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Gestão Hospitalar N.º 24 2021

#gestão em saúde, por Vasco Reis Homenagem Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração” Testemunhos de familiares e amigos Saúde Global Portugal na saúde global A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19 Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais? SNS: e agora para algo completamente diferente Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório A farmacogenética na prática clínica Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria? Liderança Digital: ENESIS 2020-22

#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?
Liderança Digital: ENESIS 2020-22

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GH homenagem<br />

ESTE É UM TEXTO QUE EU<br />

NUNCA QUERERIA VIR A ESCREVER<br />

Professor, tutor, colega,<br />

mestre, o exemplo<br />

Jorge Poole da Costa<br />

Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />

Ana Escoval<br />

Professora Associada ENSP<br />

”Testemunhos<br />

Este é um texto que eu nunca quereria vir<br />

a escrever. Nos últimos tempos, em que<br />

as más notícias se sucedem e a tristeza<br />

cobre os nossos dias, tento viver numa<br />

realidade alternativa como se estes tempos<br />

não fossem de verdade e, num destes dias, tudo<br />

voltasse a ser como dantes. Não volta. O tempo é implacável<br />

e nada permanece igual.<br />

Os almoços mensais com o Professor Vasco Reis acabaram.<br />

Acabou o seu sorriso e já não vai mais ser possível<br />

abraçá-lo, naquele abraço caloroso que só a genuína<br />

amizade permite.<br />

Tenho de voltar atrás. Àquele dia de Verão em que o<br />

conheci, numa entrevista que aos vinte e três anos me<br />

levaria para uma profissão que era, para mim, uma incógnita<br />

total. Foi inteligente, sarcástico, paternal e sedutor.<br />

Manteve-se assim pela vida toda.<br />

Levou-me para estágios nos Hospitais Civis de Lisboa<br />

onde se impunha pelo trabalho, pela capacidade e pela<br />

inovação que imprimia a uma instituição que dirigia com<br />

indisfarçável prazer e reconhecida competência.<br />

Levou-me para a investigação em Administração <strong>Hospitalar</strong><br />

com as novas ferramentas que a informática disponibilizava<br />

e que a classificação internacional de doenças<br />

permitia. Distribuímos os volumes, que até aí permaneciam<br />

amontoados, pelos hospitais do grupo e pelos<br />

serviços e iniciámos a experiência da codificação com<br />

um resumo clínico informatizado que visava substituir,<br />

em 1986, a secular “papeleta”.<br />

Fizemos um imenso inquérito à população que acorria<br />

à urgência de S. José, conduzido por médicos, que demonstrou<br />

a enorme percentagem de falsas urgências naqueles<br />

setecentos ou oitocentos episódios por dia. Para<br />

ele tudo tinha de ser demonstrado. Não bastavam as<br />

convicções ou as aparências. A gestão é uma ciência e<br />

têm de ser utilizados os instrumentos adequados para<br />

caracterizar ou medir uma determinada realidade. O<br />

trabalho foi apresentado em 1988, numas jornadas de<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> intituladas: “Urgência: Uma<br />

excepção que se transforma em regra?”.<br />

Levou-me até Macau para, juntos, prepararmos a geração<br />

de dirigentes que ficaria nos Serviços de Saúde quando<br />

Portugal deixasse a administração do território. Ajudou-me<br />

a preparar as aulas e, com imenso entusiasmo,<br />

mostrou-me Hong Kong e Macau de forma inesquecível.<br />

Conhecia os restaurantes, as lojas, os monumentos.<br />

Vibrava com a viagem, com as conversas, com a missão<br />

cumprida. Desde as pérolas do Tó-pô no Hotel Lisboa,<br />

que insistia que trouxesse para a minha mulher, até às<br />

lojas das grandes marcas em Kowloon.<br />

Voltaríamos lá para colaborarmos no relatório sobre a<br />

organização dos serviços de saúde e a situação sanitária<br />

que Portugal deixava naquele distante território.<br />

A nossa cumplicidade era enorme. A nossa amizade também.<br />

Era um homem de família. Apaixonado pela família<br />

que criou. Tínhamos imenso em comum e sempre sentimos<br />

isso. Estive com ele quando partiu a mãe e depois<br />

o pai. Estive com ele quando nasceu a primeira neta. Ele<br />

esteve comigo sempre.<br />

Muitos terão já dito muitas vezes que era um professor<br />

brilhante. Um grande gestor hospitalar. Um servidor<br />

público de excepção. Um investigador inquieto e curioso.<br />

Muitos terão já dito que a sua obra publicada é de<br />

imensa qualidade e interesse. Muitos terão já dito muitas<br />

coisas que o fariam sorrir de orgulho.<br />

Eu, no fundo, quero apenas dizer-vos que partiu um homem<br />

profundamente bom. Terno. Meigo. Único. Esse<br />

era o seu maior brilho. Ã<br />

Distinguiu-me a Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es com<br />

o convite para escrever um pequeno<br />

artigo, um testemunho, sobre o nosso<br />

Professor Vasco Reis, que foi e será<br />

sempre uma referência para todos os Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es. Estou grata. Faleceu no dia 23 de janeiro<br />

