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Revista Aquaculture Brasil - 22ed

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aquaculturebrasil.com

REVISTA

AQUACULTURE

BRASIL

EDIÇÃO

22

JAN/MAR

2021

PANORAMA DA

QUELONICULTURA

NO BRASIL:

Uma estratégia

para conservação

das espécies e

geração de renda

MAR/ABR 2018

ISSN 2525-3379

Artigo: Profissionalização

em sistema RAS na

Europa

Coluna: A magia dos

pigmentos

Entrevista: Cintia

Nakayama - UFMG/

Aquabio

Eles fazem a diferença:

Vinicius Ronzani

Cerqueira

1


C

M

Y

CM

MY

CY

CMY

K



AQUACULTURE BRASIL

O MAIOR PORTAL DA AQUICULTURA

BRASILEIRA!

EDITOR-CHEFE:

Giovanni Lemos de Mello

redacao@aquaculturebrasil.com

EDITORES-ASSISTENTES:

Alex Augusto Gonçalves

Artur Nishioka Rombenso

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano

Roberto Bianchini Derner

Rodolfo Luís Petersen

DIREÇÃO DE ARTE:

Syllas Mariz

Jéssica Brol

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO:

Aldeniza Cardoso de Lima, André Macedo Brugger,

Anndson Brelaz de Oliveira, César Serra Bonifácio Costa,

Cintia Labussière Nakayama, Fernanda Garcia Sampaio,

Filipi Andrade, Hênio do Nascimento Melo Júnior, Hugo

Ricardo Bezerra Alves, Janderson Rocha Garcez, João

Alfredo da Mota Duarte, Katt Regina Lapa, Lucas Gomes

Mendes, Luís Tadeu Assad, Manuel Macedo de Souza,

Marco Dellian Zanetta, Paulo Cesar Machado Andrade,

Pedro Henrique Magalhães Cardoso, Pedro Lindenberg,

Thiago Luiz Ferreira Anízio, Vinicius Ronzani Cerqueira,

Wander da Silva Rodrigues.

Os artigos assinados e imagens são de

responsabilidade dos autores.

COLUNISTAS:

Artur Nishioka Rombenso

Diego Maia Rocha

Eduardo Gomes Sanches

Fábio Rosa Sussel

Giovanni Lemos de Mello

Ivã Guidini Lopes

Juliana Antunes Galvão

Marcela Maia Yamashita

Marcelo Shei

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano

Roberto Bianchini Derner

Rodolfo Luís Petersen

As colunas assinadas e imagens são de

responsabilidade dos autores.

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A revista AQUACULTURE BRASIL é uma publicação

trimestral da EDITORA

AQUACULTURE BRASIL LTDA ME.

(ISSN 2525-3379).

www.aquaculturebrasil.com

Av. Senador Galotti, 329/503, Mar Grosso, Laguna/SC,

88790-000.

Impressionante como a pandemia do Covid-19

mexeu com a vida de todos nós. Qualquer pessoa

do planeta, sem dúvidas, conhece alguém que

lamentavelmente foi acometido por esta tragédia.

Escrevo este editorial em 21 de junho de 2021.

Primeiro dia do inverno. Recentemente, o Brasil atingiu

a triste marca de 500 mil vidas perdidas. A aquicultura

brasileira também foi duramente atingida.

Apesar de ser difícil nominar as vidas perdidas,

e talvez correr o risco de cometer algum esquecimento

ou equívoco, gostaria de destacar três profissionais

importantes para o nosso setor e que nos

deixaram precocemente.

Na carcinicultura marinha, Chung Ji Hsiung (59 anos), um dos primeiros

carcinicultores a intensificar a produção de L. vannamei no Brasil e apostar em

novas tecnologias e inovações, além de incentivador do cooperativismo.

Na piscicultura continental, Marcelo Berriel Cardoso (53 anos), um dos

maiores piscicultores do Brasil. Entusiasta da aquicultura, acreditava na atividade

como fator de desenvolvimento, geração e distribuição de renda. Um homem

de ação, decisão e atitudes. Compatibilizava a produção com gestão, eficiência

e resultados. Um exemplo de produtor que se foi e que deixou sua marca na

história da aquicultura brasileira.

Na ciência, a perda que talvez mais tenha comovido o setor pesqueiro e

aquícola do País, foi a do Prof. Dr. Fábio Hazin (57 anos). O Engenheiro de Pesca

mais brilhante da história de nosso País. Uma referência mundial da Ciência

Pesqueira. Nosso setor parou em 07/jun/21, consternado com a partida do

Mestre Hazin.

Certamente Chung, Berriel e Hazin teriam ainda muito a contribuir com o

nosso setor! E claro, tantos outros que nos deixaram precocemente... De acordo

com alguns estudos, o Brasil pode ter a primeira redução da expectativa de

vida desde 1940... Lamentável...

Vamos trabalhar por vocês, por cada vida perdida, pelo combate ao negacionismo

e pela valorização da ciência, das pessoas e da Aquicultura!

E aqui está, mais uma edição da Revista Aquaculture Brasil.

Ótima leitura!

A AQUACULTURE BRASIL não se

responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios de

terceiros.

Giovanni Lemos de Mello,

Editor-chefe.


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SUMÁRIO

AQUACULTURE BRASIL - edição 22 jan/mar 2021

08 FOTO DO LEITOR

»»

p.10

10 CIRCULAÇÃO VERTICAL NA PISCICULTURA EM

TANQUE-REDE DE AMBIENTES TROPICAIS E

SEMIÁRIDO

18 CUIDADOS MÍNIMOS EM UM QUARENTENÁRIO

CREDENCIADO PARA IMPORTAÇÃO DE ORGANISMOS

AQUÁTICOS ORNAMENTAIS PARA IMPEDIR A

INTRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE PATÓGENOS

26 USO DE PLANTAS HALÓFITAS NA AQUICULTURA:

DO TRATAMENTO DE EFLUENTE À ALIMENTAÇÃO

ANIMAL

»»

p.18

32 PANORAMA DA QUELONICULTURA NO BRASIL

– UMA ESTRATÉGIA PARA CONSERVAÇÃO DAS

ESPÉCIES E GERAÇÃO DE RENDA

42 AQUICULTURA E PESCA SUSTENTÁVEIS NO

INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO

E SUSTENTABILIDADE (IABS): ATUAIS AVANÇOS

SOCIOPRODUTIVOS

48 PROFISSIONALIZAÇÃO EM SISTEMA RAS NA EUROPA

54 ESPAÇO EMPRESA - INVE

»»

p.26

58 ARTIGOS PARA CURTIR E COMPARTILHAR

59 CHARGES

6


»»

p.90

60 ATUALIDADES E TENDÊNCIAS NA AQUICULTURA

62 ATUALIDADES DA CARCINICULTURA

64 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS

»»

p.42

66 AQUICULTURA ORNAMENTAL

68 GREEN TECHNOLOGIES

70 NUTRIÇÃO AQUÍCOLA

72 VISÃO AQUÍCOLA

74 RECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS

76 SANIDADE

»»

p.48

78 GESTÃO DE RESÍDUOS

80 NAVEGANDO NA AQUICULTURA

82 TECNOLOGIA DO PESCADO

84 ENTREVISTA - CINTIA LABUSSIÈRE NAKAYAMA

90 ELES FAZEM A DIFERENÇA

96 DESPESCOU

»»

p.84

7


Cultivo das microalgas Nannochloropsis oculata,

Chlorella vulgaris e Chaetoceros muelleri

(Fortaleza, CE)

Giancarlo Lavor

Quando se põe amor até na preparação

do viveiro para a próxima safra

(Laguna, SC)

Clemilson de Andrade

@mar.dobrasil

Produção de carpa ornamental

(Não-Me-Toque, RS)

Cleiton Kissmann

@acquadocepiscicultura

Camarão da fazenda Aqualuz cultivado em baixa

salinidade

(Taubaté, SP)

Daniel Pereira e Dalton Nielsen

@aqualuzcamarao

JAN/MAR 2021

8


Fazenda “Acuacultores del Mar Azul”

(Sinaloa, México)

Arturo Nieves

@shrimpaquaculture

Alevinos de Pacu

(Timbó, SC)

Aquacultura Nilótica

@aquaculturanilotica

JAN/MAR 2021

>>

Envie suas fotos mostrando a aquicultura no seu dia a dia

e participe desta seção.

redacao@aquaculturebrasil.com

9


© Daniela Campeche

JAN/MAR 2021

10

PARCEIROS NA 22° ED:


Circulação vertical na

piscicultura em tanque-rede

de ambientes tropicais e

semiárido

Hênio do Nascimento Melo Júnior

Universidade Regional do Cariri-URCA

Laboratório de Limnologia e Aquicultura-LLA

henio.melo@urca.br

Fernanda Garcia Sampaio

Embrapa Meio Ambiente

fernanda.sampaio@embrapa.br

Lacunas como as da

influência de variações

ambientais que podem

resultar em perdas de

produção e mortalidade

massiva ainda são

uma área de demanda

para dar suporte ao

desenvolvimento deste

sistema de produção.

A

piscicultura em

tanques-rede é

uma das modalidades

de aquicultura que mais

tem avançado no Brasil se

consolidando cada vez mais

como um sistema de produção.

Reservatórios e açudes

têm permitido o avanço da

modalidade de produção que

ocorre diretamente no corpo

hídrico. Apesar do crescimento

da piscicultura em

tanques rede e dos avanços

tecnológicos há ainda muito

a avançar em relação as estratégias

de monitoramento

ambiental e manejo eficiente

para dar suporte aos sistemas

de produção. Lacunas como

as da influência de variações

ambientais que podem resultar

em perdas de produção

e mortalidade massiva também

ainda são uma área de

demanda para dar suporte ao

desenvolvimento desta modalidade

de produção.

Estudos recentes indicam

que variações meteorológicas

possam influenciar diretamente

o sucesso das pisciculturas

e que o monitoramento

destas pode ser uma grande

ferramenta para o produtor

de peixes em tanques-rede.

Dentre os eventos meteorológicos

que já estão sendo

observados como de influência

direta aos sistemas de

produção em tanques-rede

estão as variações térmicas

e eólicas que promovem a

circulação vertical. Nos últimos

anos a ocorrência de

circulação vertical turbulenta

têm causado eventos de

mortalidade em pisciculturas

em tanque-rede em açudes e

reservatórios. Entre os piscicultores,

estes eventos são

conhecidos como “inversão

térmica”.

JAN/MAR 2021

11


Figura 1. Esquema de Circulação Vertical e as condições estruturais da coluna d’água em um lago estratificado e desestratificado.

Adaptado de: Saraiva e Melo Júnior (2019).

JAN/MAR 2021

Circulação vertical (CV)

A Limnologia caracteriza a CV através da estratificação

e desestratificação da coluna d’água. Quando a coluna

de água está dividida em três estratos, o epilímnio,

metalíminio e hipolímnio, o ambiente está estratificado.

Quando a coluna de água está homogênea, apresentando

características físicas e químicas semelhantes da

superfície ao fundo, podemos afirmar que o ambiente

está desestratificado ou homogêneo (Figura 01). Um

ambiente estratificado possui condições limnológicas

diferentes em cada uma das camadas e quando ocorre

a desestratificação o ambiente fica misturado tendo as

mesmas características limnológicas. A CV é um evento

natural fundamental para a estrutura e organização

dos processos químicos e biológicos de lagos, represas

e açudes, e podem ser influenciados pela temperatura

atmosférica, velocidade e direção do vento (Saraiva e

Melo-Junior, 2019).

O que causa esse processo, quando e

como ocorre?

No Brasil cada região possui um comportamento

climatológico diferenciado, mas os principais fenômenos

responsáveis por originar a CV são a temperatura

do ar, velocidade e direção do vento, regime de precipitação

pluviométrica e a ocorrência de frentes frias. O

aquecimento diurno da atmosfera aquece o vento que

em sequência aquece a camada superficial da água, ao

longo do tempo a superfície aquecida transfere calor

para a meia água, a qual em dado momento também

transfere calor para água profunda. Nessa transferência

de calor a temperatura decresce da superfície ao

fundo.

A diferença térmica nas três camadas altera a densidade

da água, a qual é inversamente proporcional a

temperatura. O diferencial de temperatura e densidade

impedem a mistura das camadas de água, caracterizando

a estratificação e o epilímnio, metalímnio e

hipolímnio (Figura 02 A).

No resfriamento atmosférico circula vento frio sobre

a superfície da água, resfriando-a e tornando-a mais

densa provocando afundamento e mistura de água entre

epilímnio e metalímnio. O contínuo resfriamento

superfícial aumenta a densidade e a mistura atingindo o

hipolímnio desestratificando o ambiente (Figura 02 B).

O vento também desloca as águas superficiais,

esse transporte chama-se circulação horizontal (CH).

Quando a água empurrada atinge a margem oposta,

esta empurra a água do local para baixo causando circulação

de água (Figura 03 A e B).

Circulação vertical (CV) e

pisciculturas em tanques-rede

Para a piscicultura em tanque-rede a CV é de extrema

importância, pois a circulação das águas superficiais

oxigenadas pela fotossíntese transporta O 2

para

as águas mais profundas permitindo maior oxigenação

da água e decomposição aeróbica da matéria orgânica

excedente no sedimento.

Porém quando a CV ocorre de forma mais pronunciada

ela é conhecida como circulação vertical turbulenta

(CVT).

A estratificação antecede a ocorrência de uma CVT,

porém a mudanças intensas e repentinas das condições

físicas da atmosfera, queda de temperatura e vento

influenciam as condições físicas e químicas da água,

promovendo uma circulação de forte impacto, removendo

sedimento, transportando-os pela coluna de

água até que se espalhem pelo epilímnio, onde estão

posicionados os tanques-rede, tornando o ambiente

turbulento e inadequado a sobrevivência dos peixes

(Figura 4 A e B).

12

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 2. A) Variação térmica determinante da estratificação do ambiente; B) Variação térmica determinante da desestratificação do

ambiente. Adaptado de: Tundisi e Tundisi (2008).

A. B.

Figura 3. A) Ação do vento na condição de ambiente estratificado; B) Ação do vento na formação de desestratificação. Adaptado de:

Tundisi e Tundisi (2008).

A. B.

Figura 4. A) Variações térmicas e eólicas diurnas determinantes da estratificação da coluna de água; B) Variações térmicas e eólicas

noturnas determinantes da circulação vertical turbulenta. Adaptado de: Araújo e Melo Júnior (2019) e Sistema integrado de dados

ambientais - SINDA/INPE.

A. B.

JAN/MAR 2021

13


JAN/MAR 2021

Os impactos resultantes de CVT

podem ocorrer na seguinte ordem:

I. Alterações drásticas da temperatura do epilímio

causada por resfriamento atmosférico. Estas alterações

podem não levar a morte dos animais, mas, dependendo

da intensidade, poderão ser extremamente

prejudiciais para a saúde e desempenho dos mesmos,

levando ainda a diminuição do consumo de ração enquanto

ocorrer o fenômeno;

II. O transporte de sedimento até a superfície de

água, promove alterações que iniciam simultaneamente,

porém com efeitos e velocidades diferenciadas. Os

peixes nos tanques-rede, sem possibilidade de fuga, estão

submetidos a exposição prolongada desses impactos

e a sequência de alterações metabólicas:

• Alteração da cor, transparência, turbidez e

odor da água, ficando amarronzada e com “cheiro de

ovo podre”. Esses impactos foram verificados em eventos

de mortalidade em pisciculturas (Melo Júnior, Dias

e Vasconcelos, 2019) e em reservatórios de São Paulo

(Chiba et al., 2009);

• (NH 3

) íon amônia e (NO 2

) nitrito, gases resultantes

da decomposição aeróbica e importantes no

ciclo de nutrientes, porém em altas concentrações são

tóxicos. A NH 3

também é o produto da excreção dos

peixes, que ocorre por difusão, portanto, altas concentrações

de NH 3

na água impedem a excreção dos peixes,

intoxicando-os por excesso de NH 3

no sangue e tecidos.

O NO 2

em altas concentrações na água pode ser

absorvido pelas brânquias e inibir a respiração dos peixes,

nesse caso, é formado a metahemoglobina, “doença

do sangue marrom”, oxidando o ferro da hemoglobina

e impedindo a fixação do O 2

no sangue, o peixe

morre por anoxia mesmo a água tendo O 2

a disposição;

• (H 2

S) gás sulfídrico ou sulfeto e (CH 4

) metano.

São gases resultantes da decomposição anaeróbica,

provoca “cheiro de ovo podre na água” e são potencialmente

tóxicos aos peixes, a absorção branquial resulta

rápido efeito letal.

• Diminuição das concentrações de O 2

por

decomposição aeróbica da matéria orgânica transportada

na CVT e, em seguida, a cor e transparência reduzem

a taxa de fotossíntese. Os efeitos da hipoxia e

anoxia sobre os peixes, em maioria, ocorrem secundariamente

às intoxicações acima mencionadas;

• Sinais visuais de intoxicação dos peixes no

cultivo, conforme os piscicultores: letargia, perda de

apetite, natação desorientada, tentativa de respirar ar

atmosférico “beber ar” e óbito (Melo Júnior, Dias e Vasconcelos,

2019);

III. Fuga de peixes nativos livres, estes procuram

áreas menos impactadas ou sem impactos;

Registros de CVT em ambientes com

cultivo de peixes em tanques-rede

Eventos de mortalidade por CVT em pisciculturas

em tanque-rede ocorreram em vários açudes, dos

quais: Olho D’água em Várzea Alegre, Ceará (Santos

et al., 2013); Rosário em Lavras da Mangabeira, Ceará

(Melo Júnior, 2017); Umari em Upanema, Rio Grande

do Norte (Henry-Silva, Melo Júnior e Attayde, 2019);

Sítios Novos em Petencostes, Ceará (Oliveira et al.,

2011; Araújo e Melo Júnior, 2019).

Araújo e Melo Júnior (2019) analisaram os dados

meteorológicos do evento de mortalidade em pisciculturas

do açude Sítios Novos. Por meio dos registros meteorológicos,

os autores constataram que entre a tarde

e manhã dos dias 01/05/11 e 02/05/11, houve queda

de 8,7°C na temperatura do ar, resfriando o epilímnio,

e entre 21:00 e 00:00 ocorreu direcionamento da corrente

de vento, em sentido semelhante e com variação

da velocidade entre 3,5 a 1,0 m/s (Figura 06 A a D).

Essas variações determinaram a formação da CVT,

fato também confirmado pelas informações etnolimnológicas

dos piscicultores, sobre as alterações da

água, relatadas em Oliveira et al. (2011). Igualmente as

ocorrências verificadas nos açudes Olho D’água, Rosário

e Umari, citados acima. Chiba et al. (2009), Tundisi

et al. (2010), Melo Júnior (2017) e Silva e Melo Júnior

(2018) reconhecem que ventos de pouca velocidade,

porém na mesma direção por longo tempo, contribuem

fortemente na formação da CVT.

Como ocorridos em outros açudes, no açude Sítios

Novos ficou evidenciado o efeito localizado da

CVT dentre as duas áreas de cultivo, monitoradas PP2

e PC3 (Figura 06), porém só ocorreu mortalidade em

uma das pisciculturas (PP2). Possivelmente o relevo e

morfometria minimizaram a influência térmica e eólica

na área de piscicultura que não teve mortalidade (PC3)

de maneira que não sofreu os impactos ambientais causados

pela CVT mantendo os peixes cultivados ilesos.

Na região Sudeste e Sul do país os eventos de CVT

são principalmente impulsionados por passagens de

frentes frias (FF), estas atuam alterando as condições

térmicas e eólicas que modificam a estrutura da coluna

de água nos reservatórios, os quais possuem períodos

caracterizados de estratificação e desestratificação.

No período de estratificação, durante a passagem

da FF (Figura 7), e cerca de 2 a 3 dias após, o aquecimento

diário das camadas superiores é enfraquecido e

a coluna d’água se torna mais homogênea, com temperaturas

aproximadas de 24°C (Figura 8). Já no período

de mistura, o mesmo fenômeno ocorre, porém com

menores amplitudes térmicas. Entretanto as maiores

14

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 5. A) Variação de temperatura do ar e velocidade do vento na CVT; B) Direção do vento no final da tarde. Fonte: Araújo e Melo

Júnior (2019)

A. B.

Figura 6. A) e B) Direcionamento do vento atuando na formação da CVT. Fonte: Araújo e Melo Júnior (2019)

A. B.

misturas da coluna da água promovida por FF neste

período podem diminuir a temperatura de superfície

da água a aproximadamente 22°C (Araújo et al., 2017).

O período ideal para cultivo da tilápia em Furnas

parece ser o verão (período de estratificação) pois durante

o inverno (período de mistura), as temperaturas

da superfície da água chegaram a valores abaixo dos

22°C, podendo levar a mortalidade ou estressar os

peixes, diminuindo a produção.

O monitoramento de parâmetros meteorológicos

pode ajudar no monitoramento ambiental da aquicultura,

pois com a maior ocorrência de FF no período de

mistura, flutuações térmicas tendem a ocorrer influenciando

diretamente o desempenho dos peixes em cultivo,

evitando sobras de ração e mortalidades em massa.

Apesar da ocorrência de FF ser menor no verão,

os efeitos desta na qualidade da água e na mistura

térmica são mais danosas. Como o verão é a época

de maior produção, o monitoramento da ocorrência

das FF pode ser um ótimo instrumento para apoiar

o manejo adequado, diminuindo perdas no processo

produtivo e evitando impactos ambientas. Por outro

lado, a passagem da FF aumenta o poder de diluição

nos braços do reservatório por causar uma mistura

parcial da coluna d’água, beneficiando as áreas de cultivo

(Araújo et al., 2017).

Tundisi et al. (2010) relatam caso de CVT ocorrida

no lago Catalão localizado em Manaus-AM em maio de

2006, sendo causado por passagem de FF ocasionando

diferencial de temperatura, mistura completa da coluna

d’água, liberação de H 2

S, redução da concentração

de O 2

e provocou a mortalidade de peixes do lago.

JAN/MAR 2021

15


Figura 7. Realce em vermelho do reservatório de Furnas mais especificamente no município de Guapé (MG) e momento de registro da

passagem da frente fria em 23, 24 e 25 de julho de 2014 (A, B e C respectivamente). Fonte: Araújo et al. (2017).

A. B. C.

Figura 8. Distribuição vertical diária da temperatura da água (Tw), A e C durante a passagem da frente fria e 3 dias após, e B e D

sem a influência da frente fria, em período de estratificação (A e B) e mistura (C e D). Fonte: Araújo et al. (2017).

A. B.

C. D.

JAN/MAR 2021

Conclusão

A identificação e compreensão dos sistemas meteorológicos

com suas influências na dinâmica limnológica

como circulação vertical, propriedades físicas

e químicas e seus resultados sobre a qualidade

da água, são ferramentas importantes para o manejo

e sustentabilidade da piscicultura em tanque-rede

em ambientes como lagos, açudes e reservatórios.

O verão representa a possibilidade de maior impacto

causado por CVT, nesse período sazonal ocorre

o maior diferencial de temperatura no meio aquático

determinado pelos fenômenos causadores da CVT,

tornando-a mais intensa, sendo essa condição comum

aos açudes do Semiárido e reservatórios de todo Brasil.

O monitoramento das passagens de FF, nas regiões

Sul e Sudeste e a transição entre verão e inverno no

Semiárido são fatores cruciais para o monitoramento

da piscicultura em reservatórios e açudes. Portanto,

há que haver muito investimento em estudo e tecnologia

de monitoramento que atendam às necessidades

da piscicultura em tanque-rede, tanto para grandes,

médios como para pequenos produtores.

Consulte as referências bibliográficas em

www.aquaculturebrasil.com/artigos

16

PARCEIROS NA 22° ED:


17

JAN/MAR 2021


JAN/MAR 2021

© Pedro Henrique Magalhães Cardoso

18

PARCEIROS NA 22° ED:


Cuidados mínimos em um

quarentenário credenciado

para importação de organismos

aquáticos ornamentais para impedir

a introdução e disseminação de

patógenos

Pedro Henrique Magalhães Cardoso

Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal

Faculdade de Medicina Veterinária - FMVZ

Universidade de São Paulo - USP

pedrohenriquemedvet@usp.br

A

aquariofilia é um importante segmento na

indústria de animais de companhia. Países

desenvolvidos como Estados Unidos, Japão

e alguns países da Europa apresentam um maior volume

desse mercado, fazendo

com que os peixes sejam a

categoria pet mais prevalente

nos domicílios no mundo,

ficando na frente de cães,

gatos e outros animais de

estimação. No Brasil, o cenário

é um pouco diferente,

pois os peixes estão em

quarto lugar na categoria de

animais de estimação presente

nos domicílios, ficando,

portanto, atrás de cães,

gatos e aves (AbinPet 2021).

