />
Desafios técnicos e de processo<br />
Nesta 3ª secção do estudo, foram investigados os desafios<br />
técnicos e de processo pedindo aos participantes<br />
para desenhar um procedimento que permitisse a melhoria<br />
da eficiência do BO. Após este desenho foram<br />
solicitadas três razões para o eventual sucesso do processo<br />
e três possíveis razões para que a medida tivesse<br />
resistência na implementação.<br />
Os seguintes pontos foram salientados pelos participantes,<br />
aquando o desenho de um processo de melhoria de<br />
eficiência do BO:<br />
1. Aumentar a taxa de ocupação dos BO, para tal será<br />
necessário um agendamento cirúrgico, penalizando cancelamentos<br />
não justificados;<br />
2. Aumento do rigor de utilização do bloco, valorizando<br />
a melhoria da produtividade;<br />
3. Redução dos períodos pré e pós-cirurgia, melhorando<br />
a eficácia de desinfeção;<br />
4. Avaliação do cumprimento das guidelines, efetuando<br />
reuniões periódicas com as equipas e intervenientes no<br />
processo. Criação de um benchmark entre equipas internas<br />
e externas;<br />
5. Auditorias periódicas aos procedimentos de segurança<br />
e cumprimento de metas;<br />
6. Root analysis dos custos de cada intervenção.<br />
Ao analisar a Figura 1, as palavras utilizadas tanto a fatores<br />
positivos como a fatores negativos são concordantes, ou<br />
seja, os pontos fulcrais para atingir o sucesso e evitar o<br />
fracasso estão relacionados com a valorização dos recursos<br />
humanos, a liderança assertiva e a comunicação clara<br />
e transparente.<br />
Como sugestão para melhorar este aspeto surgem as<br />
seguintes recomendações:<br />
1. Envolvimento dos profissionais na tomada de decisões,<br />
solicitando sugestões para a resolução de problemas<br />
identificados - estratégia em rede;<br />
2. Definição clara das etapas do processo e dos objetivos,<br />
incluindo prazos;<br />
3. Incentivar comportamentos de reconhecimento, através<br />
do reforço positivo.<br />
Várias outras sugestões foram apresentadas pelos participantes,<br />
nomeadamente a necessidade de estabelecer<br />
um sistema que melhore o cumprimento dos horários<br />
das cirurgias, em particular da primeira cirurgia do dia;<br />
a análise regular do plano cirúrgico dos serviços, otimizando<br />
os tempos disponibilizados e identificando falhas<br />
passadas; o envolvimento das estruturas intermédias de<br />
gestão, apelando à adesão e motivação das equipas; a<br />
inclusão no processo de gestão de eficiência as camas<br />
de recobro disponíveis; e por último, mas não menos<br />
importante, perceber se toda a equipa reconhece as vantagens<br />
do processo a ser implementado.<br />
Desafios organização e financiamento<br />
Após terem sido analisados os desafios estruturais e a percepção<br />
das dificuldades da situação é importante analisar<br />
os desafios associados ao financiamento das propostas sugeridas<br />
na secção anterior. Para tal, foi questionado qual o<br />
modelo de financiamento ideal para melhorar a atividade<br />
do BO, dando como exemplos o financiamento baseado<br />
em resultados e a organização das equipas em Centros<br />
de Responsabilidade Integrados. As propostas dos participantes<br />
são claras: o financiamento deve ser baseado<br />
em resultados e deve chegar às equipas. Deste modo é<br />
garantido que os objetivos estão definidos de forma clara<br />
e transparente, assentes numa visão transversal.<br />
De seguida foram analisadas as razões para que o tema<br />
- melhoria da eficiência do bloco operatório - não esteja<br />
muitas vezes refletido nas prioridades diárias. Os aspetos<br />
levantados pelos participantes, foram os seguintes: necessidade<br />
de evitar conflitos, política de recursos humanos<br />
inflexível, existência de outras prioridades resultantes<br />
da ausência de planeamento, ignorância face ao tema,<br />
ausência de comunicação e incentivos motivadores e falta<br />
de instalações que permitam o aumento de eficiência.<br />
Procurou-se ainda explorar as consequências imediatas<br />
para a gestão da redução expectável da procura, resultante<br />
do impacto da Covid-19: impacto negativo na saúde<br />
dos cidadãos; reajustamento transitório dos recursos<br />
humanos; imprevisibilidade da procura futura; menos receitas<br />
e; desmobilização das equipas - devido ao cansaço<br />
e frustação perante a incerteza. Para reduzir estas preocupações<br />
é sugerido o planeamento e dimensionamento<br />
dos recursos para o período de retoma à normalidade<br />
e previsão de um modelo de complementaridade no<br />
acesso às instituições, incluindo o setor privado e social.<br />
Caso de estudo oftalmologia<br />
Na última secção da parte assíncrona do estudo, foi aprofundado<br />
o caso da oftalmologia como possível exemplo<br />
de inovação para a melhoria de eficiência. Os participantes<br />
foram questionados inicialmente sobre como é<br />
que a oftalmologia poderá contribuir para a optimização<br />
do BO. Os quatro pontos salientados para promover a<br />
optimização foram:<br />
1. Apostar na ambulatorização;<br />
2. Simplificação dos circuitos;<br />
3. Criação de uma boa dinâmica entre equipas;<br />
4. Desenvolvimento de programas informáticos mais intuitivos.<br />
Relativamente às prioridades de atuação, a maioria dos<br />
participantes definiu a seguinte ordem: agendamento,<br />
“<br />
NA ÚLTIMA SECÇÃO DA PARTE ASSÍNCRONA<br />
DO ESTUDO, FOI APROFUNDADO O CASO<br />
DA OFTALMOLOGIA COMO POSSÍVEL<br />
EXEMPLO DE INOVAÇÃO PARA A MELHORIA<br />
DE EFICIÊNCIA. OS PARTICI PANTES FORAM<br />
QUESTIONADOS INICIALMENTE SOBRE<br />
COMO É QUE A OFTALMOLOGIA<br />
PODERÁ CONTRIBUIR PARA A<br />
OPTIMIZAÇÃO DO BO.<br />
”<br />
tempo de bloco disponível para intervenções específicas,<br />
e diminuição da carga burocrática.<br />
Após definição das áreas percepcionadas como prioritárias,<br />
os participantes foram incentivados a partilhar três<br />
ideias concretas para a melhoria de cada uma das dimensões<br />
anteriormente apresentadas. Para o agendamento,<br />
foram apresentadas sugestões como analisar a dinâmica<br />
nos consultórios privados; o agendamento antecipado<br />
(havendo doentes prontos “em bolsa”); o processo ser<br />
suportado em sistemas de informação fiáveis e intuitivos;<br />
e adequar o tempo disponível aos tempos de padrão cirúrgico.<br />
Quanto aos tempos de bloco, diferentes ideias<br />
como a definição dos tempos operatórios para a realização<br />
da intervenção, definição de um compromisso<br />
com a equipa cirúrgica; organização dos processos de<br />
forma a minimizar tempos inutilizados estritamente ao<br />
necessário; e o tempo de utilização ser “debitado” às<br />
equipas, licitando junto do hospital e (co)pagando o aluguer.<br />
Por último, para a diminuição da carga burocrática,<br />
as propostas foram as seguintes: definir o que é estritamente<br />
necessário; reduzir a complexidade dos registos;<br />
conceder autonomia aos profissionais; e automatizar as<br />
aplicações informáticas de agendamento.<br />
Por último, foram facultadas três opções de inovação no<br />
processo, nomeadamente no local de administração de<br />
injeções intravítreas: bloco operatório, sala limpa e unidade<br />
móvel. As opiniões dos participantes, dividiram-se }<br />
90 91
GH estudo<br />
Figura 2: Esquema de definição do espaço de oportunidades, organizado através da apresentação de 10 questões.<br />
entre a sala limpa e a unidade móvel. O único participante<br />
que votou no bloco operatório como opção, justificou<br />
como sendo a metodologia aplicada no seu local de<br />
trabalho, e que para além disso, a sala limpa requer uma<br />
boa ventilação para manter a circulação de ar segura. As<br />
justificações apresentadas para a escolha de salas limpas<br />
como opção foram as seguintes: redução do tempo que<br />
o paciente passa no hospital; integração na área do ambulatório;<br />
segurança que transmite aos pacientes por se<br />
encontrar em meio hospitalar; e relação da sala limpa<br />
com o custo associado à intervenção. Por outro lado,<br />
os argumentos apontados para a opção de unidade móvel<br />
foram as seguintes: cuidados de saúde centrados no<br />
doente; circuitos bem definidos e simples; prestação de<br />
cuidados na comunidade e libertação de espaço do BO;<br />
e melhoria do acesso aos cuidados de saúde.<br />
Na sessão síncrona do estudo, os insights nesta vertente<br />
foram ainda mais interessantes. Sendo referido que a oftalmologia,<br />
na maioria dos hospitais, funciona em horas<br />
específicas com recursos humanos alocados. Sendo que<br />
a sala limpa seria uma solução para aumento da eficiência<br />
do BO, enquanto a unidade móvel, não sendo de descartar,<br />
poderia ser útil para consultas. De acordo com<br />
os participantes, o grande desafio na unidade móvel é<br />
a implementação. Exemplos internacionais que já implementaram<br />
unidades móveis, instalações que se montam<br />
numa hora e são utilizadas para injeções intravítreas, têm<br />
obtido resultados bastante satisfatórios, dando confiança<br />
aos participantes na implementação de unidades móveis.<br />
Principais espaços de oportunidade<br />
identificados pelos peritos<br />
Baseado na análise dos dados, não só da componente<br />
síncrona - acima descrita detalhadamente, mas também<br />
