Revista Aquaculture Brasil - 22ed
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REVISTA
AQUACULTURE
BRASIL
EDIÇÃO
22
JAN/MAR
2021
PANORAMA DA
QUELONICULTURA
NO BRASIL:
Uma estratégia
para conservação
das espécies e
geração de renda
MAR/ABR 2018
ISSN 2525-3379
Artigo: Profissionalização
em sistema RAS na
Europa
Coluna: A magia dos
pigmentos
Entrevista: Cintia
Nakayama - UFMG/
Aquabio
Eles fazem a diferença:
Vinicius Ronzani
Cerqueira
1
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
AQUACULTURE BRASIL
O MAIOR PORTAL DA AQUICULTURA
BRASILEIRA!
EDITOR-CHEFE:
Giovanni Lemos de Mello
redacao@aquaculturebrasil.com
EDITORES-ASSISTENTES:
Alex Augusto Gonçalves
Artur Nishioka Rombenso
Maurício Gustavo Coelho Emerenciano
Roberto Bianchini Derner
Rodolfo Luís Petersen
DIREÇÃO DE ARTE:
Syllas Mariz
Jéssica Brol
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO:
Aldeniza Cardoso de Lima, André Macedo Brugger,
Anndson Brelaz de Oliveira, César Serra Bonifácio Costa,
Cintia Labussière Nakayama, Fernanda Garcia Sampaio,
Filipi Andrade, Hênio do Nascimento Melo Júnior, Hugo
Ricardo Bezerra Alves, Janderson Rocha Garcez, João
Alfredo da Mota Duarte, Katt Regina Lapa, Lucas Gomes
Mendes, Luís Tadeu Assad, Manuel Macedo de Souza,
Marco Dellian Zanetta, Paulo Cesar Machado Andrade,
Pedro Henrique Magalhães Cardoso, Pedro Lindenberg,
Thiago Luiz Ferreira Anízio, Vinicius Ronzani Cerqueira,
Wander da Silva Rodrigues.
Os artigos assinados e imagens são de
responsabilidade dos autores.
COLUNISTAS:
Artur Nishioka Rombenso
Diego Maia Rocha
Eduardo Gomes Sanches
Fábio Rosa Sussel
Giovanni Lemos de Mello
Ivã Guidini Lopes
Juliana Antunes Galvão
Marcela Maia Yamashita
Marcelo Shei
Maurício Gustavo Coelho Emerenciano
Roberto Bianchini Derner
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As colunas assinadas e imagens são de
responsabilidade dos autores.
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A revista AQUACULTURE BRASIL é uma publicação
trimestral da EDITORA
AQUACULTURE BRASIL LTDA ME.
(ISSN 2525-3379).
www.aquaculturebrasil.com
Av. Senador Galotti, 329/503, Mar Grosso, Laguna/SC,
88790-000.
Impressionante como a pandemia do Covid-19
mexeu com a vida de todos nós. Qualquer pessoa
do planeta, sem dúvidas, conhece alguém que
lamentavelmente foi acometido por esta tragédia.
Escrevo este editorial em 21 de junho de 2021.
Primeiro dia do inverno. Recentemente, o Brasil atingiu
a triste marca de 500 mil vidas perdidas. A aquicultura
brasileira também foi duramente atingida.
Apesar de ser difícil nominar as vidas perdidas,
e talvez correr o risco de cometer algum esquecimento
ou equívoco, gostaria de destacar três profissionais
importantes para o nosso setor e que nos
deixaram precocemente.
Na carcinicultura marinha, Chung Ji Hsiung (59 anos), um dos primeiros
carcinicultores a intensificar a produção de L. vannamei no Brasil e apostar em
novas tecnologias e inovações, além de incentivador do cooperativismo.
Na piscicultura continental, Marcelo Berriel Cardoso (53 anos), um dos
maiores piscicultores do Brasil. Entusiasta da aquicultura, acreditava na atividade
como fator de desenvolvimento, geração e distribuição de renda. Um homem
de ação, decisão e atitudes. Compatibilizava a produção com gestão, eficiência
e resultados. Um exemplo de produtor que se foi e que deixou sua marca na
história da aquicultura brasileira.
Na ciência, a perda que talvez mais tenha comovido o setor pesqueiro e
aquícola do País, foi a do Prof. Dr. Fábio Hazin (57 anos). O Engenheiro de Pesca
mais brilhante da história de nosso País. Uma referência mundial da Ciência
Pesqueira. Nosso setor parou em 07/jun/21, consternado com a partida do
Mestre Hazin.
Certamente Chung, Berriel e Hazin teriam ainda muito a contribuir com o
nosso setor! E claro, tantos outros que nos deixaram precocemente... De acordo
com alguns estudos, o Brasil pode ter a primeira redução da expectativa de
vida desde 1940... Lamentável...
Vamos trabalhar por vocês, por cada vida perdida, pelo combate ao negacionismo
e pela valorização da ciência, das pessoas e da Aquicultura!
E aqui está, mais uma edição da Revista Aquaculture Brasil.
Ótima leitura!
A AQUACULTURE BRASIL não se
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Giovanni Lemos de Mello,
Editor-chefe.
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SUMÁRIO
AQUACULTURE BRASIL - edição 22 jan/mar 2021
08 FOTO DO LEITOR
»»
p.10
10 CIRCULAÇÃO VERTICAL NA PISCICULTURA EM
TANQUE-REDE DE AMBIENTES TROPICAIS E
SEMIÁRIDO
18 CUIDADOS MÍNIMOS EM UM QUARENTENÁRIO
CREDENCIADO PARA IMPORTAÇÃO DE ORGANISMOS
AQUÁTICOS ORNAMENTAIS PARA IMPEDIR A
INTRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE PATÓGENOS
26 USO DE PLANTAS HALÓFITAS NA AQUICULTURA:
DO TRATAMENTO DE EFLUENTE À ALIMENTAÇÃO
ANIMAL
»»
p.18
32 PANORAMA DA QUELONICULTURA NO BRASIL
– UMA ESTRATÉGIA PARA CONSERVAÇÃO DAS
ESPÉCIES E GERAÇÃO DE RENDA
42 AQUICULTURA E PESCA SUSTENTÁVEIS NO
INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO
E SUSTENTABILIDADE (IABS): ATUAIS AVANÇOS
SOCIOPRODUTIVOS
48 PROFISSIONALIZAÇÃO EM SISTEMA RAS NA EUROPA
54 ESPAÇO EMPRESA - INVE
»»
p.26
58 ARTIGOS PARA CURTIR E COMPARTILHAR
59 CHARGES
6
»»
p.90
60 ATUALIDADES E TENDÊNCIAS NA AQUICULTURA
62 ATUALIDADES DA CARCINICULTURA
64 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS
»»
p.42
66 AQUICULTURA ORNAMENTAL
68 GREEN TECHNOLOGIES
70 NUTRIÇÃO AQUÍCOLA
72 VISÃO AQUÍCOLA
74 RECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS
76 SANIDADE
»»
p.48
78 GESTÃO DE RESÍDUOS
80 NAVEGANDO NA AQUICULTURA
82 TECNOLOGIA DO PESCADO
84 ENTREVISTA - CINTIA LABUSSIÈRE NAKAYAMA
90 ELES FAZEM A DIFERENÇA
96 DESPESCOU
»»
p.84
7
Cultivo das microalgas Nannochloropsis oculata,
Chlorella vulgaris e Chaetoceros muelleri
(Fortaleza, CE)
Giancarlo Lavor
Quando se põe amor até na preparação
do viveiro para a próxima safra
(Laguna, SC)
Clemilson de Andrade
@mar.dobrasil
Produção de carpa ornamental
(Não-Me-Toque, RS)
Cleiton Kissmann
@acquadocepiscicultura
Camarão da fazenda Aqualuz cultivado em baixa
salinidade
(Taubaté, SP)
Daniel Pereira e Dalton Nielsen
@aqualuzcamarao
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8
Fazenda “Acuacultores del Mar Azul”
(Sinaloa, México)
Arturo Nieves
@shrimpaquaculture
Alevinos de Pacu
(Timbó, SC)
Aquacultura Nilótica
@aquaculturanilotica
JAN/MAR 2021
>>
Envie suas fotos mostrando a aquicultura no seu dia a dia
e participe desta seção.
redacao@aquaculturebrasil.com
9
© Daniela Campeche
JAN/MAR 2021
10
PARCEIROS NA 22° ED:
Circulação vertical na
piscicultura em tanque-rede
de ambientes tropicais e
semiárido
Hênio do Nascimento Melo Júnior
Universidade Regional do Cariri-URCA
Laboratório de Limnologia e Aquicultura-LLA
henio.melo@urca.br
Fernanda Garcia Sampaio
Embrapa Meio Ambiente
fernanda.sampaio@embrapa.br
Lacunas como as da
influência de variações
ambientais que podem
resultar em perdas de
produção e mortalidade
massiva ainda são
uma área de demanda
para dar suporte ao
desenvolvimento deste
sistema de produção.
A
piscicultura em
tanques-rede é
uma das modalidades
de aquicultura que mais
tem avançado no Brasil se
consolidando cada vez mais
como um sistema de produção.
Reservatórios e açudes
têm permitido o avanço da
modalidade de produção que
ocorre diretamente no corpo
hídrico. Apesar do crescimento
da piscicultura em
tanques rede e dos avanços
tecnológicos há ainda muito
a avançar em relação as estratégias
de monitoramento
ambiental e manejo eficiente
para dar suporte aos sistemas
de produção. Lacunas como
as da influência de variações
ambientais que podem resultar
em perdas de produção
e mortalidade massiva também
ainda são uma área de
demanda para dar suporte ao
desenvolvimento desta modalidade
de produção.
Estudos recentes indicam
que variações meteorológicas
possam influenciar diretamente
o sucesso das pisciculturas
e que o monitoramento
destas pode ser uma grande
ferramenta para o produtor
de peixes em tanques-rede.
Dentre os eventos meteorológicos
que já estão sendo
observados como de influência
direta aos sistemas de
produção em tanques-rede
estão as variações térmicas
e eólicas que promovem a
circulação vertical. Nos últimos
anos a ocorrência de
circulação vertical turbulenta
têm causado eventos de
mortalidade em pisciculturas
em tanque-rede em açudes e
reservatórios. Entre os piscicultores,
estes eventos são
conhecidos como “inversão
térmica”.
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11
Figura 1. Esquema de Circulação Vertical e as condições estruturais da coluna d’água em um lago estratificado e desestratificado.
Adaptado de: Saraiva e Melo Júnior (2019).
JAN/MAR 2021
Circulação vertical (CV)
A Limnologia caracteriza a CV através da estratificação
e desestratificação da coluna d’água. Quando a coluna
de água está dividida em três estratos, o epilímnio,
metalíminio e hipolímnio, o ambiente está estratificado.
Quando a coluna de água está homogênea, apresentando
características físicas e químicas semelhantes da
superfície ao fundo, podemos afirmar que o ambiente
está desestratificado ou homogêneo (Figura 01). Um
ambiente estratificado possui condições limnológicas
diferentes em cada uma das camadas e quando ocorre
a desestratificação o ambiente fica misturado tendo as
mesmas características limnológicas. A CV é um evento
natural fundamental para a estrutura e organização
dos processos químicos e biológicos de lagos, represas
e açudes, e podem ser influenciados pela temperatura
atmosférica, velocidade e direção do vento (Saraiva e
Melo-Junior, 2019).
O que causa esse processo, quando e
como ocorre?
No Brasil cada região possui um comportamento
climatológico diferenciado, mas os principais fenômenos
responsáveis por originar a CV são a temperatura
do ar, velocidade e direção do vento, regime de precipitação
pluviométrica e a ocorrência de frentes frias. O
aquecimento diurno da atmosfera aquece o vento que
em sequência aquece a camada superficial da água, ao
longo do tempo a superfície aquecida transfere calor
para a meia água, a qual em dado momento também
transfere calor para água profunda. Nessa transferência
de calor a temperatura decresce da superfície ao
fundo.
A diferença térmica nas três camadas altera a densidade
da água, a qual é inversamente proporcional a
temperatura. O diferencial de temperatura e densidade
impedem a mistura das camadas de água, caracterizando
a estratificação e o epilímnio, metalímnio e
hipolímnio (Figura 02 A).
No resfriamento atmosférico circula vento frio sobre
a superfície da água, resfriando-a e tornando-a mais
densa provocando afundamento e mistura de água entre
epilímnio e metalímnio. O contínuo resfriamento
superfícial aumenta a densidade e a mistura atingindo o
hipolímnio desestratificando o ambiente (Figura 02 B).
O vento também desloca as águas superficiais,
esse transporte chama-se circulação horizontal (CH).
Quando a água empurrada atinge a margem oposta,
esta empurra a água do local para baixo causando circulação
de água (Figura 03 A e B).
Circulação vertical (CV) e
pisciculturas em tanques-rede
Para a piscicultura em tanque-rede a CV é de extrema
importância, pois a circulação das águas superficiais
oxigenadas pela fotossíntese transporta O 2
para
as águas mais profundas permitindo maior oxigenação
da água e decomposição aeróbica da matéria orgânica
excedente no sedimento.
Porém quando a CV ocorre de forma mais pronunciada
ela é conhecida como circulação vertical turbulenta
(CVT).
A estratificação antecede a ocorrência de uma CVT,
porém a mudanças intensas e repentinas das condições
físicas da atmosfera, queda de temperatura e vento
influenciam as condições físicas e químicas da água,
promovendo uma circulação de forte impacto, removendo
sedimento, transportando-os pela coluna de
água até que se espalhem pelo epilímnio, onde estão
posicionados os tanques-rede, tornando o ambiente
turbulento e inadequado a sobrevivência dos peixes
(Figura 4 A e B).
12
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 2. A) Variação térmica determinante da estratificação do ambiente; B) Variação térmica determinante da desestratificação do
ambiente. Adaptado de: Tundisi e Tundisi (2008).
A. B.
Figura 3. A) Ação do vento na condição de ambiente estratificado; B) Ação do vento na formação de desestratificação. Adaptado de:
Tundisi e Tundisi (2008).
A. B.
Figura 4. A) Variações térmicas e eólicas diurnas determinantes da estratificação da coluna de água; B) Variações térmicas e eólicas
noturnas determinantes da circulação vertical turbulenta. Adaptado de: Araújo e Melo Júnior (2019) e Sistema integrado de dados
ambientais - SINDA/INPE.
A. B.
JAN/MAR 2021
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JAN/MAR 2021
Os impactos resultantes de CVT
podem ocorrer na seguinte ordem:
I. Alterações drásticas da temperatura do epilímio
causada por resfriamento atmosférico. Estas alterações
podem não levar a morte dos animais, mas, dependendo
da intensidade, poderão ser extremamente
prejudiciais para a saúde e desempenho dos mesmos,
levando ainda a diminuição do consumo de ração enquanto
ocorrer o fenômeno;
II. O transporte de sedimento até a superfície de
água, promove alterações que iniciam simultaneamente,
porém com efeitos e velocidades diferenciadas. Os
peixes nos tanques-rede, sem possibilidade de fuga, estão
submetidos a exposição prolongada desses impactos
e a sequência de alterações metabólicas:
• Alteração da cor, transparência, turbidez e
odor da água, ficando amarronzada e com “cheiro de
ovo podre”. Esses impactos foram verificados em eventos
de mortalidade em pisciculturas (Melo Júnior, Dias
e Vasconcelos, 2019) e em reservatórios de São Paulo
(Chiba et al., 2009);
• (NH 3
) íon amônia e (NO 2
) nitrito, gases resultantes
da decomposição aeróbica e importantes no
ciclo de nutrientes, porém em altas concentrações são
tóxicos. A NH 3
também é o produto da excreção dos
peixes, que ocorre por difusão, portanto, altas concentrações
de NH 3
na água impedem a excreção dos peixes,
intoxicando-os por excesso de NH 3
no sangue e tecidos.
O NO 2
em altas concentrações na água pode ser
absorvido pelas brânquias e inibir a respiração dos peixes,
nesse caso, é formado a metahemoglobina, “doença
do sangue marrom”, oxidando o ferro da hemoglobina
e impedindo a fixação do O 2
no sangue, o peixe
morre por anoxia mesmo a água tendo O 2
a disposição;
• (H 2
S) gás sulfídrico ou sulfeto e (CH 4
) metano.
São gases resultantes da decomposição anaeróbica,
provoca “cheiro de ovo podre na água” e são potencialmente
tóxicos aos peixes, a absorção branquial resulta
rápido efeito letal.
• Diminuição das concentrações de O 2
por
decomposição aeróbica da matéria orgânica transportada
na CVT e, em seguida, a cor e transparência reduzem
a taxa de fotossíntese. Os efeitos da hipoxia e
anoxia sobre os peixes, em maioria, ocorrem secundariamente
às intoxicações acima mencionadas;
• Sinais visuais de intoxicação dos peixes no
cultivo, conforme os piscicultores: letargia, perda de
apetite, natação desorientada, tentativa de respirar ar
atmosférico “beber ar” e óbito (Melo Júnior, Dias e Vasconcelos,
2019);
III. Fuga de peixes nativos livres, estes procuram
áreas menos impactadas ou sem impactos;
Registros de CVT em ambientes com
cultivo de peixes em tanques-rede
Eventos de mortalidade por CVT em pisciculturas
em tanque-rede ocorreram em vários açudes, dos
quais: Olho D’água em Várzea Alegre, Ceará (Santos
et al., 2013); Rosário em Lavras da Mangabeira, Ceará
(Melo Júnior, 2017); Umari em Upanema, Rio Grande
do Norte (Henry-Silva, Melo Júnior e Attayde, 2019);
Sítios Novos em Petencostes, Ceará (Oliveira et al.,
2011; Araújo e Melo Júnior, 2019).
Araújo e Melo Júnior (2019) analisaram os dados
meteorológicos do evento de mortalidade em pisciculturas
do açude Sítios Novos. Por meio dos registros meteorológicos,
os autores constataram que entre a tarde
e manhã dos dias 01/05/11 e 02/05/11, houve queda
de 8,7°C na temperatura do ar, resfriando o epilímnio,
e entre 21:00 e 00:00 ocorreu direcionamento da corrente
de vento, em sentido semelhante e com variação
da velocidade entre 3,5 a 1,0 m/s (Figura 06 A a D).
Essas variações determinaram a formação da CVT,
fato também confirmado pelas informações etnolimnológicas
dos piscicultores, sobre as alterações da
água, relatadas em Oliveira et al. (2011). Igualmente as
ocorrências verificadas nos açudes Olho D’água, Rosário
e Umari, citados acima. Chiba et al. (2009), Tundisi
et al. (2010), Melo Júnior (2017) e Silva e Melo Júnior
(2018) reconhecem que ventos de pouca velocidade,
porém na mesma direção por longo tempo, contribuem
fortemente na formação da CVT.
Como ocorridos em outros açudes, no açude Sítios
Novos ficou evidenciado o efeito localizado da
CVT dentre as duas áreas de cultivo, monitoradas PP2
e PC3 (Figura 06), porém só ocorreu mortalidade em
uma das pisciculturas (PP2). Possivelmente o relevo e
morfometria minimizaram a influência térmica e eólica
na área de piscicultura que não teve mortalidade (PC3)
de maneira que não sofreu os impactos ambientais causados
pela CVT mantendo os peixes cultivados ilesos.
Na região Sudeste e Sul do país os eventos de CVT
são principalmente impulsionados por passagens de
frentes frias (FF), estas atuam alterando as condições
térmicas e eólicas que modificam a estrutura da coluna
de água nos reservatórios, os quais possuem períodos
caracterizados de estratificação e desestratificação.
No período de estratificação, durante a passagem
da FF (Figura 7), e cerca de 2 a 3 dias após, o aquecimento
diário das camadas superiores é enfraquecido e
a coluna d’água se torna mais homogênea, com temperaturas
aproximadas de 24°C (Figura 8). Já no período
de mistura, o mesmo fenômeno ocorre, porém com
menores amplitudes térmicas. Entretanto as maiores
14
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 5. A) Variação de temperatura do ar e velocidade do vento na CVT; B) Direção do vento no final da tarde. Fonte: Araújo e Melo
Júnior (2019)
A. B.
Figura 6. A) e B) Direcionamento do vento atuando na formação da CVT. Fonte: Araújo e Melo Júnior (2019)
A. B.
misturas da coluna da água promovida por FF neste
período podem diminuir a temperatura de superfície
da água a aproximadamente 22°C (Araújo et al., 2017).
O período ideal para cultivo da tilápia em Furnas
parece ser o verão (período de estratificação) pois durante
o inverno (período de mistura), as temperaturas
da superfície da água chegaram a valores abaixo dos
22°C, podendo levar a mortalidade ou estressar os
peixes, diminuindo a produção.
O monitoramento de parâmetros meteorológicos
pode ajudar no monitoramento ambiental da aquicultura,
pois com a maior ocorrência de FF no período de
mistura, flutuações térmicas tendem a ocorrer influenciando
diretamente o desempenho dos peixes em cultivo,
evitando sobras de ração e mortalidades em massa.
Apesar da ocorrência de FF ser menor no verão,
os efeitos desta na qualidade da água e na mistura
térmica são mais danosas. Como o verão é a época
de maior produção, o monitoramento da ocorrência
das FF pode ser um ótimo instrumento para apoiar
o manejo adequado, diminuindo perdas no processo
produtivo e evitando impactos ambientas. Por outro
lado, a passagem da FF aumenta o poder de diluição
nos braços do reservatório por causar uma mistura
parcial da coluna d’água, beneficiando as áreas de cultivo
(Araújo et al., 2017).
Tundisi et al. (2010) relatam caso de CVT ocorrida
no lago Catalão localizado em Manaus-AM em maio de
2006, sendo causado por passagem de FF ocasionando
diferencial de temperatura, mistura completa da coluna
d’água, liberação de H 2
S, redução da concentração
de O 2
e provocou a mortalidade de peixes do lago.
JAN/MAR 2021
15
Figura 7. Realce em vermelho do reservatório de Furnas mais especificamente no município de Guapé (MG) e momento de registro da
passagem da frente fria em 23, 24 e 25 de julho de 2014 (A, B e C respectivamente). Fonte: Araújo et al. (2017).
A. B. C.
Figura 8. Distribuição vertical diária da temperatura da água (Tw), A e C durante a passagem da frente fria e 3 dias após, e B e D
sem a influência da frente fria, em período de estratificação (A e B) e mistura (C e D). Fonte: Araújo et al. (2017).
A. B.
C. D.
JAN/MAR 2021
Conclusão
A identificação e compreensão dos sistemas meteorológicos
com suas influências na dinâmica limnológica
como circulação vertical, propriedades físicas
e químicas e seus resultados sobre a qualidade
da água, são ferramentas importantes para o manejo
e sustentabilidade da piscicultura em tanque-rede
em ambientes como lagos, açudes e reservatórios.
O verão representa a possibilidade de maior impacto
causado por CVT, nesse período sazonal ocorre
o maior diferencial de temperatura no meio aquático
determinado pelos fenômenos causadores da CVT,
tornando-a mais intensa, sendo essa condição comum
aos açudes do Semiárido e reservatórios de todo Brasil.
O monitoramento das passagens de FF, nas regiões
Sul e Sudeste e a transição entre verão e inverno no
Semiárido são fatores cruciais para o monitoramento
da piscicultura em reservatórios e açudes. Portanto,
há que haver muito investimento em estudo e tecnologia
de monitoramento que atendam às necessidades
da piscicultura em tanque-rede, tanto para grandes,
médios como para pequenos produtores.
Consulte as referências bibliográficas em
www.aquaculturebrasil.com/artigos
16
PARCEIROS NA 22° ED:
17
JAN/MAR 2021
JAN/MAR 2021
© Pedro Henrique Magalhães Cardoso
18
PARCEIROS NA 22° ED:
Cuidados mínimos em um
quarentenário credenciado
para importação de organismos
aquáticos ornamentais para impedir
a introdução e disseminação de
patógenos
Pedro Henrique Magalhães Cardoso
Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal
Faculdade de Medicina Veterinária - FMVZ
Universidade de São Paulo - USP
pedrohenriquemedvet@usp.br
A
aquariofilia é um importante segmento na
indústria de animais de companhia. Países
desenvolvidos como Estados Unidos, Japão
e alguns países da Europa apresentam um maior volume
desse mercado, fazendo
com que os peixes sejam a
categoria pet mais prevalente
nos domicílios no mundo,
ficando na frente de cães,
gatos e outros animais de
estimação. No Brasil, o cenário
é um pouco diferente,
pois os peixes estão em
quarto lugar na categoria de
animais de estimação presente
nos domicílios, ficando,
portanto, atrás de cães,
gatos e aves (AbinPet 2021).