de <strong>2021</strong>. Dia triste. Foi meu Professor de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> no 15<strong>º</strong> Curso, na ENSP. Conheci-o por isso<br />

em 1984 (já lá vão quase 37 anos), enquanto professor<br />

na disciplina de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Foi igualmente<br />

meu Tutor de estágio no Hospital de Santo António<br />

dos Capuchos integrado nos Hospitais Civis de Lisboa,<br />

onde experienciei o dia-a-dia de um administrador na<br />

gestão. Foi um extraordinário mergulho.<br />

Para as muitas gerações de administradores hospitalares<br />

que tiveram o privilégio de o conhecer, trabalhar e<br />

aprender com ele, o dia da sua morte foi um dia de profunda<br />

tristeza. A profissão está de luto. O Professor Vasco<br />

Reis representava a administração hospitalar portuguesa.<br />

Foi por mais de duas décadas diretor do Curso<br />

de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> na Escola<br />

Nacional de Saúde Pública (ENSP) e deixou-nos uma<br />

herança ímpar para a saúde pública e para a administração<br />

hospitalar em Portugal.<br />

Desafiador, humano e compassivo, sarcástico e irónico,<br />

reservado e disponível, tolerante e complacente, entre<br />

outras, são características que relembro dele em várias<br />

situações e palcos. Também revejo o homem de família,<br />

o pai que tinha nos seus dois filhos, igualmente administradores<br />

hospitalares, um orgulho enorme e que dava<br />

sempre aos seus alunos e colaboradores de quem se<br />

orgulhava um apoio forte e de grande cumplicidade. Enquanto<br />

pedagogo e mestre guiava, orientava e cobria<br />

com o manto da segurança que transmitia. Procurava<br />

dar liberdade e responsabilizar, mas era muito exigente<br />

nos resultados.<br />

As relações fazem-se e cimentam-se em estórias e histórias<br />

e, daí relembro aquando do meu estágio no Hospital<br />

dos Capuchos, o dia em que o meu tutor Vasco<br />

Reis me pede para ir a uma reunião ao Departamento<br />

de <strong>Gestão</strong> Financeira do Ministério da Saúde, discutir algumas<br />

das questões que se levantavam com a aplicação<br />

da matriz em que assentava a modalidade de pagamento<br />

aos hospitais. Quis saber quem ia acompanhar, ao<br />

que o Professor Vasco Reis respondeu: “Acompanha-se<br />

a si própria e vai falar com a Dr.ª Suzete Tranquada para<br />

lhe apresentar as questões que estivemos a discutir<br />

na reunião de ontemˮ. Deixava-nos experimentar, voar,<br />

opinar, fazer e quando nos corrigia era com delicadeza<br />

e suavidade. Nunca nos colocava em situações constrangedoras.<br />

Ouvia-nos e exemplificava os seus pontos<br />

de vista. Queria-nos excelentes, resilientes, humanos,<br />

disponíveis, sábios. Queria-nos maiores e respeitados.<br />

Para além do dom da palavra tinha o da escrita. Das suas<br />

inúmeras publicações (livros, artigos, estudos, relatórios,<br />

etc.) destaco a sua participação no livro da APDH, “O<br />

Futuro da Saúde em Portugal”, subordinado ao tema “O<br />

sistema de saúde português: donde vimos, para onde vamos”,<br />

onde António Correia de Campos, na altura Ministro<br />

da Saúde, no Posfácio da referida publicação escreve<br />

“Vasco Reis identifica a enorme transformação sofrida<br />

no sistema de Saúde português, especificamente na<br />

organização, na prestação e no financiamento dos cuidados<br />

de saúde…”, e eu atrevo-me a realçar do que escreveu<br />

a necessidade de manutenção dum sistema universal,<br />

tendencialmente gratuito, compreensivo, sustentável<br />

e que garanta a acessibilidade que viabiliza um dos<br />

pilares da nossa solidariedade. Que assim possa ser a<br />

bem do nosso SNS, caro Professor Vasco Reis. Ã<br />

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