da assíncrona, foram identificados espaços de oportunidade<br />
a explorar no futuro.<br />
Nos últimos 20 anos, muitas alterações têm vindo a ser<br />
feitas referentes à autonomia das unidades hospitalares.<br />
No entanto, todos os participantes deste estudo concordam<br />
que deveria haver maior autonomia. Resultante<br />
desta autonomia, poderão ser desenhados incentivos<br />
para promover uma nova cultura organizacional no BO,<br />
motivando o desempenho de toda a área clínica.<br />
Através deste estudo foi possível identificar três espaços<br />
de oportunidade essenciais:<br />
1. Valorização da liderança e comunicação - tema referenciado<br />
de forma recorrente, não havendo, contudo,<br />
uma ideia explícita sobre como o endereçar. Geralmente<br />
um reflexo da cultura organizacional e de outros desafios<br />
a montante que importam diagnosticar;<br />
2. Desenvolvimento de uma cultura de gestão de informação<br />
- processo visto como puramente técnico (informática<br />
e gestores de informação), que não engloba uma<br />
metodologia integrada de gestão operacional e clínica do<br />
BO (relevância dos indicadores, interpretação intuitiva dos<br />
dashboards, métodos analíticos avançados para suporte<br />
à decisão, etc.);<br />
3. <strong>Gestão</strong> operacional de processos e recursos - referida<br />
a dificuldade de planeamento efetivo e de uma gestão<br />
iminentemente reativa. Lacunas ao nível da política para<br />
gestão de recursos humanos, ao nível das instalações físicas<br />
que permitam melhorar a rentabilidade dos blocos, e<br />
em relação ao modelo de financiamento.<br />
Na figura 2 apresentamos uma síntese dos espaços de<br />
oportunidade a explorar para a melhoria da eficiência<br />
do BO:<br />
De modo a facilitar a procura de respostas às questões<br />
levantadas, salientamos os pontos referidos pelos participantes<br />
nas sessões síncronas de discussão:<br />
• Desenvolvimento de um enquadramento legislativo<br />
que permita o reconhecimento do mérito e a avaliação<br />
pelo desempenho;<br />
• Reforço da autonomia das instituições acompanhada<br />
por maior responsabilização pelos resultados alcançados;<br />
• Fixação de contratos de gestão com os membros dos<br />
conselhos de administração, alinhados com o grau de<br />
cumprimento dos planos de atividades e orçamentos da<br />
organização;<br />
• Avaliação do desempenho dos conselhos de administração<br />
em função do grau de cumprimento dos objetivos<br />
fixados;<br />
• Reforço da gestão intermédia, com mais autonomia,<br />
delegação de competências e maior responsabilização<br />
pelos resultados alcançados a nível operacional;<br />
• Desenvolver uma cultura de gestão por resultados de<br />
forma a envolver e garantir uma maior participação por<br />
parte dos colaboradores;<br />
• Criar programas de gestão da mudança que possam<br />
potenciar o espírito de melhoria contínua dos processos<br />
internos.<br />
Compromisso para o futuro<br />
A existência de um processo integrado de planeamento<br />
e controlo de gestão, que permita o alinhamento entre<br />
os objetivos estratégicos e os objetivos operacionais, pode<br />
contribuir de forma decisiva para alcançar melhores<br />
indicadores de desempenho a nível hospitalar. Compreendemos<br />
que a performance nunca é resultado de<br />
uma qualquer relação de causa efeito. Pelo contrário, é o<br />
produto de uma multiplicidade de fatores que se influenciam<br />
e inter-relacionam.<br />
Num contexto de crescente necessidade de consumo<br />
de recursos ao nível dos cuidados de saúde e de restrições<br />
orçamentais, temos que perceber a melhor forma<br />
de garantir uma utilização adequada dos recursos disponíveis,<br />
assegurando os níveis de qualidade e de acessibilidade<br />
aos cuidados de saúde a custos comportáveis<br />
para os utentes e para o contribuinte. O Bloco Operatório<br />
pela sua importância estratégica na organização<br />
pode ser pioneiro em novas abordagens que permitam<br />
uma melhor utilização em função das características das<br />
diferentes patologias. Como ficou patente neste estudo,<br />
a oftalmologia pode ser um espaço de oportunidade de<br />
inovação ao nível de processos, tecnologia e gestão de<br />
recursos físicos. Cabe a cada unidade hospitalar a identificação<br />
de equipas de inovação multidisciplinares com<br />
capacidade de implementação de projetos piloto, medição<br />
de resultados e de posteriormente avançar com<br />
a disseminação de melhores práticas. Esperamos que o<br />
contributo deste estudo contribua para um novo compromisso<br />
para o futuro! Ã<br />
BAYER PORTUGAL, LDA.<br />
Rua Quinta do Pinheiro, 5<br />
2794-003 Carnaxide<br />
www.bayer.pt<br />
92<br />
MAC-MACS-PT-0006-1 03/<strong>2021</strong>
GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />
A FARMACOGENÉTICA<br />
NA PRÁTICA CLÍNICA<br />
Ana Teresa Freitas<br />
CEO da HeartGenetics<br />
Na atualidade, um dos grandes problemas<br />
de saúde pública prende-se com a<br />
variabilidade na resposta dos pacientes<br />
aos medicamentos, que leva a gastos<br />
excessivos com internamentos, com a<br />
gestão de efeitos secundários e com a gestão da falha<br />
terapêutica. Estas questões tornam-se ainda mais graves<br />
quando se considera o sofrimento causado no paciente<br />
pelos efeitos secundários da medicação ou pela falha<br />
terapêutica e respetivo prolongamento do tratamento.<br />
Dados da Europa indicam que a resposta inadequada às<br />
terapêuticas representa atualmente entre 0,5% a 12,8%<br />
de todos os internamentos hospitalares, dependendo<br />
da geografia. 1 Em Portugal, os dados referem que 11.1%<br />
das admissões hospitalares em Portugal devem-se a<br />
efeitos adversos, sendo que mais de 53% destes casos<br />
poderiam ser prevenidos. 2 O documento “Farmacovigilância<br />
em Portugal 25+”, publicado pelo INFARMED,<br />
refere que todos os anos morrem na União Europeia<br />
mais de 197 000 pessoas devido a reações adversas a<br />
medicamentos. 3,4 Adicionalmente, cerca de 30% das novas<br />
terapias dão origem a efeitos adversos que não são<br />
identificados durante os ensaios clínicos. 5 Face à dimensão<br />
destes números, é possível afirmar que assistimos<br />
todos os anos a uma pandemia silenciosa causada pela<br />
utilização inadequada de fármacos.<br />
Para além da gravidade da situação associada ao elevado<br />
número de mortes, é muito relevante e urgente olhar<br />
para os custos diretos para os sistemas de saúde associados<br />
à hospitalização devido à existência de efeitos<br />
adversos a medicamentos. Estes custos são uma componente<br />
chave do custo de estrutura nas análises económicas<br />
em saúde e estudos fármaco-económicos. Os<br />
dados avaliados em 31 estudos com uma média de 19<br />
meses, realizados em vários países Europeus, 12 estudos<br />
na Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia,<br />
e 19 estudos nos EUA, mostraram que o custo direto<br />
acrescido por doente devido a efeitos adversos variava<br />
entre €702.21 e €40,273.08 em ambiente ambulatório<br />
e entre €943.40 e €7,192.36 em ambiente hospitalar. 6<br />
A variabilidade, entre os pacientes, na resposta aos medicamentos<br />
associada à farmacocinética e à farmacodinâmica<br />
tem sido tradicionalmente explicada por vários<br />
fatores tais como a demografia, a idade, a altura, o peso<br />
e o género. 7,8 Estes fatores são normalmente referidos<br />
nas bulas dos medicamentos e utilizados pelos médicos<br />
durante a prescrição. Desta forma, a decisão médica<br />
tem sido personalizada até certo ponto, no que diz respeito<br />
à utilização das melhores informações disponíveis<br />
no momento da prescrição de uma terapêutica para<br />
um paciente. 9<br />
Apesar da qualidade da informação existente para apoio<br />
à prescrição terapêutica ser muito elevada, existem custos<br />
associados à falha terapêutica e a efeitos secundários<br />
e reações adversas aos medicamentos que demonstram<br />
que esta informação está longe de ser suficiente.<br />
Com os avanços alcançados durante a última década na<br />
área da farmacogenética (também designada PGx), são<br />
vários os estudos que demonstram que a genética de<br />
um indivíduo pode afetar, de forma muito significativa, a<br />
segurança e a eficácia de um medicamento. 10,11 A variabilidade<br />
na resposta a um medicamento pode ocorrer<br />
como resultado da existência de diferentes características<br />
genéticas que interagem com os medicamentos<br />
prescritos. Esta interação pode traduzir-se em situações<br />
de toxicidade severa e/ou falta de eficácia do medicamento<br />
12 que requeiram modificação da terapêutica, pelo<br />
aumento ou diminuição da dose, a sua interrupção<br />
ou a utilização de uma alternativa. 13 A utilização da informação<br />
genética durante a prescrição do medicamento<br />
está a introduzir avanços significativos na personalização<br />
e precisão da medicina permitindo selecionar, para cada<br />
paciente, o medicamento certo na dose certa.<br />
Desta forma, a promessa da farmacogenética é a de<br />
que a utilização da informação genética de um indivíduo<br />
pode ajudar a prever a resposta a fármacos, permitindo<br />
uma ainda maior personalização da prescrição<br />
de medicamentos tornando-a mais segura, mais eficaz<br />