Em todo o mundo são
em média 4500 espécies
de água doce (dos quais
mais de 90% já são criados
em pisciculturas) e 1450 de
água salgada (dos quais cerca de 95% ainda extraídos
de ambientes naturais). A grande maioria dos peixes
são provenientes de países em desenvolvimento
como Brasil, Colômbia, Filipinas, Indonésia, Malásia,
Nigéria, Peru, Quênia, Sri Lanka e outros dos quais
são exportados para diversos países desenvolvidos
do globo (Whittington; Chong, 2007).
Esse movimento de
translocação através de
importação, exportação
e distribuição permite
que animais cheguem
em uma outra região
totalmente diferente
da original e podendo
muitas vezes se
reproduzir com muito
sucesso e eficiência no
novo local. A exemplo
no Brasil temos a
Zona da Mata de
Minas Gerais, que é o
principal polo produtor,
com quase a totalidade
de animais exóticos
(Cardoso; Balian, 2018)
como Betta splendens, Carassius auratus, Cyprinus
carpio, Puntius tetrazona, Xiphophorus maculatus,
Trichopodus leerii entre inúmeros outros (figura 1).
A nível mundial, os
peixes são a categoria
pet mais prevalente nos
domicílios, ficando à
frente de cães, gatos
e outros animais de
estimação.
JAN/MAR 2021
19
Figura 1. Principais peixes ornamentais exóticos reproduzidos na Zona da Mata de Minas Gerais: Betta splendens (A), Carassius
auratus (B), Cyprinus carpio (C), Puntius tetrazona (D), Xiphophorus maculatus (E) e Trichopodus leerii (F).
© Pedro Henrique M. Cardoso
JAN/MAR 2021
Quarentenários credenciados para
importação de peixes ornamentais
Para que um peixe ornamental seja importado é
obrigatório que ele seja submetido a um período mínimo
de quarentena (figura 3) antes de serem comercializados
para lojas e consumidores finais. No Brasil, o
credenciamento de quarentenários para importação
de organismos aquáticos para fins ornamentais
é de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA) (Brasil, 2015).
O quarentenário deve ter requisitos mínimos
para a aprovação da licença e deve
funcionar sob responsabilidade técnica de
um médico-veterinário, que deve monitorar
os animais durante todo o período de
quarentena com o intuito de impedir a introdução
e disseminação de doenças transfronteiriças. Até
a data de redação deste artigo o Brasil possuía um
total de 24 quarentenários credenciados (figura 2)
para importação de organismos aquáticos com fins
ornamentais distribuídos pelas regiões do Brasil (última
atualização 12/06/2020) (Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento, 2020).
A autorização para importação das espécies de
peixes é de competência do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA),
que possui legislações específicas com listas de espécies
que são permitidas para importação. Desde 2017
o órgão também apresenta listas de peixes de água
doce e peixes de água salgada cuja importação será
negada com a devida justificativa como por exemplo
quando se tratar de uma espécie com potencial de
invasão (Ibama, 2018).
Figura 2. Distribuição dos
quarentenários credenciados
para importação de peixes
ornamentais com fins
comerciais.
1 quarentenário
2 quarentenários
6 quarentenários
15 quarentenários
20
PARCEIROS NA 22° ED:
A translocação de animais
aquáticos e o aparecimento
de doenças
A translocação de animais aquáticos
permite também que outros organismos
venham de “carona” com os peixes,
logo, o comércio e circulação de
animais vivos, sem o cumprimento de
procedimentos técnicos padronizados
e seguros, pode possibilitar a disseminação
de inúmeros agentes causadores
de doenças infecciosas e parasitárias. E
muitas vezes as doenças podem causar
sérios problemas sanitários em regiões
indenes e ser responsável por prejuízos
econômicos irreparáveis (Oata, 2008).
Em 2015, Cardoso e colaboradores
relataram em São Paulo, a ocorrência do
gênero Megalocytivirus causando mortalidade
de 94% em piranhas vermelhas
(Pygocentrus nattereri) após serem
alimentadas com guppies (Poecilia reticulata).
Amostras dos mesmos guppies
que não entraram em contato com as
piranhas também foram submetidos para
diagnóstico e positivo para o vírus. Os
gupppies não manifestavam a doença,
sugerindo os autores que possa ter ocorrido
transmissão horizontal da doença para as espécies
nativas. Outros autores também detectaram o mesmo
vírus em diversas outras espécies de peixes ornamentais
cultivados aparentemente saudáveis, sugerindo desse
modo que alguns peixes possam servir como reservatório
do vírus (Cardoso et al., 2017a). O mesmo vírus foi
detectado em diversas pisciculturas produtoras de tilápias
em regiões do Brasil (Panorama da Aquicultura, 2020).
Cardoso e colaboradores também relataram a presença
de Neobenedenia melleni parasitando a pele e região
ocular (figura 4) de Pomacanthus asfur, Pomacanthus
Figura 3. Peixes ornamentais de água salgada em quarentena em um
quarentenário credenciado para importação.© Pedro Henrique M. Cardoso
maculosus, Pygoplites diacanthus e Chaetodon semilarvatus;
Macrogyrodactylus sp. parasitando a pele e região
ocular de Polypterus palmas; Uronema sp. infectando
pele e órgãos internos (figura 5) de Chromis viridis, Chromis
vanderbilti, Heniochus acuminatus, Apolemichthys
trimaculatus, Apolemichthys xanthopunctatus, Pseudanthias
squamipinnis, Pseudochromis fridmani, Chaetodon
auriga, Chaetodon vagabundus, Chaetodon semilarvatus;
Haliotrema aurigae parasitando brânquias de Chaetodon
rainfordi; Cryptocaryon irritans parasitando pele de Zebrasoma
xanthurum. Sendo todas as espécies de peixes
citadas acima importadas
e os patógenos detectados
ainda na quarentena ou pós
quarentena (Cardoso et al.,
2017b, 2018, 2020a, 2020b).
JAN/MAR 2021
Figura 4. Peixe Anjo
(Pomacanthus asfur)
apresentando opacidade
de córnea (A) causado pelo
parasita Neobenedenia
melleni (B). © Pedro
Henrique M. Cardoso
21
JAN/MAR 2021
Figura 5. Peixes ornamentais de diferentes
espécies e famílias com lesões hemorrágicas
causado pelo parasita Uronema spp.
© Pedro Henrique M. Cardoso
Em aquicultura, biosseguridade
é um termo que se refere às medidas
aplicadas para reduzir a probabilidade
da disseminação e impactos
causados por agentes ou organismos
biológicos a um indivíduo, população
ou ecossistema, logo, a
falta de biosseguridade também
restringe o desenvolvimento e a
sustentabilidade de setores da aquicultura
por perdas na produção e
aumento nos custos operacionais e,
indiretamente, através de restrições
no comércio e impactos na biodiversidade
(Cardoso; Balian, 2018).
Portanto para impedir a introdução
e disseminação de patógenos e doenças
é muito importante que os
envolvidos na importação e exportação
de peixes ornamentais adotem
práticas de biosseguridade a
começar pela quarentena (figura 6).
Cuidados mínimos que
devem ser seguidos antes
e durante o período de
quarentena para impedir
a introdução, multiplicação
e disseminação de
doenças
Antes que os animais cheguem
do local de origem é necessário
que o importador no Brasil juntamente
com o médico-veterinário
responsável técnico se certifique
que a quarentena esteja cumprindo
não só os requisitos mínimos exigidos
em legislação, mas que uma série
de outras medidas sejam adotadas
pela empresa com o intuito de
manter o mínimo de bem estar animal
e biosseguridade. É primordial
que os equipamentos estejam funcionado
corretamente, que a água
esteja com parâmetros de qualidade
adequado às espécies que vão
receber, que a alimentação já tenha
sido providenciada, assim como ter
em estoque bactérias benéficas do
ciclo do nitrogênio, responsáveis
pela remoção de amônia e nitrito,
dois principais elementos responsáveis
por intoxicação e morte.
Na maioria das vezes os animais
chegam em embalagens com
água e espaço limitado, devido o
valor do frete da carga que praticamente
triplica o valor dos indivíduos
ao importador. Devido ao
espaço limitado há um aumento
nas concentrações de amônia na
embalagem, brânquias e corrente
sanguínea podendo causar intoxicação,
estresse e morte. Não
é raro, uma taxa de mortalidade
elevada na chegada à quarentena.
Na minha experiência há 10 anos
como responsável técnico em quarentenários
credenciados, vi taxas
de mortalidade que variaram de 0 a
16 % em cargas liberadas em situações
normais e no tempo previsto.
Porém em cargas com erros na
documentação e indeferimento da
liberação, já vi animais ficarem retidos
por mais de 5 dias até a resolução
do problema, culminando em
55% de mortalidade. O restante
dos animais dessa mesma carga que
chegaram, muitos ficaram doentes
(figura 7) devido ao severo estresse
que sofreram devido às más condições
de qualidade de água na embalagem
que estavam acondicionados.
Nos dias posteriores à chegada
é comum observar picos de amônia;
por isso é necessário estar
precavido de todos os problemas
que possam acontecer, para que
não haja surpresas desagradáveis
durante o período de quarentena.
O processo longo de viagem
gera bastante estresse, que tem
como efeito a diminuição no sistema
imunológico dos peixes. E é
22
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 6. Exemplar de Protopterus spp. (peixe pulmonado) que sobreviveu após 5 dias retido no aeroporto. Na foto há
múltiplas lesões causadas pelo fungo aquático Saprolegnia spp. © Pedro Henrique M. Cardoso
desta forma que muitos patógenos, alguns com caráter
oportunista podem aparecer. Logo na entrada
na quarentena é possível administrar banhos de água
doce em peixes de água salgada, para remoção de
possíveis ectoparasitas como Neobenedenia melleni e
outras monogêneas. Em peixes de água doce, recomenda-se
a adição de sal para diminuir o gasto energético
na osmoregulação sobrando energia para o peixe
Figura 7. Peixes
ornamentais de
diferentes espécies
e famílias com
lesões hemorrágicas
causado pelo
parasita Uronema
spp.
© Pedro Henrique
M. Cardoso
se recuperar e lutar contra possíveis patógenos. Além
disso o monitoramento deve ser diário para detectar
possíveis agentes causadores de doenças, e caso necessário
o uso de agentes terapêuticos (grande desafio
na aquicultura no Brasil) que deverá ser solicitado
aprovação pelo Serviço de Saúde Animal do MAPA.
A utilização de filtros de luz ultravioleta e a ozonização
da água (figura 8), dois equipamentos que
JAN/MAR 2021
23
Figura 8. Filtros de luz ultravioleta e aparelho gerador de ozônio instalados em uma quarentena credenciada para importação de
peixes para desinfecção da água. © Pedro Henrique M. Cardoso
JAN/MAR 2021
sob meu ponto de vista são fundamentais em uma
quarentena e deveriam ser obrigatórios. O filtro de
luz ultravioleta tem um poder biocida e é muito eficaz
para diminuir a pressão exercida pelos patógenos nos
peixes, principalmente no que diz respeito às bactérias.
O acúmulo de matéria orgânica na água, favorece
a proliferação de inúmeros agentes causadores de
doenças como os protozoários Uronema, Tetrahymena,
Tricodina e outros que podem causar doenças em
peixes. A ozonização da água é responsável por fazer
a quebra da matéria orgânica, deixar a água mais limpa
e cristalina potencializando o poder biocida do filtro
de luz ultravioleta contra os patógenos circulantes.
Todos os pontos
discutidos
anteriormente devem
ser supervisionados
pela empresa e por seu
responsável técnico.
Conclusão
A translocação de animais aquáticos possibilita a introdução
e a disseminação de doenças em diferentes
regiões do Brasil e do mundo e para que isso não aconteça,
cuidados devem ser empregados antes e durante o
período de quarentena. Ações, como banhos terapêuticos
e o tratamento da água de recirculação com filtro
de luz ultravioleta e ozonização são eficazes no controle
de patógenos causadores de doenças em peixes e recomendo
fortemente a utilização. Todos os pontos discutidos
anteriormente devem ser supervisionados pela empresa
e por seu RESPONSÁVEL TÉCNICO. Qualquer
prática IRRESPONSÁVEL, ilícita e fora da lei deve ser
denunciada (mediante provas e evidências) aos órgãos
reguladores que poderá submeter o estabelecimento
quarentenário a sanções administrativas que vai desde
a suspensão ao cancelamento do credenciamento.
Consulte as referências bibliográficas em
www.aquaculturebrasil.com/artigos
24
PARCEIROS NA 22° ED:
25
JAN/MAR 2021
JAN/MAR 2021
© Jéssica Brol | Aquaculture Brasil
26
PARCEIROS NA 22° ED:
Uso de plantas Halófitas na
aquicultura: Do tratamento de
efluente à alimentação animal
*Manuel Macedo de Souza e César Serra Bonifácio Costa
Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Instituto de Oceanografia (IO)
Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH)
Rio Grande, RS
*mcsouza@furg.br
Já imaginou a possibilidade de tratar o efluente
de cultivo, alimentar os animais, gerar energia
elétrica e reduzir custos
com uma cajadada só? As
plantas halófitas podem tornar
isso uma realidade.
Os vegetais mais cultivados
e consumidos no Brasil
(como a alface, a couve, a
batata, o aipim, entre outros)
precisam de água doce para
o seu melhor crescimento
(< 3,0 dS m -1 ou < 2 g
NaCl L -1 ) e consequemente,
seu cultivo. Essas plantas
são classificadas como plantas
glicófitas (Grego, glico =
açúcar/doce; fitas/phyton =
planta). Por outro lado, ainda
não muito populares e muitas
vezes classificadas como
plantas alimentícias não convencionais
(PANCs), existe
outro grupo de plantas que
consegue passar por todo o
O desenvolvimento
de carcinicultura em
águas oligohalinas,
principalmente oriundas
de poços e rios,
forneceu novas fronteiras
para a carcinicultura
mundial.
seu ciclo de vida (germinação, crescimento e reprodução)
sobre a influência de águas salinas ou salobras.
Ou seja, são plantas que podem
ser cultivadas com água salgada.
Para essas plantas damos o nome
de plantas halófitas (Grego, halo
= sal) (Nikalje et al., 2018).
As plantas halófitas são naturalmente
encontradas nos
ambientes costeiros que sofrem
influência constante ou periódica
da água do mar e da maresia
(spray marinho), e em locais
do interior fortemente afetados
pela seca (Costa; Herrera,
2016b). No Brasil, os ambientes
que se destacam na quantidade
e biodiversidade de plantas halófitas
são os manguezais (e.g. o
mangue vermelho, Rhizophora
mangle), marismas (e.g. Spartina
alterniflora), dunas costeiras
(e.g. Sporobulus virginicus) e planos
salinos do semiárido nordestino
(e.g. Sesuvium portula-
JAN/MAR 2021
castrum). Embora sejam diferentes, as plantas halófitas
desses ambientes apresentam algumas características
semelhantes entre si e com plantas halófitas de outras
regiões salgadas do mundo, como no Oriente Médio
e França (Albuquerque et al., 2014; Costa; Herrera,
2016a). Mas...
Como isso é
possível?
Ao longo da sua evolução as plantas halófitas desenvolveram
adaptações em suas partes interna e externa
para tolerar o estresse salino (Rozema; Schat,
2013). Embora cada espécie tenha suas singularidades,
os mecanismos funcionais das plantas são bem
semelhantes. Mas a quantidade de adaptações que
essas plantas obtiveram foi dependente da salinidade
do ambiente onde viviam. Ou seja, quanto mais estresse
as plantas sofriam, maior deveria ser o número
de adaptações – características favoráveis para sobrevivência
e fecundidade. Era adaptação ou morte!
O halofitismo, que é o grau de tolerância a salinidade,
é bem diversificado e altamente dependente
do ambiente de desenvolvimento dessas plantas.
Assim, dependendo do grau de tolerância a salinidade,
as plantas halófitas podem ser classificadas desde
plantas halotolerantes, que toleram água com
baixa salinidade, até as halófitas extremas, que toleram
condições hipersalinas, isto é, mais salgadas que
a água do mar (Costa, 2006; Duarte et al., 2013).
Falamos até agora como as plantas halófitas evoluíram.
Mas...
O quê elas têm
de bom?
Vários compostos são produzidos pelas plantas halófitas
para tolerar o estresse salino, como alguns açucares
(como o sorbitol), aminoácidos (como a prolina)
ácidos graxos poli-insaturados, flavonoides, polifenóis
e carotenoides. Compostos que além de serem utilizados
pelas plantas halófitas para tolerar o estresse
salino, são importantes para alimentação animal e humana,
além de possuírem atividades biológicas, como
capacidade antioxidante, anti-inflamatória, bactericida,
vermífuga, entre outras (Barreira et al., 2017; Costa
et al., 2014; Costa, 2006; D’Oca et al., 2012; De
Souza et al., 2018a, 2018b, 2020; Katiki et al., 2013;
Ksouri et al., 2009; Tomazelli Junior et al., 2017).
Figura 1. Halófitas de diferentes espécies:
Spartina
alterniflora.
© César Costa
Sesuvium
portulacastrum.
© César Costa
Schinus
terebinthifolius.
© Manuel M. de
Souza
28
PARCEIROS NA 22° ED:
Se as plantas halófitas são
tão boas, porque não as
conhecemos?
Na realidade, as plantas halófitas são utilizadas pelo
ser humano a muitos séculos, tendo registro de uso
há mais de 5000 anos na medicina indiana (Arya et
al., 2019). A grande popularização destas plantas começou
em países com pouca disponibilidade de água
doce, como os países do oriente médio. Os Emirados
Árabes Unidos, por exemplo, têm grande investimento
no desenvolvimento da agricultura salina e produção
de biodiesel a partir das sementes de Aspargo marinho
(plantas dos gêneros Salicornia e Sarcocornia, também
consumidas como sal-verde, vegetais frescos ou em
conserva), e gramados de campos de golfe e futebol
com mudas de Paspalum vaginatum. Já a Quinoa (Chenopodium
quinoa) começou a ser consumida na região
dos grandes lagos salgados da América Latina (Bolívia,
Colômbia, Equador e Peru) há mais de 4 mil anos e
hoje se popularizou em dietas com baixas calorias,
utilizadas para o emagrecimento (Centofanti; Bañuelos,
2019; Panta et al., 2014). Hoje, plantas halófitas
são utilizadas para alimentação humana (como vegetais
frescos, em conserva ou como condimentos), alimentação
animal, na produção de biocombustíveis, como
plantas ornamentais e paisagismo, na produção de medicamentos,
na produção de bebidas fermentadas etc
(Abdelly et al., 2007).
Além de tudo isso, novas características e funcionalidades
das, e para, as plantas halófitas estão sendo
descobertas a todo o momento. Uma que nos deixou
bastante entusiasmados é a descoberta que, embora
ainda sejam resultados obtidos em experimento com
ratos e ovelhas, os aspargos marinho do gênero Salicornia
herbacea e S. neei têm a capacidade de impedir que
estes animais acumulem gorduras (Pichiah; Cha, 2015;
Arce et al., 2016). Sim, isso mesmo. Imagine que mesmo
comendo aquela picanha cheia de gordura no final
de semana, a ingestão da planta poderia impedir que
acumulemos parte dessa gordura. Isso não seria sensacional?
Num ramo totalmente diferente, estudos ainda
preliminares demostram que é possível gerar energia
nas raízes de plantas halófitas cultivadas em hidroponia.
Resumidamente, este sistema de geração de energia
consiste na oxidação de compostos liberados pelas raízes
das plantas por bactérias (Wetser et al., 2015).
Figura 2. a) Cultivo de quinoa com águas salinas em área desértica do International Center for Biosaline
Agriculture (Dubai, Emirados Árabes Unidos). © Kennia Doncato; b) Aspargo marinho (S. neei) produzidos com efluentes
de aquicultura pelo Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH, FURG) e embalados para envio à restaurantes em Porto
Alegre (RS). © César Costa
a
b
JAN/MAR 2021
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Figura 3. Cultivo de Aspargo marinho (Salicornia neei) com água subterrânea salina no município de Ocara (CE).
© César Costa
JAN/MAR 2021
E como as plantas
halófitas são utilizadas na
aquicultura?
Há algum tempo as plantas halófitas já são utilizadas
na fitorremediação dos efluentes salinos da aquicultura
(Fierro-Sañudo et al., 2020), seja em tanques
de decantação ou em wetlands, por exemplo. Sendo
também utilizadas para fixação das paredes dos tanques
de cultivo ou canais de irrigação. No entanto,
utilizações mais nobres vêm sendo estudadas!
Embora ainda à nível acadêmico, o extrato da
grama bermuda (Cynodon dactylon) demonstrou ter
a capacidade de proteger o camarão marinho Litopenaeus
vannamei contra o vírus da mancha branca
(WSSV - white spot syndrome vírus). Além de auxiliar
na saúde, as plantas halófitas também podem ser utilizadas
na alimentação dos animais cultivados. Os aspargos
marinhos S. bigelovii e S. neei por exemplo, já
foram utilizados para a alimentação de tilápias do Nilo
(Oreochromis niloticus) e camarões marinhos (Litopenaeus
vannamei), respectivamente (De Souza, 2018;
Ríos-Duran et al., 2013), alcançando desenvolvimento
zootécnico iguais aos dos animais alimentados com
uma ração tradicional.
Se pensarmos que as plantas halófitas podem ser
produzidas com o efluente do próprio cultivo, damos
mais um passo para alcançar uma aquicultura com economia
circular. E por fim, e não menos importante, o
uso de aspargo marinho S. neei também proporcionou
a diminuição de 40% do custo da ração (De Souza,
2018) no cultivo experimenral do camarão marinho
L. vannamei. Sabendo que o custo com a alimentação
dos animais é muito alto, reduzir este gasto pode
aumentar significativamente os lucros da produção.
Os aspargos marinhos
S. bigelovii e S. neei
por exemplo, já foram
utilizados para a
alimentação de tilápias
e camarões marinhos,
os quais obtiveram
desempenho zootécnico
igual ao dos animais
alimentados com ração
tradicional.
30
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 4. Aspargo marinho (S. neei) cultivados com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de bioflocos
(BFT). © César Costa
Figura 5. Aspargo marinho (S. neei) cultivados em sistema NFT (nutrient film technique) com efluentes de
piscicultura marinha© César Costa
Figura 6. Paspalum vaginatum (capim arame) cultivados
com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de
bioflocos (BFT).© Manuel M. de Souza
Neste artigo falamos um pouco das características
excepcionais das plantas halófitas e os seus
usos atuais na aquicultura. Contudo, as possibilidades
de uso futuro são infinitas. Embora pareça
uma realidade distante, acredito que conseguiremos
desenvolver tecnologias que possam fitorremediar
o efluente, alimentar os animais e gerar
energia para o sistema de cultivo com as plantas
halófitas de forma simultânea e integrada. Sei que
pode parecer uma realidade bem distante, mas o
futuro é logo ali.
JAN/MAR 2021
Consulte as referências bibliográficas em
www.aquaculturebrasil.com/artigos
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JAN/MAR 2021
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PARCEIROS NA 22° ED:
Panorama da Quelonicultura
no Brasil – uma estratégia para
conservação das espécies e geração
de renda
¹Paulo Cesar Machado Andrade*, ²Janderson Rocha Garcez, ³Aldeniza Cardoso
de Lima, 4 João Alfredo da Mota Duarte, 4 Thiago Luiz Ferreira Anízio, 4 Wander
da Silva Rodrigues, ²Anndson Brelaz de Oliveira e 5 Hugo Ricardo Bezerra Alves
¹Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Laboratório de Animais Silvestres
Manaus, AM
*pandrade@ufam.edu.br
²Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Amazonas (IFAM)
³Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Instituto de Ciências Biológicas
4
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Programa Pé-de-pincha
5
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Roraima (IFRR)
Quelônios são um
dos grupos de répteis
mais antigos
(240 milhões de anos) com
uma carapaça protegendo seu
corpo. Das 360 espécies atualmente
reconhecidas em todo
mundo, 61% estão ameaçadas
(Rhodin et al., 2018; Stanford
et al., 2020). A criação de
quelônios ou quelonicultura é
uma estratégia de conservação
com potencial para minimizar
o impacto da demanda
comercial de quelônios sobre
as populações da natureza.
A criação de tartarugas de
água doce é um componente
importante da aquicultura de
muitos países asiáticos. Produtos
de quelônios estão em
alta demanda na Ásia, impulsionados
pela combinação
A quelonicultura é
uma estratégia de
conservação com
potencial para minimizar
o impacto da demanda
comercial de quelônios
sobre as populações da
natureza.
de antigos hábitos arraigados
as tradições orientais (culinária
e medicina chinesa) e a expansão
econômica da China. A
produção de tartaruga chinesa
(Pelodiscus sinensis) para abate
e consumo, incrementada por
novas técnicas e intensificação
dos cultivos, cresceu, nos últimos
anos, de 92 para mais de
350 mil toneladas/ano na China,
equivalendo a 1% de sua produção
aquícola total dos cultivos
em água doce. Mesmo assim,
para atender a demanda, a importação
de quelônios ou partes
deles para consumo foi de
cerca de 323-2010 toneladas/
ano de carne (2.243.100 exemplares)
e 76 toneladas de carapaças,
entre 1998 e 2004 (Haitou
et al., 2008; Zhou e Jiang,
2008; Shao e Lucas, 2019).
