Gestão Hospitalar N.º 25 2021
Editorial #olhar a história, construir o futuro História dos hospitais em Portugal: começar pelo princípio Task Force: gestão de um processo atípico e complexo A qualidade dos serviços de saúde em tempos de pandemia Internamentos sociais, reflexos modernos de um problema antigo Contributo nacional para uma nova saúde global APAH e 38 associações de doentes e cuidadores assinam protocolo de cooperação Os 40 anos da história da APAH Constituição da Nova Saúde Pública (NSP): Associação para a Investigação e Desenvolvimento da Escola Nacional da Saúde Pública Homenagem a Vasco Reis Lançamento do livro Handbook de Integração de Cuidados Um impulso à carreira de administrador hospitalar Barómetro da I&D em Saúde Melhorar a experiência dos profissionais de saúde com os sistemas de informação A implementação do RGPD na saúde: em tudo igual, em tudo diferente? O melhor escudo anticrise é uma imagem positiva Estimativa de custos diretos de internamento por Covid-19 no CHULC Servir o interesse da população e as das comunidades Covid-19: desafios e oportunidades O papel das intervenções sociais na saúde: Palhaços D'opital Iniciativa APAH | Prémio Healthcare Excellence Autoreport & Trace Covid-19 Iniciativa APAH | 9a Conferência de Valor Futuro da saúde em debate Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano Incentivar o desenvolvimento do capital humano na saúde
Editorial #olhar a história, construir o futuro
História dos hospitais em Portugal: começar pelo princípio
Task Force: gestão de um processo atípico e complexo
A qualidade dos serviços de saúde em tempos de pandemia
Internamentos sociais, reflexos modernos de um problema antigo
Contributo nacional para uma nova saúde global
APAH e 38 associações de doentes e cuidadores assinam protocolo de cooperação
Os 40 anos da história da APAH
Constituição da Nova Saúde Pública (NSP): Associação para a Investigação e Desenvolvimento da Escola Nacional da Saúde Pública
Homenagem a Vasco Reis
Lançamento do livro Handbook de Integração de Cuidados
Um impulso à carreira de administrador hospitalar
Barómetro da I&D em Saúde
Melhorar a experiência dos profissionais de saúde com os sistemas de informação
A implementação do RGPD na saúde: em tudo igual, em tudo diferente?
O melhor escudo anticrise é uma imagem positiva
Estimativa de custos diretos de internamento por Covid-19 no CHULC
Servir o interesse da população e as das comunidades
Covid-19: desafios e oportunidades
O papel das intervenções sociais na saúde: Palhaços D'opital
Iniciativa APAH | Prémio Healthcare Excellence
Autoreport & Trace Covid-19
Iniciativa APAH | 9a Conferência de Valor
Futuro da saúde em debate
Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano
Incentivar o desenvolvimento do capital humano na saúde
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ABRIL MAIO JUNHO 2021
Edição Trimestral
Nº 25
GESTÃO
HOSPITALAR
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA aSSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES
NOVA RUBRICA
História dos Hospitais em Portugal
PANDEMIA
Task Force Vacinação
INTERNAMENTOS SOCIAIS
Barómetro 2021
PARTICIPAÇÃO
Protocolo APAH e Associações
de Doentes
Olhar a história,
construir o futuro
GH cabeça
TÍTULO
novo
GH SUMÁRIO
ABRIL MAIO JUNHO 2021
4
6
Editorial
#olhar a história, construir o futuro
História da Saúde
História dos hospitais em Portugal: começar pelo princípio
8
Opinião
Task Force: gestão de um processo atípico e complexo
GESTÃO
HOSPITALAR
10
12
Estudo APAH
A qualidade dos serviços de saúde em tempos de pandemia
Estudo APAH | Internamentos
Internamentos sociais, reflexos modernos de um problema antigo
Autor
Cargo
NAlictem. Et eostibus volesecatur as a
ide dolorerfero consequia debis des
am hicium nos preptatquo vel esto tem
aut latquam, iur, omnim is porit eos re
vendipieni vel iducimusapit ut utam vent
utem dignam accabor eptatem quam et ute non re molor
sandam et haribus aboribus.
Debitas utemolu ptaspie ntibus molesci mintius si dit,
necus et officid emperibus, con eatusam volorum quidusam
abore cus dolorem aceperibus, quaerrum aut
qui con reprovid que poresti ut aut lictota turiam ra
cum repellabo. Aperum accum eatissi ncilla sam, ium
res sam voluptae pa cones doluptatus nimillor rerisciae.
Gentibu sandae molum, quident quo qui autent de in
prate demporro tempore stiuntem nimus et doluptaque
con et voles consequis nescius, eost ipsae corum
reptatquae sa solupta eperum, odipsum estrum si dolor
modi comnimporia sum, sitaectiat platuri tasseque es a
si tecae eatur audam laut doluptatur sum quiatur, accatur,
odit dipsum et volorum reiur, ut laccatem ut denditio
moluptaquas atuscipsam ad eum iunt rem voluptate
maximil lesenim agnatur, velitat adiorroviti tecture ptasitiae
eostrume nem quo ius et volorem aciis nonsed
eum vene veni beario ipsus mos eatumquo et dolum
re, sequaturere nulpa inctum faccumq uaeritatesti autat
fuga. Ut officia nossi aut ut faccabo ribusae eatur, cus
escium voloruptas ab iunt eaqui omnime quatia dolor
ad ut as quam facepe mo blaccabo. Ibus qui culpa aut
aliquos utempore laccum et maxim res nat eaquaec
aborporaes sum rest, sam fuga. Axim consecu llendunt
landi officimos et in pa voluptae laborrum fuga. Con est
rero imin re pariam qui ommodi conserovit, consequia
porum quat ea que et a consed unto inctem ea volectecerro
omnim venis et molorro voles nonestiVelicae.
Ovitio veliatur, temolut dollique volorio. Ita dis quidebis
PROPRIEDADE
APAH - Associação Portuguesa
de Administradores Hospitalares
Parque de Saúde de Lisboa Edíficio, 11 - 1º Andar
Avenida do Brasil, 53
1749-002 Lisboa
secretariado@apah.pt
www.apah.pt
DIRETOR
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DIRETORA-ADJUNTA
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COORDENAÇÃO EDITORIAL
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EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
Bleed - Sociedade Editorial e Organização
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Gratuita
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DEPÓSITO LEGAL N.º
16288/97
ISSN N.º
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Esta revista foi escrita segundo as novas regras
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Estatuto Editorial disponível em www.apah.pt
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Saúde Global
Contributo nacional para uma nova saúde global
Participação
APAH e 38 associações de doentes e cuidadores assinam protocolo
de cooperação
Iniciativa APAH | Aniversário
Os 40 anos da história da APAH
Associativismo
Constituição da Nova Saúde Pública (NSP): Associação para a Investigação
e Desenvolvimento da Escola Nacional da Saúde Pública
Homenagem a Vasco Reis
Iniciativa APAH | Publicações
Lançamento do livro Handbook de Integração de Cuidados
Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira
Um impulso à carreira de administrador hospitalar
Estudo APAH
Barómetro da I&D em Saúde
Opinião
Melhorar a experiência dos profissionais de saúde com os sistemas
de informação
Proteção de Dados
A implementação do RGPD na saúde: em tudo igual, em tudo diferente?
Comunicação em Saúde
O melhor escudo anticrise é uma imagem positiva
Espaço ENSP
Estimativa de custos diretos de internamento por Covid-19 no CHULC
Saúde Pública
Servir o interesse da população e as das comunidades
Direito Biomédico
Covid-19: desafios e oportunidades
Cuidados Emocionais
O papel das intervenções sociais na saúde: Palhaços D'opital
Iniciativa APAH | Prémio Healthcare Excellence
Autoreport & Trace Covid-19
Iniciativa APAH | 9ª Conferência de Valor
Futuro da saúde em debate
Iniciativa APAH | Bolsa Capital Humano
Incentivar o desenvolvimento do capital humano na saúde
3
GH EDITORIAL
Alexandre Lourenço
Presidente da APAH
# olhar a história,
construir o futuro
Esta GH anuncia em capa a comemoração
dos 40 anos da Associação Portuguesa
de Administradores Hospitalares.
Até à década de 1980, as organizações
de saúde na maioria dos países
podiam ser vistas como uma burocracia Weberiana,
com uma hierarquia administrativa padrão do
governo nacional, passando pelo governo regional ou
mais local, até unidades operacionais. A postura da
gestão era neutra, com quadro administrativo bem
definido, que “valorizava probidade, estabilidade e o
respeito das garantias processuais”, e muitas vezes
era caracterizada como oferecendo uma função de
“diplomata”. Os serviços de saúde obedeciam a uma
burocracia profissional em que os profissionais de
saúde lideravam e se protegiam da intrusão externa
do serviço público e dos políticos.
Em muitos aspetos, em Portugal ainda não saímos
deste modelo. A administração hospitalar portuguesa,
à época inovadora, desenvolveu-se dentro deste
enquadramento. Como sabemos, desde meados dos
anos 80, os países de elevada renda foram introduzindo
componentes gestionárias mais efetivas. Na administração
pública portuguesa foram feitas várias tentativas
avulsas e nem sempre pelos melhores motivos.
Ao invés de apostar na qualificação e profissionalização
da gestão de serviços de saúde, optou-se pelo
compadrio da nomeação política, desqualificação dos
quadros superiores e desvalorização dos administradores
hospitalares.
Entretanto muito mudou nos serviços de saúde e na
exigência colocada à gestão. Os desafios são tremendos
e, mais do que nunca, os serviços de saúde em
Portugal necessitam de gestores especializados na
área da saúde. Não necessitam de diplomatas ou de
juristas, de vacuidade ou neutralidade. Os serviços de
saúde portugueses anseiam por uma visão estratégica
e de um corpo de gestores qualificados nos vários
níveis de decisão. Antes que sejam outros a fazê-lo,
os administradores hospitalares têm o dever histórico
de liderar este processo.
A nossa associação e profissão têm hoje uma notoriedade
e reconhecimento nunca antes vistos. Pela
primeira vez temos colegas nas mais relevantes funções
públicas, como a Ministra da Saúde, o Presidente
da ACSS, e vários Presidentes de Conselhos de
Administração de entidades públicas empresariais.
Importa que todos entendam este momento singular
na nossa história iniciada por Coriolano Ferreira. Não
se enganem, o sucesso atual da nossa associação e
profissão serão efémeros se não soubermos evoluir.
Este ano comemorar-se-ão 40 anos da nossa associação.
A APAH ou os administradores hospitalares
não são um fim. São um veículo da política de saúde.
Melhores administradores hospitalares garantem melhores
serviços de saúde.
Por mais medo que exista na mudança, o nosso maior
medo deve advir da nossa incapacidade para responder
aos desafios que se nos colocam.
“Olhar a história, construir o futuro”. Ã
4
GH História da Saúde
HISTÓRIA DOS HOSPITAIS
EM PORTUGAL: COMEÇAR
PELO PRINCÍPIO
Jorge Varanda
Sócio de mérito e Presidente da APAH (1988-1992)
O
ensino da Medicina no Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, iniciado em
1131, precedeu em mais de três séculos
os primeiros hospitais em Portugal.
Sabe-se que houve instituições medievais
no nosso País chamadas hospitais, que exerciam múltiplas
funções sociais, albergando, consoante os casos e
as circunstâncias, viúvas, órfãos, estudantes, peregrinos e
doentes. O facto de acolherem doentes não lhes dava
obrigatoriamente natureza hospitalar, se não assentassem
numa organização de natureza médica, destinada à recuperação
da saúde. O referido Mosteiro, ao mesmo tempo
que se antecipou no ensino da Medicina, tinha agregados
a si uma pequena enfermaria para monges doentes e
o hospital de S. Nicolau para população pobre. Todavia,
esse hospital destinava-se a uma multiplicidade de funções
iguais às que são referidas, partilhando a natureza
medieval desse tipo de instituições.
Na Idade Média em Portugal, os médicos seriam escassos
e trabalhavam em casa, não se responsabilizando pelos
hospitais. “A clínica medieval era realizada no domicílio,
pelo que nenhum dos hospitais possuía médico
privativo, sendo este chamado quando necessário.” 1 Por
essa razão, a admissão de doentes em hospitais não era
precedida de uma decisão médica. Além disso, os doentes
que se acolhiam nesses hospitais eram pobres, sem
recursos para os recompensar pela sua actividade. Só o
pagamento institucional ou a caridade cristã os poderia
mover. Não tinham, pois, acompanhamento médico ao
longo da sua estadia.
Os nomes dessas instituições, em geral de pequena dimensão,
variavam: albergarias, mercearias, hospitais. “As
albergarias e hospitais mais não eram do que casas com
algumas (poucas) camas onde se acolhiam pobres e peregrinos.
A administração de cuidados médicos não era
o motivo da criação de tais instituições e a assistência
traduzia-se pelo agasalho dos mais necessitados e pela
oferta de alimentação. As duas designações - albergaria e
hospital - eram, aliás, usadas indiscriminadamente no vocabulário
medieval.” 2
Por isso, podemos afirmar com segurança que a criação,
no final do século XV do Hospital de Todos os Santos,
em Lisboa, e do hospital de Nossa Senhora do Pópulo,
no que são hoje as Caldas da Rainha, marcam uma mudança
histórica qualitativa: o que o rei e a rainha decidem
criar, apesar de utilizarem a mesma designação de hospital
de algumas das referidas instituições medievais, é algo
de substancialmente diferente, um modelo novo que
havia sido gerado pela evolução da medicina em Itália,
em conjugação com as escolas médicas de universidades
italianas. A novidade justifica que países como a Espanha
e Inglaterra não tivessem ainda à época nenhuma instituição
de tal natureza. Tem de diferente a integração
de médicos e de cirurgiões na orgânica da instituição,
a consulta prévia de admissão e o acompanhamento
médico ao longo da estadia, tudo complementado pela
especialização dos seus profissionais, com relevo para os
boticários, enfermeiros e outros.
Para compreender esse novo modelo é necessário recuar
no tempo e lembrar que o fim do império romano
do ocidente levara a uma ruralização do espaço geográfico
dominado por Roma e ao esvaziamento das cidades.
Em consequência dessas transformações, as funções
ligadas ao ensino e à prática da Medicina acabaram por
ser assumidas mais tarde por mosteiros, na sequência
da criação e multiplicação destas instituições. O conhecimento
greco-romano acabou por ser levado por médicos
que emigraram para a Pérsia, na sequência da crise
que atingiu o bispo Nestor e os seus seguidores, a seguir
ao concílio de Éfeso, no ano de 431. Alguns desses
médicos nestorianos sentiram necessidade de emigrar e
fizeram-no para a cidade universitária de Gundishapur,
na Pérsia, no século VI. A cidade ficou para a história
pelo seu hospital universitário e pelo ensino e formação
prática dos médicos e pela influência que teve sobre o
mundo árabe, servindo de modelo a hospitais em Bagdad
e no Cairo.
Na Europa a recuperação do conhecimento médico greco-romano
e árabe faz-se através da escola médica de
Salerno, junto ao mosteiro de Montecassino, no extremo
sul da Itália, pólo europeu de formação médica entre
os séculos X e XIII. A chegada a Salerno de Constantino,
o Africano, em 1077, marcou o início do período mais
relevante, a que não foram indiferentes os textos árabes
de medicina por ele trazidos do norte de África e traduzidos
para latim.
O desenvolvimento do ensino universitário em Itália foi
o caminho que levou ao desenvolvimento do conhecimento
e da organização hospitalar, tendo como ponto
alto dessa evolução o Hospital de Santa Maria Nuova, de
Florença que serviu de modelo aos dois primeiros hospitais
portugueses, o de Nossa Senhora do Pópulo e de
Todos os Santos. Este hospital foi fundado em 1288 por
Folco Portinari, pai de Beatriz, musa de Dante Alighieri e
foi considerado o primeiro da Cristandade.
Nestas condições, não é de admirar que D. João II e
sua mulher, D. Leonor de Avis, com o seu espírito inovador,
tenham pensado em hospitais italianos para criarem
o Hospital de Todos os Santos e o de N.ª S.ª do
Pópulo, nas Caldas da Rainha. D. João II refere explicitamente
os hospitais de Florença e de Siena no seu
testamento e a Rainha Dona Leonor pôde obter informações
directas de Florença do seu confessor e sua
amiga Eugénia Benedetta.
Decidir qual dos dois teve a primazia histórica é uma
questão em aberto, pois o que se sabe é que D. Leonor
de Avis terá tomado a decisão de construir um edifício
para albergar os doentes que se tratavam nas nascentes
de água termal em 1485 e que os primeiros a serem recebidos
nas novas instalações o foram três anos depois,
em 1488. Todavia, um edifício para albergar doentes não
é em si mesmo um hospital. Já depois da primeira decisão,
porém, acabou por dar um formato de hospital ao
que decidira criar. Porquê e em que contexto não se
sabe. O que se conhece é que no ano de 1488 recebeu
uma peregrina italiana a Santiago de Compostela, Eugénia
Benedetta, ligada a uma casa de freiras murate de
Florença, com quem fez amizade e com quem manteve
correspondência. Tornou-se mesmo mecenas dessa casa
de freiras. 3
A novidade do novo conceito de hospital, a atenção
que o marido deu à criação do Hospital de Todos os
Santos e o benefício dos pobres, associado ao espírito
de caridade cristã que inspiravam os passos da Rainha,
podem explicar a sua decisão inovadora: aplicar o modelo
moderno de hospital a uma instituição que iria usar
como principal meio terapêutico as águas sulfúreas das
Caldas, a dois passos da sua vila de Óbidos. A relevância
social dos reumatismos e a eficácia das águas para o seu
tratamento terão ajudado na decisão, sabendo-se que
D. Leonor mandou mestre António, seu médico pessoal,
comparar previamente as nascentes das Gaeiras/Óbidos
com as das Caldas, optando por estas últimas.
Foi tal o empenhamento pessoal da Rainha que foi ela
mesma a primeira a dirigir o Hospital após a sua criação.
Deixou-lhe ainda uma preciosidade: a Igreja de N.ª S.ª
do Pópulo, da autoria de Mateus Fernandes, enriquecida
por uma bela torre sineira. Claro que não tem a riqueza
artística do muito rico Hospital de Santa Maria Nuova,
de Florença, mas corresponde ao que de melhor se fazia
em Portugal.
Sabe-se, por outro lado, que as obras para construir o
Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, foram iniciadas
em 1492, e que os primeiros doentes foram internados,
em 1501, já depois da morte de D. João II. Os processos
decisórios foram muito próximos um do outro, mas a
complexidade de um e de outro não eram do mesmo
grau de grandeza. O Hospital de Todos os Santos destinava-se
a duas finalidades complementares, a de servir
a população da cidade de Lisboa e a tratar dos doentes
que aportavam a Lisboa nas caravelas dos descobrimentos.
A sua dimensão inicial admitia o tratamento simultâneo
de 250 doentes, enquanto que a dimensão do
Hospital de N.ª S.ª do Pópulo era de 110 camas.
Para a compreensão deste momento inicial da história
dos hospitais em Portugal há que ter em conta que a
necessidade da construção de um hospital em Lisboa foi
herdada por D. João II e passada ao seu sucessor D. Manuel
I. Era uma necessidade política, primacial, ao passo
que a decisão da Rainha D. Leonor de Avis foi um acto
de caridade, inserido no seu percurso de vida. Uma passagem
pelas nascentes das caldas de Óbidos, com a visão
dos doentes a banharem-se nas cálidas águas termais e a
aplicação com bons efeitos das águas num peito de que
sofria, tê-la-ão influenciado decisivamente na criação do
seu hospital. Talvez possamos dizer que a temática hospitalar
estava muito viva na mente do marido e dela para
justificar as suas decisões.
Os passos seguintes à criação dos dois Hospitais foi a
fundação da Misericórdia de Lisboa em 15 de Agosto de
1498, e a sua difusão pelos núcleos urbanos do País, decidida
por D. Manuel I. Essa rede de Hospitais das Misericórdias
manteve-se a funcionar até 1974, atravessando
mais de quatro séculos e todas as mudanças históricas
sofridas por Portugal. Ã
1. Moisão, Cristina, Hospitais Medievais de Lisboa, Revista da Ordem dos Médicos.
2012. Setembro 133, p. 69.
2. Ibidem, p. 70.
3. de Sousa, Ivo Carneiro, A Rainha D. Leonor e as Murate de Florença (Notas de
Investigação), Revista da Faculdade de Letras, p. 119-133.
6 7
GH opinião
TASK FORCE: GESTÃO DE UM
PROCESSO ATIPICO E COMPLEXO
VAL Gouveia e Melo
Coordenador da Task Force para a elaboração do Plano
de Vacinação contra a Covid-19 em Portugal
Uma pandemia, como a da Covid-19, é
um daqueles acontecimentos cada vez
menos raros e sobre os quais já todos
lemos e ouvimos profetizar. No entanto,
mesmo com a inconsciente certeza de
que mais cedo ou mais tarde teremos de os enfrentar, a
insondável natureza humana teima em preferir confiar na
sua improbabilidade. E a velha história do Pedro e o Lobo
repetiu-se, apanhando-nos, distraídos e pouco preparados.
A pandemia apareceu do nada e foi igualmente em menos
de nada que se espalhou, tendo dado à “nossa costa”,
oficialmente, no início de 2020, tal um tsunami silencioso.
Fomos forçados a confinar, facto que só a mera ideia
teria, poucos meses antes, feito, mesmos os mais pessimistas,
rir de incredulidade. Mas confinámos e fomos obrigados
a uma alteração profunda, sem igual nos tempos mais
recentes, dos nossos hábitos e rotinas do dia-a-dia, com
um impacto, ainda hoje, difícil de avaliar em termos dos
aspetos sociais e económicos.
No entanto, da mesma forma que fomos capazes de reinventar
processos e de nos adaptar à permanente incerteza,
aumentando a solidariedade e a complementaridade
comunitária entre instituições e pessoas, conseguiram
a ciência e a indústria farmacêutica, em tempo absolutamente
recorde, desenvolver um conjunto alargado de
vacinas contra a Covid-19.
Este surpreendente acontecimento, indicador da capacidade
e engenho humano perante a adversidade, lançou,
no entanto, aos estados e em particular aos seus serviços
de saúde um desafio extraordinário. Um desafio que por
conjugar duas necessidades simultâneas, a de ser massivo,
porque se propunha a vacinar uma larga faixa das populações,
e urgente, porque se deveria concretizar num
muitíssimo curto espaço de tempo, se caracterizava por
ser de sobremaneira complexo, mesmo para países que,
como Portugal, se podem orgulhar de ter uma antiga e
consolidada tradição de vacinação e uma população em
grande medida disponível e habituada a ser vacinada.
Em Portugal, em resposta a esta urgência, foi criada, em
novembro de 2020, por despacho conjunto 1 das áreas
governativas da Defesa Nacional, Administração Interna
e Saúde, a Task Force para a elaboração do “Plano de
vacinação contra a Covid-19 em Portugal”, com o objetivo
de garantir a coerência e execução do Plano e coordenar
o trabalho já realizado, entre todas as entidades
envolvidas no sucesso desta operação, bem como a sua
articulação com as Regiões Autónomas e auscultação e
envolvimento de organismos relevantes.
Isto implicava, para este grupo alargado e multidisciplinar,
a tarefa de definir a estratégia de vacinação, coordenar e
controlar a sua execução e, se necessário, desenvolver novos
processos e adaptar as estruturas existentes de forma
a envolvê-las e capacitá-las para o alcançar do objetivo
definido. Após uns primeiros passos naturalmente difíceis,
o processo ganhou dinâmica. O atual coordenador reforçou
desde início, logo em fevereiro, a estrutura de planeamento
e controlo do processo, ao nível estratégico.
Resultou daqui a criação de um grupo de apoio ao Coordenador
para estruturar os processos ao nível do planeamento
estratégico (afastar no tempo o planeamento
macro da execução), controlo de execução (garantir a
fiel implementação dos planos e orientações de gestão),
verificação dos resultados do processo (recolher dados e
indicadores de execução contribuindo para o ajustar dos
planos e identificar situações anormais) e comunicação estratégica
(gerir expetativas e reduzir ansiedade informando
de maneira simples e clara). Com base nesta nova estrutura
e organização a atuação da Task Force adotou, a
partir dessa data, uma lógica de trabalho assente em quatro
prioridades de intervenção:
• Dar maior resiliência à Organização, melhorando a
arquitetura de governação, afastando, no tempo, o planeamento
da execução, robustecendo as soluções dos
Sistemas de Informação, implementando mecanismos
de verificação e estruturando o processo de comunicação
interna;
• Exponenciar a capacidade de resposta do sistema,
alargando os Postos de Vacinação em colaboração com
as autarquias, criando Postos de Vacinação Rápida e incrementando
os recursos humanos a disponíveis;
• Responsabilizar a estrutura, restringindo a fuga interpretativa
das normas, melhorando a sua clareza e simplicidade,
reforçando os mecanismos de reporte obrigatórios
e os mecanismos de verificação e auditoria interna,
penalizando desvios;
• Comunicar preservando a iniciativa, detetando e antecipando
narrativas e perceções desfocadas da realidade,
por forma a intervir e informar com clareza, simplicidade
e de forma completa.
A implementação efetiva destas prioridades de ação implicou
uma intervenção transversal a todos os componentes
do sistema, tornando o processo mais inclusivo
e participativo, que foi complementado com um diálogo
construtivo, responsável e aberto com um conjunto
muito alargado de atores relevantes na sociedade, mas
simultaneamente, mais diretivo e claro em termos de
responsabilização desses atores nas atividades a desenvolver.
Passou, de igual forma, pela habilidade de agregar
vontades, capacidades e conhecimento de entidades e
pessoas muito distintas e com interesses e padrões de
atuação, por vezes, muito díspares, em torno de objetivos
e tarefas comuns, em prol de um serviço de qualidade
aos portugueses, num rumo único e sem nunca perder o
foco no essencial: Assegurar, a cada momento, a eficácia
do processo e vacinar, com qualidade, o maior número
de pessoas no mais curto espaço de tempo, dando numa
primeira fase prioridade à urgência de salvar vidas, e à
consolidação da resiliência do Estado (esta em paralelo
representando 10% da taxa total da vacinação), por forma
a permitir, numa fase posterior, libertar a economia.
Ficou claro desde o início deste processo de vacinação
que a eficácia seria mais determinante do que a eficiência.
Esse sentir, foi decisivo no desenvolvimento da lógica e
prioridades de vacinação, bem como na identificação dos
eventuais nós de estrangulamento logístico do processo.
Relativamente a estes últimos foram inicialmente identificados
quatro possíveis nós de estrangulamento: o ritmo de
entrega das vacinas a Portugal; o sistema de distribuição; os
mecanismos de convocação e a capacidade de vacinação.
Desta forma e subjacente a este enquadramento, foi
pensada, testada e implementada, em articulação com
as ARS/ACeS 2 , uma capacidade de vacinação em grande
escala e proporcional à população ao longo do território
nacional, rapidamente criando Centros de Vacinação
com a inexcedível colaboração das autarquias, e foi estabelecida
uma estreita colaboração com a Direção-Geral
da Saúde (DGS) permitindo uma constante avaliação,
revisão e adaptação dos critérios e prioridades de vacinação,
considerando, entre outros, fatores como o fornecimento
nacional de vacinas, que acabou por se revelar
irregular e deficitário, ou ainda as restrições etárias impostas
à administração de determinadas vacinas. Foram igualmente
avaliadas a capacidade logística providenciada pelo
Serviços de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH),
que se revelaram exímios na qualidade e profissionalismo
dos serviços prestados, e a capacidade de agendamento,
identificar e trazer à vacinação os utentes de forma controlada,
da responsabilidade dos Serviços Partilhados do
Ministério da Saúde (SPMS).
