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Sapeca 29

Misto de sapo e perereca Nº 29 – Junho/202l – Editor: Tonico Soares

Misto de sapo e perereca
Nº 29 – Junho/202l – Editor: Tonico Soares

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Sapeca

Misto de sapo e perereca

Nº 29 –Junho/202l – Editor: Tonico Soares

e-mail: ajaimesoares@hotmail.com

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MUSA DESTA EDIÇÃO

Duse Naccarati (1933-2009). Cataguasense, atuou no Rio em teatro, cinema

e TV. Eu soube dela quando uma senhora me cumprimentou depois de peça

em que atuei, dizendo que sua filha também fazia teatro. Era dona Aída, que

participou tocando piano em Braza dormida, de Humberto Mauro e formou um

trio com dona Hilda (violino) e seu Zé Condé (flauta) em eventos sociais numa

Cataguases mais galante e elegante, que não tive o prazer de conhecer. De sobrenome

Ribeiro Nacarati, ficou sendo Duse Eleonora em homenagem à italiana

Eleonora Duse, da qual disse Charles Chaplin: “Mesmo sem entender uma única

palavra, tive certeza de estar diante da maior atriz do mundo”. A nossa Duse

firmou-se em peças de Nelson Rodrigues, seu autor preferido, como Beijo no

Asfalto (1967 e 2001), A Mulher sem Pecado (nos anos 1970 e 2000) Vestido de

Noiva e A Falecida (2008). Também atuou com Chico Anysio, considerada pelos

colegas a “soberana da comédia”, tendo sido uma das musas do teatro besteirol.

Morreu durante a novela Negócio da China (TV Globo), no papel de uma

“fada” das ruas, chamada Tia Saudade (foto à direita), dizendo frases poéticas.

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Paulo Henriques Britto

Há o consenso de que o Brasil está apenas mediano, em prosa e verso,

também, o consenso de que Paulo Henriques Britto é um dos melhores poetas da

atualidade. Pelo pouco que li de sua poesia, achei positivo. Outras coisas que me

agradam nele é usar formas fixas e não ter pressa de publicar. Aos 20 anos, amigos

sugeriram que editasse seus poemas e respondeu que só depois dos 30, para

não se arrepender mais tarde, como Mário de Andrade, que publicou ainda jovem

Há uma gota de sangue em cada poema e o renegou, dizendo que era obra imatura.

E Ferreira Gullar também deu sumiço ao seu primeiro livro. Finalmente, aos

32, Paulo soltou dois mil exemplares de Liturgia da matéria, “um encalhe maravilhoso”.

Por azar, a editora Civilização Brasileira faliu e mandou entregar aqueles

pacotes em sua casa, e Britto jogou fora, só guardando uns vinte volumes.

Com os contos que escreve, é mais rigoroso ainda, até porque diz que tem

pouca imaginação. E acrescenta: “Mas tudo bem, James Joyce também não tinha,

nunca inventou uma história. Tudo que ele pôs em seus livros aconteceu em sua

vida. Marcel Proust também. Proust não tinha imaginação, só descreveu aquelas

festas chatíssimas em que ele foi, aquela gente horrível que ele conheceu e o livro

é uma maravilha. Como é que pode? Como que o cara com tão pouca imaginação,

com uma vida tão besta como a do Proust, escreve um livro tão bom? Esses

caras é que me dão esperança. Imaginação quem tem é Balzac”.

E mais: “Também não tenho imaginação para bolar um romance. Veja um

cara como Thomas Pynchon, que faz um romance com 700 personagens, 45 enredos,

subenredos. Balzac é extraordinário. Como é que o cara manipula tantas

histórias? Eu tenho muita inveja desses caras que têm essa imaginação prodigiosa

de bolar personagem. Henry James, um dos ficcionistas de que gosto, é extraordinário.

Tive o imenso prazer de traduzir o conto A outra volta do parafuso. É

um conto de terror dos mais barras-pesadas que eu já li. Terrível. Ele contou em

cartas que ficava horrorizado. Dizia que de noite ficava com medo, não tinha coragem

de sair do quarto. Como ele conseguia acreditar naquilo?”.