JAN/MAR 2021
33
Figura 1. Criação de quelônios em canal de igarapé, Sítio 3 irmãos, Iranduba/AM. © Paulo Cesar Machado Andrade
JAN/MAR 2021
Entretanto, em todo mundo, a criação de quelônios
se concentra mais no seu valor como animais de
estimação (pet), sendo que a quelonicultura para esses
fins se desenvolveu, inicialmente nos EUA, com a
exportação de 8 milhões de tigres d’água (Trachemys
scripta) principalmente para Europa e Sudeste Asiático,
o que correspondia a 85% do comércio mundial de
tartarugas na segunda metade do século XX. Atualmente,
os maiores exportadores de quelônios para
pet são a Malásia, EUA e Indonésia, sendo os maiores
importadores a China, os EUA e o Japão, com a venda
de mais de 2 milhões de filhotes nos últimos 10 anos,
principalmente de quelônios terrestres (Testudinidae,
35%) e semiaquáticos (Geoemydidae, 31%; Emydidae,
19%) – (Luiselli et al.,2016). Na América do Sul,
a produção de filhotes de tracajás (Podocnemis unifilis)
por manejo comunitário no Equador e no Peru tem
possibilitado a venda de 30% dos animais para o mercado
pet por U$1,5-6,0/unidade (Harju, Síren e Salo,
2017). No Brasil, 77,4% dos criadouros comerciais de
fauna silvestre são para atender o mercado de animais
de estimação (pet), sendo responsáveis por 69,5% das
vendas legalizadas de animais silvestres (Trajano e Carneiro,
2019).
Na Amazônia brasileira, considerada uma das regiões
com maior riqueza de quelônios do mundo, com
18 espécies (Vogt, 2008; Ferrara et al., 2017), os quelônios
sempre foram recurso alimentar importante para
as populações ribeirinhas (Pezutti et al., 2010; Andrade,
2017). Os índios, já exploravam esse recurso consumindo
os ovos e a carne de quelônios (Smith, 1974; Meza
e Ferreira, 2015). Com a chegada dos colonizadores
portugueses no século XVI, essa exploração tornou-se
mais intensa, sendo abatidas milhões de tartarugas (Podocnemis
expansa) e utilizados milhões de ovos para produção
de óleo utilizado na iluminação pública, no preparo
de alimentos e misturado com breu, para calafetar
as embarcações (Fiori e Santos, 2015; Andrade, 2017).
A captura comercial de quelônios é um dos fatores
que, ainda hoje, mais contribuem para o declínio
das populações de tartarugas aquáticas e terrestres em
todo mundo (Stanford et al., 2020). Em geral, na Amazônia,
esses recursos são explorados pelas comunidades
locais para consumo de subsistência ou vendidos
para as cidades próximas ou grandes centros regionais
como Manaus, Santarém e Belém (Andrade, 2008;
Nascimento, 2009).
Apesar da captura e venda de animais silvestres,
estar proibida no Brasil desde 1967 (Lei N°5.197/67),
estima-se, com base nos dados dos órgãos ambientais,
que entre 1992 e 2019, tenham sido apreendidos
98.843 quelônios e 59.031 ovos, só no Amazonas,
que representam cerca de 66% de todos quelônios
apreendidos, com uma média anual de apreensões de
2.068 a 4.347 quelônios/ano e mais de 2 mil ovos/ano.
Tartarugas são 29% dos quelônios apreendidos e 27%
são tracajás. (Nascimento, 2009; Charity e Ferreira,
2020). Em 1979, surgiu o Projeto “Quelônios da Amazônia”
através do qual o Governo passou a proteger
as áreas de reprodução de quelônios. Graças a esse
34
PARCEIROS NA 22° ED:
trabalho de conservação, associado às inúmeras iniciativas
comunitárias de proteção, em 1996, a tartaruga da
Amazônia, saiu da lista de animais ameaçados de extinção
no Brasil (Cantarelli et al., 2014; Forero-Medina et
al., 2019).
Figura 2. Captura de matrizes e reprodutores de tartaruga no
sítios 3 irmãos, Iranduba/AM. © Paulo Cesar M. Andrade
Criação comercial de quelônios para
abate e consumo:
Com os programas de conservação de quelônios foi
possível recuperar as populações de tartarugas. Como
uma estratégia de conservação ex-situ, a partir de 1987
começaram a ser autorizados os primeiros criadores
comerciais de quelônios no Brasil. A primeira portaria
de criação pelo antigo IBDF foi a Portaria N°133/1988,
seguida pela Port. IBAMA N°142/1992 e a de comercialização
foi a Port.N°070/1996. Por essas portarias, as
pessoas interessadas em criar tartarugas e tracajás (as
espécies permitidas) se registravam apresentando um
projeto técnico ao IBAMA, e recebiam a doação dos
filhotes do órgão ambiental para iniciarem sua criação
(4.000 filhotes/hectare de espelho d’água), num sistema
de criação tipo Ranching. Desse plantel inicial, os
criadores podiam vender os animais quando atingissem
1,5 kg de peso, mas tinham de reservar 10% para serem
suas futuras matrizes e reprodutores, para produzirem
seus próprios filhotes e tornarem-se criatórios
de ciclo completo, passando ao sistema tipo Farming.
Atualmente, a criação de animais silvestres é regulamentada
pela Instrução Normativa (IN) N°07/2015, e
além de tartarugas e tracajás, podem ser criados iaçás (P.
sextuberculata) e muçuãs (Kinosternon scorpioides).
No auge desta atividade (1999 a 2009), o Brasil
chegou a ter 135 criatórios registrados (63% no Amazonas)
com mais de 938 mil animais em cativeiro e mais
de 33 mil animais vendidos (RAN, 2009). Hoje, no Brasil,
existem 41 criadores comerciais de quelônios registrados
pelo IBAMA, com um plantel de 193.283 tartarugas
(Podocnemis expansa) e 18.224 tracajás (P. unifilis)
em cativeiro (Trajano e Carneiro, 2019; IBAMA, 2019).
O Amazonas, é o maior criador de quelônios do
Brasil, tendo atualmente 29 criatórios autorizados pelo
IBAMA e IPAAM (79% do total nacional) com um
plantel de mais de 155.648 tartarugas em criações comerciais
(já chegou a ter 85 criadores e mais de 215
mil animais) e mais 5.423 animais em sistemas de
criação comunitários (Andrade, 2008; Trajano e Carneiro,
2019; IBAMA, 2019). Quelônios são o quinto
organismos aquático mais criado no estado, só ficando
atrás do tambaqui (Colossoma macropomum), matrinxã
(Brycon amazonicus), pirarucu (Arapaima gigas)
Figura 3. Fêmea de tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa)
desovando em praia artificial do criatório Bicho do Rio,
Iranduba/AM. © Paulo Cesar M. Andrade
Figura 4. Tanque e praia artificial para matrizes de tartaruga
na fazenda Coco Laka, Manacapuru/AM. © Paulo Cesar M.
Andrade
e pirapitinga (Piaractus brachypomus) (Peixe BR, 2019;
IBGE, 2019; IPAAM, 2021). São comercializados legalmente
cerca de 2.623±561 animais/ano (12,7 a
21,6 ton/ano). Entre 1999 e 2019, os quelonicultores
do Amazonas conseguiram vender mais de 61 mil
animais, produzindo mais de 302 toneladas e arrecadando
cerca de R$6.741.000,00 (US$2.075.000,00).
JAN/MAR 2021
35
Figura 5. Número de quelônios em cativeiro e número de criadores autorizados pelo IBAMA entre 1989 e 2019. Fontes: RAN, 2006;
Andrade, 2008; Trajano e Carneiro, 2019; IBAMA, 2019
938.691
135
n° de animais nas criações
492.813
63
398.169
41
n° de criadores registrados
1
10.000
de Federal do Amazonas (UFAM). Entre 1996 e 2004,
através de projeto conjunto foram monitorados todos
os criadouros de quelônios do estado, através de visitas
técnicas bimestrais, nas quais eram realizadas biometria e
pesagens dos animais, analisada a alimentação fornecida
e recolhida informações sobre o manejo adotado e os
gastos com o custeio da atividade. Com isso, foi possível
sistematizar um roteiro mínimo sobre criação de
quelônios, definindo tipos de instalações, densidades de
cultivo, rações e níveis nutricionais, análise dos custos de
produção, aspectos de sanidade e reprodução dos animais
em cativeiro. Após um seminário em 2004, que reuniu
os quelonicultores e técnicos do setor em Manaus,
a Agência de Agronegócios do estado passou a apoiar a
comercialização dos quelônios legalizados e exposições
e feiras junto com pescado proveniente de cultivo ou de
áreas de manejo, o que ajudou a divulgar e popularizar a
venda e o consumo de quelônios de cativeiro, ajudando
no marketing deste produto.
Além de todo incentivo e do trabalho de extensão e
apoio técnico recebido pelos quelonicultores do Amazonas,
estes reuniam algumas características que, possivelmente,
podem ter favorecido o sucesso de seus
empreendimentos:
a) Proximidade do grande centro consumidor: A
maioria dos criatórios ficava na região da metrópole Manaus
e municípios do entorno (90,3%) – Anízio (2009).
b) Pequenas e médias propriedades: A maioria entre
9–35 ha (50%), com média de 22±18,4 ha. Os tanques
variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse
entre 1 e 2 ha, e os berçários de 30 a 1.000 m 2 . A maion°
animais n° criadores
JAN/MAR 2021
Em 2017, o Amazonas reconheceu oficialmente os
esforços de conservação das comunidades, criando 265
áreas de proteção de quelônios e regulamentando um
sistema comunitário de criação de quelônios, permitindo
as comunidades realizarem cria, recria e engorda
de um percentual dos filhotes de P. expansa (10%) e P.
unifilis (20%) que protegerem (Resoluções CEMAAM
Nº25 e 26/17–DOE,2017). Esta possibilidade de manejo
ex situ de quelônios para criá-los em condições
semi-naturais para serem comercializados, parece ser
uma solução, para gerar renda e cobrir parte dos gastos
para proteção da espécie (Campos-Silva et al., 2018). O
que parece ser promissor, não só pelo aspecto econômico,
como pela relevância na segurança alimentar e na
cultura dos povos da região (Dantas-Filho et al.,2020).
Ao contrário de outros estados, os criadores amazonenses
conseguiram vender todos seus lotes de animais,
com peso médio de 4,9±1,9 kg e preço atual variando
de R$ 25 a 40,00/kg vivo. Mais de 80% deles, já
conseguiram a reprodução em cativeiro, tornando-se
criações de ciclo fechado e de 2002 até 2019, já produziram
mais de 57 mil filhotes (45.070 de tartarugas
e 12.397 de tracajás) (Garcez, 2009; IBAMA, 2019).
O grande avanço da quelonicultura nesse estado
parece estar relacionado a alguns fatores: 1) A grande
demanda do mercado local para consumo da carne de
quelônios; 2) O grande interesse dos produtores para
se regularizarem (mais de 198 processos em análise);
3) Ao incentivo e suporte técnico-científico (extensão
e pesquisa) proporcionado pelo IBAMA/AM, fruto de
uma parceria e cooperação técnica com a Universida-
36
PARCEIROS NA 22° ED:
ria dos empreendimentos aproveitaram as barragens e
tanques já construídos para atividade de piscicultura (Andrade,2008).
c) Perfil sócio-econômico do criador: A maioria dos
criadores exerciam outras atividades, sendo a quelonicultura
uma atividade complementar. Em sua maioria
eram comerciantes (33%) ou agricultores/produtores
rurais (25%), com idade entre 40-59 anos (66,3%), renda
familiar na faixa de 5 a 10 salários mínimos (41,7%) e
nível de escolaridade entre ensino fundamental e médio
(58,3%). Além disso, a maioria dos criadores detinham
conhecimentos empíricos sobre características biológicas
das tartarugas, como sua alimentação, reprodução e
hábitos na natureza (Lima, 2000).
d) Sistemas de produção: a maior parte dos criatórios
pertencia a pessoas físicas (61,5%) e que usaram recursos
próprios para investir. Adotaram sistemas de criação
do tipo semi-intensivo ou extensivo (69%) consorciado
com peixes como tambaqui, e começaram com lotes de
1.000 a 5.000 animais (60%) – o que hoje, é considerado
um número pequeno para a atividade comercial e
para criar capital de giro.
e) Alimentação fornecida: Utilizaram subprodutos
encontrados na região como vísceras bovinas (20%),
resíduos de filetagem de pescado (40%), restos de feira,
frutas e tubérculos (20%), sendo que apenas 20%
forneciam ração comercial peletizada para peixe tipo
alevinagem com 36 a 42% proteína, reduzindo dessa
forma, os custos com alimentação (Andrade, 2008; Anízio,
2009). Atualmente, 55% dos quelonicultores usam
ração de peixe para alimentar seus animais. Nos criadouros
que forneceram alimentação com maior teor de
proteína animal (peixe e sobras de frigorífico e abatedouros),
os animais foram mais pesados do que os criados
com proteína vegetal (verduras, frutos e ração a base de
soja e milho) (Andrade, 2008).
f) Custos de produção e comercialização: A participação
dos custos fixos sobre os totais variou de 20 a
25% e os custos variáveis ficaram entre 75 a 80 %. Os
maiores custos foram com alimentação e variaram entre
52,5 a 61% dos custos totais. O custo de produção gira
em torno de 11 a 22% do valor de venda, sendo que
atualmente os quelônios estão sendo comercializados
entre R$25 a 40,00/kg de peso vivo, sendo a lucratividade
estimada em 158 a 582% (Lima, 2000; Anízio,
2009; IBAMA, 2019). Como os animais são vendidos vivos,
os quelonicultores tem optado por comercializarem
animais maiores com 36 meses de cultivo (4,9 a 8,2 kg),
com o preço médio por animal variando de R$160,00
a R$533,00 (Garcez, 2009; Trajano e Carneiro, 2019).
Os meses de maior venda são dezembro, março e maio
Figura 6. Exemplares de tartaruga da Amazônia (P. expansa),
a) Fêmea; b) macho. © Paulo Cesar M. Andrade
A.
B.
em função das festas de Natal, fim de ano, Páscoa
e dia das Mães. E os de menor venda são os meses
da seca dos rios, quando quelônios capturados ilegalmente
inundam o mercado regional, competindo
diretamente com os animais dos criatórios autorizados.
Durante a enchente, ocorrem menos animais
de tráfico (entressafra), ocasião em que os criatórios
legalizados aumentam as vendas de suas tartarugas
regularizadas.
A redução no número de criações de quelônios no
Brasil foi motivada entre outros fatores pelas dificuldades
de comercialização, falta de fomento e apoio técnico,
e excesso burocrático. Então, após 2010, quando
o registro e controle dos criatórios de fauna passa do
IBAMA para os órgãos ambientais estaduais, muitos
criadores optaram por encerrar suas atividades. Apesar,
disso o número de animais comercializados e a produção
(toneladas) aumentaram nos últimos 10 anos,
passando de 152 para 190 toneladas neste período.
A situação da aquisição dos lotes iniciais de filhotes
pelos criadores principiantes, que parece ser um ponto
crítico no processo de criação, também tende a
melhorar, com o aumento no número de nascimentos
de filhotes de tartarugas e tracajás nos criatórios
JAN/MAR 2021
37
mais antigos. Apesar, de a venda dos filhotes ainda não
estar prevista na atual IN N°07/2015, existe o entendimento
pelo IBAMA de que os filhotes poderiam ser
vendidos entre criadores autorizados para formar novos
plantéis de matrizes e reprodutores e para recria
(COCFP/IBAMA, 2013).
Criação comercial de quelônios para
o mercado pet:
Apesar da alta demanda do mercado mundial e nacional
por filhotes de quelônios como animais de estimação
(pet), no Brasil, o registro de criações comerciais
com essa finalidade está suspenso desde 2002.
Mesmo com a publicação da Resolução Conama Nº
394/2007 que estabelecia critérios e competências
para a publicação da lista de animais da fauna silvestre
nativa, que poderiam ser criados e comercializados
como animais de estimação, até hoje, essa lista não
foi publicada (Trajano e Carneiro, 2019). Dessa forma,
apenas os criatórios que foram autorizados antes
de 2002 é que ainda podem atender a esse mercado.
Até 2001, haviam cinco (5) criatórios comerciais
de jabutis (Chelonoidis carbonaria e C.denticulata)
e um de tigre d’água brasileiro (Trachemys dorbigni).
Atualmente, existem registrados no IBAMA apenas
quatro (4) criações comerciais de jabutis, com
um plantel de 2.752 animais, e uma criação de tigre
d’água, com um plantel de 2.620 animais. Entre 2015-
2018, esses criadores comercializaram 5.713 jabutis
(R$120,4/ animal) e 11.628 tigres d’água (R$134,59/
animal) (Trajano e Carneiro, 2019).
A possibilidade legal de comercializar os filhotes
de quelônios não só para novos criadores registrados,
mas também para venda como animais de estimação
(pet) poderia ser uma potencial opção de renda para
os quelonicultores.
Figura 7. a) Ninhos de tartarugas da Amazônia transferidos para “chocadeira” na criação Bicho de Rio, em Iranduba/AM; b) Arraçoamento
de matrizes de tartaruga. © Paulo Cesar M. Andrade
A.
B.
JAN/MAR 2021
38
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 8. Número de filhotes (Podocnemis expansa e P. unifilis) nascidos em cativeiro, número de animais comercializados e produção
em toneladas das criações comerciais de quelônios no Brasil entre 1990 e 2019. Fontes: Garcez, 2009; Trajano e Carneiro, 2019;
IBAMA, 2019.
33.898
37.913
41.167
n° de animais
19.546
Toneladas (T)
498
nascimentos
vendas (n°)
produção (T)
Figura 9. Despesca de tartarugas de lotes comerciais em tanques da criação Bicho de Rio, Iranduba/AM.
© Paulo Cesar M. Andrade
JAN/MAR 2021
39
JAN/MAR 2021
Considerações
finais:
A criação comercial de
quelônios no Brasil, é uma
atividade que pode complementar
a renda de pequenas
e médias propriedades,
integradas à outros cultivos
aquícolas, atendendo a um
mercado regionalizado (Amazônia)
ou gourmet, com alta
lucratividade, desde que, sejam
atendidas as exigências
de alimentação, instalações e
técnicas de manejo adequadas.
Apesar da redução no
número de criatórios em atividade
no País, o número
de vendas e a produção em
Figura 10. a) Biometria de fêmea adulta de tartaruga da Amazônia (P. expansa); b) Lacre do
IBAMA aplicado a tartaruga (P. expansa) para a venda.© Paulo Cesar M. Andrade
A.
B.
toneladas tem aumentado,
alavancados, principalmente,
pelo estado do Amazonas,
que possui o maior número
de criadouros e o maior plantel
de quelônios em cativeiro. Isso, em função de uma política
de incentivos, parcerias para assistência técnica, geração
de conhecimentos científicos sobre a atividade e pela
alta demanda de carne de quelônios pelo mercado local.
Também houve um aumento na produção de filhotes,
que poderão ser utilizados para recria e engorda nas
criações, que agora são em sua maioria de ciclo fechado,
ou repassados para novos criadores. Outra possibilidade,
muito aguardada pelos quelonicultores, seria a comercialização
dos excedentes desses filhotes no mercado pet.
Estudos de potencial mercado e da viabilidade econômica
da criação devem ser realizados a fim de se evitar problemas
com a comercialização do produto, que foi o maior
fator de desistência da atividade.
Entre os principais entraves encontrados por quem
quer criar quelônios podemos destacar: 1) Falta de mais
técnicos especializados na criação de quelônios; 2) Divulgação
e popularização dos conhecimentos técnico-científicos
e sua extensão aos quelonicultores; 3) Indefinição
entre os órgãos estaduais sobre a quem caberia atender o
criador de animais silvestres (Secretaria de Produção Rural
ou de Meio Ambiente); 4) Adoção de políticas de incentivo,
fomento e assistência técnica pelos estados interessados
em desenvolver essa atividade; 5) Reconhecimento
e normatização da metodologia de abate pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 6) Organização
da comercialização, divulgação e marketing;. 7) Organização
dos quelonicultores em associações ou cooperativas;
8) Necessidade dos órgãos ambientais tornarem mais ágil
e eficiente as atividades que envolvem desde o registro
do criador até a comercialização (faltam mais técnicos
e recursos para a realização de todas as vistorias).
Consulte as referências bibliográficas em
www.aquaculturebrasil.com/artigos
40
PARCEIROS NA 22° ED:
41
JAN/MAR 2021
JAN/MAR 2021
42
PARCEIROS NA 22° ED:
Aquicultura e Pesca
Sustentáveis no Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento
e Sustentabilidade (IABS):
Atuais avanços socioprodutivos
André Macedo Brugger * , Lucas Gomes Mendes, Marco Dellian Zanetta, Luís Tadeu
Assad e Filipi Andrade
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS)
Núcleo de Aquicultura e Pesca Sustentáveis
Brasília, DF
*ambrugger@iabs.org.br
O
IABS nasceu em 2003, a partir de um
grupo de pessoas diferentes entre si, mas
com um objetivo comum: um novo modelo
de desenvolvimento, mais justo e sustentável. Os
primeiros projetos estiveram
voltados para a área da Pesca
– ou melhor, para as comunidades
pesqueiras e os recursos
naturais envolvidos. Entretanto,
com a amplitude dos desafios
e a maturidade que o Instituto
adquiriu, a partir de 2006,
começaram a atuar em outras
áreas, com destaque para o Turismo,
o Desenvolvimento Rural
e o Fortalecimento Institucional.
Naquela época, a parceria com
a Agência Espanhola de Cooperação
Internacional para o
Desenvolvimento e as relações
estabelecidas com diferentes
atores foram fundamentais para
consolidar e ampliar essa atuação,
o que contribuiu para o
crescimento e aprendizado em
diferentes áreas de cooperação
para o desenvolvimento.
Em 2015, o IABS já tinha executado ações em mais
O IABS nasceu em
2003, a partir de um
grupo de pessoas
diferentes entre si,
mas com um objetivo
comum: um novo modelo
de desenvolvimento,
mais justo e
sustentável.
de 200 projetos com investimentos de diversos parceiros
nacionais e internacionais. O trabalho se dividia em
núcleos que refletiam suas principais vocações: Meio
Ambiente e Áreas Protegidas; Turismo Sustentável;
Aquicultura e Pesca Sustentáveis;
Desenvolvimento Rural e Tecnologias
Sociais; Diálogo Social e
Gestão de Conflitos; e Cooperação
e Fortalecimento Institucional,
onde, futuramente, passou a virar
programas dentro de perspectivas
atuais: “Cidade Inclusiva”, “Desenvolvimento
Rural Sustentável”
e “Inserção Socioprodutiva”.
Também fortalecendo parcerias
estratégicas, nacionais e internacionais,
que complementam e somam
esforços em prol de objetivos
e desafios ainda mais amplos.
Hoje, uma das frentes trabalhadas
pelo IABS é o Núcleo
de Aquicultura e Pesca, cujos
especialistas trabalham com
objetivo de atingir os três principais
pilares que regem a sustentabilidade:
econômico, social
e ambiental, fazendo com que coexistam e trabalhem
entre si de forma plenamente harmoniosa.
JAN/MAR 2021
43
Os Projetos de Aquicultura e
Pesca
Ostras depuradas de Alagoas
Por meio do Projeto, as ostras são movimentadas
de uma ponta a outra da cadeia
produtiva, fortalecendo-a e gerando renda e
trabalho aos(às) produtores(as) envolvidos(as).
O cultivo reduz a pressão ambiental do extrativismo
sobre os estoques naturais da espécie
e promove a preservação do ambiente. Graças
à salvaguarda dos estuários, o turismo de
base comunitária vem ganhando cada vez mais
espaço na renda das comunidades envolvidas.
Atualmente, beneficia cerca de 100 famílias divididas
em cinco comunidades no litoral de Alagoas.
O modelo de gestão é participativo, com
comitê gestor formado pelos(as) líderes das
associações e entidades locais que participam
das decisões do projeto. É importante destacar
o protagonismo feminino observado na produção de ostras,
tendo em vista que 65% dos(as) beneficiários(as) são mulheres,
e todas as associações têm mulheres nos cargos de liderança e
organização comunitárias.