Esta última capacidade, muito dependente das bases de
dados centrais do sistema de saúde e da qualidade da informação
nelas disponível, bem como da capacidade de
resposta e integração dos sistemas de informação existentes,
continua a representar, ainda hoje, o maior desafio à
eficácia do processo. A sua inerente exigência e as necessidades
operacionais identificadas pela Task Force, obrigaram
a SPMS a um esforço permanente de atualização dos
seus processos, bem como ao desenvolvimento de novas
soluções web e centralizadas, com as inerentes “dores de
parto”, em especial considerando tratar-se de um processo
em andamento, sem espaço nem tempo para o desenvolvimento
e testagem, das soluções mais adequadas.
Este processo exigente, intenso e complexo não seria
exequível sem a dedicação incansável e profissional dos
enfermeiros, auxiliares e médicos que tem sido os verdadeiros
combatentes na linha da frente deste processo,
contribuindo, todos os dias, decisivamente para concretizar
o plano definido, garantindo indicadores que não só
nos deixam no pelotão da frente da taxa de vacinação
entre os países europeus, mas, mais do que isso, nos dão
conta da satisfação muito generalizada dos utentes, após
a sua experiência pessoal de vacinação.
Parece agora ser visível a luz ao fundo do túnel, mas
existe ainda um caminho que é preciso percorrer sem
baixar os braços ou aliviar a intensidade e perder o foco.
Temos, no entanto, já a perceção de que aprendemos
todos muito sobre o muito que nos rodeia e em que
nunca tínhamos reparado, soubemos estabelecer pontes
sobre precipícios até à data vistos como inultrapassáveis,
ser solidários sem olhar a quem e mostrar resiliência para
além do imaginávamos ser capazes.
Este é um processo que tem apelado ao nosso espírito
de comunidade sem fronteiras, internas e externas, e, por
essa razão no futuro, seremos certamente uma comunidade
mais capaz, mais unida, mais exigente, mas também
mais generosa e com menos preconceitos se soubermos
carregar esta experiência connosco e dela tirar e transmitir
aprendizagens únicas às próximas gerações. Ã
1. Despacho nº. 11737/2020, de 26 de novembro, alterado pelo Despacho n.º
3906/2021, de 19 de abril.
2. Administrações Regionais de Saúde / Agrupamentos de Centros de Saúde.
8 9
GH estudo apah
A QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE
SAÚDE EM TEMPOS DE PANDEMIA
Manuel Delgado
IASIST
As questões do acesso
A qualidade, em qualquer bem ou serviço
público está, em primeiro lugar,
associada à adequação da capacidade
da oferta ao volume e à diversificação
da procura.
No caso da Saúde, isso tem como dimensão-chave a
acessibilidade a cuidados de saúde, no tempo certo, na
especialidade certa e no local mais adequado. Por razões
estruturais, o acesso dos portugueses a cuidados de saúde
inicia-se, muitas vezes, pelas urgências dos hospitais e,
se for necessário, circula depois por consultas de natureza
geral ou de especialidade, exames complementares
e internamentos. Recordo, a propósito, que em Portugal
mais de 90% dos internamentos em valências médicas
ocorre a partir de serviços de urgência, uma realidade
que se mantém desde a fundação do SNS em 1979. Esta
forma de admissão nunca foi questionada pelas ordens
profissionais, pelas sociedades científicas ou pelas associações
de doentes, o que nos remete para a aceitação
generalizada deste modelo, em parte também replicado
em serviços cirúrgicos. É, portanto, um hábito que não
se discute, mas revelador das entropias no acesso aos
serviços mais diferenciados.
Neste ano e meio de pandemia, um dos fenómenos
mais impressivos que ocorreu, foi a forte diminuição da
procura de urgência (na ordem dos 40%), embora os
níveis de gravidade mantivessem os mesmos valores relativos.
Ou seja, registou-se uma contração generalizada
que afetou por igual as afeções simples e as situações
mais complexas. Isso significa que muitos doentes mais
complexos não foram às urgências quando efetivamente
necessitavam, o que fez diminuir também, de forma sensível,
o número de doentes internados. O receio, o medo
de contrair o vírus ou o isolamento social provocado
“
NÃO RESTAM HOJE DÚVIDAS DE QUE O SURTO
PANDÉMICO, LONGO E DOLOROSO,
QUE ESTAMOS A VIVER, TROUXE IRONICAMENTE
UM SUPLEMENTO DE CONFIANÇA NO SNS.
OS PORTUGUESES, DE TODAS AS CLASSES
SOCIAIS, TÊM HOJE, GENERICAMENTE,
UMA OPINIÃO FRANCAMENTE FAVORÁVEL
SOBRE O COMPORTAMENTO DO SNS.
”
pelos sucessivos confinamentos poderão explicar grande
parte destas ausências.
Ainda em matéria de acesso, a realização de consultas,
quer de medicina geral e familiar, quer de especialidades
hospitalares, tem sido sempre um dos gargalos de estrangulamento
do SNS, travando necessidades imediatas
e contribuindo, com isso, ou para a resolução natural
dos problemas, ou para mais visitas às urgências ou ainda
para o agravamento do estado de saúde e desespero de
doentes e familiares, situação particularmente notada nas
intermináveis listas de espera cirúrgicas. Esta é, aliás, a
principal razão pela qual muitas pessoas optam por ir ao
setor privado, normalmente com margem de oferta suficiente
e uma outra flexibilidade para dar uma resposta
mais célere.
Também aqui a pandemia contribuiu para o cancelamento
e até encerramento temporário de muitas consultas,
bem ilustrado pela sua redução, quer nos cuidados primários
quer nos hospitais. Este apagão na atividade médica
do SNS teve, simultaneamente, um registo muito idêntico
na realização de exames complementares de diagnóstico
e terapêutica, quer na esfera pública, quer na esfera dos
convencionados, por ausência de prescrições por parte
do SNS. Deste modo, rastreios de doenças graves, diferenciação
diagnóstico e reabilitação foram atividades também
acentuadamente afetadas pela pandemia.
Em resumo, poderemos afirmar que, salvo alguma recuperação
de atividade que entretanto se tem registado, o
último ano e meio foi caraterizado pela significativa redução
do acesso aos cuidados de saúde, com consequências
ainda não cabalmente conhecidas e cuja projeção
em termos de morbi-mortalidade está longe de poder
ser calculada.
A qualidade técnica
A qualidade dos cuidados prestados no SNS não é um
tema objeto de estudo clínico generalizado, pese embora
o tema, em si, seja permanentemente glosado nas
análises feitas pelos especialistas. Quero dizer com isto
que não dispomos de análises comparativas sobre o desempenho
dos serviços médicos, quer quanto aos procedimentos
utilizados, quer quanto aos resultados obtidos.
Isso impede-nos de proceder a uma avaliação minimamente
credível sobre a matéria, sendo todavia de
relevar algumas metodologias em curso, quer pela ERS
quer por entidades privadas, aqui, sobretudo, no benchmarking
desenvolvido pela IASIST.
Por estas razões, não dispomos de dados ou de informação
sobre a qualidade clínica dos atos praticados neste
largo período pandémico. Seria até particularmente interessante
estudar-se os procedimentos e os resultados
obtidos com os doentes Covid, tendo em atenção o ineditismo
deste vírus e a inexistência de uma prática clínica
protocolada antecipadamente para lhe fazer frente. Pouco
ou nada sabemos, ainda, sobre as caraterísticas destes
doentes quando objeto de internamento (idades, sexo,
formas de admissão, diagnósticos principais e secundários,
complicações, readmissões, duração dos internamentos,
passagem pelos cuidados intensivos, mortalidade
ajustada, etc.). E é até estranho que este processo de
conhecimento não tenha despertado, ainda, o interesse
das associações profissionais mais relevantes do setor,
tentando identificar modelos de intervenção que se tenham
revelado mais eficazes e com melhores resultados
na relação benefício-custos. Vivemos nesta matéria, um
desconhecimento generalizado pautado, aqui e ali, por
alguns trabalhos jornalísticos cuja consistência e aproximação
à realidade deixam muito a desejar. A esta situação
não será alheio o facto de vivermos também alguma
indefinição sobre o acesso a dados clínicos dos doentes,
matéria sobre a qual se assiste a um excesso de zelo
inexplicável face à importância do conhecimento de que
todos deveríamos dispor.
A evolução da Covid-19 em Portugal
Este vírus preencheu as principais preocupações dos responsáveis
pela saúde nos últimos tempos: capacidade de
resposta do SNS, principalmente em cuidados intensivos,
o papel dos cuidados primários e dos hospitais, a atitude
dos doentes, a ausência de competências clínicas nos
lares, as políticas de confinamento e de desconfinamento,
os doentes que foram deixados para trás, o avanço
da vacinação e os abusos verificados nas prioridades, as
medidas profiláticas da DGS e a ocorrência sistemática
de situações de incumprimento em que a autoridade do
Estado foi posta em causa, o excesso de tolerância nas
fronteiras, designadamente quanto ao nosso velho aliado,
de tudo isto se fez o filme da pandemia neste ano e
meio. Já com 3 vagas, cada uma numa escala maior que
a anterior e com a aproximação previsível da 4ª vaga. E
sempre com um comportamento exemplar dos hospitais
públicos, demonstrando uma resiliência inesperada
para os mais distraídos, mas que apenas confirma a sua
capacidade técnica, quer em equipamento quer em profissionais.
Portugal não viveu, em nenhum momento, o
caos ou desespero que vimos em imagens que nos chegavam
diariamente de Espanha, de Itália, dos EUA ou do
Reino Unido. Mesmo no pico da 3ª vaga, com mais de
6.000 doentes internados com Covid e mais de 900 em
cuidados intensivos, os hospitais do SNS souberam coordenar-se
e responder cabalmente a todos estes doentes.
Importa deixar uma referência ao plano de vacinação
dirigido e operacionalizado pelo SNS com o apoio crucial
das autarquias e outras entidades da sociedade civil.
O processo começou francamente mal, ou porque não
havia vacinas, ou porque as prioridades estavam mal definidas
ou porque havia diariamente relatos de abusos
intoleráveis. As coisas acalmaram e entraram num ritmo
bastante positivo, com a simplificação que se impunha
nas prioridades e a montagem de uma logística de distribuição
e vacinação verdadeiramente notáveis. Não foi
preciso o recurso ao setor privado ou às farmácias, pelo
menos até agora. Isso não significa que se houver mais
vacinas não se torne aconselhável enveredar por locais
de vacinação complementares, tendo em conta as novas
estirpes com que o vírus se manifesta e os riscos que isso
comporta, mesmo para população já vacinada.
A qualidade percecionada
Não restam hoje dúvidas de que o surto pandémico, longo
e doloroso, que estamos a viver, trouxe ironicamente
um suplemento de confiança no SNS. Os portugueses,
de todas as classes sociais, têm hoje, genericamente, uma
opinião francamente favorável sobre o comportamento
do SNS nesta fase, talvez porque viram desconstruídas
as baixas expetativas que tinham no início. Esta opinião
é, todavia, difusa quanto aos referenciais que a suportam,
não se percebendo bem se se baseia na competência
técnica, se na humanização dos cuidados, se na simpatia
e solicitude dos profissionais, se nas vidas salvas. Estas
perceções são, todavia, um bom princípio de conversa,
quando pretendemos revitalizar o SNS e dar aos cidadãos
um serviço de saúde com mais qualidade. Ã
10 11
GH estudo APAH | internamentos
INTERNAMENTOS SOCIAIS,
REFLEXOS MODERNOS
DE UM PROBLEMA ANTIGO
Considera-se um internamento inapropriado
todos os dias que um doente passa
no hospital quando já tem alta clínica e
não existe um motivo de saúde que justifique
a sua permanência em ambiente
hospitalar. As camas ocupadas por estes internamentos
representam numa primeira instância um custo humano,
ao reduzir efetivamente a oferta de camas a quem de
facto precisa, com a agravante de representar também
um risco para os doentes que ao permanecerem mais
tempo internados sem necessidade aumentam a probabilidade
de contração de infeções, mas também um
custo financeiro para o Estado, que está a subsidiar indevidamente
quem não precisa de cuidados hospitalares.
Numa altura de crise sanitária e económica estes fatores
de ineficiência são ainda mais relevantes e vale a pena
analisar o seu comportamento para se poder chegar à
raiz de um problema que não é apenas de saúde, é também
um problema social e um problema económico,
mas é sobretudo um desafio para a resiliência de um
SNS cada vez mais deficitário face à procura.
Nesse sentido, este tema tem vindo a ser monitorizado
anualmente através do Barómetro dos Internamentos
Sociais (BIS), iniciativa da APAH com a colaboração
da EY, apoio institucional da Sociedade Portuguesa de
Medicina Interna (SPMI) e o contributo da Associação
dos Profissionais de Serviço Social (APSS), num trabalho
conjunto que simboliza de uma forma inequívoca uma
das chaves para os desafios deste século, sobretudo
após esta pandemia que nos assola, a colaboração.
Os desafios atuais, pela sua crescente complexidade e
dimensão, têm de ser cada vez mais enfrentados de vá-
Miguel Amado
Partner EY
rias perspetivas, por vários ângulos de análise e diversas
frentes de ação. O privado e o público têm de se complementar
para que se consiga almejar mudanças que de
facto tenham impacto. E no caso dos internamentos sociais,
também designados por internamentos inapropriados,
o mesmo se aplica. Este ano, na sua 5ª edição, com
dados a 17 de março de 2021, houve um maior detalhe
na análise das causas destes internamentos, o que permite
uma análise mais fina das razões que levam pacientes
a permanecerem internados depois de receberem alta
hospitalar. São 21 causas que se distribuem por causas sociais,
causas organizacionais associadas ao sistema de âmbito
social, causas organizacionais associadas ao sistema
integrado de saúde e outras causas de índole social.
A representatividade deste barómetro é comprovada
pelo aumento da taxa de participação do número de
estabelecimentos hospitalares, que este ano ascendeu a
96%, o que representou 86% em termos de números
de camas disponíveis no SNS, e que representa também
a consciência do tema por parte da gestão hospitalar,
preocupada com a sua eficiência na resposta às necessidades
dos seus doentes.
A consciencialização trazida pelo BIS tem conduzido a
alguns resultados com uma melhoria face à 4ª edição,
como ilustra o Índice de inapropriação do internamento
à data de recolha dos dados, excluindo unidades psiquiátricas,
que desceu de 8,7% para 5,4%, mas que ainda representa
nesta 5ª edição um total de 853 internamentos
inapropriados àquela data, com o número médio de dias
desde a sua alta médica de 33,6 o que representa também
um decréscimo de 57% face à 4ª edição. São 843
camas por dia que não estão disponíveis para doentes
que precisam de receber cuidados de saúde em internamento.
A distribuição geográfica deste fenómeno está
alinhada com a distribuição de número de camas e não
é surpresa que as regiões de Lisboa e Vale do Tejo e
Norte sejam responsáveis por cerca de 75% destes internamentos
sociais.
Quanto às causas atribuídas aos internamentos inapropriados,
estas dividem-se entre causas organizacionais
de âmbito social e causas organizacionais de âmbito do
sistema integrado de saúde, sendo que 77% dos internamentos
são justificados pelo aguarda resposta para
a admissão seja na Rede de Cuidados Continuados
(57%), seja na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas
(20%), sendo também de destacar a diminuição de internamentos
sociais resultantes da incapacidade de resposta
de familiar ou cuidador. Estes números vão de encontro
à ideia inicialmente expressa que a solução tem
de passar por um esforço conjunto do setor da saúde
e do setor social.
A grande maioria dos internamentos sociais mantém-se
como nas edições anteriores nos internamentos médicos
com a maior fatia pertencente à medicina interna embora
com um decréscimo contínuo nos últimos anos. }
Barómetro dos Internamentos Sociais
5ª Edição
Total de Internamentos: 15.675
Total de Internamentos Inapropriados: 853
4,7%
3ª Edição
8,7%
* Não inclui Unidades Psiquiátricas
5,4%
4ª Edição 5ª Edição
12 13
GH estudo APAH | internamentos
Barómetro dos Internamentos Sociais
5ª Edição
3%
2%
6%
(Dados de 17/03/2021)
20%
57%
Aguarda resposta para admissão na Rede
de Cuidados Continuados (RNCCI)
Aguarda resposta para admissão na Estrutura
Residencial para Pessoas Idosas (ERPI)
Incapacidade de resposta de familiar ou cuidador
Aguarda resposta para admissão na Rede
de Cuidados Paliativos
Outras causas de índole organizacional/sistema
Numa ótica do paciente, há um equilíbrio grande relativamente
ao género nesta edição, (49% são pacientes
femininos, e 51% masculinos). Por faixa etária 77% dos
episódios dizem respeito a pacientes com mais de 65
anos, no entanto se fizermos a distribuição por número
de dias de internamento, existe um maior equilíbrio com
48% dos casos a situarem-se em pacientes com menos
de 65 anos.
Estes números ajudam a perceber que muito ainda se
pode fazer para continuar a melhorar a situação, até porque
alguns fatores ligados à Covid-19 certamente têm
impacto na realidade traçada nesta 5ª edição, o que incentiva
a que se continue a medir este fenómeno de forma
mais contínua para se obter dados mais persistentes
e acompanhar uma realidade que pode impedir a saúde
de chegar a quem precisa. Urge utilizar a transição digital
na saúde contemplada no PRR (Plano de Recuperação
e Resiliência) para se conseguir transformar esta monitorização
em contínuo e assim colocar também pressão
para a resolução de cada caso em particular, assim como
investir numa maior articulação entre o setor médico e
social através do digital e das reformas previstas no PRR.
Se ainda dúvidas houvesse do benefício ao cidadão e aos
doentes, se todos os dias de 2021 fossem como o de dia
17 de março, o custo associado extrapolado para um
ano seria de cerca de 100 milhões, um argumento de peso
para um investimento nesta área. E de facto Portugal
está num momento único para operar mudanças em
todos os setores, mas sobretudo no da Saúde onde estão
previstos cerca de 1.383 milhões de euros, de onde
se destacam investimentos na rede de cuidados continuados
e rede nacional de cuidados paliativos, que, por
falta de resposta, ainda são a maior causa dos internamentos
sociais, assim como cerca de 88 milhões de
euros para a conclusão da reforma da saúde mental e
implementação da estratégia para as demências. Sendo
que o custo associado a internamentos sociais relativo a
unidades psiquiátricas ainda ascende a 2,5 milhões por
ano (extrapolação com base nos dados de 17 de março
de 2021). Já na referida transição digital da saúde estão
previstos cerca de 300 milhões onde se inclui a melhoria
da rede de dados e os registos nacionais que irão permitir
uma monitorização do correto comportamento do
sistema de saúde português. Fica a faltar a ligação com o
setor social, que também tem investimentos financiados
pelo PRR, essencial para enfrentar os desafios da saúde e
bem-estar do século XXI.
E como é um problema de todos, só com todos poderá
ser resolvido.
Sobre o Barómetro
Os indicadores, aqui apresentados constam da 5.ª Edição
do Barómetro de Internamentos Sociais, iniciativa da
Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares
(APAH) - com o suporte da EY, o apoio institucional
da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e
o contributo da Associação dos Profissionais de Serviço
Social (APSS) - que este ano contou com a participação
de 43 unidades hospitalares do Serviço Nacional
de Saúde (SNS) e do Serviço Regional de Saúde
(SRS), que no seu conjunto representam 95,6% do total
a nível nacional.
A edição deste ano realizou-se em contexto pandémico,
pelo que também considera dados dos internamentos
de doentes com infetados, com as perguntas desagregadas
em internamentos Covid-19 e internamentos
não Covid-19. A 17 de março de 2021, dia da recolha
dos dados, Portugal encontrava-se no final da terceira
vaga de infeções.
Os Barómetros de Internamentos Sociais surgem, assim,
como iniciativas de elevada relevância, que pretendem
monitorizar e caracterizar um fenómeno crítico no sistema
de saúde português e reforçar a importância de desenvolvimento
de soluções conjuntas entre as diferentes
entidades envolvidas, de forma a minimizar os impactos e
melhorar o serviço de saúde prestado aos portugueses. Ã
Ao colocar a vida
em primeiro lugar,
criamos um legado
que perdura
Há 130 anos que lutamos contra os maiores desafios
em saúde, criando esperança na luta contra a doença.
Continuamos empenhados em ser uma companhia
biofarmacêutica líder, centrada na investigação e na
procura de respostas científicas pioneiras que
beneficiem os doentes e a sociedade, hoje, amanhã
e nas gerações vindouras.
14
PT-NON-00766 01/2021
GH saúde global
CONTRIBUTO NACIONAL
PARA UMA NOVA SAÚDE GLOBAL
Guilherme Gonçalves Duarte
Médico Especialista
em Saúde Pública
João Magalhães
Médico Interno
de Saúde Pública
Na perspetiva evolutiva das sociedades, a
visão dos países relativamente a políticas
de Saúde além-fronteiras altera-se significativamente
quando a ciência evidencia
as limitações nas abordagens nacionais
aos determinantes e impactos destas, que não respeitam
limites geográficos ou fatores de desenvolvimento social
e económico.
As doenças infeciosas adquirem particular relevo neste
contexto, onde a cooperação internacional remonta ao
século XIX, quando epidemias de cólera levam à organização
da primeira Conferência Sanitária Internacional em
Paris (1851). Com a constituição da Organização Mundial
de Saúde (OMS) em 1948, uma das primeiras iniciativas
é criar o International Sanitary Regulations, precursor do
atual International Health Regulations (Regulamento Sanitário
Internacional - RSI) adotado em 1969 e atualizado
em 2005. Esta atualização é negociada num contexto
de aparecimento ou reaparecimento de doenças como
a peste, cólera, febre amarela, gripe das aves ou SARS;
e inclui a perspetiva “ameaças em saúde” (mais do que
ver “doenças”), acautelando ainda o impacto da tecnologia
moderna, comércio e viagens. O surto de Ébola em
2015, leva então à criação do Programa Mundial de
Emergências de Saúde da OMS, com vista a permitir uma
resposta mais rápida, melhorar o apoio dado aos países
pela organização e para desenvolver funções de vigilância
epidemiológica.
Esta evolução sugere que a comunidade global nunca deixou
de refletir na melhor forma de prevenir e se preparar
para ameaças futuras. Hoje, quando vivemos um dos
principais testes de stress aos nossos sistemas de saúde,
mas também às comunidades, podemos já refletir sobre
as falhas e lacunas identificadas, que devemos endereçar
e resolver. Um ponto identificável nas lições aprendidas,
e comum nestas crises, é a necessidade de estreita colaboração
internacional.
Na resposta global, a OMS é muitas vezes apontada como
protagonista e responsável, a quem se exige liderança
e competência no apoio aos países, nomeadamente no
planeamento e resposta a emergências de saúde pública.
Não obstante, é hoje claro que reforçar a preparação
para doenças infeciosas com potencial pandémico não é
uma tarefa que as instituições internacionais possam assumir
sozinhas. É necessário o compromisso de governos,
empresas e comunidades para atingir mudanças sustentáveis,
mas o mantra que a Saúde Pública é “um assunto
de todos” é muitas vezes contraprodutivo. Se por um
lado supõe um apoio quase consensual à ideia de intervenções
que aumentem o estado de saúde das populações,
implica, por outro, uma responsabilidade tão ampla
e dissolvida que ninguém faz destas intervenções ou do
investimento nelas, a sua prioridade.
Mesmo assumindo a competição de outras áreas de desenvolvimento,
o investimento na preparação e resposta
a surtos autojustifica-se em termos económicos. Epidemias
causam o consumo adicional de recursos de saúde,
desviando concomitantemente os recursos disponíveis de
outras doenças endémicas ou prioritárias, resultando em
perdas de produtividade e diminuindo receitas provenientes
do comércio e turismo. Epidemias de magnitude
significativa são capazes de devastar economicamente setores
inteiros, como vimos a assistir nos últimos 20 anos
- estimam-se perdas económicas de 7 milhões EUR para
um surto de Salmonella Thomson na Holanda em 2012
(Suijkerbuijk et al. 2017), 36 milhões USD para o ressurgimento
de cólera na Tanzânia em 1998 (OMS 2007)),
2 mil milhões USD para H1N1 no México em 2009, ou
38 milhões de milhões de USD, para a pandemia por
Covid-19 (Fundo Monetário Internacional). Estes custos
podem ser diretos, indiretos ou intangíveis. Os custos diretos
mais visíveis estão associados aos cuidados de saúde
aos doentes; custos indiretos surgem tanto a nível individual
(perda de trabalho, necessidade de cuidar de familiares,
ou intervenções de Saúde Pública, como quarentena
de contactos ou encerramento de escolas e outros contextos),
como a nível macro (impacto sobre viagens, turismo,
comércio e confiança do consumidor), afetando setores
da economia por vezes fundamentais ao produto
interno bruto (PIB) dos países.
O investimento na preparação e resposta a surtos justifica-se
também pela pertinência epidemiológica. Vivemos
hoje condições em que muitas causas se alinham na criação
de oportunidades para a emergência ou reemergência
de agentes infeciosos. Desde infraestruturas de saúde
pública enfraquecidas até ao aumento acelerado da população,
atividades antrópicas promotoras ou alterações
climáticas, conflitos civis, deslocamento humano acelerado
e comportamentos, incluindo migrações, e baixa literacia
para a gravidade dos riscos potenciais ou ainda pela
própria utilização de agentes para fins bélicos. O enfraquecimento
da infraestrutura de saúde pública resulta em
parte da diminuição do investimento nesta área durante a
segunda metade do século XX e agrava-se nos países de
baixo rendimento, com prioridades concorrentes e acesso
deficitário à saúde e saneamento básico. Uma infraestrutura
deficiente agrava a falta de práticas robustas de
saúde pública, capazes de prevenir epidemias e preparar
comunidades para a resposta a estas.
Nunca provavelmente se discutiu tanto e colaborou no
campo da saúde como atualmente. Agora, é crucial concretizar
e usar este momentum para melhorar a forma como
nacionalmente, regionalmente e globalmente:
• Recolhemos, analisamos, utilizamos e partilhamos dados,
com vista a antecipar, identificar e rastrear surtos;
• Percebemos e comunicamos riscos, e agimos de forma
assertiva sobre eles;
• Compreendemos e implementamos intervenções efetivas
de saúde pública para diferentes tipos de emergências;
• Investigamos, desenvolvemos e produzimos vacinas,
meios de tratamento e diagnóstico maximizando o acesso
global;
• Garantimos o financiamento necessário e sustentável a
todas estas tarefas. É decisivo aprender com a crise atual
para garantir uma melhor preparação para a próxima.
Portugal pode assumir hoje, um papel de liderança neste
campo. E, se por um lado, os contextos geográficos,
históricos e culturais influenciam determinantemente as
suas áreas de ação de política externa, a sua menor capacidade
económica conjetural pode determinar caminhos
alternativos de contribuição para o panorama da Saúde
Global, como a criação e liderança de redes e projetos colaborativos
técnicos e científicos. Neste contexto, a língua
portuguesa funciona não só como forte cunho cultural,
mas também como forte vantagem competitiva mesmo
perante os big players, e materializada já na relação especial
com os países da Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP). Esta comunidade deve continuar a influenciar
positivamente e a contribuir para a melhoria dos
sistemas de saúde lusófonos, agora em particular com
uma aposta nas áreas de vigilância e investigação epidemiológicas.
O reforço da vigilância global dependerá sempre
da capacidade local e regional, traduzida em competências
e recursos.
As funções de vigilância e investigação epidemiológica fazem
parte das Operações Essenciais em Saúde Pública,
definidas pela OMS e são fundamentais para uma resposta
atempada, efetiva e proporcional, que consiga preservar
o normal funcionamento da sociedade. Em Portugal,
depois de alguns anos de desinvestimento, destaca-se hoje
o crescimento do número de profissionais médicos que
escolhem especializar-se nestas funções, e que irão integrar
equipas multidisciplinares nas várias estruturas nacionais.