Outro exemplo: “Tem um poeta atual que eu gosto muito, um dos melhores

do Brasil, lá de Juiz de Fora, chamado Edmilson de Almeida Pereira. A produção

dele é extraordinária, publica dois livros por ano, mantendo um nível de

qualidade muito alto. Não sei como ele consegue fazer isso. Morro de inveja”.

Daí que escreve mais em verso, dizendo que tinha muita dificuldade com

o verso livre. Só o fez no princípio, antes de entender que “verso livre, se o cara

bobear, fica um negócio frouxo, não leva a nada”. Resolveu aprender a dominar

as formas e descobriu que o bom é pegar uma forma fixa – ou inventar uma, ou

então pegar uma forma clássica, como um soneto – e pervertê-la um pouquinho.

“A graça é essa. Pego uma forma tradicional e tento fazer uma coisa um pouco

diferente. Isso passou a ser meu projeto formal. E isso me ajuda a fechar o poema,

a chegar ao final. Quando tomo uma decisão formal – ‘vai ser assim, a rima

tem que ser essa’ – consigo fechar. Senão fica uma coisa frouxa”.

Cada vez mais exigente consigo mesmo, seus livros têm cada vez menos

páginas. Por profissão, é professor na PUC-RJ e tradutor aclamado e premiado.

Sempre do inglês, tendo morado por duas temporadas na Califórnia.

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Mínima poética

Poesia como forma de dizer

o que de outras formas é omitido –

não de calar o que se vive e vê

e sente por vergonha do sentido.

Poesia como discurso completo,

ao mesmo tempo trama de fonemas,

artesanato de éter, e projeto

sobre a coisa que transborda o poema

(se bem que dele próprio projetada).

Palavra como lâmina só gume

que pelo que recorta é recortada,

cinzel de mármore, obra e tapume:

a fala – esquiva, oblíqua, angulosa –

do que resiste à retidão da prosa.

Paulo Henriques Britto

Filologia

Em Trindade a dor escolhe

uma fissura para dizer

o nome – falsa armadura.

Há os que lhe fornecem

comida em louça que fala

francês aos pequis.

O nome tartamudeia.

Sua maestria é esconder-se

nos criados-mudos.

Porém, ante o sacrifício,

nem salvas nem atritos.

Nem iras.

Nada tira ao corpo

seu prazo imperceptível.

Edmilson de Almeida Pereira, de JF

Livro do bisavô de Ivan, estampa Eucalol e ele em cena de filme com Tônia Carrero.

Ivan Lessa, garoto da fuzarca

Como ocorre com Paulo Henriques Britto, Ivan não era lá de ter ideias

para livro de ficção, embora recursos lhe sobrassem, e lhe cobrassem o grande

romance urbano brasileiro do século vinte. Lembre-se que o maior romance do

século é Grande sertão: veredas, mas é de temática rural, não tendo os escritores

da urbe produzido algo à altura. Tarefa que delegaram a Ivan, pelo que recebeu

até adiantamento de uma editora e o título seria Nos astros, distraído, contudo,

sabendo que vocação para as artes não brota em árvores, descartou o projeto.

Paulo Francis bem que tentou, com Cabeça de papel e Cabeça de negro.

Pensava que ia arrasar, porém Ivan, que era mais cabeça, o alertou, dizendo que

receberia as habituais resenhas na Vejé e Isto Eja (como chamava as revistas Veja

e Isto É), Estadão, Folha, Globo e JB, e não se falaria mais nisso. Dito e feito.

Também o amigo e editor Ênio Silveira desencorajou Francis, que caiu em de-

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pressão. Depois, incentivado por sua companheira Sônia Nolasco, voltou à carga

e os livros saíram, massacrados pela crítica. Não que sejam descartáveis, mas

muito aquém do que pretendia o autor: ser o Scott Fitzgerald de sua época.

O negócio de Ivan não era esmiuçar a mente humana, mas se ater às “miudezas”

que ela produz: a era do rádio, gírias e propagandas antigas, personagens

pitorescos como Sabu, gibis do tempo do onça, estampas Eucalol, por aí, com a

pena da galhofa e ironizando a melancolia. A propósito, dizia para os escritores

tupiniquins lerem, entre outros, menos Hemingway e mais Machado de Assis.