Fotos © IABS
Foto © IABS
JAN/MAR 2021
Camarão do
Sertão
O IABS, junto a
Companhia de Desenvolvimento
dos
Vales do São Francisco
e do Parnaíba
(CODEVASF), tem
o objetivo de implementar
os serviços
de instalação, montagem
e operacionalização
de unidade
de observação e demonstração
(UOD)
de cultivo do camarão
branco do pacífico
(Litopenaeus vannamei) em água doce, do rio São Francisco, e de poços salobros nos municípios de Petrolina,
Cabrobó e Petrolândia - PE. Atualmente, o projeto encontra-se na fase Petrolina, onde já foram instalados dois
berçários de 20 m³ cada; revestimento de geomembrana em dois tanques escavados, totalizando uma área
de cultivo de 2.000 m²; sistema de aeração composto por sopradores de ar e mangueiras porosas; sistema de
geração de energia elétrica; e um sistema de monitoramento remoto da temperatura e do oxigênio dissolvido
na água do ambiente de cultivo do berçário.
44
PARCEIROS NA 22° ED:
Melhoria da Pesca do Pargo no Norte do Brasil
Projeto que visa obter a certificação
MSC (Marine Stewardship Council) da
pesca sustentável do Pargo no Norte do
Brasil. Após ter sido submetida a uma
pré-avaliação sob o standard da MSC
em 2014, foi revelada inconformidade
em 16 dos 28 indicadores. Para mitigá-
-los, surgiu o FIP, que conta com apoio
do setor privado (importadores, armadores
e cooperativas de pescadores),
dos governos (local e nacional), da academia
(Universidades) e do terceiro setor
(Ongs e Oscips). O Projeto adotou
a plataforma FisheryProgress.org para
seguir o BMT (Benchmarking Tracking
Tool), ou seja, a ferramenta de monitoramento
e acompanhamento de Projeto
proposto pela MSC.
Fotos © IABS
Pesca de Valor
Em decorrência do derramamento
de óleo que atingiu o litoral
nordeste do Brasil no final de 2019,
o consumo de frutos do mar caiu
drasticamente diante da desconfiança
e insegurança de seus consumidores
acerca da contaminação
que o óleo pode causar aos pescados,
principalmente moluscos, visto
que são seres filtradores. Diante
desse cenário totalmente desfavorável
à comunidade pesqueira de
Itapissuma, Pernambuco, surgiu a
proposta do Projeto Pesca de Valor,
firmado com a parceria entre
a Agência de Desenvolvimento
Econômico de Pernambuco (AD
DIPER) e o Instituto Brasileiro de
Sustentabilidade (IABS). O objetivo
é auxiliar a comunidade pesqueira
local a ter acesso a mais conhecimento,
alcançar novos níveis de
qualidade em seus produtos, e
desenvolver em conjunto um mecanismo de comprovação da ausência de contaminação por óleo nos pescados
comercializados na região. Ao final, o projeto também prevê o aproveitamento de cascas de ostras e
sururu como fonte de insumos em atividades diversas, implementando a economia circular na localidade.
JAN/MAR 2021
45
Centro Pesqueiro do Jaraguá
O Projeto de Desenvolvimento Econômico Sustentável
do Centro Pesqueiro do Jaraguá é desenvolvido
pelo IABS por meio de uma cogestão com
a Prefeitura Municipal de Maceió. A infraestrutura
comporta atualmente 180 beneficiários(as) diretos
e cerca de 250 indiretos, de diferentes segmentos
da pesca artesanal, desde pescadores e marisqueiras
a carpinteiros navais, mecânicos e comerciantes de
pescado. Além de um importante equipamento para
o desenvolvimento da pesca artesanal, possui enorme
potencial turístico e busca se tornar referência na
comercialização de pescado local e de valorização
desta importante cultura histórica e tradicional que
deu origem à cidade de Maceió.
JAN/MAR 2021
Fotos © IABS
Produção de Base Comunitária do
Massunim
O vôngole, (Anomalocardia brasiliana) ou Massunim,
como é chamado no estado de Alagoas, é
um bivalve amplamente explorado em toda costa
brasileira. Na comunidade de Saquarema, localizada
na Barra de São Miguel, Alagoas, a extração e
beneficiamento do molusco é a única fonte de renda
de aproximadamente 20 famílias. No entanto, o
processo de produção da carne do Massunim e sua
subsequente comercialização encontra uma série
de desafios que vão desde as práticas de manipulação,
cocção e embalagem, até a garantia
de preços justos no acesso ao mercado e destinação
das conchas. Sendo assim, a paisagem
produtiva gera riquezas que vêm remunerando
atravessadores mais do que pescadores.
Com o objetivo de mudar esta realidade, o
IABS, em parceria com a Prefeitura de Barra
de São Miguel, desenvolveu um projeto que
busca fortalecer a produção de base comunitária
do molusco, onde contempla a estruturação
de uma estação de beneficiamento que
será operada pela comunidade.
46
PARCEIROS NA 22° ED:
Cultivo de Sururu
O sistema de cultivo contínuo usado no Chile, Nova Zelândia e outros países produtores
de mexilhão, é uma realidade com o sururu (Mytella charruana) no Vergel do Lago, uma das
comunidades economicamente mais vulneráveis de Maceió, capital de Alagoas. O sururu, um
mitilídeo que faz parte dos pratos mais tradicionais da cozinha alagoana, é extraído há décadas
do fundo da Laguna Mundaú. O cultivo desse molusco no sistema de long lines duplos com coletores
artificiais se mostrou uma alternativa técnica e economicamente viável após os estudos
e implantação de estruturas
de cultivo piloto.
Atualmente, o projeto
passa por momento de
expansão, onde mais famílias
serão capacitadas
e receberão as estruturas
para que cultivem o
molusco, possibilitando
o escalonamento da
produção e diminuindo
riscos laborais da tradicional
apneia necessária
para retirar o molusco
do substrato da laguna.
Fotos © IABS
Conclusão
O IABS tem como propósito promover o desenvolvimento socioeconômico e sustentável, por meio
de iniciativas com construção participativa, visando a diminuição das desigualdades e respeitando as identidades
e os saberes locais. Para isso, é necessário um bom planejamento para que os projetos sejam
capazes de proporcionar mudanças positivas, que gerem acima de tudo melhor qualidade de vida aos
principais atores envolvidos, a comunidade.
JAN/MAR 2021
47
© AquaBioTech Group
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48
PARCEIROS NA 22° ED:
Profissionalização em
sistema RAS na Europa
1
Pedro Lindenberg e 2 Katt Regina Lapa
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Departamento de Aquicultura
Florianópolis, SC
¹ pedro-lindenberg@hotmail.com
²katt.lapa@ufsc.br
Essa tecnologia
de cultivo utiliza
vários aparatos para
tratar a água do
cultivo e reutilizá-la
continuamente. Em
muitos países, essa já
é uma realidade, o que
não ocorre no Brasil da
mesma forma.
Com intuito de crescer
profissionalmente
e vivenciar
novas experiências o aluno de
graduação Pedro Lindenberg,
orientado pela professora Dra.
Katt Regina Lapa, procurou
estágio em uma empresa que
aplicasse a tecnologia de RAS
(Recirculating Aquaculture System).
Essa tecnologia de cultivo
utiliza vários aparatos para
tratar a água vinda do cultivo
e reutilizá-la continuamente.
Para muitos países, essa já é
uma realidade há algumas décadas,
o que não ocorre no
Brasil da mesma forma. Logo,
o aluno se deu conta da necessidade
de buscar conhecimento
fora do país. Foi realizado
o contato com a European
Aquaculture Society, através do
programa de mentoria chamado
Adopt a Student, no qual o
estudante solicita uma demanda
e os coordenadores do
programa articulam o contato
com um mentor. Alguns meses
depois recebemos a ótima notícia
que a AquaBioTech Group
aceitara a proposta de estágio,
representada por Shane Hunter
(CEO da companhia).
“AquaBioTech Group” é
uma empresa de consultoria
internacional especializada em
RAS, cuja localização é na Ilha
de Malta, no centro do Mediterrâneo.
Sua atuação é global
com atendimento de clientes
em diversos países. A companhia
possui um centro de
P&D (pesquisa e desenvolvimento)
com aproximadamente
30 salas equipadas com RAS
de pequeno volume (0,5 a
30 m³), nos quais se realizam
pesquisas com vacinas, rações
e testes de equipamentos.
O estágio foi realizado
no início de 2020 no qual foram
desenvolvidas atividades
nas áreas de projeto, instalação,
operação e manutenção
de RAS; o que propiciou
uma visão holística de todas
as etapas que envolvem esse
tipo de empreendimento.
Etapas do estágio
Os trabalhos iniciaram com o Time da Instalação
e prosseguiram por ~45 dias. Em seguida, houve a
migração para o Time dos Técnicos, os quais operam
todos os RAS de P&D. Ao longo de todo período houve
a assistência do Time da Engenharia e Design, o
qual orientava e passava atividades técnicas para serem
executadas.
1.Time de instalação
O Time de Instalação é responsável por construir
ou reformar tanto os RAS de P&D quanto de construir
sistemas para os clientes, mundo afora. A equipe é formada
por profissionais que necessitam ter habilidades
de hidráulica, elétrica e mecânica e estes devem estar
preparados para solucionar problemas eventuais não
previstos na etapa de projeto.
Em sua maioria foram desenvolvidos trabalhos
numa das baias (salas). Esta contava com um RAS de 12
tanques de 1,4 m³ cada (Figura 1). Era equipada com
filtro de tambor rotativo, separador rotativo (swirl separator)
MBBR (Moving Bed Biofilm Reactor), Sump (caixa
de equalização), UV, gerador de ozônio, trocador de
calor, cones de O ²
e O ³
e fracionador de espuma mais
desgaseificador, gerador de nano bolhas, bombas de
alta eficiência, além de cabines de oxigênio emergencial.
Todos os tanques possuíam sonda para medição
de oxigênio dissolvido, que transmitiam o sinal para um
painel na própria sala (Figura 3) e para a central de comando
operacional em tempo real.
2.Time de técnicos
Os RAS eram isolados em baias com porta e ventilação
própria (com troca de ar forçada). Eram seguidos
rígidos protocolos de biossegurança e limpeza, como
pode ser visto na Figura 2.
Foram realizadas tarefas que incluíram análises de
qualidade de água e alimentação dos animais que estavam
passando por testes de nutrição. Todos os dias era
preciso coletar amostra de água do sump de cada RAS
e levá-las para a bancada de qualidade de água para serem
realizados os testes. As baias eram equipadas com
sondas da Oxyguard para temperatura, pH, salinidade,
oxigênio dissolvido (OD) e potencial de oxirredução
(ORP, sigla em inglês).
Figura 1. Baia 0 sendo reformada. Da esquerda para direita: Pedro, Jaime, James e Salo. © AquaBioTech Group
JAN/MAR 2021
50
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 2. Imagem da Baia 23 no momento de alimentação dos peixes dourada ou seabream (pargo-europeu) (Sparus aurata).
© AquaBioTech Group
Tudo era bem planejado e seguia à risca os POPs
(Procedimento Operacional Padrão): as alimentações
tinham horários certos, as limpezas também eram programadas,
assim como as manutenções. Para início de
um novo experimento tudo era desinfectado.
2.Time da Engenharia e design
O time da Engenharia & Design era composto por
engenheiros, arquitetos e desenhistas. Deles vinham
instruções para o Time de Instalação, como: onde
alocar o UV, onde passar a fiação, quais peças hidráulicas
utilizar. Assim, era possível ver os projetos em
3D e discutir alguns pormenores com a equipe.
Porém houve o desejo de ir além. Os desenhos
são feitos com base em dimensionamentos. Eis que
surgiu a ideia de sugerir ao chefe do Time de Engenharia,
Michele, que passasse um exercício de dimensionamento
de RAS para engorda de peixes, como
ideia hipotética, e ao final do estágio seria apresentado
o resultado a ele. Michele topou e incumbiu a missão
de dimensionar um RAS para garoupa de 1000 t/ano.
Era o combustível necessário para ir além e se debruçar
sobre os estudos de garoupas e RAS. Foram
utilizadas como base a literatura clássica do prof. Timmons
(Livro Timmons & Ebeling, Recirculating Aquaculture,
2th ed) e as anotações das aulas da Disciplina
de Sistemas de Recirculação Aquícola, do curso de Engenharia
de Aquicultura da UFSC, ministrada pela professora
Dra. Katt Regina Lapa, além de tudo já aprendido
dentro e fora da graduação.
Ao final do período o exercício foi concluído e
todos os macro componentes do RAS haviam sido
dimensionados: tanques, filtros de tambor rotativo,
biofiltro, desgaseificador, reatores UV, ozônio, cones
de oxigênio. Entretanto, sabemos que na prática havia
muita coisa em aberto. Uma lista de perguntas foi
preparada para quando a ideia fosse apresentada para
Michele. Também foi possível elaborar um desenho
esquemático em 3D da estrutura após dimensionamento
dos componentes do RAS na fase engorda
(figura 4).
Antes de voltar para o Brasil, a ideia foi apresentada
a Michele. Foi incrível! Toda planilha de dimensionamento
foi revisada na íntegra, detalhes foram
acrescentados, erros e acertos identificados e discutidos.
Ou seja, muito conhecimento foi compartilhado
neste dia, que foi a última tarde de estágio na empresa.
Sem medo de errar, todo esforço valeu a pena!
JAN/MAR 2021
51
Figura 3. Painel
OxyGuard®
para visualização
dos parâmetros
de qualidade de
água monitorados
pelas sondas de
temperatura,
pH, salinidade,
OD e ORP. ©
AquaBioTech
Group
JAN/MAR 2021
Figura 4.
Imagem do
desenho
esquemático em
3D do sistema
de recirculação
de garoupa na
fase de engorda.
© AquaBioTech
Group
52
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 5. Cultivo
de truta em RAS.
© AquaBioTech
Group
Conclusão
O objetivo de trabalhar e vivenciar
o dia a dia de uma empresa de reconhecimento
internacional aplicando
Sistemas de Recirculação Aquícola na
prática foi alcançado. A AquaBioTech
Group hoje está com projetos ativos
de Recirculação na Noruega, Dubai,
Singapura, entre outros em andamento
ou já concluídos. Ganhou prêmios
de inovação. Conta com equipe que
passa de 70 colaboradores, além de
ser extremamente bem setorizada e
organizada. Todo networking e troca
cultural também foram válidos e enriqueceram
a experiência vivida.
Acreditamos que em breve projetos
com RAS em escala comercial começarão
a ser implementados no Brasil.
As empresas que têm experiência
e investem em pesquisa e desenvolvimento
tecnológico estarão na frente
para implantar projetos inovadores e
com desempenho sustentável diante
dos desafios que temos no Brasil
como uso do solo, qualidade de água,
controle de patógenos, entre outros
que garantirão a sustentabilidade das
fazendas aquícolas.
JAN/MAR 2021
53
Empresa:
INVE
AQUACULTURE
Nova pesquisa em manejo microbiano
revela potencial para melhorias na
eficiência de cultivo
JAN/MAR 2021
O
desenvolvimento de estratégias
efetivas de manejo microbiano para
reduzir os surtos de doenças na
aquicultura geralmente é dificultado pelo conhecimento
limitado da microbiologia nos cultivos
de peixes e camarões. Uma nova pesquisa
publicada* pelo Centro de Ecologia e Tecnologia
Microbiana (CMET, Universidade de Ghent,
Bélgica) em colaboração com a Inve Aquaculture,
a área de negócios de Nutrição Avançada
do Grupo Benchmark (BAN), revela oportunidades
de impulsionar as eficiências do cultivo
por meio de um entendimento abrangente do
seu microbioma.
“Na aquicultura, a presença de bactéria na
água de cultivo influencia os ciclos de nutrientes,
a degradação de resíduos metabólicos, a digestão
e a saúde dos animais. Então, fazer o manejo
desses microorganismos é uma ferramenta
importante no direcionamento da saúde geral do
sistema,” diz Peter De Schryver, Líder do Grupo
de Saúde e Meio Ambiente na Inve Aquaculture
e coautor da publicação.
Uma comunidade microbiana de bom desempenho
na água é vital, bem como a necessidade
de se evitar que o microbioma fique subitamente
perturbado (um processo chamado
“disbiose”). Avaliar precisamente as bactérias
permite que as empresas comecem a rastrear
as mudanças e relacioná-las ao estado de saúde
dos seus animais. No futuro, isso pode permitir
também que os produtores prevejam quando
a saúde dos animais pode ser comprometida.
Avaliar precisamente
as bactérias permite
que as empresas
comecem a rastrear as
mudanças e relacionálas
ao estado de saúde
dos seus animais.
54
Espaço empresa
Esp
ço empresa
Visão geral
do desenho
experimental:
cinco tanques de
larvicultura de
Litopenaeus vannamei
replicados, e todas as
fontes que deveriam
contribuir para o
microbioma da água
de cultivo, incluindo
cinco alimentos
secos, Artemia, algas
e água para troca,
foram monitorados
durante 18 dias (nos
estágios de vida de
nauplio 5 a PL10).
A parte superior
da figura ilustra o
tempo de adição
de cada uma das
fontes externas à
água. Para as rações
secas, diferentes
tons de marrom
foram usados para os
diferentes produtos.
Tecnologia pioneira
Os pesquisadores focaram-se na água de
cultivo do camarão branco do Pacífico (L. vannamei).
Eles avaliaram a composição e dinâmica
do microbioma usando uma combinação de
métodos moleculares estabelecidos e novos de
análise de citometria de fluxo, que permitem
medir e quantificar todas as bactérias, também
algas e, às vezes, até vírus, tendo esse diferencial
em relação à diagnósticos convencionais que se
focam em um único organismo e em um único
momento.
A autora principal, Jasmine Heyse, da Universidade
de Ghent, comenta: “Rastreamos as
contribuições de microrganismos vindos de fontes
externas, incluindo produtos vivos ou alimentos secos,
à água de cultivo. É a primeira vez que essas
contribuições são quantificadas.”
Melhorando a eficiência e eficácia
dos produtos
Ruben Props, também da Universidade
Ghent: “A aplicação desta nova metodologia de
citometria de fluxo significa que podemos avaliar
com precisão as mudanças em microbiomas que
estão relacionados ao uso de produtos. Acredito que
isso abra novas oportunidades para fornecedores
de produtos como a INVE (Nutrição Avançada da
Benchmark), mas também produtores de peixe
e camarão, para saber se os produtos que estão
usando estão tendo os efeitos desejados.”
“Por meio da pesquisa acadêmica da CMET, mas
também pela nossa iminente empresa desmembrada
KYTOS, estamos continuamente criando amplos conjuntos
de dados que nos permitirão localizar os marcadores
microbiológicos para determinar a sobrevivência
e saúde dos animais. Esse será um passo de mudança
no manejo do cultivo,” acrescenta Ruben.
JAN/MAR 2021
Espaço empresa
55
Esp
ço empresa
Peter conclui: “o conceito
por trás do artigo aponta para o
caminho adiante. Foi uma grande
parceria entre a indústria e
a academia, e mostra que as
ferramentas corretas e o conhecimento
podem dar grandes
passos na direção de melhorar a
saúde e eficiência de sistemas de
aquicultura.”
*Publicação na integra: Rearing
water microbiomes in white leg shrimp
(Litopenaeus vannamei) larviculture
assemble stochastically and are
influenced by the microbiomes of live
feed products. Autores: Jasmine Heyse,
Ruben Props, Pantipa Kongnuan, Peter
De Schryver, Geert Rombaut, Tom Defoirdt,
e Nico Boon. Environmental microbiology,
nov/2020.
Impulsionando a Sustentabilidade
na Aquicultura
JAN/MAR 2021
A INVE Aquaculture tem proporcionado o crescimento em
aquicultura por mais de 35 anos. O crescimento saudável de peixes
e camarões, o crescimento dos negócios locais dos nossos clientes, e o crescimento
da aquicultura global. A INVE representa a área de negócios de Nutrição Avançada da
Benchmark.
A Benchmark combina biologia e tecnologia para desenvolver produtos inovadores que
melhoram o rendimento, a qualidade e a saúde dos animais, e o bem-estar dos nossos
clientes. Fazemos isso ao melhorar a composição genética, a saúde e a nutrição de seus
animais — desde a reprodução e incubação até os viveiros e engorda.
A Benchmark tem um amplo portfólio
de produtos, incluindo ovas de salmão, alimento
vivo (artêmia), dietas e probióticos,
e tratamentos contra piolhos marinhos.
Juntos, o grupo oferece as soluções mais
completas em genética, nutrição e ambiente
no mercado.
CONTATO:
www
www.inveaquaculture.com
+55 85 99922-5116
@inveaquaculture
INVEaquaculture
56
Espaço empresa
Commercial aquaponics production and profitability:
Findings from an international survey
Autores: David C.Love, Jillian P.Fry, Ximin Li, Elizabeth S.Hill, LauraGenello, KenSemmens
e Richard E.Thompson
Aquaponia é a integração da aquicultura e hidroponia e há um interesse crescente
pela atividade por poder ser empregada para produzir alimentos mais perto dos centros
urbanos. Existem poucos estudos sobre a produção aquapônica em escala comercial, e
o objetivo desta pesquisa foi documentar os métodos de produção, safras e peixes, e a
lucratividade da aquaponia comercial nos Estados Unidos (EUA) e internacionalmente.
Para isso, uma pesquisa online foi aplicada e 257 pessoas relacionadas a atividade
responderam. Entre os principais resultados:
O ano médio em que os entrevistados começaram a praticar aquaponia foi
2010 e cerca de 80% dos que responderam eram dos EUA;
Os animais aquáticos mais comumente criados foram tilápia (69%),
peixes ornamentais (43%), bagres (25%), outros animais aquáticos
(18%), perca (16%), bluegill (15%), truta ( 10%) e bass (7%);
JAN/MAR 2021
Entre algumas das principais plantas cultivadas com mais
frequência pelos entrevistados foram as seguintes: manjericão
(Ocimum basilicum 81%), folhas verdes (76%), tomate (Solanum
lycopersicum, 68%), alface (Lactuca sativa, 68%), couve (Brassica
oleracea, 56%), acelga (Beta vulgaris subespécie cicla, 55%), pimentas
(Capsicum annuum, 48%), e pepinos (Cucumis sativus, 45%);
31% dos entrevistados relataram que sua operação foi lucrativa nos 12
meses anteriores. Mais da metade (55%) previu lucratividade nos próximos
12 meses e quase três quartos dos entrevistados previram que seriam lucrativos em 36
meses.
Quer saber os demais resultados? Confira no periódico Aquaculture:
https://doi.org/10.1016/j.aquaculture.2014.09.023
58
PARCEIROS NA 22° ED:
enquanto isso no antigo egito...
quando o cão pastor é de um
produtor de peixes
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
59
JAN/MAR 2021
Fábio Sussel
Pesquisador Científico em Aquicultura e Apresentador Canal #VaiAqua
Pirassununga, SP
fabiosussel@hotmail.com
Ainda somos criadores de peixe e camarão,
não produtores de proteína aquática
Vaidades por espécies, por sistemas de cultivos,
costumes regionais, fazer melhor que o vizinho
e individualidade. Essas são ainda as principais características
da nossa aquicultura. Pessimismo? Negativismo?
Não, não... apenas uma constatação da realidade.
Ao menos é a minha percepção a respeito de uma
grande maioria dos pioneiros da atividade. Felizmente
temos bons cases de criadores que transformaram
suas pequenas produções em grandes negócios, seja
na tilápia, no camarão, nos nativos, na produção de
alevinos ou na larvicultura de camarão. Não há problema
algum em ter preferência ou apostar em uma
espécie ou sistema de cultivo. O que não pode é ter
vaidade ou resistência para ajustar a rota. Até porque,
todos que encontram-se na atividade estão, acima de
tudo, como negócio.
Enquanto isto, o que se vê são grandes organizações
especializadas em produção de proteína animal
cada vez mais voltando suas ações para a proteína
aquática. Copacol, C. Vale, JBS (Seara), são alguns
exemplos. O que é bom, muito bom por sinal. Mas
poxa, por que não os aquicultores tomarem a frente
disso? Talvez não com a mesma pujança destas grandes
empresas, mas ao menos com o mesmo foco,
com a mesma visão de negócios. Eu mesmo tenho
a resposta pra isto: individualidade! Ressalta-se que
mesmo individualmente, alguns foram lá e fizeram
acontecer. Tiro o chapéu pra estes. Não vou citar
estas empresas aqui porque corro o risco de deixar
algumas de fora. Mas se estas empresas buscassem
estratégias de compartilhamento de estrutura, de logística,
de campanhas de marketing, entre outras, talvez
teríamos uma atuação mais agressiva partindo dos
aquicultores pioneiros. Como sempre digo: sozinho
se vai mais rápido, juntos vamos vai longe.