Em todo o mundo são

em média 4500 espécies

de água doce (dos quais

mais de 90% já são criados

em pisciculturas) e 1450 de

água salgada (dos quais cerca de 95% ainda extraídos

de ambientes naturais). A grande maioria dos peixes

são provenientes de países em desenvolvimento

como Brasil, Colômbia, Filipinas, Indonésia, Malásia,

Nigéria, Peru, Quênia, Sri Lanka e outros dos quais

são exportados para diversos países desenvolvidos

do globo (Whittington; Chong, 2007).

Esse movimento de

translocação através de

importação, exportação

e distribuição permite

que animais cheguem

em uma outra região

totalmente diferente

da original e podendo

muitas vezes se

reproduzir com muito

sucesso e eficiência no

novo local. A exemplo

no Brasil temos a

Zona da Mata de

Minas Gerais, que é o

principal polo produtor,

com quase a totalidade

de animais exóticos

(Cardoso; Balian, 2018)

como Betta splendens, Carassius auratus, Cyprinus

carpio, Puntius tetrazona, Xiphophorus maculatus,

Trichopodus leerii entre inúmeros outros (figura 1).

A nível mundial, os

peixes são a categoria

pet mais prevalente nos

domicílios, ficando à

frente de cães, gatos

e outros animais de

estimação.

JAN/MAR 2021

19


Figura 1. Principais peixes ornamentais exóticos reproduzidos na Zona da Mata de Minas Gerais: Betta splendens (A), Carassius

auratus (B), Cyprinus carpio (C), Puntius tetrazona (D), Xiphophorus maculatus (E) e Trichopodus leerii (F).

© Pedro Henrique M. Cardoso

JAN/MAR 2021

Quarentenários credenciados para

importação de peixes ornamentais

Para que um peixe ornamental seja importado é

obrigatório que ele seja submetido a um período mínimo

de quarentena (figura 3) antes de serem comercializados

para lojas e consumidores finais. No Brasil, o

credenciamento de quarentenários para importação

de organismos aquáticos para fins ornamentais

é de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento (MAPA) (Brasil, 2015).

O quarentenário deve ter requisitos mínimos

para a aprovação da licença e deve

funcionar sob responsabilidade técnica de

um médico-veterinário, que deve monitorar

os animais durante todo o período de

quarentena com o intuito de impedir a introdução

e disseminação de doenças transfronteiriças. Até

a data de redação deste artigo o Brasil possuía um

total de 24 quarentenários credenciados (figura 2)

para importação de organismos aquáticos com fins

ornamentais distribuídos pelas regiões do Brasil (última

atualização 12/06/2020) (Ministério da Agricultura

Pecuária e Abastecimento, 2020).

A autorização para importação das espécies de

peixes é de competência do Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA),

que possui legislações específicas com listas de espécies

que são permitidas para importação. Desde 2017

o órgão também apresenta listas de peixes de água

doce e peixes de água salgada cuja importação será

negada com a devida justificativa como por exemplo

quando se tratar de uma espécie com potencial de

invasão (Ibama, 2018).

Figura 2. Distribuição dos

quarentenários credenciados

para importação de peixes

ornamentais com fins

comerciais.

1 quarentenário

2 quarentenários

6 quarentenários

15 quarentenários

20

PARCEIROS NA 22° ED:


A translocação de animais

aquáticos e o aparecimento

de doenças

A translocação de animais aquáticos

permite também que outros organismos

venham de “carona” com os peixes,

logo, o comércio e circulação de

animais vivos, sem o cumprimento de

procedimentos técnicos padronizados

e seguros, pode possibilitar a disseminação

de inúmeros agentes causadores

de doenças infecciosas e parasitárias. E

muitas vezes as doenças podem causar

sérios problemas sanitários em regiões

indenes e ser responsável por prejuízos

econômicos irreparáveis (Oata, 2008).

Em 2015, Cardoso e colaboradores

relataram em São Paulo, a ocorrência do

gênero Megalocytivirus causando mortalidade

de 94% em piranhas vermelhas

(Pygocentrus nattereri) após serem

alimentadas com guppies (Poecilia reticulata).

Amostras dos mesmos guppies

que não entraram em contato com as

piranhas também foram submetidos para

diagnóstico e positivo para o vírus. Os

gupppies não manifestavam a doença,

sugerindo os autores que possa ter ocorrido

transmissão horizontal da doença para as espécies

nativas. Outros autores também detectaram o mesmo

vírus em diversas outras espécies de peixes ornamentais

cultivados aparentemente saudáveis, sugerindo desse

modo que alguns peixes possam servir como reservatório

do vírus (Cardoso et al., 2017a). O mesmo vírus foi

detectado em diversas pisciculturas produtoras de tilápias

em regiões do Brasil (Panorama da Aquicultura, 2020).

Cardoso e colaboradores também relataram a presença

de Neobenedenia melleni parasitando a pele e região

ocular (figura 4) de Pomacanthus asfur, Pomacanthus

Figura 3. Peixes ornamentais de água salgada em quarentena em um

quarentenário credenciado para importação.© Pedro Henrique M. Cardoso

maculosus, Pygoplites diacanthus e Chaetodon semilarvatus;

Macrogyrodactylus sp. parasitando a pele e região

ocular de Polypterus palmas; Uronema sp. infectando

pele e órgãos internos (figura 5) de Chromis viridis, Chromis

vanderbilti, Heniochus acuminatus, Apolemichthys

trimaculatus, Apolemichthys xanthopunctatus, Pseudanthias

squamipinnis, Pseudochromis fridmani, Chaetodon

auriga, Chaetodon vagabundus, Chaetodon semilarvatus;

Haliotrema aurigae parasitando brânquias de Chaetodon

rainfordi; Cryptocaryon irritans parasitando pele de Zebrasoma

xanthurum. Sendo todas as espécies de peixes

citadas acima importadas

e os patógenos detectados

ainda na quarentena ou pós

quarentena (Cardoso et al.,

2017b, 2018, 2020a, 2020b).

JAN/MAR 2021

Figura 4. Peixe Anjo

(Pomacanthus asfur)

apresentando opacidade

de córnea (A) causado pelo

parasita Neobenedenia

melleni (B). © Pedro

Henrique M. Cardoso

21


JAN/MAR 2021

Figura 5. Peixes ornamentais de diferentes

espécies e famílias com lesões hemorrágicas

causado pelo parasita Uronema spp.

© Pedro Henrique M. Cardoso

Em aquicultura, biosseguridade

é um termo que se refere às medidas

aplicadas para reduzir a probabilidade

da disseminação e impactos

causados por agentes ou organismos

biológicos a um indivíduo, população

ou ecossistema, logo, a

falta de biosseguridade também

restringe o desenvolvimento e a

sustentabilidade de setores da aquicultura

por perdas na produção e

aumento nos custos operacionais e,

indiretamente, através de restrições

no comércio e impactos na biodiversidade

(Cardoso; Balian, 2018).

Portanto para impedir a introdução

e disseminação de patógenos e doenças

é muito importante que os

envolvidos na importação e exportação

de peixes ornamentais adotem

práticas de biosseguridade a

começar pela quarentena (figura 6).

Cuidados mínimos que

devem ser seguidos antes

e durante o período de

quarentena para impedir

a introdução, multiplicação

e disseminação de

doenças

Antes que os animais cheguem

do local de origem é necessário

que o importador no Brasil juntamente

com o médico-veterinário

responsável técnico se certifique

que a quarentena esteja cumprindo

não só os requisitos mínimos exigidos

em legislação, mas que uma série

de outras medidas sejam adotadas

pela empresa com o intuito de

manter o mínimo de bem estar animal

e biosseguridade. É primordial

que os equipamentos estejam funcionado

corretamente, que a água

esteja com parâmetros de qualidade

adequado às espécies que vão

receber, que a alimentação já tenha

sido providenciada, assim como ter

em estoque bactérias benéficas do

ciclo do nitrogênio, responsáveis

pela remoção de amônia e nitrito,

dois principais elementos responsáveis

por intoxicação e morte.

Na maioria das vezes os animais

chegam em embalagens com

água e espaço limitado, devido o

valor do frete da carga que praticamente

triplica o valor dos indivíduos

ao importador. Devido ao

espaço limitado há um aumento

nas concentrações de amônia na

embalagem, brânquias e corrente

sanguínea podendo causar intoxicação,

estresse e morte. Não

é raro, uma taxa de mortalidade

elevada na chegada à quarentena.

Na minha experiência há 10 anos

como responsável técnico em quarentenários

credenciados, vi taxas

de mortalidade que variaram de 0 a

16 % em cargas liberadas em situações

normais e no tempo previsto.

Porém em cargas com erros na

documentação e indeferimento da

liberação, já vi animais ficarem retidos

por mais de 5 dias até a resolução

do problema, culminando em

55% de mortalidade. O restante

dos animais dessa mesma carga que

chegaram, muitos ficaram doentes

(figura 7) devido ao severo estresse

que sofreram devido às más condições

de qualidade de água na embalagem

que estavam acondicionados.

Nos dias posteriores à chegada

é comum observar picos de amônia;

por isso é necessário estar

precavido de todos os problemas

que possam acontecer, para que

não haja surpresas desagradáveis

durante o período de quarentena.

O processo longo de viagem

gera bastante estresse, que tem

como efeito a diminuição no sistema

imunológico dos peixes. E é

22

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 6. Exemplar de Protopterus spp. (peixe pulmonado) que sobreviveu após 5 dias retido no aeroporto. Na foto há

múltiplas lesões causadas pelo fungo aquático Saprolegnia spp. © Pedro Henrique M. Cardoso

desta forma que muitos patógenos, alguns com caráter

oportunista podem aparecer. Logo na entrada

na quarentena é possível administrar banhos de água

doce em peixes de água salgada, para remoção de

possíveis ectoparasitas como Neobenedenia melleni e

outras monogêneas. Em peixes de água doce, recomenda-se

a adição de sal para diminuir o gasto energético

na osmoregulação sobrando energia para o peixe

Figura 7. Peixes

ornamentais de

diferentes espécies

e famílias com

lesões hemorrágicas

causado pelo

parasita Uronema

spp.

© Pedro Henrique

M. Cardoso

se recuperar e lutar contra possíveis patógenos. Além

disso o monitoramento deve ser diário para detectar

possíveis agentes causadores de doenças, e caso necessário

o uso de agentes terapêuticos (grande desafio

na aquicultura no Brasil) que deverá ser solicitado

aprovação pelo Serviço de Saúde Animal do MAPA.

A utilização de filtros de luz ultravioleta e a ozonização

da água (figura 8), dois equipamentos que

JAN/MAR 2021

23


Figura 8. Filtros de luz ultravioleta e aparelho gerador de ozônio instalados em uma quarentena credenciada para importação de

peixes para desinfecção da água. © Pedro Henrique M. Cardoso

JAN/MAR 2021

sob meu ponto de vista são fundamentais em uma

quarentena e deveriam ser obrigatórios. O filtro de

luz ultravioleta tem um poder biocida e é muito eficaz

para diminuir a pressão exercida pelos patógenos nos

peixes, principalmente no que diz respeito às bactérias.

O acúmulo de matéria orgânica na água, favorece

a proliferação de inúmeros agentes causadores de

doenças como os protozoários Uronema, Tetrahymena,

Tricodina e outros que podem causar doenças em

peixes. A ozonização da água é responsável por fazer

a quebra da matéria orgânica, deixar a água mais limpa

e cristalina potencializando o poder biocida do filtro

de luz ultravioleta contra os patógenos circulantes.

Todos os pontos

discutidos

anteriormente devem

ser supervisionados

pela empresa e por seu

responsável técnico.

Conclusão

A translocação de animais aquáticos possibilita a introdução

e a disseminação de doenças em diferentes

regiões do Brasil e do mundo e para que isso não aconteça,

cuidados devem ser empregados antes e durante o

período de quarentena. Ações, como banhos terapêuticos

e o tratamento da água de recirculação com filtro

de luz ultravioleta e ozonização são eficazes no controle

de patógenos causadores de doenças em peixes e recomendo

fortemente a utilização. Todos os pontos discutidos

anteriormente devem ser supervisionados pela empresa

e por seu RESPONSÁVEL TÉCNICO. Qualquer

prática IRRESPONSÁVEL, ilícita e fora da lei deve ser

denunciada (mediante provas e evidências) aos órgãos

reguladores que poderá submeter o estabelecimento

quarentenário a sanções administrativas que vai desde

a suspensão ao cancelamento do credenciamento.

Consulte as referências bibliográficas em

www.aquaculturebrasil.com/artigos

24

PARCEIROS NA 22° ED:


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JAN/MAR 2021


JAN/MAR 2021

© Jéssica Brol | Aquaculture Brasil

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PARCEIROS NA 22° ED:


Uso de plantas Halófitas na

aquicultura: Do tratamento de

efluente à alimentação animal

*Manuel Macedo de Souza e César Serra Bonifácio Costa

Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Instituto de Oceanografia (IO)

Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH)

Rio Grande, RS

*mcsouza@furg.br

Já imaginou a possibilidade de tratar o efluente

de cultivo, alimentar os animais, gerar energia

elétrica e reduzir custos

com uma cajadada só? As

plantas halófitas podem tornar

isso uma realidade.

Os vegetais mais cultivados

e consumidos no Brasil

(como a alface, a couve, a

batata, o aipim, entre outros)

precisam de água doce para

o seu melhor crescimento

(< 3,0 dS m -1 ou < 2 g

NaCl L -1 ) e consequemente,

seu cultivo. Essas plantas

são classificadas como plantas

glicófitas (Grego, glico =

açúcar/doce; fitas/phyton =

planta). Por outro lado, ainda

não muito populares e muitas

vezes classificadas como

plantas alimentícias não convencionais

(PANCs), existe

outro grupo de plantas que

consegue passar por todo o

O desenvolvimento

de carcinicultura em

águas oligohalinas,

principalmente oriundas

de poços e rios,

forneceu novas fronteiras

para a carcinicultura

mundial.

seu ciclo de vida (germinação, crescimento e reprodução)

sobre a influência de águas salinas ou salobras.

Ou seja, são plantas que podem

ser cultivadas com água salgada.

Para essas plantas damos o nome

de plantas halófitas (Grego, halo

= sal) (Nikalje et al., 2018).

As plantas halófitas são naturalmente

encontradas nos

ambientes costeiros que sofrem

influência constante ou periódica

da água do mar e da maresia

(spray marinho), e em locais

do interior fortemente afetados

pela seca (Costa; Herrera,

2016b). No Brasil, os ambientes

que se destacam na quantidade

e biodiversidade de plantas halófitas

são os manguezais (e.g. o

mangue vermelho, Rhizophora

mangle), marismas (e.g. Spartina

alterniflora), dunas costeiras

(e.g. Sporobulus virginicus) e planos

salinos do semiárido nordestino

(e.g. Sesuvium portula-


JAN/MAR 2021

castrum). Embora sejam diferentes, as plantas halófitas

desses ambientes apresentam algumas características

semelhantes entre si e com plantas halófitas de outras

regiões salgadas do mundo, como no Oriente Médio

e França (Albuquerque et al., 2014; Costa; Herrera,

2016a). Mas...

Como isso é

possível?

Ao longo da sua evolução as plantas halófitas desenvolveram

adaptações em suas partes interna e externa

para tolerar o estresse salino (Rozema; Schat,

2013). Embora cada espécie tenha suas singularidades,

os mecanismos funcionais das plantas são bem

semelhantes. Mas a quantidade de adaptações que

essas plantas obtiveram foi dependente da salinidade

do ambiente onde viviam. Ou seja, quanto mais estresse

as plantas sofriam, maior deveria ser o número

de adaptações – características favoráveis para sobrevivência

e fecundidade. Era adaptação ou morte!

O halofitismo, que é o grau de tolerância a salinidade,

é bem diversificado e altamente dependente

do ambiente de desenvolvimento dessas plantas.

Assim, dependendo do grau de tolerância a salinidade,

as plantas halófitas podem ser classificadas desde

plantas halotolerantes, que toleram água com

baixa salinidade, até as halófitas extremas, que toleram

condições hipersalinas, isto é, mais salgadas que

a água do mar (Costa, 2006; Duarte et al., 2013).

Falamos até agora como as plantas halófitas evoluíram.

Mas...

O quê elas têm

de bom?

Vários compostos são produzidos pelas plantas halófitas

para tolerar o estresse salino, como alguns açucares

(como o sorbitol), aminoácidos (como a prolina)

ácidos graxos poli-insaturados, flavonoides, polifenóis

e carotenoides. Compostos que além de serem utilizados

pelas plantas halófitas para tolerar o estresse

salino, são importantes para alimentação animal e humana,

além de possuírem atividades biológicas, como

capacidade antioxidante, anti-inflamatória, bactericida,

vermífuga, entre outras (Barreira et al., 2017; Costa

et al., 2014; Costa, 2006; D’Oca et al., 2012; De

Souza et al., 2018a, 2018b, 2020; Katiki et al., 2013;

Ksouri et al., 2009; Tomazelli Junior et al., 2017).

Figura 1. Halófitas de diferentes espécies:

Spartina

alterniflora.

© César Costa

Sesuvium

portulacastrum.

© César Costa

Schinus

terebinthifolius.

© Manuel M. de

Souza

28

PARCEIROS NA 22° ED:


Se as plantas halófitas são

tão boas, porque não as

conhecemos?

Na realidade, as plantas halófitas são utilizadas pelo

ser humano a muitos séculos, tendo registro de uso

há mais de 5000 anos na medicina indiana (Arya et

al., 2019). A grande popularização destas plantas começou

em países com pouca disponibilidade de água

doce, como os países do oriente médio. Os Emirados

Árabes Unidos, por exemplo, têm grande investimento

no desenvolvimento da agricultura salina e produção

de biodiesel a partir das sementes de Aspargo marinho

(plantas dos gêneros Salicornia e Sarcocornia, também

consumidas como sal-verde, vegetais frescos ou em

conserva), e gramados de campos de golfe e futebol

com mudas de Paspalum vaginatum. Já a Quinoa (Chenopodium

quinoa) começou a ser consumida na região

dos grandes lagos salgados da América Latina (Bolívia,

Colômbia, Equador e Peru) há mais de 4 mil anos e

hoje se popularizou em dietas com baixas calorias,

utilizadas para o emagrecimento (Centofanti; Bañuelos,

2019; Panta et al., 2014). Hoje, plantas halófitas

são utilizadas para alimentação humana (como vegetais

frescos, em conserva ou como condimentos), alimentação

animal, na produção de biocombustíveis, como

plantas ornamentais e paisagismo, na produção de medicamentos,

na produção de bebidas fermentadas etc

(Abdelly et al., 2007).

Além de tudo isso, novas características e funcionalidades

das, e para, as plantas halófitas estão sendo

descobertas a todo o momento. Uma que nos deixou

bastante entusiasmados é a descoberta que, embora

ainda sejam resultados obtidos em experimento com

ratos e ovelhas, os aspargos marinho do gênero Salicornia

herbacea e S. neei têm a capacidade de impedir que

estes animais acumulem gorduras (Pichiah; Cha, 2015;

Arce et al., 2016). Sim, isso mesmo. Imagine que mesmo

comendo aquela picanha cheia de gordura no final

de semana, a ingestão da planta poderia impedir que

acumulemos parte dessa gordura. Isso não seria sensacional?

Num ramo totalmente diferente, estudos ainda

preliminares demostram que é possível gerar energia

nas raízes de plantas halófitas cultivadas em hidroponia.

Resumidamente, este sistema de geração de energia

consiste na oxidação de compostos liberados pelas raízes

das plantas por bactérias (Wetser et al., 2015).

Figura 2. a) Cultivo de quinoa com águas salinas em área desértica do International Center for Biosaline

Agriculture (Dubai, Emirados Árabes Unidos). © Kennia Doncato; b) Aspargo marinho (S. neei) produzidos com efluentes

de aquicultura pelo Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH, FURG) e embalados para envio à restaurantes em Porto

Alegre (RS). © César Costa

a

b

JAN/MAR 2021

29


Figura 3. Cultivo de Aspargo marinho (Salicornia neei) com água subterrânea salina no município de Ocara (CE).

© César Costa

JAN/MAR 2021

E como as plantas

halófitas são utilizadas na

aquicultura?

Há algum tempo as plantas halófitas já são utilizadas

na fitorremediação dos efluentes salinos da aquicultura

(Fierro-Sañudo et al., 2020), seja em tanques

de decantação ou em wetlands, por exemplo. Sendo

também utilizadas para fixação das paredes dos tanques

de cultivo ou canais de irrigação. No entanto,

utilizações mais nobres vêm sendo estudadas!

Embora ainda à nível acadêmico, o extrato da

grama bermuda (Cynodon dactylon) demonstrou ter

a capacidade de proteger o camarão marinho Litopenaeus

vannamei contra o vírus da mancha branca

(WSSV - white spot syndrome vírus). Além de auxiliar

na saúde, as plantas halófitas também podem ser utilizadas

na alimentação dos animais cultivados. Os aspargos

marinhos S. bigelovii e S. neei por exemplo, já

foram utilizados para a alimentação de tilápias do Nilo

(Oreochromis niloticus) e camarões marinhos (Litopenaeus

vannamei), respectivamente (De Souza, 2018;

Ríos-Duran et al., 2013), alcançando desenvolvimento

zootécnico iguais aos dos animais alimentados com

uma ração tradicional.

Se pensarmos que as plantas halófitas podem ser

produzidas com o efluente do próprio cultivo, damos

mais um passo para alcançar uma aquicultura com economia

circular. E por fim, e não menos importante, o

uso de aspargo marinho S. neei também proporcionou

a diminuição de 40% do custo da ração (De Souza,

2018) no cultivo experimenral do camarão marinho

L. vannamei. Sabendo que o custo com a alimentação

dos animais é muito alto, reduzir este gasto pode

aumentar significativamente os lucros da produção.

Os aspargos marinhos

S. bigelovii e S. neei

por exemplo, já foram

utilizados para a

alimentação de tilápias

e camarões marinhos,

os quais obtiveram

desempenho zootécnico

igual ao dos animais

alimentados com ração

tradicional.

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PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 4. Aspargo marinho (S. neei) cultivados com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de bioflocos

(BFT). © César Costa

Figura 5. Aspargo marinho (S. neei) cultivados em sistema NFT (nutrient film technique) com efluentes de

piscicultura marinha© César Costa

Figura 6. Paspalum vaginatum (capim arame) cultivados

com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de

bioflocos (BFT).© Manuel M. de Souza

Neste artigo falamos um pouco das características

excepcionais das plantas halófitas e os seus

usos atuais na aquicultura. Contudo, as possibilidades

de uso futuro são infinitas. Embora pareça

uma realidade distante, acredito que conseguiremos

desenvolver tecnologias que possam fitorremediar

o efluente, alimentar os animais e gerar

energia para o sistema de cultivo com as plantas

halófitas de forma simultânea e integrada. Sei que

pode parecer uma realidade bem distante, mas o

futuro é logo ali.

JAN/MAR 2021

Consulte as referências bibliográficas em

www.aquaculturebrasil.com/artigos

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JAN/MAR 2021

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PARCEIROS NA 22° ED:


Panorama da Quelonicultura

no Brasil – uma estratégia para

conservação das espécies e geração

de renda

¹Paulo Cesar Machado Andrade*, ²Janderson Rocha Garcez, ³Aldeniza Cardoso

de Lima, 4 João Alfredo da Mota Duarte, 4 Thiago Luiz Ferreira Anízio, 4 Wander

da Silva Rodrigues, ²Anndson Brelaz de Oliveira e 5 Hugo Ricardo Bezerra Alves

¹Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Laboratório de Animais Silvestres

Manaus, AM

*pandrade@ufam.edu.br

²Instituto Federal de Educação Ciência e

Tecnologia do Amazonas (IFAM)

³Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Instituto de Ciências Biológicas

4

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Programa Pé-de-pincha

5

Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia de Roraima (IFRR)

Quelônios são um

dos grupos de répteis

mais antigos

(240 milhões de anos) com

uma carapaça protegendo seu

corpo. Das 360 espécies atualmente

reconhecidas em todo

mundo, 61% estão ameaçadas

(Rhodin et al., 2018; Stanford

et al., 2020). A criação de

quelônios ou quelonicultura é

uma estratégia de conservação

com potencial para minimizar

o impacto da demanda

comercial de quelônios sobre

as populações da natureza.

A criação de tartarugas de

água doce é um componente

importante da aquicultura de

muitos países asiáticos. Produtos

de quelônios estão em

alta demanda na Ásia, impulsionados

pela combinação

A quelonicultura é

uma estratégia de

conservação com

potencial para minimizar

o impacto da demanda

comercial de quelônios

sobre as populações da

natureza.

de antigos hábitos arraigados

as tradições orientais (culinária

e medicina chinesa) e a expansão

econômica da China. A

produção de tartaruga chinesa

(Pelodiscus sinensis) para abate

e consumo, incrementada por

novas técnicas e intensificação

dos cultivos, cresceu, nos últimos

anos, de 92 para mais de

350 mil toneladas/ano na China,

equivalendo a 1% de sua produção

aquícola total dos cultivos

em água doce. Mesmo assim,

para atender a demanda, a importação

de quelônios ou partes

deles para consumo foi de

cerca de 323-2010 toneladas/

ano de carne (2.243.100 exemplares)

e 76 toneladas de carapaças,

entre 1998 e 2004 (Haitou

et al., 2008; Zhou e Jiang,

2008; Shao e Lucas, 2019).