É neste contexto que poderiam ser exploradas oportunidades
de colaboração nas estruturas de Saúde Pública
dos diversos países CPLP, no âmbito destes processos,
como por exemplo através de atividades de comunicação,
capacitação, formação, troca de boas práticas ou intercâmbio
de profissionais e estagiários, à imagem de outros
programas de colaboração existentes noutras áreas
da Saúde (como programas de formação de áreas hospitalares
especializadas). Um exemplo concreto, assentaria
na capacitação das competências de epidemiologia - através
de um Programa de Formação de Epidemiologia de
campo (Field Epidemiology Training Programe, FETP), que
integrasse os CPLP, e com objetivo de ombrear em qualidade
com os restantes FETP internacionais. Um programa
destes significaria ganhos garantidos em várias vertentes,
permitindo não só capacitação de recursos humanos e
de todo o sistema, mas também cooperação, prestígio e
reconhecimento internacionais perante respostas da Lusofonia
(recordando também que algumas das últimas
emergências de Saúde Pública foram em solo lusófono,
como a epidemia de Zika em 2015/2016 e Febre Amarela
2016).
Numa altura em que a pandemia por Covid-19 ainda decorre,
os países devem reforçar os seus sistemas de saúde
e trabalhar nos desafios societários e ambientais que
têm vindo a agravar as desigualdades. Na medida em que
a construção e fortalecimento da solidariedade mundial
pela proteção da saúde é fulcral, Portugal pode contribuir
para esta preparação e resposta dos países a ameaças em
saúde pública, com recursos e técnicos diferenciados, baseando-se
na CPLP enquanto instrumento forte e internacionalmente
reconhecido. O desenvolvimento sustentável
depende da responsabilidade partilhada por todos (Estados,
organizações e populações) e o reforço da Saúde
Global poderá ser feito, à escala, também por nós. Ã
As opiniões expressas neste artigo são pessoais e só representam
a visão dos autores.
16 17
GH participaçÃO
APAH E 38 ASSOCIAÇÕES
DE DOENTES E CUIDADORES
ASSINAM PROTOCOLO
DE COOPERAÇÃO
AAPAH e 38 Associações de doentes e
cuidadores, membros da Convenção
Nacional de Saúde, assinaram a 28 de
maio de 2021 um Protocolo de cooperação
que estabelece entre os signatários
um alinhamento de princípios que visam garantir que
o cidadão tem acesso aos adequados cuidados de saúde e
promova a humanização e a proximidade das instituições
de saúde com os cidadãos e seus representantes.
A Saúde e o bem-estar dos cidadãos são uma prioridade
absoluta e um objetivo da Organização Mundial de Saúde
(OMS) e dos Sistemas de Saúde em geral. Em Portugal a
cobertura universal aos cuidados de saúde é um desiderato
constitucional ao qual se devem alguns dos excelentes
indicadores de saúde obtidos. Contudo, a extensão
desta cobertura e a complexidade da sua organização,
uma vez que lida com um direito humano fundamental,
acaba por determinar que muitas das regras estabelecidas
para a sua organização, financiamento e funcionamento,
cuja natureza é meramente instrumental, se transformem
no foco principal, em detrimento da preocupação com
a qualidade do atendimento dispensado às pessoas, da
abordagem humanizada de que elas necessitam e são
credoras, e que deve constituir a verdadeira centralidade.
Para concretização da centralidade nas pessoas, é indispensável
e urgente imprimir uma cultura que assegure a
inscrição dessa “filosofia” na missão institucional e que se
implementem medidas concretas tais como: i) sensibilização
e formação dos recursos humanos, ii) introdução
de incentivos que a premeiem; e iii) garantia da inclusão
como parâmetro de avaliação da qualidade.
Entende-se, assim, que é imperioso encetar esforços
conjuntos para avançar com a adoção de medidas que
permitam atingir objetivos partilhados. O presente protocolo
identifica as medidas consensualizadas, entre os
subscritores, que são consideradas como ganhos substanciais
e cuja implementação imediata é prioritária e
para a qual assumem o compromisso conjunto para a
sua concretização balizada no seu âmbito de atuação e
intervenção.
i) Promover uma cultura de representatividade e
participação dos doentes/utentes/cuidadores nas
instituições de saúde de acordo com a “Carta para
a Participação Pública em Saúde” (Lei n.º 108/2019,
de 9 de setembro de 2019)
A par com a auscultação formal da opinião das pessoas,
através de conselhos representativos, integrados por
representantes das associações de doentes/cuidadores
e de profissionais da instituição, a criação de serviço(s)
dedicado(s) a fazer acontecer esta dimensão nas instituições
mais complexas, ou a designação/eleição de
personalidade de reconhecido mérito que aceite ser a
representante das pessoas na sua relação com os serviços
de saúde deverão ser igualmente soluções a adotar
alternativa ou cumulativamente para assegurar que
a dimensão da humanização dá corpo ao princípio tão
frequentemente propalado e tão pouco praticado das
“pessoas no centro” do sistema de saúde no seu conjunto.
Nessa lógica devem ser promovidas as seguintes
ações com a participação ativa das associações doentes/
utentes/cuidadores na sua escolha:
• Promover a criação nas instituições de saúde da figura
de “Provedor do doente/utente”, semelhante ao Provedor
do cliente já existente em diversas áreas empresariais,
que tenha como missão a defesa dos interesses
dos doentes e que reporte a nível orgânico ao órgão de
gestão da instituição;
• Promover a integração na Comissão de Humanização
das instituições de saúde de um representante dos
doentes/utentes/cuidador;
• Garantir que para os Conselhos Consultivos os representantes
dos utentes são escolhidos com o apoio das
associações doentes/utentes/cuidadores.
ii) Agilizar a comunicação entre os doentes/utentes/cuidadores,
profissionais e instituições de saúde
A especial vulnerabilidade das pessoas com doença ou
com receio de estarem doentes, bem como dos seus
cuidadores, obriga a que a organização dos serviços e
da sua prestação, da priorização dos atendimentos, da
facilitação dos circuitos, da comunicação, da confidencialidade,
e da atenção para o atendimento de qualidade
constituam a marca distintiva que deve caracterizar as
instituições de saúde. Assim devem ser promovidas e asseguradas
pelas instituições de saúde as seguintes ações:
• Incentivo à disponibilização de contacto telefónico e/
ou e-mail do médico assistente/profissional de saúde/
serviço onde são acompanhados para utilização em caso
de necessidade de esclarecimentos e/ou agravamento
da doença, agendamento de consultas e meios complementares
de diagnóstico, etc.;
• Assegurar que os websites institucionais e sinalética física
cumpram, sempre que possível, a utilização de linguagem
simples e acessível às pessoas, complementando a
utilização de terminologia médica com léxico comum (p.
ex. “patologia clínica” vs “análises clínicas”);
• Devem ser criadas as necessárias condições para que
o doente/utente aceda ao resultado dos seus exames,
analises, agendamentos preferencialmente por via digital;
• Assegurar que os documentos de contacto com os
doentes/utentes/cuidador, p. ex. de marcação de consulta,
exames (papel/e-mail/SMS), comtemplem informação
relativa às opções de desmarcações/remarcações.
iii) Promover a melhoria do percurso e experiência
dos doentes/utentes/cuidadores nas instituições
de saúde
• Assegurar a implementação de balcões de informação }
18 19
GH participaçÃO
e apoio aos doentes/utentes/cuidadores e que colmate
o sentimento de desorientação e melhorem a experiência
dos doentes/utentes/cuidadores;
• Implementação de modelos de gestão e eliminação de
filas de espera, que assegurem o distanciamento físico, a
aglomeração de pessoas em sala de espera e diminuição
dos tempos de espera;
• Criação de serviço de acompanhamento personalizado
a pessoas com + 65 anos e/ou com limitações de locomoção
e/ou com perturbações neuro cognitivas e da comunicação,
que evite a sua permanência em filas de espera
sem condições de repouso;
• Assegurar o cumprimento das regras de acesso prioritário
aos utentes que dele necessitem;
• Criação de serviço de informações para que os cuidadores
e familiares dos doentes/utentes hospitalizados
possam acompanhar o seu estado de saúde;
• Adequação dos horários das Farmácias Hospitalares e
dos Hospitais de Dia contemplando horários pós-laborais;
• Promover o mais possível a digitalização documental
por forma a evitar que o doente os tenha que transportar
e entregar em diferentes locais dentro da mesma instituição
de saúde;
• Procurar reforçar a humanização dos cuidados de saúde
promovendo a hospitalização domiciliária e os cuidados
paliativos dos doentes com envolvimento dos cuidadores
e da sua família.
iv) Assegurar a implementação nas instituições
de uma cultura da melhoria continua com foco na
melhoria do acesso e envolvimento dos doentes/
utentes/cuidadores
• Promover a implementação de questionários online de
recolha de opinião dos doentes/utentes/cuidadores após
consultas ou exames que avaliem a experiência e satisfação
do atendimento e sugestões de melhoria;
• Incentivar a utilização pelo doente do livro de reclamações
eletrónicas;
• Assegurar que os tratamentos das reclamações constantes
do livro amarelo conduzam a uma efetiva mudança
dos procedimentos, processo e serviço com reporte
concreto aos doentes/utentes/cuidadores das ações implementadas;
• Assegurar a definição de normativos e ações de sensibilização
de todos os profissionais de saúde, para as questões
relacionadas com a confidencialidade, proteção de
dados e direito à privacidade dos doentes/utentes, p. ex.
não aparecer o nome completo no ecrã de chamada para
a consulta ou exames, não discutir em espaço público
casos concretos de doentes, etc.;
• Promover a literacia das pessoas, com recurso aos canais
de comunicação existentes nas instituições de saúde
(websites, redes sociais, ecrãs de salas de espera), através
do desenvolvimento e criação de conteúdos vídeo de auto
ensinamento para doentes e/ou cuidadores ao nível de
alguns procedimentos, comportamentos e hábitos de vida;
• Promover o desenvolvimento de aplicação ou formulário
online para solicitação da entrega da medicação hospitalar
a pedido do doente no domicílio e/ou na farmácia
comunitária;
• Promover a adoção das teleconsultas nas situações de
acompanhamento subsequente de doença crónica que
dispensem as deslocações ao hospital sempre que solicitado
pelo doente;
• Assegurar a implementação de Programas de apoio aos
doentes, à semelhança da realidade existente em vários
países europeus, p. ex. administração de medicamentos
no domicílio, plataformas digitais de apoio a doentes, apps
de monitorização remota de parâmetros clínicos e comunicação;
• Promover e assegurar a implementação de Programas
de Apoio e Capacitação a Cuidadores Informais. Ã
C
M
Y
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CY
Associações de Doentes
e Cuidadores aderentes
• ADERMAP - Associação Dermatite Atópica Portugal
• ADEXO - Associação de Doentes Obesos
e Ex-Obesos de Portugal
• ANDAI - Associação Nacional de Doentes
com Artrites e Reumatismos de Infância
• ANDLinfa - Associação Nacional de Doentes
Linfáticos
• ANDO Portugal - Associação Nacional de Displasias
Ósseas
• APELA - Associação Portuguesa de Esclerose Lateral
Amiotrófica
• APFertilidade - Associação Portuguesa de Fertilidade
• APJOF - Associação Portuguesa de Fibromialgia
• APL - Associação Portuguesa de Doenças
do Lisossoma
• AADIC - Associação de Apoio aos Doentes
com Insuficiência Cardíaca
• ADEB - Associação de Apoio aos Doentes
Depressivos e Bipolares
• Associação de Doentes com Lúpus
• Associação Melanoma Portugal
• MOG - Associação Movimento Oncológico
Ginecológico
• Associação Nacional de Cuidadores Informais
• APDI - Associação Portuguesa da Doença
Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa e Doença
de Crohn
• APOFEN - Associação Portuguesa da Fenilceutonúria
e outras Doenças Metabólicas
• APQV - Associação Portuguesa da Qualidade de Vida
• APAHE - Associação Portuguesa de Ataxias
Hereditárias
AF_Anuncio_Inst_OCP_Final.pdf 1 11/03/2021 18:12
• APDIP - Associação Portuguesa de Doentes
com Imunodeficiências Primárias
• APDPk - Associação Portuguesa de Doentes
de Parkinson
• APIR - Associação Portuguesa de Insuficientes Renais
• Associação Portuguesa de Neuromusculares
• APOI - Associação Portuguesa de Osteogénese
Imperfeita
• ASFP - Associação Sanfilippo Portugal
• ASBIHP - Associação Spina Bífida e Hidrocefalia
de Portugal
• EVITA - Associação de Apoio a Portadores
de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro
Hereditário
• Fundação Rui Osório de Castro
• LPCDR - Liga Portuguesa Contra as Doenças
Reumáticas
• MiGRA Portugal - Associação Portuguesa
de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias
• Myos - Associação Nacional contra a Fibromialgia
e Síndrome da Fadiga Crónica
• Plataforma Saúde em Diálogo
• Portugal AVC - União de Sobreviventes, Familiares
e Amigos
• PSOPortugal - Associação Portuguesa da Psoríase
• Pulmonale - Associação Portuguesa de Luta Contra
o Cancro do Pulmão
• Recomeço - Associação para a Reabilitação
e Integração Social Amadora/Sintra
• RESPIRA - Associação Portuguesa de Pessoas
com DPOC e outras Doenças Respiratórias Crónicas
• SPEM - Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla
CMY
K
20 21
www.ocp.pt
GH Iniciativa APAH | aniversário
OS 40 ANOS
DA HISTÓRIA DA APAH
No próximo mês de novembro assinala-se
o 40.º aniversário da constituição da Associação
Portuguesa de Administradores
Hospitalares (APAH), cujos estatutos foram
publicados em Diário da República a
13 de outubro de 1981.
No decorrer destes 40 anos, o percurso da APAH
- atualmente no seu 11.º mandato - deparou-se com
inúmeros obstáculos, que foi superando com resiliência,
e foi rico em conquistas no reconhecimento do valor
dos seus profissionais na gestão da saúde em Portugal.
Para isso contribuíram várias gerações de órgãos sociais,
com a APAH a assumir “um papel relevante na construção
e consolidação do Sistema de Saúde, a par com o
desenvolvimento e reconhecimento dos Administradores
Hospitalares, contribuindo para a melhoria do seu
desempenho, garantindo a qualidade e excelência dos
resultados em saúde em Portugal”, nas palavras do seu
presidente, Alexandre Lourenço.
Para a comemoração desta data tão importante para a
Associação, a APAH constituiu uma Comissão de Honra,
composta pelos Doutores José Carlos Lopes Martins,
Jorge Varanda, Manuel Delgado e Pedro Lopes, formada
com o intuito de assinalar através de várias iniciativas estes
40 anos de um caminho repleto de desafios.
Uma dessas iniciativas será a publicação de um livro, em
parceria com a editora Almedina, que contará a história
da APAH através da sua evolução cronológica e de memórias
revisitadas ao longo de 24 entrevistas junto de
personalidades relevantes para a saúde em Portugal e
com uma relação com a Associação, cujos testemunhos
ajudarão a evidenciar as grandes referências do caminho
que tem sido trilhado.
“Este projeto visa ser uma reconstrução histórica dos
principais marcos da vida da Associação e da carreira de
Carla Pedro
Jornalista
Administração Hospitalar em Portugal, contada na primeira
pessoa através de um conjunto de entrevistas a
grandes nomes da Administração Hospitalar cujo legado
contribuiu para o desenvolvimento das Instituições de
Saúde e do SNS, nas últimas quatro décadas”, sublinha
o presidente da APAH, que aposta numa obra pautada
pelo dinamismo de todos estes contributos.
A par da introdução feita pelo Alexandre Lourenço, o
livro contará também com um repositório imagético e
percorrerá as principais iniciativas que têm contribuído
para fortalecer e enriquecer esta história já com 40 anos.
Como todos tão bem sabem, o professor Coriolano
Ferreira criou, planificou, organizou e dirigiu o Curso de
Administração Hospitalar que se iniciou em outubro de
1970 na Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina
Tropical (ENSPMT) - dois anos depois de a carreira ter
já sido criada e regulamentada por decreto-lei 1 .
Antes, em 1961 - ano em que foi criada a Direcção Geral
dos Hospitais (DGH), tinham sido enviados a França
seis jovens bolseiros do Ministério da Saúde para se diplomarem
como “diretores de hospitais” e que ficaram
conhecidos como “meninos de Rennes”. Foram eles
Raul Moreno Rodrigues, Eduardo Sá Ferreira, José António
Meneses Correia, António Correia de Campos, Cristiano
de Freitas e António Menezes Duarte. É a partir
daqui, pela mão de Coriolano Ferreira - à época diretorgeral
da DGH - e com o apoio de outros ilustres nomes
da profissão (como os Professores António Correia de
Campos e José Caldeira da Silva), que o curso em Portugal
ganha fôlego e forma, num percurso que conta agora
com 52 anos desde a sua criação, em 1969, na ENSPMT.
Com o lançamento da primeira edição do curso em
1970, não passou muito tempo até que se sentisse a necessidade
de haver uma associação que zelasse pelos interesses
dos administradores hospitalares, a par da construção
de serviços de saúde melhores e mais eficientes,
e que, tal como diz a APAH na sua apresentação, os
apoiasse no “desenvolvimento de elevados padrões de
exercício profissional, nos múltiplos contextos organizacionais
onde desempenham funções”.
É assim que, em 1981, nasce a Associação Portuguesa de
Administradores Hospitalares, cuja direção foi presidida
até 1984 pelo saudoso Eduardo Sá Ferreira - e que, em
entrevista concedida em 2019 para o livro “50 anos em
20 olhares, o percurso da Administração Hospitalar em
Portugal” 2 , dizia que “se fosse hoje que estivesse a começar
a trabalhar, e sabendo o que sei hoje, escolhia de
novo ser administrador hospitalar”. Desta primeira direção
fizeram também parte Raul Moreno Rodrigues, João
Urbano (falecido em 2016), Jorge Varanda, Júlio Reis,
João Santos Cardoso (falecido em 2018) e José Carlos
Lopes Martins.
A APAH - que representa os administradores hospitalares
portugueses na European Association of Hospital
Managers, na European Health Management Association,
na International Foundation for Integrated Care e na International
Hospital Federation - tem vindo a desenvolver
ao longo destas quatro décadas inúmeras iniciativas de
relevo a nível nacional e num contexto internacional.
Entre muitas dessas iniciativas, conta-se a criação da Revista
Gestão Hospitalar em 1983, que José Carlos Lopes
Martins - que presidiu entre 1988 e 1986 à APAH e
que tinha integrado a direção da Associação desde a sua
criação - considera ser uma grande conquista. “O lançamento
da revista para uma associação que na altura não
tinha sequer mesmo uma centena de associados, com
quotas relativamente baixas, era um enorme desafio e
era um propósito que foi felizmente bem conseguido”,
conta-nos.
A Conferência anual de Gestão Hospitalar, o Prémio Coriolano
Ferreira, o Prémio Augusto Mantas e o Prémio
Healthcare Excellence (que este ano teve a sua 8.ª edição)
são também projetos de relevo, bem como a publicação
de livros como “50 Anos em 20 Olhares” e “Um Olhar
Sobre a Evolução da Gestão Hospitalar em Portugal” 3 .
Em 2020, a APAH lançou a Edição Especial Covid-19 do
Prémio Healthcare Excellence, em parceria com a biofarmacêutica
AbbVie, “como forma de agradecimento e
reconhecimento a todas as equipas que têm batalhado
na linha da frente contra a pandemia, dando provas de
uma enorme capacidade de resiliência e coragem”, sublinhou
Alexandre Lourenço, explicando que por isso
mesmo, pela primeira vez, as candidaturas não estavam
apenas abertas a instituições prestadoras de cuidados de
saúde, mas a todas as organizações do país. O prémio
foi atribuído ao Agrupamento de Centros de Saúde do
Douro Sul (ACES Douro Sul) pela criação da “APLar”,
uma equipa multidisciplinar de atuação preventiva em
“
COM O LANÇAMENTO DA PRIMEIRA EDIÇÃO
DO CURSO EM 1970, NÃO PASSOU
MUITO TEMPO ATÉ QUE SE SENTISSE
A NECESSIDADE DE HAVER UMA ASSOCIAÇÃO
QUE ZELASSE PELOS INTERESSES
DOS ADMINISTRADORES HOSPITALARES.
”
estruturas residenciais para idosos (ERPIs).
O Fórum Medicamento, que conta já com 13 edições,
é outro dos importantes empreendimentos da Associação.
“É a minha criação de coração”, salienta Pedro
Lopes, com vários mandatos na APAH, inclusivamente
como presidente de 2008 a 2013, e que integra também
os corpos sociais do atual mandato na qualidade de presidente
da Mesa da Assembleia Geral.
Destaque também para as Conferências de Valor APAH,
promovidas desde 2017 e cuja 9.ª edição teve lugar em
maio passado, tendo tido como tema “Construir o futuro
da Saúde”. Neste evento foi apresentado o livro
“Handbook de integração de cuidados” 4 , uma obra que
integra a linha editorial “Gestão em Saúde”, numa parceria
entre a APAH e a editora Almedina iniciada em 2020.
Nesta edição teve igualmente lugar a cerimónia de entrega
do Prémio Coriolano Ferreira 2021, realizando-se
ainda uma homenagem ao Professor Vasco Reis, falecido
em janeiro deste ano e que foi “uma referência maior da
saúde pública e administração hospitalar em Portugal”.
De salientar igualmente a Feira de Projetos - uma galeria
de iniciativas apresentadas numa grande conferência
em Coimbra, em novembro de 1990, que foi organizada
pelos administradores hospitalares mas que, conforme
sublinha Manuel Delgado, que presidiu à APAH durante
perto de 17 anos, “convocava toda a massa crítica dos
hospitais (…) a apresentar projetos inovadores que concorressem
para a melhoria das condições de trabalho
nos hospitais e para a melhoria dos resultados para os
doentes”. “Estes projetos que foram apresentados, alguns
de elevada complexidade e de grande nível, foram
de facto um momento marcante na vida da associação.
Porquê? Porque em sala estavam profissionais de todas
as áreas da saúde a ver passar iniciativas modernas, atuais,
inovadoras e criativas, e alguns deles até, admito eu, co- }
22 23
GH Iniciativa APAH | aniversário
GH ASSOCIATIVISMO
“
É NESSE CAMINHO QUE ACREDITAMOS,
ENCORAJADOS PELO EXEMPLO DO PASSADO
QUE NOS ENOBRECE, E OBRIGADOS
PELA NECESSIDADE DE RESPOSTA
À POPULAÇÃO, ÀS FAMÍLIAS E A CADA
CIDADÃO. E É COM ESSA VISÃO EM MENTE
QUE A ASSOCIAÇÃO PRETENDE
PROSSEGUIR O SEU CAMINHO.
”
piaram e levaram estas ideias para o seu local de trabalho
e com certeza que implementaram projetos interessantes
sobre esta matéria”.
O Barómetro de Internamentos Sociais é outra das iniciativas
da APAH, com o suporte da EY e o apoio institucional
da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna,
com o objetivo de estudar e dar relevo à problemática
dos internamentos inapropriados, mas também de fomentar
ações conjuntas que minimizem este impacto.
A Associação conta ainda com o Canal APAH - Gestão
em Saúde, por si gerido, que visa promover conteúdos
de excelência na área de gestão de serviços de saúde.
Neste canal podemos encontrar conferências, cursos e
webinars de peritos mundiais.
No contexto internacional, foram realizadas inúmeras
iniciativas ao longo destas quatro décadas, que tiveram
também grande eco e reconhecimento fora do país, nomeadamente
três Congressos da European Association
of Hospital Managers em Portugal, e os ciclos anuais de
conferências na Gulbenkian, com convidados estrangeiros,
que se realizaram durante oito anos.
Outra das ações que enriqueceu o percurso da administração
hospitalar pela experiência do que se fazia lá fora
foi a das Bolsas Gulbenkian. Organizadas entre a APAH
e a Fundação Calouste Gulbenkian, estas bolsas permitiram
que administradores hospitalares portugueses
realizassem estágios nos EUA, nomeadamente na clínica
Mayo e noutros estabelecimentos de saúde. Um desses
administradores foi Jorge Varanda, que presidiu à APAH
entre 1988 e 1992, e que nos diz: “eu cheguei à clínica
Mayo e descobri aquilo que me faltava descobrir para
complementar os meus conceitos de gestão”.
No percurso da APAH está também a iniciativa das visitas
de estudo que a Associação organizou aos sistemas
de saúde dos EUA, Canadá e Reino Unido, onde os administradores
hospitalares foram conhecer novos métodos
e atuações que enriqueceram a sua aprendizagem e
lhes permitiram estabelecer contactos que perduraram.
De sublinhar ainda as conferências de gestão hospitalar
em países de língua oficial portuguesa, com passagem
pelo Brasil e Angola.
Muito mais tem sido feito desde que a Associação foi
fundada, pela mão de todos quantos integraram os seus
órgãos sociais e com o contributo dos seus membros.
A APAH conseguiu destacar-se ao longo dos seus 40
anos de história e ocupa hoje um lugar de relevo na
sociedade, sendo chamada a dar a sua opinião sobre as
mais diversas questões no âmbito da Saúde em Portugal.
Numa altura em que a APAH procede à alteração dos
seus estatutos, Delfim Rodrigues, atual vice-presidente
da Associação, fala-nos sobre a abertura ao exterior. Para
desse exterior “captar aquilo que de melhor há para
o seu interior”. “Um hospital de média-grande dimensão
alberga no seu seio em torno de 120 profissões. E o que
a APAH tem conseguido fazer é transformar-se, num
sentido evolutivo, num elemento agregador de todas
essas profissões. Portanto, é uma associação que tem
sabido realizar pontes e agregar as várias profissões e,
com base nisso, também esbater algum corporativismo
que é natural em cada profissão”, salienta.
Em “50 anos em 20 olhares”, o presidente da APAH
destacava que o caminho da gestão de serviços de saúde
se faz pela profissionalização das funções de gestão.
“É nesse caminho que acreditamos, encorajados pelo
exemplo do passado que nos enobrece, e obrigados
pela necessidade de resposta à população, às famílias
e a cada cidadão”. E é com essa visão em mente que
a Associação pretende prosseguir o seu caminho. Um
caminho que percorre há 40 anos e com muitos novos
marcos a celebrar. Ã
1. Em 1968, o Decreto-lei n.º 48.357 e o Decreto-lei n.º 48.358, ambos de 27 de
abril, criam e regulamentam a carreira de administração hospitalar.
2. Coordenado por Lourenço, Alexandre; e Chantre, Raquel. Edições Almedina,
abril de 2019.
3. Nogueira da Rocha, José. Edições Almedina, outubro de 2020.
4. Coordenado por Santana, Rui. Edições Almedina, junho de 2021.
CONSTITUIÇÃO DA NOVA SAÚDE
PÚBLICA (NSP): ASSOCIAÇÃO PARA A
INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA
NACIONAL DA SAÚDE PÚBLICA
Foi constituída, no dia 25 de maio de 2021,
por tempo indeterminado, uma associação
privada de natureza científica e cultural,
sem fins lucrativos, denominada “Nova
Saúde Pública (NSP) - Associação para a
Investigação e Desenvolvimento da Escola Nacional de
Saúde Pública”.
A Nova Saúde Pública tem como sócios fundadores a
Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova
de Lisboa, a Associação Portuguesa de Administradores
Hospitalares, a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento
Hospitalar, a Associação Portuguesa para Promoção
da Saúde Pública, a Portuguese Association For Integrated
Care e a Prevenção Rodoviária Portuguesa.