Faço alguma ideia do quanto é complicado a gestão
de algo do tipo. Só que enquanto isto, grandes empresas
não especializadas em pescado estão ficando com a
maior fatia do bolo. Colocando em check inclusive estas
empresas especializadas em proteína aquática que
tiveram louváveis iniciativas individuais.
A inspiração para abordar este tema surgiu por
conta das discussões que acompanho nos grupos de
WhatsApp, tanto de piscicultura quanto de carcinicultura.
É recorrente a reclamação dos produtores em
relação aos intermediários. A bem da verdade, atravessadores.
Entendo que tenha uma grande diferença
entre um e outro. Intermediário é aquele que faz a
intermediação entre as partes interessadas. Atravessador
é aquele que só está interessado em ganhar, tanto
na compra quanto na venda. E lamentavelmente, seja
no peixe ou no camarão, só temos atravessadores.
Os quais não estão nem um pouco preocupados com
a qualidade do produto. Já vi exceções, mas via de
regra, por falta de cuidados, depreciam a qualidade
do peixe e do camarão, implicando em menor valor
de revenda e, desta forma, impossibilitados de pagar
melhor para o produtor.
Constata-se então dois cenários bem caracterizados:
1) Os aquicultores pioneiros que individualmente
conseguiram se verticalizar disputando mercado com
grandes empresas não especializadas em proteína
aquática; e 2) Produtores de peixe e camarão brigando
com os atravessadores para sobreviverem no negócio.
Em ambos os casos, pouca ou nenhuma ação coletiva
para resolver sendo realizada. Aliás, no caso dos atravessadores,
nota-se que são mais organizados que os
produtores. Talvez porque um atravessador não tem
interesse em ter um caminhão mais bonito que o seu
colega de profissão. Enquanto que o aquicultor ainda
tem como meta ser melhor que o vizinho. O que não
tem problema algum, desde que o vizinho em questão
tenha resultados extraordinários.
Sei bem que apontar defeitos é fácil, difícil é trazer
soluções. Mas neste caso, o começo da solução
do problema passa pela identificação do cenário e
em seguida uma mudança de mentalidade. Vou dar
um exemplo: No meu tempo de vendedor de ração,
60
PARCEIROS NA 22° ED:
quando frequentava muito as feiras
agropecuárias, era nítida a vaidade dos
pecuaristas pelas raças bovinas. Cada
raça tinha uma associação e ainda uma
revista impressa. Notava-se um orgulho
diferenciado especialmente nos
criadores de raças europeias, maior
porte e carne mais marmorizada. Lindas,
mas só põem peso se tiver comida
boa no cocho. Logo, a conta não
fecha. Até raças sintéticas surgiram.
Por sinal, super válida a iniciativa. Porém,
o mercado ditou a regra: “É pra
ganhar dinheiro? Então vai no nelore
ou no máximo em um cruzamento
industrial pra algumas situações específicas.”
Sei que no caso do peixe isto
nunca irá acontecer, pois, trata-se de
espécies diferentes. Mas o paralelo
que quero traçar com a bovinocultura
é em relação ao entendimento do
negócio: produzir carne bovina e não
esta ou aquela raça.
O cenário de escoamento do pescado
produzido está aí, não enxerga
quem não quer. Quanto a produção,
precisamos urgentemente começar a
pensar em produzir proteína aquática.
Criar peixe ou camarão X produzir
proteína aquática, pode ser só um
jogo de palavras. Igualmente é intermediário
X atravessador. Ter o devido
entendimento do que realmente é
um e outro, pode fazer toda a diferença.
#VaiAqua!
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
61
Diego Maia Rocha
Sócio-Diretor Synbiaqua Cultivos Aquáticos
Natal, RN
diegomaiarocha@synbiaqua.com.br
JAN/MAR 2021
Afinal, quais são as possibilidades da carcinicultura
brasileira voltar a exportar grandes volumes em
2021? E por que essa ação seria tão importante?
Depois de um longo período de adormecimento,
pelos diversos motivos imagináveis (desvalorização
cambial, ação antidumping, perda de competitividade,
preço favoráveis do mercado interno), a
carcinicultura brasileira, volta a ter de fato uma maior
mobilização para participar do cenário mundial das exportações
de camarões, essa iniciativa vem ocorrendo
por intermédio dos mais variados grupos de fazendas,
e nesse artigo vamos entender o que anda acontecendo
nos bastidores sobre o tema.
I. O que tem motivado interesse
Segundo a ABCC, entre 2016 e 2020 a produção de
camarão no Brasil cresceu aproximadamente 86,67%,
saindo de 60.000 para 112.000 toneladas, um crescimento
na casa de 16,9% a.a. Todos já devem ter ouvido
falar na máxima de mercado, que quando a oferta
de um produto aumenta, o preço médio despenca.
Embora o aumento tenha sido representativo, não
transparece na realidade de consumo, pois a média
mensal de consumo per capita de camarão não ultrapassa
70 g/mês no Brasil, o que indicaria um potencial
ainda maior para absorver aumentos de produção.
Mas então, por que o preço despencou? Ocorre
Tabela 1. Principais exportadores de camarão de médio e pequeno porte EUA -2003.
62
PARCEIROS NA 22° ED:
que, quando falamos nos atores que participam no
desenvolvimento e promoção da indústria, temos que
pensar em: produtores (fazendas e laboratórios), compradores
de feiras, restaurantes e beneficiamentos (diferentes
formatos de produtos). O aumento rápido da
produção, não foi acompanhado pelo aumento no número
de compradores e de novas indústrias e formas
de produto, e isso causa um reflexo.
Por isso, dois aspectos de diferentes perspectivas motivam
os produtores brasileiros a buscar o mercado externo:
o primeiro, é a complexa relação de vendas no mercado
interno e o segundo, são as vantagens de opções e
equalizações de preços que as exportações podem trazer.
II. Relembrando o histórico das
exportações
Aos que não participaram desse período, vale aqui,
citar algumas lembranças que fazem esse tema ser
tão saudoso. Entre 2003 e 2004, as exportações de
camarão do Brasil representavam aproximadamente
76 a 78% do destino da produção. Nesse período,
o Brasil participava com destaque nas exportações
de pequeno e médio porte para EUA e de camarão
tropical para a UE. (Tabela 1 e 2).
Ranking Países Volume Valor (US$x1000) Part%(Vol) Part%(US$)
1º Brasil 17.463 72.143 25% 23,51%
2º China 14.065 58.990 20% 19,22%
3º Equador 12.547 56.214 18% 18,32%
4º Tailândia 7.828 37.422 11% 12,19%
5º Venezuela 2.549 10.254 4% 3,34%
Subtotal 54.452 235.023 78% 76,58%
Outros 15.249 71.889 22% 23,42%
Total 69.701 306.912 100% 100,00%
Fonte: Aliceweb, 2003
Tabela 2. Principais exportadores de camarões de águas
quentes para UE - 2004.
Ranking País Volume Part (%)
1º Brasil 43.019 25,57%
2º Índia 38.107 22,65%
3º Equador 31.108 18,49%
4º Indonésia 31.013 18,43%
5º Bangladesh 21.459 12,76%
6º China 3.525 2,10%
Total 69.701 306.912
Fonte: Eurostat, 2004
III. Cenário mundial das importações
de camarões
Dados divulgados pela undercurrent news em janeiro
deste ano, apontam que nos últimos 7 anos, o ritmo
de crescimento das importações mundiais de camarões
segue perto dos 6% a.a. Apenas para exemplificar, durante
esse período, as importações de camarões passaram
de 2,03 para 3,05 milhões de toneladas, um aumento
de 1,1 milhão de toneladas no período de 2012 a 2019.
Apesar da retração de 3% em 2020 (3,04 milhões
de toneladas), devido aos impactos relacionados com a
COVID, existe uma expectativa positiva para os próximos
anos, justificada com as previsões de crescimento
econômicos dos países desenvolvidos.
IV. Possibilidades reais para o brasil e
mercados
No ano de 2020, com muito esforço comercial, houve
ensaios para o retorno das exportações, com destino a
Ásia. Embora os volumes tenham sido baixos 82,4 toneladas
e US$ 344.032, foi um marco e importante iniciativa
para restabelecer processos internos e necessários ao
retorno do camarão brasileiro ao cenário internacional.
Tabela 3. Volume exportado em 2020 e até o mês de abril de 2021.
UF 2020 2021 (Jan-Abr)
Volume (kg) Valor (US$) Volume (kg) Valor (US$)
Pernambuco 63.318 273.497 60.282 264.052
Paraíba 19.152 70.541 22.020 80.504
Total 82.470 344.038 82.302 344.556
Fonte: Aliceweb, maio/2021
Para 2021, até o momento já se atinge números
semelhantes com o mesmo destino do ano anterior
(Tabela 3) e já se sabe que há movimentações em andamento
para exportações para os EUA. Outros mercados
consumidores importantes, já estão sendo prospectados,
em especial a UE e a China, mas existem
ainda, processos burocráticos a serem concluídos.
União Europeia - No caso da U.E, o direito de
exportar foi cessado devido ao não cumprimento de
exigências acertadas pela U.E com o MAPA, há alguns
anos e desde então, independente se a origem é aquicultura
ou pesca, não há exportação.
China - Em relação a China, o Brasil não tem habilitada
a espécie L. vannamei de cultivo liberada para exportação,
e por esse motivo ainda não pode exportar.
Para ambas as situações, esforços vêm sendo feitos
para dar celeridade a resolução dos processos.
Os preços no mercado internacional têm ficado
atrativo nas últimas semanas e dois fatores contribuem:
as dificuldades que a Índia tem enfrentado com a pandemia
e desastres naturais e o avanço da vacinação nos
principais mercados consumidores que tem elevado a
demanda. A situação das exportações e importações
de camarões seguem aquecidas.
V. Desafios e reflexos para o mercado
interno
Voltar a exportar de forma consistente e crescente
é um dos desafios mais importantes para carcinicultura
brasileira, não bastassem os entraves com burocratização,
vamos finalizar o mês de junho com o menor dólar
do ano e a torcida nesse momento, é que ele volte
aos patamares do primeiro trimestre.
Com a possibilidade de abertura das exportações, a
venda de camarão no mercado interno pode ganhar o
folego necessário para que a indústria como um todo
continue seu ritmo de crescimento e ocupe o papel de
destaque que todos nós imaginamos que ela possa ter.
Mais do que nunca, é
possível ver uma luz no
fim do túnel, porém o caminho
até lá, como sempre,
não será fácil.
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
63
JAN/MAR 2021
Roberto Bianchini Derner
Laboratório de Cultivo de Algas
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Florianópolis, SC
roberto.derner@ufsc.br
Na Coluna desta Edição apresento um texto elaborado
pelo Professor Leonardo Rörig e pelo
Pesquisador (Pós-Doc) Eduardo de Oliveira Bastos,
ambos do Laboratório de Ficologia (LAFIC) da Universidade
Federal de Santa Catarina. Tanto os efluentes domésticos
como os da Aquicultura, mesmo depois dos
tratamentos convencionais, geralmente apresentam níveis
elevados de nutrientes inorgânicos e micropoluentes,
que podem causar eutrofização e outros efeitos
ambientais nocivos. Para a remoção desses poluentes
se faz necessário o tratamento terciário, que envolve o
uso de processos químicos dispendiosos ou de sistemas
com seres vivos (plantas e algas).
Os efluentes da crescente e estratégica atividade
de Aquicultura muitas vezes não recebem tratamento
adequado, apesar de suas elevadas cargas poluidoras,
entretanto, há diversas iniciativas de pesquisa no Brasil
envolvendo tratamento terciário ou polimento de
efluentes com sistemas de macrófitas aquáticas (plantas),
que são excelentes alternativas sustentáveis para
esse fim. Porém, o emprego das algas para essa finalidade
revela que essas são até dez vezes mais eficientes na
remoção dos poluentes/nutrientes (N, P e C, p. e.) de
efluentes do que as plantas, logo, seu potencial merece
ser explorado, a exemplo de países como os EUA, China,
Índia, Austrália etc.
O desenvolvimento de abordagens de ficorremediação
utilizando sistemas de tapetes algais biofiltrantes
(TAB) ou Algal Turf Scrubbers (ATS) promete ser uma solução
altamente eficiente e de baixo custo. Os ATS são
sistemas de engenharia ecológica que exploram a atividade
metabólica de algas fixadas a substratos (malhas)
para remoção de nutrientes/poluentes. Nesses sistemas,
inicialmente desenvolvidos nos EUA por Walter Adey, a
água carregada de nutrientes/poluentes flui sobre leitos
cobertos com telas (calhas) que favorecem a adesão de
algas e, é depurada à medida que passa pelo tapete de
algas através da assimilação dos nutrientes inorgânicos,
BIOTECNOLOGIA DE
ALGAS
Algal Turf Scrubber – uma solução simples e
barata para auxiliar no tratamento dos efluentes
em sistemas de Aquicultura
gerando o crescimento de uma biomassa com diversos
potenciais de uso. Assim, no final da calha, a água é liberada
de volta ao corpo de água, com menor concentração
de nutrientes e maior concentração de oxigênio
dissolvido. Vale esclarecer que as taxas de crescimento
fotossintético em um ATS estão entre as mais altas já
registradas para ecossistemas naturais ou gerenciados.
Atualmente, a tecnologia original de ATS nos EUA
é comercializada pela empresa HydroMentia, Inc., que
tem unidades na escala de hectares, entretanto, a ampliação
dos sistemas ATS para tratamento de esgotos
começou em meados da década de 1990 com uma
unidade de tratamento em Patterson, Califórnia, onde o
emprego das águas residuais secundárias da estação de
tratamento de esgoto da cidade, em uma série de pulsos
com fluxo médio de 600.000 L dia -1 , levou à produção
média anual de 35 kg m -2 de biomassa e elevadas
taxas de remoção de nutrientes/poluentes. Nesse caso,
a biomassa algal resultante mostrou-se um excelente
biofertilizante, cuja comercialização permitiu compensar
grande parte do investimento no Sistema.
Diversos cientistas e operadores afirmam que à medida
que os ATS forem ampliados para aplicação em bacias
hidrográficas inteiras, a tecnologia catalisará uma “economia
verde”, com geração de empregos e estímulo a
empresas derivadas que usariam a biomassa algal. Estudiosos
relatam que, em muitas regiões dos EUA, p. e., a
produtividade das algas em ATS é principalmente limitada
pela baixa oferta de luz solar e pela temperatura, entretanto,
esses aspectos seriam problemas menores em países
de clima predominantemente tropical como o Brasil.
Uma iniciativa de colaboração entre o LAFIC/UFSC
e o Departamento de Engenharia de Biossistemas da
Universidade de Auburn – um dos grupos pioneiros na
pesquisa em ATS -, possibilitou uma série de experimentos
visando padronizar os sistemas ATS para as
condições brasileiras, especialmente no que se refere a
águas eutrofizadas (rios, lagos, estuários) e efluentes de
64
PARCEIROS NA 22° ED:
Aquicultura. Na UFSC, com apoio do Departamento
de Aquicultura, o LAFIC avaliou a aplicação de um sistema
de ATS em escala piloto (Fig. 1 A, B e C - 8 m
de rampa coberta com tapetes algais) e constatou a depuração
da água de lagoas de decantação de efluentes,
com a remoção de fósforo e nitrogênio ultrapassando
80% em 24 horas de recirculação dos efluentes (200 L).
Mais recentemente, utilizando princípios da aquicultura
de algas, foram desenvolvidos experimentos em escala
laboratorial, onde as algas (Ulva spp.) foram “semeadas”
sobre o sistema (Fig. 1 D e E), resultando na aceleração
da maturação dos tapetes e aumentando a eficiência de
remoção de nutrientes e produção de biomassa.
Dessa forma, por conta dos excelentes resultados e
por ser um sistema simples e de baixo custo, os Pesquisadores
apontam que o ATS tem tudo para se popularizar
como uma alternativa baseada na natureza para a
depuração de águas com elevada carga de nutrientes/
poluentes, visando inclusive ao reuso da água e ao aumento
da sustentabilidade em Aquicultura.
Consulte as referências bibliográficas em
www.aquaculturebrasil.com/coluna/biotecnologiadealgas
Figura 1. Imagens dos ATS piloto (A, B, C) e de bancada (D, E) do LAFIC-UFSC. A: fase inicial com biofilme de diatomáceas;
B: transição para Ulva spp.; C: fase clímax com Ulva spp.; D, E: mini-ATS com Ulva ohnoi “semeada”.
A B C
D
E
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
65
Eduardo Gomes Sanches
Instituto de Pesca/APTA/SAA
Ubatuba, SP
eduardo.sanches2005@gmail.com
JAN/MAR 2021
A magia dos pigmentos
O
ano de 2020 foi muito complicado. A
pandemia, a crise econômica e a redução
significativa dos investimentos em ciência fizeram cada
um de nós repensar suas estratégias e posicionamentos
para uma realidade bem diferente. Aqui no Instituto
de Pesca não tem sido diferente. Cada pesquisador
buscou “reinventar-se”.
As atividades com a aquicultura ornamental aqui
no laboratório trouxeram de volta os desafios e a
empolgação que, dada as condições atuais, andavam
meio que dormentes. Os ciclídeos ornamentais
(discos, bandeiras e apistos) estão se reproduzindo e
seus filhotes têm possibilitado que diversas pesquisas
possam ser executadas. Paralelamente, a cada dia surgem
questões que demandam respostas por meio da
investigação científica.
Uma das questões recentes e que citei na coluna
anterior, foi o fato de que os discos (Symphysodon
sp.) variedade “red royal” (dotados de um vermelho
intenso) após um pequeno período nos aquários perderam
grande parte da intensidade da cor. Não foi
preciso muito empenho para descobrir que o vermelho
intenso era resultado de doses elevadas de astaxantina
(um pigmento que acrescido na dieta intensifica
a coloração vermelha). Sem esta “dieta especial”
a intensidade das cores diminuiu. Confesso que isto
não foi legal... a sensação era de que tínhamos sido
“enganados” e isto não é bom pensando em termos
da relação fornecedor e consumidor. Por outro lado,
canalizamos nossa “indignação” para investigar o que
poderíamos aprender com esta situação.
A qualidade e o valor de uma espécie ornamental
são determinados por diversos fatores, sendo a coloração
a mais importante. A cor é um valor estético
que afeta o valor econômico. Um dos desafios na
aquicultura ornamental consiste em obter peixes com
cores intensas. Aqui cabem algumas considerações. A
cor da pele dos peixes é originada dos cromatóforos
que são células que contêm pigmentos que refletem
a luz. Dentre estes pigmentos se destacam os carotenóides.
Os peixes, assim como outros animais, não
têm capacidade de síntese de carotenóides e, assim,
estes precisam ser supridos via dieta. Portanto, dietas
deficientes em carotenóides causam diminuição da
pigmentação da pele e conseqüente diminuição do
valor de mercado dos peixes ornamentais. Até aqui
tudo bem. O problema é que super dosagens de carotenóides
provocam coloração intensa, mas quando
esta dieta é suprimida esta coloração “diferenciada”
vai embora... isto gera uma questão ética que cabe
reflexão. Mas isto é assunto para outro momento.
Vamos continuar tentando entender a questão da pigmentação
em peixes.
O carotenóide mais utilizado mundialmente na
aquicultura é a astaxantina. A suplementação de astaxantina
na dieta representa 15-20% do custo total
da alimentação, ou 6-8% do custo total de produção
para o salmão do Atlântico (para que os filés tenham
aquela cor alaranjada). E na aqüicultura ornamental, a
suplementação de astaxantina na dieta também implica
em elevação significativa de custos. Outra coisa
que aprendemos é que em função do alto custo da
astaxantina é preciso avaliar diferentes fontes naturais
de carotenóides como substitutivos. E aqui começa
algumas experiências interessantes que pesquisadores
brasileiros têm conduzido avaliando substitutos para
a astaxantina. O urucum Bixa orellana é uma planta
com distribuição ao longo da América Central e América
do Sul. Apresenta-se como um arbusto perene,
podendo ser encontrada de forma grande ou como
uma árvore pequena, variando de 2 a 5 metros de
altura. Muito utilizada pelas comunidades indígenas
com o intuito de pigmentar a pele com a cor vermelha
sendo a palavra urucum originada da palavra “uru-
-ku” que tem origem na língua indígena tupi. O Brasil
se destaca como o maior produtor mundial de urucum,
sendo que o estado de São Paulo detém 28%
da produção nacional. Diversos trabalhos demonstraram
a eficiência da utilização de sementes de urucum
na alimentação animal, sendo que o principal tema
66
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 1. Exemplar de disco
Symphysodon sp. mantido em
laboratório. © Eduardo G. Sanches
abordado tem sido a alimentação de aves
com o objetivo de melhorar a coloração das
gemas de ovos. Estudos recentes mostram a
viabilidade da utilização do urucum também
para incrementar a pigmentação em peixes
ornamentais.
Existem diversos outros pigmentos de
origem vegetal (as flores são uma excelente
fonte de carotenóides) que poderiam ser
utilizados para intensificar a pigmentação de
peixes ornamentais. A par desta relevante
linha de pesquisa que pretendemos iniciar,
não podemos deixar de refletir sobre a intensificação
“exagerada” das cores através de
“super” dosagens de carotenóides na dieta.
Seria importante proporcionar maiores esclarecimentos
ao consumidor, visando reduzir
a “sensação de ter sido enganado”. Por
outro lado, não se pode ignorar os benefícios
que a suplementação de carotenóides
pode proporcionar aos peixes ornamentais
mantidos em aquários, sem acesso a fontes
naturais de pigmentos. A lição que fica é que
parece que o bom senso, uma matéria prima
cada vez mais rara nas relações humanas,
precisa existir, ao se introduzir astaxantina na
dieta de peixes ornamentais. Sabe o título da
coluna “a magia dos pigmentos”? Sabe a definição
de magia? “Arte tida como capaz de
produzir, por meio de certas práticas ocultas,
efeitos ou fenômenos extraordinários”.
Fica a reflexão. Até a próxima coluna. E não
esqueça que a aquicultura ornamental, de
pequena, só tem o peixe !!!
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
67
Maurício Gustavo Coelho Emerenciano
CSIRO - Austrália
mauricio.emerenciano@csiro.au
*As opiniões citadas abaixo do primeiro autor são exclusivamente pessoais e não necessariamente remetem as
opiniões das instituições vinculadas ao mesmo.
JAN/MAR 2021
Casamento pra lá de produtivo!
Parcerias público-privadas nos cultivos
superintensivos em escala comercial
Tema debatido e citado em diversos fóruns,
as parcerias público-privadas são iniciativas
que aproximam a academia e o setor produtivo. É
o melhor dos dois mundos: o rigor da ciência com
a escala, demanda, especificidade e experiência da
indústria. Na aquicultura, mais especificamente nos
cultivos de camarões marinhos, essas parcerias vêm
crescendo principalmente na área de nutrição (com
testes de aditivos nas rações) ou com avaliações de
suplementos na água. No entanto, são escassos no
Brasil e no mundo os testes com aprimoramento
de técnicas de produção ao longo de diversos ciclos,
com desenvolvimento de protocolos específicos
para determinada fazenda ou região, com sua
respectiva análise de viabilidade econômica, acompanhamento
rigoroso dos parâmetros de qualidade,
da saúde dos animais, microbiologia da água e do
manejo alimentar.
Neste sentido, a coluna Green Technologies
desta edição traz um exemplo inédito neste sentido
no mundo (ao menos que se tem conhecimento).
Uma parceria público-privada entre o CSIRO-Austrália
e a empresa Viet-Uc do Vietnã realizada em
uma de suas fazendas de engorda localizada no Mekong
Delta. O CSIRO é a agência nacional de pesquisa
da Austrália, e a Viet-Uc é a maior produtora
de pós-larvas daquele país (Vietnã produz mais de
600 mil ton/ano), e que recentemente está investindo
na engorda e processamento. Este projeto, no
qual tive o imenso prazer de participar, ao longo de
3 anos acompanhou minuciosamente mais de 130
viveiros comerciais de produção. Todos os detalhes
desse pioneiro projeto foram detalhados em recente
artigo publicado na revista Global Aquaculture
Advocate e replicado na revista Panorama Acuícola
do México/Equador.
Entre as principais características e o que mais
chamam a atenção estão o trabalho de base de identificar
os pontos críticos e de riscos. Um verdadeiro
trabalho de “detetive” com intuito de antever os problemas,
trazer consistência e uniformidade na produção,
aumentar os índices produtivos, mas sempre
com foco na lucratividade. Ao contrário de muitas
frentes que priorizam os “quilos/m 3 ” (produzir mais),
um dos objetivos deste projeto foi identificar ao longo
do tempo oportunidades de melhorias na viabilidade
econômica. Ou seja, não basta somente pro-
Figura I. A
parceria públicoprivada
entre o
CSIRO-Austrália e
a empresa Viet-Uc
do Vietnã foi capa
da edição de
janeiro-fevereiro da
revista Panorama
Acuícola do
México/Equador.