e com um melhor custo-benefício para o tratamento e<br />
para o doente.<br />
Em 2019, a UK Pharmacogenetics and Stratified Medicine<br />
Network organizou um evento para discutir a necessidade<br />
de melhorar a prescrição de medicamentos, visando<br />
beneficiar os tratamentos e diminuir custos com falhas<br />
terapêuticas e reações adversas. Foi reportado que no<br />
Reino Unido: 14<br />
• A maioria dos medicamentos normalmente prescritos<br />
(como é o caso dos antidepressivos) são eficazes<br />
em apenas 30-50% dos casos;<br />
• As reações adversas a medicamentos são responsáveis<br />
por 6,5% dos internamentos, sendo que 15% dos<br />
pacientes internados apresentam uma reação adversa a<br />
um medicamento durante a sua permanência no hospital;<br />
• Os internamentos por reações adversas correspondem<br />
a cerca de 8.000 dormidas/ano em leitos hospitalares,<br />
custando todo o processo ao estado mil milhões<br />
de libras.<br />
Para facilitar a prescrição dos testes de farmacogenética<br />
nos EUA, a American Medical Association (AMA)<br />
implementou códigos únicos para estes atos médicos<br />
em 2013, tendo realizado uma atualização da lista em<br />
2018. Muito recentemente, no início de 2020, a U.S. Food<br />
and Drug Administration (FDA) estendeu a lista de<br />
medicamentos para os quais a informação genética é<br />
determinante antes da sua prescrição, reforçando a utilização<br />
desta informação na prática clínica. 15,16<br />
Na Europa, em janeiro de 2019, o governo do Reino<br />
Unido apresentou um plano de longo prazo do NHS,<br />
que enfatizava o papel que a prescrição assertiva dos<br />
medicamentos pode desempenhar na promoção da saúde<br />
dos pacientes. 17 Para além do Reino Unido, países como<br />
a Estónia e a Holanda têm estado a implementar programas<br />
de avaliação do impacto dos testes de farmacogenética<br />
na prática clínica, com resultados muito significativos<br />
e incontornáveis. No caso particular da Estónia,<br />
após a realização de painéis de avaliação de múltiplos<br />
genes a mais de 44.000 pessoas, foi verificado que 99,8%<br />
dos indivíduos avaliados apresentaram um genótipo associado<br />
a risco aumentado de falta de eficácia ou efeitos<br />
secundários para pelo menos um medicamento. 18<br />
Uma das principais barreiras à implementação da farmacogenética<br />
na prática clínica tem sido a tradução do<br />
conhecimento sobre a interação genoma-fármaco para<br />
“<br />
ATUALMENTE, EXISTEM VÁRIAS<br />
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS<br />
DE ELEVADA CREDIBILIDADE<br />
A DESENVOLVER ORIENTAÇÕES<br />
PARA APOIAR A PRESCRIÇÃO,<br />
CLARIFICANDO E IDENTIFICANDO<br />
A ASSOCIAÇÃO GENE-FÁRMACO.<br />
”<br />
uma ação clínica útil. Atualmente, existem várias organizações<br />
internacionais de elevada credibilidade a desenvolver<br />
orientações para apoiar a prescrição, clarificando<br />
e identificando a associação gene-fármaco. Algumas das<br />
organizações de referência são:<br />
• CPIC - Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium;<br />
19<br />
• DPWG - Dutch Pharmacogenetics Working Group; 20<br />
• CPNDS - Canadian Pharmacogenomics Network for<br />
Drug Safety. 21<br />
No contexto Europeu, foi também financiado pelo programa<br />
Horizon 2020, em 2016, o projeto “The Ubiquitous<br />
Pharmacogenomics (U-PGx) project - Implementing<br />
pharmacogenomics decision support across seven<br />
European countries (The Netherlands, Spain, UK, Italy,<br />
Austria, Greece, Slovenia) (http://upgx.eu/)”. Este projeto,<br />
concluído em dezembro de 2020, identificou e tornou<br />
público no seu website e em numerosos relatórios:<br />
1. Uma necessidade urgente para a implementação da<br />
farmacogenética na prática clínica, referindo que, nos<br />
próximos quatro anos, 50% dos pacientes idosos irão<br />
receber uma terapêutica que poderá ser otimizada via<br />
farmacogenética;<br />
2. Que 98% dos médicos inquiridos ao longo do projeto<br />
pensam que a farmacogenética pode ajudar a prever<br />
melhor a resposta ao medicamento;<br />
3. Que apenas 10% dos médicos sentem que atualmente<br />
possuem conhecimento e ferramentas adequadas<br />
à utilização de farmacogenética.<br />
Face a estas constatações, o projeto tem realizado um<br />
forte investimento em formação e divulgação junto dos<br />
profissionais de saúde, de entidades reguladoras e de<br />
companhias de seguros.<br />
No continente asiático, a Rede de Investigação Farmacogenómica<br />
do Sudeste Asiático (SEAPharm) foi esta- }<br />
94 95
GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />
Ler o código QR para aceder a uma aplicação<br />
belecida por cinco países (Coreia, Indonésia, Malásia,<br />
Taiwan e Tailândia) com o objetivo de desenvolver<br />
estudos experimentais sobre efeitos adversos a medicamentos<br />
e desenvolver diretivas adaptadas às populações<br />
asiáticas. Esta rede já obteve sucesso, por exemplo,<br />
na redução de efeitos adversos causados pela toma<br />
inadequada do antirretroviral Abacavir.<br />
O painel genético MyPharmaGenes ® PGx<br />
Por forma a dar uma resposta assertiva e cientificamente<br />
sólida às necessidades cada vez maiores dos profissionais<br />
de saúde prescritores, do SNS e dos indíviduos,<br />
na área da farmacogenética, a HeartGenetics (www.<br />
heartgenetics.com) desenvolveu um novo painel genético<br />
que permite obter informações sobre a interação<br />
gene-fármaco em 5 áreas terapêuticas: Psiquiatria; <strong>Gestão</strong><br />
da dor; Oncologia; Diabetes; Cardiovascular.<br />
O novo teste genético MyPharmaGenes® PGx é uma<br />
solução única em Portugal e na Europa, totalmente desenvolvida<br />
em Portugal. Este painel genético avalia 88<br />
variantes genéticas em 32 genes, os CNVs do gene<br />
CYP2D6, bem como estruturas híbridas, a partir de uma<br />
amostra de saliva. O teste é realizado apenas uma vez<br />
na vida e disponibiliza informação para 104 fármacos.<br />
Toda a informação disponibilizada no relatório do exame<br />
é baseada nas recomendações dos consórcios internacionais<br />
de farmacogenética CPIC, DPWG e CPNDS<br />
e/ou dos órgãos reguladores FDA, EMA (European<br />
Medicine Agency), Health Canada, Swissmedic e PMDA<br />
(Japan Pharmaceuticals and Medical Devices Agency).<br />
O teste MyPharmaGenes® PGx é suportado por uma<br />
WebApp interativa que ajuda o médico e o paciente a<br />
gerir os medicamentos prescritos, bem como a assinalar<br />
medicamentos que provocaram efeitos secundários.<br />
Esta aplicação, personalizada, pode estar de forma permanente<br />
instalada no telemóvel do paciente facilitando<br />
a comunicação com o médico ou com o farmacêutico.<br />
Só com uma avaliação correta do perfil genético dos<br />
pacientes é possível:<br />
• Reduzir de forma significativa o número de mortes<br />
por efeitos adversos de medicamentos;<br />
• Reduzir de forma significativa os custos associados à<br />
gestão dos medicamentos;<br />
• Prescrever doses mais adequadas de medicamentos;<br />
• Avaliar a resposta do paciente ao tratamento;<br />
• Selecionar fármacos alternativos, se possível e se for<br />
necessário.<br />
Tal como as doenças são únicas, os seus tratamentos<br />
também o são. Ã<br />
1. Bouvy, Jacoline C; De Bruin, Marie L; Koopmanschap, Marc A. 2015. “Epidemiology<br />
of adverse drug reactions in Europe: a review of recent observational studies”<br />
Drug Safety 38:437-53, Springer.<br />
2. Sousa, Paulo; Uva, António S; Serranheira, Florentino; Nunes, Carla; Leite, Ema<br />
S. 2014. “Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution<br />
to improving quality and patient safety” BMC Health Services Research<br />
14, 311, Springer.<br />
3. de Farmacoterapia, Revista. 2019. “Farmacovigilância em Portugal: 25 anos”. Revista<br />
Portuguesa De Farmacoterapia, 11(2-3), 80-81. INFARMED - Autoridade Nacional<br />
do Medicamento e Produtos da Saúde.<br />
4. European Commission. 2008. “Strengthening pharmacovigilance to reduce adverse<br />
effects of medicines” Memo/08/782.<br />
5. Downing, Nicholas S; Shah, Nilay; Aminawung Jenerius; Pease, Alison M. 2017.<br />
“Postmarket safety events among novel therapeutics approved by the US food and<br />
drug administration between 2001 and 2010”. The Journal of the American Medical<br />
Association 317:1854-63. American Medical Association.<br />
6. Batel, Francisco M; Penedones, Ana; Mendes, Diogo; Alves, Carlos. 2016. “A systematic<br />
review of observational studies evaluating costs of adverse drug reactions”<br />
ClinicoEconomics and Outcomes Research 8:413–26, Dove Medical Press.<br />
7. Mangoni, Arduino; Jackson, SHD. 2003. “Age-related changes in pharmacokinetics<br />
and pharmacodynamics: basic principles and practical applications” The British<br />
Journal of Clinical Pharmacology 57, 6-14, Wiley-Blackwell.<br />
8. Whitley, Heather P; Lindsey, Wesley. 2009. “Sex-based differences in drug activity”<br />
American Family Physician 80, 1254-1258.<br />
9. Woodcock, Janet. 2007. “The prospects for “personalized medicine” in drug development<br />
and drug therapy” Clinical Pharmacology & Therapeutics 81, 164-169,<br />
Wiley-Blackwell.<br />
10. Scott, Stuart A. 2011. “Personalizing medicine with clinical pharmacogenetics”<br />
Genetics in Medicine 13, 987-995, Springer.<br />
11. Tasa, Tõnis; Krebs, Kristi; Kals, Mart; Mägi, Reedik; Lauschke, Volker M; Haller,<br />