Lirismo, pouco, como sacar que olho de passarinho parece semente de mamão

papaia. Para Rubem Fonseca, o maior escritor brasileiro que não escreveu livro.

Sobre cantores nacionais, cultuava Sílvio Caldas e Lúcio Alves, e a este

convidava para cantar só para si, quando morava no Rio. Rio que amava, o dos

anos 1940 e 50 e que deixou de amar, cada vez mais violento e desfigurado pela

especulação imobiliária, dando uma banana (a propósito, chamava o Brasil de

bananão e os Estados Unidos, bananão do norte) praquilo tudo, fixando-se em

Londres, pra não mais voltar, nem mesmo pro enterro de seu pai, o escritor Orígenes

Lessa, mais conhecido por O feijão e o sonho, que virou novela de TV.

Ivan era também bisneto de Júlio Ribeiro, autor do romance “obsceno” A carne,

mas disso, não sei se falou; era muito discreto em assuntos de família. Gozava

fora de casa, por exemplo, a Senhora Leandro Dupré, autora de Éramos seis.

Quando menino, morou com o pai e a mãe (a escritora Elsie Lessa) no

bananão do norte e juro que vi, mas não achei no Google, foto dele na piscina de

Carmen Miranda, em Hollywood, o que não é pra qualquer um. Já homem feito,

conheceu Nova Iorque, preferindo Londres, onde morou por dois períodos. No

segundo e mais longo, só voltou ao bananão por duas semanas, numa revisita ao

Rio, a convite da revista Piauí. E, diga-se, não gostou do que viu trinta anos depois,

podendo ter repetido o que disse quando partiu: tudo feio, chato e burro.

Em Londres, também morou sua mãe, correspondente d’O Globo e vale

lembrar uma crônica em que fala que um dia a rainha convidou as jornalistas estrangeiras

para um chá nos jardins do palácio de Buckingham. Foi com a filha

única de seu único filho e na hora dos cumprimentos, falou para sua majestade

que amava a Inglaterra, todavia, com o peso da idade, estava de partida para Portugal,

um clima mais ameno e deu o endereço, caso a nobre senhora lhe concedesse

a honra de uma visita. E a menina, ansiosa: “Vó, e se ela for?”. Resposta:

“Muito simples: eu prendo a gata, pra não arranhar as meias dela, ofereço chá,

que ela gosta, e vamos falar da vida alheia, que eu sei que ela também gosta”.

No Pasquim, Ivan divertia os leitores (e os colegas) tanto quanto os humoristas

profissionais, Millôr, Jaguar, Ziraldo etc. Observações agudas, nível menino

que vê a calçola da professora, sem querer ser profundo, mas sendo. Eu o vi

uma vez no Leme, onde morava sua mãe, outra, numa livraria pro lançamento de

livro publicado pela Codecri (Comitê de Defesa do Crioléu), sigla inventada por

Henfil e que deu nome à editora daquele jornal, no qual estive com o crítico Roberto

M. Moura. Ivan estava encantado com uma fita que recebera contendo a

gravação do último show de Chico Alves, o deus maior do Olimpo da era do rádio,

em São Paulo, antes do acidente que o matou. Para Ivan, equivalia a um

achado arqueológico, não que vivesse no passado, ao contrário, sempre antenado

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nas novidades, problema é que estas nem sempre correspondem às expectativas.

Quem correspondia, entre os mais novos, era o bravo guerreiro Aldir Blanc.

Abaixo, algumas de suas frases.

• O brasileiro é um povo com os pés no chão, e as mãos também.

• Não se pode enganar o povo o tempo todo. Mas 93% do povo, 87% do tempo,

dá pé.

• Baiano não nasce, estreia. – no auge do sucesso de Caetano, Gil etc.

• O último a sair, apague as luzes do aeroporto. – quando os militares lançaram o

slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

• Todo brasileiro vivo é uma espécie de milagre. – quando os mesmos militares,

para encobrir a repressão, inventaram o “milagre brasileiro”, na economia.

• Amar é... ser a primeira a reconhecer o corpo dele no Instituto Médico Legal.

• No Brasil, morre-se muito de médico.

• Vomitar no Nordeste é símbolo de status.