68
PARCEIROS NA 22° ED:
Green
TECHNOLOGIES
duzir mais, mas sim produzir mais de maneira viável
e competitiva, identificando os pontos de equilíbrio.
Outra frente importante foi o treinamento constante
de funcionários, a criação de um laboratório
específico de qualidade de água (exclusivo para o
projeto), com assistência de outros laboratórios com
testes de PCRs, microbiologia da água e histologia
dos animais. Além disso, foram realizados testes de
novos sensores de água acoplados a inteligência artificial
e arquivos em nuvem, e desenvolvimento de
softwares customizados de manejo. A cada experimento,
20 a 24 viveiros de 600m ³ em ambiente
fechado (estufas) eram monitorados testando diferentes
abordagens: sistemas (bioflocos, água-clara,
híbridos, etc.), manejo alimentar, capacidade de
suporte (150 a 600 camarões/m 2 ), microbiologia da
água e controle de patógenos, aditivos e suplementos
na ração e na água, sistemas de aeração, estratégias
de despesca, sensores e monitoramento em tempo
real, manejo de sólidos, entre outros. Os resultados
ao final de 5 experimentos trouxeram sobrevivências
constante com mais de 85%, conversões alimentares
abaixo de 1,3 e produções uniformes com mais
de 40 ton/ha/ciclo (últimos ciclos ultrapassando os
45 ton/ha/ciclo, com viveiros com média de apenas
1,2 m de profundidade).
Este projeto demonstrou que as parcerias público-
-privadas são um casamento pra lá de produtivo. O
rigor da academia, com método e embasamento científico
pode sim trazer benefícios para a indústria, identificando
oportunidades de melhorias, mitigando riscos,
trazendo resiliência e competitividade. Até a próxima!
Para acessar os artigos completos citados acima,
os links são:
• https://www.aquaculturealliance.org/advocate/
collaboration-drives-innovations-in-super-intensive-
-indoor-shrimp-farming/
• https://panoramaacuicola.com/2021/02/25/panorama-acuicola-26-2_enero_febrero_2021/
Figura 2. Sistema de bioflocos sendo aplicado e aprimorado em fazenda comercial no Vietnã.
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
69
NUTRIÇÃO AQUÍCOLA
JAN/MAR 2021
Artur Nishioka Rombenso
CSIRO – Austrália
IPEMAR – Brasil
artur.rombenso@csiro.au
No início de fevereiro publicamos, em colaboração
com pesquisadores da Austrália, Brasil,
China e México, um artigo na Global Aquaculture Advocate
sobre as tendências das pesquisas em macronutrientes
(proteína, lipídeo e carboidrato) na nutrição
aquícola. Acredita-se que a pesquisa em nutrição aquícola
concentra-se principalmente na área proteica,
seguida pelos lipídeos, enquanto que os carboidratos
são comumente negligenciados. Esse impulso está associado
à relação direta entre proteína e crescimento
animal, à elevada demanda de proteína por animais
aquáticos e sua alta contribuição para o custo final da
ração. Para tal fizemos um levantamento bibliográfico
sobre o tema no Scopus, abrangendo o período
compreendido entre 1990 e 2020 e, como esperado,
encontramos 10.852, 6.098 e 1.363 artigos científicos
publicados em inglês relacionados, repectivamente, a
proteínas, lipídeos e carboidratos (Figura 1). Um total
de 807 artigos foram encontrados contendo esses três
macronutrientes num único estudo, porém isso não
significa que os mesmos tenham sido estudados simultaneamente.
Além disso, uma variedade de tópicos relacionados
a proteínas e lipídeos, tais como sua fonte,
inclusão alimentar ideal e substituição de farinha ou óleo
de peixe foram observados nessa busca bibliográfica.
Também verificamos que o número total de artigos
para as principais espécies de peixes criadas mundialmente
relacionados com proteínas, lipídeos e carboidratos
(5.594, 3.020 e 609) foram superiores aos das
espécies de crustáceos (973, 469 e 122, respectivamente).
Em peixes marinhos e espécies de água fria, a
diferença entre a pesquisa de lipídeos e proteínas é reduzida,
porém a proteína ainda é a prioridade. Curiosamente,
em salmões (do Atlântico e chinook), o número
de artigos relacionados a lipídeos e proteínas foi semelhante,
devido à importância dos lipídeos na nutrição
*As opiniões citadas abaixo são exclusivamente pessoais do autor e não necessariamente remetem as opiniões das instituições
vinculadas ao mesmo.
Pesquisa em macronutrientes na
nutrição aquícola
dessas espécies e ao elevado interesse do consumidor
pelo ácidos graxos ômega-3.
Apesar dessa hegemonia proteica, é importante
refletirmos em termos globais sobre as principais espécies
produzidas e a composição das respectivas rações
(nível de proteína, lipídeo e carboidrato) em termos
de volume. Assim por exemplo, considerando o
volume das principais espécies de aquicultura produzidas
(carpas 31,5%; tilápia 13,2%; e outras espécies
como bagre, camarão marinho, espécies de peixes
marinhos e salmão representando 37,6% do volume
global) – segundo a Organização para Alimentos
e Agricultura de Nações Unidas (FAO 2019) - ingredientes
à base de lipídeos e carboidratos contribuem
pelo menos com a metade dos custos globais de produção
de alimentos aquáticos. Esses macronutrientes
representam um componente econômico essencial,
não apenas para as fábricas de rações, mas para toda
a indústria de aquicultura.
Pesquisas futuras focadas em melhorar não apenas
a produtividade animal - mas também a eficiência
de custos, os impactos na saúde e no meio ambiente
- precisarão mudar o foco das fontes ricas
em proteínas e considerar cada vez mais o papel
dos lipídeos e carboidratos em formulações futuras.
Espero ter apresentado um novo ponto de vista
e dado um exemplo da importância de pensarmos e
questionarmos além do status quo. Para mais detalhes
sobre a metodologia, espécies investigadas, resultados e
discussões, recomendo a leitura de nosso artigo*.
*Rombenso, A.N., Esmaeili, M., Araujo, B., Emerenciano,
M., Truong, H., Viana, M.T., Li, E., Simon, C.,
2021. Global Aquaculture Advocate. 8 February 2021
70
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 1. Número de publicações em macronutrientes nas principais espécies criadas mundialmente.
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
Peixes marinhos
Tilápia
Salmão
Truta arco-íris
Carpas
Bagres
Camarão branco do Pacífico
Caranguejos
Camarões de água doce
Crayfishes
Camarão Tigre Negro
Decápodos marinhos
Proteína Lipídeo Carboidrato
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
71
JAN/MAR 2021
Visão
aquícola
Giovanni Lemos de Mello
Bem amigos da aquicultura brasileira!
Estamos mais uma vez apresentando uma inovação
para fortalecer a criação de organismos aquáticos
no Brasil. A ideia é contribuir com a disseminação
de conteúdo técnico de qualidade e garantir a
acessibilidade a todos, aliás, uma de nossas principais
missões.
E nada melhor do que dispor de um “canal de
aquicultura” no rádio do carro, como nos velhos tempos,
ou melhor, agora através de podcasts. Moderno,
mas sem perder a essência.
Mas, como surgiu o Aquacast?
Iniciativa da Marilsa Patrício, que me ligou em um
domingo à noite para ver o que eu achava da ideia. O
que eu acho? Bora começar as gravações!
Nossa ideia era repetir a mesma parceria de sucesso
da Super Live do Pescado. Aliás, que evento
fantástico realizado em novembro de 2020, na Sede
da FIESP, em plena Avenida Paulista!
O querido amigo Ricardo Torres, editor da Seafood
Brasil, por hora não pode assumir mais este
compromisso. Ficamos então nós da AB, Aquishow
na Rede (Marilsa Patrício e Émerson Esteves) e #VaiAqua
(Fábio Sussel), responsáveis por tocar o barco do
primeiro podcast da aquicultura brasileira, o Aquacast.
Diz a Marilsa que nos tornamos “podcasters”! Menos
né... rsss...
Em 24 de maio de 2021 foi ao ar o primeiro
Aquacast, e já com um tema polêmico: “Relação setor
produtivo e universidades/institutos de pesquisa”.
A ideia é levar informação e conteúdo de um jeito
inovador, através de debates semanais entre os participantes,
com a coordenação da Marilsa Patrício, aliás,
viva as mulheres da aquicultura brasileira!
Polêmicas, dicas e irreverência também fazem
parte da fórmula do Aquacast.
Enquanto escrevo esta coluna, quatro episódios já
estão disponíveis em diferentes plataformas:
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Editor-chefe da Revista Aquaculture Brasil
Laguna, SC
giovanni@aquaculturebrasil.com
Aquacast – o primeiro podcast da
aquicultura brasileira
Aquacast #01 - Relação Setor produtivo e universidades/Institutos
de Pesquisa
Aquacast #02 - Inserção de uma nova espécie no
mercado nacional
Aquacast #03 - A integração na produção de pescados
Aquacast #04 - Extensão rural e assistência técnica
Já tive a oportunidade de falar aqui e reforço, que
satisfação concretizar parcerias, projetos e ações em
prol do fortalecimento da aquicultura brasileira com
amigos como estes.
Você pode acessar o Aquacast em diferentes plataformas,
através do link:
https://anchor.fm/podcastaquacast
Apresentadores do Aquacast:
• Émerson Esteves, Aquishow na Rede
• Fábio Rosa Sussel, #VaiAqua
• Giovanni Lemos de Mello, UDESC e Aquaculture
Brasil
• Marilsa Patrício Fernandes, Aquishow na Rede.
Figura 1. Bastidores da gravação do primeiro episódio do Aquacast.
72
PARCEIROS NA 22° ED:
Aquacast - O primeiro
podcast da aquicultura
brasileira.
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
73
Marcelo Shei
Fundador da Altamar Sistemas Aquáticos
Santos, SP
shei@altamar.com.br
JAN/MAR 2021
RAS e consumo de energia durante a
bandeira vermelha
principal característica de um sistema de Aquicultura
em Recirculação (RAS) está na recicla-
A
gem do efluente dos tanques de cultivo, resultando
na diminuição da demanda de água nova. Apesar de
remeter a ideia de que toda a água é reciclada, um RAS
é idealizado para diminuir a necessidade de trocas, mas
não a sua ausência.
Independentemente de quais métodos ou processos
serão utilizados em um sistema de recirculação
(RAS), a demanda de energia elétrica é comum
a todos. A matriz energética e os recursos utilizados
para a sua transformação ditam o impacto ambiental e
também os custos que chegam ao consumidor. A demanda
continua por movimentação de água, aeração/
oxigenação e controle térmico da água são os principais
pontos de consumo em um RAS. Além disso, o
método de produção, a espécie e o clima
são alguns dos fatores que influenciam a demanda
de energia e o custo de produção.
De forma geral, quanto maior for a densidade
de estocagem, maior é o impacto da
energia no custo produtivo. Sistemas mais
intensos demandam mais circulação de água
para a remoção de sólidos e nitrogenados e
também mais oxigenação. Com isso, é crucial
que estruturas comerciais tenham de buscar a
maior eficiência energética possível.
Nos sistemas de bombeamento, a utilização
de inversores de frequência possibilita
adequar a velocidade dos motores e as curvas
de rendimento das bombas. Os sistemas
mais modernos são capazes de manter um
fluxo programado na menor velocidade possível.
Com isso, é possível alcançar uma redução
de cerca de 20% no consumo elétrico.
Quanto ao aquecimento da água, o uso
de bombas de calor representa o método
elétrico mais eficiente para o controle térmico.
O isolamento das estruturas e a utilização
de equipamentos mais modernos resultam em menor
consumo e manutenção. Nas estruturas de maior
densidade de estocagem, onde os sistemas de aeração
convencionais não são suficientes para fornecer todo
o oxigênio demandado, a utilização de oxigênio puro
passa a ser uma alternativa. Nesses casos, a instalação
de uma usina de O 2
pode ser necessária. A utilização
de métodos adequados de dissolução de O 2
e de produção
conseguem diminuir a demanda de produção e
o consumo da usina.
Para as estruturas novas ou antigas o ideal é conseguir
realizar a medição do consumo elétrico de cada
um dos componentes em tempo real. Dessa forma é
possível analisar os equipamentos de maior consumo e
traçar medidas de redução ao longo do ciclo produtivo
ou até mesmo diário.
Figura 1. Equipamentos de instalação RAS. © Altamar
74
PARCEIROS NA 22° ED:
JAN/MAR 2021
PARCEIROS NA 22° ED:
75
Marcela Maia Yamashita
Doutora em aquicultura
Help Fish - Laboratório de Diagnóstico de Enfermidades de Peixes
Sinop, MT
contato@helpfish.com.br
JAN/MAR 2021
Perulernaea gamitanae: parasito
importante para a criação de peixes
redondos no Brasil
Caros leitores, gostaria de começar agradecendo à Aquaculture Brasil pela confiança em mim depositada. Como
leitora desta revista, me sinto honrada com o convite de me tornar colunista para tratar do tema: Sanidade. Uma proposta
um tanto quanto desafiadora e de muita responsabilidade, mas também uma rica oportunidade para trocarmos
conhecimentos e informações, dentro de um tema de tamanha importância para a aquicultura. Bem, sou Engenheira
de Aquicultura de formação, mestre e doutora nesta mesma área. Trabalho com sanidade de organismos aquáticos,
desde minha formação acadêmica até o momento, como profissional deste segmento. Possuo um laboratório de
diagnóstico de enfermidades para peixes, localizado na cidade de Sinop-MT, e presto consultoria em sanidade. Com as
colunas, pretendo abordar assuntos pertinentes à esta temática, que possuam relevância para o setor, e que agreguem
na construção de uma aquicultura que se preocupa com medidas de biosseguridade e com bem-estar dos animais
cultivados. Desejo que façamos desta leitura, uma bela troca de experiências.
espécie Perulernaea gamitanae foi primeiramente
relatada parasitando tambaquis cul-
A
tivados no estado do Amazonas em 1999, porém,
atualmente constitui-se um dos parasitos de maior
importância também para outras espécies de peixes
redondos cultivados no país.
Pertencente ao subfilo Crustacea e subclasse Copepoda,
este ectoparasito é facilmente visualizado no
peixe devido ao seu tamanho que varia entre 01 e
02 cm de comprimento. Conhecido como “verme-
-âncora” devido ao formato anterior de seu corpo que
se assemelha à uma âncora, o parasito utiliza-se desta
estrutura de ganchos para penetrar o tegumento do
peixe e se fixar. O local de fixação do parasito provoca
lesões hemorrágicas e inflamação, facilitando o desenvolvimento
de infecções secundárias causadas por
bactérias e fungos, relativamente comuns em peixes
infestados por estes crustáceos.
Importante dizer que esta parasitose não é uma
zoonose (doença transmitida ao ser humano). Outro
fato interessante a se comentar é que somente as fêmeas
de Perulernaea gamitanae parasitam os peixes,
enquanto os machos são de vida livre. Sendo assim, somente
a fêmea possui o formato característico de “verme-âncora”.
Após a cópula, que acontece na água, as
fêmeas fertilizadas encontram um hospedeiro definitivo
(peixe) e sofrem metamorfose, adquirindo tal forma
característica. Cada fêmea possui um par de sacos ovígeros
e liberam aproximadamente 300 ovos na água,
os quais após uma série de transformações (de náuplios
à copepoditos), copularão novamente, fechando seu
ciclo de vida que tem duração aproximada de 13 dias.
Por ser parasito de mucosas, P. gamitanae geralmente
é encontrado parasitando a cavidade oral,
boca, língua, região faríngea, cavidade opercular, brânquias
e narinas. Em infestações massivas, podem chegar
a ocupar toda a boca do animal, impedindo sua
alimentação e consequentemente trazendo prejuízos
à produção. Além disso, sua presença nos peixes causa
repulsa ao consumidor devido ao aspecto repugnante
que traz ao pescado, dificultando a comercialização do
peixe inteiro. Justamente uma das formas mais vendidas
dos peixes redondos nas feiras livres da Região
Norte do país.
Aqui vale ressaltar a manifestação clínica diferenciada
deste parasito quando presente na tambatinga,
que já configura-se como o principal híbrido das espécies
de peixes redondos produzidos nas regiões
Norte e Centro-Oeste do Brasil. A preferência se
deve ao seu melhor desempenho produtivo e rendimento
de carcaça, quando comparado ao tambaqui
e ao tambacu. Este híbrido, resultado do cruzamento
76
PARCEIROS NA 22° ED:
entre a fêmea do tambaqui e o macho da pirapitinga,
parece sofrer mais com parasitismo por P. gamitanae
visto que, este ectoparasito causa uma resposta
inflamatória acentuada, apresentando edema das
regiões oral e faríngea. Em infestações massivas, a
região pode ficar tão inchada que, em alguns casos,
observa-se deformação da língua dos peixes, o que
obviamente dificulta sua alimentação, prejudica seu
crescimento e pode levá-los à um quadro de caquexia
(perda de peso acentuada) e, consequentemente, à
morte. Já no tambaqui, esta parasitose não se apresenta
de forma tão severa, e não é observada uma
resposta inflamatória tão intensa; o que não significa
que não cause prejuízos ao cultivo desta espécie.
A redução da alimentação observada nos peixes
acometidos por P. gamitanae leva à uma outra problemática:
a dificuldade de tratamento. Vários são os
produtos quimioterápicos usados no controle das parasitoses
para peixes e, na sua grande maioria, são utilizados
de maneira “off-label” ou seja, seu uso ainda não
está aprovado para aquicultura.
Em geral, existem duas formas de administração
destes produtos: via oral (tratamento adicionado à ração)
e banho de imersão. Neste sentido, pensando
em uma situação de avançada infestação, onde o animal
já não se alimenta adequadamente, a via de tratamento
oral ficará comprometida e muitas vezes não
será possível, restando somente o banho de imersão,
o qual, dependendo do sistema de cultivo utilizado na
piscicultura e da dimensão dos tanques, se torna mais
oneroso e inviável do ponto de vista econômico.
Desta forma, e tendo em vista que poucos são os
fármacos registrados para o tratamento desta parasitose
no Brasil, deixo a reflexão sobre a importância da
prevenção não somente deste, como de outros parasitos
que acometem os peixes cultivados. A aquisição
de alevinos de produtores idôneos, que atestem o estado
sanitário dos seus animais; a utilização de tanques
de quarentena quando do recebimento de formas jovens
e o não aproveitamento da água de transporte
são algumas medidas de biosseguridade para evitar a
introdução de parasitos na propriedade.
Figura 1. Comparativo do parasitismo por Perulernaea gamitanae em tambaqui (a) e tambatinga (b).
© Bruna Pazdiora e Santiago Benites de Pádua.
A
B
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PARCEIROS NA 22° ED:
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Gestão
de Resíduos
Ivã Guidini Lopes
Doutor em Aquicultura
Jaboticabal - SP
ivanguid@gmail.com
JAN/MAR 2021
Identificando os resíduos gerados no
empreendimento aquícola: possibilidades de
uso em tempos de COVID-19
Você sabe quais os tipos e as quantidades de
resíduos orgânicos gerados em seu empreendimento?
Pisciculturas, carciniculturas, raniculturas e
frigoríficos geram resíduos muito diferentes entre si e
em quantidades muito distintas. Assim, o primeiro passo
para quem deseja aproveitar os resíduos orgânicos
de uma atividade aquícola e tornar sua produção mais
sustentável é saber identificar esses materiais.
De maneira simplificada, é possível identificar dois
grupos principais de resíduos sólidos gerados na aquicultura:
resíduos da mortalidade e do processamento.
O primeiro grupo é composto por animais mortos naturalmente
ao longo da produção, retirados da criação
para evitar seu contato com animais vivos (evitando a
transmissão de doenças) e que já se encontram em decomposição.
O segundo grupo é composto por partes
do corpo dos animais após seu processamento, como
por exemplo as vísceras, esqueleto, carcaças e cabeças.
Além de possuírem características químicas e biológicas
distintas, as possibilidades para o uso desses dois grupos
de resíduos são também muito diferentes.
Resíduos da Mortalidade: devido ao avançado grau
de decomposição e risco de contaminação, não podem
ser utilizados para a produção de qualquer tipo
de ingrediente de rações animais, como por exemplo
a farinha de peixe, ou mesmo para consumo humano.
Deve ser destinado para a compostagem.
© Lara Zacari Fanali
Resíduos do Processamento: após a filetagem e
extração de outros produtos de interesse, os resíduos
gerados podem ser utilizados para a produção de farinhas,
óleos, silagens e outros produtos, desde que
estes sejam utilizados imediatamente ou mantidos refrigerados
até sua utilização, evitando sua decomposição
e multiplicação microbiana.
© Ivã Guidini
Agora que sabemos quais os possíveis resíduos gerados
na propriedade, vamos entender como quantificá-los
no dia a dia da produção. Esta etapa é bastante
simples, visto que é necessário apenas registrar as
quantidades de cada resíduo no momento em que estes
são gerados. Para isso, basta elaborar uma planilha
contendo os seguintes dados: data da ocorrência (o dia
em que determinado resíduo foi gerado), quantidade
gerada (peso dos resíduos gerados) e característica do
resíduo (mortalidade natural ou processamento). Pode
parecer algo simples para alguns leitores, porém esse
dado de geração de resíduos é extremamente importante
e nem sempre está disponível nos empreendimentos.
Além de permitir um diagnóstico eficaz da
estratégia a ser adotada com os resíduos, esses dados
podem revelar algum problema de mortalidade excessiva
em diferentes períodos do ano, seja por condições
ambientais, de manejo ou outros motivos. Portanto,
não deixe de registrar diariamente os resíduos gerados
em seu empreendimento.
78
PARCEIROS NA 22° ED:
A partir dos próximos artigos na coluna Gestão
de Resíduos, falaremos mais sobre as tecnologias
existentes para lidarmos com esses resíduos tão
presentes em nosso dia a dia. Mas antes de encerrar
esse assunto, vamos comentar brevemente
sobre a questão dos resíduos da aquicultura em relação
à pandemia da COVID-19. Segundo a FAO,
os setores da pesca e da aquicultura sofreram fortes
impactos negativos causados pela COVID-19, seja
por mudanças nos padrões de consumo da população,
pelo acesso aos produtos derivados das atividades
ou por problemas logísticos como transporte
e restrições de venda. Mas o que dizer sobre os
resíduos da aquicultura e o vírus?
Podemos ficar tranquilos, pois a gestão dos
resíduos da aquicultura não é impactada pela presença
do vírus SARS-CoV-2, independentemente
do método a ser adotado para tratar os mesmos.
Por exemplo, a compostagem é um processo que
gera muito calor e em altas temperaturas o vírus
é inativado, assim como no preparo de farinhas e
óleos em altas temperaturas. Sabemos que o vírus
pode contaminar superfícies, materiais e objetos,
portanto devemos continuar tomando os cuidados
de sempre no que diz respeito à doença, distanciamento
social, uso de máscaras e higienização das
mãos e equipamentos, inclusive quando formos
gerir nossos resíduos.
Para quem quiser conferir mais detalhes sobre os
impactos da COVID-19 no setor da pesca e aquicultura,
visite o site da FAO (http://www.fao.org/
fishery/covid19/en) para maiores informações.
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PARCEIROS NA 22° ED:
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JAN/MAR 2021
aquicultura, apesar de ser uma atividade que
A vem crescendo em média 5,3 % por ano nas
últimas décadas, é ainda pouco conhecida de uma forma
geral na cultura brasileira. Apesar do crescimento,
a maioria da sociedade não está familiarizado com ela,
confundindo muito aquicultura com aquarismo. Jornalistas
não especializados a criticam como poluente
ambiental sem conhecimento técnico. Acadêmicos
radicais não apresentam alternativas de manejo, desacreditando-a
permanentemente como uma atividade
importante de produção de alimentos. Assim como
em diversas partes do Brasil e do mundo, a pesca artesanal
e industrial enfrenta uma série de dificuldades e
conflitos que ameaçam a sua reprodução material e sociocultural,
além de colocar os pescadores e empresas
em situação de risco e vulnerabilidade. Neste contexto,
a Aquicultura tem se tornado umas das atividades
de produção de alimentos mais importante do mundo
(FAO, 2020). Segundo Valenti (2008), podemos definir
sustentabilidade como o gerenciamento dos recursos
naturais, financeiros, tecnológicos e institucionais
de modo a garantir a contínua satisfação das necessidades
humanas para as gerações presentes e futuras.