Toomas; Puurand, Tarmo; Remm, Maido; Esko, Tõnu; Metspalu, Andres; Vilo, Jaak;<br />
Milani, Lili. 2018. “Genetic variation in the Estonian population: pharmacogenomics<br />
study of adverse drug effects using electronic health records” European Journal of<br />
Human Genetics 27, 442-454, Nature Publishing Group.<br />
12. Roses, Allen D .2000. “Pharmacogenetics and the practice of medicine” Nature<br />
405, 857-865, Nature Research.<br />
13. Bain, Kevin T; Schwartz, Emily J; Knowlton, Orsula V; Knowlton, Calvin H; Turgeon,<br />
Jacques. 2018. “Implementation of a pharmacist-led pharmacogenomics service<br />
for the program of all-inclusive care for the elderly (PHARM-GENOME-PACE)”<br />
Journal of the American Pharmacists Association 58:e1, Elsevier.<br />
14. https://www.genomicseducation.hee.nhs.uk/blog/pharmacogenomics-a-newnormal-for-the-nhs/<br />
15. https://www.fda.gov/drugs/science-and-research-drugs/table-pharmacogenomic-biomarkers-drug-labeling<br />
16. Mehta, Darshan; Uber, Ryley; Ingle, Taylor; Li, Catherine; Liu, Zhichao; Thakkar,<br />
Shraddha; Ning, Baitang; Wu, Leihong; Yang, Junshuang; Harris, Steve; Zhou, Guangxu;<br />
Xu, Joshua; Tong, Weida; Lesko, Lawrence; Fang; Hong. 2020. “Study of pharmacogenomic<br />
information in FDA-approved drug labeling to facilitate application of<br />
precision medicine” Drug Discovery Today. 25, 5, 813-820, Elsevier.<br />
17. https://www.england.nhs.uk/genomics/nhs-genomic-med-service/<br />
18. Reisberg, Sulev; Krebs, Kristi; Lepamets, Maarja; Kals, Mart; Mägi, Reedik; Metsalu,<br />
Kristjan; Lauschke, Volker; Vilo, Jaak; Milani, Lili.2019. “Translating genotype data<br />
of 44,000 biobank participants into clinical pharmacogenetic recommendations:<br />
challenges and solutions” Genetics in Medicine 21(6):1345–54, Springer.<br />
19. https://cpicpgx.org/<br />
20. https://www.pharmgkb.org/page/dpwg<br />
21. http://cpnds.ubc.ca/<br />
Para mais informações contactar:<br />
commercial@heartgenetics.com<br />
www.heartgenetics.com<br />
96
GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />
COMO PODEMOS TER MAIS ENSAIOS<br />
CLÍNICOS NOS CENTROS DE<br />
INVESTIGAÇÃO E TORNAR PORTUGAL<br />
MAIS ATRATIVO NESTA MATÉRIA?<br />
Figura 1: Pedidos de autorização de ensaios clínicos ao INFARMED.<br />
Fonte: INFARMED<br />
Liliana Guerra<br />
Health Research Manager na AICIB - Agência<br />
de Investigação Clínica e Inovação Biomédica<br />
Margarida Ferreira<br />
Administradora <strong>Hospitalar</strong> e Coordenadora da Unidade de Ensaios<br />
Clínicos no Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de Lisboa Central, E.P.E.<br />
No âmbito da 8ª Conferência de Valor<br />
APAH, decorreu no dia 21 de outubro<br />
de 2020, o workshop “Como podemos<br />
ter mais Ensaios Clínicos nos Centros<br />
de Investigação e tornar Portugal mais<br />
atrativo nesta matéria?”.<br />
O objetivo deste workshop era promover uma reflexão<br />
sobre as principais barreiras à realização de ensaios clínicos<br />
(EC) em Portugal (PT), identificar algumas medidas<br />
que possam contribuir para aumentar a captação de ensaios<br />
clínicos para PT e perceber qual o papel das Unidades<br />
de Saúde neste contexto.<br />
Este artigo resume os principais pontos abordados e as<br />
conclusões resultantes do trabalho desenvolvido com<br />
os participantes no decorrer do workshop.<br />
A Dra. Margarida Ferreira, Coordenadora do Grupo<br />
de Trabalho de Investigação em Saúde (GTIS) da APAH,<br />
começou por dar uma perspetiva geral da importância<br />
dos ensaios clínicos e do valor gerado para a comunidade<br />
científica, unidades de saúde, doentes e a sociedade<br />
civil. E de alguns marcos na evolução legislativa em Portugal<br />
com vista a uma maior dinamização da investigação<br />
clínica, desde a criação da Lei da Investigação Clínica e do<br />
Fundo para a Investigação em Saúde em 2014, a criação<br />
do Serviço de Investigação, Epidemiologia Clínica e de<br />
Saúde Pública em 2015, a criação do Conselho Nacional<br />
dos Centros Académicos Clínicos em 2016 e em 2018<br />
a criação da Agência de Investigação Clínica e Inovação<br />
Biomédica (AICIB).<br />
Muito embora se assista a uma evolução positiva dos<br />
pedidos de autorização de EC em PT, nos últimos anos<br />
(Figura 1), o potencial de aumento está muito longe de<br />
ser atingido. Por comparação com países europeus com<br />
dimensão semelhante concluiu-se que PT pode aumentar<br />
até 3,7 vezes o número de ensaios clínicos submetidos<br />
por milhão de habitantes (Figura 2).<br />
As barreiras para não se realizarem mais EC em PT podem<br />
dividir-se em 4 áreas: política, organização e infraestruturas,<br />
incentivos e sistemas de informação. Algumas<br />
das medidas que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas<br />
é a profissionalização da investigação clínica nas unidades<br />
de saúde em PT, dotando-as de estruturas, recursos<br />
humanos adequados, existindo indicadores e atingindo-se<br />
resultados.<br />
O Dr. Victor Herdeiro, à data do evento, Vice-Presidente<br />
da AICIB - Agência de Investigação Clínica e Inovação<br />
Biomédica, cuja finalidade é o apoio, financiamento<br />
e promoção da investigação clínica (IC) e de translação,<br />
bem como da inovação biomédica, partilhou na sua apresentação<br />
os principais eixos de atuação da AICIB (Figura<br />
3) e as principais atividades da AICIB para 2020, com o<br />
objetivo de tornar PT mais atrativo na área dos EC.<br />
Foram também partilhados alguns projetos em que a AI-<br />
CIB está a trabalhar para tornar PT mais atrativo na área<br />
dos EC, nomeadamente os dois projetos piloto com os<br />
centros de investigação de unidades de saúde hospitalares,<br />
onde se pretende criar um modelo de organização<br />
que vise o desenvolvimento de centros de excelência. }<br />
Figura 2: Comparação do número de ensaios clínicos por milhão de habitantes.<br />
Fonte: Estudo PWC-APIFARMA - Ensaios clínicos em Portugal, 2019<br />
Figura 3: Principais eixos de atuação da AICIB.<br />
98 99
GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />
País Investigador Centro de ensaio<br />
Dimensão do mercado<br />
Interesse do investigador<br />
Sistema de aprovação interna (contratos)<br />
(doentes elegíveis)<br />
Tempos de aprovação das entidades<br />
regulamentares<br />
Experiência prévia em ensaios clínicos Experiência e formação das equipas<br />
Custos de realização no mercado<br />
em causa<br />
Figura 4: Fatores para a escolha de um centro de ensaio pelos promotores. Fonte: Adaptado de Gehring, 2013<br />
Factores que influenciam as taxas de recrutamento:<br />
Ensaios competitivos<br />
Referenciação<br />
Estrutura profissionalizada de apoio aos ensaios clínicos<br />
Prazos de aprovação dos ensaios clínicos pelas diferentes<br />
entidades<br />
Compromisso em termos de doentes elegíveis<br />
Figura 5: Fatores que influenciam a taxa de recrutamento.<br />
Track-record em termos de taxas<br />
de recrutamento e retenção prévias<br />
Com este objetivo foram referidas algumas medidas a<br />
implementar nestes centros, como o tempo e profissionais<br />
dedicados à IC, a autonomia e capacidade de recrutamento<br />
dos centros, a definição de métricas, as bases<br />
de dados com caraterização de doentes, as parcerias, a<br />
formação e ainda as campanhas de literacia para doentes<br />
e público em geral. O que se pretende é criar centros de<br />
excelência nas unidades de saúde em PT.<br />
A Dra. Joana Dias, Coordenadora de Ensaios Clínicos<br />
no Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de Coimbra, referiu<br />
na sua apresentação “Como otimizar a fase de start-up<br />
e aumentar a taxa de recrutamento num ensaio clínico”,<br />
mencionando a necessidade de otimizar o circuito<br />
desde a submissão dos documentos pelo promotor até<br />
assinatura do contrato financeiro. Apresentou os vários<br />
fatores que determinam a escolha de um centro de ensaio<br />
(Figura 4) e os fatores que influenciam a taxa de<br />
recrutamento (Figura 5).<br />
Alguns dos constrangimentos identificados assentam<br />
no facto de que a IC não é vista como uma prioridade<br />
por parte das administrações hospitalares, a ausência de<br />
uma estrutura profissionalizada de apoio aos EC que<br />
articule os vários serviços intervenientes, a IC é menos<br />
valorizada no contexto hospitalar, não existindo tempo<br />
protegido para a investigação e o prazo limite para aprovação<br />
dos contratos financeiros por parte dos Conselhos<br />
de Administração é frequentemente ultrapassado.<br />
Por sua vez, o parecer da CEIC é condicionado a esta<br />
aprovação do contrato financeiro. Por último existe a<br />
Recursos humanos com experiência no apoio<br />
aos ensaios clínicos (coordenadores de estudos<br />
clínicos)<br />
Equipamentos e instalações necessárias<br />
Experiência prévia do promotor com o centro<br />
perceção negativa ou pouco informada dos ensaios clínicos<br />
junto da sociedade em geral.<br />
As estratégias sugeridas foram: cooperação entre centros<br />
de ensaio ao nível local e nacional para apoio na referenciação<br />
de doentes e recrutamento; valorização da<br />
IC incluindo tempo protegido para a investigação no horário<br />
dos médicos investigadores; encontrar estratégias<br />