Frases que pululavam no Pasquim, fosse respondendo a cartas dos leitores

que ele mesmo inventava, fosse implicando com Ioná Magalhães (diziam que ela

era um fodaço, na cama), Tony Tornado, Tim Maia, por pura molecagem. Também

quando saía do cinema e contava o final do filme pros que entravam. Por

essas e outras, o Casseta e Planeta o elegeu seu patrono. Deixou apenas três livros

de crônicas: Garotos da fuzarca, Ivan vê o mundo e O luar e a rainha.

Fotos que Ivan deve ter conhecido e admirado.

Ditadura dos interesses

O citado Roberto M. Moura (morto de febre maculosa em 2005), me contou

que quando foi contratado pela revista Veja, de cara, meteu o pau num disco

de Roberto Carlos e foi chamado às falas pelo editor. Este argumentou que o

“rei” vendia um milhão de discos e Maria Betânia, 800 mil, e não convinha se

indispor com aquele público. Portanto, teria que elogiar, sem poder escolher outra

pauta, posto que Veja não poderia deixar passar em branco o novo disco do

filho de Lady Laura. Fica a lição: nem tudo que o jornalista diz reflete a sua opinião

ou mesmo a realidade, podendo haver dois pesos e duas medidas.

Outra: uma tarde, voltando do Pasquim, Roberto disse que Paulo Francis

havia chegado de Nova Iorque dizendo que o então poderoso grupo Independên-

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cia estava sob intervenção do Banco Central, o que no Brasil não se sabia. Era no

tempo da ditadura, entende-se, e a notícia só veio à baila semanas depois. Também,

Roberto dixit, Yana, irmã da cantora Flora Purim, se jogou pela janela e

jornais, revistas, rádios e TVs não deram uma nota sequer. No caso, a pedido do

viúvo, dono de agência de propaganda e estas ficam entre a imprensa e os anunciantes,

que financiam ambas e são eles os donos da verdade, se lhes convier.

Em relação à senhora suicida, por ser um assunto “de família” que não

envolvia interesses da população, custava nada moitar – hoje, com as chamadas

redes sociais, seria mais difícil. O Pasquim, a propósito, era “imprensa nanica” e

independente, não dependesse também de anunciantes, daí comprar briga, por

exemplo, com a especulação imobiliária, mas esta não anunciava em suas páginas.

Pra encerrar: revi um antigo Roda Viva com a impagável Maria da Conceição

Tavares e ela disse que só saía no e na Globo quando algo na economia dava

errado e não podiam mais pôr “panos quentes”. Motivo: ela previa tudo.

P. S.: o dito dono de agência foi meu patrão e um dia o vi parado num sinal em Copacabana.

No que atravessava uma beldade, apertou um botão e a antena emergiu

reluzente da capota de sua Mercedes, como se fosse a pica dele. Viúvo, conquistou a

mais bela funcionária da empresa, desquitada e bem mais jovem, sempre os interesses,

pois é. Um colega que era amante dela entrou em parafusos e roeu uma beirada

de penico, porém, com o tempo, ela arranjou as coisas. Convenceu o bondoso senhor

de que sempre fora uma mulher ativa e recebera convite pra ser gerente da loja

Company, de Ipanema, convite aceito. Ganhou mais liberdade e convocou o examante

pra chifarem o milionário. Acrescento que o parceiro, galanteador incorrigível,

lutava karatê e tinha porte de arma.Um homem prevenido vale por dois, ele caçoava,

rindo. Se matasse ou morresse, naquele contexto, poderia ser ou não ser notícia,

em se tratando de gente importante, com poderes para manipular a mídia.

Continuando nas letras

Falei que Paulo Henriques Brito abandonou o verso livre, passando a poetar

na linha traçada por João Cabral, se possível, “nos aceiros da prosa”, como

disse o recifense. Pra mim, o dito verso soa como anotações à espera de acabamento,

mesmo em Drummond, às vezes fico apático. O pintor Slotti certa vez

perguntou por que eu não escrevia sobre seus quadros e respondi que não assimilo

a pintura figurativa, pós-impressionismo. Em poesia, o oposto: tenho mais

queda pelos métodos anteriores ao modernismo, sem desprezar outras ondas,

como a dos concretos, porque ali sente-se que suaram a camisa, não é uma coisa

simplesmente jogada no papel. Já a figuratividade expressionista de Altamir Soares

me bate a passarinha, a caminho da arte abstrata, que mais me apraz, idem, a

primeira fase de Jorge Napoleão. A propósito de Slotti, ele escreveu contos bem

interessantes, depois salvos em pen drive que contém vírus. E foram pro beleléu.