A NSP tem por objeto social a promoção da formação
avançada de recursos humanos nas áreas da saúde pública,
da administração hospitalar e da medicina do trabalho
e a promoção e desenvolvimento de atividades de
impacto na sociedade, segundo as suas atribuições:
• A constituição e a manutenção de um estabelecimento
de formação avançada;
• A preparação e a lecionação de cursos de formação e
de atualização dirigidos à comunidade;
• O desenvolvimento de ações de colaboração com instituições
da área da saúde, visando a satisfação das necessidades
de formação e de atualização de pessoal altamente
qualificado;
• A criação de estruturas visando a constituição de fóruns
de discussão e de centros de conhecimento;
• A dinamização de uma rede de intercâmbio de informação;
• O estabelecimento de vínculos de cooperação com
instituições homólogas ou com outras entidades, nacionais
ou estrangeiras, públicas ou privadas, designadamente,
no âmbito do espaço lusófono;
Assembleia Geral Direção Conselho Fiscal
Presidente: Alexandre Abrantes Presidente: Teresa Magalhães Membro: Sílvia Lopes
Vice-Presidente: Ana Escoval Vice-Presidente: Adelaide Belo Membro: Alain Barragão
Secretária: Andreia Leite Vogal: Catarina Baptista Membro (contabilista certificado): Nuno Silva
Vogal: Paulo Sousa
Vogal: Beatriz Fernandes
Constituição dos órgãos sociais da NSP; A NSP tem a sua sede na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).
• O desenvolvimento e promoção de ações de divulgação;
• A prestação de serviços, remunerados ou não, no âmbito
da formação ou da atualização profissional e científica
e da investigação;
• Apoio à ciência e investigação;
• Apoio à criação e desenvolvimento de organizações;
• Preparação e lecionação de cursos, em estabelecimento
próprio ou junto de entidades públicas ou privadas,
nomeadamente instituições de ensino.
A APAH sente-se assim empenhada em contribuir para
os objetivos da NSP, concretamente na elaboração de
atividades de formação, organização de seminários e programas
de atualização, a dinamização de encontros sobre
temas de atualidade nas áreas da saúde pública, da administração
hospitalar e da medicina do trabalho.
A APAH pretende desempenhar o seu papel de sócio
fundador e membro da Direção, participando ativamente
na construção da identidade desta associação, nas Assembleias
Gerais e exercendo em pleno os seus deveres
de sócio. Ã
24 25
GH homenagem
HOMENAGEM A VASCO REIS
NO CONGRESSO DA APAH
António Correia de Campos
Sócio de Honra da APAH
”Testemunhos
Agradeço à direção da APAH o convite
que me dirigiram para brevemente
testemunhar a admiração que tenho
por Vasco Reis.
O último número da revista da Associação
é um notável repositório de sentidos e merecidos
testemunhos de profissionais colegas e amigos,
todos diferentes, mas todos unidos pelo afeto e estima
que sentimos por Vasco Reis.
Vasco Reis foi um protagonista discreto e atento de todas
as mudanças sociais, políticas, económicas e organizativas
vividas nos últimos 50 anos na saúde. Descreveu-as
com ironia e elegância literária. Mas foi também
um observador que delas tirou lições para o ensino a
seu cargo.
Causou sempre inveja nos colegas a sua elevada popularidade
entre alunos e alunas. Havia quem a fundamentasse
no paternalismo que lhe era congénito, ou na simpatia
natural que irradiava, ou ainda no seu sentido de
responsabilidade social que o levara a, logo no início da
carreira, ter preferido a função pública a uma advocacia
privada que se previa viesse a ser confortável. Ou ainda
ao seu feitio de, estando longe, continuar por perto, como
os treinadores de bancada no velho café Arcádia
de Coimbra que ele bem conhecia. Podem inventar-se
inúmeras explicações.
Certo é que Vasco era apreciado por colegas, respeitado
por colaboradores e adorado por discentes. Uma invejável
combinação. Vasco Reis foi um contribuinte ativo
para a profissão dos administradores de hospitais, talvez
o mais permanente, persistente e fiável contribuinte
da minha geração. Muitos de nós, próximos dele, nos
cansávamos depressa. Outros estavam constantemente
a mudar de poiso e função, não aquecendo lugares e
deveres por mais de dois ou três anos. Fui um desses.
Tarde para mudar e jamais arrependido, não deixo de
apreciar os que permaneciam na fortaleza, reforçando
suas muralhas e agregando novos defensores. Mas há
ainda duas ou três facetas de Vasco Reis que merecem
ser referidas.
Era um homem bom, não abrigava a vingança. Podia ser
crítico, tinha sempre a resposta pronta, mas não recordo
de alguma vez lhe ter notado sombra de ressentimento.
Esquecia depressa e seguia em frente. Nem sempre estivemos
de acordo, mas foram muitas as ocasiões em que
concordávamos. Mesmo discordando, muitas vezes o vi
aceitar tacitamente a posição de outros, quando sentia
eles terem razão, numa prova de inteligente fair play. Tinha
a alma de um futebolista inglês dos anos cinquenta.
Vasco tinha um desenvolvido sentido crítico, a réplica fácil
e o chiste espontâneo, por vezes demolidor. Contudo,
jamais feria, arredondando as arestas quando necessário.
Respeitava os adversários e quantas vezes recuperava
as ideias daqueles a quem se opunha, dando-lhes
um sentido útil, positivo e de consensual aproximação.
Vasco teria sido um habilidoso advogado de barra, se
o tivesse querido. Mas o companheirismo dos “jovens
turcos” de Coriolano Ferreira atraíram-no irremediavelmente.
Na verdade era muito mais entusiasmante ajudar
a construir uma reforma hospitalar num país carente,
do que discutir indemnizações com companhias de
seguros, cobrar dívidas, ou dirimir pleitos de reconhecimento
de paternidade ilegítima ou partilhas de inventários
orfanológicos. Perdeu-se um excelente advogado
coimbrão, para se ganhar um experiente administrador
e depois um professor respeitado e competente.
Vasco soube sempre ancorar na realidade o conhecimento
que criava, discutindo-o com os alunos. O seu
estudo de casos de administração hospitalar, na melhor
tradição das business schools dos EUA, revelava força
pedagógica e capacidade para atrair auditórios. Só agora,
ao rever a sua produção mais recente, me dei conta do
valor dessa metodologia por ele afinada e bem transcrita
nas obras que escreveu na parte final da sua carreira
académica. Afinal, um conhecimento baseado na
experiência que acumulou nos Hospitais Civis de Lisboa
(HCL) que tão queridos lhe eram. O trajeto da prática
para a teorização será bem mais útil que o inverso. Uma
escola que forma administradores estiola e não progride
se não for capaz de combinar a experiência com os conceitos.
Não recuso o caminho inverso ele é também necessário,
mas uma instituição como a universidade tem
tendência a fechar-se por defesa própria. Será sempre
bom qua acolha aqueles que fizeram o caminho inverso.
Vasco Reis cumpriu com aprumo e distinção as duas funções
em que serviu publicamente: na gestão dos hospitais
públicos e na formação dos seus administradores.
Para os que, como nós, o fomos acompanhando durante
décadas, inibidos pela pandemia de estar com ele nos
últimos tempos e sobretudo de em conjunto celebrarmos
a sua vida e honrarmos a sua memória fazendo um
luto indispensável, fica a saudade do amigo e companheiro.
(Gratifica-nos este encontro onde no meio do
quotidiano se celebra um de nós todos, cuja vida admiramos
e recordaremos). Ã
26 27
GH homenagem
VASCO REIS
PARA QUE CONSTE
”Testemunhos
Constantino Sakellarides
Professor Catedrático
Conheci o Vasco da melhor forma possível.
Era colega de curso da minha namorada,
agora minha mulher. (E sabemos, como nos
esforçamos por não desmerecer, junto dos
1. amigos das pessoas que queremos ...)!
Bom colega, boa pessoa, muito presente, jovialmente,
era o que dele então diziam.
Ele é de Coimbra, indígena, e fazia bem a sua parte em
transformar bárbaros invasores, como nós, em saudosos
coimbrões, à hora da despedida.
Reencontrei-o, muitos anos depois, na Escola.
A única diferença notória estava na barba com que se
enfeitou. Tinha mudado de cor.
Amadurecemos.
Na Escola, durante praticamente uma década, colaboramos
de forma amiga e cúmplice, em várias responsabilidades
de direção.
E nessa capacidade ele, explicava, talvez melhor que ninguém,
aquilo que que é verdadeiramente importante, no
nosso projeto comum.
Que uma Escola de Saúde Pública é um espaço de diferença
e de convergência.
Que não é sobre medicina, direito, gestão, economia ou
matemática.
Que é sobre tudo isso e mais ainda. Uma construção
social indispensável, espaço de encontro e síntese, a favor
do nosso bem-estar coletivo. E que não sendo de
ninguém, em particular, é, verdadeiramente de todos.
E por isso, a Escola haveria que ser, necessariamente, a
menina dos nossos olhos.
A “menina dos olhos” da Universidade, da comunidade
e do país.
2.
Em todos os percursos é possível distinguir aqueles que
são, indiscutivelmente, pontos altos.
Para ser breve, escolhi dois, que acompanhei mais de
perto.
O primeiro, entre 1996 e 1997, aconteceu quando o
Vasco coordena o grupo de trabalho para um novo
estatuto jurídico para o hospital, cujo relatório final foi
apresentado em Janeiro de 1997. Quase há um quarto
de século!
Esta foi, para ele, uma oportunidade muito especial para
verter em realizações concretas um pensamento aprofundado
pelo trabalho de muitos anos: explorar soluções
para uma administração pública adaptada à especificidade,
ou talvez melhor, à excecionalidade da saúde. E daqui
nasceram de facto os novos estatutos jurídicos dos
hospitais da Feira e de Portimão no Barlavento algarvios
e da Unidade Local de Saúde de Matosinhos.
E caminho aberto, facilitado, para muito mais, nos anos
que se seguiram.
O segundo momento, particularmente feliz, foi o da
apresentação, em 2007, do seu livro “Gestão em saúde:
Um espaço de diferença”.
No prefácio da obra, Caldeira da Silva, pergunta retoricamente:
Será que o livro reflete a personalidade do autor?
E responde, aproximadamente assim: “determinado, pró-
-ativo, seguro de si, derrubador de obstáculos, corredor
de fundo, com inteligência, vontade forte e trabalho”.
Não só viveu “o nascer de uma ideia” - a gestão dos hospitais
- mas foi seu protagonista.
Mas protagonista como? Poderíamos ainda perguntar.
Os corredores de fundo, desafiadores de obstáculos, fazedores
da história,
alternando a proximidade da ação na linha da frente com
distância propícia à digestão dessa experiência, pressentem,
antecipam, concebem, configuram “mundos” ainda
não revelados a todos os outros.
Ele pensou numa organização de saúde, não virada sobre
si própria, mas capaz, no momento próprio, com um
vasto conjunto de competências convergentes, acrescentar
alguma coisa necessária, valiosa, vital ao percurso
de vida das pessoas.
Dizem-nos aqueles que teorizam sobre as lideranças necessárias
na saúde, que “um líder serve melhor uma organização,
ajudando-a a compreender o contexto complexo
onde se insere, mais do que prescrevendo soluções
simples que prometem sucessos improváveis”.
No meio das interrogações, tensões, conflitos e incertezas
de organizações e sistema complexos como os da
saúde, alguém terá que nos guiar através caminhos delicados,
não completamente desenhados e explorados,
ainda desconhecidos pela maior parte.
Alguém de confiança.
Não só pelo curriculum, pela postura e pela integridade.
Mas também por ter ido e voltado, e ido de novo, com
avanços e recuos, com pequenas vitórias e penosas derrotas,
vivendo as emoções do momento, sem rastos de
acrimónia ou azedume, valorizando o melhor, relativizando
o pior, aprendendo sempre.
A apresentação da Obra ocorreu, num fim de tarde de
Outono.
Ele, resplandecia.
Tinha acabado de nos oferecer a estória que queria contar.
Uma síntese muito própria, muito sua, do conhecimento
daquele tempo sobre a evolução dos hospitais, da
gestão, da formação e prática do administrador hospitalar.
Tinha há muito percebido o segredo da mundividência
partilhada. Fazer com que a minha estória sobre aquilo
que acontece à nossa volta, passe a fazer parte da tua
estória também.
Enquanto nos ia autografando desembaraçadamente,
prazenteiro, os exemplares da Obra que lhe trazíamos,
olhava-nos como se nos dissesse, à laia de aviso:
“Não se esqueçam que têm quer ler as linhas e as entrelinhas,
também”.
As entrelinhas são território estaminal, onde se entrelaçam
sentimentos e conhecimentos, e se esboçam futuros
possíveis.
Não se entra nas entrelinhas, gratuitamente.
Dá trabalho, há que adquirir o equipamento necessário,
indisponível nas vendas de banalidades repetidas.
O equipamento adquire-se, diria ele, na Escola e calibrase
e aperfeiçoa-se no terreno, na ação, com os tijolos e
o cimento da construção...
Na altura, fez-me lembrar Hafden Mahler, o histórico Diretor-Geral
da OMS, dos tempos áureos, quando recebia
no seu gabinete os novos quadros técnicos da Organização
e lhes perguntava, para início de conversa, quem
tinha já lido a principal referência das políticas da OMS.
E ainda não tinham todos acabado de levantar o dedo,
triunfalmente, e ele já perguntava de novo:
“Quantas vezes?”
3.
Sobre Coreolano Ferreira, escreveu, em 1996:
“Sempre preferiu acender uma vela a protestar contra
a escuridão”.
É uma apreciação, caracteristicamente simples, significativa,
calorosa e próxima.
É assim.
Recusa a prescrição psicanalítica de “matar o pai” para
crescer. Prefere fazê-lo honrando a sua memória e os
seus ensinamentos.
E nós também.
Na verdade Coreolano Ferreira, Caldeira da Silva e Vasco
Reis, mais do que as múltiplas cintilações de pequenos
feitos, deram aos serviços de saúde portugueses,
frequentemente, uma nova luz.
Na história da saúde em Portugal, esta é uma luz que se
vê à distância, mesmo à distância do tempo - florescente,
néon, Times Square, Manhattan.
Há já alguns anos, li algures, uma frase, um pensamento,
uma proposta com sentido, que tem sido, também para
mim, verdadeiramente apaziguadora:
Existimos até que deixe de existir a última pessoa que
nos conheceu.
Ou melhor ainda:
Até à última pessoa que nos estimou, mesmo que não
nos tenha, pessoalmente, conhecido.
Estimamo-lo, pelo muito que deu à sua família, aos amigos,
aos colegas, aos alunos que foram também seus
amigos, mas também, à profissão, à Escola, à Universidade,
ao SNS, e ao país. Ã
28 29
GH homenagem
”Testemunhos
VASCO REIS
Jaime Nogueira da Rocha
Sócio de Mérito da APAH
No seu Livro “Gestão em Saúde, um espaço
de diferença”, Vasco Reis deixou escrito
o seguinte: “E se não registasse, aqui
e agora, alguns nomes, poucos de entre
os credores que fui semeando mas sobretudo
aqueles que nesta já longa viagem pela gestão
da saúde, continuam a ser uma referencia permanente”,
referindo-se à minha pessoa completou esta afirmação
dizendo “O de Nogueira da Rocha, com um percurso
paralelo ao que segui e com ele tenho vivido uma inultrapassável
cumplicidade pessoal e profissional.”
Foi com esta afirmação do Vasco Reis - a partir de agora
o Vasco - que iniciei o meu depoimento publicado no último
número da Revista Gestão Hospitalar, depoimento
a que dei um tom marcadamente descritivo, quase como
uma biografia comigo partilhada.
Aqui e agora darei a esta evocação do Vasco um tom diferente
nas 4 facetas que podem e devem ser encontradas
na sua vida; O Homem, O Gestor Hospitalar, O
Académico, O Amigo.
Para as duas primeiras, fá-lo-ei socorrendo-me, exclusivamente,
de passagens que recortei de vários depoimentos
publicados na Revista. Para a 3.ª, além desses depoimentos,
acrescentarei um meu. A 4.ª fica só para mim.
Poderei ser acusado, ao adotar esta forma, de ter sacrificado
um tom pessoal, aproveitando o que outros disseram,
ter desprezado uma natural originalidade e obedecer
à lei do menos esforço. Assumi consciente e totalmente
esta opção até porque, bem melhor que eu, outros
já disseram o que foi o Vasco naquelas 3 facetas.
O Homem
Dos Filhos Rute e Pedro: “O nosso Pai era um Homem
de Família. Bem disposto, com apurado sentido de humor;
tinha um visual muito característico, usou “pera” desde os
17 anos e só interrompeu quando se encontrava à porta
do Quartel em Mafra; Sempre muito orgulhoso dos filhos
e especialmente dedicado à Mãe (com quem celebrou as
bodas de ouro, 2018).”
De Correia de Campos: “O Vasco era um homem
bom… A sua permanente bonomia, disponibilidade e carinho,
fator de união entre as nossas famílias, espraiaramse
por todos os colegas, colaboradores, alunos e amigos
que tiveram o privilégio de o conhecer.”
De Poole da Costa: “Era um homem de família. Apaixonado
pela família que criou.”
De Ana Escoval: “Desafiador, humano e compassivo, sarcástico
e irónico, reservado e disponível, tolerante e complacente,
entre outras, são as características que relembro
dele em várias situações e palcos. Também revejo o homem
de família, o pai que tinha nos seus dois filhos, igualmente
administradores hospitalares, um orgulho enorme.”
De Lopes Martins: “Sim, o Vasco é uma referência. Homem
integro, inteligente, rigoroso. O seu sentido de humor
fino e vivacidade tornavam quaisquer conversas com
o Vasco, ainda que sérias, extremamente agradáveis. O
Vasco era um homem notável e afável e assim permanecerá
na minha memória.”
De Carla Nunes: “Um homem que sempre se diferenciou
no seu enorme saber, seriedade e formalidade, mas
que para os amigos e colegas sempre acompanhava com
um sorrido brincalhão.”
De Maria de Belém Roseira: “Recordo aqui a sua amabilidade,
a sua bonomia, o seu trato fácil, a sua gargalhada
sonora, a sua disponibilidade permanente para construir,
a sua franqueza e a tranquilidade que punha nos desafios
que agarrava.”
Permitam-me os seus autores que faça meus estes seus
depoimentos
O Gestor Hospitalar
De Poole da Costa: “Levou-me para os Hospitais Civis de
Lisboa onde se impunha pelo trabalho, pela capacidade e
pela inovação que imprimia a uma Instituição que dirigia
com indisfarçável prazer e reconhecida competência.”
De Gonçalves André: “Sobretudo um líder no sentido
de influenciar e conduzir equipas de gestão dos diversos
serviços e hospitais que integravam os H.C.L..”
De Teresa Freitas: “Estudava muito afincadamente tudo
em geral e em particular sobre gestão e administração e
punha em prática as teorias mais modernas e mais exigentes
de controlo e auditoria de gestão.”
De Delfim Rodrigues: “A forma, enquanto Administrador
Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, como conseguiu, ainda
no final dos anos 70 e 80 do século passado, inspirar
e dirigir a agregação, integração destas sete instituições,
é um exemplo notável de empresarialização avant la lettre…
Em época de elevada taxa de ocupação e demoras
médias concebeu um modelo de gestão centrado no
doente e nos profissionais.”
De Alexandre Lourenço: “O Prof. Vasco Reis representava
a administração hospitalar.”
Permitam-me igualmente os seus autores que me aproprie
do que disseram, acrescentando que, para além de
realçar a elevada competência no exercício do cargo de
administrador geral dos HCL - cargo em que me sucedeu
- assisti e acompanhei a verdadeira transformação que
realizou nos “velhos” Serviços Financeiros da Instituição,
enquanto seu Diretor durante algum tempo.
O Académico
De Carla Nunes: “O seu percurso foi assim: era docente
e era administrador hospitalar, lecionando de forma diferente
e proporcionando que as suas aulas fossem muito
estimulantes e focadas nos problemas concretos e reais
da administração hospitalar.”
De Manuel Delgado: “Era um professor claro na mensagem,
que nas suas aulas, combinava com elegância e
sabedoria a parte teórica com a parte prática.”
De Pedro Lopes: “As suas aulas de Administração Hospitalar
recheadas de conhecimento teórico traziam, também,
as suas vivências da prática hospitalar que transmitia,
muitas vezes, com episódios por si passados no ambiente
da gestão hospitalar e recheados de momentos humorísticos,
pitada de sal que tão bem administrava nos momentos
presenciados por todos os alunos de administração
hospitalar.”
De Rui Santana: “Para além de contribuir para a estruturação
da formação e da profissão, o Prof. Vasco Reis manteve
a sua veia empreendedora e esteve também diretamente
envolvido na criação do Curso de Mestrado em
Gestão da Saúde, sendo o seu diretor entre 2005 e 2007.”
De Silvia Lopes: “Recordo-me do entusiasmo com que o
Prof. Vasco Reis nos transmitia o seu conhecimento, em
especial em algumas matérias com que mais o identifica,
como as especificidades da gestão.”
De Paulo Boto: “Enquanto docente e coordenador do
curso, lembro-me da sua bonomia, afabilidade, espírito
conciliador, e da forma paternal como tratava os alunos.
E do seu sentido de humor e boa disposição.”
Também aqui não posso deixar de me rever no que acabei
de transcrever.
Mas nesta faceta de Vasco Reis também deixo o meu
depoimento. Obrigado como estou a não esquecer os
27 anos de cumplicidade profissional na E.N.S.P/ U.N.L.,
como descrevi no meu depoimento na Revista Gestão
Hospitalar, não posso deixar de lembrar nesta faceta,
acrescentando aos depoimentos anteriores, que Vasco
Reis associou à sua atividade docente, como bem refere
Correia de Campos, “uma investigação social aprofundada”
materializada no vasto e rico conjunto de trabalhos
publicados.”
Os depoimentos que recortei sobre estas 3 facetas de
Vasco Reis são suficientemente claros e elucidativos, traduzindo
com nitidez o que foi Vasco Reis e a sua vida
ao longo de 79 anos. Mas há uma forma mais sintética,
impressiva e abrangente de o fazer. Bastará recorrer ao
título do depoimento de Correia de Campos na Revista:
“Vasco Reis, a persistência da solidez”.
O Amigo
Esta faceta fica só para mim.
O Vasco teve toda a razão ao dar conta da nossa cumplicidade
pessoal durante mais de 33 anos. Cumplicidade
pessoal que foi a consequência natural da cumplicidade
profissional que envolveu os nossos percursos profissionais
também durante esse tempo.
Foi sem dúvida o trabalho, que começou nos H.C.L, e
continuou na Escola Nacional de Saúde Pública, que esteve
na origem da nossa amizade. Amizade que, aliás, sem
grande esforço de ambas as partes, soube resistir às ocasiões,
muito raras, em que, sobretudo no nosso percurso
académico, nem sempre concordamos. Penso mesmo
que, paradoxalmente, talvez até tenham sido essas pontuais
discordâncias um fator de reforço. A vida é feita de
desencontros e consensos e foram estes que acabaram
por vingar.
O Vasco foi sempre um amigo com muitas, e de diferente
natureza, manifestações de amizade. Mas a inversa
também é verdadeira. Ou, pelo menos, sempre procurei
que o fosse.
Termino, fazendo minhas, se isso me é permitido, as palavras
com que Poole da Costa inicia o seu depoimento
na Revista: “Este é um texto que eu nunca quereria vir
a escrever”. Ã
30 31
GH Iniciativa APAH | publicações
"HANDBOOK DE INTEGRAÇÃO
DE CUIDADOS"
A
27 de maio de 2021 no decurso da
9ª Conferência de Valor, a APAH, em
conjunto com a Associação Portuguesa
para a Integração de Cuidados
(PAFIC), a Escola Nacional de Saúde
Pública (ENSP) e a Editora Almedina, lançou a mais recente
obra literária, inserida na linha editorial “Gestão da Saúde
em Portugal”, intitulada “Handbook de Integração de
cuidados”. O livro, cuja coordenação esteve a cargo do
professor Rui Santana da ENSP, presta o merecido destaque
à Integração de cuidados e à forma como pode
e deve ser um elemento transformador da forma como
prestamos cuidados de saúde. O livro conta ainda com
a autoria de Joana Seringa, Claúdia Almeida, Cátia Gaspar,
Miguel Papança, Rui Santana e Adelaide Belo.
No prefácio da obra Adelaide Belo, Presidente da
PAFIC, reforça que esta obra surge como um manual
para a melhoria da qualidade e custo-efetividade dos
cuidados para as pessoas e ilustra exemplos de projetos
nacionais existentes nesta área. Para a autora “A tradicional
organização fragmentada e em silos das organizações
de saúde, com respostas episódicas, reativas
e orientadas para a doença, mostra-se cada vez mais
desajustada à mudança do perfil epidemiológico das populações,
aquilo a que a Organização Mundial de Saúde
(OMS) chamou de silver tsunami.
De acordo com os últimos dados da Pordata, em Portugal
a “esperança de vida à nascença” é de 81,5 anos,
superior à média da União Europeia (UE)que é de 81
anos. No entanto, quando analisamos “os anos de vida
saudável aos 65 anos” a média da UE é de 9,8 anos e
a de Portugal é de 7,8 anos. Em Portugal, as pessoas vivem
mais tempo, mas vivem pior, com mais carga de
doença (multimorbilidade) e com maior utilização dos
serviços de saúde e sociais. A resposta não pode ser
doença a doença, mas sim centrada na pessoa e nas suas
necessidades globais.
A esta realidade acrescem outros dados: o aumento das
expetativas e da exigência da população em relação aos
serviços que lhes são prestados, o inevitável avanço científico
na área da saúde e das tecnologias da informação
e por outro lado, a diminuição dos orçamentos para
a saúde. Todos estes fatores têm vindo a pôr em causa
a sustentabilidade dos serviços de saúde e dos sistemas
de apoio social.
A OMS, o Observatório Europeu da Saúde e outras instâncias
internacionais, suportados por inúmeros estudos
académicos sobre o tema, apontam para a necessidade
de uma mudança de paradigma na organização dos cuidados
de saúde, alicerçada nos seguintes pilares:
• Integração entre os vários níveis de cuidados;
• Cuidados de proximidade e de continuidade;
• Cuidados centrados numa visão holística das necessidades
das pessoas e com o seu envolvimento como
parceiros;
• Cuidados articulados com respostas sociais e da comunidade.
Assim, nas últimas décadas, tem havido uma tendência
para a introdução de modelos de Integração de Cuidados,
nas reformas feitas nos sistemas de saúde, que Portugal
também seguiu. Tem sido um processo a várias velocidades
consoante as dimensões da Integração de Cuidados.
É sempre mais fácil implementar alterações em que
a decisão é de “cima para baixo” - como por exemplo a
nível estrutural, com a criação de Centros Hospitalares.
Mas não basta colocar a palavra “Integração” nos títulos
das reformas. Integração sem a dimensão funcional da
coordenação não leva a “cuidados integrados”. E esta
só acontece se as alterações forem implementadas de
“baixo para cima”. Este é o exemplo que temos tido
com as Unidades Locais de Saúde (ULS), em que teoricamente
a integração vertical favoreceria a prestação de
um continuum de cuidados.
Contudo, o que se verifica, na prática, é que o investimento
foi na integração administrativa, o mais fácil de
pôr no terreno. No entanto, não houve uma aposta estratégica
na promoção da coordenação entre os vários
níveis de cuidados de saúde, sociais e comunitários, tendo
em vista resultados que melhorassem a experiência
das pessoas ao longo do seu percurso pelos vários serviços
onde lhes são prestados os cuidados.
Mas a integração vertical não é condição nem necessária,
nem suficiente (embora possa ser facilitadora) para
que de “baixo para cima” se criem condições para a
coordenação entre as várias estruturas e os vários níveis,
tendo como objetivo prestar cuidados centrados nas
pessoas, que de uma forma holística, tenham em conta
as suas necessidades e as suas preferências.