(como, por exemplo, investir na formação das equipas<br />
envolvidas) para uma melhor comunicação entre profissionais<br />
de saúde, investigadores e participantes durante<br />
o processo de recrutamento; criação de métricas internas<br />
nos centros de ensaio para os EC e autonomia para<br />
a contratação de recursos humanos e materiais.<br />
Após as apresentações, os palestrantes e os participantes<br />
no workshop constituíram um grupo de trabalho,<br />
com os seguintes objetivos:<br />
• 1ª fase: Identificar as principais barreiras em PT para<br />
não se realizarem mais EC;<br />
• 2ª fase: Identificar as principais medidas que permitirão<br />
ultrapassar as barreiras elencadas, se são medidas<br />
a médio ou longo prazo e quais as que dependem das<br />
unidades de saúde.<br />
1ª fase: Identificar as principais barreiras em PT<br />
para não se realizarem mais EC<br />
Durante a discussão foram referidas várias barreiras em<br />
PT para não se realizarem mais EC, nomeadamente:<br />
1. Falta de uma estrutura organizada e profissionalizada<br />
dos centros de investigação;<br />
2. Falta de plataformas de dados de fácil acesso, pesquisa<br />
e sistematização;<br />
3. Falta de uma equipa de profissionais que possam auxiliar<br />
e elevar o nível de qualidade dos EC;<br />
4. Falta de tempo e disponibilidade dos próprios profissionais<br />
de saúde;<br />
5. Falta de reconhecimento a esses mesmos profissionais<br />
quando se dedicam aos EC;<br />
6. Falta de incentivos/recompensas financeiras aos profissionais<br />
que se dedicam aos EC;<br />
7. Falta de informação sobre EC por parte dos doentes<br />
e associações de doentes;<br />
Barreiras<br />
Importância (1 a 5, sendo 5 o mais importante)<br />
Organização dos centros de investigação 5<br />
Falta de profissionalização 4<br />
Bases de dados/ Sistemas de informação 3<br />
Cumprimento de prazos e do número de doentes recrutados 2<br />
Falta de literacia dos doentes e público em geral 1<br />
Tabela 1: Cinco principais barreiras em Portugal para não se realizarem mais ensaios clínicos.<br />
Medidas Médio Prazo Longo Prazo Dependente<br />
da unidade de saúde<br />
Autonomia e compromisso (Governo e Conselhos<br />
x<br />
de Administração)<br />
Definição de métricas com monitorização e acompanhamento<br />
x<br />
x<br />
pelos Conselhos de Administração, com plano de reconhecimento,<br />
incentivos e melhoria do desempenho<br />
Informação do perfil dos investigadores e dos ensaios clínicos<br />
x<br />
x<br />
da unidade de saúde<br />
Plataformas/ bases de dados otimizadas para a investigação clínica x x<br />
Formação dos profissionais em boas práticas da investigação clínica x x<br />
Profissionais com tempo alocado à investigação clínica x x<br />
Promover a literacia junto dos doentes e junto dos profissionais<br />
de saúde (campanhas, plataforma, etc.)<br />
x<br />
x<br />
Tabela 2: Principais medidas que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas..<br />
8. Falta de referenciação e comunicação entre profissionais<br />
e entre unidades de saúde;<br />
9. Perceção negativa sobre EC por parte do público em<br />
geral;<br />
10. Consentimento informado complexo;<br />
11. Tempos de aprovação demasiado longos (desvantagem<br />
face a outros países);<br />
12. Possível falta de interesse do próprio investigador;<br />
13. Taxas de recrutamento baixas;<br />
14. Falta de cumprimento dos compromissos estabelecidos<br />
(número de doentes recrutados inferior ao acordado);<br />
15. Processo de autorização atrasa muitas vezes no Administrador<br />
<strong>Hospitalar</strong>;<br />
16. Falta de pessoas dedicadas para avaliação dos contratos<br />
e com capacidade de negociar com os promotores;<br />
17. Falta de parcerias/redes entre hospitais e centros<br />
de saúdes primários, que poderiam referenciar doentes.<br />
Após a discussão foram selecionadas as 5 principais<br />
barreiras em PT para não se realizarem mais EC, por<br />
ordem de importância (Tabela 1).<br />
2ª fase: Identificar as principais medidas<br />
que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas<br />
Seguidamente foram discutidas as principais medidas<br />
que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas. }<br />
“<br />
ALGUNS DOS CONSTRANGIMENTOS<br />
IDENTIFICADOS ASSENTAM NO FACTO<br />
DE QUE A IC NÃO É VISTA COMO<br />
UMA PRIORIDADE POR PARTE<br />
DAS ADMINISTRAÇÕES HOSPITALARES,<br />
A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA<br />
PROFISSIONALIZADA DE APOIO<br />
AOS EC QUE ARTICULE OS VÁRIOS<br />
SERVIÇOS INTERVENIENTES.<br />
”<br />
100 101
GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />
“<br />
O GOVERNO RECONHECE A IMPORTÂNCIA<br />
DESTE TEMA, AO REFERIR QUE “PARA<br />
O SUCESSO DE QUALQUER INSTITUIÇÃO<br />
QUE TENHA COMO OBJETIVO<br />
DESENVOLVER CUIDADOS MÉDICOS<br />
DE ELEVADA QUALIDADE E DIFERENCIAÇÃO<br />
É HOJE INDISPENSÁVEL A CONJUGAÇÃO<br />
DA ATIVIDADE ASSISTENCIAL,<br />
DO ENSINO E DA INVESTIGAÇÃO”.<br />
”<br />
Durante a discussão foram referidas várias medidas:<br />
1. Providenciar autonomia aos centros de investigação<br />
(para contratação, por exemplo);<br />
2. Atribuir tempo específico aos profissionais para se<br />
dedicarem à IC;<br />
3. Reorganizar a estrutura dos centros de investigação;<br />
4. Construir um sistema de certificação e avaliação contínua,<br />
garantindo a qualidade dos serviços;<br />
5. Atribuir progressão e incentivos na carreira aos profissionais<br />
dedicados aos EC;<br />
6. Dar formação específica aos profissionais envolvidos;<br />
7. Desenvolver bases de dados que permitam identificar<br />
investigadores e doentes;<br />
8. Simplificação do RNEC;<br />
9. Ter um sistema que permita avaliar e monitorizar<br />
todo o circuito e progresso do pedido, os tempos, os<br />
passos seguintes, os responsáveis, etc.;<br />
10. Recrutar doentes em tempo útil;<br />
11. Cumprir os prazos para avaliação e assinatura do<br />
contrato;<br />
12. Existir um ponto de contacto único dentro da unidade<br />
de saúde;<br />
13. Existirem plataformas para submissão dos pedidos<br />
de EC, otimizando o circuito submissão-assinatura do<br />
contrato;<br />
14. Desenvolver redes e parceiras bem definidas entre<br />
doentes/hospitais/cuidados primários/indústria/centros<br />
de investigação;<br />
15. Envolver o Ministério da Saúde;<br />
16. Desenvolver uma campanha a nível nacional para a<br />
sensibilização da importância e benefícios dos EC;<br />
17. Desenvolver métricas e publicar dados sobre os EC<br />
realizados, capacidade dos centros, estudos publicados,<br />
etc.;<br />
18. Ganhar a confiança dos promotores nos centros<br />
Portugueses.<br />
Após a discussão foram selecionadas as principais medidas<br />
que permitirão ultrapassar as barreiras identificadas<br />
anteriormente, identificando-se ainda se são medidas a<br />
médio ou longo prazo e quais as que dependem das<br />
unidades de saúde (Tabela 2).<br />
Conclusão<br />
Os benefícios da investigação clínica são inúmeros e amplamente<br />
reconhecidos.<br />
O Governo reconhece a importância deste tema, ao<br />
referir que “Para o sucesso de qualquer instituição que<br />
tenha como objetivo desenvolver cuidados médicos de<br />
elevada qualidade e diferenciação é hoje indispensável<br />
a conjugação da atividade assistencial, do ensino e da<br />
investigação” (em Resolução de Conselho de Ministros<br />
n.<strong>º</strong> 22/2016). É também uma visão assumida por<br />
este Governo: “Colocar Portugal entre os países mais<br />
atrativos para a condução de estudos clínicos na União<br />
Europeia até 2020, aumentando o valor criado para os<br />
doentes, para o sistema de saúde, para a academia e<br />
para a sociedade…” (em Resolução de Conselho de<br />
Ministros n.<strong>º</strong> 27/2018).<br />
É unânime que Portugal pode ter mais ensaios clínicos<br />
nos centros de investigação e que é possível tornar o país<br />
mais atrativo nesta matéria. Existe vontade e motivação<br />
para concretizar estes objetivos. As barreiras e as medidas<br />
necessárias para as ultrapassar estão identificadas.<br />
A AICIB e a APAH estão a trabalhar com todos os stakeholders,<br />
incluindo as unidades de saúde hospitalares e<br />
respetivos Conselhos de Administração para desenvolver<br />
o potencial da investigação clínica em Portugal. Ã<br />
• PwC. Ensaios clínicos em Portugal. Fevereiro de 2019.<br />
• Estatísticas de avaliação de ensaios clínicos pelo Infarmed, disponível em:<br />
https://www.infarmed.pt/web/infarmed/entidades/medicamentos-uso-humano/ensaios-clinicos/estatisticas<br />
• Resolução de Conselho de Ministros n.<strong>º</strong> 22/2016.<br />
• Resolução de Conselho de Ministros n.<strong>º</strong> 27/2018.<br />
102
GH Iniciativa APAH | webinars<br />
Liderança Digital: ENESIS 2020-22<br />
Zita Espírito Santo<br />
Coordenadora do Gabinete de <strong>Gestão</strong> de Projetos, Investimentos<br />
e Património - Centro <strong>Hospitalar</strong> e Universitário de Coimbra, EPE<br />
Afonso Pedrosa<br />
Diretor do Serviço de Inteligência<br />
de Dados - Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
Universitário São João<br />
Carlos Sousa<br />
Direção de Sistemas e Tecnologias<br />
de Informação - Hospital da Cruz<br />
Vermelha<br />
Miguel Cabral de Pinho<br />
Médico Assistente de Saúde Pública no Agrupamento<br />
de Centros de Saúde (ACES) Maia/Valongo, Administração Regional<br />