JAN/MAR 2021

33


Figura 1. Criação de quelônios em canal de igarapé, Sítio 3 irmãos, Iranduba/AM. © Paulo Cesar Machado Andrade

JAN/MAR 2021

Entretanto, em todo mundo, a criação de quelônios

se concentra mais no seu valor como animais de

estimação (pet), sendo que a quelonicultura para esses

fins se desenvolveu, inicialmente nos EUA, com a

exportação de 8 milhões de tigres d’água (Trachemys

scripta) principalmente para Europa e Sudeste Asiático,

o que correspondia a 85% do comércio mundial de

tartarugas na segunda metade do século XX. Atualmente,

os maiores exportadores de quelônios para

pet são a Malásia, EUA e Indonésia, sendo os maiores

importadores a China, os EUA e o Japão, com a venda

de mais de 2 milhões de filhotes nos últimos 10 anos,

principalmente de quelônios terrestres (Testudinidae,

35%) e semiaquáticos (Geoemydidae, 31%; Emydidae,

19%) – (Luiselli et al.,2016). Na América do Sul,

a produção de filhotes de tracajás (Podocnemis unifilis)

por manejo comunitário no Equador e no Peru tem

possibilitado a venda de 30% dos animais para o mercado

pet por U$1,5-6,0/unidade (Harju, Síren e Salo,

2017). No Brasil, 77,4% dos criadouros comerciais de

fauna silvestre são para atender o mercado de animais

de estimação (pet), sendo responsáveis por 69,5% das

vendas legalizadas de animais silvestres (Trajano e Carneiro,

2019).

Na Amazônia brasileira, considerada uma das regiões

com maior riqueza de quelônios do mundo, com

18 espécies (Vogt, 2008; Ferrara et al., 2017), os quelônios

sempre foram recurso alimentar importante para

as populações ribeirinhas (Pezutti et al., 2010; Andrade,

2017). Os índios, já exploravam esse recurso consumindo

os ovos e a carne de quelônios (Smith, 1974; Meza

e Ferreira, 2015). Com a chegada dos colonizadores

portugueses no século XVI, essa exploração tornou-se

mais intensa, sendo abatidas milhões de tartarugas (Podocnemis

expansa) e utilizados milhões de ovos para produção

de óleo utilizado na iluminação pública, no preparo

de alimentos e misturado com breu, para calafetar

as embarcações (Fiori e Santos, 2015; Andrade, 2017).

A captura comercial de quelônios é um dos fatores

que, ainda hoje, mais contribuem para o declínio

das populações de tartarugas aquáticas e terrestres em

todo mundo (Stanford et al., 2020). Em geral, na Amazônia,

esses recursos são explorados pelas comunidades

locais para consumo de subsistência ou vendidos

para as cidades próximas ou grandes centros regionais

como Manaus, Santarém e Belém (Andrade, 2008;

Nascimento, 2009).

Apesar da captura e venda de animais silvestres,

estar proibida no Brasil desde 1967 (Lei N°5.197/67),

estima-se, com base nos dados dos órgãos ambientais,

que entre 1992 e 2019, tenham sido apreendidos

98.843 quelônios e 59.031 ovos, só no Amazonas,

que representam cerca de 66% de todos quelônios

apreendidos, com uma média anual de apreensões de

2.068 a 4.347 quelônios/ano e mais de 2 mil ovos/ano.

Tartarugas são 29% dos quelônios apreendidos e 27%

são tracajás. (Nascimento, 2009; Charity e Ferreira,

2020). Em 1979, surgiu o Projeto “Quelônios da Amazônia”

através do qual o Governo passou a proteger

as áreas de reprodução de quelônios. Graças a esse

34

PARCEIROS NA 22° ED:


trabalho de conservação, associado às inúmeras iniciativas

comunitárias de proteção, em 1996, a tartaruga da

Amazônia, saiu da lista de animais ameaçados de extinção

no Brasil (Cantarelli et al., 2014; Forero-Medina et

al., 2019).

Figura 2. Captura de matrizes e reprodutores de tartaruga no

sítios 3 irmãos, Iranduba/AM. © Paulo Cesar M. Andrade

Criação comercial de quelônios para

abate e consumo:

Com os programas de conservação de quelônios foi

possível recuperar as populações de tartarugas. Como

uma estratégia de conservação ex-situ, a partir de 1987

começaram a ser autorizados os primeiros criadores

comerciais de quelônios no Brasil. A primeira portaria

de criação pelo antigo IBDF foi a Portaria N°133/1988,

seguida pela Port. IBAMA N°142/1992 e a de comercialização

foi a Port.N°070/1996. Por essas portarias, as

pessoas interessadas em criar tartarugas e tracajás (as

espécies permitidas) se registravam apresentando um

projeto técnico ao IBAMA, e recebiam a doação dos

filhotes do órgão ambiental para iniciarem sua criação

(4.000 filhotes/hectare de espelho d’água), num sistema

de criação tipo Ranching. Desse plantel inicial, os

criadores podiam vender os animais quando atingissem

1,5 kg de peso, mas tinham de reservar 10% para serem

suas futuras matrizes e reprodutores, para produzirem

seus próprios filhotes e tornarem-se criatórios

de ciclo completo, passando ao sistema tipo Farming.

Atualmente, a criação de animais silvestres é regulamentada

pela Instrução Normativa (IN) N°07/2015, e

além de tartarugas e tracajás, podem ser criados iaçás (P.

sextuberculata) e muçuãs (Kinosternon scorpioides).

No auge desta atividade (1999 a 2009), o Brasil

chegou a ter 135 criatórios registrados (63% no Amazonas)

com mais de 938 mil animais em cativeiro e mais

de 33 mil animais vendidos (RAN, 2009). Hoje, no Brasil,

existem 41 criadores comerciais de quelônios registrados

pelo IBAMA, com um plantel de 193.283 tartarugas

(Podocnemis expansa) e 18.224 tracajás (P. unifilis)

em cativeiro (Trajano e Carneiro, 2019; IBAMA, 2019).

O Amazonas, é o maior criador de quelônios do

Brasil, tendo atualmente 29 criatórios autorizados pelo

IBAMA e IPAAM (79% do total nacional) com um

plantel de mais de 155.648 tartarugas em criações comerciais

(já chegou a ter 85 criadores e mais de 215

mil animais) e mais 5.423 animais em sistemas de

criação comunitários (Andrade, 2008; Trajano e Carneiro,

2019; IBAMA, 2019). Quelônios são o quinto

organismos aquático mais criado no estado, só ficando

atrás do tambaqui (Colossoma macropomum), matrinxã

(Brycon amazonicus), pirarucu (Arapaima gigas)

Figura 3. Fêmea de tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa)

desovando em praia artificial do criatório Bicho do Rio,

Iranduba/AM. © Paulo Cesar M. Andrade

Figura 4. Tanque e praia artificial para matrizes de tartaruga

na fazenda Coco Laka, Manacapuru/AM. © Paulo Cesar M.

Andrade

e pirapitinga (Piaractus brachypomus) (Peixe BR, 2019;

IBGE, 2019; IPAAM, 2021). São comercializados legalmente

cerca de 2.623±561 animais/ano (12,7 a

21,6 ton/ano). Entre 1999 e 2019, os quelonicultores

do Amazonas conseguiram vender mais de 61 mil

animais, produzindo mais de 302 toneladas e arrecadando

cerca de R$6.741.000,00 (US$2.075.000,00).

JAN/MAR 2021

35


Figura 5. Número de quelônios em cativeiro e número de criadores autorizados pelo IBAMA entre 1989 e 2019. Fontes: RAN, 2006;

Andrade, 2008; Trajano e Carneiro, 2019; IBAMA, 2019

938.691

135

n° de animais nas criações

492.813

63

398.169

41

n° de criadores registrados

1

10.000

de Federal do Amazonas (UFAM). Entre 1996 e 2004,

através de projeto conjunto foram monitorados todos

os criadouros de quelônios do estado, através de visitas

técnicas bimestrais, nas quais eram realizadas biometria e

pesagens dos animais, analisada a alimentação fornecida

e recolhida informações sobre o manejo adotado e os

gastos com o custeio da atividade. Com isso, foi possível

sistematizar um roteiro mínimo sobre criação de

quelônios, definindo tipos de instalações, densidades de

cultivo, rações e níveis nutricionais, análise dos custos de

produção, aspectos de sanidade e reprodução dos animais

em cativeiro. Após um seminário em 2004, que reuniu

os quelonicultores e técnicos do setor em Manaus,

a Agência de Agronegócios do estado passou a apoiar a

comercialização dos quelônios legalizados e exposições

e feiras junto com pescado proveniente de cultivo ou de

áreas de manejo, o que ajudou a divulgar e popularizar a

venda e o consumo de quelônios de cativeiro, ajudando

no marketing deste produto.

Além de todo incentivo e do trabalho de extensão e

apoio técnico recebido pelos quelonicultores do Amazonas,

estes reuniam algumas características que, possivelmente,

podem ter favorecido o sucesso de seus

empreendimentos:

a) Proximidade do grande centro consumidor: A

maioria dos criatórios ficava na região da metrópole Manaus

e municípios do entorno (90,3%) – Anízio (2009).

b) Pequenas e médias propriedades: A maioria entre

9–35 ha (50%), com média de 22±18,4 ha. Os tanques

variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse

entre 1 e 2 ha, e os berçários de 30 a 1.000 m 2 . A maion°

animais n° criadores

JAN/MAR 2021

Em 2017, o Amazonas reconheceu oficialmente os

esforços de conservação das comunidades, criando 265

áreas de proteção de quelônios e regulamentando um

sistema comunitário de criação de quelônios, permitindo

as comunidades realizarem cria, recria e engorda

de um percentual dos filhotes de P. expansa (10%) e P.

unifilis (20%) que protegerem (Resoluções CEMAAM

Nº25 e 26/17–DOE,2017). Esta possibilidade de manejo

ex situ de quelônios para criá-los em condições

semi-naturais para serem comercializados, parece ser

uma solução, para gerar renda e cobrir parte dos gastos

para proteção da espécie (Campos-Silva et al., 2018). O

que parece ser promissor, não só pelo aspecto econômico,

como pela relevância na segurança alimentar e na

cultura dos povos da região (Dantas-Filho et al.,2020).

Ao contrário de outros estados, os criadores amazonenses

conseguiram vender todos seus lotes de animais,

com peso médio de 4,9±1,9 kg e preço atual variando

de R$ 25 a 40,00/kg vivo. Mais de 80% deles, já

conseguiram a reprodução em cativeiro, tornando-se

criações de ciclo fechado e de 2002 até 2019, já produziram

mais de 57 mil filhotes (45.070 de tartarugas

e 12.397 de tracajás) (Garcez, 2009; IBAMA, 2019).

O grande avanço da quelonicultura nesse estado

parece estar relacionado a alguns fatores: 1) A grande

demanda do mercado local para consumo da carne de

quelônios; 2) O grande interesse dos produtores para

se regularizarem (mais de 198 processos em análise);

3) Ao incentivo e suporte técnico-científico (extensão

e pesquisa) proporcionado pelo IBAMA/AM, fruto de

uma parceria e cooperação técnica com a Universida-

36

PARCEIROS NA 22° ED:


ria dos empreendimentos aproveitaram as barragens e

tanques já construídos para atividade de piscicultura (Andrade,2008).

c) Perfil sócio-econômico do criador: A maioria dos

criadores exerciam outras atividades, sendo a quelonicultura

uma atividade complementar. Em sua maioria

eram comerciantes (33%) ou agricultores/produtores

rurais (25%), com idade entre 40-59 anos (66,3%), renda

familiar na faixa de 5 a 10 salários mínimos (41,7%) e

nível de escolaridade entre ensino fundamental e médio

(58,3%). Além disso, a maioria dos criadores detinham

conhecimentos empíricos sobre características biológicas

das tartarugas, como sua alimentação, reprodução e

hábitos na natureza (Lima, 2000).

d) Sistemas de produção: a maior parte dos criatórios

pertencia a pessoas físicas (61,5%) e que usaram recursos

próprios para investir. Adotaram sistemas de criação

do tipo semi-intensivo ou extensivo (69%) consorciado

com peixes como tambaqui, e começaram com lotes de

1.000 a 5.000 animais (60%) – o que hoje, é considerado

um número pequeno para a atividade comercial e

para criar capital de giro.

e) Alimentação fornecida: Utilizaram subprodutos

encontrados na região como vísceras bovinas (20%),

resíduos de filetagem de pescado (40%), restos de feira,

frutas e tubérculos (20%), sendo que apenas 20%

forneciam ração comercial peletizada para peixe tipo

alevinagem com 36 a 42% proteína, reduzindo dessa

forma, os custos com alimentação (Andrade, 2008; Anízio,

2009). Atualmente, 55% dos quelonicultores usam

ração de peixe para alimentar seus animais. Nos criadouros

que forneceram alimentação com maior teor de

proteína animal (peixe e sobras de frigorífico e abatedouros),

os animais foram mais pesados do que os criados

com proteína vegetal (verduras, frutos e ração a base de

soja e milho) (Andrade, 2008).

f) Custos de produção e comercialização: A participação

dos custos fixos sobre os totais variou de 20 a

25% e os custos variáveis ficaram entre 75 a 80 %. Os

maiores custos foram com alimentação e variaram entre

52,5 a 61% dos custos totais. O custo de produção gira

em torno de 11 a 22% do valor de venda, sendo que

atualmente os quelônios estão sendo comercializados

entre R$25 a 40,00/kg de peso vivo, sendo a lucratividade

estimada em 158 a 582% (Lima, 2000; Anízio,

2009; IBAMA, 2019). Como os animais são vendidos vivos,

os quelonicultores tem optado por comercializarem

animais maiores com 36 meses de cultivo (4,9 a 8,2 kg),

com o preço médio por animal variando de R$160,00

a R$533,00 (Garcez, 2009; Trajano e Carneiro, 2019).

Os meses de maior venda são dezembro, março e maio

Figura 6. Exemplares de tartaruga da Amazônia (P. expansa),

a) Fêmea; b) macho. © Paulo Cesar M. Andrade

A.

B.

em função das festas de Natal, fim de ano, Páscoa

e dia das Mães. E os de menor venda são os meses

da seca dos rios, quando quelônios capturados ilegalmente

inundam o mercado regional, competindo

diretamente com os animais dos criatórios autorizados.

Durante a enchente, ocorrem menos animais

de tráfico (entressafra), ocasião em que os criatórios

legalizados aumentam as vendas de suas tartarugas

regularizadas.

A redução no número de criações de quelônios no

Brasil foi motivada entre outros fatores pelas dificuldades

de comercialização, falta de fomento e apoio técnico,

e excesso burocrático. Então, após 2010, quando

o registro e controle dos criatórios de fauna passa do

IBAMA para os órgãos ambientais estaduais, muitos

criadores optaram por encerrar suas atividades. Apesar,

disso o número de animais comercializados e a produção

(toneladas) aumentaram nos últimos 10 anos,

passando de 152 para 190 toneladas neste período.

A situação da aquisição dos lotes iniciais de filhotes

pelos criadores principiantes, que parece ser um ponto

crítico no processo de criação, também tende a

melhorar, com o aumento no número de nascimentos

de filhotes de tartarugas e tracajás nos criatórios

JAN/MAR 2021

37


mais antigos. Apesar, de a venda dos filhotes ainda não

estar prevista na atual IN N°07/2015, existe o entendimento

pelo IBAMA de que os filhotes poderiam ser

vendidos entre criadores autorizados para formar novos

plantéis de matrizes e reprodutores e para recria

(COCFP/IBAMA, 2013).

Criação comercial de quelônios para

o mercado pet:

Apesar da alta demanda do mercado mundial e nacional

por filhotes de quelônios como animais de estimação

(pet), no Brasil, o registro de criações comerciais

com essa finalidade está suspenso desde 2002.

Mesmo com a publicação da Resolução Conama Nº

394/2007 que estabelecia critérios e competências

para a publicação da lista de animais da fauna silvestre

nativa, que poderiam ser criados e comercializados

como animais de estimação, até hoje, essa lista não

foi publicada (Trajano e Carneiro, 2019). Dessa forma,

apenas os criatórios que foram autorizados antes

de 2002 é que ainda podem atender a esse mercado.

Até 2001, haviam cinco (5) criatórios comerciais

de jabutis (Chelonoidis carbonaria e C.denticulata)

e um de tigre d’água brasileiro (Trachemys dorbigni).

Atualmente, existem registrados no IBAMA apenas

quatro (4) criações comerciais de jabutis, com

um plantel de 2.752 animais, e uma criação de tigre

d’água, com um plantel de 2.620 animais. Entre 2015-

2018, esses criadores comercializaram 5.713 jabutis

(R$120,4/ animal) e 11.628 tigres d’água (R$134,59/

animal) (Trajano e Carneiro, 2019).

A possibilidade legal de comercializar os filhotes

de quelônios não só para novos criadores registrados,

mas também para venda como animais de estimação

(pet) poderia ser uma potencial opção de renda para

os quelonicultores.

Figura 7. a) Ninhos de tartarugas da Amazônia transferidos para “chocadeira” na criação Bicho de Rio, em Iranduba/AM; b) Arraçoamento

de matrizes de tartaruga. © Paulo Cesar M. Andrade

A.

B.

JAN/MAR 2021

38

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 8. Número de filhotes (Podocnemis expansa e P. unifilis) nascidos em cativeiro, número de animais comercializados e produção

em toneladas das criações comerciais de quelônios no Brasil entre 1990 e 2019. Fontes: Garcez, 2009; Trajano e Carneiro, 2019;

IBAMA, 2019.

33.898

37.913

41.167

n° de animais

19.546

Toneladas (T)

498

nascimentos

vendas (n°)

produção (T)

Figura 9. Despesca de tartarugas de lotes comerciais em tanques da criação Bicho de Rio, Iranduba/AM.

© Paulo Cesar M. Andrade

JAN/MAR 2021

39


JAN/MAR 2021

Considerações

finais:

A criação comercial de

quelônios no Brasil, é uma

atividade que pode complementar

a renda de pequenas

e médias propriedades,

integradas à outros cultivos

aquícolas, atendendo a um

mercado regionalizado (Amazônia)

ou gourmet, com alta

lucratividade, desde que, sejam

atendidas as exigências

de alimentação, instalações e

técnicas de manejo adequadas.

Apesar da redução no

número de criatórios em atividade

no País, o número

de vendas e a produção em

Figura 10. a) Biometria de fêmea adulta de tartaruga da Amazônia (P. expansa); b) Lacre do

IBAMA aplicado a tartaruga (P. expansa) para a venda.© Paulo Cesar M. Andrade

A.

B.

toneladas tem aumentado,

alavancados, principalmente,

pelo estado do Amazonas,

que possui o maior número

de criadouros e o maior plantel

de quelônios em cativeiro. Isso, em função de uma política

de incentivos, parcerias para assistência técnica, geração

de conhecimentos científicos sobre a atividade e pela

alta demanda de carne de quelônios pelo mercado local.

Também houve um aumento na produção de filhotes,

que poderão ser utilizados para recria e engorda nas

criações, que agora são em sua maioria de ciclo fechado,

ou repassados para novos criadores. Outra possibilidade,

muito aguardada pelos quelonicultores, seria a comercialização

dos excedentes desses filhotes no mercado pet.

Estudos de potencial mercado e da viabilidade econômica

da criação devem ser realizados a fim de se evitar problemas

com a comercialização do produto, que foi o maior

fator de desistência da atividade.

Entre os principais entraves encontrados por quem

quer criar quelônios podemos destacar: 1) Falta de mais

técnicos especializados na criação de quelônios; 2) Divulgação

e popularização dos conhecimentos técnico-científicos

e sua extensão aos quelonicultores; 3) Indefinição

entre os órgãos estaduais sobre a quem caberia atender o

criador de animais silvestres (Secretaria de Produção Rural

ou de Meio Ambiente); 4) Adoção de políticas de incentivo,

fomento e assistência técnica pelos estados interessados

em desenvolver essa atividade; 5) Reconhecimento

e normatização da metodologia de abate pelo Ministério

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 6) Organização

da comercialização, divulgação e marketing;. 7) Organização

dos quelonicultores em associações ou cooperativas;

8) Necessidade dos órgãos ambientais tornarem mais ágil

e eficiente as atividades que envolvem desde o registro

do criador até a comercialização (faltam mais técnicos

e recursos para a realização de todas as vistorias).

Consulte as referências bibliográficas em

www.aquaculturebrasil.com/artigos

40

PARCEIROS NA 22° ED:


41

JAN/MAR 2021


JAN/MAR 2021

42

PARCEIROS NA 22° ED:


Aquicultura e Pesca

Sustentáveis no Instituto

Brasileiro de Desenvolvimento

e Sustentabilidade (IABS):

Atuais avanços socioprodutivos

André Macedo Brugger * , Lucas Gomes Mendes, Marco Dellian Zanetta, Luís Tadeu

Assad e Filipi Andrade

Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS)

Núcleo de Aquicultura e Pesca Sustentáveis

Brasília, DF

*ambrugger@iabs.org.br

O

IABS nasceu em 2003, a partir de um

grupo de pessoas diferentes entre si, mas

com um objetivo comum: um novo modelo

de desenvolvimento, mais justo e sustentável. Os

primeiros projetos estiveram

voltados para a área da Pesca

– ou melhor, para as comunidades

pesqueiras e os recursos

naturais envolvidos. Entretanto,

com a amplitude dos desafios

e a maturidade que o Instituto

adquiriu, a partir de 2006,

começaram a atuar em outras

áreas, com destaque para o Turismo,

o Desenvolvimento Rural

e o Fortalecimento Institucional.

Naquela época, a parceria com

a Agência Espanhola de Cooperação

Internacional para o

Desenvolvimento e as relações

estabelecidas com diferentes

atores foram fundamentais para

consolidar e ampliar essa atuação,

o que contribuiu para o

crescimento e aprendizado em

diferentes áreas de cooperação

para o desenvolvimento.

Em 2015, o IABS já tinha executado ações em mais

O IABS nasceu em

2003, a partir de um

grupo de pessoas

diferentes entre si,

mas com um objetivo

comum: um novo modelo

de desenvolvimento,

mais justo e

sustentável.

de 200 projetos com investimentos de diversos parceiros

nacionais e internacionais. O trabalho se dividia em

núcleos que refletiam suas principais vocações: Meio

Ambiente e Áreas Protegidas; Turismo Sustentável;

Aquicultura e Pesca Sustentáveis;

Desenvolvimento Rural e Tecnologias

Sociais; Diálogo Social e

Gestão de Conflitos; e Cooperação

e Fortalecimento Institucional,

onde, futuramente, passou a virar

programas dentro de perspectivas

atuais: “Cidade Inclusiva”, “Desenvolvimento

Rural Sustentável”

e “Inserção Socioprodutiva”.

Também fortalecendo parcerias

estratégicas, nacionais e internacionais,

que complementam e somam

esforços em prol de objetivos

e desafios ainda mais amplos.

Hoje, uma das frentes trabalhadas

pelo IABS é o Núcleo

de Aquicultura e Pesca, cujos

especialistas trabalham com

objetivo de atingir os três principais

pilares que regem a sustentabilidade:

econômico, social

e ambiental, fazendo com que coexistam e trabalhem

entre si de forma plenamente harmoniosa.

JAN/MAR 2021

43


Os Projetos de Aquicultura e

Pesca

Ostras depuradas de Alagoas

Por meio do Projeto, as ostras são movimentadas

de uma ponta a outra da cadeia

produtiva, fortalecendo-a e gerando renda e

trabalho aos(às) produtores(as) envolvidos(as).

O cultivo reduz a pressão ambiental do extrativismo

sobre os estoques naturais da espécie

e promove a preservação do ambiente. Graças

à salvaguarda dos estuários, o turismo de

base comunitária vem ganhando cada vez mais

espaço na renda das comunidades envolvidas.

Atualmente, beneficia cerca de 100 famílias divididas

em cinco comunidades no litoral de Alagoas.

O modelo de gestão é participativo, com

comitê gestor formado pelos(as) líderes das

associações e entidades locais que participam

das decisões do projeto. É importante destacar

o protagonismo feminino observado na produção de ostras,

tendo em vista que 65% dos(as) beneficiários(as) são mulheres,

e todas as associações têm mulheres nos cargos de liderança e

organização comunitárias.