Evandro Nunes da Silva – Escritor do qual só li o conto A fantástica máquina

de fazer linguiça. Antes de continuar, protesto contra a extinção do trema, no

presente caso, necessário, até porque não se pronuncia de forma igual, por exemplo,

as duas sílabas finais de “linguiça” e “enguiça”. Isto posto, é um conto apenas

meio sapeca: pai leva filho para conhecer a dita máquina e explica o mecanismo.

Um burro “escorrega por esses tubos e lá na saída caem várias linguiças

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empacotadas e prontas para o consumo”. O menino, curioso, pergunta se, fosse o

contrário, introduzindo-se a linguiça no fim, sairia um burro do outro lado. Resposta

do pai: “Meu filho, o único lugar onde foi enfiada uma linguiça para que

saísse um burro depois, foi no meio das pernas da tua mãe”. Tem lá sua graça.

Eduardo Henriques – Vem aí seu livro “Forças Coeternas”, sobre sua passagem

por um seminário, experiência sofrida e gratificante, tratada com a seriedade que

o tema exige, basta dizer que o protagonista tem seus momentos de meditação

em que desafia uma imagem do crucificado a explicar toda a injustiça que grassa

entre os mortais, ao mesmo tempo, jocoso, na linha Amarcord, de Fellini. O título

remete a Santo Agostinho, lembrando que o bem e o mal coexistem no ser

humano, e há o projeto de um longa-metragem, a cargo de Edu e Emanoel Messias.

Vou lembrar só de algumas jocosidades. Entre outros lances divertidos, o

padre deu como tema de redação um jogo de futebol, que o menino nunca tinha

visto. Reclamou e o professor falou pra ele usar a imaginação. Escreveu só uma

linha e tirou nota dez. Como? O leitor vai descobrir. Hilária, a cena em que um

caipira pede empréstimo no Banco do Brasil, e também não conto o resultado.

Rolava algum homossexualismo, inevitável, em tais circunstâncias e alguns mais

afoitos pulavam a cerca pra cair nos braços, melhor, no entrepernas, das mocinhas

de um rendez-vous vizinho, que faziam preço camarada pra eles, coisa como

meia dizia de laranjas do pomar. No mais, gamei numa frase simples, mas

precisa, sobre um monge que caminha devagar, “tateando o chão com os pés”.

Sapeca informa – Em abril passado, Tonico Soares recebeu a notícia de que ficou

em sexto lugar no quesito poesia da Flip (Festa Literária Intenacional de Parati),

a ser realizada em julho próximo. Só depois poderá divulgar o textículo.

◄•►

Fotos tiradas em São Paulo, início do século vinte.

Acima, três exemplos da deselegância discreta de tuas meninas

– como cantou Caetano Veloso, sobre as paulistanas.

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Na foto, o “grito de guerra”

dos alunos de pele escura, pelo

sistema de cotas, discriminados

pelos colegas de pele

clara na PUC (Pontifícia Universidade

Católica) do Rio.

Consta que, antes de uma partida, jogaram casca de banana na quadra,

como se chamassem os negros e mestiços de macacos. Com isso, a equipe de

basquete de lá perdeu o título de campeã/2018 e foi impedida de concorrer no

ano seguinte. Também, em outras situações, imitaram os gestos dos símios ou

xingaram abertamente os rivais, de macacos. Isso é bem comum no esporte, como

soltarem urubus diante da torcida do Flamengo, no Maracanã. E, com desfaçatez,

os brancos poderiam responder: “Os pucaralhos unidos jamais serão vencidos”.