Existem na Aquicultura inúmeros desafios ambientais
a serem enfrentados, podendo-se destacar, o controle
do excesso de efluentes orgânicos e o uso de
farinha de peixe na formulação do alimento balanceado
(Boyd, 2003). O aprimoramento de tecnologias de
zero troca de água com o auxílio de bactérias benéficas,
a substituição de proteínas animais por proteínas vegetais
na alimentação artificial são alvo de pesquisas importantes
em nutrição e qualidade da água. Estes desafios
precisam ficar claros para a sociedade já que sempre
houve, por ignorância e falta de organização territorial,
abusos ocasionados por falta de conhecimento e imediatismo
econômico, levando a Aquicultura a possuir
uma fama de perturbadora dos ambientes aquáticos.
Navegando na aquicultura
Rodolfo Luis Petersen
Laboratório de Melhoramento Genético de Organismos Aquáticos - GECEMar
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Pontal do Paraná, PR
rodolfopetersen@hotmail.com
Projeto Cultura da Água: “Uma
Peregrinação Marinha pela Costa Brasileira
divulgando a Aquicultura Sustentável”
Mesmo com o desenvolvimento e crescimento de
sistemas superintensivos, onde a água pode ser tratada
e reutilizada, a Aquicultura semi-intensiva e extensiva
continuará existindo na próxima geração. A conscientização
e divulgação de sua importância será relevante
para o caminho final de sua transformação, onde a
Aquicultura tradicional será substituída totalmente por
sistemas que minimizem o uso da água. Lamentavelmente,
a sociedade, apesar de os esforços realizados
continuamente pelo setor, tem pouco conhecimento
do que esta atividade significa.
No Brasil, no governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva foi criado o Ministério de Aquicultura e Pesca
(MPA) pela Lei 11.958 de 26 de junho de 2009. A ideia
foi tentar enaltecer e promover o crescimento destas
atividades de forma sustentável. No início da Aquicultura
a nível industrial, a força de trabalho técnico científica
era oriunda de disciplinas como Agronomia, Zootecnia,
Oceanografia, Veterinária e Biologia. Com o crescimento
a nível mundial, cursos específicos de Engenharia
de Aquicultura foram criados. Nossa experiência pessoal
como pesquisadores e professores universitários
indica que os jovens entram na graduação em Aquicultura
sem saber nem entender o que esta atividade
significa, muito menos seus familiares e a população de
uma forma geral. Esforços para reverter este quadro
continuam prioritários para o desenvolvimento de uma
atividade saudável e sustentável, além de formar profissionais
capacitados e evitar o esvaziamento dos cursos.
O objetivo geral do projeto “Cultura da Água” é divulgar
a aquicultura marinha na costa brasileira, sendo
seus objetivos específicos: interagir com atores do setor
produtivo e gestores públicos procurando parcerias
na divulgação da atividade, obter material de ensino
através da realização de visitas e entrevistas in loco,
realizar campanhas de divulgação no âmbito da sociedade,
e visitar escolas promovendo aulas e palestras.
80
PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 1. Embarcação que será usada no projeto “Cultura da Água”. © Rodolfo Petersen
As atividades de divulgação e de obtenção de material
de ensino serão realizadas por terra e por mar.
A Aquicultura é uma atividade que precisa de água de
extrema qualidade para ser sustentável ao longo do
tempo. Na maioria das vezes, fazendas de camarões,
peixes e moluscos, estão localizadas em áreas de difícil
acesso terrestre ou de acesso somente por meio
aquático. Um dos diferenciais inovadores do projeto é
acessar unidades de produção aquícola desde o MAR,
com o auxílio de uma embarcação de pequeno porte
(laboratório flutuante) propulsionada a vela e energeticamente
autossuficiente, possibilitando a pernoite dos
tripulantes. Construído artesanalmente em Florianópolis
(SC) no ano 2015, o projeto desta embarcação
foi selecionado pela ampla navegabilidade em áreas
rasas, assim como pela possibilidade de entrada por
estreitos canais, barras e rios, podendo chegar a comunidades
e centros de produção aquícolas isolados.
Suas caraterísticas estruturais e baixo calado permitem
aproximar-se as áreas de mangue de difícil acesso por
outras embarcações, permitindo também o arribo a
terra em qualquer praia. Seu desenho chama a atenção
e é sempre bem-vindo pelas comunidades locais de
pescadores artesanais, interessados no método e local
de construção, identificando-a rapidamente como
não sendo uma embarcação de turismo e lazer. O barco
tem a peculiaridade de não possuir ferragens e a
amarração de seus cascos, mastro e leme é toda feita
com cordas PET de material reciclável. Esta embarcação
já vem sendo usada para campanhas de pesquisas
de campo na Bahia de Paranaguá-PR desde sua construção.
A tripulação das campanhas será formada por
professores, estudantes da UFPR ou estagiários externos
de cursos de Engenharia de Pesca e de Engenharia
de Aquicultura. Acreditamos que esta abordagem
alternativa será uma ferramenta técnica e de marketing
crucial para atingir o público e a mídia, e desta forma,
alcançar os objetivos do projeto. Também poderá ser
utilizada como uma ferramenta de pesquisa, possibilitando
a obtenção de amostras de água das fontes onde
a mesma está sendo utilizada. Espera-se colocar nosso
grão de areia na educação da população geral sobre o
significado da Aquicultura, assim como contribuir para
a divulgação dos cursos de Engenharia de Aquicultura
no Brasil, evitando esvaziamento e potencializando os
recursos investidos.
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PARCEIROS NA 22° ED:
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Juliana Antunes Galvão
Coordenadora do Grupo de Estudos e Extensão em Inovação Tecnológica
e Qualidade do Pescado
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ/USP
Piracicaba - SP
jugalvao@usp.br
O pescado além do filé: uma matéria
prima ainda pouco explorada
Resfriado ou congelado, o filé de pescado continua
sendo o produto “carro chefe” de grande
parte da indústria processadora de pescado no Brasil.
O peixe inteiro bem como o corte em posta, são
produtos que também tem seu lugar de destaque,
mas o filé, é a menina dos olhos da indústria, bem
como do consumidor.
Enquanto outras cadeias produtivas de produtos de
origem animal já desfrutam da comercialização de uma
infinidade de cortes padronizados, sendo comercializados
com identidade robusta e maior valor agregado, a
cadeia produtiva do pescado tem ainda muito a avançar.
É preciso levar em consideração que, diferentemente
de outras cadeias, temos uma diversidade de
espécies de pescado advindos tanto da pesca quanto
da aquicultura com particularidades e características
anatômicas distintas, o que dificulta a padronização de
cortes a serem difundidos e comercializados.
As empresas têm comercializado diferentes cortes
de pescado, tentando agregar valor diferenciando
seus produtos, desta forma buscando seu marketing
individual, mas como não há uma nomenclatura padronizada
oficial, há divergências conceituais quanto
aos cortes, gerando muita desinformação ao consumidor,
o que acaba por desfavorecer o mercado,
prejudicando a comercialização e a identificação do
produto pelo cliente.
Vemos empresas chamando o mesmo produto
usando diferentes nomenclaturas, vemos produtos diferentes
sendo rotulados da mesma forma. Situações
como esta acabam por prejudicar a identidade do
produto, por falta de padronização conceitual mínima.
Temos os cortes já consagrados para produtos de
pescado como, o peixe inteiro com suas variações, a
posta, o filé, e mais uma gama de variáveis, que algumas
são características e particulares a uma determinada
espécie, bem como outros produtos trazendo
diversas nomenclaturas que acabam não ficando claro
para o consumidor o produto que está sendo comercializado.
Temos então: filé inteiro, filé para churrasco,
lombo, picanha, supreme, costeleta, costelinha palito,
filé em cubos, isca, banda, borboleta, espalmado, escalado,
tranche, barriguinha, entre outras....
Temos dois cases quanto a padronização de cortes
que podem ser considerados de sucesso na cadeia
produtiva do pescado para termos como exemplo. O
Salmão com seus cortes já consolidados e conhecidos:
Brazil H/ON e TRIM: A, B, C, D, E, e o Atum com
seus famosos Otoro, Akami, Kamatoro e Chutoro.
A diversificação de produtos advindos da cadeia
produtiva do pescado é necessária e urgente, é preciso
a diferenciação de produtos e preços para alcançar
nichos de mercado num país tão eclético, mas é preciso
também a padronização de nomenclatura bem
como dos produtos a serem ofertados.
Além da temática da diferenciação de cortes que
pode/deve ser melhor explorada, temos também o
item aproveitamento integral do pescado, que tem
muito a crescer. Tomando como exemplo o processo
de filetagem da tilápia, onde temos aproximadamente
30% de rendimento do pescado sob a forma de filé,
então o resíduo do processo de filetagem é todo o
material orgânico restante, após a retirada dos filés,
correspondendo a aproximadamente 70% do peso
da tilápia. Esse material restante é composto por cabeça,
espinhas, vísceras, pele, nadadeiras, escamas,
bem como material cárneo que não foi removido da
carcaça durante o processo de filetagem.
Assim como o filé da tilápia, a parte comestível
aderida a carcaça, apresenta excelente qualidade do
ponto de vista nutricional, sendo uma ótima fonte de
gordura e proteína.
Dessa maneira, a fim de obter maior aproveitamento
da matéria prima, maior rendimento para a
empresa e evitar que este subproduto de excelente
qualidade seja descartado no ambiente, é necessário
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PARCEIROS NA 22° ED:
Figura 1. Os cinco cortes “TRIM” do Salmão, do tipo A, B, C,
D e E.© Arc AS
A
a utilização do peixe como um todo, na elaboração
de coprodutos. A carne mecanicamente
separada (CMS) precisa ser melhor explorada
tanto pela indústria quanto pelos consumidores:
empanados, salsicha, minced, surimi, kani,
fishburguer, linguiça, quenelles, fish ball e outros
tantos produtos que podem ser destinados a alimentação
humana.
Para a alimentação animal, além da graxaria,
temos o potencial dos hidrolizados; peles para
tratamento de queimaduras em humanos e animais,
bem como couro para a produção de sapatos,
bolsas e cintos; biodiesel; ingredientes para a
indústria alimentícia; compostos para a indústria
farmacêutica, colágeno e meios de cultura, as
oportunidades são inúmeras...
Seria ideal que fosse realizada a coleta seletiva
desses resíduos na indústria, tanto os resíduos
sólidos quanto o líquido, para que estes
fossem destinados a elaboração de coprodutos
de maior valor agregado, baseados em estudos
de viabilidade econômica, respondendo afinal,
qual coproduto dará melhor retorno econômico
à indústria?
É preciso focar em práticas e no desenvolvimento
de tecnologias que priorizem a sustentabilidade
desta cadeia produtiva, a fim de garantir
um processo mais limpo, rentável, e com menor
geração de resíduos ambientais.
B
C
D
E
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PARCEIROS NA 22° ED:
Cintia
Labussière
Nakayama
Zootecnista pela UNESP, doutora em
aquicultura pela FURG, docente na UFMG e
presidente da AQUABIO.
Cintia conta que a paixão pela
aquicultura em sua essência veio
pela cultura, por meio do prato, ou
do garfo! Brincadeira a parte, à
tradição familiar oriental pesou na
decisão, contudo, Cintia destaca que
os estágios na área foram decisivos,
inclusive para optar por seguir
a área da pesquisa. Atualmente
Cintia é diretora do Laboratório
de Aquacultura na UFMG, onde
também é docente.
AQUACULTURE BRASIL: Qual a sua formação acadêmica
e situação profissional atual?
Cintia Labussière Nakayama: Sou zootecnista, graduada
pela Universidade Estadual Paulista – UNESP de Botucatu,
mestre e doutora em Aquicultura pela Universidade
Federal do Rio Grande – FURG. Desde 2012
sou docente na Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG, lotada na Escola de Veterinária, no Departamento
de Zootecnia. Ministro aulas
na graduação em Aquacultura e mais
recentemente (2019) me credenciei
ao programa de pós- graduação em
Zootecnia. Depois de quase 7 anos,
estou finalizando o mandato como
diretora do órgão complementar
Laboratório de Aquacultura-LA-
QUA (complexo de laboratórios)
na UFMG. E no final de 2020 assumi
como presidente da Aquabio.
AQUACULTURE BRASIL: Algo que
nós sempre gostamos de saber, vindo
da zootecnia que é uma grande
área, qual motivação levou você a se
especializar em aquicultura?
O gosto e a afinidade
pela área só foi
aumentando ao longo
do curso de zootecnia.
Objetivando mais prática
e conhecimento em
aquicultura cheguei até a
pós-graduação na FURG.
Cintia Labussière Nakayama: Realmente
a escolha não foi fácil, ainda
mais quando a profissão acaba oferecendo
um leque tão diversificado de atuação. Mas
acredito que a paixão pela aquicultura em sua essência
veio pela cultura, por meio do prato, ou do garfo! Explicando
melhor, eu atribuo à tradição familiar oriental no
consumo de pescado e meu pai que gostava de pescar,
levando os filhos para pegar peixe. O gosto e a afinidade
pela área só foi aumentando ao longo do curso
de zootecnia. Objetivando mais prática e conhecimento
em aquicultura cheguei até a pós-graduação na FURG.
Anterior a pós-graduação, eu ressalto a grande importância
que o estágio obrigatório na graduação contribuiu
em seguir carreira, naquele período
tive a oportunidade de estar tanto
no campo quanto na academia,
foi decisivo para seguir na área me
especializando. Esse percurso de
aprendizagem foi enriquecedor e
gratificante que trago até os dias de
hoje. A oportunidade de conhecer
vários profissionais excelentes no
caminho, naquela época também
foi determinante.
AQUACULTURE BRASIL: Na UFMG
além de professora, você é diretora
do Laboratório de Aquacultura (Laqua).
Quais os principais projetos
desenvolvidos pelo laboratório? O
laboratório recebe alunos da graduação
e também de pós-graduação?
Cintia Labussière Nakayama: Dentro
da estrutura institucional da
UFMG, o LAQUA é classificado como um órgão complementar
devido a sua complexidade em variedade de
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85
Parte das instalações do Laboratório de Aquacultura - LAQUA.
JAN/MAR 2021
atividades exercidas, número de laboratórios, ações de
ensino, pesquisa e extensão entre departamento e unidades
etc, isso tudo acontecendo em uma área de mais
de 2.000 m 2 de laboratórios construídos. Vou elencar
de forma objetiva as atividades e projetos de pesquisas
com base nos 11 professores que atuam diretamente
no LAQUA, por área: fisiologia de organismos aquáticos,
reprodução, larvicultura de peixes, ranicultura,
melhoramento genético em peixes, nutrição, comportamento
em peixes, maricultura, aquaponia, beneficiamento
e processamento de pescado e ornamentais.
Por estarmos inseridos em meio urbano, a forte característica
do LAQUA, as áreas de estudo e ensino acontecem
em sistemas fechados, em recirculação de água
ou bioflocos, de forma intensiva, com espécies de peixes
como tilápia, pacamã, tambaqui, pirapitinga, panga,
várias espécies de ornamentais, rã-touro e camarões.
A atuação de estudantes é intensa, nessas duas gestões
do LAQUA registramos, entre 100 a 112 estudantes de
iniciação científica Junior, graduação e pós-graduação, e
pós-doutorandos, tanto da comunidade interna quanto
externa a UFMG, com atuação e de forma prática, seja
no ensino, vivência, extensão ou nas pesquisas.
AQUACULTURE BRASIL: Como coordenadora do projeto
de pesquisa “Produção de tambaqui no biofloco” conte-nos
um pouco mais a respeito desse projeto, ele é desenvolvido
na UFMG? Quais são os principais objetivos?
Cintia Labussière Nakayama: O projeto tem parceria
na UFMG com prof. Ronald Kennedy Luz e Gisele Cristina
Fávero, e na Universidade Federal Rural da Amazônia
(UFRA) com o prof. Glauber Palheta e Nuno Melo
e é desenvolvido na UFMG. Em 2019 o prof. Ronald
iniciou os trabalhos com tambaquis (larvicultura e alevinagem)
de forma intensiva em sistemas de recirculação
de água. Com os bons resultados obtidos pela equipe
dele, começou-se a pensar em sistema de bioflocos
(BFT). Pelos benefícios já conhecidos do sistema em relação
à qualidade de água, dos índices zootécnicos em
outras espécies, a promoção de biossegurança, bem-
-estar, suplemento alimentar por meio dos microrganismos
presentes no biofloco, melhores respostas imunes
e de resistências a patógenos, entre outros, fomos
motivados a trabalhar com tambaqui no BFT. Apesar do
meu conhecimento prévio em sistema de BFT, mas não
com tambaquis, no final de 2019 os primeiros estudos
com juvenis foram concluídos. Os resultados de sobrevivências
foram bons, os índices de crescimento não foram
excelentes, mas revelaram a adaptação dos tambaquis
no BFT e nos motivaram a continuar os trabalhos
com a espécie em bioflocos. Mesmo em meio a pandemia,
os trabalhos não pararam e nesse pouco tempo
de estudo, estamos aprendendo a lidar melhor com
o tambaqui no BFT, obtendo resultados melhores de
desempenho a cada estudo. Avaliando as pouquíssimas
informações disponíveis da espécie em BFT, somando
aos nossos resultados, os estudos estão só no começo
dessa longa caminhada. Pensamos que o BFT pode
trazer uma oportunidade na produção comercial para
tambaqui, sobretudo em sistemas intensivos, por hora,
mais focados nas fases iniciais/alevinagem (animais até 5
86
PARCEIROS NA 22° ED:
g, por exemplo) como estratégia e benefícios de um
sistema bifásico. Embora a proposta seja animadora
e promissora não será construída a curto prazo. E
como costumamos dizer na ciência, mais estudos são
necessários, o que motiva a continuidade do projeto.
2010
AQUACULTURE BRASIL: Sobre a Aquabio, quando a
nova diretoria, da qual você faz parte como presidente,
assumiu no final de 2020 (gestão 2020-2022),
como vocês imaginavam ou já projetavam passar por
esse desafio por tratar-se de um período de pandemia?
Cintia Labussière Nakayama: A pandemia impactou
a todos, nas mais diversas formas e não seria diferente
com a nossa sociedade. Tradicionalmente, a
diretoria da Aquabio tenta sempre contar com representantes
de todas as regiões geográficas do Brasil, o
que nos leva a exercer parte das atividades de forma
não presencial, sobretudo nossas reuniões. No caso
das atividades presenciais, elas foram se adequando
ao formato digital, nos fazendo entender que essa era
a principal ferramenta que possuíamos para continuar
nossas propostas de representação, de diálogo, de
construção, alcance dos associados e parceiros. No
caso Congresso Brasileiro de Aquicultura e Biologia
Aquática (Aquaciência) 2020 que estava sendo
organizado para acontecer de forma presencial em
Manaus, apesar de todos os esforços das colegas responsáveis
pela organização daquele evento, teve que
ser cancelado. E a decisão da nova Diretoria foi pela
realização do evento de forma digital em nova data
de 14 a 16 de setembro de 2021.
AQUACULTURE BRASIL: E como está esse desafio
de realizar o Aquaciência, um evento de grande
porte e tão esperado, de forma totalmente online?
Cintia Labussière Nakayama: Tem sido um enorme
desafio, mas, felizmente, o Aquaciência Digital 2021
ocorrerá 14 a 16 de setembro. O Aquaciência 2020
é certamente a principal ação da Aquabio impactada
pela pandemia, assim como todos os eventos no Brasil
e no mundo. Assim que a nova Diretoria assumiu,
fomos obrigados a decidir sobre a suspensão ou cancelamento
ao mesmo tempo em que observávamos
a condição sanitária do país. Avançamos 2021 com
desejo de realizar o evento, e nossa percepção apontou
o formato online como melhor opção. Foi um
momento de muitas discussões, consultas, agregação
de informações, pois precisávamos aprender essa
“nova forma” de fazer eventos e adaptar o formato
tradicional do Aquaciência, em um curto espaço de
2021
2018
2016
2014
2012
JAN/MAR 2021
87
Reunião com os membros da AQUABIO - o trabalho remoto manteve aquecido o rítimo da nova gestão (2020-2022).
JAN/MAR 2021
tempo para um evento técnico-científico desse porte.
Os desafios de realizar o evento continuam, pois vivemos,
desde março de 2020, os impactos da pandemia
em todas as esferas: no setor produtivo, nas indústrias,
na academia e nos órgãos de fomento à pesquisa.
Mas não pudemos nos acomodar e nem esmorecer.
O momento está sendo de união de forças com todas
essas frentes para mantermos o evento como palco
de discussões e propostas para o setor. Continuamos
trabalhado de forma árdua, a acreditar no poder de alcance
do formato digital, com apoio de todos, sócios,
estudantes, pesquisadores, produtores, indústria, enfim
de todos atores na área para mais um grande evento.
AQUACULTURE BRASIL: Ainda sobre o Aquaciência,
pode fazer um breve resgate do número de participantes
em congressos anteriores, quantos congressos
já foram realizados e comentar um pouco sobre
como está a programação do Aquaciência 2021, inscrições
e como vai funcionar o evento de forma geral?
Cintia Labussière Nakayama: Até o momento tivemos
8 edições do Aquaciência. O primeiro, em 2004, foi
realizado em Vitória (ES). Depois tivemos em Bento
Gonçalves, RS (2006), Maringá, PR (2008), Recife, PE
(2010), Palmas, TO (2012), Foz do Iguaçu, PR (2014),
Belo Horizonte, MG (2016) e, finalmente, Natal, RN
(2018). Ao longo dos anos, o número de participantes
variou de 800, nas primeiras edições, para cerca de
1.200 participantes nas mais recentes. Para o Aquaciência
2021 Digital, esperamos bater o recorde de participantes.
A programação contemplará palestras e mesas
redondas com temáticas em: Sustentabilidade, Aquicultura
no Brasil: presente passado e futuro, Desafios
na produção de peixes nativos, Empreendedorismo na
aquicultura, Aquicultura circular, Capacidade de suporte
em sistemas para aquicultura, Mulheres na aquicultura,
e Extensão na Aquicultura. Teremos também cerca de
20 sessões técnicas sobre temas específicos, as quais,
graças à facilidade do formato digital, contarão com
palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros,
além das já tradicionais apresentações orais. Contaremos
também com a sessão de pôsteres, Stand virtual
de empresas e alguns workshops. As inscrições já estão
abertas e podem ser realizadas em https://www.
aquaciencia2021.aquabio.com.br/ Nessa edição abrimos
uma categoria de inscrição para estudantes em
situação de vulnerabilidade sócio financeira, ampliando
ainda mais a participação de estudantes e de forma
inclusiva. Cientes das desigualdades em nosso país,
bem como das dificuldades enfrentadas por estudantes
que querem participar dos congressos, mas às vezes
não conseguem participar pelos custos envolvidos
com inscrição, deslocamento, hospedagem entre outros.
Com o evento digital acreditamos que podemos
contribuir, por meio das inscrições, nessa categoria.
AQUACULTURE BRASIL: Sendo o Aquaciência tradicionalmente
realizado a cada dois anos, e ao final
de cada dia de congresso escolhido a cidade/
estado sede do próximo evento, podemos esperar
que isso ocorra no Aquaciência online de 2021? Podemos
esperar um evento presencial em 2022?
Cintia Labussière Nakayama: Embora o foco atual
seja Aquaciência 2021, estamos sim com expectativas
de termos o Aquaciência 2022 e no formato
presencial. Mas a confirmação ainda não pode ser
feita, pois isso depende da decisão da Assembleia da
AQUABIO que ocorrerá durante o Aquaciência 2021.
88
PARCEIROS NA 22° ED:
AQUACULTURE BRASIL: 2016 foi o ano de lançamento
da Revista Aquaculture Brasil, que ocorreu justamente
no Aquaciência, realizado em Minas Gerais. O evento foi
um exemplo de organização e teve a participação de um
grande público, com estudantes que vieram de diversas
partes do Brasil. O que esse evento em Minas Gerais
trouxe de positivo para a UFMG?
Cintia Labussière Nakayama: Foi um grande prazer ter
a parceria da Aquaculture Brasil aqui conosco e fazendo
seu lançamento no Aquaciência 2016! O momento
gerou uma grande ansiedade, pois o período financeiro
era ruim para o país, comparado às edições anteriores.
Mas o público foi fiel, vieram de várias partes do país e de
fora também, assim como as empresas apoiando e outras
participando de nossa feira. O estado de MG, a UFMG,
todos se mostraram parceiros e o sucesso do evento foi
o somatório de todas essas parcerias e esforços.Como a
comunidade da UFMG é grande e bastante diversificada
nas suas áreas de atuação, o Aquaciência surpreendeu
quem desconhecia a área e quem desconhecia o
próprio evento, pelo seu porte. O congresso deu força,
visibilidade, formou e fortaleceu parcerias, impulsionou as
ações para que estudantes e docentes continuassem a se
empenhar na aquicultura.
AQUACULTURE BRASIL: A Aquabio sempre foi marcada
pelas novidades em termos de lançamentos de livros
ligados a aquicultura. A Aquabio ainda está com essa
“pegada” de fazer os lançamentos editoriais de forma
impressa?