Fotos © IABS

Foto © IABS

JAN/MAR 2021

Camarão do

Sertão

O IABS, junto a

Companhia de Desenvolvimento

dos

Vales do São Francisco

e do Parnaíba

(CODEVASF), tem

o objetivo de implementar

os serviços

de instalação, montagem

e operacionalização

de unidade

de observação e demonstração

(UOD)

de cultivo do camarão

branco do pacífico

(Litopenaeus vannamei) em água doce, do rio São Francisco, e de poços salobros nos municípios de Petrolina,

Cabrobó e Petrolândia - PE. Atualmente, o projeto encontra-se na fase Petrolina, onde já foram instalados dois

berçários de 20 m³ cada; revestimento de geomembrana em dois tanques escavados, totalizando uma área

de cultivo de 2.000 m²; sistema de aeração composto por sopradores de ar e mangueiras porosas; sistema de

geração de energia elétrica; e um sistema de monitoramento remoto da temperatura e do oxigênio dissolvido

na água do ambiente de cultivo do berçário.

44

PARCEIROS NA 22° ED:


Melhoria da Pesca do Pargo no Norte do Brasil

Projeto que visa obter a certificação

MSC (Marine Stewardship Council) da

pesca sustentável do Pargo no Norte do

Brasil. Após ter sido submetida a uma

pré-avaliação sob o standard da MSC

em 2014, foi revelada inconformidade

em 16 dos 28 indicadores. Para mitigá-

-los, surgiu o FIP, que conta com apoio

do setor privado (importadores, armadores

e cooperativas de pescadores),

dos governos (local e nacional), da academia

(Universidades) e do terceiro setor

(Ongs e Oscips). O Projeto adotou

a plataforma FisheryProgress.org para

seguir o BMT (Benchmarking Tracking

Tool), ou seja, a ferramenta de monitoramento

e acompanhamento de Projeto

proposto pela MSC.

Fotos © IABS

Pesca de Valor

Em decorrência do derramamento

de óleo que atingiu o litoral

nordeste do Brasil no final de 2019,

o consumo de frutos do mar caiu

drasticamente diante da desconfiança

e insegurança de seus consumidores

acerca da contaminação

que o óleo pode causar aos pescados,

principalmente moluscos, visto

que são seres filtradores. Diante

desse cenário totalmente desfavorável

à comunidade pesqueira de

Itapissuma, Pernambuco, surgiu a

proposta do Projeto Pesca de Valor,

firmado com a parceria entre

a Agência de Desenvolvimento

Econômico de Pernambuco (AD

DIPER) e o Instituto Brasileiro de

Sustentabilidade (IABS). O objetivo

é auxiliar a comunidade pesqueira

local a ter acesso a mais conhecimento,

alcançar novos níveis de

qualidade em seus produtos, e

desenvolver em conjunto um mecanismo de comprovação da ausência de contaminação por óleo nos pescados

comercializados na região. Ao final, o projeto também prevê o aproveitamento de cascas de ostras e

sururu como fonte de insumos em atividades diversas, implementando a economia circular na localidade.

JAN/MAR 2021

45


Centro Pesqueiro do Jaraguá

O Projeto de Desenvolvimento Econômico Sustentável

do Centro Pesqueiro do Jaraguá é desenvolvido

pelo IABS por meio de uma cogestão com

a Prefeitura Municipal de Maceió. A infraestrutura

comporta atualmente 180 beneficiários(as) diretos

e cerca de 250 indiretos, de diferentes segmentos

da pesca artesanal, desde pescadores e marisqueiras

a carpinteiros navais, mecânicos e comerciantes de

pescado. Além de um importante equipamento para

o desenvolvimento da pesca artesanal, possui enorme

potencial turístico e busca se tornar referência na

comercialização de pescado local e de valorização

desta importante cultura histórica e tradicional que

deu origem à cidade de Maceió.

JAN/MAR 2021

Fotos © IABS

Produção de Base Comunitária do

Massunim

O vôngole, (Anomalocardia brasiliana) ou Massunim,

como é chamado no estado de Alagoas, é

um bivalve amplamente explorado em toda costa

brasileira. Na comunidade de Saquarema, localizada

na Barra de São Miguel, Alagoas, a extração e

beneficiamento do molusco é a única fonte de renda

de aproximadamente 20 famílias. No entanto, o

processo de produção da carne do Massunim e sua

subsequente comercialização encontra uma série

de desafios que vão desde as práticas de manipulação,

cocção e embalagem, até a garantia

de preços justos no acesso ao mercado e destinação

das conchas. Sendo assim, a paisagem

produtiva gera riquezas que vêm remunerando

atravessadores mais do que pescadores.

Com o objetivo de mudar esta realidade, o

IABS, em parceria com a Prefeitura de Barra

de São Miguel, desenvolveu um projeto que

busca fortalecer a produção de base comunitária

do molusco, onde contempla a estruturação

de uma estação de beneficiamento que

será operada pela comunidade.

46

PARCEIROS NA 22° ED:


Cultivo de Sururu

O sistema de cultivo contínuo usado no Chile, Nova Zelândia e outros países produtores

de mexilhão, é uma realidade com o sururu (Mytella charruana) no Vergel do Lago, uma das

comunidades economicamente mais vulneráveis de Maceió, capital de Alagoas. O sururu, um

mitilídeo que faz parte dos pratos mais tradicionais da cozinha alagoana, é extraído há décadas

do fundo da Laguna Mundaú. O cultivo desse molusco no sistema de long lines duplos com coletores

artificiais se mostrou uma alternativa técnica e economicamente viável após os estudos

e implantação de estruturas

de cultivo piloto.

Atualmente, o projeto

passa por momento de

expansão, onde mais famílias

serão capacitadas

e receberão as estruturas

para que cultivem o

molusco, possibilitando

o escalonamento da

produção e diminuindo

riscos laborais da tradicional

apneia necessária

para retirar o molusco

do substrato da laguna.

Fotos © IABS

Conclusão

O IABS tem como propósito promover o desenvolvimento socioeconômico e sustentável, por meio

de iniciativas com construção participativa, visando a diminuição das desigualdades e respeitando as identidades

e os saberes locais. Para isso, é necessário um bom planejamento para que os projetos sejam

capazes de proporcionar mudanças positivas, que gerem acima de tudo melhor qualidade de vida aos

principais atores envolvidos, a comunidade.

JAN/MAR 2021

47


© AquaBioTech Group

JAN/MAR 2021

48

PARCEIROS NA 22° ED:


Profissionalização em

sistema RAS na Europa

1

Pedro Lindenberg e 2 Katt Regina Lapa

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Departamento de Aquicultura

Florianópolis, SC

¹ pedro-lindenberg@hotmail.com

²katt.lapa@ufsc.br

Essa tecnologia

de cultivo utiliza

vários aparatos para

tratar a água do

cultivo e reutilizá-la

continuamente. Em

muitos países, essa já

é uma realidade, o que

não ocorre no Brasil da

mesma forma.

Com intuito de crescer

profissionalmente

e vivenciar

novas experiências o aluno de

graduação Pedro Lindenberg,

orientado pela professora Dra.

Katt Regina Lapa, procurou

estágio em uma empresa que

aplicasse a tecnologia de RAS

(Recirculating Aquaculture System).

Essa tecnologia de cultivo

utiliza vários aparatos para

tratar a água vinda do cultivo

e reutilizá-la continuamente.

Para muitos países, essa já é

uma realidade há algumas décadas,

o que não ocorre no

Brasil da mesma forma. Logo,

o aluno se deu conta da necessidade

de buscar conhecimento

fora do país. Foi realizado

o contato com a European

Aquaculture Society, através do

programa de mentoria chamado

Adopt a Student, no qual o

estudante solicita uma demanda

e os coordenadores do

programa articulam o contato

com um mentor. Alguns meses

depois recebemos a ótima notícia

que a AquaBioTech Group

aceitara a proposta de estágio,

representada por Shane Hunter

(CEO da companhia).

“AquaBioTech Group” é

uma empresa de consultoria

internacional especializada em

RAS, cuja localização é na Ilha

de Malta, no centro do Mediterrâneo.

Sua atuação é global

com atendimento de clientes

em diversos países. A companhia

possui um centro de

P&D (pesquisa e desenvolvimento)

com aproximadamente

30 salas equipadas com RAS

de pequeno volume (0,5 a

30 m³), nos quais se realizam

pesquisas com vacinas, rações

e testes de equipamentos.

O estágio foi realizado

no início de 2020 no qual foram

desenvolvidas atividades

nas áreas de projeto, instalação,

operação e manutenção

de RAS; o que propiciou

uma visão holística de todas

as etapas que envolvem esse

tipo de empreendimento.


Etapas do estágio

Os trabalhos iniciaram com o Time da Instalação

e prosseguiram por ~45 dias. Em seguida, houve a

migração para o Time dos Técnicos, os quais operam

todos os RAS de P&D. Ao longo de todo período houve

a assistência do Time da Engenharia e Design, o

qual orientava e passava atividades técnicas para serem

executadas.

1.Time de instalação

O Time de Instalação é responsável por construir

ou reformar tanto os RAS de P&D quanto de construir

sistemas para os clientes, mundo afora. A equipe é formada

por profissionais que necessitam ter habilidades

de hidráulica, elétrica e mecânica e estes devem estar

preparados para solucionar problemas eventuais não

previstos na etapa de projeto.

Em sua maioria foram desenvolvidos trabalhos

numa das baias (salas). Esta contava com um RAS de 12

tanques de 1,4 m³ cada (Figura 1). Era equipada com

filtro de tambor rotativo, separador rotativo (swirl separator)

MBBR (Moving Bed Biofilm Reactor), Sump (caixa

de equalização), UV, gerador de ozônio, trocador de

calor, cones de O ²

e O ³

e fracionador de espuma mais

desgaseificador, gerador de nano bolhas, bombas de

alta eficiência, além de cabines de oxigênio emergencial.

Todos os tanques possuíam sonda para medição

de oxigênio dissolvido, que transmitiam o sinal para um

painel na própria sala (Figura 3) e para a central de comando

operacional em tempo real.

2.Time de técnicos

Os RAS eram isolados em baias com porta e ventilação

própria (com troca de ar forçada). Eram seguidos

rígidos protocolos de biossegurança e limpeza, como

pode ser visto na Figura 2.

Foram realizadas tarefas que incluíram análises de

qualidade de água e alimentação dos animais que estavam

passando por testes de nutrição. Todos os dias era

preciso coletar amostra de água do sump de cada RAS

e levá-las para a bancada de qualidade de água para serem

realizados os testes. As baias eram equipadas com

sondas da Oxyguard para temperatura, pH, salinidade,

oxigênio dissolvido (OD) e potencial de oxirredução

(ORP, sigla em inglês).

Figura 1. Baia 0 sendo reformada. Da esquerda para direita: Pedro, Jaime, James e Salo. © AquaBioTech Group

JAN/MAR 2021

50

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 2. Imagem da Baia 23 no momento de alimentação dos peixes dourada ou seabream (pargo-europeu) (Sparus aurata).

© AquaBioTech Group

Tudo era bem planejado e seguia à risca os POPs

(Procedimento Operacional Padrão): as alimentações

tinham horários certos, as limpezas também eram programadas,

assim como as manutenções. Para início de

um novo experimento tudo era desinfectado.

2.Time da Engenharia e design

O time da Engenharia & Design era composto por

engenheiros, arquitetos e desenhistas. Deles vinham

instruções para o Time de Instalação, como: onde

alocar o UV, onde passar a fiação, quais peças hidráulicas

utilizar. Assim, era possível ver os projetos em

3D e discutir alguns pormenores com a equipe.

Porém houve o desejo de ir além. Os desenhos

são feitos com base em dimensionamentos. Eis que

surgiu a ideia de sugerir ao chefe do Time de Engenharia,

Michele, que passasse um exercício de dimensionamento

de RAS para engorda de peixes, como

ideia hipotética, e ao final do estágio seria apresentado

o resultado a ele. Michele topou e incumbiu a missão

de dimensionar um RAS para garoupa de 1000 t/ano.

Era o combustível necessário para ir além e se debruçar

sobre os estudos de garoupas e RAS. Foram

utilizadas como base a literatura clássica do prof. Timmons

(Livro Timmons & Ebeling, Recirculating Aquaculture,

2th ed) e as anotações das aulas da Disciplina

de Sistemas de Recirculação Aquícola, do curso de Engenharia

de Aquicultura da UFSC, ministrada pela professora

Dra. Katt Regina Lapa, além de tudo já aprendido

dentro e fora da graduação.

Ao final do período o exercício foi concluído e

todos os macro componentes do RAS haviam sido

dimensionados: tanques, filtros de tambor rotativo,

biofiltro, desgaseificador, reatores UV, ozônio, cones

de oxigênio. Entretanto, sabemos que na prática havia

muita coisa em aberto. Uma lista de perguntas foi

preparada para quando a ideia fosse apresentada para

Michele. Também foi possível elaborar um desenho

esquemático em 3D da estrutura após dimensionamento

dos componentes do RAS na fase engorda

(figura 4).

Antes de voltar para o Brasil, a ideia foi apresentada

a Michele. Foi incrível! Toda planilha de dimensionamento

foi revisada na íntegra, detalhes foram

acrescentados, erros e acertos identificados e discutidos.

Ou seja, muito conhecimento foi compartilhado

neste dia, que foi a última tarde de estágio na empresa.

Sem medo de errar, todo esforço valeu a pena!

JAN/MAR 2021

51


Figura 3. Painel

OxyGuard®

para visualização

dos parâmetros

de qualidade de

água monitorados

pelas sondas de

temperatura,

pH, salinidade,

OD e ORP. ©

AquaBioTech

Group

JAN/MAR 2021

Figura 4.

Imagem do

desenho

esquemático em

3D do sistema

de recirculação

de garoupa na

fase de engorda.

© AquaBioTech

Group

52

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 5. Cultivo

de truta em RAS.

© AquaBioTech

Group

Conclusão

O objetivo de trabalhar e vivenciar

o dia a dia de uma empresa de reconhecimento

internacional aplicando

Sistemas de Recirculação Aquícola na

prática foi alcançado. A AquaBioTech

Group hoje está com projetos ativos

de Recirculação na Noruega, Dubai,

Singapura, entre outros em andamento

ou já concluídos. Ganhou prêmios

de inovação. Conta com equipe que

passa de 70 colaboradores, além de

ser extremamente bem setorizada e

organizada. Todo networking e troca

cultural também foram válidos e enriqueceram

a experiência vivida.

Acreditamos que em breve projetos

com RAS em escala comercial começarão

a ser implementados no Brasil.

As empresas que têm experiência

e investem em pesquisa e desenvolvimento

tecnológico estarão na frente

para implantar projetos inovadores e

com desempenho sustentável diante

dos desafios que temos no Brasil

como uso do solo, qualidade de água,

controle de patógenos, entre outros

que garantirão a sustentabilidade das

fazendas aquícolas.

JAN/MAR 2021

53


Empresa:

INVE

AQUACULTURE

Nova pesquisa em manejo microbiano

revela potencial para melhorias na

eficiência de cultivo

JAN/MAR 2021

O

desenvolvimento de estratégias

efetivas de manejo microbiano para

reduzir os surtos de doenças na

aquicultura geralmente é dificultado pelo conhecimento

limitado da microbiologia nos cultivos

de peixes e camarões. Uma nova pesquisa

publicada* pelo Centro de Ecologia e Tecnologia

Microbiana (CMET, Universidade de Ghent,

Bélgica) em colaboração com a Inve Aquaculture,

a área de negócios de Nutrição Avançada

do Grupo Benchmark (BAN), revela oportunidades

de impulsionar as eficiências do cultivo

por meio de um entendimento abrangente do

seu microbioma.

“Na aquicultura, a presença de bactéria na

água de cultivo influencia os ciclos de nutrientes,

a degradação de resíduos metabólicos, a digestão

e a saúde dos animais. Então, fazer o manejo

desses microorganismos é uma ferramenta

importante no direcionamento da saúde geral do

sistema,” diz Peter De Schryver, Líder do Grupo

de Saúde e Meio Ambiente na Inve Aquaculture

e coautor da publicação.

Uma comunidade microbiana de bom desempenho

na água é vital, bem como a necessidade

de se evitar que o microbioma fique subitamente

perturbado (um processo chamado

“disbiose”). Avaliar precisamente as bactérias

permite que as empresas comecem a rastrear

as mudanças e relacioná-las ao estado de saúde

dos seus animais. No futuro, isso pode permitir

também que os produtores prevejam quando

a saúde dos animais pode ser comprometida.

Avaliar precisamente

as bactérias permite

que as empresas

comecem a rastrear as

mudanças e relacionálas

ao estado de saúde

dos seus animais.

54

Espaço empresa


Esp

ço empresa

Visão geral

do desenho

experimental:

cinco tanques de

larvicultura de

Litopenaeus vannamei

replicados, e todas as

fontes que deveriam

contribuir para o

microbioma da água

de cultivo, incluindo

cinco alimentos

secos, Artemia, algas

e água para troca,

foram monitorados

durante 18 dias (nos

estágios de vida de

nauplio 5 a PL10).

A parte superior

da figura ilustra o

tempo de adição

de cada uma das

fontes externas à

água. Para as rações

secas, diferentes

tons de marrom

foram usados ​para os

diferentes produtos.

Tecnologia pioneira

Os pesquisadores focaram-se na água de

cultivo do camarão branco do Pacífico (L. vannamei).

Eles avaliaram a composição e dinâmica

do microbioma usando uma combinação de

métodos moleculares estabelecidos e novos de

análise de citometria de fluxo, que permitem

medir e quantificar todas as bactérias, também

algas e, às vezes, até vírus, tendo esse diferencial

em relação à diagnósticos convencionais que se

focam em um único organismo e em um único

momento.

A autora principal, Jasmine Heyse, da Universidade

de Ghent, comenta: “Rastreamos as

contribuições de microrganismos vindos de fontes

externas, incluindo produtos vivos ou alimentos secos,

à água de cultivo. É a primeira vez que essas

contribuições são quantificadas.”

Melhorando a eficiência e eficácia

dos produtos

Ruben Props, também da Universidade

Ghent: “A aplicação desta nova metodologia de

citometria de fluxo significa que podemos avaliar

com precisão as mudanças em microbiomas que

estão relacionados ao uso de produtos. Acredito que

isso abra novas oportunidades para fornecedores

de produtos como a INVE (Nutrição Avançada da

Benchmark), mas também produtores de peixe

e camarão, para saber se os produtos que estão

usando estão tendo os efeitos desejados.”

“Por meio da pesquisa acadêmica da CMET, mas

também pela nossa iminente empresa desmembrada

KYTOS, estamos continuamente criando amplos conjuntos

de dados que nos permitirão localizar os marcadores

microbiológicos para determinar a sobrevivência

e saúde dos animais. Esse será um passo de mudança

no manejo do cultivo,” acrescenta Ruben.

JAN/MAR 2021

Espaço empresa

55


Esp

ço empresa

Peter conclui: “o conceito

por trás do artigo aponta para o

caminho adiante. Foi uma grande

parceria entre a indústria e

a academia, e mostra que as

ferramentas corretas e o conhecimento

podem dar grandes

passos na direção de melhorar a

saúde e eficiência de sistemas de

aquicultura.”

*Publicação na integra: Rearing

water microbiomes in white leg shrimp

(Litopenaeus vannamei) larviculture

assemble stochastically and are

influenced by the microbiomes of live

feed products. Autores: Jasmine Heyse,

Ruben Props, Pantipa Kongnuan, Peter

De Schryver, Geert Rombaut, Tom Defoirdt,

e Nico Boon. Environmental microbiology,

nov/2020.

Impulsionando a Sustentabilidade

na Aquicultura

JAN/MAR 2021

A INVE Aquaculture tem proporcionado o crescimento em

aquicultura por mais de 35 anos. O crescimento saudável de peixes

e camarões, o crescimento dos negócios locais dos nossos clientes, e o crescimento

da aquicultura global. A INVE representa a área de negócios de Nutrição Avançada da

Benchmark.

A Benchmark combina biologia e tecnologia para desenvolver produtos inovadores que

melhoram o rendimento, a qualidade e a saúde dos animais, e o bem-estar dos nossos

clientes. Fazemos isso ao melhorar a composição genética, a saúde e a nutrição de seus

animais — desde a reprodução e incubação até os viveiros e engorda.

A Benchmark tem um amplo portfólio

de produtos, incluindo ovas de salmão, alimento

vivo (artêmia), dietas e probióticos,

e tratamentos contra piolhos marinhos.

Juntos, o grupo oferece as soluções mais

completas em genética, nutrição e ambiente

no mercado.

CONTATO:

www

www.inveaquaculture.com

+55 85 99922-5116

@inveaquaculture

INVEaquaculture

56

Espaço empresa



Commercial aquaponics production and profitability:

Findings from an international survey

Autores: David C.Love, Jillian P.Fry, Ximin Li, Elizabeth S.Hill, LauraGenello, KenSemmens

e Richard E.Thompson

Aquaponia é a integração da aquicultura e hidroponia e há um interesse crescente

pela atividade por poder ser empregada para produzir alimentos mais perto dos centros

urbanos. Existem poucos estudos sobre a produção aquapônica em escala comercial, e

o objetivo desta pesquisa foi documentar os métodos de produção, safras e peixes, e a

lucratividade da aquaponia comercial nos Estados Unidos (EUA) e internacionalmente.

Para isso, uma pesquisa online foi aplicada e 257 pessoas relacionadas a atividade

responderam. Entre os principais resultados:

O ano médio em que os entrevistados começaram a praticar aquaponia foi

2010 e cerca de 80% dos que responderam eram dos EUA;

Os animais aquáticos mais comumente criados foram tilápia (69%),

peixes ornamentais (43%), bagres (25%), outros animais aquáticos

(18%), perca (16%), bluegill (15%), truta ( 10%) e bass (7%);

JAN/MAR 2021

Entre algumas das principais plantas cultivadas com mais

frequência pelos entrevistados foram as seguintes: manjericão

(Ocimum basilicum 81%), folhas verdes (76%), tomate (Solanum

lycopersicum, 68%), alface (Lactuca sativa, 68%), couve (Brassica

oleracea, 56%), acelga (Beta vulgaris subespécie cicla, 55%), pimentas

(Capsicum annuum, 48%), e pepinos (Cucumis sativus, 45%);

31% dos entrevistados relataram que sua operação foi lucrativa nos 12

meses anteriores. Mais da metade (55%) previu lucratividade nos próximos

12 meses e quase três quartos dos entrevistados previram que seriam lucrativos em 36

meses.

Quer saber os demais resultados? Confira no periódico Aquaculture:

https://doi.org/10.1016/j.aquaculture.2014.09.023

58

PARCEIROS NA 22° ED:


enquanto isso no antigo egito...

quando o cão pastor é de um

produtor de peixes

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

59


JAN/MAR 2021

Fábio Sussel

Pesquisador Científico em Aquicultura e Apresentador Canal #VaiAqua

Pirassununga, SP

fabiosussel@hotmail.com

Ainda somos criadores de peixe e camarão,

não produtores de proteína aquática

Vaidades por espécies, por sistemas de cultivos,

costumes regionais, fazer melhor que o vizinho

e individualidade. Essas são ainda as principais características

da nossa aquicultura. Pessimismo? Negativismo?

Não, não... apenas uma constatação da realidade.

Ao menos é a minha percepção a respeito de uma

grande maioria dos pioneiros da atividade. Felizmente

temos bons cases de criadores que transformaram

suas pequenas produções em grandes negócios, seja

na tilápia, no camarão, nos nativos, na produção de

alevinos ou na larvicultura de camarão. Não há problema

algum em ter preferência ou apostar em uma

espécie ou sistema de cultivo. O que não pode é ter

vaidade ou resistência para ajustar a rota. Até porque,

todos que encontram-se na atividade estão, acima de

tudo, como negócio.

Enquanto isto, o que se vê são grandes organizações

especializadas em produção de proteína animal

cada vez mais voltando suas ações para a proteína

aquática. Copacol, C. Vale, JBS (Seara), são alguns

exemplos. O que é bom, muito bom por sinal. Mas

poxa, por que não os aquicultores tomarem a frente

disso? Talvez não com a mesma pujança destas grandes

empresas, mas ao menos com o mesmo foco,

com a mesma visão de negócios. Eu mesmo tenho

a resposta pra isto: individualidade! Ressalta-se que

mesmo individualmente, alguns foram lá e fizeram

acontecer. Tiro o chapéu pra estes. Não vou citar

estas empresas aqui porque corro o risco de deixar

algumas de fora. Mas se estas empresas buscassem

estratégias de compartilhamento de estrutura, de logística,

de campanhas de marketing, entre outras, talvez

teríamos uma atuação mais agressiva partindo dos

aquicultores pioneiros. Como sempre digo: sozinho

se vai mais rápido, juntos vamos vai longe.