de Saúde do Norte, I.P.<br />
A<br />
Associação Portuguesa de Administradores<br />
<strong>Hospitalar</strong>es (APAH) e os Serviços<br />
Partilhados do Ministério da Saúde<br />
(SPMS) promoveram um ciclo de 12<br />
webinars dedicados à “Transformação<br />
Digital na Saúde”, com o objetivo de promover e disseminar<br />
o conhecimento, destacando as oportunidades decorrentes<br />
da transformação digital na saúde. Tratou-se de<br />
uma iniciativa dirigida a todos os profissionais do setor da<br />
saúde, investigadores, académicos e estudantes, assim como<br />
a todos os interessados nestas matérias.<br />
Cada webinar teve a duração de uma hora e todos os<br />
participantes tiveram a oportunidade de intervir de forma<br />
ativa quer através da colocação de questões em direto,<br />
quer respondendo a uma pergunta colocada no início<br />
de cada webinar sobre o tema a tratar e cujos resultados<br />
Teresa Magalhães<br />
Professora Convidada e Administradora <strong>Hospitalar</strong> NOVA National<br />
School of Public Health, Public Health Research Centre,<br />
Universidade NOVA de Lisboa, Comprehensive Health Research<br />
Centre (CHRC)<br />
Inês Dantas<br />
Gestora de Clientes, SAP<br />
Rita Veloso<br />
Vogal Executiva - Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
e Universitário do Porto<br />
foram apresentados no final da apresentação. É possível<br />
rever todo o Ciclo de webinars “Transformação Digital<br />
na Saúde” no Canal APAH no YouTube.<br />
• O primeiro de doze webinars teve lugar no dia 10 de<br />
dezembro de 2019 sob o tema “Liderança Digital -<br />
- ENESIS 2020-22” e teve como orador Henriques<br />
Martins, Presidente do Conselho de Administração dos<br />
SPMS, com moderação de Teresa Magalhães em representação<br />
da APAH.<br />
A apresentação sintetizou três pontos:<br />
1. O porquê desta transformação digital e porquê liderar<br />
esta transformação digital?<br />
2. A Componente da liderança;<br />
3. A Estratégia Nacional 20-22.<br />
Esta mudança é inevitável, esta palavra transformação<br />
significa que nós podemos dirigir esta ação para algum<br />
lado, dar-lhe algum sentido. E se é possível dar um significado<br />
à Transformação Digital (TD), então há espaço para<br />
a ação, os líderes devem conhecer o propósito do que<br />
querem da TD na saúde.<br />
Algumas das razões para aceitar, liderar e enquadrar a<br />
TD, passam por “mudar o cliente, precisamos de um cidadão<br />
cada vez mais digital” ou “mudar a operação, passar<br />
do encontro físico para o encontro terapêutico”.<br />
Mostrou-nos a diferença entre liderança e gestão. O gestor<br />
é aquele que vai tentar reduzir a complexidade das<br />
organizações, vai tentar aumentar a certeza e os graus de<br />
concordância na missão da organização. Muitas vezes o<br />
líder é aquele que faz o inverso, pega num sistema que<br />
está mais ou menos acomodado, com recurso a processos<br />
mais antigos e vai por isso em causa.<br />
Falou-nos no Top 10 para Tele-Leaders, focando-se na<br />
análise entre aquilo que é um líder que está fisicamente<br />
numa organização e um líder que está à distância.<br />
O tele-líder tem de ter visão (nova forma de prestar cuidados<br />
à distância, adoção de conceito de distância como<br />
uma nova forma de proximidade).<br />
A Transformação Digital, em cada local, tem muito a<br />
ver com a importância estratégica, com o investimento<br />
que as instituições estão dispostas ou têm capacidade<br />
para fazer, com o retorno do investimento, com o custo<br />
de oportunidade e com a avaliação do risco em cada<br />
contexto.<br />
Por fim, abordou a Estratégia Nacional para o Ecossistema<br />
de Informação de Saúde 20-22 (ENESIS 20-22) 1 ,<br />
a qual visa criar o enquadramento e as condições através<br />
dos quais os diversos atores do Sistema de Saúde<br />
possam contribuir para a evolução do ecossistema de<br />
informação da Saúde 2 , tornando-se uma referência de<br />
boas práticas e promovendo a entrega de benefícios e a<br />
otimização de riscos e recursos.<br />
Terminou dizendo que a Transição Digital na Saúde não<br />
é para qualquer um, é para quem tem muita vontade de<br />
mudar, e mudar a saúde dos portugueses.<br />
• A 7 de janeiro de 2020, a Cibersegurança foi protagonista<br />
do segundo webinar na voz de Sérgio Silva, Fundador<br />
e CEO da CyberS3C, especializado em Cyber Intelligence,<br />
Opensource e Ethical Hacking. Teve como moderadores<br />
Miguel Pinho (APAH) e Pedro Batista (SPMS).<br />
Cada vez mais é necessário sensibilizar e consciencializar<br />
para os perigos que corremos e para algumas ações<br />
prementes para tornar as nossas organizações e nós próprios<br />
mais seguros no ciberespaço.<br />
Começou por afirmar que não existem sistemas 100%<br />
seguros, não podemos garantir a segurança total de um<br />
sistema, mas podemos reduzir a sua insegurança, reduzir<br />
o risco. Em Portugal, o panorama nacional não é animador<br />
3 , o crime informático tem vindo a crescer desde<br />
o início deste século, apenas com uma inflexão no ano<br />
2009, ano em que foi publicada a lei de cibercrime. O<br />
acesso e a interceção ilegítima dominam o crime informático,<br />
seguidos da falsidade informática e da sabotagem<br />
informática.<br />
Abordou o conceito de cibersoberania, dando nota que<br />
em Portugal este conceito ainda está pouco explorado.<br />
Seria benéfico para o país, a articulação entre as universidades,<br />
o Centro de Cibersegurança e o tecido empresarial,<br />
para através de parcerias fazerem investimentos }<br />
104 105
GH Iniciativa APAH | webinars<br />
conjuntos de forma a desenvolver e partilhar soluções<br />
nacionais. Terminou referindo que a privacidade é um direito<br />
do qual não devemos abdicar e que a cibersegurança<br />
é responsabilidade de todos, pelo que se torna necessário<br />
um modelo colaborativo acima de tudo.<br />
• O 3.<strong>º</strong> webinar ocorreu a 11 de fevereiro de 2020 e<br />
foi dedicado ao tema da “Comunicação Digital - Novas<br />
formas de comunicar na Administração Pública”.<br />
Teve como orador Pedro Pinto, jornalista e professor<br />
na Universidade Autónoma de Lisboa, e moderação de<br />
Rita Veloso (APAH) e Diogo Francisco Gomes (SPMS).<br />
Neste webinar ficámos a conhecer as diferenças entre<br />
a comunicação presencial e a comunicação digital, bem<br />
como as diferenças entre comunicação complexa e comunicação<br />
simples.<br />
A comunicação presencial continua a ser uma comunicação<br />
por excelência, faz parte da nossa evolução, da nossa<br />
capacidade de trazemos os outros para as nossas ideias,<br />
para os nossos objetivos. Implica um rosto, um olhar,<br />
uma emoção, uma sonoridade, uma ondulação, que<br />
muitas vezes estando perante uma situação com a qual<br />
não concordamos, ou não estando alinhados com uma<br />
decisão, nos levam a compreendê-la. Mas, atualmente<br />
estamos a substituir muita dessa comunicação presencial<br />
por uma comunicação digital, no entanto cada uma delas<br />
tem valor significativamente diferente.<br />
A comunicação complexa e explicativa não deve ser<br />
objeto de comunicação digital, assim como qualquer reflexão<br />
ou discussão estratégica sobre aspetos importantes<br />
das organizações, estas exigem uma conversa quase<br />
frente-a-frente, um diálogo permanente.<br />
Na comunicação digital, priorizar é fundamental porque<br />
somos envolvidos num grande número de mensagens,<br />
certos de que à maior parte delas não vamos dar continuidade,<br />
nem consequência, e sem essa priorização<br />
perdemos mensagens importantes. Termina deixando a<br />
ideia de que o modo digital abre imensas oportunidades,<br />
nunca a relação entre as entidades e o cidadão foi tão<br />
próxima, mas tem de ser uma comunicação bem feita,<br />
simples, concisa e objetiva, e sobretudo, anunciativa, porque<br />
é essa a grande virtude da comunicação digital.<br />
• A 10 de março de 2020 assistimos ao webinar sobre<br />
“Transformação Digital a as Implicações na Saúde”.<br />
Orador: José Carlos Nascimento, Técnico Especialista<br />
do Gabinete do Secretário de Estado para Transição<br />
Digital. Moderação: Teresa Magalhães (APAH) e Carla<br />
Pereira (SPMS).<br />
Neste webinar foram deixados alguns contributos para a<br />
reflexão sobre os impactos que a Transformação Digital<br />
pode ter na Saúde.<br />
O que tem cada vez mais importância é o impacto e<br />
a forma como as tecnologias são utilizadas para alterar<br />
e proporcionar melhores condições de vida às pessoas,<br />
mas devemos utilizar as tecnologias e pensar na Transição<br />
Digital com um propósito, o propósito de o fazer<br />
“com” e “para” as pessoas. E foi com um “propósito”<br />
que a Secretaria de Estado para Transição Digital elaborou<br />
um Plano de Ação para a Transição Digital, o qual<br />
nos foi apresentado de forma sumária 4 .<br />
Portugal Digital é o motor de transformação do país.<br />
Tem como propósito acelerar Portugal, sem deixar ninguém<br />
para trás (combate à infoexclusão), e projetar o<br />
país no mundo. Como? Através da capacitação digital<br />
das pessoas, da transformação digital das empresas e<br />
da digitalização do Estado, tornando-o mais ágil e mais<br />
moderno. A Saúde é um ecossistema muito complexo,<br />