Brancos pobres também são discriminados, feito amiga nossa de Cataguases

que, nos pratrasmentes, ganhou por merecimento, depois de uma prova difícil,

bolsa de quatro anos na elitista Escola Normal, hoje Colégio Carmo. Humilhada

de todas as formas pelas colegas, no ano seguinte se bandeou para o Colégio

Cataguases, já cedido ao Estado de Minas e oferecendo ensino gratuito. Onde

também discriminavam, como conta Luiz Ruffato que, para se livrar de tais

agressões, refugiava-se na biblioteca durante o recreio. Sábia atitude, contudo,

quem já passou por isso sabe que dá vontade de sair distribuindo porrada a torto e

a direito e, o pior, o sentimento de impotência diante dos agressores, estes, sempre

em número maior. Porradas dadas ou não dadas, cabe uma pergunta, à maneira

de Orígenes Lessa: como se chamam aqueles que discriminaram Luiz Ruffato?

Orígenes entra nessa história porque no livro O feijão e o sonho o protagonista

é um professor que não ganha sequer o suficiente para garantir feijão na

mesa. Depois de uma discussão demorada em que sua esposa o criticou por viver

no mundo dos livros, dizendo que preferia ter filhos analfabetos a filhos mal alimentados,

e lembrando que Camões vivia de esmola, ouviu como resposta: “Sabe-se

que Camões pediu esmola. Você sabe quem deu esmola a Camões?”.

Sapeca pode já ter dito, mas não consegui achar no arquivo. O seguinte:

tive um colega para quem o office boy era apenas um “preto”. Um dia, o chamou

e dois atenderam, ouvindo: “Dois pretos juntos já é assalto”. A vítima, nesses

casos, na condição de subalterna, solta um sorriso forçado, ocultando o rancor.

Isso foi na Embrafilme e um dia Arnaldo Jabor perguntou como conseguiria tirar

xerox e meu colega disse: “Chama um preto”. “Por que um preto?”. Resposta:

“Porque ele é preto”. Outro dia, fomos fazer um serviço fora, no carro dele e, ao

passar pela Central do Brasil, onde é comum ver muitos negros e brancos correndo

para pegar o trem, soltou esta: “Meu sonho é atropelar um preto”.

Os brancos de Machado de Assis também falavam assim, mas isso, num

tempo em que interrompiam a caminhada pra assistir a um enforcamento. Os

tempos mudaram, as mentalidades, nem tanto. Afora isso, meu ex-colega (não sei

se bolsonarista) é um sujeito afável e ficamos muito amigos, tendo ele batizado

um filho com o nome de Antônio, em homenagem ao locutor que vos fala.

8


Foto: Fan Ho, jovem fotógrafo chinês, anos 1950.

Filme: A noite, de Antonioni, 1961. Beleza pura.

“Pode ter um cineasta maravilhoso na Coreia do Sul, outro no Canadá,

mas a única cinematografia em sentido amplo que me impressionou nos

últimos tempos foi a da Argentina. Há consistência de produção, variedade,

é popular e inteligente. Gosto dos trabalhos do Nuri Bilge Ceylan, diretor

turco. Tem filmes como o sueco Força Maior que me impressionaram.

Vou menos ao cinema. Hoje sou seletivo. Mantenho distância dos filmes

do Oscar. Mas de Parasita gostei muito.” – Sérgio Augusto

UAI É UMA SIGLA, UAI!

Resumido do Correio Brasiliense

Segundo a professora Dorália Galesso, Juscelino Kubitscheck a incentivou a pesquisar

a origem da expressão. Depois de exaustiva busca nos anais da Arquidiocese

de Diamantina e arquivos d’O Estado de Minas Gerais, encontrou a explicação.

Os Inconfidentes Mineiros, patriotas, mas considerados subversivos pela

Coroa Portuguesa, comunicavam-se através de senhas, para se protegerem.

Como conspiravam em porões e sendo quase todos de origem maçônica, só recebiam

os companheiros com as devidas três batidinhas na porta, perguntando

quem era. Os de fora respondiam: UAI, que significava União, Amor e Independência.

Fracassada a revolta, sobrou a senha, que foi incorporada ao mineirês.