Faço alguma ideia do quanto é complicado a gestão

de algo do tipo. Só que enquanto isto, grandes empresas

não especializadas em pescado estão ficando com a

maior fatia do bolo. Colocando em check inclusive estas

empresas especializadas em proteína aquática que

tiveram louváveis iniciativas individuais.

A inspiração para abordar este tema surgiu por

conta das discussões que acompanho nos grupos de

WhatsApp, tanto de piscicultura quanto de carcinicultura.

É recorrente a reclamação dos produtores em

relação aos intermediários. A bem da verdade, atravessadores.

Entendo que tenha uma grande diferença

entre um e outro. Intermediário é aquele que faz a

intermediação entre as partes interessadas. Atravessador

é aquele que só está interessado em ganhar, tanto

na compra quanto na venda. E lamentavelmente, seja

no peixe ou no camarão, só temos atravessadores.

Os quais não estão nem um pouco preocupados com

a qualidade do produto. Já vi exceções, mas via de

regra, por falta de cuidados, depreciam a qualidade

do peixe e do camarão, implicando em menor valor

de revenda e, desta forma, impossibilitados de pagar

melhor para o produtor.

Constata-se então dois cenários bem caracterizados:

1) Os aquicultores pioneiros que individualmente

conseguiram se verticalizar disputando mercado com

grandes empresas não especializadas em proteína

aquática; e 2) Produtores de peixe e camarão brigando

com os atravessadores para sobreviverem no negócio.

Em ambos os casos, pouca ou nenhuma ação coletiva

para resolver sendo realizada. Aliás, no caso dos atravessadores,

nota-se que são mais organizados que os

produtores. Talvez porque um atravessador não tem

interesse em ter um caminhão mais bonito que o seu

colega de profissão. Enquanto que o aquicultor ainda

tem como meta ser melhor que o vizinho. O que não

tem problema algum, desde que o vizinho em questão

tenha resultados extraordinários.

Sei bem que apontar defeitos é fácil, difícil é trazer

soluções. Mas neste caso, o começo da solução

do problema passa pela identificação do cenário e

em seguida uma mudança de mentalidade. Vou dar

um exemplo: No meu tempo de vendedor de ração,

60

PARCEIROS NA 22° ED:


quando frequentava muito as feiras

agropecuárias, era nítida a vaidade dos

pecuaristas pelas raças bovinas. Cada

raça tinha uma associação e ainda uma

revista impressa. Notava-se um orgulho

diferenciado especialmente nos

criadores de raças europeias, maior

porte e carne mais marmorizada. Lindas,

mas só põem peso se tiver comida

boa no cocho. Logo, a conta não

fecha. Até raças sintéticas surgiram.

Por sinal, super válida a iniciativa. Porém,

o mercado ditou a regra: “É pra

ganhar dinheiro? Então vai no nelore

ou no máximo em um cruzamento

industrial pra algumas situações específicas.”

Sei que no caso do peixe isto

nunca irá acontecer, pois, trata-se de

espécies diferentes. Mas o paralelo

que quero traçar com a bovinocultura

é em relação ao entendimento do

negócio: produzir carne bovina e não

esta ou aquela raça.

O cenário de escoamento do pescado

produzido está aí, não enxerga

quem não quer. Quanto a produção,

precisamos urgentemente começar a

pensar em produzir proteína aquática.

Criar peixe ou camarão X produzir

proteína aquática, pode ser só um

jogo de palavras. Igualmente é intermediário

X atravessador. Ter o devido

entendimento do que realmente é

um e outro, pode fazer toda a diferença.

#VaiAqua!

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

61


Diego Maia Rocha

Sócio-Diretor Synbiaqua Cultivos Aquáticos

Natal, RN

diegomaiarocha@synbiaqua.com.br

JAN/MAR 2021

Afinal, quais são as possibilidades da carcinicultura

brasileira voltar a exportar grandes volumes em

2021? E por que essa ação seria tão importante?

Depois de um longo período de adormecimento,

pelos diversos motivos imagináveis (desvalorização

cambial, ação antidumping, perda de competitividade,

preço favoráveis do mercado interno), a

carcinicultura brasileira, volta a ter de fato uma maior

mobilização para participar do cenário mundial das exportações

de camarões, essa iniciativa vem ocorrendo

por intermédio dos mais variados grupos de fazendas,

e nesse artigo vamos entender o que anda acontecendo

nos bastidores sobre o tema.

I. O que tem motivado interesse

Segundo a ABCC, entre 2016 e 2020 a produção de

camarão no Brasil cresceu aproximadamente 86,67%,

saindo de 60.000 para 112.000 toneladas, um crescimento

na casa de 16,9% a.a. Todos já devem ter ouvido

falar na máxima de mercado, que quando a oferta

de um produto aumenta, o preço médio despenca.

Embora o aumento tenha sido representativo, não

transparece na realidade de consumo, pois a média

mensal de consumo per capita de camarão não ultrapassa

70 g/mês no Brasil, o que indicaria um potencial

ainda maior para absorver aumentos de produção.

Mas então, por que o preço despencou? Ocorre

Tabela 1. Principais exportadores de camarão de médio e pequeno porte EUA -2003.

62

PARCEIROS NA 22° ED:

que, quando falamos nos atores que participam no

desenvolvimento e promoção da indústria, temos que

pensar em: produtores (fazendas e laboratórios), compradores

de feiras, restaurantes e beneficiamentos (diferentes

formatos de produtos). O aumento rápido da

produção, não foi acompanhado pelo aumento no número

de compradores e de novas indústrias e formas

de produto, e isso causa um reflexo.

Por isso, dois aspectos de diferentes perspectivas motivam

os produtores brasileiros a buscar o mercado externo:

o primeiro, é a complexa relação de vendas no mercado

interno e o segundo, são as vantagens de opções e

equalizações de preços que as exportações podem trazer.

II. Relembrando o histórico das

exportações

Aos que não participaram desse período, vale aqui,

citar algumas lembranças que fazem esse tema ser

tão saudoso. Entre 2003 e 2004, as exportações de

camarão do Brasil representavam aproximadamente

76 a 78% do destino da produção. Nesse período,

o Brasil participava com destaque nas exportações

de pequeno e médio porte para EUA e de camarão

tropical para a UE. (Tabela 1 e 2).

Ranking Países Volume Valor (US$x1000) Part%(Vol) Part%(US$)

1º Brasil 17.463 72.143 25% 23,51%

2º China 14.065 58.990 20% 19,22%

3º Equador 12.547 56.214 18% 18,32%

4º Tailândia 7.828 37.422 11% 12,19%

5º Venezuela 2.549 10.254 4% 3,34%

Subtotal 54.452 235.023 78% 76,58%

Outros 15.249 71.889 22% 23,42%

Total 69.701 306.912 100% 100,00%

Fonte: Aliceweb, 2003


Tabela 2. Principais exportadores de camarões de águas

quentes para UE - 2004.

Ranking País Volume Part (%)

1º Brasil 43.019 25,57%

2º Índia 38.107 22,65%

3º Equador 31.108 18,49%

4º Indonésia 31.013 18,43%

5º Bangladesh 21.459 12,76%

6º China 3.525 2,10%

Total 69.701 306.912

Fonte: Eurostat, 2004

III. Cenário mundial das importações

de camarões

Dados divulgados pela undercurrent news em janeiro

deste ano, apontam que nos últimos 7 anos, o ritmo

de crescimento das importações mundiais de camarões

segue perto dos 6% a.a. Apenas para exemplificar, durante

esse período, as importações de camarões passaram

de 2,03 para 3,05 milhões de toneladas, um aumento

de 1,1 milhão de toneladas no período de 2012 a 2019.

Apesar da retração de 3% em 2020 (3,04 milhões

de toneladas), devido aos impactos relacionados com a

COVID, existe uma expectativa positiva para os próximos

anos, justificada com as previsões de crescimento

econômicos dos países desenvolvidos.

IV. Possibilidades reais para o brasil e

mercados

No ano de 2020, com muito esforço comercial, houve

ensaios para o retorno das exportações, com destino a

Ásia. Embora os volumes tenham sido baixos 82,4 toneladas

e US$ 344.032, foi um marco e importante iniciativa

para restabelecer processos internos e necessários ao

retorno do camarão brasileiro ao cenário internacional.

Tabela 3. Volume exportado em 2020 e até o mês de abril de 2021.

UF 2020 2021 (Jan-Abr)

Volume (kg) Valor (US$) Volume (kg) Valor (US$)

Pernambuco 63.318 273.497 60.282 264.052

Paraíba 19.152 70.541 22.020 80.504

Total 82.470 344.038 82.302 344.556

Fonte: Aliceweb, maio/2021

Para 2021, até o momento já se atinge números

semelhantes com o mesmo destino do ano anterior

(Tabela 3) e já se sabe que há movimentações em andamento

para exportações para os EUA. Outros mercados

consumidores importantes, já estão sendo prospectados,

em especial a UE e a China, mas existem

ainda, processos burocráticos a serem concluídos.

União Europeia - No caso da U.E, o direito de

exportar foi cessado devido ao não cumprimento de

exigências acertadas pela U.E com o MAPA, há alguns

anos e desde então, independente se a origem é aquicultura

ou pesca, não há exportação.

China - Em relação a China, o Brasil não tem habilitada

a espécie L. vannamei de cultivo liberada para exportação,

e por esse motivo ainda não pode exportar.

Para ambas as situações, esforços vêm sendo feitos

para dar celeridade a resolução dos processos.

Os preços no mercado internacional têm ficado

atrativo nas últimas semanas e dois fatores contribuem:

as dificuldades que a Índia tem enfrentado com a pandemia

e desastres naturais e o avanço da vacinação nos

principais mercados consumidores que tem elevado a

demanda. A situação das exportações e importações

de camarões seguem aquecidas.

V. Desafios e reflexos para o mercado

interno

Voltar a exportar de forma consistente e crescente

é um dos desafios mais importantes para carcinicultura

brasileira, não bastassem os entraves com burocratização,

vamos finalizar o mês de junho com o menor dólar

do ano e a torcida nesse momento, é que ele volte

aos patamares do primeiro trimestre.

Com a possibilidade de abertura das exportações, a

venda de camarão no mercado interno pode ganhar o

folego necessário para que a indústria como um todo

continue seu ritmo de crescimento e ocupe o papel de

destaque que todos nós imaginamos que ela possa ter.

Mais do que nunca, é

possível ver uma luz no

fim do túnel, porém o caminho

até lá, como sempre,

não será fácil.

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

63


JAN/MAR 2021

Roberto Bianchini Derner

Laboratório de Cultivo de Algas

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Florianópolis, SC

roberto.derner@ufsc.br

Na Coluna desta Edição apresento um texto elaborado

pelo Professor Leonardo Rörig e pelo

Pesquisador (Pós-Doc) Eduardo de Oliveira Bastos,

ambos do Laboratório de Ficologia (LAFIC) da Universidade

Federal de Santa Catarina. Tanto os efluentes domésticos

como os da Aquicultura, mesmo depois dos

tratamentos convencionais, geralmente apresentam níveis

elevados de nutrientes inorgânicos e micropoluentes,

que podem causar eutrofização e outros efeitos

ambientais nocivos. Para a remoção desses poluentes

se faz necessário o tratamento terciário, que envolve o

uso de processos químicos dispendiosos ou de sistemas

com seres vivos (plantas e algas).

Os efluentes da crescente e estratégica atividade

de Aquicultura muitas vezes não recebem tratamento

adequado, apesar de suas elevadas cargas poluidoras,

entretanto, há diversas iniciativas de pesquisa no Brasil

envolvendo tratamento terciário ou polimento de

efluentes com sistemas de macrófitas aquáticas (plantas),

que são excelentes alternativas sustentáveis para

esse fim. Porém, o emprego das algas para essa finalidade

revela que essas são até dez vezes mais eficientes na

remoção dos poluentes/nutrientes (N, P e C, p. e.) de

efluentes do que as plantas, logo, seu potencial merece

ser explorado, a exemplo de países como os EUA, China,

Índia, Austrália etc.

O desenvolvimento de abordagens de ficorremediação

utilizando sistemas de tapetes algais biofiltrantes

(TAB) ou Algal Turf Scrubbers (ATS) promete ser uma solução

altamente eficiente e de baixo custo. Os ATS são

sistemas de engenharia ecológica que exploram a atividade

metabólica de algas fixadas a substratos (malhas)

para remoção de nutrientes/poluentes. Nesses sistemas,

inicialmente desenvolvidos nos EUA por Walter Adey, a

água carregada de nutrientes/poluentes flui sobre leitos

cobertos com telas (calhas) que favorecem a adesão de

algas e, é depurada à medida que passa pelo tapete de

algas através da assimilação dos nutrientes inorgânicos,

BIOTECNOLOGIA DE

ALGAS

Algal Turf Scrubber – uma solução simples e

barata para auxiliar no tratamento dos efluentes

em sistemas de Aquicultura

gerando o crescimento de uma biomassa com diversos

potenciais de uso. Assim, no final da calha, a água é liberada

de volta ao corpo de água, com menor concentração

de nutrientes e maior concentração de oxigênio

dissolvido. Vale esclarecer que as taxas de crescimento

fotossintético em um ATS estão entre as mais altas já

registradas para ecossistemas naturais ou gerenciados.

Atualmente, a tecnologia original de ATS nos EUA

é comercializada pela empresa HydroMentia, Inc., que

tem unidades na escala de hectares, entretanto, a ampliação

dos sistemas ATS para tratamento de esgotos

começou em meados da década de 1990 com uma

unidade de tratamento em Patterson, Califórnia, onde o

emprego das águas residuais secundárias da estação de

tratamento de esgoto da cidade, em uma série de pulsos

com fluxo médio de 600.000 L dia -1 , levou à produção

média anual de 35 kg m -2 de biomassa e elevadas

taxas de remoção de nutrientes/poluentes. Nesse caso,

a biomassa algal resultante mostrou-se um excelente

biofertilizante, cuja comercialização permitiu compensar

grande parte do investimento no Sistema.

Diversos cientistas e operadores afirmam que à medida

que os ATS forem ampliados para aplicação em bacias

hidrográficas inteiras, a tecnologia catalisará uma “economia

verde”, com geração de empregos e estímulo a

empresas derivadas que usariam a biomassa algal. Estudiosos

relatam que, em muitas regiões dos EUA, p. e., a

produtividade das algas em ATS é principalmente limitada

pela baixa oferta de luz solar e pela temperatura, entretanto,

esses aspectos seriam problemas menores em países

de clima predominantemente tropical como o Brasil.

Uma iniciativa de colaboração entre o LAFIC/UFSC

e o Departamento de Engenharia de Biossistemas da

Universidade de Auburn – um dos grupos pioneiros na

pesquisa em ATS -, possibilitou uma série de experimentos

visando padronizar os sistemas ATS para as

condições brasileiras, especialmente no que se refere a

águas eutrofizadas (rios, lagos, estuários) e efluentes de

64

PARCEIROS NA 22° ED:


Aquicultura. Na UFSC, com apoio do Departamento

de Aquicultura, o LAFIC avaliou a aplicação de um sistema

de ATS em escala piloto (Fig. 1 A, B e C - 8 m

de rampa coberta com tapetes algais) e constatou a depuração

da água de lagoas de decantação de efluentes,

com a remoção de fósforo e nitrogênio ultrapassando

80% em 24 horas de recirculação dos efluentes (200 L).

Mais recentemente, utilizando princípios da aquicultura

de algas, foram desenvolvidos experimentos em escala

laboratorial, onde as algas (Ulva spp.) foram “semeadas”

sobre o sistema (Fig. 1 D e E), resultando na aceleração

da maturação dos tapetes e aumentando a eficiência de

remoção de nutrientes e produção de biomassa.

Dessa forma, por conta dos excelentes resultados e

por ser um sistema simples e de baixo custo, os Pesquisadores

apontam que o ATS tem tudo para se popularizar

como uma alternativa baseada na natureza para a

depuração de águas com elevada carga de nutrientes/

poluentes, visando inclusive ao reuso da água e ao aumento

da sustentabilidade em Aquicultura.

Consulte as referências bibliográficas em

www.aquaculturebrasil.com/coluna/biotecnologiadealgas

Figura 1. Imagens dos ATS piloto (A, B, C) e de bancada (D, E) do LAFIC-UFSC. A: fase inicial com biofilme de diatomáceas;

B: transição para Ulva spp.; C: fase clímax com Ulva spp.; D, E: mini-ATS com Ulva ohnoi “semeada”.

A B C

D

E

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

65


Eduardo Gomes Sanches

Instituto de Pesca/APTA/SAA

Ubatuba, SP

eduardo.sanches2005@gmail.com

JAN/MAR 2021

A magia dos pigmentos

O

ano de 2020 foi muito complicado. A

pandemia, a crise econômica e a redução

significativa dos investimentos em ciência fizeram cada

um de nós repensar suas estratégias e posicionamentos

para uma realidade bem diferente. Aqui no Instituto

de Pesca não tem sido diferente. Cada pesquisador

buscou “reinventar-se”.

As atividades com a aquicultura ornamental aqui

no laboratório trouxeram de volta os desafios e a

empolgação que, dada as condições atuais, andavam

meio que dormentes. Os ciclídeos ornamentais

(discos, bandeiras e apistos) estão se reproduzindo e

seus filhotes têm possibilitado que diversas pesquisas

possam ser executadas. Paralelamente, a cada dia surgem

questões que demandam respostas por meio da

investigação científica.

Uma das questões recentes e que citei na coluna

anterior, foi o fato de que os discos (Symphysodon

sp.) variedade “red royal” (dotados de um vermelho

intenso) após um pequeno período nos aquários perderam

grande parte da intensidade da cor. Não foi

preciso muito empenho para descobrir que o vermelho

intenso era resultado de doses elevadas de astaxantina

(um pigmento que acrescido na dieta intensifica

a coloração vermelha). Sem esta “dieta especial”

a intensidade das cores diminuiu. Confesso que isto

não foi legal... a sensação era de que tínhamos sido

“enganados” e isto não é bom pensando em termos

da relação fornecedor e consumidor. Por outro lado,

canalizamos nossa “indignação” para investigar o que

poderíamos aprender com esta situação.

A qualidade e o valor de uma espécie ornamental

são determinados por diversos fatores, sendo a coloração

a mais importante. A cor é um valor estético

que afeta o valor econômico. Um dos desafios na

aquicultura ornamental consiste em obter peixes com

cores intensas. Aqui cabem algumas considerações. A

cor da pele dos peixes é originada dos cromatóforos

que são células que contêm pigmentos que refletem

a luz. Dentre estes pigmentos se destacam os carotenóides.

Os peixes, assim como outros animais, não

têm capacidade de síntese de carotenóides e, assim,

estes precisam ser supridos via dieta. Portanto, dietas

deficientes em carotenóides causam diminuição da

pigmentação da pele e conseqüente diminuição do

valor de mercado dos peixes ornamentais. Até aqui

tudo bem. O problema é que super dosagens de carotenóides

provocam coloração intensa, mas quando

esta dieta é suprimida esta coloração “diferenciada”

vai embora... isto gera uma questão ética que cabe

reflexão. Mas isto é assunto para outro momento.

Vamos continuar tentando entender a questão da pigmentação

em peixes.

O carotenóide mais utilizado mundialmente na

aquicultura é a astaxantina. A suplementação de astaxantina

na dieta representa 15-20% do custo total

da alimentação, ou 6-8% do custo total de produção

para o salmão do Atlântico (para que os filés tenham

aquela cor alaranjada). E na aqüicultura ornamental, a

suplementação de astaxantina na dieta também implica

em elevação significativa de custos. Outra coisa

que aprendemos é que em função do alto custo da

astaxantina é preciso avaliar diferentes fontes naturais

de carotenóides como substitutivos. E aqui começa

algumas experiências interessantes que pesquisadores

brasileiros têm conduzido avaliando substitutos para

a astaxantina. O urucum Bixa orellana é uma planta

com distribuição ao longo da América Central e América

do Sul. Apresenta-se como um arbusto perene,

podendo ser encontrada de forma grande ou como

uma árvore pequena, variando de 2 a 5 metros de

altura. Muito utilizada pelas comunidades indígenas

com o intuito de pigmentar a pele com a cor vermelha

sendo a palavra urucum originada da palavra “uru-

-ku” que tem origem na língua indígena tupi. O Brasil

se destaca como o maior produtor mundial de urucum,

sendo que o estado de São Paulo detém 28%

da produção nacional. Diversos trabalhos demonstraram

a eficiência da utilização de sementes de urucum

na alimentação animal, sendo que o principal tema

66

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 1. Exemplar de disco

Symphysodon sp. mantido em

laboratório. © Eduardo G. Sanches

abordado tem sido a alimentação de aves

com o objetivo de melhorar a coloração das

gemas de ovos. Estudos recentes mostram a

viabilidade da utilização do urucum também

para incrementar a pigmentação em peixes

ornamentais.

Existem diversos outros pigmentos de

origem vegetal (as flores são uma excelente

fonte de carotenóides) que poderiam ser

utilizados para intensificar a pigmentação de

peixes ornamentais. A par desta relevante

linha de pesquisa que pretendemos iniciar,

não podemos deixar de refletir sobre a intensificação

“exagerada” das cores através de

“super” dosagens de carotenóides na dieta.

Seria importante proporcionar maiores esclarecimentos

ao consumidor, visando reduzir

a “sensação de ter sido enganado”. Por

outro lado, não se pode ignorar os benefícios

que a suplementação de carotenóides

pode proporcionar aos peixes ornamentais

mantidos em aquários, sem acesso a fontes

naturais de pigmentos. A lição que fica é que

parece que o bom senso, uma matéria prima

cada vez mais rara nas relações humanas,

precisa existir, ao se introduzir astaxantina na

dieta de peixes ornamentais. Sabe o título da

coluna “a magia dos pigmentos”? Sabe a definição

de magia? “Arte tida como capaz de

produzir, por meio de certas práticas ocultas,

efeitos ou fenômenos extraordinários”.

Fica a reflexão. Até a próxima coluna. E não

esqueça que a aquicultura ornamental, de

pequena, só tem o peixe !!!

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

67


Maurício Gustavo Coelho Emerenciano

CSIRO - Austrália

mauricio.emerenciano@csiro.au

*As opiniões citadas abaixo do primeiro autor são exclusivamente pessoais e não necessariamente remetem as

opiniões das instituições vinculadas ao mesmo.

JAN/MAR 2021

Casamento pra lá de produtivo!

Parcerias público-privadas nos cultivos

superintensivos em escala comercial

Tema debatido e citado em diversos fóruns,

as parcerias público-privadas são iniciativas

que aproximam a academia e o setor produtivo. É

o melhor dos dois mundos: o rigor da ciência com

a escala, demanda, especificidade e experiência da

indústria. Na aquicultura, mais especificamente nos

cultivos de camarões marinhos, essas parcerias vêm

crescendo principalmente na área de nutrição (com

testes de aditivos nas rações) ou com avaliações de

suplementos na água. No entanto, são escassos no

Brasil e no mundo os testes com aprimoramento

de técnicas de produção ao longo de diversos ciclos,

com desenvolvimento de protocolos específicos

para determinada fazenda ou região, com sua

respectiva análise de viabilidade econômica, acompanhamento

rigoroso dos parâmetros de qualidade,

da saúde dos animais, microbiologia da água e do

manejo alimentar.

Neste sentido, a coluna Green Technologies

desta edição traz um exemplo inédito neste sentido

no mundo (ao menos que se tem conhecimento).

Uma parceria público-privada entre o CSIRO-Austrália

e a empresa Viet-Uc do Vietnã realizada em

uma de suas fazendas de engorda localizada no Mekong

Delta. O CSIRO é a agência nacional de pesquisa

da Austrália, e a Viet-Uc é a maior produtora

de pós-larvas daquele país (Vietnã produz mais de

600 mil ton/ano), e que recentemente está investindo

na engorda e processamento. Este projeto, no

qual tive o imenso prazer de participar, ao longo de

3 anos acompanhou minuciosamente mais de 130

viveiros comerciais de produção. Todos os detalhes

desse pioneiro projeto foram detalhados em recente

artigo publicado na revista Global Aquaculture

Advocate e replicado na revista Panorama Acuícola

do México/Equador.

Entre as principais características e o que mais

chamam a atenção estão o trabalho de base de identificar

os pontos críticos e de riscos. Um verdadeiro

trabalho de “detetive” com intuito de antever os problemas,

trazer consistência e uniformidade na produção,

aumentar os índices produtivos, mas sempre

com foco na lucratividade. Ao contrário de muitas

frentes que priorizam os “quilos/m 3 ” (produzir mais),

um dos objetivos deste projeto foi identificar ao longo

do tempo oportunidades de melhorias na viabilidade

econômica. Ou seja, não basta somente pro-

Figura I. A

parceria públicoprivada

entre o

CSIRO-Austrália e

a empresa Viet-Uc

do Vietnã foi capa

da edição de

janeiro-fevereiro da

revista Panorama

Acuícola do

México/Equador.