com muitos níveis de decisão e de intervenção e um<br />
dos grandes desafios que se lhe coloca, é que proceda a<br />
uma consolidação daquilo que são os sistemas de informação<br />
infraestruturais.<br />
Também nas tecnologias disruptivas, a Saúde se afirma<br />
como uma das áreas mais promissoras. É difícil falar em<br />
inteligência artificial ou robótica ou processamento intensivo<br />
de dados, sem pensar num conjunto de aplicações<br />
possível na área da saúde, na dupla lógica de encontrar<br />
soluções que permitam prestar um melhor serviço de<br />
saúde, mas ao mesmo tempo modernizar e criar soluções<br />
que permitam um mercado português competitivo<br />
para enfrentar um mercado global.<br />
Será através da transformação digital que se vão encontrar<br />
respostas aos grandes desafios que hoje se colocam<br />
na área da Saúde, no nosso país e no mundo.<br />
• A 7 de abril de 2020, Mário Amorim Lopes, Professor<br />
Auxiliar da Faculdade de Engenharia da Universidade do<br />
Porto (FEUP), trouxe-nos alguns exemplos da “A Inovação<br />
Não-clínica na Saúde e na <strong>Gestão</strong> de Tecnologias<br />
Inovadoras”. A moderação ficou a cargo do Afonso Pedrosa<br />
(APAH) e do João Pedro Martins (SPMS).<br />
Mostrou-nos o que é inovação e qual a sua relevância<br />
no contexto da saúde e no contexto económico-social.<br />
As inovações dividem-se em três grupos: inovações de<br />
produto, de serviços e de processos.<br />
Abordou as áreas mais promissoras para a inovação em<br />
saúde. Deu três exemplos de base inovadora na área da<br />
saúde: um projeto está a ser implementado no Centro<br />
<strong>Hospitalar</strong> de Vila Nova de Gaia-Espinho, o Knowlogis,<br />
que se foca na análise preditiva resultando um dashboard<br />
inteligente para apoiar a gestão de inventário de hospitais,<br />
em toda a área de compras e gestão de stocks.<br />
Outro, o MINE4HEALTH, desenvolvido em parceria<br />
com o IPO do Porto, e que é um projeto bastante ambicioso<br />
de inteligência artificial que tem como objetivo<br />
apoiar os clínicos na tomada de decisão no contexto oncológico<br />
no âmbito da terapêutica farmacológica.<br />
Um terceiro projeto chamado NHS Supply Chain, do<br />
NHS inglês que está relacionado com a externalização<br />
da logística hospitalar, desde a negociação e compra à<br />
distribuição e armazenagem.<br />
Deixou a sugestão de consulta ao site Patient Innovation<br />
European Tour, que tem um conjunto de inovações promovidas<br />
pelos próprios doentes, com soluções engenhosas<br />
que podem ser uteis para outros doentes.<br />
• No dia 6 de maio de 2020, Sandra Mateus (Health<br />
Lead na Microsoft), falou-nos nos “Desafios Digitais Futuros<br />
na Saúde”. Moderadores: Carlos Sousa (APAH) e<br />
Joana Luís (SPMS)<br />
Começou por dizer que com a pandemia Covid-19<br />
qualquer uma as grandes tendências que nos têm levado<br />
a discutir cada vez mais o tema da Transformação<br />
Digital na Saúde se tornou ainda mais importante, seja<br />
para usar tecnologias inovadoras no desenvolvimento<br />
de uma vacina, seja o risco das populações mais envelhecidas,<br />
ou a expetativa dos doentes e dos cidadãos<br />
face à capacidade de resposta dos cuidados de saúde a<br />
uma doença como esta.<br />
Falou-nos do uso de tecnologias emergentes, do uso da<br />
inteligência artificial no setor da saúde, no tratamento<br />
de grandes quantidades de dados e de informação, para<br />
daí tirar resultados que possam facilitar o dia-a-dia dos<br />
profissionais de saúde.<br />
Mostrou-nos a saúde digital como a emergência de um<br />
novo normal. Passámos de um processo reativo, desconectado<br />
e cíclico no qual qualquer paciente se dirigia a<br />
um médico quando tinha sintomas, fazia o tratamento,<br />
recuperava e só voltava a ter outra interação quando<br />
voltasse a ter novamente sintomas, para um processo<br />
digital que é cada vez mais contínuo e colaborativo e<br />
tem uma abordagem mais centrada nos cuidados preventivos<br />
ao invés dos curativos e isto implica tratamentos<br />
personalizados, monitorização remota de doentes, proatividade<br />
em planos de saúde, utilização e integração dos }<br />
106 107
GH Iniciativa APAH | webinars<br />
meios digitais 5 . Ao terminar, referiu que a Microsoft criou<br />
um plano específico para resposta à pandemia Covid-19<br />
e que passa por algum licenciamento gratuito, apoio a<br />
clientes, mas também a profissionais independentes, a<br />
escolas, entre outros.<br />
• O “Lean Agile <strong>Hospitalar</strong>” foi o tema apresentado no<br />
dia 9 de junho de 2020 por Carlos Hernandez Jerónimo<br />
(Winning Consulting). Moderadores: Zita Espírito Santo<br />
(APAH) e Bruno Trigo (SPMS).<br />
Neste webinar abordaram-se as oportunidades e os desafios<br />
da incorporação e aplicação dos conceitos de Lean<br />
aos sistemas de informação hospitalares. Tratou em particular<br />
da utilização de ferramentas como o Lean Agile<br />
para a criação de valor, por parte das instituições ou dos<br />
profissionais de saúde, para o cidadão, para o doente e<br />
para os familiares.<br />
No Lean Agile, por um lado temos o doing agile referente<br />
às práticas, técnicas e ferramentas, e por outro temos o<br />
ser agile, ter o foco nas pessoas, nos valores e nos princípios.<br />
Agilidade não significa velocidade, a sensação de rapidez<br />
resulta do facto de se fazerem entregas sucessivas.<br />
Trata-se de entregar valor a partir do momento zero.<br />
No decorrer da sua apresentação deu resposta a questões<br />
tão simples como: Porquê transformar? O que<br />
transformar? Como transformar?<br />
Abordou a Desmaterialização Clínica e Não clínica:<br />
Abordagem com base na implementação da metodologia<br />
Lean Agile alinhado com o referencial EMRAM.<br />
Falou de forma breve na Metodologia Safe Agile 6 , dando<br />
nota que a entrega de valor só é possível com a escalabilidade<br />
e integração. O desafio da transformação digital<br />
hospitalar tem por base cinco áreas críticas de atuação:<br />
um caminho, planear, gerir e entregar mudança.<br />
• No dia 7 de julho de 2020, Victor Costa, Diretor do<br />
Serviço de <strong>Gestão</strong> e Informação do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
de Trás os Montes e Alto Douro falou-nos de “Interoperabilidade”<br />
e os moderadores foram Afonso Pedrosa<br />
(APAH) e Filipe Mealha (SPMS).<br />
No 8.<strong>º</strong> webinar foi dado destaque aos aspetos regulamentares<br />
e aos desafios da operacionalização efetiva dos<br />
sistemas de informação hospitalares e equipamentos de<br />
saúde e à importância das normas, das frameworks e da<br />
arquitetura de referência para nos situarmos na Europa.<br />
No âmbito desta abordagem, Portugal aderiu à Continua<br />
Reference Architecture (CRA) 7 , que tem definidas várias<br />
normas, inscritas num repositório contínuo, que vão<br />
sendo melhoradas por todos os países que participarem<br />
nelas, permitindo encontrar soluções úteis para todos.<br />
Para além das normas definidas pela CRA, existem diversas<br />
normas e diretrizes europeias, sendo a eHealth<br />
EIF (eHealth European Interoperability Framework) da Comissão<br />
Europeia, uma das mais objetivas que define na<br />
comunicação hospitalar o que é que deve ser usado. E é<br />
importante que estejamos alinhados com a União Europeia<br />
porque fazemos parte dela.<br />
No âmbito da capacitação dos profissionais, é necessário<br />
elaborar um plano formativo. A adoção de normas e<br />
frameworks vai exigir formação, testes e certificação. Não<br />
adianta ter soluções se não houver pessoas capacitadas<br />
para as implementar.<br />
Partilhou o caso prático ELGA Empresa de <strong>Gestão</strong>, responsável<br />
por todo o sistema de partilha de informação<br />
na Áustria (ELGA technical overview compressed), faz a ligação<br />
a hospitais públicos e não públicos, a cuidados domiciliários,<br />
a consultórios médicos, a farmácias, a laboratórios<br />
de análises clínicas e de radiologia, no sentido de<br />
agregarem a informação e a partilharem com o cidadão.<br />
• A 15 de setembro de 2020, naquele que foi o 9.<strong>º</strong> webinar,<br />
Cristina Semião focou a importância de “A Qualidade<br />
dos Dados no Futuro Digital”. Moderadoras: Joana<br />
Chedas (APAH) e Raquel Vilas (SPMS).<br />
Hoje vivemos num planeta que está, literalmente, inundado<br />
de dados. Todos os dias são gerados 2,5x10 bytes.<br />
90% de todos os dados que existem hoje, em todo o<br />
mundo, foram criados nos últimos dois anos. O que fazer<br />
com estes dados? Como é que vamos utilizar estes dados<br />
para desenvolver o nosso futuro, seja ele económico ou<br />
social? Na Saúde verifica-se que existe o mesmo fenómeno,<br />
com o aumento de todos os equipamentos, com<br />
a capacidade digital que existe, bem como, a digitalização<br />
de quase todos os recursos por todo o setor da saúde.<br />
Os dados são como “matéria-prima”, é preciso fazê-los<br />
passar por plataformas analíticas para extrair informação<br />
e criar conhecimento. A qualidade dos dados é da maior<br />
importância, porque se, de facto, os dados não tiverem<br />
qualidade, vão produzir informação errónea, que por sua<br />
vez, vai produzir conhecimento que não está correto. A<br />
governança dos dados é a infraestrutura normativa que<br />