O mais importante para que tal aconteça passa por repensar
a forma como prestamos cuidados e como nos
articulamos. Existem projetos a decorrer nas nossas
instituições, fruto do grande empenho e resiliência dos
profissionais, mas sem escala e com poucos apoios.
A integração de cuidados é necessária quando a fragmentação
da prestação é de tal modo desajustada às necessidades
das pessoas, que se torna subótima ou mesmo
adversa, com impacto nas experiências dos utentes
e nos resultados em saúde. Pretende melhorar a qualidade
e a custo-efetividade dos cuidados para as pessoas
e populações, assegurando que os serviços são coordenados
em tornos das suas necessidades.
Estivemos próximos de ter uma estratégia nacional para
a Integração de Cuidados com o projeto “SNS + Proximidade”.
É urgente que a Tutela volte a dar sinais de
que a Integração de Cuidados Centrados nas Pessoas é
o caminho, com uma postura estratégica enquadradora
(não castradora), deixando espaço às iniciativas locais
de proximidade e não desperdiçando as que já existem
no terreno.
Com este livro, os autores pretendem voltar a colocar na
agenda o tema da Integração de Cuidados, começando
pelo princípio: arrumar ideias relativamente a definições,
conceitos e domínios da integração de cuidados, revisão
dos modelos existentes e da metodologia para a sua
implementação. Por fim, fazem uma pequena resenha
sobre a evolução da integração de cuidados em Portugal.
Fica assim aberto o caminho para que outros se sigam,
para desenvolver aspetos mais específicos, de forma a
promover a capacitação dos profissionais na implementação
e gestão de Programas de Integração de Cuidados. Ã
A obra “Handbook de Integração de cuidados” está disponível nas
livrarias ou na loja online da Editora Almedina.
32 33
GH Iniciativa APAH | Prémio Coriolano Ferreira
UM IMPULSO À CARREIRA
DE ADMINISTRADOR HOSPITALAR
Rita Salgado
Engenheira Alimentar no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo EPE
Desde que foi instituído em 1996, o Prémio
Coriolano Ferreira pretende fazer
jus homenagem à ilustre carreira do
Professor Coriolano Ferreira, a todos
os seus inegáveis contributos nas áreas
da saúde, assistência social e ensino e ao seu irrefutável
mérito como impulsionador da profissão de Administrador
Hospitalar em Portugal.
Trata-se de uma iniciativa conjunta da Associação Portuguesa
de Administradores Hospitalares (APAH) e da Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP), que desde 2018
conta com a parceria da IQVIA | IASIST, distinguindo
anualmente o melhor aluno do Curso de Especialização
em Administração Hospitalar (CEAH) da ENSP.
É na qualidade de vencedora da edição de 2021 do
Prémio Coriolano Ferreira que muito me honra poder
contribuir com este artigo para a revista Gestão Hospitalar,
que desde 1983 se assume crucial na divulgação de
conhecimento na área da gestão em saúde.
É com humilde orgulho que recebi tão inesperada agraciação
e por isso não posso deixar de agradecer a todos
os intervenientes que tornaram materializável o Prémio
Coriolano Ferreira, cuja cerimónia fez parte do programa
da 9ª Conferência de Valor subordinada ao tema “Construir
o futuro da saúde”.
Agradeço à APAH, na pessoa do Dr. Alexandre Lourenço,
na qualidade de Presidente, por manter vivo o
propósito desta organização, que este ano celebra o
seu 40º aniversário, pelo apoio prestado aos Administradores
Hospitalares no desenvolvimento de elevados
padrões para o exercício das suas funções profissionais,
e quero também felicitá-lo pela organização e pertinência
de mais uma excelente iniciativa de “valor”, cujas
temáticas discutidas serão indubitável contributo na
construção do futuro da saúde.
Agradeço à ENSP, na pessoa da sua Diretora, a Professora
Dra. Carla Nunes, que desde 2019 contribui ativamente
com a sua vasta experiência e know-how para dar
continuidade à missão da ENSP, cujo exímio contributo
tem consolidado o seu reconhecimento enquanto instituição
de referência no ensino pós-graduado, na investigação
e na criação de valor na área da saúde pública, e
tem assegurado a resposta aos desafios e oportunidades
impostas pela atual conjuntura.
Agradeço à IQVIA | IASIST, representada pela Dra. Filomena
Santos, pelo prestimoso apoio em mais uma edição
do Prémio Coriolano Ferreira e pelo manifesto trabalho
desenvolvido junto dos diferentes stakeholders da
área da saúde, contribuindo com a sua sapiência e experiência
na utilização de dados, tecnologias e conhecimento
científico.
Este artigo surge na sequência do desafio lançado pela
APAH para escrever breves palavras sobre o prémio e
apresentar as minhas reflexões concernentes ao meu
percurso no CEAH.
Serão sempre escassas as palavras para refletir sobre
esta etapa. Qualquer escolha que façamos, sobretudo
academicamente, dificilmente será uma casualidade, pois
é nessa escolha que projetamos as nossas expectativas
e pretensões profissionais para um futuro que queremos
próximo.
A opção pela especialização em Administração Hospitalar
foi para mim uma escolha óbvia, pois tenho como minha
pretensão poder contribuir avidamente na melhoria
dos cuidados de saúde. A atual situação pandémica corrompeu
com todas as predições para os sistemas de saúde,
acentuando as fragilidades existentes. O presente e o
futuro da gestão dos sistemas de saúde irão certamente
refletir os impactos e aprendizagens que esta pandemia
nos impôs, pelo que estou convicta que a construção do
caminho para a melhoria dos cuidados de saúde representa
agora um desafio ainda mais motivador.
Esta escolha foi motivada pelas minhas preferências pelas
áreas de gestão e administração hospitalar e pelo meu
intento em arriscar na profissão que, tal como reconhecido
pelo Decreto-Lei nº 101/80 de 8 de Maio, encerra
em si funções de gestão de tão elevada complexidade
e mutabilidade. Na sua teoria, Fayol enuncia cinco elementos
de gestão pelos quais os administradores devem
pautar o seu comportamento para que os objetivos das
organizações onde estão inseridos sejam efetivamente
alcançados. 1 Esta profissão exige assim aos seus executantes
capacidades de planeamento, organização, liderança,
coordenação e controlo. 1
Recordo o dia em que decidi inscrever-me no curso, os
meus receios, anseios e motivações. Recordo o ónus e
o privilégio que senti na entrevista de seleção, pela potencial
oportunidade de frequentar o único curso, que
desde 1980, habilita ao ingresso na carreira de Administrador
Hospitalar.
A par da agraciação com o Prémio Coriolano Ferreira,
foi também com enorme satisfação que recebi a notícia
da minha seleção para o CEAH. Foi um período muito
intenso, repartido entre a atividade profissional e as atividades
académicas, mas extremamente gratificante.
É por isso que não posso deixar de reconhecer a ventura
de fazer parte do XLVII CEAH, que reuniu excelentes
pessoas e profissionais das mais diversas áreas e onde a
entreajuda e a partilha de experiências e conhecimentos
foram uma constante.
Todas as unidades curriculares, o Estágio de Exercício
Profissional e a realização do Trabalho de Campo dotaram-nos
das ferramentas basilares para o exercício da
profissão de Administrador Hospitalar, capacitando-nos
com competências técnicas para liderar, comunicar e gerir
desafios futuros nas organizações de saúde. Foi-nos
também instruído noções essenciais para gerir eficientemente
os recursos disponíveis, com a ressalva permanente
de garantir a sustentabilidade do sistema de saúde.
Na concretização deste percurso foram determinantes a
experiência profissional, competência académica e excelência
de todo o corpo docente, pelo que agradeço aos
exímios professores do curso todo o seu profissionalismo
e ensinamentos partilhados. Quero também expressar
o meu agradecimento à Dra. Sílvia Lopes e ao Dr.
Bruno Moita, na qualidade de orientadores, pela sublime
orientação e profissionalismo prestados que em tanto
me ajudaram na materialização da etapa mais desafiante
do curso, o Trabalho de Campo.
A conciliação da vida profissional e académica também
só foi possível com a compreensão da minha instituição,
o Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, agradecendo o
apoio e motivação daqueles que acompanharam de perto
esta etapa.
Sobre este percurso, todas as minhas expectativas académicas
foram suplantadas. No que concerne às expectativas
profissionais, creio que esta especialização conduzirá
a novas oportunidades e desafios.
Acredito também que a agraciação com o Prémio Coriolano
Ferreira pode contribuir no surgimento, a curto-
-prazo, de novas oportunidades profissionais na Administração
Hospitalar.
É por isso que muito me aprazia poder partilhar convosco
a minha experiência no exercício de funções como
Administradora Hospitalar, porém essas mudanças profissionais
ainda não se materializaram.
No entanto, sei que é na construção do futuro da saúde,
enquanto Administradora Hospitalar, que pretendo estar
envolvida nos próximos anos, contribuindo com o know-
-how adquirido no curso e sempre com uma vontade
inarredável de adquirir novos saberes e competências.
A todos os que contribuíram para a realização deste percurso
e na agraciação deste prémio, o meu Obrigada! Ã
1. Edwards R.. An Elaboration of the Administrative Theory of the 14 Principles
of Management by Henri Fayol. International Journal for Empirical Education and
Research. 2018;1(1):41–52.
34 35
GH estudo APAH
Barómetro da I&D em Saúde
Margarida Ferreira
Administradora Hospitalar Coordenadora da Unidade de Ensaios
Clínicos no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E.
e Coordenadora do Grupo de Trabalho da APAH - de Investigação
em Saúde
Catarina Resende
Presidente da Agência de Investigação
Clínica e Inovação Biomédica (AICIB)
Diogo Marques
Consultor MOAI
Figura 1
Joana Sousa
Partner da MOAI Consulting
João Diogo
Consultor MOAI
A
investigação em saúde resulta de um
cruzamento entre a dimensão científica
e assistencial que caraterizam o setor.
É notório o impacto da investigação
em saúde na promoção e partilha
de conhecimento científico, bem como na melhoria da
prestação de cuidados de saúde. É consensual que a investigação
em saúde deve ser parte integrante da estratégia
das organizações de saúde pois promove, para além
do acesso à inovação, boas práticas que contribuem para
melhorar a qualidade assistencial, constituindo um fator
de excelência e prestígio. Em paralelo, a consolidação da
investigação em saúde contribui para o crescimento do
capital humano, através da partilha de conhecimento,
assim como para o desenvolvimento e retenção de profissionais
de excelência. É assim fundamental um investimento
e aposta nesta área, que gere valor para a sociedade,
organizações, profissionais e utentes.
Ao longo da última década, a realidade da investigação
em Saúde em Portugal tem tido uma evolução positiva
que se pode ilustrar, por exemplo, pela tendência crescente
no número de pedidos para realização de ensaios
clínicos submetidos ao INFARMED, atingindo um valor
recorde neste último ano de 2020. 1 A par deste progresso,
do ponto de vista legal e político têm-se registado
também importantes sinais de compromisso com
a investigação clínica, nomeadamente a publicação do
Liliana Guerra
Health Research Manager na Agência
de Investigação Clínica e Inovação
Biomédica (AICIB)
Catarina Baptista
Direção APAH
Decreto-Lei nº21/2014 (Lei da Investigação Clínica), a
criação do Programa Integrado de Promoção da Excelência
na Investigação Médica (em 2015), do Conselho
Nacional dos Centros Académicos Clínicos (bem como
o regime jurídico destes Centros) e, em 2018, da Agência
de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB).
Contudo, apesar desta conjuntura mais favorável, no “terreno”
parece persistir a noção de que este ecossistema
de investigação em Portugal continua aquém do seu potencial
de dinamização, eficiência e, consequentemente,
de competitividade externa. Para compreender a realidade
nacional neste domínio é fundamental auscultar quem,
na rede hospitalar e respetivas estruturas de investigação,
está efetivamente na linha da frente, permitindo assim a
construção da imagem real da dinâmica da investigação
em saúde, identificar os principais desafios e oportunidades
desta área e apontar caminhos de futuro para dinamizar
a I&D em Saúde em Portugal. Foi precisamente este
o desígnio assumido conjuntamente pela APAH e pela
AICIB, que se materializou na construção do “Barómetro
da Investigação em Saúde”, ao qual a MOAI Consulting
se associou como parceiro técnico.
Os resultados da 1ª Edição deste Barómetro, apresentados
recentemente na 9ª Conferência de Valor da APAH, refletem
a realidade e perspetivas de 28 estruturas de investigação
integradas em unidades hospitalares do SNS, correspondentes
a 52% da totalidade da rede hospitalar (Figura 1).
A informação recolhida foi obtida mediante pedido de
resposta a um questionário composto por 33 questões,
que procuraram detalhar a rede de investigação em Saúde
do país em três grandes domínios:
1. Caracterização das estruturas e equipas de investigação;
2. Definição quantitativa e qualitativa da atividade científica
produzida;
3. Identificação das principais mais-valias, desafios e oportunidades
que hoje em dia se impõem a estas estruturas.
Uma vez recolhidos, os dados foram processados permitindo
uma análise de âmbito nacional e por clusters,
estes últimos construídos tendo em conta os Termos de
Contratualização da ACSS, mas colocando as Unidades
Locais de Saúde num único cluster.
No que à primeira dimensão diz respeito, começamos
por perceber que os Centros de Investigação Clínica
(CIC) e as Unidades de Investigação são a tipologia de
estrutura de investigação mais comum, perfazendo 57%
da amostra (Figura 2).
Na sua globalidade, as estruturas auscultadas declararam
ter a si alocados um total de 2510 profissionais, 90% dos
quais correspondentes a apenas duas categorias: investigadores
(1991) e enfermeiros (278). Destes números,
apenas 19% foram assinalados como recursos próprios
da estrutura. Existe, no entanto, uma grande discrepância
entre o número de recursos afetos nas diferentes instituições
(Figura 3).
A maioria dos profissionais dedica menos de 10 horas semanais
a atividades de investigação, sendo os Coordenadores
de Estudo e os Administrativos as categorias com
uma alocação mais expressiva - dedicando em geral en- }
Figura 2
Figura 3
36 37
GH estudo APAH
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
tre 30 e 40 horas semanais (Figura 4).
Perante este cenário, importa perceber se o capital humano
disponível é suficiente para responder ao volume
de atividade da estrutura de investigação. Mais de metade
dos respondentes consideram insuficiente o número
de investigadores (56%), administrativos (60%), juristas
(63%), enfermeiros (64%) e farmacêuticos (71%). Parece
ser necessário garantir uma maior dedicação dos profissionais
à investigação em saúde, para que esta atividade
seja potenciada.
Procurámos também recolher alguns elementos que
permitissem caraterizar a maturidade organizacional das
estruturas. Em termos de ferramentas de gestão, a maioria
orienta já a sua produção científica em torno de um
Plano de Atividades (70%) e de um Relatório de Atividades
(85%), dispondo também de um Organograma
(65%) e colaborando ativamente com outras estruturas
académicas, de investigação ou assistenciais através de
Afiliações ou Parcerias (55%). Por outro lado, surgem
os primeiros desafios: 80% das unidades carecem ainda
de Certificados de Qualidade e software específico para
suporte à investigação e 70% sublinham também a necessidade
de mais fontes de financiamento externo.
Para mitigar estas lacunas e promover uma maior profissionalização
das equipas, os inquiridos destacam a capacidade
de captação de financiamento externo como a
área mais crítica e competência a desenvolver, tanto na
sua própria instituição como a nível nacional. Segue-se a
capacidade de desenvolver mais Parcerias Estratégicas e,
em terceiro lugar, a Gestão de Recursos Humanos (Figura
5). Confrontados com este exercício reflexivo de
identificação de prioridades para a própria instituição e
para o panorama nacional, é interessante realçar que,
transversalmente a todas as áreas elencadas, as estruturas
têm de si próprias uma perspetiva mais favorável face
ao ecossistema nacional de I&D.
Quanto à capacidade produtiva das estruturas de investigação
é possível sublinhar desde logo a dinâmica de crescente
atividade científica no horizonte temporal contemplado
(2017 a 2020), conforme se pode ver na Figura 6.
Destaca-se o aumento de 35% no total de estudos clínicos
desenvolvidos (com um crescimento de 66% no número
de estudos de iniciativa do investigador) e um crescimento
de 34% no número de participantes recrutados em
ensaios clínicos. i Entre 2017 e 2019, o número de artigos
publicados aumentou 15%, i o que permite corroborar a
importância dada à investigação científica. Contrariamente
a esta dinâmica crescente, a participação em eventos científicos
diminuiu significativamente no período considerado
(possivelmente fruto do contexto pandémico).
Verificou-se também que as áreas clínicas a que mais se
dedicam as nossas estruturas de investigação são a Oncologia
(em 12 instituições), a Cardiologia (10), a Neu-
rologia e a Gastrenterologia (ambas em 7 instituições).
“
A avaliação de desempenho da estrutura e das equipas
parece também estar ainda numa fase precoce. Atualmente,
apenas 42% das estruturas vê o seu desempe-
A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
nho indexado e avaliado por métricas definidas, entre DA ESTRUTURA E DAS EQUIPAS
as quais o nível de produção científica (em 69% destas
PARECE TAMBÉM ESTAR AINDA
instituições) ou a eficiência de processo (em 38% dos
casos). Apenas 53% das estruturas de investigação possuem
esquemas de recompensa dos profissionais sendo APENAS 42% DAS ESTRUTURAS VÊ
NUMA FASE PRECOCE. ATUALMENTE,
que, destes, 69% deles correspondem a verbas decorrentes
da realização do estudo, 25% a fundos internos O SEU DESEMPENHO INDEXADO
específicos e 13% a prémios.
E AVALIADO POR MÉTRICAS DEFINIDAS,
Importa também aferir a perspetiva das equipas quanto
às atuais barreiras, desafios e oportunidades com que ENTRE AS QUAIS O NÍVEL DE PRODUÇÃO
se deparam diariamente nas suas atividades de investigação.
Foram realçadas a qualidade das equipas (60%) e a
CIENTÍFICA (EM 69% DESTAS INSTITUIÇÕES)
existência de estruturas dedicadas à investigação (40%)
OU A EFICIÊNCIA DE PROCESSO
como os principais pontos fortes, sendo que apenas 16% (EM 38% DOS CASOS).
realçam a importância que a instituição dá à área de investigação
(Figura 7).
”
Existem, no entanto, desafios para uma maior dinamização
da I&D, que estão assentes em três dimensões críticas: }
38
GH estudo APAH
Figura 8
1. A gestão de RH (em particular necessidades de recrutamento,
falta de autonomia, de mecanismos de incentivo
e de tempo alocado para a investigação);
2. A necessidade de financiamento, de priorização política,
de estruturas de apoio capacitadas e profissionalizadas,
assim como de redes e parcerias, sendo relevante
fortalecer sinergias entre academia e unidades de saúde;
3. A necessidade de agilizar os procedimentos burocráticos
exigidos, associada à necessidade de “digitalizar” o setor.
Os tempos de aprovação interna e externa de ensaios
clínicos são identificadas como constrangimentos
em 65% das estruturas (Figura8).
Mas a estas vertentes acresce uma outra, sem a qual na
prática a investigação fica igualmente comprometida: a
proximidade e foco no doente. A este respeito, e reconhecendo
que os doentes podem e devem desempenhar
um papel central e cada vez mais ativo na investigação
clínica, as estruturas realçam a necessidade de otimizar
as plataformas/mecanismos de recrutamento, bem como
de melhorar estratégias de comunicação e literacia.
Esta 1ª Edição do Barómetro cumpre assim a importante
missão de fornecer uma caraterização atual da investigação
em Saúde em Portugal, no SNS e, simultaneamente,
de apontar os desafios que, muito embora já identificados
no passado, continuam a impedir uma maior competitividade
do país em termos de investigação em saúde. A
expectativa é, por isso, que esta 1ª Edição seja um referencial
e um estímulo efetivamente mobilizador da agenda
política e dos vários intervenientes em torno de um
denominador comum: a ambição de tornar Portugal mais
competitivo internacionalmente na Investigação em Saúde,
aumentando o valor criado para os doentes, para o
sistema de saúde, para a academia e para a sociedade. Ã
1. INFARMED. Estatísticas de Avaliação de Ensaios Clínicos. Acedido em: junho
2021.
i. Os dados do presente questionário foram recolhidos no primeiro quadrimestre
de 2021, altura em que se considera possível que algumas estruturas não tenham
ainda contabilizado a totalidade da sua atividade científica do ano anterior. Assim,
os valores correspondentes a 2020 podem ser ainda superiores aos apresentados.
40
GH opinião
Melhorar a experiência dos
profissionais de saúde com
os sistemas de informação
Rita Veloso
Vogal Executiva, Centro Hospitalar
e Universitário do Porto
Afonso Pedrosa
Diretor do Serviço de Inteligência de Dados,
Centro Hospitalar Universitário São João
Carlos Sousa
Direção de Sistemas e Tecnologias de Informação,
Hospital da Cruz Vermelha
Miguel Cabral de Pinho
Médico Assistente de Saúde Pública no Agrupamento
de Centros de Saúde (ACES) Maia/Valongo,
Administração Regional
de Saúde do Norte, I.P.
Zita Espírito Santo
Coordenadora do Gabinete de Gestão de Projetos, Investimentos
e Património, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE
A
experiência dos profissionais de saúde
com os sistemas de informação à sua
disposição é hoje, mais do que nunca,
motivo de debate e, muitas vezes, de
insatisfação 1 .
Facilmente o ecossistema de um hospital poderá contemplar
mais de uma centena de aplicativos, alguns sem
qualquer tipo de integração com os restantes, levando
a múltiplos registos e autenticações. Em alguns casos, é
preciso mesmo utilizar mais de uma dezena de aplicativos
informáticos para realizar uma consulta ou uma alta
Teresa Magalhães
Professora Convidada e Administradora Hospitalar
NOVA National School of Public Health, Public Health
Research Centre, Universidade NOVA de Lisboa,
Comprehensive Health Research Centre (CHRC),
Coordenadora do Grupo de Trabalho APAH - Gestão
da Informação em Saúde
Inês Dantas
Gestora de Clientes, SAP
de um internamento. Esta experiência de usabilidade
leva a um grande consumo de tempo que deveria ser
direcionado para o doente, a um aumento da probabilidade
de erro e, não menos preocupante, a um aumento
da insatisfação dos profissionais de saúde, interferindo
inevitável e negativamente, na necessária empatia com
os doentes e no trabalho de equipa com os colegas.
Questões como a já referida diversidade de aplicações,
a ausência de envolvimento dos utilizadores no desenho
das interfaces, enquadrando o seu layout com o grupo
profissional, o contexto clínico (ex: internamento, ambulatório,
urgência), o perfil de doente e, como evidencia
um estudo recente 2 , a falta de investimento nesta dimensão
(User experience), influenciam, entre outras, a tomada
de decisão clínica e a experiência do doente. A estes
fatores acresce ainda a exígua interoperabilidade interna
entre serviços, departamentos e instituições do sistema
de saúde, a falta de formação adequada, a escassez de
recursos humanos, o facto de algumas aplicações se encontrarem
obsoletas, a parca autonomia na definição de
soluções à medida das instituições ou, a dependência de
fornecedores externos e a complexidade do próprio Sistema
de Saúde.
Todos estes temas mantêm-se na ordem do dia, e das
preocupações, para os que se dedicam ao desafio da
transformação digital.
Em 2018, na abertura do Congresso da Ordem dos Médicos,
o seu Bastonário, Miguel Guimarães, referiu que “mais
de 50% do tempo é utilizado para estar a escrever no
computador ou à procura de uma impressora que funcioneˮ3.
Aliás, um estudo sobre utilização de Processos Clínicos
Eletrónicos (PCE) em dois produtos diferentes concluiu
que médicos em contexto de ambulatório e num
ambiente não formativo (n=573) passavam mais de cinco
horas no Processo Clínico Eletrónico por cada oito horas
do tempo clínico programado 4 . Sinsky e Beasley, já em
2014, comparavam o envio de mensagens por SMS enquanto
se conduz (texting while driving) com o registo de
dados enquanto se pratica a medicina (texting while doctoring),
alertando para os riscos que daí poderiam advir 5 .
No mesmo ano, num estudo 6 realizado no nosso país,
que pretendeu analisar o comportamento dos utilizadores
do SClínico, foi demonstrado que, quando estes se
encontram expostos durante horas consecutivas ao sistema,
uma grande percentagem de profissionais fica insatisfeita
devido ao cansaço e à diminuição da capacidade
cognitiva por stress ou por diminuição da atenção. Sendo
ainda evidenciado que o uso do SClínico em situações
de maior urgência beneficiaria claramente com formas
alternativas de visualização da informação, assim como
de uma melhor organização das interfaces para permitir
modos mais eficientes de introdução da informação.
Outros aspetos relatados prendem-se com a falta de
uma visualização integral, ou holística, de todo o registo
clínico do utente, por forma a correlacionar possíveis situações
passadas com a situação do episódio em curso,
críticas apontadas ao esquema de cores, à tipologia plana
do desenho da interface e à forma de apresentação da
informação, o que nos remete para a necessidade de
uma nova abordagem ao desenho da interface gráfica.
Num estudo realizado por Pontes, C. (2020) 7 que visa
avaliar o uso de Sistemas de Informação pelos gestores
de nível intermédio em contexto hospitalar, foram identificados
pelos 60 inquiridos quase 50 aplicativos diferentes
de uso diário, sendo o SClínico o mais utilizado. O
tempo médio de utilização destes aplicativos ultrapassa
as três horas diárias, tendo um elevado peso na realização
das atividades. A falta de segurança, a ausência de
interoperabilidade, o acesso indevido a dados, a lentidão
no acesso aos aplicativos, a falta de suporte adequado
por parte dos fornecedores, o excesso de informação
e a perda de dados foram apontadas como as maiores
preocupações e fatores de insatisfação nesta matéria.
Elencadas as principais dificuldades na usabilidade dos }
42 43
GH opinião
“
A UTILIZAÇÃO DE APLICAÇÕES
INFORMÁTICAS DE SUPORTE
AO REGISTO CLÍNICO ESTÁ,
ATUALMENTE, BASTANTE GENERALIZADA,
FRUTO DO INCREMENTO
DA COMPLEXIDADE DOS CUIDADOS
DE SAÚDE E DA NECESSIDADE DE OTIMIZAR
RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS.
”
sistemas de informação por parte dos profissionais de
saúde, e concordando com os muitos que afirmam não
se tratar de um problema de tecnologia, há que perguntar:
o que faltará então?
A utilização de aplicações informáticas de suporte ao registo
clínico está, atualmente, bastante generalizada, fruto
do incremento da complexidade dos cuidados de saúde
e da necessidade de otimizar recursos humanos e materiais.
A capacidade de os profissionais de saúde acederem
à informação clínica de forma expedita é um fator
determinante na qualidade da prestação dos cuidados de
saúde. Assim, a avaliação da usabilidade das aplicações de
saúde torna-se fundamental.
Todas as atividades de um profissional de saúde geram
informação e cada grupo profissional envolvido na
prestação de cuidados (médicos, enfermeiros, técnicos,
auxiliares de saúde, entre outros) cria e usa informação
e linguagens próprias e distintas para a continuidade de
cuidados de saúde (desde alergias, diagnósticos e procedimentos
efetuados, prescrição habitual, entre outros).
Segundo a Deloitte (2020), em Portugal, 81% dos médicos
e enfermeiros consideram que a pandemia levou
os hospitais a tornarem-se mais digitais, mas, ainda assim,
Portugal está abaixo da média europeia na utilização de
tecnologias 4.0 no setor da saúde 8 . Como principais desafios
apontados destacam-se a burocracia associada aos
cuidados de saúde, a procura das tecnologias certas, o
treino dos profissionais para um uso correto da tecnologia
e a melhoria da interoperabilidade e da utilização dos
dados dos doentes.