Cintia Labussière Nakayama: A Aquabio procura estar
sempre atenta às publicações dos associados e de parceiros
e, na medida do possível, procura apoiar por meio
de venda ou divulgação dos mesmos. Nessa edição do
Aquaciência Digital, por exemplo, teremos um espaço
para lançamento de livros. É claro que nossa atuação
nesse campo é limitada por questões financeiras, principalmente
agora, durante a pandemia. Entre os livros
lançados pela Aquabio, destacamos o “Tópicos especiais
em piscicultura de água doce tropical intensiva (2004)”
e o “NutriAqua (2013)”, ambos considerados obras de
referência para pesquisadores, estudantes e profissionais
na área. Estamos discutindo o lançamento de uma edição
revisada e atualizada do NutriAqua, o qual provavelmente
deverá ocorrer em formato digital. E quem sabe,
no futuro, com um horizonte mais calmo em termos de
possibilidades financeiras, possamos retomar a política
de publicações....
AQUACULTURE BRASIL: Por fim, como professora de cursos
de graduação e pós-graduação da UFMG, como tem
sido lidar com o ensino remoto nesse período de pandemia?
O ingresso de novos alunos tem se mantido regular
conforme nos outros anos ou houve alguma alteração?
Cintia Labussière Nakayama: Não está sendo fácil, pois
ensino remoto é uma forma paliativa aos prejuízos já
causados ao ensino presencial. Ensino remoto não é
ensino a distância. O ensino e a aprendizagem na aquicultura
acontecem também com a prática e aí talvez se
concentre nosso maior prejuízo, não ser possível a realização
das práticas. No nosso caso, as atividades no LA-
QUA foram diminuídas, mas não cessadas, a maioria dos
setores se manteve funcionando, seja na manutenção
dos animais ou pelos experimentos que não poderiam
ser adiados ou cancelados. Para isso, foi montado um
protocolo próprio do LAQUA em conjunto com a comissão
COVID-19. Mas as demais práticas, todas foram
canceladas. A graduação em Aquacultura possui duas
entradas por ano, e estamos no terceiro semestre, em
meio à pandemia. Comparado aos semestres, antes da
pandemia, mantivemos o número de novos estudantes
no curso dentro do normal e o mesmo foi visto para o
programa de pós-graduação em zootecnia.
Na tradicional “Live de quinta” da Aquaculture
Brasil, tivemos um bate papo ao vivo com a
Cíntia, com um tour virtual pelas dependências
do LAQUA, além de um bate-papo sobre a
Aquabio, Aquaciência e muito mais! Clica aqui
ao lado para acesso a live ou acesse pelo nosso
canal direto no YouTube.
JAN/MAR 2021
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Vinicius Ronzani Cerqueira
No ano em que inauguramos a década do Oceano (2021-2030), a primeira edição de
2021 da Revista Aquaculture Brasil tem a imensa honra de homenagear um Oceanólogo,
considerado um dos principais professores e pesquisadores da área de Piscicultura
Marinha das Américas!
Do interior de Minas Gerais para o mar!
“Nasci e morei até os 18 anos em MG, no interior
e depois na capital. Meu interesse pela Oceanologia
veio através das temporadas de férias que passava no
litoral, em Arraial do Cabo (RJ). Acompanhei a criação
do “Projeto Cabo Frio” e era fã do Almte. Paulo Moreira
da Silva, comprava os livros dele, e do Jacques
Cousteau também. Adorava Ecologia, e sobretudo
Ecologia Marinha. Queria salvar o planeta! De vez
em quando ia pescar de barco com o meu avô, na
Baía dos Anjos. Antes de saber da existência do curso
da FURG, minha intenção era fazer a graduação na
França. O que era um sonho difícil de realizar. Então,
como havia o curso em Rio Grande, em 1977 fui fazer
lá mesmo. E graças a isso conheci minha esposa, Maria
Luiza, uma rio-grandina, e temos dois filhos, Rafael
e Carolina, florianopolitanos. Mas a aquicultura me
empolgou mais no final do curso. Creio que, na época,
Oceanologia e Engenharia de Pesca eram os únicos
que tinham disciplinas obrigatórias de aquicultura.”
JAN/MAR 2021
Aprendizado e experiências em Rio Grande, na
FURG
“A maior parte dos professores estava envolvida em
projetos de levantamento oceanográfico na Lagoa dos
Patos, estuário e plataforma adjacente. O departamento
de oceanografia tinha um grupo pequeno de
professores (comparado ao que é hoje) na aquicultura
continental e maricultura. O prof. Marchiori tinha
voltado do mestrado no Japão, e fazia pesquisas
com o camarão L. paulensis. O prof. Maçada tinha
estudado um ano na França, e fazia alguns trabalhos
com juvenis de tainha. Mas eu comecei a fazer
estágio com um casal de franceses, especialistas em
fitoplâncton (pensando na ecologia marinha). Mas
logo depois comecei com a biologia pesqueira, tinha
bolsa do CNPq, e fui até o final do curso. O prof.
Haimovici, meu orientador de IC, teve uma influência
No navio Almte. Saldanha, 1979
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PARCEIROS NA 22° ED:
muito positiva na minha formação como pesquisador/
professor. Pensava que era uma pena não ter feito
estágio na maricultura. Mas a experiência estudando
peixes, também me estimulou a buscar a pós-graduação.
Uma das experiências mais marcantes na minha
graduação foi estar embarcado por três semanas
no navio oceanográfico Almte. Saldanha, de forma
voluntária. Muito mar, trabalho e aventuras! Viver em
Rio Grande por 5 anos, tão longe de casa, foi por si só
uma aventura”
O exame de TOEFL que o levou para a França
“Eu queria aprender mais sobre aquicultura. Acreditava
na expansão do setor. E na época não era
simples conseguir trabalho como recém-formado. O
oceanólogo era um profissional pouco conhecido. A
própria profissão era nova. Parecido ao que vivenciam
os engenheiros de aquicultura! Também tinha aquele
sonho de viver um pouco fora do Brasil. Minha única
experiência internacional até o momento foi na cidade
do Chuy (Uruguai), na viagem de estudos da disciplina
de Sedimentologia! Então, fazer a pós-graduação
no exterior atendia vários anseios. Minha esposa, na
época noiva, era super-parceira neste sonho. Nós fizemos
juntos cursos de inglês e de francês. Mas, no início
o alvo não era a França. Eu acreditava que nos EUA
teria uma melhor formação. Antonio Philomena, meu
professor de Ecologia Marinha (olha ela aí de novo!) tinha
feito Mestrado lá. Conversava com ele, me ajudou
a escrever uma carta (não existia Google tradutor).
Como não havia cursos de mestrado em aquicultura
no Brasil, só de Oceanografia, o CNPq, ainda que com
muita parcimônia, concedia bolsas para o exterior.
Mas naquela época, além do Marchiori, do Maçada
e do Sílvio Romero (que pouco depois fez Mestrado no
Texas), ninguém mais tinha feito pós-graduação fora.
Enquanto cursava as disciplinas do último ano (1981)
era bolsista de IC e dava aulas de Biologia no ensino
médio, para conseguir fechar meu orçamento mensal.
E estava muito focado nos contatos com o exterior. Eu
fiz inscrição em cinco universidades nos EUA: as minhas
preferidas eram as do Hawaii e da Califórnia (La
Jolla), mas tinha também duas na Florida e uma no
Texas. Na França me inscrevi na de Marseille e na de
Brest. Era uma emoção grande quando via os envelopes
chegados do exterior contendo folhetos, catálogos
de cursos, formulários etc., ou as cartas de aceite, ou
de recusa. O meu TOEFL deu 537 e as universidades
pediam no mínimo 550. Como não queria adiar a viagem
decidi por Marseille (o prof. Maçada me garantiu
que o clima de Brest era péssimo, pior que o de Rio
Grande!). Quanto ao conhecimento da língua, um
atestado da minha professora de francês (nossa
querida amiga Núbia) foi suficiente. Em setembro
de 1982, lá fui eu para a terra do Cousteau. Sonho
realizado! Logo no primeiro ano, o prof. J.M. Pérès
me fez ver que ele não era o cientista que eu imaginava,
mas um desbravador, divulgador e defensor
dos oceanos. Continuei admirando igualmente.
Nos dois primeiros meses era difícil entender o que
me falavam. Felizmente o prof. Felipe Niencheski
(uns poucos anos mais velho que eu), que estava
terminando sua pós em Marseille, me ajudou desde
a chegada no aeroporto. No curso, o principal
desafio foi, depois de fazer as disciplinas, encontrar
um laboratório e um orientador. Escolhi um local
fora da Universidade, uma estação de pesquisa
em aquicultura marinha do IFREMER (Palavas Les
Flots), até então pouco conhecida, mas que evoluiu
bastante depois. No final do primeiro ano consegui
meu diploma (DEA), uma espécie de Mestrado
reduzido. Mas tinha feito o TOEFL de novo por lá,
pensando ainda na possibilidade de ir para os EUA.
Aí veio uma crise nervosa, pela insegurança de não
saber o que seria a minha vida dali para a frente,
até me convidarem a continuar no mesmo laboratório
para continuar a PG (doutorado em Oceanografia
Biológica). Concluí que seria a melhor opção
e, deu certo! A minha orientadora no IFREMER,
Dra. Béatrice Chatain, fez suas pesquisas de doutorado
no Japão. Mais tarde a Universidade aceitou-a
como minha orientadora na pós. No terceiro
ano o prof. Elpídio Beltrame passou algumas semanas
conosco. Foi quando nos conhecemos. Boas
lembranças! A estação cresceu e se tornou uma
das mais prestigiadas em piscicultura marinha da
Europa. Tive a oportunidade e a sorte de estar ali,
bem no meio das pesquisas de ponta, que propiciaram
o crescimento acelerado da produção do
robalo e pargo-europeu nos anos 1990. Há pouco
tempo, fiquei muito feliz e orgulhoso quando uma
ex-aluna nossa, Helena Galasso, foi fazer doutorado
nesse mesmo lugar. É um fechamento de ciclo.
O dia da minha defesa foi 19/11/86. Exatamente
um ano depois, já em Florianópolis, nasceu o nosso
JAN/MAR 2021
91
Vinicius Ronzani Cerqueira
JAN/MAR 2021
filho (a filha veio em 1993, com a vida mais estabilizada).
Ao voltar para casa, creio que não havia nenhum
doutor especializado em aquicultura formado
no exterior. Poucos doutores em geral, mesmo em
oceanografia eram poucos. Na graduação, nossos
professores doutores eram três ou quatro argentinos.
Sempre tive muita admiração e respeito por eles. O
Mestrado em Oceanografia da FURG era recente.
Só a USP já tinha Mestrado e Doutorado. Eu tinha
um sentimento muito forte de compromisso com o
Brasil. O fato de ter sido bolsista no exterior gerava
para mim esse vínculo, uma dívida. Isso durou muitos
anos, e até hoje tenho a impressão de que devo
alguns centavos! Em algum momento, pensei em
trabalhar no exterior, dado que as oportunidades
aqui não eram muitas. Enviei cartas para no mínimo
dez instituições no Brasil (do RS ao MA), prospectando
trabalho (universidades, institutos, ...). O
que poucos puderam oferecer foi a possibilidade de
alguma bolsa. O pró-reitor de pesquisa da UFSC me
respondeu dentro do que podia, nada de concreto.”
Volta ao Brasil e a chegada na UFSC
“Eu voltei da França para Rio Grande no final
de 1986. Em princípio ficaria na FURG, como
bolsista, ajudando o prof. Phonlor, que pesquisava
a criação do peixe-rei marinho. Mas como eu
conhecia o Elpídio e o Clóvis Pereira (oceanólogo),
vim conversar com o prof. Andreatta e conseguimos
uma bolsa de recém-doutor (hoje pós-doc) do
CNPq. SC era um sonho para nós desde estudantes.
A parte prática da disciplina de Mergulho
Autônomo foi em Bombinhas. E eu já conhecia SC
também porque tinha alguns familiares morando
aqui. Comecei na UFSC em julho de 1987 e fiquei
dois anos como bolsista. Foi um período muito rico
de aprendizagem. O Laboratório de Camarões era
recente, o Andreatta queria melhorar uma série de
coisas, e eu ajudava no que podia. Como gostava
de larvicultura (minha tese de Dr. foi com larva de
robalo), este foi o setor ao qual dediquei mais tempo.
Era preciso produzir pós-larvas de paulensis. O
concurso público veio depois”.
Início da docência e a criação do primeiro
mestrado em aquicultura do Brasil?
“O Departamento de Aquicultura da UFSC já
tinha oferecido duas turmas de especialização, com
duração de um ano. Em agosto de 1988 iniciou o
Mestrado. Fui convidado a participar, e propus a
disciplina de Piscicultura marinha. Vários professores
eram de outros departamentos, o de Aquicultura
era pequeno. Comecei dessa forma a conhecer a
estrutura da UFSC. Era certamente o mais novo e
inexperiente da turma. Meu primeiro orientado foi
Aliro Bórquez, Engenheiro de Aquicultura formado
no Chile (hoje reitor da Universidad Catolica de
Temuco), cuja dissertação foi a primeira defesa do
Curso, no final de 1990. Ao terminar a minha bolsa,
em julho de 1989, a UFSC me contratou como professor
visitante (era muito importante para a PG ter
mais um professor doutor). Logo, o Departamento
conseguiu uma vaga de professor efetivo. Em dezembro,
houve o concurso público para Piscicultura.
Concorremos eu e o Evoy Zaniboni (graduamos juntos
em 1981), mas o título de doutorado me ajudou
Com o filho no LAPMAR (UFsC), 1990
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PARCEIROS NA 22° ED:
a chegar na frente. Bom que ele estava empregado
na CEMIG e cursando o doutorado da UFSCAR, e
acabou contratado no concurso seguinte, quatro anos
depois. Na criação do Mestrado, o Departamento recebeu
alguns professores da própria UFSC e depois,
com vagas de aposentadorias, houve mais alguns concursos
públicos. O concurso público para professor titular
de piscicultura marinha eu só prestei em 1997.”
O “start” do LAPMAR
“Em 1989 já estava planejando pesquisas com
piscicultura marinha para desenvolver na pós-graduação.
Eu procurava uma espécie nativa para trabalhar.
Era meu sonho desde os tempos de PG na França.
Só não tinha uma espécie definida. As experiências
recentes com a tainha não eram boas, o Andreatta,
inclusive, desaconselhava. Eu nunca pensei em importar
o robalo-europeu. Encontrei alguns trabalhos
feitos nos EUA com o nosso robalo, e me empolguei.
Tanto que no concurso público, apresentei uma
“análise e perspectiva para o cultivo do robalo no litoral
brasileiro”, baseando-me na pesquisa feita na
Flórida (Tucker Jr., 1987). No início, coletava juvenis
no mangue, o seu Keka dava um super-apoio. Fomos
montando uma pequena estrutura na Barra, o Aliro,
meu mestrando, me ajudava, e logo ele já estava fazendo
os experimentos da Dissertação. O Elpídio e o
Andreatta também davam um apoio imprescindível.
Pós doutorado na Espanha
“Em 2006, ninguém do nosso departamento tinha
saído para pós-doutorado, então achei que alguém
precisava abrir a porteira! Eu conheci o meu supervisor,
Dr. Manuel Carrillo, do Instituto de Acuicultura
de Torre de La Sal, em um congresso. Depois fiz um
estágio de 3 semanas no Instituto em 2005, e acertei
o pós-doc para o ano seguinte. Eu tive também a sorte
de conhecer um pesquisador espanhol, Vicente Olmos,
durante o doutorado. Ele também tinha passado pelo
mesmo Instituto, quando recém-formado. Então, as
peças se juntaram. Com minha esposa e meus dois
filhos ficamos um ano em Valencia, tendo como vizinhos
Vicente, esposa e filhos. E fortaleceu nossa amizade.
Em Torre de La Sal tive uma experiência muito
rica. Há muitos anos que fazem pesquisas de ponta
em reprodução de peixes marinhos (linha de pesquisa
da equipe que me acolheu). Um fato interessante, é
que o Vicente e vários colegas dele fizeram estágio na
França (em 1985), dentro de um programa espanhol
de desenvolvimento da aquicultura marinha. Além da
formação de pessoal, financiaram pesquisas internas,
empresas etc. Isto permitiu que em pouco mais de
dez anos estivessem na linha de frente da piscicultura
marinha europeia. Um bom exemplo para nós.
Mais uma inovação: a criação do primeiro curso
de Engenharia de Aquicultura do Brasil!
“Não foi difícil convencer a UFSC. Na verdade, fomos
convidados pelo prof. Faruk (pró-reitor de Graduação)
a apresentar um curso novo. Só que eu creio que
eles imaginavam algo parecido com Oceanografia e nós
apresentamos a Aquicultura! Já estávamos oferecendo
disciplinas obrigatórias para a Agronomia. Mas, acreditávamos
que um profissional especialista teria muito
para contribuir. Já existiam exemplos de graduação no
Chile e México, e de curso técnico até no Brasil. Pensamos
também na Engenharia de Pesca, mas eu era um
dos que acreditava em fazer algo diferente. Isso combinava
mais com o que o Departamento já vinha fazendo.”
Com a família, em Valencia (espanha), 2006
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Vinicius Ronzani Cerqueira
JAN/MAR 2021
Principais legados
“Ao reler os objetivos que tracei no ensaio que
apresentei no meu primeiro concurso para professor
(fiz isso hoje depois de tantos anos!), vejo que todos
foram atingidos (eram relativos ao robalo). Não
eram objetivos para se alcançar em um único projeto.
Mas em vários, com a ajuda de muita gente. Mas
creio que chegamos. Isso é muito gratificante. Além
disso, ao longo do percurso, alguns desafios foram
aparecendo. Um dos mais interessantes foi o de estudar
a sardinha. Os colegas do ICMBio tinham um
problema e queriam nossa parceria para resolver.
Teria sido mais tranquilo continuar apenas com os
problemas que a gente já tinha. Mas era um trabalho
tão bonito!. Com toda a dificuldade de manter
explorável o estoque de sardinha adulta, capturávamos
e ainda capturamos juvenis para usar como isca-viva
na pesca do bonito-listado. Eu já conhecia o
problema desde 1990, mas não tinha como ajudar.
Então em 2010, junto com ICMBio e UNIVALI, iniciamos
um projeto. Nossa parte era controlar a reprodução
e criação de juvenis. Muitos pensavam ser
impossível, mas os objetivos foram alcançados. Várias
dissertações e teses foram feitas sobre o tema.
É um projeto que considero de alta relevância socioeconômica
e ambiental. Tenho muito orgulho de
ter participado. Mas as capturas de sardinha para
isca-viva continuam. O setor pesqueiro considera
que produzir juvenis de sardinha é caro. Mas é preciso
sair da escala experimental para uma escala
de produção massiva. São necessários 700 milhões
de juvenis por ano para atender a demanda atual.
A indústria precisa de incentivos para isso. Ainda se
pensa em espécies alternativas, como a tilápia. Mas
qualquer isca criada vai ter um custo “alto”, considerando
que a retirado da natureza não se paga.
Outra vertente do projeto seria engordar a sardinha.
Atualmente, temos um projeto de produção
piloto em negociação com as indústrias. As pesquisas
com a tainha também foram muito legais. Mas
já estou falando muito, fica para uma outra vez!”
LAPMAR: o principal laboratório do Brasil de
pesquisa e desenvolvimento em piscicultura
marinha
“Antes de qualquer coisa, muito obrigado pelo
reconhecimento de vocês! Isto é o mais importante.
Sempre quis propiciar aos alunos a melhor
formação possível. E foi importante para mim que
participassem em projetos que dessem conhecimento
teórico e prático, no nível mais alto possível.
Na minha visão, essa é a minha obrigação. E fico
muito feliz com o sucesso profissional dos ex-alunos.
Quanto à aquicultura nacional, eu fiz tudo o que
estava ao meu alcance. Quando o conhecimento
que o nosso trabalho gerou se tornar útil para
alavancar a indústria, o ciclo vai se fechar. Espero
que seja logo. Mas a decisão sobre criar ou não peixes
marinhos não depende só da minha vontade!”
A piscicultura marinha irá decolar no País?
“Já temos informações sobre várias espécies nativas.
Isso é muito bom. Mas uma espécie pode ser
criada de várias formas; o sistema de produção é o
que importa agora. No mês passado participamos
de um seminário no MAPA em que este assunto foi
discutido. Alguns colegas trouxeram experiências
Equipe LAPMAR (UFSC)
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PARCEIROS NA 22° ED:
interessantes e reforçaram minha visão a respeito.
Argumentei que não existe “a” espécie ideal. Parece
que é isto o que estamos buscando há anos no Brasil.
Como se fosse uma “bala de prata”! Isto não existe.
E o problema não é só a falta de ração específica
para peixe marinho, como alguns podem pensar. Isto
se resolve na medida da demanda. Temos muitos problemas.
Nosso entrave é o que chamamos de “custo
Brasil”. Não existe um “ambiente de negócio” favorável
para a implantação de uma indústria de piscicultura
marinha. São dificuldades de licenciamento ambiental,
financiamento, impostos, burocracia etc. E como
é uma atividade nova, há evidentemente um risco, que
é maior em qualquer atividade produtiva que dependa
da natureza (como na agrícola). Na situação atual,
seria importante que os riscos fossem atenuados, com
ações coordenadas entre setor privado, governo e pesquisa.
Que a atividade fosse estimulada. Isto é papel
do Ministério e Secretarias estaduais. O país precisa
fazer escolhas. Queremos importar cada vez mais pescado
marinho de alta qualidade (leia-se basicamente
salmão) e/ou explorar cada vez mais nossos estoques
pesqueiros já debilitados? Ou queremos incrementar
a oferta deste produto através da piscicultura?
O que ainda falta realizar?
“Eu creio que um pesquisador de qualquer área
nunca pode se considerar satisfeito! O que nos move é
a busca de conhecimento. A minha contribuição sempre
foi no sentido de conhecer as espécies para poder
controlar o ciclo de vida. O francês usa o verbo “maîtriser”,
ao invés de controlar. A gente se torna mestre
na medida que conhece e valoriza. Bem, não tendo
formação em engenharia, tentei aprender com os engenheiros,
os agrônomos principalmente. Pois a nossa
“engenharia” (ou seja, transformar a natureza a nosso
favor) é a de recursos biológicos. Então, meu olhar inicial
é o do oceanólogo, buscando as espécies “em dificuldade”
por exemplo, e depois vem o viés da engenharia,
buscando como intervir para resolver o problema.
Antes dos projetos com sardinha e tainha, já pensava
que a pescada-amarela (boa de mercado, ameaçada
em alguns locais, com a bexiga gasosa supervalorizada
no mercado asiático, ...) mereceria a nossa atenção.
Infelizmente, não conseguimos juvenis nem reprodutores.
Então, é um sonho ainda por concretizar”.
Coordenadores da Rede Catarinense de Pesquisa em
Piscicultura Marinha apresentando os resultados de seus
projetos no CNPq em Brasília, 2012
Três espécies de peixes marinhos para o Brasil
“Três é pouco! Eu creio que primeiro temos que
pensar em qual sistema de produção, depois nas espécies.
Para suplantar de forma mais fácil as dificuldades
mencionadas há pouco, penso que devemos começar
incentivando a piscicultura “estuarina”. É um sistema
semi-intensivo, que pode usar as mesmas estruturas de
engorda do camarão. E neste caso, com as espécies
que se adaptam bem neste ambiente: tainha, robalo,
carapeva, pescada, corvina, miragaia, talvez até linguado
e cioba. Isto existe na Europa até hoje. E acho
que estamos deixando escapar esta oportunidade há
pelo menos 15 anos. Mas, na medida em que consigamos
produzir em sistemas mais intensivos e com custo
mais elevado (tanque-rede e RAS, por exemplo), apostaria
em espécies com valor de mercado alto como
robalo, cioba, pescada-amarela, linguado e garoupa.
Onde vamos encontrar o professor Vinicius daqui
a 10 anos?
“Em muitos lugares!. Mas certamente vou ter
mais tempo para estar com minha esposa, meus filhos
e sobretudo netos. Também cuidando das minhas
coisas, como as plantas, a aquaponia, os
peixes, e também viajar, escrever meus textos; e
quem sabe sobre tempo para trabalhar em um
projeto de piscicultura de algum ex-aluno?
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JAN/MAR 2021
Data do povoamento: 13/01/2021
Número de pós-larvas estocadas: 200 mil
Área do viveiro: 2000 m²
Densidade: 100/m²
Data de despesca: 31/03/2021
Dias de cultivo: 79 dias
Peso final: 13,8 g
Biomassa final: 2.012 kg
Produtividade: 10.060 kg/ha
Sobrevivência: 73%
Total de ração: 2.560 kg
Conversão alimentar: 1.27
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