assegura que os recursos de dados são cuidadosamente<br />
geridos e protegidos contra ameaças de segurança e de<br />
privacidade.<br />
Qual o impacto que a pandemia Covid-19 teve neste tema?<br />
Três ilações se podem tirar desde já: a primeira, pela<br />
limitação dos contactos presenciais, novas tecnologias, tais<br />
como, comunicações remotas, inteligência artificial, robótica,<br />
genómica, transformaram a capacidade de resposta<br />
dos cuidados de saúde. Um aspeto menos positivo, está<br />
relacionado com “uma outra pandemia” que se criou à<br />
volta desta, a pandemia da desinformação, que urge controlar.<br />
É, de facto, um dos custos mais visíveis da falta ou<br />
da má qualidade dos dados. Ao mesmo tempo que circula<br />
informação importante e muito útil sobre a doença,<br />
há muita desinformação que em muitos casos é replicada<br />
até à exaustão nas redes sociais. A terceira, é um aspeto<br />
bastante positivo, é evidente um espírito de cooperação<br />
digital entre países e entre vários agentes científicos.<br />
O futuro requer que os lideres de agora assegurem a<br />
educação, a capacitação e o envolvimento dos profissionais<br />
de saúde, que habilitem novos modelos de cuidados,<br />
bem como, novos sistemas que estimulem a participação<br />
do cidadão na gestão da sua doença e principalmente na<br />
gestão da sua saúde e do seu bem-estar.<br />
• Ana Nunes (Diretora dos Sistemas de Informação do<br />
HFF), foi convidada a partilhar os “Desafios da <strong>Gestão</strong><br />
dos STI <strong>Hospitalar</strong>”, o que aconteceu no dia 13 de outubro<br />
de 2020. Moderadores: Carlos Sousa (APAH) e<br />
Ângela Dias (SPMS).<br />
Abordou o tema da Governação dos Sistemas de Informação,<br />
a experiência dos profissionais de saúde, a fiabilidade<br />
dos sistemas, a evolução, a melhoria contínua são<br />
aspetos cruciais para que uma TD tenha efetivo valor e<br />
cumpra aqueles que são os seus objetivos. Partilhou a<br />
sua visão sobre os desafios que os Serviços de Sistemas<br />
de Informação têm nos Hospitais e a sua experiência na<br />
transição e evolução do serviço que prestam muito com<br />
base na literatura e suportada na formação em ITIL 8 .<br />
Falou no impacto de um Serviço de Tecnologias de Informação<br />
na prestação de cuidados aos utentes. É importante<br />
evoluir de um helpdesk para um servicedesk,<br />
passar de um serviço meramente reativo para algo mais<br />
proativo, perceber se os colaboradores do STI têm condições<br />
para prestar um serviço de qualidade e não apenas<br />
resolver problemas.<br />
Referiu que para se implementar algo, primeiro é preciso<br />
ter uma estratégia, depois desenhar o serviço pretendido<br />
(service design), e isso significa fazer o levantamento de<br />
todas as necessidades e passar para a fase da transição<br />
(service transition), para a sua implementação efetiva e<br />
passar o conhecimento para a operação. Entra-se na fase<br />
da operação (service operation), da gestão do dia-a-dia,<br />
dos incidentes, do que reportam mais ou menos. Por }<br />
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GH Iniciativa APAH | webinars<br />
“<br />
A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL JÁ DEVIA<br />
ESTAR DE TAL FORMA INTERIORIZADA<br />
NAS PESSOAS E NAS ORGANIZAÇÕES<br />
QUE AS QUESTÕES DO DIGITAL<br />
JÁ SERIAM SECUNDÁRIAS.<br />
”<br />
fim, a melhoria contínua (continual service improvement),<br />
deve-se avaliar continuamente, fazer autoavaliações e pedir<br />
aos utilizadores que avaliem o serviço prestado.<br />
• 10 de novembro de 2020: “Estratégia do Digital na<br />
Saúde”. Orador: Rui Gomes (Diretor do Serviço de Tecnologias<br />
e Sistemas de Informação do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />
e Universitário de Coimbra, EPE). Moderadoras: Zita Espírito<br />
Santo (APAH) e Ana Esteves (SPMS).<br />
Começou por partilhar as linhas principais que podem<br />
ser consideradas como agentes facilitadores nas instituições<br />
de saúde, pode não ser uma pessoa, mas ser<br />
uma infraestrutura ou a forma como lidamos com este<br />
ecossistema, um equipamento ou os espaços físicos, entre<br />
outros. Facilitador é tudo aquilo que tenha um papel<br />
ativo nesta construção. Com a mudança repentina fruto<br />
da pandemia, aquilo que de alguma forma estaria a uma<br />
grande distância para o utilizador comum ou até para<br />
os próprios utentes em termos de informação e até no<br />
âmbito das operações dos hospitais, como seja a tecnologia,<br />
ficou muito mais próximo. Aquilo que poderia ser<br />
difícil de implementar, de sensibilizar nas instituições para<br />
a adoção de novos processos de trabalho com vista a<br />
promover a função TIC não como um fim, mas como<br />
um meio, tornou-se mais fácil.<br />
A transformação digital já devia estar de tal forma interiorizada<br />
nas pessoas e nas organizações que provavelmente<br />
os temas com que lidam diariamente e que focam as<br />
questões do digital já seriam secundários. A necessidade<br />
de operar novos e diferentes modelos de serviços TIC<br />
nas instituições em benefício de toda a rede de cuidados<br />
de saúde faz refletir não só nas novas estruturas de ativos<br />
a posicionar, mas também nos novos processos de<br />
trabalho. Terminou com um resumo dos fatores críticos<br />
de sucesso que considera ser premente acautelar nas<br />
instituições de saúde.<br />
• No dia 15 de dezembro assistimos ao 12.<strong>º</strong> webinar<br />
e último desta primeira temporada. Foi dedicado ao<br />
“HIMSS 7 - Case Study Lusíadas Saúde” por Luís Vaz<br />
Henriques (Chief Information Officer na Lusíadas Saúde).<br />
Moderadores: Teresa Magalhães (APAH) e Domingos<br />
Pereira (SPMS).<br />
A apresentação incidiu sobre a forma como o Hospital<br />
de Cascais chegou ao stage 7 do HIMSS 9 ao fim de<br />
três anos. Foram mostrados alguns exemplos práticos e<br />
pragmáticos de tecnologias e de negócio, os resultados<br />
alcançados na área clínica e por fim, partilhou que estes<br />
projetos do ponto de vista financeiro pagam-se a eles<br />
próprios, focando alguns fatores críticos de sucesso. Terem<br />
atingido o nível máximo reflete o desejo do Hospital<br />
de Cascais em eliminar o uso de papel e passar a usar<br />
as tecnologias de informação por forma a garantir benefícios<br />
para os doentes e para os profissionais de saúde.<br />
O HIMSS tem definido vários modelos de maturidade e<br />
estes indicam o caminho que deve ser seguido para se<br />
alcançar o nível de excelência.<br />
Dentro dos modelos de maturidade, o modelo associado<br />
à adoção do processo clínico eletrónico é o mais conhecido<br />
- o EMRAM (Electronic Medical Record Adoption<br />
Model). Considera serem três os pontos importantes para<br />
se avançar para um stage 7:<br />
1. Financiamento (uma parte será re-investimento);<br />
2. Envolvimento dos profissionais que estão no terreno<br />
(médicos e enfermeiros);<br />
3. Liderança e apoio da gestão de topo.<br />
Para finalizar, das lições aprendidas, foram destacados<br />
alguns aspetos, em particular a importância da celebração<br />
das pequenas vitórias obtidas durante o processo<br />
com as pessoas envolvidas, com base na importância da<br />
motivação. Ã<br />
1. Pode ser consultado em https://www.spms.min-saude.pt/wp-content/uploads/<br />
2019/10/ ENESIS2022_ VersaoParaConsultaPublicaOut2019.pdf.<br />
2. O Ecosistema de Informação da Saúde (eSIS) é um conjunto de tecnologias,<br />
pessoas e processos que intervém no ciclo de vida da informação relacionada com<br />
todas as dimensões da saúde do cidadão e outra relacionada, independentemente<br />
do local de prestação de cuidados e, ou das barreiras organizacionais.<br />
3. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) é publicado em março de cada<br />
ano.<br />
4. A versão completa do Plano de Ação pode ser consultada no Portal do Governo,<br />
no site do Portugal Digital em https://www.portugal.gov.pt/gc22/portugal-digital/<br />
plano-de-acao-para-a-transicao-digital-pdf.aspx<br />
5. Sugere-se a consulta da plataforma KHARE, Kinect HoloLens Assisted Rehabilitation<br />
Experience, que resulta de um projeto que combinou especialização médica,<br />
tecnologia e neurociência numa pareceria entre o INAIL, a Universidade de Parma<br />
e a Microsoft Enterprise Services. Esta oferece, em tempo real, as orientações e os<br />
insights necessários para criar uma fisioterapia personalizada para cada paciente,<br />
em qualquer lugar.<br />
6. Para mais informação consultar: https://www.scaledagile.com/enterprise-solutions/what-is-safe/.<br />
7. A Continua é uma associação europeia para a normalização e criação de um selo<br />
de conformidade para dispositivos médicos (Personal Health Devices).<br />
8. O ITIL é o referencial de melhores práticas na gestão de serviços de tecnologias<br />
de informação (TI) usado em muitas organizações em todo o mundo.<br />
9. O HIMSS (Healthcare Information and Management Systems Society) é uma<br />
instituição sem fins lucrativos dedicada à promoção da melhoria da prestação de<br />
cuidados de saúde através da adoção e otimização contínua das tecnologias de<br />
informação e comunicação (TIC).<br />
Os Webinars estão disponíveis no canal da APAH no YouTube<br />
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