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Vereadores mais jovens

À esquerda, meu sobrinho César Ramos, tomando posse na Câmara de Cataguases

como o vereador mais jovem do município, em1983. À direita, Fernando

Silva Bispo, mais jovem edil da capital bandeirante. Apelidado Fernando Holiday,

renunciou a 20% do salário, 50% da verba de gabinete, o mesmo das despesas operacionais,

dispensando carro oficial e motorista. Moderação nos gastos públicos deveria

ser a regra, não exceção, no âmbito da política. Holiday está em seu segundo

mandato, já César não foi picado pela mosca azul e não quis mais se candidatar.

Continuando na política

Observe-se que a malha ferroviária dos Estados Unidos só não risca todo o

mapa nas regiões semiáridas e montanhosas. Na Europa e na Ásia mais próspera, a

mesma coisa. Ferrovias são sinônimo de economia, mas foram os próprios americanos

que levaram-nas à falência na América Latina (controladas por ingleses e franceses),

emprestando dinheiro a fundo perdido para abertura de rodovias paralelas e

nelas passaram a circular seus caminhões, seus automóveis, seus pneus, sua gasolina.

Pimenta nos olhos dos outros, pra não dizer em outra parte, é refresco.

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“Fui fazendo devagarinho, para que saísse bonitinho” (tradução possível)

FRASES DE PARA-CHOQUE

Dizem que começaram na Argentina, em meados do século 19, ornamentando

carroças e no século seguinte passaram a ser transportadas de caminhão. Com

o aumento do intercâmbio por rodovia entre os dois países, o costume chegou ao

Brasil. Minha favorita: “Feliz foi Adão, que não teve sogra nem caminhão”.

E fiz uma seleta, aí vai:

Este é um Ford, mas se bater Ford tudo!

Turbinado no pé, reduzido no mé, carona só pra muié.

Três eixos envenenados e um machão invocado.

Seis pneus cheios e um coração vazio.

Alegria de poste é estar no mato sem cachorro.

Não é pressa, é saudade.

Não me siga, estou perdido.

No baralho da vida, perdi por uma dama.

Meu coração por você não bate, capota.

Nas curvas do teu corpo capotei meu coração.

Minha felicidade não tem preço, tem o seu nome.

Amor sem beijo é igual goiabada sem queijo.

Vou rezar 1/3 para arrumar 1/2 de levá-la para 1/4.

Amo a sogra da minha mulher.

A esperança e a sogra são as últimas que morrem.

Viajo porque gosto, volto porque te amo.

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Mulher de amigo meu, pra mim, é ótimo.

Não dirija dormindo para não fazer acordar chorando quem te espera sorrindo.

Dizem que mulher satisfeita não trai, mas, você já viu mulher satisfeita?

Quem se arrasta aos pés de mulher é véu de noiva.

Tropece no seu orgulho e caia nos meus braços.

O amor é igual a fumaça: sufoca, mas passa.

O amor é um sonho, o casamento, o despertador.

O amor não torna as pessoas mais bonitas, o nome disso é álcool.

A mulher que andou na linha, o trem matou.

Filho é igual peido, você só aguenta o seu.

Vote nas putas, porque nos filhos não deu certo.

Galinha velha dá bom caldo, mas são as frangas novas que fazem o galo cantar.

Na subida, paciência, na descida, dá licença.

Tá com pressa? Sai mais cedo.

Depois da tempestade, vem a enchente.

A fé remove montanhas, mas eu prefiro dinamite.

Uma das funções do Espírito Santo é aumentar a distância entre o Rio e a Bahia.

Tudo que você usa já esteve em um caminhão.

Pra quem não tem nada, metade é o dobro.

Quem espera, sempre cansa.

Se ferradura desse sorte, burro não puxava carroça.

Água mole em pedra dura, tanto bate até que molha tudo.

Tem várias maneiras de ser chato, mas o chato sempre escolhe a pior.

Às vezes, é melhor ficar quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que

abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida.

Se não existisse avião e político andasse de caminhão, as estradas teriam melhor

conservação.

Cada escola que se abre é uma cadeia que se fecha.

AMAR É A GENTE QUERER SE ABRAÇAR COM UM PÁSSARO QUE VOA.

Frase de Guimarães Rosa, que se sentiria feliz ao lê-la na popa de um caminhão

por este brasilzão que ele conheceu como a palma da mão, em lombo de alazão.

►◄

Gravatinha do Rosa

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