68

PARCEIROS NA 22° ED:


Green

TECHNOLOGIES

duzir mais, mas sim produzir mais de maneira viável

e competitiva, identificando os pontos de equilíbrio.

Outra frente importante foi o treinamento constante

de funcionários, a criação de um laboratório

específico de qualidade de água (exclusivo para o

projeto), com assistência de outros laboratórios com

testes de PCRs, microbiologia da água e histologia

dos animais. Além disso, foram realizados testes de

novos sensores de água acoplados a inteligência artificial

e arquivos em nuvem, e desenvolvimento de

softwares customizados de manejo. A cada experimento,

20 a 24 viveiros de 600m ³ em ambiente

fechado (estufas) eram monitorados testando diferentes

abordagens: sistemas (bioflocos, água-clara,

híbridos, etc.), manejo alimentar, capacidade de

suporte (150 a 600 camarões/m 2 ), microbiologia da

água e controle de patógenos, aditivos e suplementos

na ração e na água, sistemas de aeração, estratégias

de despesca, sensores e monitoramento em tempo

real, manejo de sólidos, entre outros. Os resultados

ao final de 5 experimentos trouxeram sobrevivências

constante com mais de 85%, conversões alimentares

abaixo de 1,3 e produções uniformes com mais

de 40 ton/ha/ciclo (últimos ciclos ultrapassando os

45 ton/ha/ciclo, com viveiros com média de apenas

1,2 m de profundidade).

Este projeto demonstrou que as parcerias público-

-privadas são um casamento pra lá de produtivo. O

rigor da academia, com método e embasamento científico

pode sim trazer benefícios para a indústria, identificando

oportunidades de melhorias, mitigando riscos,

trazendo resiliência e competitividade. Até a próxima!

Para acessar os artigos completos citados acima,

os links são:

• https://www.aquaculturealliance.org/advocate/

collaboration-drives-innovations-in-super-intensive-

-indoor-shrimp-farming/

• https://panoramaacuicola.com/2021/02/25/panorama-acuicola-26-2_enero_febrero_2021/

Figura 2. Sistema de bioflocos sendo aplicado e aprimorado em fazenda comercial no Vietnã.

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

69


NUTRIÇÃO AQUÍCOLA

JAN/MAR 2021

Artur Nishioka Rombenso

CSIRO – Austrália

IPEMAR – Brasil

artur.rombenso@csiro.au

No início de fevereiro publicamos, em colaboração

com pesquisadores da Austrália, Brasil,

China e México, um artigo na Global Aquaculture Advocate

sobre as tendências das pesquisas em macronutrientes

(proteína, lipídeo e carboidrato) na nutrição

aquícola. Acredita-se que a pesquisa em nutrição aquícola

concentra-se principalmente na área proteica,

seguida pelos lipídeos, enquanto que os carboidratos

são comumente negligenciados. Esse impulso está associado

à relação direta entre proteína e crescimento

animal, à elevada demanda de proteína por animais

aquáticos e sua alta contribuição para o custo final da

ração. Para tal fizemos um levantamento bibliográfico

sobre o tema no Scopus, abrangendo o período

compreendido entre 1990 e 2020 e, como esperado,

encontramos 10.852, 6.098 e 1.363 artigos científicos

publicados em inglês relacionados, repectivamente, a

proteínas, lipídeos e carboidratos (Figura 1). Um total

de 807 artigos foram encontrados contendo esses três

macronutrientes num único estudo, porém isso não

significa que os mesmos tenham sido estudados simultaneamente.

Além disso, uma variedade de tópicos relacionados

a proteínas e lipídeos, tais como sua fonte,

inclusão alimentar ideal e substituição de farinha ou óleo

de peixe foram observados nessa busca bibliográfica.

Também verificamos que o número total de artigos

para as principais espécies de peixes criadas mundialmente

relacionados com proteínas, lipídeos e carboidratos

(5.594, 3.020 e 609) foram superiores aos das

espécies de crustáceos (973, 469 e 122, respectivamente).

Em peixes marinhos e espécies de água fria, a

diferença entre a pesquisa de lipídeos e proteínas é reduzida,

porém a proteína ainda é a prioridade. Curiosamente,

em salmões (do Atlântico e chinook), o número

de artigos relacionados a lipídeos e proteínas foi semelhante,

devido à importância dos lipídeos na nutrição

*As opiniões citadas abaixo são exclusivamente pessoais do autor e não necessariamente remetem as opiniões das instituições

vinculadas ao mesmo.

Pesquisa em macronutrientes na

nutrição aquícola

dessas espécies e ao elevado interesse do consumidor

pelo ácidos graxos ômega-3.

Apesar dessa hegemonia proteica, é importante

refletirmos em termos globais sobre as principais espécies

produzidas e a composição das respectivas rações

(nível de proteína, lipídeo e carboidrato) em termos

de volume. Assim por exemplo, considerando o

volume das principais espécies de aquicultura produzidas

(carpas 31,5%; tilápia 13,2%; e outras espécies

como bagre, camarão marinho, espécies de peixes

marinhos e salmão representando 37,6% do volume

global) – segundo a Organização para Alimentos

e Agricultura de Nações Unidas (FAO 2019) - ingredientes

à base de lipídeos e carboidratos contribuem

pelo menos com a metade dos custos globais de produção

de alimentos aquáticos. Esses macronutrientes

representam um componente econômico essencial,

não apenas para as fábricas de rações, mas para toda

a indústria de aquicultura.

Pesquisas futuras focadas em melhorar não apenas

a produtividade animal - mas também a eficiência

de custos, os impactos na saúde e no meio ambiente

- precisarão mudar o foco das fontes ricas

em proteínas e considerar cada vez mais o papel

dos lipídeos e carboidratos em formulações futuras.

Espero ter apresentado um novo ponto de vista

e dado um exemplo da importância de pensarmos e

questionarmos além do status quo. Para mais detalhes

sobre a metodologia, espécies investigadas, resultados e

discussões, recomendo a leitura de nosso artigo*.

*Rombenso, A.N., Esmaeili, M., Araujo, B., Emerenciano,

M., Truong, H., Viana, M.T., Li, E., Simon, C.,

2021. Global Aquaculture Advocate. 8 February 2021

70

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 1. Número de publicações em macronutrientes nas principais espécies criadas mundialmente.

1800

1600

1400

1200

1000

800

600

400

200

0

Peixes marinhos

Tilápia

Salmão

Truta arco-íris

Carpas

Bagres

Camarão branco do Pacífico

Caranguejos

Camarões de água doce

Crayfishes

Camarão Tigre Negro

Decápodos marinhos

Proteína Lipídeo Carboidrato

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

71


JAN/MAR 2021

Visão

aquícola

Giovanni Lemos de Mello

Bem amigos da aquicultura brasileira!

Estamos mais uma vez apresentando uma inovação

para fortalecer a criação de organismos aquáticos

no Brasil. A ideia é contribuir com a disseminação

de conteúdo técnico de qualidade e garantir a

acessibilidade a todos, aliás, uma de nossas principais

missões.

E nada melhor do que dispor de um “canal de

aquicultura” no rádio do carro, como nos velhos tempos,

ou melhor, agora através de podcasts. Moderno,

mas sem perder a essência.

Mas, como surgiu o Aquacast?

Iniciativa da Marilsa Patrício, que me ligou em um

domingo à noite para ver o que eu achava da ideia. O

que eu acho? Bora começar as gravações!

Nossa ideia era repetir a mesma parceria de sucesso

da Super Live do Pescado. Aliás, que evento

fantástico realizado em novembro de 2020, na Sede

da FIESP, em plena Avenida Paulista!

O querido amigo Ricardo Torres, editor da Seafood

Brasil, por hora não pode assumir mais este

compromisso. Ficamos então nós da AB, Aquishow

na Rede (Marilsa Patrício e Émerson Esteves) e #VaiAqua

(Fábio Sussel), responsáveis por tocar o barco do

primeiro podcast da aquicultura brasileira, o Aquacast.

Diz a Marilsa que nos tornamos “podcasters”! Menos

né... rsss...

Em 24 de maio de 2021 foi ao ar o primeiro

Aquacast, e já com um tema polêmico: “Relação setor

produtivo e universidades/institutos de pesquisa”.

A ideia é levar informação e conteúdo de um jeito

inovador, através de debates semanais entre os participantes,

com a coordenação da Marilsa Patrício, aliás,

viva as mulheres da aquicultura brasileira!

Polêmicas, dicas e irreverência também fazem

parte da fórmula do Aquacast.

Enquanto escrevo esta coluna, quatro episódios já

estão disponíveis em diferentes plataformas:

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Editor-chefe da Revista Aquaculture Brasil

Laguna, SC

giovanni@aquaculturebrasil.com

Aquacast – o primeiro podcast da

aquicultura brasileira

Aquacast #01 - Relação Setor produtivo e universidades/Institutos

de Pesquisa

Aquacast #02 - Inserção de uma nova espécie no

mercado nacional

Aquacast #03 - A integração na produção de pescados

Aquacast #04 - Extensão rural e assistência técnica

Já tive a oportunidade de falar aqui e reforço, que

satisfação concretizar parcerias, projetos e ações em

prol do fortalecimento da aquicultura brasileira com

amigos como estes.

Você pode acessar o Aquacast em diferentes plataformas,

através do link:

https://anchor.fm/podcastaquacast

Apresentadores do Aquacast:

• Émerson Esteves, Aquishow na Rede

• Fábio Rosa Sussel, #VaiAqua

• Giovanni Lemos de Mello, UDESC e Aquaculture

Brasil

• Marilsa Patrício Fernandes, Aquishow na Rede.

Figura 1. Bastidores da gravação do primeiro episódio do Aquacast.

72

PARCEIROS NA 22° ED:


Aquacast - O primeiro

podcast da aquicultura

brasileira.

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

73


Marcelo Shei

Fundador da Altamar Sistemas Aquáticos

Santos, SP

shei@altamar.com.br

JAN/MAR 2021

RAS e consumo de energia durante a

bandeira vermelha

principal característica de um sistema de Aquicultura

em Recirculação (RAS) está na recicla-

A

gem do efluente dos tanques de cultivo, resultando

na diminuição da demanda de água nova. Apesar de

remeter a ideia de que toda a água é reciclada, um RAS

é idealizado para diminuir a necessidade de trocas, mas

não a sua ausência.

Independentemente de quais métodos ou processos

serão utilizados em um sistema de recirculação

(RAS), a demanda de energia elétrica é comum

a todos. A matriz energética e os recursos utilizados

para a sua transformação ditam o impacto ambiental e

também os custos que chegam ao consumidor. A demanda

continua por movimentação de água, aeração/

oxigenação e controle térmico da água são os principais

pontos de consumo em um RAS. Além disso, o

método de produção, a espécie e o clima

são alguns dos fatores que influenciam a demanda

de energia e o custo de produção.

De forma geral, quanto maior for a densidade

de estocagem, maior é o impacto da

energia no custo produtivo. Sistemas mais

intensos demandam mais circulação de água

para a remoção de sólidos e nitrogenados e

também mais oxigenação. Com isso, é crucial

que estruturas comerciais tenham de buscar a

maior eficiência energética possível.

Nos sistemas de bombeamento, a utilização

de inversores de frequência possibilita

adequar a velocidade dos motores e as curvas

de rendimento das bombas. Os sistemas

mais modernos são capazes de manter um

fluxo programado na menor velocidade possível.

Com isso, é possível alcançar uma redução

de cerca de 20% no consumo elétrico.

Quanto ao aquecimento da água, o uso

de bombas de calor representa o método

elétrico mais eficiente para o controle térmico.

O isolamento das estruturas e a utilização

de equipamentos mais modernos resultam em menor

consumo e manutenção. Nas estruturas de maior

densidade de estocagem, onde os sistemas de aeração

convencionais não são suficientes para fornecer todo

o oxigênio demandado, a utilização de oxigênio puro

passa a ser uma alternativa. Nesses casos, a instalação

de uma usina de O 2

pode ser necessária. A utilização

de métodos adequados de dissolução de O 2

e de produção

conseguem diminuir a demanda de produção e

o consumo da usina.

Para as estruturas novas ou antigas o ideal é conseguir

realizar a medição do consumo elétrico de cada

um dos componentes em tempo real. Dessa forma é

possível analisar os equipamentos de maior consumo e

traçar medidas de redução ao longo do ciclo produtivo

ou até mesmo diário.

Figura 1. Equipamentos de instalação RAS. © Altamar

74

PARCEIROS NA 22° ED:


JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

75


Marcela Maia Yamashita

Doutora em aquicultura

Help Fish - Laboratório de Diagnóstico de Enfermidades de Peixes

Sinop, MT

contato@helpfish.com.br

JAN/MAR 2021

Perulernaea gamitanae: parasito

importante para a criação de peixes

redondos no Brasil

Caros leitores, gostaria de começar agradecendo à Aquaculture Brasil pela confiança em mim depositada. Como

leitora desta revista, me sinto honrada com o convite de me tornar colunista para tratar do tema: Sanidade. Uma proposta

um tanto quanto desafiadora e de muita responsabilidade, mas também uma rica oportunidade para trocarmos

conhecimentos e informações, dentro de um tema de tamanha importância para a aquicultura. Bem, sou Engenheira

de Aquicultura de formação, mestre e doutora nesta mesma área. Trabalho com sanidade de organismos aquáticos,

desde minha formação acadêmica até o momento, como profissional deste segmento. Possuo um laboratório de

diagnóstico de enfermidades para peixes, localizado na cidade de Sinop-MT, e presto consultoria em sanidade. Com as

colunas, pretendo abordar assuntos pertinentes à esta temática, que possuam relevância para o setor, e que agreguem

na construção de uma aquicultura que se preocupa com medidas de biosseguridade e com bem-estar dos animais

cultivados. Desejo que façamos desta leitura, uma bela troca de experiências.

espécie Perulernaea gamitanae foi primeiramente

relatada parasitando tambaquis cul-

A

tivados no estado do Amazonas em 1999, porém,

atualmente constitui-se um dos parasitos de maior

importância também para outras espécies de peixes

redondos cultivados no país.

Pertencente ao subfilo Crustacea e subclasse Copepoda,

este ectoparasito é facilmente visualizado no

peixe devido ao seu tamanho que varia entre 01 e

02 cm de comprimento. Conhecido como “verme-

-âncora” devido ao formato anterior de seu corpo que

se assemelha à uma âncora, o parasito utiliza-se desta

estrutura de ganchos para penetrar o tegumento do

peixe e se fixar. O local de fixação do parasito provoca

lesões hemorrágicas e inflamação, facilitando o desenvolvimento

de infecções secundárias causadas por

bactérias e fungos, relativamente comuns em peixes

infestados por estes crustáceos.

Importante dizer que esta parasitose não é uma

zoonose (doença transmitida ao ser humano). Outro

fato interessante a se comentar é que somente as fêmeas

de Perulernaea gamitanae parasitam os peixes,

enquanto os machos são de vida livre. Sendo assim, somente

a fêmea possui o formato característico de “verme-âncora”.

Após a cópula, que acontece na água, as

fêmeas fertilizadas encontram um hospedeiro definitivo

(peixe) e sofrem metamorfose, adquirindo tal forma

característica. Cada fêmea possui um par de sacos ovígeros

e liberam aproximadamente 300 ovos na água,

os quais após uma série de transformações (de náuplios

à copepoditos), copularão novamente, fechando seu

ciclo de vida que tem duração aproximada de 13 dias.

Por ser parasito de mucosas, P. gamitanae geralmente

é encontrado parasitando a cavidade oral,

boca, língua, região faríngea, cavidade opercular, brânquias

e narinas. Em infestações massivas, podem chegar

a ocupar toda a boca do animal, impedindo sua

alimentação e consequentemente trazendo prejuízos

à produção. Além disso, sua presença nos peixes causa

repulsa ao consumidor devido ao aspecto repugnante

que traz ao pescado, dificultando a comercialização do

peixe inteiro. Justamente uma das formas mais vendidas

dos peixes redondos nas feiras livres da Região

Norte do país.

Aqui vale ressaltar a manifestação clínica diferenciada

deste parasito quando presente na tambatinga,

que já configura-se como o principal híbrido das espécies

de peixes redondos produzidos nas regiões

Norte e Centro-Oeste do Brasil. A preferência se

deve ao seu melhor desempenho produtivo e rendimento

de carcaça, quando comparado ao tambaqui

e ao tambacu. Este híbrido, resultado do cruzamento

76

PARCEIROS NA 22° ED:


entre a fêmea do tambaqui e o macho da pirapitinga,

parece sofrer mais com parasitismo por P. gamitanae

visto que, este ectoparasito causa uma resposta

inflamatória acentuada, apresentando edema das

regiões oral e faríngea. Em infestações massivas, a

região pode ficar tão inchada que, em alguns casos,

observa-se deformação da língua dos peixes, o que

obviamente dificulta sua alimentação, prejudica seu

crescimento e pode levá-los à um quadro de caquexia

(perda de peso acentuada) e, consequentemente, à

morte. Já no tambaqui, esta parasitose não se apresenta

de forma tão severa, e não é observada uma

resposta inflamatória tão intensa; o que não significa

que não cause prejuízos ao cultivo desta espécie.

A redução da alimentação observada nos peixes

acometidos por P. gamitanae leva à uma outra problemática:

a dificuldade de tratamento. Vários são os

produtos quimioterápicos usados no controle das parasitoses

para peixes e, na sua grande maioria, são utilizados

de maneira “off-label” ou seja, seu uso ainda não

está aprovado para aquicultura.

Em geral, existem duas formas de administração

destes produtos: via oral (tratamento adicionado à ração)

e banho de imersão. Neste sentido, pensando

em uma situação de avançada infestação, onde o animal

já não se alimenta adequadamente, a via de tratamento

oral ficará comprometida e muitas vezes não

será possível, restando somente o banho de imersão,

o qual, dependendo do sistema de cultivo utilizado na

piscicultura e da dimensão dos tanques, se torna mais

oneroso e inviável do ponto de vista econômico.

Desta forma, e tendo em vista que poucos são os

fármacos registrados para o tratamento desta parasitose

no Brasil, deixo a reflexão sobre a importância da

prevenção não somente deste, como de outros parasitos

que acometem os peixes cultivados. A aquisição

de alevinos de produtores idôneos, que atestem o estado

sanitário dos seus animais; a utilização de tanques

de quarentena quando do recebimento de formas jovens

e o não aproveitamento da água de transporte

são algumas medidas de biosseguridade para evitar a

introdução de parasitos na propriedade.

Figura 1. Comparativo do parasitismo por Perulernaea gamitanae em tambaqui (a) e tambatinga (b).

© Bruna Pazdiora e Santiago Benites de Pádua.

A

B

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PARCEIROS NA 22° ED:

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Gestão

de Resíduos

Ivã Guidini Lopes

Doutor em Aquicultura

Jaboticabal - SP

ivanguid@gmail.com

JAN/MAR 2021

Identificando os resíduos gerados no

empreendimento aquícola: possibilidades de

uso em tempos de COVID-19

Você sabe quais os tipos e as quantidades de

resíduos orgânicos gerados em seu empreendimento?

Pisciculturas, carciniculturas, raniculturas e

frigoríficos geram resíduos muito diferentes entre si e

em quantidades muito distintas. Assim, o primeiro passo

para quem deseja aproveitar os resíduos orgânicos

de uma atividade aquícola e tornar sua produção mais

sustentável é saber identificar esses materiais.

De maneira simplificada, é possível identificar dois

grupos principais de resíduos sólidos gerados na aquicultura:

resíduos da mortalidade e do processamento.

O primeiro grupo é composto por animais mortos naturalmente

ao longo da produção, retirados da criação

para evitar seu contato com animais vivos (evitando a

transmissão de doenças) e que já se encontram em decomposição.

O segundo grupo é composto por partes

do corpo dos animais após seu processamento, como

por exemplo as vísceras, esqueleto, carcaças e cabeças.

Além de possuírem características químicas e biológicas

distintas, as possibilidades para o uso desses dois grupos

de resíduos são também muito diferentes.

Resíduos da Mortalidade: devido ao avançado grau

de decomposição e risco de contaminação, não podem

ser utilizados para a produção de qualquer tipo

de ingrediente de rações animais, como por exemplo

a farinha de peixe, ou mesmo para consumo humano.

Deve ser destinado para a compostagem.

© Lara Zacari Fanali

Resíduos do Processamento: após a filetagem e

extração de outros produtos de interesse, os resíduos

gerados podem ser utilizados para a produção de farinhas,

óleos, silagens e outros produtos, desde que

estes sejam utilizados imediatamente ou mantidos refrigerados

até sua utilização, evitando sua decomposição

e multiplicação microbiana.

© Ivã Guidini

Agora que sabemos quais os possíveis resíduos gerados

na propriedade, vamos entender como quantificá-los

no dia a dia da produção. Esta etapa é bastante

simples, visto que é necessário apenas registrar as

quantidades de cada resíduo no momento em que estes

são gerados. Para isso, basta elaborar uma planilha

contendo os seguintes dados: data da ocorrência (o dia

em que determinado resíduo foi gerado), quantidade

gerada (peso dos resíduos gerados) e característica do

resíduo (mortalidade natural ou processamento). Pode

parecer algo simples para alguns leitores, porém esse

dado de geração de resíduos é extremamente importante

e nem sempre está disponível nos empreendimentos.

Além de permitir um diagnóstico eficaz da

estratégia a ser adotada com os resíduos, esses dados

podem revelar algum problema de mortalidade excessiva

em diferentes períodos do ano, seja por condições

ambientais, de manejo ou outros motivos. Portanto,

não deixe de registrar diariamente os resíduos gerados

em seu empreendimento.

78

PARCEIROS NA 22° ED:


A partir dos próximos artigos na coluna Gestão

de Resíduos, falaremos mais sobre as tecnologias

existentes para lidarmos com esses resíduos tão

presentes em nosso dia a dia. Mas antes de encerrar

esse assunto, vamos comentar brevemente

sobre a questão dos resíduos da aquicultura em relação

à pandemia da COVID-19. Segundo a FAO,

os setores da pesca e da aquicultura sofreram fortes

impactos negativos causados pela COVID-19, seja

por mudanças nos padrões de consumo da população,

pelo acesso aos produtos derivados das atividades

ou por problemas logísticos como transporte

e restrições de venda. Mas o que dizer sobre os

resíduos da aquicultura e o vírus?

Podemos ficar tranquilos, pois a gestão dos

resíduos da aquicultura não é impactada pela presença

do vírus SARS-CoV-2, independentemente

do método a ser adotado para tratar os mesmos.

Por exemplo, a compostagem é um processo que

gera muito calor e em altas temperaturas o vírus

é inativado, assim como no preparo de farinhas e

óleos em altas temperaturas. Sabemos que o vírus

pode contaminar superfícies, materiais e objetos,

portanto devemos continuar tomando os cuidados

de sempre no que diz respeito à doença, distanciamento

social, uso de máscaras e higienização das

mãos e equipamentos, inclusive quando formos

gerir nossos resíduos.

Para quem quiser conferir mais detalhes sobre os

impactos da COVID-19 no setor da pesca e aquicultura,

visite o site da FAO (http://www.fao.org/

fishery/covid19/en) para maiores informações.

JAN/MAR 2021

PARCEIROS NA 22° ED:

79


JAN/MAR 2021

aquicultura, apesar de ser uma atividade que

A vem crescendo em média 5,3 % por ano nas

últimas décadas, é ainda pouco conhecida de uma forma

geral na cultura brasileira. Apesar do crescimento,

a maioria da sociedade não está familiarizado com ela,

confundindo muito aquicultura com aquarismo. Jornalistas

não especializados a criticam como poluente

ambiental sem conhecimento técnico. Acadêmicos

radicais não apresentam alternativas de manejo, desacreditando-a

permanentemente como uma atividade

importante de produção de alimentos. Assim como

em diversas partes do Brasil e do mundo, a pesca artesanal

e industrial enfrenta uma série de dificuldades e

conflitos que ameaçam a sua reprodução material e sociocultural,

além de colocar os pescadores e empresas

em situação de risco e vulnerabilidade. Neste contexto,

a Aquicultura tem se tornado umas das atividades

de produção de alimentos mais importante do mundo

(FAO, 2020). Segundo Valenti (2008), podemos definir

sustentabilidade como o gerenciamento dos recursos

naturais, financeiros, tecnológicos e institucionais

de modo a garantir a contínua satisfação das necessidades

humanas para as gerações presentes e futuras.

Existem na Aquicultura inúmeros desafios ambientais

a serem enfrentados, podendo-se destacar, o controle

do excesso de efluentes orgânicos e o uso de

farinha de peixe na formulação do alimento balanceado

(Boyd, 2003). O aprimoramento de tecnologias de

zero troca de água com o auxílio de bactérias benéficas,

a substituição de proteínas animais por proteínas vegetais

na alimentação artificial são alvo de pesquisas importantes

em nutrição e qualidade da água. Estes desafios

precisam ficar claros para a sociedade já que sempre

houve, por ignorância e falta de organização territorial,

abusos ocasionados por falta de conhecimento e imediatismo

econômico, levando a Aquicultura a possuir

uma fama de perturbadora dos ambientes aquáticos.