Ao longo dos anos, o SNS tem sofrido várias alterações
em matéria de SI. SONHO 9 , SAM, SAPE, SClínico são
nomes sobejamente conhecidos, muitas vezes associados
a tecnologias obsoletas e que levaram as instituições
de saúde a implementar soluções alternativas dada a
inexistência de uma política documental definida com
rigor. No relatório final do Think Tank “eHealth em Portugal:
Visão 2020” 10 os resultados demonstraram que os
inquiridos situavam Portugal, em matéria de adoção de
eHealth, no estadio II, reforçando a existência de iniciativas
de eHealth em curso apoiadas por um ambiente de
utilização TIC consolidado, mas ainda algo fragmentado
e com dificuldades em escalar.
Suportando os desafios até aqui elencados, um estudo
muito recente 11 evidenciou que 98% dos enfermeiros
licenciados relatam nunca ter sido incluídos no projeto
ou nas decisões de tecnologia hospitalar. O mesmo estudo,
mediu a usabilidade do processo clínico electrónico
(PCE) percebido pelo corpo de enfermagem (n=8638),
com recurso a uma métrica padronizada de usabilidade
da tecnologia, a System Usability Scale (SUS) I , correlacionando
a usabilidade com o burnout profissional. Este
trabalho permitiu relacionar os scores mais favoráveis de
usabilidade do processo clínico eletrónico à menor probabilidade
de esgotamento. Em concreto, os investigadores
inferiram uma pontuação média de usabilidade do
PCE avaliada por enfermeiros em 57,6%, categorizada
assim com uma nota de "F" na SUS, a faixa marginal mais
baixa de usabilidade, sendo fortemente associada a esta
uma maior probabilidade de burnout dos profissionais.
De igual modo, num estudo similar anterior 12 , para mensurar
a usabilidade do processo clínico eletrónico apercebida
por médicos norte-americanos (n=5197), com
recurso à mesma metodologia, a classificação obtida foi
semelhante: a usabilidade destes sistemas (PCE) recebeu
uma nota F (45,9%). Foi ainda observada uma forte relação
entre a usabilidade do PCE e a possibilidade de
esgotamento. A Figura 1 tipifica a Usabilidade, na medida
em que uma aplicação pode ser experimentada por utilizadores
específicos para alcançar um determinado propósito
com eficácia, eficiência e satisfação, num contexto
de um dado caso de uso. Foi assim utilizada uma vez
mais a Escala de Usabilidade do Sistema (SUS), reconhecido
padrão pela indústria para medir a usabilidade
de tecnologia. A título comparativo, no referido estudo,
o resultado atribuiu a uma pesquisa do Google, a pontuação
SUS=93, podendo ser descrita como estando na
faixa muito aceitável, com uma nota de usabilidade de A.
No entanto, o Microsoft Excel, outro exemplo referido,
obteve uma pontuação SUS de 57%, o que resulta numa
classificação entre os estudos com baixa aceitabilidade
marginal e um grau de usabilidade de F.
Para Bruno Horta Soares, consultor sénior da IDC, a
transformação digital implica que todos tenhamos o
mesmo foco, porque “se todos estiverem a olhar para
coisas diferentes será muito difícil”. A solução passa pelo
Figura 1
Gráfico 1
trabalho em equipa, pois “isolado ninguém tem dimensão
para a transformação digital”, lembrando que muitos
dos pilares e dos aceleradores de inovação estão disponíveis
desde os anos 50 ou 60, mas que só agora ficaram
acessíveis a todos. É então tempo de criar soluções, posicionadas
numa estrutura que, no conjunto, “permitam
à nossa organização preparar-se para o futuro da transformação
digital” 13 .
Entretanto, se houve algo que as instituições de saúde na
Europa aprenderam com a pandemia Covid-19, e Portugal
não foi exceção, foi o quão pouco preparadas estavam
para usar os dados de saúde de forma mais eficaz. Não
estávamos preparados para prestar cuidados com recurso
à Telessaúde, em todas as suas vertentes e não somente
a Teleconsulta, para integrar e interoperar por meio de
troca de registos eletrónicos de saúde, nem para partilhar
tarefas e reorganizar equipas num ambiente não presencial.
É por isso emergente que as instituições de saúde,
desde as governativas, administrações centrais e regionais,
às que se dedicam à gestão da organização da saúde, se
dotem de profissionais de saúde “digitais”. A pandemia
Covid-19 destacou assim que as instituições que apostaram
na formalização de “papéis” associados à saúde digital
com tempo dedicado protegido, eram mais capazes de
operar na saúde por meio de mecanismos digitais 14 .
Efetivamente a pandemia, apesar de ter descoberto estas
fragilidades, foi catalisadora do desenvolvimento de
sistemas de gestão de informação bastantes úteis, como
é o caso do Trace Covid-19 (TC19), cujas boas práticas
poderiam ser alargadas a outros sistemas de informação.
O TC19, criado de raiz já no início da pandemia, tem
vindo a ser alterado consoante as necessidades sentidas
e de forma bastante célere. Em cada alteração mais
significativa ao sistema, realizaram-se webinars interativos
onde os utilizadores puderam esclarecer dúvidas e
fazer sugestões. Muitas das alterações tiveram na base
este feedback dado pelos utilizadores e a sua experiência,
melhorando a usabilidade da plataforma. Mesmo a }
44 45
GH opinião
“
OBJETIVAMENTE, URGE ATUALIZAR
O REGULAMENTO NACIONAL
DE INTEROPERABILIDADE DIGITAL (RNID),
APROVADO ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO
DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 2/2018,
DE 1 DE MAIO, QUE DEFINE AS ESPECIFICAÇÕES
TÉCNICAS E FORMATOS DIGITAIS A ADOTAR
PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
”
nível do uso de vários sistemas para uma mesma tarefa,
o TC19 destaca-se, pois apresenta informação resumida
de outros sistemas, com base na interoperabilidade
com o RNU, SINAVE Med e Lab, e registos do Centro
de Contacto do SNS24. A plataforma disponibiliza ainda
alguns dos registos submetidos pelo próprio utente.
Quando se pretendeu explorar uma ferramenta que não
estava ainda amplamente divulgada, a equipa de desenvolvimento
procurou ativamente envolver num projeto
piloto os profissionais que por iniciativa própria estavam
a usar essa ferramenta. Infelizmente, estas práticas não
têm sido usadas noutros Sistemas Informáticos, mesmo
quando têm um impacto maior no Sistema de Saúde.
Outra boa prática do TC19 prende-se com o acesso por
via das credenciais do email institucional do profissional.
Infelizmente, como já referimos, tal não é uma prática
comum. A inexistência de uma estratégia conhecida para
a gestão de identidades obriga a que de (quase) todas as
vezes que os profissionais de saúde tenham de aceder a
um aplicativo, o que se repete várias vezes ao longo do
dia, necessitem de se autenticar com credenciais muitas
vezes distintas até no seu formato. A autenticação redundante
conduz a consumo de tempo e ao risco de
não-conformidades com o Regulamento Geral da Proteção
de Dados (RGPD), quer pela maior probabilidade
de partilha de acessos e risco de privacidade, quer pela
dificuldade de auditar e rastrear acessos ou eventos
transversalmente ao ecossistema de informação. Para
ultrapassar este constrangimento dever-se-ia delinear
um programa de gestão de identidades, com projetos
locais em cada instituição e nacionais, a liderar pelos
SPMS, estruturado e de longo prazo. Esse programa visaria
a integração de aplicações, centralizando o acesso
a partir de portais internos das organizações, suportado
no respetivo serviço de diretório (LDAP), permitindo ao
utilizador, através de um único processo de autenticação,
aceder aos aplicativos em funcionamento internamente,
mas também às funcionalidades e repositórios transversais
ao SNS (PDS, RNU, SICO, entre outros).
Paralelamente, o desígnio do RGPD insta a elevar a maturidade
do processo de acolhimento e integração de
novos colaboradores nas organizações de saúde. Nesta
matéria, destaca-se em particular o subprocesso de
atribuição de credenciais de acesso ao ecossistema de
informação e, naturalmente, o automatismo para a desativação
dessas credenciais, com a respetiva cessação de
funções. O processo interno costuma ser complexo e
por vezes burocrático, e pode demorar demasiado tempo
até que um novo colaborador possa finalmente dispor
de permissão e meios para o acesso ao SI. Seria
de considerar o desenvolvimento de um mecanismo,
desencadeado pelo repositório de cadastro (RHV) e o
serviço de diretório de cada instituição, senão mesmo,
sem embargo da ambição, através de federação via
SPMS, por suporte ao Registo Nacional de Profissionais
(RNP). Como se constata, a gravidade desta limitação,
vem obrigando os vários hospitais a desenvolver projetos
internos e ad-hoc de gestão de identidades. Reconhecendo-se
de antemão que só desta forma se assegurará
uma fonte de verdade única, auditável e rastreável, para
responder às exigências dos nossos dias, em que se exige
absoluta fiabilidade, coerência e segurança na identificação
dos profissionais, do seu perfil e nível de acesso ao
ecossistema de informação. Só uma definição transversal
e centralizada permitirá alcançar este objetivo.
Apesar de ter sido discutida como objetivo, em sede
de desenho da ENESIS 20|22 (Estratégia Nacional para
o Ecossistema de Informação de Saúde) 15 , a melhoria e
inovação dos processos de trabalho dos profissionais por
forma a melhorar a sua satisfação e, consequentemente,
a qualidade dos serviços prestados, desconhece-se à data
uma estratégia para a gestão de identidades. Tal obriga
os profissionais de saúde a identificar-se nos aplicativos
(várias vezes ao longo do dia), com credenciais muitas
vezes distintas e até no seu formato ou políticas.
Transversal a todas estas dimensões de usabilidade ou
autenticação, a inexistência de mecanismos e normas de
interoperabilidade obrigatórias para atuar no mercado
de prestação de serviços de SI/TIC na saúde, dificultam
o progresso e amadurecimento destas áreas. Não só
porque podem perigar a legitimidade na escolha da melhor
solução para uma determinada área, mas porque
impedem a otimização de todo o workflow e otimização
de registos e processos, reduzindo a proposta de valor
subjacente a este tipo de tecnologias e bloqueando toda
a dinâmica de inovação do mercado.
A este respeito, deveria a tutela regular em linha com os
demais Estados-membro, capacitando as agências centrais
(AMA, SPMS, entre outras), no sentido de regulamentar
em favor da adoção de normas a implementar
pelas organizações de saúde, pelos seus profissionais e
pela indústria. Só assim poderemos ter um mercado
competitivo, inovador e justo.
Objetivamente, urge atualizar o Regulamento Nacional
de Interoperabilidade Digital (RNID), aprovado através
da Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/2018, de 1
de maio, que define as especificações técnicas e formatos
digitais a adotar pela Administração Pública, com uma norma
de interoperabilidade específica para a área da saúde.
Para além desta dimensão de interoperabilidade técnica,
as instituições de saúde devem ter um dicionário de
dados (designação de cada variável e dados recolhidos)
e um catálogo de serviços para mapear os processos
de negócio e a invocação de serviços/fluxo de mensagens.
Na dimensão de interoperabilidade semântica, é
necessário assegurar um vocabulário médico controlado
e o recurso a catálogos nacionais, de que são exemplos
os recentes documentos em consulta pública (Catálogo
Português de Radiologia e Catálogo Português de Gastrenterologia)
II . Estas atividades devem fazer parte de
um programa de interoperabilidade a médio prazo que
garanta que as aplicações atuais e futuras interajam da
forma desejada e sem propagar erros.
Qualquer projeto nesta área deve estar em conformidade
com o RNID, suportado na implementação de Normas
HL7.v2 ou HL7 FHIR, bem como com a orientação da
União Europeia (IHE) - Decisão (UE) 2015/1302 da Comissão,
de 28 de julho, relativa à identificação de perfis
da iniciativa Integrating the Healthcare Enterprise para referência
nos contratos públicos. Estes elementos permitirão
apoiar as peças concursais, em particular os anexos técnicos,
fazendo referência aos Perfis IHE desejados para implementação
(em particular os 27 perfis IHE adotados pela
UE) III , ou especificando objetivamente todos os atores envolvidos
nas integrações, todas as normas de mensagens a
usar (ex: HL7 v2, HL7 FHIR), a sequência de mensagens e
quais as terminologias a adotar. Futura e paulatinamente, as
instituições deverão começar a exigir aos atores de mercado
o IHE Integration Statement IV do produto a concurso
(declaração dos perfis/atores suportados) que comprova
os resultados do Connectathon V (evento que permite a implementação
de um conjunto de testes para viabilizar a
adoção de interoperabilidade baseada em standards, entre
fornecedores de sistemas de informação).
Finalmente, tecnologias emergentes como voice-to-text e
soluções de apoio à decisão com inclusão de ferramentas
de Inteligência Artificial irão decerto contribuir para a
melhoria da experiência dos utilizadores ao reduzir tempos
de uso do computador no decorrer da prestação
de cuidados. }
46 47
GH opinião
Podemos dizer que na área dos Sistemas de Informação
Clínicos, a era dos Processos Clínicos Eletrónicos
(PCE) ainda está a dar os primeiros passos. As métricas
cientificamente sólidas de utilização de um PCE são
necessárias para impulsionar melhorias mensuráveis no
design e melhorar o fluxo de trabalho clínico e de equipa.
Os seus resultados devem ser precisos, confiáveis,
válidos e adequadamente ajustados ao risco. Essas medidas
podem ser usadas para comparar fornecedores
e instâncias do mesmo produto, identificar variações e
melhores práticas entre os profissionais, dar suporte ao
treino de alunos e estagiários, e desencadear esforços
para melhorar.
A título de exemplo, as métricas de uso de PCE podem
determinar:
• O tempo gasto em atividades específicas (por exemplo,
documentação clínica, gestão de caixa de entrada ou
treino de horas clínicas programadas);
• Alternância de tarefas entre atividades;
• O número e as taxas de cliques do rato por tarefa;
• A influência do trabalho de equipa no tempo total de
PCE do médico por dia, para citarmos alguns 16 .
Sabemos que melhorar a experiência dos profissionais
de saúde é chave para tirar melhor partido das tecnologias
existentes e prestar melhores cuidados. Enumeramos
já diversas variáveis com impacto na experiência dos
profissionais de saúde com os sistemas de informação.
É premente medir a experiência dos profissionais para
assertivamente se identificarem os fatores de maior insatisfação
e agir sobre os mesmos. Urge ainda mensurar
a variação da experiência na implementação de projetos
de transformação digital, para se compreender que
medidas têm mais impacto no aumento da satisfação. E
finalmente publicar essa informação, para que quem tem
de decidir sobre investimentos em tecnologias de informação
possa considerar a experiência dos profissionais
na definição de prioridades.
No caso de Portugal e através dos SPMS, as tecnologias
de informação estão presentes em mais de 50 Instituições
Hospitalares, Misericórdias e Institutos, e mais de
300 instituições de cuidados de saúde primários, chegando
a mais de 73.000 utilizadores dos seus sistemas
de informação. Talvez deva ser mesmo por aqui que o
caminho deva ser acelerado dada a abrangência única
e um enorme potencial para impactar a experiência de
utilização, contribuindo para uma transformação digital
mais positiva e sustentável no SNS. E tudo isto sob uma
liderança forte, ousada e disruptiva. A falta de tempo ou
de investimento não poderá continuar a servir de álibi
para o agir tardio em certas matérias, para as quais a
saúde em Portugal está, há muito, atrasada. Pelos nossos
utentes, pelos nossos contribuintes, mas aqui, muito em
particular, pelos nossos Profissionais de Saúde. Ã
I. System usability scale - Wikipedia
II. https://www.ctc.min-saude.pt/2021/01/12/consultas-publicas-catalogos-semanticos-2/
III. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELX:32015D1302
IV. https://wiki.ihe.net/index.php/How_to_Prepare_an_IHE_Integration_Statement
V. https://connectathon.ihe-europe.net/
1. Ratwani, R.M., Reider, J., Singh, H. (2019). A Decade of Health Information Technology
Usability Challenges and the Path Forward. JAMA. 321(8):743–744. doi:
10.1001/jama.2019.0161.
2. Hussain, M.I., et al. (2020). How the presentation of patient information and decision-support
advisories influences opioid prescribing behavior: A simulation study. J
Am Med Inform Assoc. Apr 1;27(4):613-620. doi: 10.1093/jamia/ocz213.
3. Lusa (2018). https://www.dn.pt/lusa/medicos-passam-mais-de-metade-do-tempo-de-consulta-a-olhar-para-o-computado-bastonario-10092111.html
(acedido em
10/06/2021).
4. Melnick, E.R., Ong, S.Y., Fong, A., et al. (2021). Characterizing physician EHR use
with vendor derived data: a feasibility study and cross-sectional analysis. JAm Med
Inform Assoc. Published online April 5. doi:10.1093/jamia/ocab011.
5. Sinsky, C.A., Beasley, J.W. (2014). Texting While Doctoring. Ann Intern Med
(Internet). 15 Apr;160(8):584. doi=10.7326/L14-5008-9.
6. Pavão, J. et al. (2016). “Usability study of SClinico”, 2016 11th Iberian Conference
on Information Systems and Technologies (CISTI), pp. 1-6, doi: 10.1109/CISTI.
2016.7521386.
7. Pontes, C. (2020). Avaliação do uso de Sistemas de Informação pelos gestores
de nível intermédio em contexto hospitalar. Tese de Mestrado. Departamento de
Sistemas de Informação da Universidade do Minho.
8. Deloitte. 2020. Digital transformation. Shaping the future of European healthcare.
Deloitte Center for Health Solutions. https://www2.deloitte.com/pt/pt/pages/life-sciences-and-healthcare/articles/Digital-Transformation.html
9. Marto, V. (2017). A Gestão da Mudança em Sistemas de Informação: a migração
do sistema de gestão de doentes para a aplicação SONHO V2 no Centro
Hospitalar de Leiria, EPE. Mestrado em Gestão de Sistemas de Informação Médica.
Instituto Politécnico de Leiria. https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/2698/1/
Dissertação%20-%20MGSIM%20-%20Vitor%20Marto.pdf
10. SPMS (2015). Think Tank eHealth em Portugal: Visão 2020. http://spms.min-
saude.pt/wp-content/uploads/2015/11/Relat%C3%B3rio-Think-Tank-eHealth-
2020-v05112015.pdf
11. Melnick, E.R., et al. (2021). The association between perceived electronic health
record usability and professional burnout among US nurses. J Am Med Inform Assoc.
https://doi.org/10.1093/jamia/ocab059
12. Melnick, E.R., et al. (2020). The Association Between Perceived Electronic Health
Record Usability and Professional Burnout Among US Physicians. Mayo Clin
Proc. Mar;95(3):476-487. doi: 10.1016/j.mayocp.2019.09.024. Epub 2019 Nov 14.
PMID: 31735343.
13. Monteiro, M.F. (2018). Informação médica será transportada pelos próprios
pacientes. ComputerWorld. https://www.computerworld.com.pt/2018/03/21/informacao-medica-vai-ser-transportada-pelos-proprios-pacientes/
14. Martins, H. (2021). Digital Healthcare Focus: Digital Health Professional. https://
healthmanagement.org/c/it/post/digital-healthcare-focus-digital-health-professionals
15. SPMS (2019). ENESIS 2022. Versão preliminar. https://www.spms.min-saude.pt/
wp-content/uploads/2019/10/ENESIS2022_VersaoParaConsultaPublicaOut2019.pdf
16. Melnick, E.R., Sinsky, C.A., Krumholz, H.M. (2021). Implementing Measurement
Science for Electronic Health Record Use. JAMA. Published online Apr 05. doi:10.1001/
jama.2021.5487.
48
GH proteção de dados
A implementação do RGPD
na saúde: em tudo igual,
em tudo diferente?
Elisabete Castela
Encarregada da Proteção de Dados, Centro Hospitalar
Universitário do Porto, E. P. E.
Em tudo igual
O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento
Europeu e do Conselho, vulgarmente
denominado por Regulamento
Geral sobre a Proteção de Dados
(RGPD), foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia
no dia 4 de maio de 2016, tendo entrado em vigor
no dia 24 de maio de 2016 e sendo obrigatório em todos
os seus elementos e diretamente aplicável em todos
os Estados-Membros da União Europeia a partir de 25
de maio de 2018.
O RGPD coloca às organizações um conjunto de desafios
exigentes, de natureza muito diversa, e que podem
requerer um esforço significativo de adaptação e transformação
dessas mesmas organizações
Cada organização definirá a abordagem que terá que
adotar com vista a garantir a conformidade com o Regulamento.
Na prática, essa abordagem e o modo como
será seguida dependerão da área de atividade da organização,
da sua dimensão e complexidade, e do tipo de
tratamento de dados pessoais que realize.
Com vista a auxiliar as organizações a alinharem-se com
as determinações do RGPD, diversas entidades (consultoras,
escritórios de advogados, agências públicas, etc.)
avançaram com orientações, considerações e serviços
de suporte ao processo de implementação do RGPD.
De entre esses contributos, importa destacar os da Comissão
Nacional de Proteção de Dados 1 e dos Serviços
Partilhados do Ministério da Saúde. 2
Estes contributos auxiliam as organizações na preparação
para a conformidade com o RGPD, apontando aspetos
centrais a ter em conta, sugerindo métodos de concretização
e discutindo especificidades da implementação do
RGPD em setores particulares. Facilmente se concluirá,
no entanto, que cada organização terá que definir a sua
própria abordagem com vista a garantir a conformidade
com o Regulamento.
O processo de implementação do RGPD na saúde poderá/deverá
seguir a metodologia aplicada noutras organizações
seguindo as fases de diagnóstico, avaliação,
transformação e manutenção, consubstanciadas nas diversas
e múltiplas atividades que as integram.
Este processo de implementação permitirá obter um
grau de conformidade com o regime de proteção de
dados pessoais (RGPD e Lei nº 58/2019, de 8 de agosto
- Lei Nacional de Execução).
Em tudo diferente
Mas do que falamos quando falamos de proteção de
dados pessoais na Saúde? “De proteção jurídica que a lei
consagra aos dados pessoais de saúde e, por outro lado,
a proteção destes dados na prática clínica no sistema
de saúde”. 3
Sendo os dados de saúde, informação da vida pessoal
privada, estes merecem uma proteção especial no quadro
legal em Portugal 4 e na União Europeia. 5
No âmbito da proteção de dados, relevam os dados
“sensíveis ”, ou, na terminologia do RGPD, as categorias
especiais de dados, onde estão incluídos os dados de
saúde, os dados genéticos - entre outros - com fundamentos
específicos para o seu tratamento.
Como regra geral, o tratamento destes tipos de dados
é proibido. No entanto, os mesmos poderão ser objeto
de tratamento sob certas condições, de acordo com o
artigo 9º do RGPD, nomeadamente se o tratamento for
necessário para efeitos de diagnóstico médico, prestação
de cuidados ou tratamentos de saúde ou de gestão de
sistemas e serviços de saúde.
No que respeita a proteção na prática clínica, assumem
relevância particular o sigilo profissional e a confidencialidade
espalhados nos Códigos Deontológicos 6 dos profissionais
de saúde, bem como as normas e orientações
emanadas pelas entidades que supervisionam a atividade
em Saúde. 7
Mas o que distingue o processo de implementação quando
aplicado na Saúde?
No âmbito dos hospitais públicos podemos afirmar que
“importa atender a um vasto conjunto de normativos, de
diversas ordens, que compõem uma arquitetura jurídica
complexa. De diferentes ordens e de diferentes fontes e
com âmbitos materiais também diferentes.” 8
Independentemente da natureza da organização (pública
ou privada) e da arquitetura jurídica a que está sujeita,
consideramos fundamental atender também seguintes
aspectos:
• A organização de saúde revela-se uma organização complexa,
com vários poderes e saberes 9 em que os processos
de mudança se revelam difíceis de implementar;
• Além da prestação dos cuidados de saúde, outras atividades
como o ensino médico e a investigação podem ter
um papel relevante na sua atividade (v.g. os centros hospitalares
universitários), envolvendo muitas vezes a utilização
secundária de dados;
• A Saúde tem legislação específica quanto à proteção
da privacidade, confidencialidade e proteção de dados e
que continua em vigor. Nos termos do artigo 62º da Lei
nº58/2019, as normas relativas à proteção de dados de
saúde continuam em vigor em tudo o que não contrarie
o disposto no RGPD e na Lei nº 58/2019, de 8 de agosto;
• Grande volume de “dados especiais” tratados - dados
relativos à saúde, dados genéticos; - dados especiais exigem
proteção reforçada;
• A maioria dos titulares dos dados são titulares vulneráveis;
• O modelo de prestação integrada de cuidados de saúde
implica a necessidade de acesso aos dados por diferentes
profissionais e consequente definição de perfis
de acesso e de medidas organizativas, de acordo com o
princípio need to know;
• Possibilidade de “conflito” entre intervenientes no âmbito
da gestão de dados pessoais: encarregado da proteção
de dados, responsável pelo acesso à informação,
comissão de ética;
• Necessidade de adoptar medidas de segurança adequadas
à “sensibilidade dos dados” e ao nível risco: muitos
dos tratamentos da lista dos tratamentos sujeitos a
avaliação de impacto respeitam a dados de saúde (lista
constante do regulamento nº1/2018 da CNPD, Diário
da República, 2ª série, nº 231, de 30 de novembro);
• Os hospitais públicos estão obrigados, enquanto entidades
públicas, a designar um encarregado da proteção
de dados (artigo 37º, nº1 do RGPD);
• O RGPD não se aplica a dados de saúde de pessoa falecida
(considerando 27), sendo regulado pelo artigo 17º
da Lei nº58/2019, obrigando à ponderação adequada de
todos os direitos em causa e sempre em cumprimento
dos princípios estabelecidos no artigo 5º do RGPD.
Conclusão
Longo tem sido o caminho na proteção dos dados pessoais
e no seu reconhecimento como direito fundamental.
A aprovação do Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados e a sua aplicação direta aos Estados-Membros
da União Europeia veio consolidar a necessidade de
harmonizar as normas e reforçar o controlo dos dados
pelos seus titulares.
Apesar dos dois anos entre a entrada em vigor e o início
da sua aplicação, da existência de regulamentação específica
para os dados de saúde, a maioria das organizações na
área da saúde em Portugal, teve (terá) que envidar esforços
para a conformidade da sua atividade com o RGPD.
Certo é que a conformidade com o RGPD é um processo
e não um produto, pelo que exigirá um acompanhamento,
monitorização e uma capacidade de resposta a
novos desafios, sempre constantes. Ã
1. https://www.cnpd.pt/bin/rgpd/10_Medidas_para_preparar_RGPD_CNPD.pdf
2. httpp://spms.min-saude.pt/wp-content/uploads/2017/03/ Guia - Privacidade - SPMS
RGPD digital_20.03.217-v.2.pdf
3. Deodato, Sérgio (2017) - “A proteção dos dados de Saúde”, col. Argumento,
Lisboa, Universidade Católica Editora, p. 9.
4. Lei nº 95/2019, de 4 de setembro, “Lei de Bases da Saúde”; Lei nº 12/2005, de
26 de janeiro, “Acesso o à Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde”;
Lei nº 15/2014, de 21 de março, “Direitos e Deveres do Utente nos Serviços de
Saúde”; Lei nº 21/2014, de 16 de abril, alterada pela Lei nº 73/2015, de 27 de julho,
“Lei da Investigação Clínica”; Decreto-Lei nº 131/2014 de 29 de agosto, que regulamenta
a Lei nº 12/2005.