Navegando na aquicultura

Rodolfo Luis Petersen

Laboratório de Melhoramento Genético de Organismos Aquáticos - GECEMar

Universidade Federal do Paraná - UFPR

Pontal do Paraná, PR

rodolfopetersen@hotmail.com

Projeto Cultura da Água: “Uma

Peregrinação Marinha pela Costa Brasileira

divulgando a Aquicultura Sustentável”

Mesmo com o desenvolvimento e crescimento de

sistemas superintensivos, onde a água pode ser tratada

e reutilizada, a Aquicultura semi-intensiva e extensiva

continuará existindo na próxima geração. A conscientização

e divulgação de sua importância será relevante

para o caminho final de sua transformação, onde a

Aquicultura tradicional será substituída totalmente por

sistemas que minimizem o uso da água. Lamentavelmente,

a sociedade, apesar de os esforços realizados

continuamente pelo setor, tem pouco conhecimento

do que esta atividade significa.

No Brasil, no governo do presidente Luiz Inácio Lula

da Silva foi criado o Ministério de Aquicultura e Pesca

(MPA) pela Lei 11.958 de 26 de junho de 2009. A ideia

foi tentar enaltecer e promover o crescimento destas

atividades de forma sustentável. No início da Aquicultura

a nível industrial, a força de trabalho técnico científica

era oriunda de disciplinas como Agronomia, Zootecnia,

Oceanografia, Veterinária e Biologia. Com o crescimento

a nível mundial, cursos específicos de Engenharia

de Aquicultura foram criados. Nossa experiência pessoal

como pesquisadores e professores universitários

indica que os jovens entram na graduação em Aquicultura

sem saber nem entender o que esta atividade

significa, muito menos seus familiares e a população de

uma forma geral. Esforços para reverter este quadro

continuam prioritários para o desenvolvimento de uma

atividade saudável e sustentável, além de formar profissionais

capacitados e evitar o esvaziamento dos cursos.

O objetivo geral do projeto “Cultura da Água” é divulgar

a aquicultura marinha na costa brasileira, sendo

seus objetivos específicos: interagir com atores do setor

produtivo e gestores públicos procurando parcerias

na divulgação da atividade, obter material de ensino

através da realização de visitas e entrevistas in loco,

realizar campanhas de divulgação no âmbito da sociedade,

e visitar escolas promovendo aulas e palestras.

80

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 1. Embarcação que será usada no projeto “Cultura da Água”. © Rodolfo Petersen

As atividades de divulgação e de obtenção de material

de ensino serão realizadas por terra e por mar.

A Aquicultura é uma atividade que precisa de água de

extrema qualidade para ser sustentável ao longo do

tempo. Na maioria das vezes, fazendas de camarões,

peixes e moluscos, estão localizadas em áreas de difícil

acesso terrestre ou de acesso somente por meio

aquático. Um dos diferenciais inovadores do projeto é

acessar unidades de produção aquícola desde o MAR,

com o auxílio de uma embarcação de pequeno porte

(laboratório flutuante) propulsionada a vela e energeticamente

autossuficiente, possibilitando a pernoite dos

tripulantes. Construído artesanalmente em Florianópolis

(SC) no ano 2015, o projeto desta embarcação

foi selecionado pela ampla navegabilidade em áreas

rasas, assim como pela possibilidade de entrada por

estreitos canais, barras e rios, podendo chegar a comunidades

e centros de produção aquícolas isolados.

Suas caraterísticas estruturais e baixo calado permitem

aproximar-se as áreas de mangue de difícil acesso por

outras embarcações, permitindo também o arribo a

terra em qualquer praia. Seu desenho chama a atenção

e é sempre bem-vindo pelas comunidades locais de

pescadores artesanais, interessados no método e local

de construção, identificando-a rapidamente como

não sendo uma embarcação de turismo e lazer. O barco

tem a peculiaridade de não possuir ferragens e a

amarração de seus cascos, mastro e leme é toda feita

com cordas PET de material reciclável. Esta embarcação

já vem sendo usada para campanhas de pesquisas

de campo na Bahia de Paranaguá-PR desde sua construção.

A tripulação das campanhas será formada por

professores, estudantes da UFPR ou estagiários externos

de cursos de Engenharia de Pesca e de Engenharia

de Aquicultura. Acreditamos que esta abordagem

alternativa será uma ferramenta técnica e de marketing

crucial para atingir o público e a mídia, e desta forma,

alcançar os objetivos do projeto. Também poderá ser

utilizada como uma ferramenta de pesquisa, possibilitando

a obtenção de amostras de água das fontes onde

a mesma está sendo utilizada. Espera-se colocar nosso

grão de areia na educação da população geral sobre o

significado da Aquicultura, assim como contribuir para

a divulgação dos cursos de Engenharia de Aquicultura

no Brasil, evitando esvaziamento e potencializando os

recursos investidos.

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PARCEIROS NA 22° ED:

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JAN/MAR 2021

Juliana Antunes Galvão

Coordenadora do Grupo de Estudos e Extensão em Inovação Tecnológica

e Qualidade do Pescado

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ/USP

Piracicaba - SP

jugalvao@usp.br

O pescado além do filé: uma matéria

prima ainda pouco explorada

Resfriado ou congelado, o filé de pescado continua

sendo o produto “carro chefe” de grande

parte da indústria processadora de pescado no Brasil.

O peixe inteiro bem como o corte em posta, são

produtos que também tem seu lugar de destaque,

mas o filé, é a menina dos olhos da indústria, bem

como do consumidor.

Enquanto outras cadeias produtivas de produtos de

origem animal já desfrutam da comercialização de uma

infinidade de cortes padronizados, sendo comercializados

com identidade robusta e maior valor agregado, a

cadeia produtiva do pescado tem ainda muito a avançar.

É preciso levar em consideração que, diferentemente

de outras cadeias, temos uma diversidade de

espécies de pescado advindos tanto da pesca quanto

da aquicultura com particularidades e características

anatômicas distintas, o que dificulta a padronização de

cortes a serem difundidos e comercializados.

As empresas têm comercializado diferentes cortes

de pescado, tentando agregar valor diferenciando

seus produtos, desta forma buscando seu marketing

individual, mas como não há uma nomenclatura padronizada

oficial, há divergências conceituais quanto

aos cortes, gerando muita desinformação ao consumidor,

o que acaba por desfavorecer o mercado,

prejudicando a comercialização e a identificação do

produto pelo cliente.

Vemos empresas chamando o mesmo produto

usando diferentes nomenclaturas, vemos produtos diferentes

sendo rotulados da mesma forma. Situações

como esta acabam por prejudicar a identidade do

produto, por falta de padronização conceitual mínima.

Temos os cortes já consagrados para produtos de

pescado como, o peixe inteiro com suas variações, a

posta, o filé, e mais uma gama de variáveis, que algumas

são características e particulares a uma determinada

espécie, bem como outros produtos trazendo

diversas nomenclaturas que acabam não ficando claro

para o consumidor o produto que está sendo comercializado.

Temos então: filé inteiro, filé para churrasco,

lombo, picanha, supreme, costeleta, costelinha palito,

filé em cubos, isca, banda, borboleta, espalmado, escalado,

tranche, barriguinha, entre outras....

Temos dois cases quanto a padronização de cortes

que podem ser considerados de sucesso na cadeia

produtiva do pescado para termos como exemplo. O

Salmão com seus cortes já consolidados e conhecidos:

Brazil H/ON e TRIM: A, B, C, D, E, e o Atum com

seus famosos Otoro, Akami, Kamatoro e Chutoro.

A diversificação de produtos advindos da cadeia

produtiva do pescado é necessária e urgente, é preciso

a diferenciação de produtos e preços para alcançar

nichos de mercado num país tão eclético, mas é preciso

também a padronização de nomenclatura bem

como dos produtos a serem ofertados.

Além da temática da diferenciação de cortes que

pode/deve ser melhor explorada, temos também o

item aproveitamento integral do pescado, que tem

muito a crescer. Tomando como exemplo o processo

de filetagem da tilápia, onde temos aproximadamente

30% de rendimento do pescado sob a forma de filé,

então o resíduo do processo de filetagem é todo o

material orgânico restante, após a retirada dos filés,

correspondendo a aproximadamente 70% do peso

da tilápia. Esse material restante é composto por cabeça,

espinhas, vísceras, pele, nadadeiras, escamas,

bem como material cárneo que não foi removido da

carcaça durante o processo de filetagem.

Assim como o filé da tilápia, a parte comestível

aderida a carcaça, apresenta excelente qualidade do

ponto de vista nutricional, sendo uma ótima fonte de

gordura e proteína.

Dessa maneira, a fim de obter maior aproveitamento

da matéria prima, maior rendimento para a

empresa e evitar que este subproduto de excelente

qualidade seja descartado no ambiente, é necessário

82

PARCEIROS NA 22° ED:


Figura 1. Os cinco cortes “TRIM” do Salmão, do tipo A, B, C,

D e E.© Arc AS

A

a utilização do peixe como um todo, na elaboração

de coprodutos. A carne mecanicamente

separada (CMS) precisa ser melhor explorada

tanto pela indústria quanto pelos consumidores:

empanados, salsicha, minced, surimi, kani,

fishburguer, linguiça, quenelles, fish ball e outros

tantos produtos que podem ser destinados a alimentação

humana.

Para a alimentação animal, além da graxaria,

temos o potencial dos hidrolizados; peles para

tratamento de queimaduras em humanos e animais,

bem como couro para a produção de sapatos,

bolsas e cintos; biodiesel; ingredientes para a

indústria alimentícia; compostos para a indústria

farmacêutica, colágeno e meios de cultura, as

oportunidades são inúmeras...

Seria ideal que fosse realizada a coleta seletiva

desses resíduos na indústria, tanto os resíduos

sólidos quanto o líquido, para que estes

fossem destinados a elaboração de coprodutos

de maior valor agregado, baseados em estudos

de viabilidade econômica, respondendo afinal,

qual coproduto dará melhor retorno econômico

à indústria?

É preciso focar em práticas e no desenvolvimento

de tecnologias que priorizem a sustentabilidade

desta cadeia produtiva, a fim de garantir

um processo mais limpo, rentável, e com menor

geração de resíduos ambientais.

B

C

D

E

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PARCEIROS NA 22° ED:


Cintia

Labussière

Nakayama

Zootecnista pela UNESP, doutora em

aquicultura pela FURG, docente na UFMG e

presidente da AQUABIO.

Cintia conta que a paixão pela

aquicultura em sua essência veio

pela cultura, por meio do prato, ou

do garfo! Brincadeira a parte, à

tradição familiar oriental pesou na

decisão, contudo, Cintia destaca que

os estágios na área foram decisivos,

inclusive para optar por seguir

a área da pesquisa. Atualmente

Cintia é diretora do Laboratório

de Aquacultura na UFMG, onde

também é docente.

AQUACULTURE BRASIL: Qual a sua formação acadêmica

e situação profissional atual?

Cintia Labussière Nakayama: Sou zootecnista, graduada

pela Universidade Estadual Paulista – UNESP de Botucatu,

mestre e doutora em Aquicultura pela Universidade

Federal do Rio Grande – FURG. Desde 2012

sou docente na Universidade Federal de Minas Gerais

– UFMG, lotada na Escola de Veterinária, no Departamento

de Zootecnia. Ministro aulas

na graduação em Aquacultura e mais

recentemente (2019) me credenciei

ao programa de pós- graduação em

Zootecnia. Depois de quase 7 anos,

estou finalizando o mandato como

diretora do órgão complementar

Laboratório de Aquacultura-LA-

QUA (complexo de laboratórios)

na UFMG. E no final de 2020 assumi

como presidente da Aquabio.

AQUACULTURE BRASIL: Algo que

nós sempre gostamos de saber, vindo

da zootecnia que é uma grande

área, qual motivação levou você a se

especializar em aquicultura?

O gosto e a afinidade

pela área só foi

aumentando ao longo

do curso de zootecnia.

Objetivando mais prática

e conhecimento em

aquicultura cheguei até a

pós-graduação na FURG.

Cintia Labussière Nakayama: Realmente

a escolha não foi fácil, ainda

mais quando a profissão acaba oferecendo

um leque tão diversificado de atuação. Mas

acredito que a paixão pela aquicultura em sua essência

veio pela cultura, por meio do prato, ou do garfo! Explicando

melhor, eu atribuo à tradição familiar oriental no

consumo de pescado e meu pai que gostava de pescar,

levando os filhos para pegar peixe. O gosto e a afinidade

pela área só foi aumentando ao longo do curso

de zootecnia. Objetivando mais prática e conhecimento

em aquicultura cheguei até a pós-graduação na FURG.

Anterior a pós-graduação, eu ressalto a grande importância

que o estágio obrigatório na graduação contribuiu

em seguir carreira, naquele período

tive a oportunidade de estar tanto

no campo quanto na academia,

foi decisivo para seguir na área me

especializando. Esse percurso de

aprendizagem foi enriquecedor e

gratificante que trago até os dias de

hoje. A oportunidade de conhecer

vários profissionais excelentes no

caminho, naquela época também

foi determinante.

AQUACULTURE BRASIL: Na UFMG

além de professora, você é diretora

do Laboratório de Aquacultura (Laqua).

Quais os principais projetos

desenvolvidos pelo laboratório? O

laboratório recebe alunos da graduação

e também de pós-graduação?

Cintia Labussière Nakayama: Dentro

da estrutura institucional da

UFMG, o LAQUA é classificado como um órgão complementar

devido a sua complexidade em variedade de

JAN/MAR 2021

85


Parte das instalações do Laboratório de Aquacultura - LAQUA.

JAN/MAR 2021

atividades exercidas, número de laboratórios, ações de

ensino, pesquisa e extensão entre departamento e unidades

etc, isso tudo acontecendo em uma área de mais

de 2.000 m 2 de laboratórios construídos. Vou elencar

de forma objetiva as atividades e projetos de pesquisas

com base nos 11 professores que atuam diretamente

no LAQUA, por área: fisiologia de organismos aquáticos,

reprodução, larvicultura de peixes, ranicultura,

melhoramento genético em peixes, nutrição, comportamento

em peixes, maricultura, aquaponia, beneficiamento

e processamento de pescado e ornamentais.

Por estarmos inseridos em meio urbano, a forte característica

do LAQUA, as áreas de estudo e ensino acontecem

em sistemas fechados, em recirculação de água

ou bioflocos, de forma intensiva, com espécies de peixes

como tilápia, pacamã, tambaqui, pirapitinga, panga,

várias espécies de ornamentais, rã-touro e camarões.

A atuação de estudantes é intensa, nessas duas gestões

do LAQUA registramos, entre 100 a 112 estudantes de

iniciação científica Junior, graduação e pós-graduação, e

pós-doutorandos, tanto da comunidade interna quanto

externa a UFMG, com atuação e de forma prática, seja

no ensino, vivência, extensão ou nas pesquisas.

AQUACULTURE BRASIL: Como coordenadora do projeto

de pesquisa “Produção de tambaqui no biofloco” conte-nos

um pouco mais a respeito desse projeto, ele é desenvolvido

na UFMG? Quais são os principais objetivos?

Cintia Labussière Nakayama: O projeto tem parceria

na UFMG com prof. Ronald Kennedy Luz e Gisele Cristina

Fávero, e na Universidade Federal Rural da Amazônia

(UFRA) com o prof. Glauber Palheta e Nuno Melo

e é desenvolvido na UFMG. Em 2019 o prof. Ronald

iniciou os trabalhos com tambaquis (larvicultura e alevinagem)

de forma intensiva em sistemas de recirculação

de água. Com os bons resultados obtidos pela equipe

dele, começou-se a pensar em sistema de bioflocos

(BFT). Pelos benefícios já conhecidos do sistema em relação

à qualidade de água, dos índices zootécnicos em

outras espécies, a promoção de biossegurança, bem-

-estar, suplemento alimentar por meio dos microrganismos

presentes no biofloco, melhores respostas imunes

e de resistências a patógenos, entre outros, fomos

motivados a trabalhar com tambaqui no BFT. Apesar do

meu conhecimento prévio em sistema de BFT, mas não

com tambaquis, no final de 2019 os primeiros estudos

com juvenis foram concluídos. Os resultados de sobrevivências

foram bons, os índices de crescimento não foram

excelentes, mas revelaram a adaptação dos tambaquis

no BFT e nos motivaram a continuar os trabalhos

com a espécie em bioflocos. Mesmo em meio a pandemia,

os trabalhos não pararam e nesse pouco tempo

de estudo, estamos aprendendo a lidar melhor com

o tambaqui no BFT, obtendo resultados melhores de

desempenho a cada estudo. Avaliando as pouquíssimas

informações disponíveis da espécie em BFT, somando

aos nossos resultados, os estudos estão só no começo

dessa longa caminhada. Pensamos que o BFT pode

trazer uma oportunidade na produção comercial para

tambaqui, sobretudo em sistemas intensivos, por hora,

mais focados nas fases iniciais/alevinagem (animais até 5

86

PARCEIROS NA 22° ED:


g, por exemplo) como estratégia e benefícios de um

sistema bifásico. Embora a proposta seja animadora

e promissora não será construída a curto prazo. E

como costumamos dizer na ciência, mais estudos são

necessários, o que motiva a continuidade do projeto.

2010

AQUACULTURE BRASIL: Sobre a Aquabio, quando a

nova diretoria, da qual você faz parte como presidente,

assumiu no final de 2020 (gestão 2020-2022),

como vocês imaginavam ou já projetavam passar por

esse desafio por tratar-se de um período de pandemia?

Cintia Labussière Nakayama: A pandemia impactou

a todos, nas mais diversas formas e não seria diferente

com a nossa sociedade. Tradicionalmente, a

diretoria da Aquabio tenta sempre contar com representantes

de todas as regiões geográficas do Brasil, o

que nos leva a exercer parte das atividades de forma

não presencial, sobretudo nossas reuniões. No caso

das atividades presenciais, elas foram se adequando

ao formato digital, nos fazendo entender que essa era

a principal ferramenta que possuíamos para continuar

nossas propostas de representação, de diálogo, de

construção, alcance dos associados e parceiros. No

caso Congresso Brasileiro de Aquicultura e Biologia

Aquática (Aquaciência) 2020 que estava sendo

organizado para acontecer de forma presencial em

Manaus, apesar de todos os esforços das colegas responsáveis

pela organização daquele evento, teve que

ser cancelado. E a decisão da nova Diretoria foi pela

realização do evento de forma digital em nova data

de 14 a 16 de setembro de 2021.

AQUACULTURE BRASIL: E como está esse desafio

de realizar o Aquaciência, um evento de grande

porte e tão esperado, de forma totalmente online?

Cintia Labussière Nakayama: Tem sido um enorme

desafio, mas, felizmente, o Aquaciência Digital 2021

ocorrerá 14 a 16 de setembro. O Aquaciência 2020

é certamente a principal ação da Aquabio impactada

pela pandemia, assim como todos os eventos no Brasil

e no mundo. Assim que a nova Diretoria assumiu,

fomos obrigados a decidir sobre a suspensão ou cancelamento

ao mesmo tempo em que observávamos

a condição sanitária do país. Avançamos 2021 com

desejo de realizar o evento, e nossa percepção apontou

o formato online como melhor opção. Foi um

momento de muitas discussões, consultas, agregação

de informações, pois precisávamos aprender essa

“nova forma” de fazer eventos e adaptar o formato

tradicional do Aquaciência, em um curto espaço de

2021

2018

2016

2014

2012

JAN/MAR 2021

87


Reunião com os membros da AQUABIO - o trabalho remoto manteve aquecido o rítimo da nova gestão (2020-2022).

JAN/MAR 2021

tempo para um evento técnico-científico desse porte.

Os desafios de realizar o evento continuam, pois vivemos,

desde março de 2020, os impactos da pandemia

em todas as esferas: no setor produtivo, nas indústrias,

na academia e nos órgãos de fomento à pesquisa.

Mas não pudemos nos acomodar e nem esmorecer.

O momento está sendo de união de forças com todas

essas frentes para mantermos o evento como palco

de discussões e propostas para o setor. Continuamos

trabalhado de forma árdua, a acreditar no poder de alcance

do formato digital, com apoio de todos, sócios,

estudantes, pesquisadores, produtores, indústria, enfim

de todos atores na área para mais um grande evento.

AQUACULTURE BRASIL: Ainda sobre o Aquaciência,

pode fazer um breve resgate do número de participantes

em congressos anteriores, quantos congressos

já foram realizados e comentar um pouco sobre

como está a programação do Aquaciência 2021, inscrições

e como vai funcionar o evento de forma geral?

Cintia Labussière Nakayama: Até o momento tivemos

8 edições do Aquaciência. O primeiro, em 2004, foi

realizado em Vitória (ES). Depois tivemos em Bento

Gonçalves, RS (2006), Maringá, PR (2008), Recife, PE

(2010), Palmas, TO (2012), Foz do Iguaçu, PR (2014),

Belo Horizonte, MG (2016) e, finalmente, Natal, RN

(2018). Ao longo dos anos, o número de participantes

variou de 800, nas primeiras edições, para cerca de

1.200 participantes nas mais recentes. Para o Aquaciência

2021 Digital, esperamos bater o recorde de participantes.

A programação contemplará palestras e mesas

redondas com temáticas em: Sustentabilidade, Aquicultura

no Brasil: presente passado e futuro, Desafios

na produção de peixes nativos, Empreendedorismo na

aquicultura, Aquicultura circular, Capacidade de suporte

em sistemas para aquicultura, Mulheres na aquicultura,

e Extensão na Aquicultura. Teremos também cerca de

20 sessões técnicas sobre temas específicos, as quais,

graças à facilidade do formato digital, contarão com

palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros,

além das já tradicionais apresentações orais. Contaremos

também com a sessão de pôsteres, Stand virtual

de empresas e alguns workshops. As inscrições já estão

abertas e podem ser realizadas em https://www.

aquaciencia2021.aquabio.com.br/ Nessa edição abrimos

uma categoria de inscrição para estudantes em

situação de vulnerabilidade sócio financeira, ampliando

ainda mais a participação de estudantes e de forma

inclusiva. Cientes das desigualdades em nosso país,

bem como das dificuldades enfrentadas por estudantes

que querem participar dos congressos, mas às vezes

não conseguem participar pelos custos envolvidos

com inscrição, deslocamento, hospedagem entre outros.

Com o evento digital acreditamos que podemos

contribuir, por meio das inscrições, nessa categoria.

AQUACULTURE BRASIL: Sendo o Aquaciência tradicionalmente

realizado a cada dois anos, e ao final

de cada dia de congresso escolhido a cidade/

estado sede do próximo evento, podemos esperar

que isso ocorra no Aquaciência online de 2021? Podemos

esperar um evento presencial em 2022?

Cintia Labussière Nakayama: Embora o foco atual

seja Aquaciência 2021, estamos sim com expectativas

de termos o Aquaciência 2022 e no formato

presencial. Mas a confirmação ainda não pode ser

feita, pois isso depende da decisão da Assembleia da

AQUABIO que ocorrerá durante o Aquaciência 2021.

88

PARCEIROS NA 22° ED:


AQUACULTURE BRASIL: 2016 foi o ano de lançamento

da Revista Aquaculture Brasil, que ocorreu justamente

no Aquaciência, realizado em Minas Gerais. O evento foi

um exemplo de organização e teve a participação de um

grande público, com estudantes que vieram de diversas

partes do Brasil. O que esse evento em Minas Gerais

trouxe de positivo para a UFMG?

Cintia Labussière Nakayama: Foi um grande prazer ter

a parceria da Aquaculture Brasil aqui conosco e fazendo

seu lançamento no Aquaciência 2016! O momento

gerou uma grande ansiedade, pois o período financeiro

era ruim para o país, comparado às edições anteriores.

Mas o público foi fiel, vieram de várias partes do país e de

fora também, assim como as empresas apoiando e outras

participando de nossa feira. O estado de MG, a UFMG,

todos se mostraram parceiros e o sucesso do evento foi

o somatório de todas essas parcerias e esforços.Como a

comunidade da UFMG é grande e bastante diversificada

nas suas áreas de atuação, o Aquaciência surpreendeu

quem desconhecia a área e quem desconhecia o

próprio evento, pelo seu porte. O congresso deu força,

visibilidade, formou e fortaleceu parcerias, impulsionou as

ações para que estudantes e docentes continuassem a se

empenhar na aquicultura.

AQUACULTURE BRASIL: A Aquabio sempre foi marcada

pelas novidades em termos de lançamentos de livros

ligados a aquicultura. A Aquabio ainda está com essa

“pegada” de fazer os lançamentos editoriais de forma

impressa?

Cintia Labussière Nakayama: A Aquabio procura estar

sempre atenta às publicações dos associados e de parceiros

e, na medida do possível, procura apoiar por meio

de venda ou divulgação dos mesmos. Nessa edição do

Aquaciência Digital, por exemplo, teremos um espaço

para lançamento de livros. É claro que nossa atuação

nesse campo é limitada por questões financeiras, principalmente

agora, durante a pandemia. Entre os livros

lançados pela Aquabio, destacamos o “Tópicos especiais

em piscicultura de água doce tropical intensiva (2004)”

e o “NutriAqua (2013)”, ambos considerados obras de

referência para pesquisadores, estudantes e profissionais

na área. Estamos discutindo o lançamento de uma edição

revisada e atualizada do NutriAqua, o qual provavelmente

deverá ocorrer em formato digital. E quem sabe,

no futuro, com um horizonte mais calmo em termos de

possibilidades financeiras, possamos retomar a política

de publicações....

AQUACULTURE BRASIL: Por fim, como professora de cursos

de graduação e pós-graduação da UFMG, como tem

sido lidar com o ensino remoto nesse período de pandemia?

O ingresso de novos alunos tem se mantido regular

conforme nos outros anos ou houve alguma alteração?

Cintia Labussière Nakayama: Não está sendo fácil, pois

ensino remoto é uma forma paliativa aos prejuízos já

causados ao ensino presencial. Ensino remoto não é

ensino a distância. O ensino e a aprendizagem na aquicultura

acontecem também com a prática e aí talvez se

concentre nosso maior prejuízo, não ser possível a realização

das práticas. No nosso caso, as atividades no LA-

QUA foram diminuídas, mas não cessadas, a maioria dos

setores se manteve funcionando, seja na manutenção

dos animais ou pelos experimentos que não poderiam

ser adiados ou cancelados. Para isso, foi montado um

protocolo próprio do LAQUA em conjunto com a comissão

COVID-19. Mas as demais práticas, todas foram

canceladas. A graduação em Aquacultura possui duas

entradas por ano, e estamos no terceiro semestre, em

meio à pandemia. Comparado aos semestres, antes da

pandemia, mantivemos o número de novos estudantes

no curso dentro do normal e o mesmo foi visto para o

programa de pós-graduação em zootecnia.

Na tradicional “Live de quinta” da Aquaculture

Brasil, tivemos um bate papo ao vivo com a

Cíntia, com um tour virtual pelas dependências

do LAQUA, além de um bate-papo sobre a

Aquabio, Aquaciência e muito mais! Clica aqui

ao lado para acesso a live ou acesse pelo nosso

canal direto no YouTube.

JAN/MAR 2021

89


Vinicius Ronzani Cerqueira

No ano em que inauguramos a década do Oceano (2021-2030), a primeira edição de

2021 da Revista Aquaculture Brasil tem a imensa honra de homenagear um Oceanólogo,

considerado um dos principais professores e pesquisadores da área de Piscicultura

Marinha das Américas!

Do interior de Minas Gerais para o mar!

“Nasci e morei até os 18 anos em MG, no interior

e depois na capital. Meu interesse pela Oceanologia

veio através das temporadas de férias que passava no

litoral, em Arraial do Cabo (RJ). Acompanhei a criação

do “Projeto Cabo Frio” e era fã do Almte. Paulo Moreira

da Silva, comprava os livros dele, e do Jacques

Cousteau também. Adorava Ecologia, e sobretudo

Ecologia Marinha. Queria salvar o planeta! De vez

em quando ia pescar de barco com o meu avô, na

Baía dos Anjos. Antes de saber da existência do curso

da FURG, minha intenção era fazer a graduação na

França. O que era um sonho difícil de realizar. Então,

como havia o curso em Rio Grande, em 1977 fui fazer

lá mesmo. E graças a isso conheci minha esposa, Maria

Luiza, uma rio-grandina, e temos dois filhos, Rafael

e Carolina, florianopolitanos. Mas a aquicultura me

empolgou mais no final do curso. Creio que, na época,

Oceanologia e Engenharia de Pesca eram os únicos

que tinham disciplinas obrigatórias de aquicultura.”

JAN/MAR 2021

Aprendizado e experiências em Rio Grande, na

FURG

“A maior parte dos professores estava envolvida em

projetos de levantamento oceanográfico na Lagoa dos

Patos, estuário e plataforma adjacente. O departamento

de oceanografia tinha um grupo pequeno de

professores (comparado ao que é hoje) na aquicultura

continental e maricultura. O prof. Marchiori tinha

voltado do mestrado no Japão, e fazia pesquisas

com o camarão L. paulensis. O prof. Maçada tinha

estudado um ano na França, e fazia alguns trabalhos

com juvenis de tainha. Mas eu comecei a fazer

estágio com um casal de franceses, especialistas em

fitoplâncton (pensando na ecologia marinha). Mas

logo depois comecei com a biologia pesqueira, tinha

bolsa do CNPq, e fui até o final do curso. O prof.

Haimovici, meu orientador de IC, teve uma influência

No navio Almte. Saldanha, 1979

90

PARCEIROS NA 22° ED:


muito positiva na minha formação como pesquisador/

professor. Pensava que era uma pena não ter feito

estágio na maricultura. Mas a experiência estudando

peixes, também me estimulou a buscar a pós-graduação.

Uma das experiências mais marcantes na minha

graduação foi estar embarcado por três semanas

no navio oceanográfico Almte. Saldanha, de forma

voluntária. Muito mar, trabalho e aventuras! Viver em

Rio Grande por 5 anos, tão longe de casa, foi por si só

uma aventura”

O exame de TOEFL que o levou para a França

“Eu queria aprender mais sobre aquicultura. Acreditava

na expansão do setor. E na época não era

simples conseguir trabalho como recém-formado. O

oceanólogo era um profissional pouco conhecido. A

própria profissão era nova. Parecido ao que vivenciam

os engenheiros de aquicultura! Também tinha aquele

sonho de viver um pouco fora do Brasil. Minha única

experiência internacional até o momento foi na cidade

do Chuy (Uruguai), na viagem de estudos da disciplina

de Sedimentologia! Então, fazer a pós-graduação

no exterior atendia vários anseios. Minha esposa, na

época noiva, era super-parceira neste sonho. Nós fizemos

juntos cursos de inglês e de francês. Mas, no início

o alvo não era a França. Eu acreditava que nos EUA

teria uma melhor formação. Antonio Philomena, meu

professor de Ecologia Marinha (olha ela aí de novo!) tinha

feito Mestrado lá. Conversava com ele, me ajudou

a escrever uma carta (não existia Google tradutor).

Como não havia cursos de mestrado em aquicultura

no Brasil, só de Oceanografia, o CNPq, ainda que com

muita parcimônia, concedia bolsas para o exterior.

Mas naquela época, além do Marchiori, do Maçada

e do Sílvio Romero (que pouco depois fez Mestrado no

Texas), ninguém mais tinha feito pós-graduação fora.

Enquanto cursava as disciplinas do último ano (1981)

era bolsista de IC e dava aulas de Biologia no ensino

médio, para conseguir fechar meu orçamento mensal.

E estava muito focado nos contatos com o exterior. Eu

fiz inscrição em cinco universidades nos EUA: as minhas

preferidas eram as do Hawaii e da Califórnia (La

Jolla), mas tinha também duas na Florida e uma no

Texas. Na França me inscrevi na de Marseille e na de

Brest. Era uma emoção grande quando via os envelopes

chegados do exterior contendo folhetos, catálogos

de cursos, formulários etc., ou as cartas de aceite, ou

de recusa. O meu TOEFL deu 537 e as universidades

pediam no mínimo 550. Como não queria adiar a viagem

decidi por Marseille (o prof. Maçada me garantiu

que o clima de Brest era péssimo, pior que o de Rio

Grande!). Quanto ao conhecimento da língua, um

atestado da minha professora de francês (nossa

querida amiga Núbia) foi suficiente. Em setembro

de 1982, lá fui eu para a terra do Cousteau. Sonho

realizado! Logo no primeiro ano, o prof. J.M. Pérès

me fez ver que ele não era o cientista que eu imaginava,

mas um desbravador, divulgador e defensor

dos oceanos. Continuei admirando igualmente.

Nos dois primeiros meses era difícil entender o que

me falavam. Felizmente o prof. Felipe Niencheski

(uns poucos anos mais velho que eu), que estava

terminando sua pós em Marseille, me ajudou desde

a chegada no aeroporto. No curso, o principal

desafio foi, depois de fazer as disciplinas, encontrar

um laboratório e um orientador. Escolhi um local

fora da Universidade, uma estação de pesquisa

em aquicultura marinha do IFREMER (Palavas Les

Flots), até então pouco conhecida, mas que evoluiu

bastante depois. No final do primeiro ano consegui

meu diploma (DEA), uma espécie de Mestrado

reduzido. Mas tinha feito o TOEFL de novo por lá,

pensando ainda na possibilidade de ir para os EUA.

Aí veio uma crise nervosa, pela insegurança de não

saber o que seria a minha vida dali para a frente,

até me convidarem a continuar no mesmo laboratório

para continuar a PG (doutorado em Oceanografia

Biológica). Concluí que seria a melhor opção

e, deu certo! A minha orientadora no IFREMER,

Dra. Béatrice Chatain, fez suas pesquisas de doutorado

no Japão. Mais tarde a Universidade aceitou-a

como minha orientadora na pós. No terceiro

ano o prof. Elpídio Beltrame passou algumas semanas

conosco. Foi quando nos conhecemos. Boas

lembranças! A estação cresceu e se tornou uma

das mais prestigiadas em piscicultura marinha da

Europa. Tive a oportunidade e a sorte de estar ali,

bem no meio das pesquisas de ponta, que propiciaram

o crescimento acelerado da produção do

robalo e pargo-europeu nos anos 1990. Há pouco

tempo, fiquei muito feliz e orgulhoso quando uma

ex-aluna nossa, Helena Galasso, foi fazer doutorado

nesse mesmo lugar. É um fechamento de ciclo.

O dia da minha defesa foi 19/11/86. Exatamente

um ano depois, já em Florianópolis, nasceu o nosso

JAN/MAR 2021

91


Vinicius Ronzani Cerqueira

JAN/MAR 2021

filho (a filha veio em 1993, com a vida mais estabilizada).

Ao voltar para casa, creio que não havia nenhum

doutor especializado em aquicultura formado

no exterior. Poucos doutores em geral, mesmo em

oceanografia eram poucos. Na graduação, nossos

professores doutores eram três ou quatro argentinos.

Sempre tive muita admiração e respeito por eles. O

Mestrado em Oceanografia da FURG era recente.

Só a USP já tinha Mestrado e Doutorado. Eu tinha

um sentimento muito forte de compromisso com o

Brasil. O fato de ter sido bolsista no exterior gerava

para mim esse vínculo, uma dívida. Isso durou muitos

anos, e até hoje tenho a impressão de que devo

alguns centavos! Em algum momento, pensei em

trabalhar no exterior, dado que as oportunidades

aqui não eram muitas. Enviei cartas para no mínimo

dez instituições no Brasil (do RS ao MA), prospectando

trabalho (universidades, institutos, ...). O

que poucos puderam oferecer foi a possibilidade de

alguma bolsa. O pró-reitor de pesquisa da UFSC me

respondeu dentro do que podia, nada de concreto.”

Volta ao Brasil e a chegada na UFSC

“Eu voltei da França para Rio Grande no final

de 1986. Em princípio ficaria na FURG, como

bolsista, ajudando o prof. Phonlor, que pesquisava

a criação do peixe-rei marinho. Mas como eu

conhecia o Elpídio e o Clóvis Pereira (oceanólogo),

vim conversar com o prof. Andreatta e conseguimos

uma bolsa de recém-doutor (hoje pós-doc) do

CNPq. SC era um sonho para nós desde estudantes.

A parte prática da disciplina de Mergulho

Autônomo foi em Bombinhas. E eu já conhecia SC

também porque tinha alguns familiares morando

aqui. Comecei na UFSC em julho de 1987 e fiquei

dois anos como bolsista. Foi um período muito rico

de aprendizagem. O Laboratório de Camarões era

recente, o Andreatta queria melhorar uma série de

coisas, e eu ajudava no que podia. Como gostava

de larvicultura (minha tese de Dr. foi com larva de

robalo), este foi o setor ao qual dediquei mais tempo.

Era preciso produzir pós-larvas de paulensis. O

concurso público veio depois”.

Início da docência e a criação do primeiro

mestrado em aquicultura do Brasil?

“O Departamento de Aquicultura da UFSC já

tinha oferecido duas turmas de especialização, com

duração de um ano. Em agosto de 1988 iniciou o

Mestrado. Fui convidado a participar, e propus a

disciplina de Piscicultura marinha. Vários professores

eram de outros departamentos, o de Aquicultura

era pequeno. Comecei dessa forma a conhecer a

estrutura da UFSC. Era certamente o mais novo e

inexperiente da turma. Meu primeiro orientado foi

Aliro Bórquez, Engenheiro de Aquicultura formado

no Chile (hoje reitor da Universidad Catolica de

Temuco), cuja dissertação foi a primeira defesa do

Curso, no final de 1990. Ao terminar a minha bolsa,

em julho de 1989, a UFSC me contratou como professor

visitante (era muito importante para a PG ter

mais um professor doutor). Logo, o Departamento

conseguiu uma vaga de professor efetivo. Em dezembro,

houve o concurso público para Piscicultura.

Concorremos eu e o Evoy Zaniboni (graduamos juntos

em 1981), mas o título de doutorado me ajudou

Com o filho no LAPMAR (UFsC), 1990

92

PARCEIROS NA 22° ED:


a chegar na frente. Bom que ele estava empregado

na CEMIG e cursando o doutorado da UFSCAR, e

acabou contratado no concurso seguinte, quatro anos

depois. Na criação do Mestrado, o Departamento recebeu

alguns professores da própria UFSC e depois,

com vagas de aposentadorias, houve mais alguns concursos

públicos. O concurso público para professor titular

de piscicultura marinha eu só prestei em 1997.”

O “start” do LAPMAR

“Em 1989 já estava planejando pesquisas com

piscicultura marinha para desenvolver na pós-graduação.

Eu procurava uma espécie nativa para trabalhar.

Era meu sonho desde os tempos de PG na França.

Só não tinha uma espécie definida. As experiências

recentes com a tainha não eram boas, o Andreatta,

inclusive, desaconselhava. Eu nunca pensei em importar

o robalo-europeu. Encontrei alguns trabalhos

feitos nos EUA com o nosso robalo, e me empolguei.

Tanto que no concurso público, apresentei uma

“análise e perspectiva para o cultivo do robalo no litoral

brasileiro”, baseando-me na pesquisa feita na

Flórida (Tucker Jr., 1987). No início, coletava juvenis

no mangue, o seu Keka dava um super-apoio. Fomos

montando uma pequena estrutura na Barra, o Aliro,

meu mestrando, me ajudava, e logo ele já estava fazendo

os experimentos da Dissertação. O Elpídio e o

Andreatta também davam um apoio imprescindível.

Pós doutorado na Espanha

“Em 2006, ninguém do nosso departamento tinha

saído para pós-doutorado, então achei que alguém

precisava abrir a porteira! Eu conheci o meu supervisor,

Dr. Manuel Carrillo, do Instituto de Acuicultura

de Torre de La Sal, em um congresso. Depois fiz um

estágio de 3 semanas no Instituto em 2005, e acertei

o pós-doc para o ano seguinte. Eu tive também a sorte

de conhecer um pesquisador espanhol, Vicente Olmos,

durante o doutorado. Ele também tinha passado pelo

mesmo Instituto, quando recém-formado. Então, as

peças se juntaram. Com minha esposa e meus dois

filhos ficamos um ano em Valencia, tendo como vizinhos

Vicente, esposa e filhos. E fortaleceu nossa amizade.

Em Torre de La Sal tive uma experiência muito

rica. Há muitos anos que fazem pesquisas de ponta

em reprodução de peixes marinhos (linha de pesquisa

da equipe que me acolheu). Um fato interessante, é

que o Vicente e vários colegas dele fizeram estágio na

França (em 1985), dentro de um programa espanhol

de desenvolvimento da aquicultura marinha. Além da

formação de pessoal, financiaram pesquisas internas,

empresas etc. Isto permitiu que em pouco mais de

dez anos estivessem na linha de frente da piscicultura

marinha europeia. Um bom exemplo para nós.

Mais uma inovação: a criação do primeiro curso

de Engenharia de Aquicultura do Brasil!

“Não foi difícil convencer a UFSC. Na verdade, fomos

convidados pelo prof. Faruk (pró-reitor de Graduação)

a apresentar um curso novo. Só que eu creio que

eles imaginavam algo parecido com Oceanografia e nós

apresentamos a Aquicultura! Já estávamos oferecendo

disciplinas obrigatórias para a Agronomia. Mas, acreditávamos

que um profissional especialista teria muito

para contribuir. Já existiam exemplos de graduação no

Chile e México, e de curso técnico até no Brasil. Pensamos

também na Engenharia de Pesca, mas eu era um

dos que acreditava em fazer algo diferente. Isso combinava

mais com o que o Departamento já vinha fazendo.”

Com a família, em Valencia (espanha), 2006

JAN/MAR 2021

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Vinicius Ronzani Cerqueira

JAN/MAR 2021

Principais legados

“Ao reler os objetivos que tracei no ensaio que

apresentei no meu primeiro concurso para professor

(fiz isso hoje depois de tantos anos!), vejo que todos

foram atingidos (eram relativos ao robalo). Não

eram objetivos para se alcançar em um único projeto.

Mas em vários, com a ajuda de muita gente. Mas

creio que chegamos. Isso é muito gratificante. Além

disso, ao longo do percurso, alguns desafios foram

aparecendo. Um dos mais interessantes foi o de estudar

a sardinha. Os colegas do ICMBio tinham um

problema e queriam nossa parceria para resolver.

Teria sido mais tranquilo continuar apenas com os

problemas que a gente já tinha. Mas era um trabalho

tão bonito!. Com toda a dificuldade de manter

explorável o estoque de sardinha adulta, capturávamos

e ainda capturamos juvenis para usar como isca-viva

na pesca do bonito-listado. Eu já conhecia o

problema desde 1990, mas não tinha como ajudar.

Então em 2010, junto com ICMBio e UNIVALI, iniciamos

um projeto. Nossa parte era controlar a reprodução

e criação de juvenis. Muitos pensavam ser

impossível, mas os objetivos foram alcançados. Várias

dissertações e teses foram feitas sobre o tema.

É um projeto que considero de alta relevância socioeconômica

e ambiental. Tenho muito orgulho de

ter participado. Mas as capturas de sardinha para

isca-viva continuam. O setor pesqueiro considera

que produzir juvenis de sardinha é caro. Mas é preciso

sair da escala experimental para uma escala

de produção massiva. São necessários 700 milhões

de juvenis por ano para atender a demanda atual.

A indústria precisa de incentivos para isso. Ainda se

pensa em espécies alternativas, como a tilápia. Mas

qualquer isca criada vai ter um custo “alto”, considerando

que a retirado da natureza não se paga.

Outra vertente do projeto seria engordar a sardinha.

Atualmente, temos um projeto de produção

piloto em negociação com as indústrias. As pesquisas

com a tainha também foram muito legais. Mas

já estou falando muito, fica para uma outra vez!”

LAPMAR: o principal laboratório do Brasil de

pesquisa e desenvolvimento em piscicultura

marinha

“Antes de qualquer coisa, muito obrigado pelo

reconhecimento de vocês! Isto é o mais importante.

Sempre quis propiciar aos alunos a melhor

formação possível. E foi importante para mim que

participassem em projetos que dessem conhecimento

teórico e prático, no nível mais alto possível.

Na minha visão, essa é a minha obrigação. E fico

muito feliz com o sucesso profissional dos ex-alunos.

Quanto à aquicultura nacional, eu fiz tudo o que

estava ao meu alcance. Quando o conhecimento

que o nosso trabalho gerou se tornar útil para

alavancar a indústria, o ciclo vai se fechar. Espero

que seja logo. Mas a decisão sobre criar ou não peixes

marinhos não depende só da minha vontade!”

A piscicultura marinha irá decolar no País?

“Já temos informações sobre várias espécies nativas.

Isso é muito bom. Mas uma espécie pode ser

criada de várias formas; o sistema de produção é o

que importa agora. No mês passado participamos

de um seminário no MAPA em que este assunto foi

discutido. Alguns colegas trouxeram experiências

Equipe LAPMAR (UFSC)

94

PARCEIROS NA 22° ED:


interessantes e reforçaram minha visão a respeito.

Argumentei que não existe “a” espécie ideal. Parece

que é isto o que estamos buscando há anos no Brasil.

Como se fosse uma “bala de prata”! Isto não existe.

E o problema não é só a falta de ração específica

para peixe marinho, como alguns podem pensar. Isto

se resolve na medida da demanda. Temos muitos problemas.

Nosso entrave é o que chamamos de “custo

Brasil”. Não existe um “ambiente de negócio” favorável

para a implantação de uma indústria de piscicultura

marinha. São dificuldades de licenciamento ambiental,

financiamento, impostos, burocracia etc. E como

é uma atividade nova, há evidentemente um risco, que

é maior em qualquer atividade produtiva que dependa

da natureza (como na agrícola). Na situação atual,

seria importante que os riscos fossem atenuados, com

ações coordenadas entre setor privado, governo e pesquisa.

Que a atividade fosse estimulada. Isto é papel

do Ministério e Secretarias estaduais. O país precisa

fazer escolhas. Queremos importar cada vez mais pescado

marinho de alta qualidade (leia-se basicamente

salmão) e/ou explorar cada vez mais nossos estoques

pesqueiros já debilitados? Ou queremos incrementar

a oferta deste produto através da piscicultura?

O que ainda falta realizar?

“Eu creio que um pesquisador de qualquer área

nunca pode se considerar satisfeito! O que nos move é

a busca de conhecimento. A minha contribuição sempre

foi no sentido de conhecer as espécies para poder

controlar o ciclo de vida. O francês usa o verbo “maîtriser”,

ao invés de controlar. A gente se torna mestre

na medida que conhece e valoriza. Bem, não tendo

formação em engenharia, tentei aprender com os engenheiros,

os agrônomos principalmente. Pois a nossa

“engenharia” (ou seja, transformar a natureza a nosso

favor) é a de recursos biológicos. Então, meu olhar inicial

é o do oceanólogo, buscando as espécies “em dificuldade”

por exemplo, e depois vem o viés da engenharia,

buscando como intervir para resolver o problema.

Antes dos projetos com sardinha e tainha, já pensava

que a pescada-amarela (boa de mercado, ameaçada

em alguns locais, com a bexiga gasosa supervalorizada

no mercado asiático, ...) mereceria a nossa atenção.

Infelizmente, não conseguimos juvenis nem reprodutores.

Então, é um sonho ainda por concretizar”.

Coordenadores da Rede Catarinense de Pesquisa em

Piscicultura Marinha apresentando os resultados de seus

projetos no CNPq em Brasília, 2012

Três espécies de peixes marinhos para o Brasil

“Três é pouco! Eu creio que primeiro temos que

pensar em qual sistema de produção, depois nas espécies.

Para suplantar de forma mais fácil as dificuldades

mencionadas há pouco, penso que devemos começar

incentivando a piscicultura “estuarina”. É um sistema

semi-intensivo, que pode usar as mesmas estruturas de

engorda do camarão. E neste caso, com as espécies

que se adaptam bem neste ambiente: tainha, robalo,

carapeva, pescada, corvina, miragaia, talvez até linguado

e cioba. Isto existe na Europa até hoje. E acho

que estamos deixando escapar esta oportunidade há

pelo menos 15 anos. Mas, na medida em que consigamos

produzir em sistemas mais intensivos e com custo

mais elevado (tanque-rede e RAS, por exemplo), apostaria

em espécies com valor de mercado alto como

robalo, cioba, pescada-amarela, linguado e garoupa.

Onde vamos encontrar o professor Vinicius daqui

a 10 anos?

“Em muitos lugares!. Mas certamente vou ter

mais tempo para estar com minha esposa, meus filhos

e sobretudo netos. Também cuidando das minhas

coisas, como as plantas, a aquaponia, os

peixes, e também viajar, escrever meus textos; e

quem sabe sobre tempo para trabalhar em um

projeto de piscicultura de algum ex-aluno?

JAN/MAR 2021

95


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JAN/MAR 2021

Data do povoamento: 13/01/2021

Número de pós-larvas estocadas: 200 mil

Área do viveiro: 2000 m²

Densidade: 100/m²

Data de despesca: 31/03/2021

Dias de cultivo: 79 dias

Peso final: 13,8 g

Biomassa final: 2.012 kg

Produtividade: 10.060 kg/ha

Sobrevivência: 73%

Total de ração: 2.560 kg

Conversão alimentar: 1.27

96

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