5. Regulamento (UE) 2016 /679 de 27 de abril de 2016 do Parlamento Europeu e
do Conselho, “Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados” (artigos 5.º, n.º 1,
f) e 9.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas h), i) e j), 3 e 4 e considerandos 35, 52, 53 e 63); Regulamento
de Execução (UE) n.º 520/2012 da Comissão, de 19 de junho de 2012, relativo
à realização das atividades de farmacovigilância previstas no Regulamento
(CE) n.º 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho e na Diretiva 2001/83/
CE do Parlamento Europeu e do Conselho; a Diretiva n.º 2011/24/UE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa aos cuidados de
saúde transfronteiriços.
6. V. Código Deontológico da Ordem dos Médicos (Regulamento nº 707/2016,
publicado na 2.ª série do Diário da República, em 21de julho de 2016), Código Deontológico
da Ordem dos Enfermeiros (anexo à Lei nº156/2015, publicada na 2.ª
série do Diário da República, em 16 de setembro de 2015, Código Deontológico
dos Psicólogos Portugueses (Regulamento n.º 258/2011, publicado na 2.ª série do
Diário da República, em 20 de abril de 2011, alterado pelo Regulamento nº1119-
A/2016. publicado na 2.ª série, 2º suplemento, do Diário da República em 26 de
dezembro de 2016) entre outros.
7. “Privacidade da Informação no Setor da Saúde”, “Segurança da Informação - Informação
ao colaborador”, Circular Normativa nº1/2017 SPMS | Medidas Excecionais
de Cibersegurança, Circular Normativa nº2/2017 SPMS | Medidas Excecionais
de Cibersegurança, Circular Normativa nº3/2017 SPMS | Medidas Excecionais de
Cibersegurança, Circular Normativa nº4 SPMS | Medidas Excecionais de Cibersegurança”,
www.ciberseguranca.spms.min-saude.pt
8. Monge, Cláudia (2020) - “Proteção de dados de saúde nos hospitais públicos”,
Revista de Direito Administrativo, maio- agosto, nº 8, AAFDL Editora.
9. Carapinheiro, Graça (1993), “Saberes e poderes no hospital. Uma sociologia dos
serviços hospitalares”, Porto, Editora Afrontamento.
50 51
GH Comunicação em Saúde
O MELHOR ESCUDO ANTICRISE
É UMA IMAGEM POSITIVA
“
The public be informed”. Esta foi a Era lançada
pelo norte-americano Ivy Lee, um
dos pais das Relações Públicas e, diz a
História, responsável pelo primeiro press
release enviado às redações, em 1906, a
propósito de um trágico acidente de comboio nos Estados
Unidos da América, que resultou na morte de 50
pessoas. Por isso, é seguro dizer-se que a Assessoria de
Imprensa e o press release clássico surgem de uma necessidade
de informar, de comunicar. Neste caso, num
contexto de crise.
Gosto de acreditar que esta Era se mantém até aos dias
de hoje. Pelo menos é nela em que me insiro enquanto
profissional de comunicação. Sou assessor de imprensa
porque acredito, convictamente, na Assessoria de Imprensa
como método, bem como nos seus instrumentos
de atuação. Mas também acredito no Jornalismo livre
e independente como a ferramenta mais eficaz para
alcançar a população com eficácia, transparência e responsabilidade.
Estas minhas duas motivações estão de
mãos dadas.
Portanto, o que não se comunica não existe. Este é para
mim um dos grandes desafios da década. A comunicação
tem vindo a ganhar uma preponderância gigantesca
num mundo cada vez mais ligado e digital. O austríaco
Paul Watzlawick, um dos mais notáveis teóricos de comunicação,
documenta: “É impossível não se comunicar:
todo o comportamento é uma forma de comunicação.
Como não existe forma contrária ao comportamento
("não-comportamento" ou "anti-comportamento"), também
não existe "não-comunicação". Então, é impossível
não se comunicar”. Não poderia concordar mais. Não
comunicar é uma forma de comunicar. Ter uma postura
de retaguarda tem uma leitura. Tudo em comunicação
Rui Neves Moreira
Assessor de Imprensa
do Centro Hospitalar Universitário de São João
tem uma causa-efeito, mais ou menos imediato. Positivo,
negativo ou neutro.
Há uma vasta e relevante literatura sobre comunicação
de crise. Os seus princípios estão documentados e são
transversais às morfologias de todas as crises, sejam elas catástrofes
(sanitárias, naturais ou humanas), ameaças económico-financeiras,
crises de honorabilidade, entre outras.
Antecipação, transparência, agilidade e qualidade informativa.
São estes os princípios da comunicação de crise, tendo
a mensagem como ponto de partida. A mensagem
deve ser simples, clara e eficaz. A mensagem tem o poder
de definir agendas, notícias, títulos, statements e, por consequência,
resultados, efeitos e comportamentos. A mensagem
resulta em informação que, no caso de uma crise,
deve ser precisa, tranquilizadora e dinâmica. Qualquer
ação de comunicação, seja ela ou não de crise, deve ter
como foco uma mensagem ou, no máximo, não mais do
que três. É fundamental definir objetivos e conhecer as
ferramentas para os atingir: os instrumentos de Assessoria
de Imprensa, os graus de confidencialidade (on the record,
off the record, not for attribution, on background), os tipos de
negociações (exclusivo, primeira-mão, mix de assessoria).
Mas, arrisco dizer, a pandemia por Covid-19 fez sobressair
dois novos princípios: o bom senso, pela responsabilidade
dos temas em mãos, e a gestão de uma imagem
positiva, que posicione as instituições e lhes confira notoriedade
e reputação.
O melhor escudo anticrise é a gestão e a promoção de
uma imagem positiva e de confiança, que envolva as pessoas
interna e externamente. É a criação de uma sólida
cultura de comunicação de dentro para fora, tornando
as paredes invisíveis. É encontrar argumentos de comunicação
constantes e dinâmicos. É encontrar o equilíbrio
entre o volume e a qualidade de informação que se pretende
comunicar. É ser uma boa fonte e criar uma relação
próxima e positiva com a Comunicação Social e, por
sua vez, com a opinião pública. A criação de uma cultura
de comunicação forte envolve os recursos humanos, valoriza-os.
Torna-os pivots de informação, decision/opinion
makers e embaixadores da marca.
Mas essa gestão significa também resolver os pequenos
conflitos quotidianos, de forma a que uma pequena
fogueira não se transforme num grande incêndio. Um
exemplo prático desta pandemia: o caso das vacinações
indevidas. O primeiro caso de vacinação indevida a ser
tornado público surgiu numa instituição de saúde, após
as vacinas em sobra terem sido dispensadas para a pastelaria
ao lado. Rapidamente os casos de vacinações indevidas
foram expostos de norte a sul do país, desvirtuando
a mensagem positiva e de esperança do processo. Este
é um típico fenómeno de comunicação de crise. Aliás,
é também uma estratégia que desfoca o problema na
instituição e o alastra ao “sistema”. Aconteceram vários
casos destes ao longo da história. No futebol, nos crimes
ambientais, na política.
A criação de uma imagem positiva de qualquer instituição
assenta num equilíbrio complexo das várias dimensões
da imagem: a real, a desejada e a percebida. Devem
ser trabalhadas individualmente pelo objetivo maior da
imagem positiva e sólida.
Por muita preparação e boa gestão que exista, as crises
existirão sempre. É factual. São cíclicas. Para as enfrentarmos,
temos de agregar todos estes princípios e documentá-los
num plano de comunicação de crise e numa
política estratégica de comunicação.
Foi dessa forma que o Centro Hospitalar Universitário
de São João se preparou para a pandemia do ponto de
vista de comunicação.
Em 2020, pela primeira vez um hospital foi a marca mais
relevante em responsabilidade social: o Centro Hospitalar
Universitário de São João, à frente de marcas como
Pfizer, Federação Portuguesa de Futebol, Cruz Vermelha
e Santa Casa. Os critérios em análise foram notoriedade,
admiração, relevância, confiança, preferência e recomendação.
Esta distinção premeia a postura de comunicação
do hospital na resposta à pandemia e a relação com a
opinião pública, os profissionais e os seus utentes.
A estratégia focou-se em três marcadores chave: abertura,
sentido de responsabilidade e qualidade informativa.
Não houve um único meio de comunicação que
tenha manifestado interesse de conhecer a dinâmica do
hospital e lhe tenha sido negado o acesso. E esta abertura
ultrapassou as fronteiras de Portugal, com mais de
uma dezena de reportagens internacionais, entre as quais
da CGTN (canal de notícias internacional da China), da
Agence France-Press, do Daily Mail, do TeleCinco e do
Verdens Gang (o jornal online mais lido da Noruega).
“
A COMUNICAÇÃO É REFLEXO DAS LIDERANÇAS
E DEVE SER UMA EXTENSÃO DAS BOAS
PRÁTICAS DE QUALQUER INSTITUIÇÃO.
SÓ COM UMA COMUNICAÇÃO PRÓ-ATIVA,
TRANSPARENTE E COMPETENTE SE ATINGEM
OS OBJETIVOS DA QUALIDADE INFORMATIVA
E DA IMAGEM POSITIVA.
”
Toda a política de comunicação externa resultou em que
o Centro Hospitalar Universitário de São João tenha sido
o hospital português com maior impacto mediático, no
contexto global e pandémico. Nos doze meses de 2020
foram registadas 18139 notícias, mais 49% face a 2019.
No primeiro ano de pandemia, de acordo com a empresa
Cision (dados de março de 2020 a março de 2021), o
São João registou menções em 14038 notícias sobre Covid-19,
mais 73% que o Centro Hospitalar Universitário
Lisboa Norte e mais 108% que o Centro Hospitalar Universitário
de Coimbra. Mas, além deste impacto quantitativo,
importa destacar a relevância qualitativa: mais
de 99.8% das notícias foram positivas. Estes resultados,
quantitativos e qualitativos, traduzem-se nos grandes objetivos
de comunicação e, em particular, de Assessoria
de Imprensa: posicionamento, notoriedade e reputação.
Para concluir, importa destacar que uma crise é, não raras
vezes, uma oportunidade de comunicação. No caso
desta crise sanitária, não só uma oportunidade de colocar
uma instituição no circuito mediático, mas também
de incrementar um aumento do espaço, da sensibilidade
e do interesse para os temas da saúde. Haverá uma ressaca
de comunicação de saúde no pós-pandemia e as
posturas estratégicas de comunicação das instituições serão
fundamentais para a continuidade das boas relações
e para que os meios de comunicação atestem mais espaço
nos jornais e minutos nos noticiários. A Saúde tornou-se
um tema sexy, é necessário continuar a encontrar
bons argumentos de comunicação. Que uma nova crise
não seja condição!
A comunicação é reflexo das lideranças e deve ser uma
extensão das boas práticas de qualquer instituição.
Só com uma comunicação pró-ativa, transparente e
competente se atingem os objetivos da qualidade informativa
e da imagem positiva. E ganham todos: a instituição
e a sociedade! Ã
52 53
GH ESPAÇO ENSP
ESTIMATIVA DE CUSTOS DIRETOS
DE INTERNAMENTO POR COVID-19
NO CHULC
Joana Seringa
Centro Hospitalar Universitário
Lisboa Central
Sérgio Pedreiras
Centro Hospitalar Universitário
Lisboa Central
Maria João Freitas
Centro Hospitalar Universitário
Lisboa Central
Rosa Valente de Matos
Centro Hospitalar Universitário
Lisboa Central
João Rocha
Escola Nacional
de Saúde Pública
Rui Santana
Escola Nacional
de Saúde Pública
A
pandemia por Covid-19 representa
uma ameaça significativa à saúde global
(Lai et al., 2020), com um impacto
sem precedentes na sociedade, na
saúde pública e na economia global
(Nicola et al., 2020). Os efeitos das ruturas sofridas pela
economia irão certamente persistir durante um longo
período (The World Bank, 2021), com implicações diretas
para os sistemas de saúde e sociedade.
A pandemia resultou em mais de 180 milhões de casos
confirmados e mais de 4 milhões de mortes em todo o
mundo (World Health Organization, 2021). A 2 de março
de 2020, Portugal registou o primeiro caso de contágio
por Covid-19, sendo que até ao momento o número
de casos confirmados já é superior a 900 mil e o número
de óbitos a 17.000 (Direção-Geral da Saúde. Ministério
da Saúde, 2021).
Os sistemas de saúde e hospitais em todo o mundo necessitaram
de se adaptar para enfrentar os desafios desta
pandemia. Destacamos, como exemplo, o aumento da
capacidade de camas de unidade de cuidados intensivos
(UCI), a instalação de hospitais de campanha, a criação
de novos circuitos e o desenvolvimento de unidades Co-
vid-19 (Peiffer-Smadja et al., 2020). A par com os desafios
clínicos e organizacionais, os hospitais e sistemas de
saúde viram os custos aumentarem com a necessidade
de contratar profissionais de saúde e de adquirir equipamentos
médicos (como por exemplo, ventiladores e
equipamentos de proteção pessoal) para o tratamento
de utentes com Covid-19 (Quentin et al., 2020).
Estas alterações intensificaram o risco financeiro das unidades
de saúde. Recorde-se que a última década foi marcada
por uma austeridade externa, com perda de autonomia
de gestão, existência de ciclos de endividamento
e sua reposição extraordinária através de injeções de financiamento,
falta de liquidez para investimento em capital
fixo e perda de confiança nos processos de negociação
orçamental.
No primeiro trimestre de 2020, a dívida vencida há mais
de 90 dias (em atraso) pelas 54 entidades de saúde do
Serviço Nacional de Saúde português era superior a 169
milhões de euros (correspondendo a 11,9% do total das
dívidas a fornecedores externos, que ascendia a 1,4 mil
milhões de euros). A par com um prazo médio de pagamento
a fornecedores de 138 dias (Governo da República
Portuguesa - Ministério da Saúde, 2021). Em agosto
de 2020, a dívida vencida há mais de 90 dias aumentava
em mais de 292 milhões de euros (correspondendo a
19,4% do total das dívidas a fornecedores externos, que
ascendia a 1,5 mil milhões de euros).
Os estudos internacionais publicados até ao momento
tendem a identificar o custo direto ou o custo adicional
que as seguradoras terão de acomodar em relação aos
internamentos por utentes com Covid-19; poucos avaliaram
o impacto financeiro nos sistemas de saúde (Khan
et al., 2020).
Conhecer o impacto financeiro da pandemia por Covid-19
no sistema de saúde é essencial para informar e
apoiar os decisores políticos sobre possíveis ajustes orçamentais
e garantir a prestação de cuidados de saúde
aos cidadãos.
Para que esta tarefa seja concretizável, é fundamental a
existência de instrumentos que permitam obter os custos
internos das unidades de saúde. Os hospitais do SNS
português, em 2021, não apresentam, salvo algumas exceções,
um procedimento regular de obtenção da sua
contabilidade analítica. Apesar de ser uma ferramenta de
gestão clássica em qualquer organização, de apoio ao
processo de tomada de decisões, não é possível conhecer
de forma célere e fiável os custos internos das estruturas,
processos ou produtos hospitalares.
Neste contexto e com o intuito de contribuir para uma
melhor compreensão do impacto financeiro da Covid-
-19, o objetivo deste estudo foi estimar o custo de internamento
de utentes com Covid-19 num hospital público
português, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa
Central, EPE (CHULC).
Para o efeito, utilizámos dados de internamento do
CHULC entre 1 de março de 2020 e 31 de maio de
2020. Este centro hospitalar está localizado em Lisboa
e é composto por seis hospitais: dois dedicados à assistência
materno-infantil, um a patologias cardiovasculares
e três de tipologia geral para atendimento de adultos.
Garante uma emergência polivalente para adultos, uma
emergência pediátrica e obstétrico-ginecológica, e presta
cuidados de saúde em várias especialidades médicas e cirúrgicas.
Este centro hospitalar conta com cerca de 1.300
camas e uma média de 3.900 internamentos por mês.
Também serve como referência para outros hospitais
com menor nível de diferenciação.
Os internamentos foram considerados elegíveis para o
estudo se o diagnóstico principal ICD-10-CM fosse codi- }
54 55
GH ESPAÇO ENSP
Demora Média (dias) Custos Diretos (€)
Nº (%)
Média (DP) Mediana (IIR) Média (DP) Mediana (IIR)
Total 223 12,69 (10,16) 10,00 (5,00-16,00) 8.177 (11.534) 4.435 (2.307-7.765)
Sexo
Feminino 80 (35,9%) 11,80 (8,10) 9,00 (6,00-15,25) 5.587 (5.339) 4.013 (2.605-6.562)
Masculino 143 (64,1%) 13,19 (11,16) 11,00 (5,00-17,00) 9.626 (13.647) 4.804 (2.100-10.183)
Grupo Etário
18-44 61 (27,4%) 8,84 (8,13) 6,00 (4,00-12,00) 6.296 (11.564) 2.771 (1.512-5.784)
45-64 68 (30,5%) 12,76 (10,50) 11,00 (6,00-16,00) 8.908 (11.903) 4.421 (2.422-7.381)
65-84 56 (25,1%) 16,25 (10,80) 13,50 (7,75-22,25) 11.360 (13.670) 6.876 (3.280-13.324)
≥85 38 (17,0%) 13,55 (9,70) 11,50 (6,00-19,50) 5.198 (3.975) 4.354 (2.099-5.712)
Tabela 1: Admissões por Covid-19, demora média e custos diretos.
ficado como U07.1. Foram excluídos os internamentos
de utentes menores de 18 anos, internamentos com
registos incompletos (grupo diagnóstico homogéneo
[GDH] ausente), internamentos de utentes que foram
transferidos de ou para outros hospitais ou aqueles cujo
internamento foi inferior a 24 horas. Os internamentos
por gravidez, parto e puerpério também foram excluídos,
bem como internamentos de utentes operados. A
amostra final foi composta por 223 internamentos, o
que representou cerca de 2,4% do total de internamentos
neste centro hospitalar no período de análise. Houve
21% dos episódios não codificados, pelo que estimamos
que, nesse período, o total de internamentos do Covid-
-19 (sem nenhum critério de exclusão) correspondeu a
4,6% do total de internamentos.
A estimativa dos custos foi obtida tendo em consideração
os seguintes critérios:
• A valorização do custo em medicamentos considerou
o preço médio de compra;
• A valorização do custo com meios complementares
de diagnóstico e terapêutica para cada internamento foi
realizada a partir dos preços de referência da Portaria nº
254/2018;
• Os custos com recursos humanos, consumíveis clínicos
e custos indiretos por não apresentarem possibilidade de
imputação direta por episódio, foram divididos pelo total
de dias de internamento (custo unitário por dia de internamento)
e alocados a cada episódio de acordo com o
número de dias de internamento de cada doente.
A maioria dos utentes internados foi do sexo masculino
(64,1%) e apresentou idade compreendida entre os 45
e os 64 anos (30,5%). Cerca de 13% dos utentes com
diagnóstico de Covid-19 foram admitidos em UCI, existindo
registo de maior prevalência de homens (86,2%) e
utentes com idade entre 65-84 anos (48,3%). A taxa de
mortalidade hospitalar entre os utentes com Covid-19
foi de 9,9%.
Conforme apresentado na tabela 1, o tempo médio de
internamento foi de 12,69 dias (± 10,16) e o custo
médio estimado por internamento foi de 8.177€ (±
11.534), valor substancialmente acima do preço médio
de referência (portaria) ou mesmo ajustado pelo case-
-mix previsto em contrato-programa para o CHULC.
Vinte e um utentes (9,4% das admissões) tiveram um
custo estimado por admissão superior a 20.000€, representando
44% dos custos totais. Este valor indicia uma
variabilidade assinalável que importará explorar no futuro.
No que respeita às componentes de custos, os recursos
humanos representaram a maior proporção dos
custos totais por admissão (50,8%).
De acordo com os dados disponíveis, em Portugal, a taxa
de internamento por casos confirmados de Covid-19
ronda os 13% a 16%, podendo assim sugerir-se que até
ao final do ano de 2020, entre 54.682 a 67.301 doentes
foram internados em hospitais, o que utilizando os valores
médios agora apurados resultaria uma estimativa de
custo global na ordem de 447 a 550 milhões de euros.
Estes dados são preliminares, necessitam de maior detalhe
e ser complementados pelos custos de investimento
em equipamentos, custos de reorganização, pelos custos
de oportunidade tremendos que a pandemia trouxe e
aduzir estimativas relativas a outros níveis de prestação
de cuidados. O conhecimento de outras realidades poderá
permitir uma comparação sobre a eficiência de cada
unidade na resposta a esta pandemia.
Os desafios no conhecimento sobre a resposta à pandemia
e sobre os seus efeitos a médio e longo prazo são
significativos. Assim sendo, a necessidade de dispor de
recursos financeiros e a necessária autonomia das instituições
prestadoras de cuidados de saúde, fundamentais
para uma gestão efetiva das organizações de saúde, deverá
ser acompanhada pelo reconhecimento das vantagens
e necessidade de ter à disposição os instrumentos
que permitam reduzir o risco no processo de tomada de
decisões, como por exemplo, a utilização de sistemas de
custeio nas nossas organizações de saúde. Ã
• Direção-Geral da Saúde. Ministério da Saúde. (2021). Covid-19 Relatório de
Situação no 351.
• Governo da República Portuguesa - Ministério da Saúde. (2021). Transparência
- SNS.
• Khan, A. A., Alruthia, Y., Balkhi, B., Alghadeer, S. M., Temsah, M. H., Althunayyan,
S. M., & Alsofayan, Y. M. (2020). Survival and estimation of direct medical costs of
hospitalized covid-19 patients in the kingdom of saudi arabia (Short title: Covid-19
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and Public Health, 17(20), 1-13. https://doi.org/10.3390/ijerph17207458
• Lai, C., Shih, T., Ko, W., Tang, H., & Hsueh, P. (2020). Severe acute respiratory
syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and coronavirus disease-2019 (Covid-19):
The epidemic and the challenges. International Journal of Antimicrobial Agents, January.
• Nicola, M., Alsafi, Z., Sohrabi, C., Kerwan, A., Al-Jabir, A., Iosifidis, C., Agha, M., &
Agha, R. (2020). The socio-economic implications of the coronavirus pandemic
(Covid-19): A review. International Journal of Surgery, 78(January), 185-193. https://
doi.org/10.1016/j.ijsu.2020.04.018
• Peiffer-Smadja, N., Lucet, J. C., Bendjelloul, G., Bouadma, L., Gerard, S., Choquet,
C., Jacques, S., Khalil, A., Maisani, P., Casalino, E., Descamps, D., Timsit, J. F., Yazdanpanah,
Y., & Lescure, F. X. (2020). Challenges and issues about organizing a
hospital to respond to the Covid-19 outbreak: experience from a French reference
centre. Clinical Microbiology and Infection, 26(6), 669-672. https://doi.org/10.1016/j.
cmi.2020.04.002
• Quentin, W., Albreht, T., Bezzina, A., Bryndova, L., Dimova, A., Gerkens, S., Kowalska-Bobko,
I., Mantwill, S., Or, Z., Rajan, S., Theodorou, M., Tynkkynen, L.-K., Waitzberg,
R., & Winkelmann, J. (2020). Adjusting hospital inpatient payment systems for
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• The World Bank. (2021). Global Economic Prospects. In The World Bank (Issue
January). http://elibrary.worldbank.org/doi/book/10.1596/978-1-4648-1612-3
• World Health Organization. (2021). WHO Coronavirus Disease (Covid-19)
Dashboard. https://covid19.who.int/
56
GH SAÚDE PÚBLICA
SERVIR O INTERESSE DA POPULAÇÃO
E DAS COMUNIDADES
A
Saúde Pública do século XXI terá de
ser a Saúde Pública que melhor serve
o interesse da saúde da população e
as das comunidades.
Consagrado pela Declaração de Alma-Ata,
os Cuidados de Saúde Primários (CSP) representam
o acesso e entrada do cidadão nos serviços de
saúde, desenvolvendo-se a partir daí, todas as funções
dos cuidados de saúde, entre as quais, a prevenção da
doença, até à continuidade de cuidados, sendo, para
além dos cuidados de saúde primários, a Saúde Pública,
a área que representa uma capacidade e possibilidade
de mudança e evolução mais profunda, com maiores
horizontes e efetividade nos resultados em saúde.
Interessa à população presente no país, a melhor eficiência
do Sistema Nacional de Saúde (SNS), mas também
a efetividade dos e de programas de saúde. A implementação
local no terreno, faz-se, tradicionalmente,
de forma pouco integrada, entre CSP e Hospitais. É
prioritário mudar esta visão. A implementação de programas
transversais direcionados para a comunidade,
que partem do problema, considerando assim como
essencial, a caracterização e estudo do problema e respetivo
impacto a nível dos serviços de saúde, permite, a
correta identificação dos fatores de risco desse mesmo
problema, mas também a identificação de necessidades
e posteriores soluções para a sua mitigação.
O desenvolvimento dos processos de trabalho, através
da criação de equipas multidisciplinares, uma realidade
nas Unidades Locais de Saúde (ULS), e também com
representação das várias unidades funcionais, foi um
progresso, na forma de intervenção em saúde, seja no
âmbito da gestão ou na prevenção da doença. Já no âmbito
da promoção da saúde, é condição sine qua non a
visão alargada, polivalente, possibilitada pelo cruzamen-
Sara Letras
Médica Assistente de Saúde Pública - Unidade de Saúde Local
do Litoral Alentejano, membro da direção da Associação Nacional
de Médicos de Saúde Pública (ANMSP)
to do conhecimento, intersecção ou intervenção que se
constrói, pelos vários níveis.
A Saúde Pública tem como base a construção dessa
capacidade e metodologia de trabalho, convergindo a
resposta dos vários sectores no bem comum, a saúde
das populações. Quando se pensa em Saúde Pública
nos serviços de saúde, é inevitável a projecção no futuro
dessa capacidade própria e respetivas ferramentas, nos
diferentes níveis de saúde, hospitalares, cuidados de saúde
primários, de um só modo de pensar saúde, a saúde
da população. Para isso, a implementação de programas
transversais, é uma forma de potenciar esse pensamento.
A estrutura integrativa do conhecimento e competências
dos diferentes serviços e níveis de saúde, na criação
destes programas transversais, é possível numa Unidade
Local de Saúde. E ser médico de Saúde Pública numa
Unidade Local de Saúde, permite esta experiência.
Uma ULS tem um desenho de organização que potencia
esta abordagem virada para os problemas de saúde na
comunidade, e através de modelos de desenvolvimento
organizacionais que permitam essa mesma intervenção,
com base num planeamento integrativo das diferentes
visões e diagnóstico de situação das respetivas áreas dos
serviços de saúde e da população ou comunidade.
O Planeamento em Saúde - função essencial da
Saúde Pública
O domínio da ferramenta Epidemiologia, a investigação
das principais causas de mortalidade, assim como o estudo
da carga de doença, aliado ao conhecimento do
território e características socio e geodemográficas, permite
um domínio do conhecimento dos problemas de
saúde na respetiva população. A identificação e avaliação
das necessidades técnicas em saúde da população,
a morbilidade, a carga de doença também a nível dos
cuidados hospitalares, indicam o caminho que se deve
criar para a melhoria dos resultados.
A peça chave para a mudança é a concretização dos Planos
Locais de Saúde (PLS), que permitem a criação do
vector da evolução. Numa ULS, o desenho de implementação
de um Plano Local de Saúde, para além da abordagem
dos principais problemas de saúde, identificados na
população, comunidade e respetivos parceiros, possibilita
integrar igualmente as necessidades de intervenção a nível
da resposta dos serviços de saúde, nomeadamente
hospitalares. Concretizar a interface entre a comunidade
e os cuidados de saúde seja CSP ou hospitalares, ou se
quisermos pensar na vanguarda, nos serviços de saúde
como um todo, a Saúde Pública representa a disciplina
que melhor poderá executar essa interface.
O longo trabalho a nível da saúde comunitária, o conhecimento
dos diferentes contextos, laboral, escolar, lares,
estabelecimentos prisionais, entre outros, permitem à
especialidade médica de Saúde Pública, o conhecimento
onde se desenrolam e originam os problemas em saúde.
Para além disso, a construção da rede de parceiros
na comunidade, stakeholders e estruturas, que a Saúde
Pública pode agregar, permite uma maior expansão dos
resultados em saúde.
A Saúde Pública numa Unidade Local de Saúde
A visão abrangente da Saúde Pública numa estrutura
ULS, permite acrescentar em vários domínios: a importância
na contribuição para a definição do plano estratégico
institucional; o desenvolvimento de uma visão
de eficiência, desde logo pela importância económica
da Saúde Pública através da prevenção. A sobrecarga
e stress nos cuidados de saúde secundários e terciários,
são desafios à sustentabilidade financeira de uma instituição,
sendo urgente o investimento na prevenção de
doença e a promoção da saúde, áreas nucleares da especialidade
médica de Saúde Pública. A criação de programas
de prevenção de doença dirigidos e desenhados
para população abrangida, permitem potenciar a sustentabilidade
financeira de uma instituição de saúde, sendo
estratégias essenciais para esse objetivo.
A criação de programas transversais, em articulação entre
os cuidados hospitalares virados para a integração do
cuidado assistencial e a prevenção de doença, aliados }
58
GH SAÚDE PÚBLICA
“
IMPORTA REFERIR, COMO LIMITAÇÃO
DAS ULS, A VULNERABILIDADE
DA ALOCAÇÃO DOS RECURSOS
HUMANOS NA PREVENÇÃO
EM FAVORECIMENTO DA GESTÃO
DE DOENÇA, ESPECIALMENTE,
EM SITUAÇÕES DE STRESS.
”
a estratégias de intervenção na comunidade. Por exemplo,
um programa de prevenção da obesidade infantil,
tem pertinência com a integração da visão da prevenção
da doença, passando pela educação para a saúde. A concretização
no terreno, de estratégias a nível da comunidade,
em Promoção da Saúde, adequadas à população
ou grupos populacionais alvo, poderá conduzir a uma
menor incidência de obesidade no adulto, diabetes mellitus
ou doença cardiovascular na saúde do adulto, com
menor morbilidade a longo prazo, na mesma população.
O investimento em programas de Saúde Escolar, Saúde
Oral, são um construtivo essencial no planeamento
da eficiência do SNS, com ganhos financeiros a longo
prazo.
As Unidades Locais de Saúde são representadas na sua
direção clínica, pela área hospitalar e de cuidados de
saúde primários. É necessário criar uma representação
na área Saúde Pública, uma mudança estratégica para
uma efetiva implementação de programas transversais
direcionados aos problemas em saúde da população.
Para além das competências e orgânica das Unidades
de Saúde Pública, a saúde pública, ao nível de uma ULS,
ou seja do cruzamento dos diferentes níveis de saúde,
intervém, entre outras, em áreas como:
• Controlo de infecção (Programa de Prevenção Controlo
Infecção e Resistência aos Antimicrobianos);
• Qualidade em Saúde;
• Prevenção das Doenças Transmissíveis e Vigilância
Epidemiológica;
• Epidemiologia Hospitalar;
• Controlo do Risco não clínico, ambiental (ex.: Legionella);
• Saúde Ocupacional.
A qualidade clínica, organizacional, a segurança do utente
e profissional, concretizada pela implementação dos
planos de segurança e qualidade, pelas Comissões de
Qualidade e Segurança, é um veículo para o potencial de
desenvolvimento organizacional. A qualificação e acreditação
das unidades de saúde, permitem assegurar a
avaliação de parâmetros que promovem a garantia do
acesso do cidadão aos cuidados de saúde com melhoria
contínua dos cuidados, e em proximidade da comunidade,
permitindo alcançar a longo prazo, impacto em
ganhos em saúde, tais como o aumento da esperança
de vida, na diminuição da mortalidade e morbilidade.
Desafios
Importa referir, como limitação das ULS, a vulnerabilidade
da alocação dos recursos humanos na prevenção em
favorecimento da gestão de doença, especialmente, em
situações de stress. A resposta no imediato é necessária,
ou seja, em contexto hospitalar, e dada a escassez de
recursos, a manutenção da resposta a nível da prevenção,
é, geralmente, restringida a um plano secundário. A
volatilidade da capacidade de resposta, impede a manutenção
do potencial de desenvolvimento, dificultando
a manutenção dos programas de promoção de saúde.
Uma solução para o crescimento dos ganhos em saúde,
poderá estar na concertação da interface desses programas
por parte dos serviços de saúde, com as entidades
ou parceiros na comunidade, mas para tal, é necessária
a sustentabilidade dessa resposta, para a qual, é vital, a
dotação na área de prevenção, de recursos humanos e
financeiros adequados.
A Saúde Pública deve assumir a liderança nas unidades
de saúde. A oportunidade de desenvolvimento, a fundamentação
e apoio à decisão através do planeamento,
permite o crescimento organizacional, a melhoria contínua
da qualidade dos cuidados de saúde, e os resultados
em saúde.
A criação e desenvolvimento de programas que integrem
a visão da prevenção, até à avaliação dos cuidados
de saúde prestados, adequados ao contexto geodemográfico
e socioeconómico, atendendo à priorização pela
respetiva carga global de doença, permite uma maior
eficiência na resposta em saúde.
Essa possibilidade existe numa ULS e este é o tipo de
estrutura organizacional de saúde existente, com maior
capacidade para a concretização destes programas, pois
a integração do planeamento a nível da decisão e gestão
dos cuidados já é, embora com um caminho de desenvolvimento
a percorrer, uma realidade. Ã
60
GH direito biomédico
COVID-19: DESAFIOS
E OPORTUNIDADES
Cristina Pratas
Adjunta do Conselho de Administração do Serviço
de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH)
Em 2 de março de 2020, foram oficialmente
reportados os primeiros casos em
Portugal de doentes infetados pelo vírus
SARS-CoV-2.
Em 11 de março de 2020, a Organização
Mundial de Saúde declarou a doença como pandemia.
Tinham sido reportados mais de 118 mil infeções, crescentes
em 114 países, com o registo de 4.291 casos de
mortes, a maioria dos quais na China, onde a doença terá
surgido. 1
Era o início de uma grave crise de saúde pública global,
de dimensões colossais, em relação à qual permanecem
muitas incertezas clínicas e científicas, mas seguramente
com consequências económicas e sociais devastadoras.
Em Portugal, e noutras partes do mundo, iniciou-se então
um processo de reorganização das estruturas de saúde,
assim como de outros setores da vida nacional, de
modo a enfrentar o impacto da pandemia.
O Sistema de Saúde, e o Serviço Nacional de Saúde em
particular, concentraram-se no plano de reorganização
das equipas de profissionais e nos aspetos logísticos no
âmbito da prestação direta de cuidados de saúde.
Colocando à prova a capacidade e o engenho das Administrações
Hospitalares por todo o país, na maioria dos
hospitais do setor público, e em alguns do setor privado
e social, estabeleceram-se planos de contingência, com
suspensão parcial da atividade programada, tentou-se
reforçar as equipas, ajustaram-se os planos de férias e
organizou-se a possibilidade de realizar algumas teleconsultas,
como alternativa ou complemento dos meios
convencionais à disposição do doente.
Mas, para além da prestação de cuidados diretos de saúde,
o funcionamento das instituições hospitalares depende
de outras áreas, instrumentais àquela, designadamen-
te Engenharia, Gestão e Tratamento de Roupa, Nutrição,
Gestão de Resíduos, Limpeza e Desinfeção, Gestão
de Parques de Estacionamentos, Gestão de Arquivos e
Armazéns, normalmente contratualizados pelos estabelecimentos
de saúde. São os serviços “invisíveis” aos
olhos dos doentes, discretos na sua existência, mas cruciais
na resposta hospitalar.
Por isso também estes serviços tiveram de se adaptar
perante as novas circunstâncias, num exercício de resiliência,
de uma forma rápida, eficaz e eficiente.
A área da Nutrição Hospitalar será o exemplo da adaptação
mais exigente, perante a redução de consumo de
refeições pelos doentes e perante a adoção pelos próprios
profissionais de novos hábitos de alimentação fora
dos refeitórios das instituições. O que impõe uma reflexão
cuidada, no sentido de reinvenção desta prestação,
em adaptação ao novo paradigma.
Também a Gestão dos Parques de Estacionamento Hospitalares
foi sujeita a alterações substanciais, decorrentes
não só da menor demanda de utentes, como, em alguns
casos, pela ocupação daqueles espaços por estruturas
de campanha provisória, com natural redução da área
disponível para estacionamento de veículos.
Outro desafio apresentado, foi a circunstância de nem
sempre ter sido prontamente reconhecida a vulnerabilidade
dos trabalhadores das áreas instrumentais, mesmo
aqueles que, juntamente com os profissionais com
vínculo laboral aos hospitais, trabalhavam em “Serviços
Covid”. E na verdade, são todos “profissionais de saúde”,
nos termos do n.º 1 da Base 28.ª, da Lei de Bases
da Saúde. A sua exclusão, por exemplo, das prioridades
de acesso à vacina contra a Covid-19, poderia comprometer
a prestação de cuidados diretos de saúde, com
consequências imprevisíveis.
Contudo, como em todas as crises, também agora nascem
oportunidades e novos olhares para algumas das
vertentes desta atividade complementar.
Com efeito, a atual situação de calamidade sanitária terá
sensibilizado o reconhecimento das entidades responsáveis,
para a importância no combate à pandemia da
área de Limpeza e Desinfeção Hospitalar, contribuindo
decisivamente para a segurança e conforto dos utentes
e profissionais.
Os serviços de Segurança e Controlo Técnico viram
também o seu contributo reforçado, no cumprimento
de regras e procedimentos que acrescentaram proteção
e segurança de instalações e equipamentos, minimizando
o risco de infeção e contágio no acesso e nos circuitos
estabelecidos nas unidades de saúde.
As exigências determinadas pela inesperada sobrecarga
de doentes graves, desencadearam um esforço excecional,
sem paralelo na História do SNS, impondo a reorganização
das estruturas de apoio, através da centralização
e recuperação de inúmeros equipamentos hospitalares
(camas, ventiladores, monitores, entre outros) essenciais
ao suporte de vida. Numa ação concertada, foram ainda
montadas instalações de retaguarda e gerida a distribuição
nacional de dispositivos médicos, equipamentos de proteção
individual e donativos da Sociedade Civil ao SNS.
A constituição da “Task Force” para a concretização de
um “Plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal”,
ao abrigo do Despacho n.º 11737/2020, de 26.11.2020
(atualizado pelo Despacho n.º 1448-A/2021, de 04.02.
.2021 e pelo Despacho n.º 3906/2021, de 19.04.2021),
foi uma outra demonstração da capacidade de organização
do SNS e dos seus serviços de apoio.
Paralelamente, por Despacho n.º 2922/2021, de 18.03.2021,
a Task Force para a promoção do “Plano de Operacionalização
da Estratégia de Testagem em Portugal” tornou evidente
a capacidade de intervenção de um serviço público de
saúde, num momento de aflição nacional.
Será igualmente justo referir o contributo inestimável das
Forças Armadas no sucesso de múltiplas ações de combate
ao flagelo da pandemia, com os excelentes resultados
já publicamente demonstrados.
É possível concluir hoje, mau grado alguns erros já reconhecidos
e a imprevisibilidade da evolução da pandemia
ainda em curso, a importância do SNS e dos apoios com
ele contratualizados, na luta desencadeada pelas Autoridades
de Saúde, através da capacidade instaladas nos Centros
Hospitalares e Unidades de Saúde públicas e privadas.
É oportuna, pois, uma menção honrosa às Administrações
Hospitalares que souberam gerir com os meios de
que dispunham ou foram colocados à sua disposição, tamanha
adversidade, minimizando os custos económicos
e financeiros e combatendo a morbilidade e mortalidade
da doença, o melhor que souberam e puderam, com
sabedoria e imaginação.
Será de evidenciar o sentimento generalizado de recuperação
de confiança no SNS que, num dos maiores desafios
da sua História, certamente terá recolhido a aprendizagem
das falhas ocorridas e não deixará de estar prevenido
para a reparação das sequelas clínicas supervenientes,
incluindo a atenção devida àquelas patologias que
ficaram para trás, preteridas pela emergência Covid-19.
Por último, uma palavra de apreço e gratidão a todos os
profissionais que heroicamente sacrificaram as suas vidas
ao serviço de uma causa pública, ultrapassando os seus
próprios limites, num momento de profunda crise. Que
os desafios e oportunidades não tenham sido em vão. Ã
1. In https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706881
62 63
GH cuidados emocionais
O PAPEL DAS INTERVENÇÕES
SOCIAIS NA SAÚDE: PALHAÇOS
D`OPITAL
“
O CONFORTO É ALGO A QUE OS SERES HUMANOS QUEREM ACEDER DESDE QUE NASCEM.
É POR ISSO QUE... UM DOENTE IDOSO SE ACALMA QUANDO É TOCADO NA MÃO
OU OUVE PALAVRAS DELICADAS.
”
Malinowski & Stamler, 2002
O
problema social identificado, e que originou
a Associação Palhaços d’Opital,
é a falta de cuidados emocionais à população
sénior em contexto hospitalar,
a necessária humanização dos serviços
hospitalares e um cada vez maior tempo de permanência
neste meio desta população, sendo que a maioria
destas pessoas estão afastadas dos seus locais de residência,
sentindo-se sozinhas e desacompanhadas. Estas
condições conduzem a um estado anímico generalizado
de tristeza/depressão que irá condicionar negativamente,
muitas vezes de forma irreversível, a recuperação
dos pacientes.
As taxas e a duração de internamento hospitalar são claramente
superiores nas pessoas idosas, por comparação
com as observadas noutros grupos etários (Revista portuguesa
de saúde pública), sendo esta a faixa etária que
mais sobrecarrega o SNS e a mais afetada com a atual
pandemia. Alguns dados hospitalares portugueses indicam
que mais de um terço do total das altas hospitalares
corresponde a pessoas com mais de 65 anos, sendo que
cerca de 53% têm períodos de internamento superiores
a 20 dias.
No hospital, os profissionais de saúde, estando focados
Isabel Rosado
Co-founder & CEO Palhaços d'Opital
na doença e no seu tratamento, deixam ficar esquecido
o lado saudável e a importância do mesmo para a melhoria
do bem-estar do utente.
Os ambientes hospitalares não são positivos por natureza,
são ambientes pesados, de sofrimento, de contacto
com a dor. Quer os profissionais de saúde, quer os
pacientes encontram-se diariamente neste ambiente,
que é propício a estados depressivos, sendo que todo
o trabalho que possa ser feito para retirar ou minimizar
esta carga negativa, neste ambiente, é salutar. A injeção
de positividade, de um ambiente mais leve, e de alegria,
a criação de momentos de abstração da dor/doença, a
capacidade de fazer sorrir irá sempre ter um impacto
positivo no estado anímico e emocional de todos os que
se encontram no ambiente hospitalar.
A Palhaços d’Opital é a única organização de Doutores
Palhaço existente, em território nacional, focada no
público adulto e sénior hospitalizado. Somos uma organização
de artistas profissionais, que criam performances
artísticas para o ambiente hospitalar e institucional, para
um público adulto e sénior. Por ano fazemos cerca de
250 horas de formação. As quartas-feiras são sempre de
formação: de manhã os nossos Doutores Palhaço têm
aulas de ukelele e de canto e voz, de tarde preparam
e trabalham as performances/dinâmicas artísticas. Cada
performance leva cerca de 6 meses de trabalho, passando
por várias fases: elaboração, testagem em “laboratório
artístico”; aperfeiçoamento, testagem em hospital,
aperfeiçoamento e finalização/apresentação.
Para além deste público-alvo principal, existe outro conjunto
de pessoas que beneficiam direta ou indiretamente
com as nossas intervenções. As acções desenvolvidas
por estes profissionais da área artística, Doutores Palhaço,
não só impactam diretamente no doente, como também
se alastram aos seus familiares e cuidadores formais
e informais. Por outro lado, temos os profissionais que
trabalham no hospital que também procuram o apoio
na Palhaços d’Opital para ajudar a melhorar o seu desempenho.
A formação junto dos profissionais de saúde
é um trabalho que também é desenvolvido nos hospitais
parceiros, sempre que nos é solicitado.
Atualmente a Palhaços d’Opital tem como parceiros 5
unidades hospitalares, na região centro (IPO Coimbra,
Centro Hospitalar Tondela Viseu, Centro Hospitalar Baixo
Vouga e Hospital Distrital da Figueira da Foz) e na
região norte (Unidade Local de Saúde de Matosinhos).
Hospitais parceiros são hospitais com que temos estabelecido
um protocolo de colaboração. A Palhaços
d’Opital oferece os seus serviços gratuitamente aos
seus hospitais, pelo que é da responsabilidade da própria
organização a angariação de fundos que possibilitem a
continuação do seu trabalho. O nosso crescimento está
intimamente ligado com o estabelecimento de parcerias
com empresas, concurso a candidaturas e fundos, campanhas
de angariação de donativos, que possibilitam o
“São gente que nos faz sentir bem!
Conseguem provocar um sorriso na nossa
face, quando os olhos querem chorar!”
Dr. Rui Miguel Cruz, Enfermeiro Diretor do Hospital Distrital
da Figueira da Foz
financiamento das nossas atividades.
A Palhaços d’Opital tem, neste momento, um ambicioso
plano de replicação que visa alargar o serviço a mais
unidades de saúde no país. Este plano é motivado pela
notória melhoria da qualidade de vida dos utentes visitados,
pelo feedback extremamente positivo que temos
recebido de todos os profissionais de saúde dos hospitais
parceiros, que já visitamos regularmente, e também
pelo fato de que existem demasiadas pessoas a necessitar
deste tipo de intervenção.
Com as adaptações impostas pela pandemia veio a
produção de conteúdos para o digital, os quais são disponibilizados
gratuitamente no nosso canal Youtube, o
d´Opital TV e, através dos canais de circuito interno de
alguns hospitais, chegam a utentes, familiares e profissionais
de saúde por todo o país. Este canal foi dado a
conhecer, via mail, a todos os hospitais nacionais, sendo
já vários os que encontraram nestes conteúdos uma
forma de melhorar o estado anímico nas suas unidades
hospitalares.
Estes conteúdos também têm sido utilizados/reproduzidos
por instituições que acolhem seniores, contribuindo
para momentos de Alegria, Humor e Afetos. }
64 65
GH cuidados emocionais
O ator Ruy de Carvalho é o padrinho da Palhaços
d´Opital quem tem como embaixadores Nilton, Pedro
Abrunhosa, Sónia Santos e tem ainda contado com o
apoio de Sofia Cerveira, Gonçalo Dinis, Joana Cruz, Rodrigo
Gomes, André Sardet, Carlão, Diapasão, UHF e
Victor de Sousa em alguns dos seus vídeos e eventos.
São 8 anos de existência; 5 hospitais parceiros; mais de
590 visitas aos hospitais parceiros; mais de 2.860 horas
em ambiente hospitalar; mais de 576.500 pessoas
alcançadas. Ã
Conheçam o nosso trabalho no site:
www.palhacosdopital.pt
E nas nossas redes sociais:
https://www.facebook.com/PalhacosdOpital/
https://www.instagram.com/palhacos_d_opital/
https://pt.linkedin.com/company/palhacosdopital
“Falar dos Palhaços d´Opital (PdO) é falar de uma
parceria com inegáveis benefícios para os doentes
e para a comunidade hospitalar do IPO de Coimbra
(IPOC).
Este Instituto pauta-se, no desenvolvimento da sua
atividade, por um conjunto de valores, entre os quais
o da humanização dos cuidados, que é parte do capital
cultural da instituição e se assume como um referencial
de atuação.
Ora, os PdO apoiam o IPOC no cumprimento dessa
missão, proporcionando momentos de alegria
e bem-estar, já que a sua intervenção lúdica, contribui
para o estado anímico dos doentes e da comunidade
hospitalar. Está mesmo a ser desenvolvido um estudo
científico no IPOC, com biomarcadores, para se
perceber o impacto destas interações nos nossos
doentes. Por outro lado, a sua intervenção também
contribui para nos arrancar sorrisos tornando, sempre
que vêm ao IPO, o dia dos profissionais de saúde
um dia diferente.
A sua colaboração vem de diversas formas,
nomeadamente através de visitas regulares aos serviços
da instituição. Embora estando preconizadas visitas
quinzenais, no contexto da pandemia e aquando da
primeira vaga, as visitas foram suspensas. No entanto,
dada a grande capacidade dos PdO adaptarem a sua
atuação a cada utente e cada situação, mesmo neste
período, foi criada uma alternativa para chegar aos
doentes: o canal d´Opital TV, projeto a que o IPOC
foi o primeiro hospital a aderir.
As visitas foram retomadas, em julho, passando a ser
semanais, com intervenções nas salas de espera
do ambulatório e no Hospital de Dia. Além destas
visitas regulares, no protocolo de cooperação
celebrado com o IPOC estão previstas, ainda,
outras ações como a participação em festas
promovidas para os doentes, nomeadamente a festa
de Natal e a participação em seminários, workshops
e outras atividades, nomeadamente na difusão
de algumas campanhas ou mensagens de sensibilização.
A ajuda dos PdO vai, por vezes, mesmo para além
do espectro desta intervenção lúdica, sendo parceiros
do IPOC noutras iniciativas. Destaca-se a este
propósito, por exemplo, o concurso organizado pela
PDO designado “entre paredes d´opital” que veio
permitir transformar o espaço de duas salas de espera
da consulta, num ambiente mais acolhedor e promotor
do bem-estar, trazendo arte para o hospital. Graças
a esta iniciativa promovida pela PdO, os quatro artistas
vencedores do concurso valorizaram com intervenções
artísticas plásticas duas salas de espera do IPO.
Como disse em tempos um pensador “Pela forma
como trabalha se avalia o artista” (Jean de La Fontaine).
Pois, se tivesse que resumir numa palavra os PDO,
destacaria precisamente a sua capacidade de trabalho
com enorme profissionalismo. Estes artistas têm
formação especializada em meio hospitalar e a sua
colaboração é sempre feita em articulação com
os profissionais de saúde do IPO. E quanto a mim
é esse o verdadeiro segredo do sucesso da sua
intervenção. Um enorme bem-haja aos PdO!”
Margarida Ornelas, Presidente do Conselho de Administração
do IPOC
400+
90+
15+
5
50+
66
GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence
AUTOREPORT & TRACE COVID-19
Bruno Trigo
Diretor de Sistemas de Informação,
Serviços Partilhados do Ministério da Saúde
Duarte Sequeira
Diretor do Centro Nacional de TeleSaúde,
Serviços Partilhados do Ministério da Saúde
Válter R. Fonseca
Diretor do Departamento da Qualidade
na Saúde, Direção-Geral da Saúde
Após as primeiras informações sobre a
Emergência de Saúde Publica causada
pela Covid-19, o alerta de pressão,
sem precedentes, nas infraestruturas
da saúde surgiu juntamente com a necessidade
de impor medidas de confinamento para controlar
a transmissão de um novo vírus. Os primeiros países
atingidos pela pandemia verificaram, por um lado, o grande
risco de rutura dos sistemas de saúde, mas por outro
a elevada prevalência de doença ligeira, sem necessidade
de internamento hospitalar. Por isso, era determinante o
desenho de um modelo de resposta que permitisse:
• Controlar a epidemia, apoiando o rastreio de contactos,
sem rutura do SNS;
• Seguir os doentes ligeiros à distância, em segurança e
com qualidade, sem necessidade de deslocações aos serviços
de saúde;
• Proteger as instituições de saúde, de modo a assegurar,
tanto quanto possível, a continuidade dos cuidados não-
-Covid-19.
Em março de 2020, face ao aumento de casos de infeção
por Sars-CoV-2 em Portugal, a DGS desenhou um modelo
de abordagem dos casos suspeitos e confirmados de
infeção assente nas premissas referidas, através da Norma
N.º 004/2020, definindo o circuito de triagem, vigilância e
cuidados para estas pessoas ao longo de todos os níveis do
sistema de saúde e, integrando o modelo assistencial com
o modelo de gestão desta emergência de saúde pública.
A resposta concertada para o país
A concretização do modelo de resposta carecia de uma
solução tecnológica que permitisse sobretudo a vigilância
de doentes suspeitos e confirmados de Covid-19 e
dos seus contactos, à distância, de forma segura e com
qualidade. Em alinhamento com a DGS, a SPMS inicia o
desenvolvimento e implementação das soluções Autoreport
& Trace COVID-19, um serviço integrado de resposta
à Covid-19 que combinam o expertise dos SPMS
em TIC e Telessaúde com competência para a definição
das condições técnicas para a adequada prestação de
cuidados de saúde e para a vigilância epidemiológica e
coordenação dos sistemas de alerta e resposta apropriada
a emergências de saúde pública, da DGS.
De acordo com a Norma DGS N.º 004/2020 foi desenvolvida
uma plataforma informática - Trace COVID-19 -
pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e SPMS, EPE, que
permite apoiar os profissionais de saúde dos Cuidados de
Saúde Primários, incluindo as Unidades de Saúde Pública,
para realizarem uma vigilância clínica e de saúde pública
adequada, incluindo o respetivo rastreio de contactos.
Esta plataforma foi integrada com o sistema de triagem
remoto (SNS24) permitindo gerir o circuito completo
do utente no sistema de saúde: desde a triagem telefónica
até ao seguimento após a alta hospitalar por Covid-19,
nos casos de doença moderada ou grave com
critérios de internamento, estabelecidos pela Norma
004/2020 da DGS.
A plataforma permite uma verdadeira integração digital
dos vários níveis de cuidados do sistema de saúde, já
que os doentes com alta hospitalar e necessidade de seguimento
clínico podem manter o seu seguimento por
profissionais de saúde dos Cuidados de Saúde Primários,
através do Trace COVID-19.
Através de um conjunto de regras definidas de acordo
com o modelo estabelecido pela Norma 004/2020 da
DGS, o sistema gera tarefas de forma automática para
garantir o adequado acompanhamento clínico e de saúde
pública, incluindo a vigilância do aparecimento e/ou agravamento
de sintomas, e a emissão de testes laboratoriais.
Esta ferramenta permite obter uma visão consolidada do
país e integra um conjunto de funcionalidades, destacando-se
como principais:
1. Gestão de tarefas para profissionais de saúde;
2. Gestão de utentes em vigilância, acompanhamento da
sua evolução;
Visão Trace COVID-19 (versão EN), desenhada em 2020.
3. Gestão de casos confirmados e seus contactos (contact-tracing);
4. Transferência e referenciação entre níveis de cuidados;
5. Vigilância de casos suspeitos, confirmados e contactos;
6. Auto-reporte de sintomas;
7. Auto-reporte de contactos de caso confirmado (ferramenta
de apoio aos inquéritos epidemiológicos);
8. Emissão de testes Covid-19;
9. Emissão de Declarações de Isolamento Profilático;
10. Integração de utentes que contactam o SNS24;
11. Integração de dados epidemiológicos de casos;
12. Apuramento de casos recuperados;
13. Comunicação com utentes por SMS e email;
14. Geração de códigos para a aplicação Stayaway Covid;
15. Dashboards de indicadores geográficos, epidemiológicos
e operacionais para suporte à decisão dos níveis
local, regional e nacional.
O Trace COVID-19 é uma plataforma que surgiu para
dar apoio na monitorização dos doentes, maioritariamente
com doença ligeira, suspeitos ou contactos de casos
confirmados de Covid-19, que estão no seu domicílio.
Esta plataforma foi desenvolvida num esforço conjunto
entre a DGS e a SPMS na primeira quinzena de março
de 2020, inspirada no piloto desenvolvido no ACeS
Amadora da Administração Regional de Saúde Lisboa e
Vale do Tejo, que contribuiu de forma decisiva para as
fases iniciais de conceção e disseminação.
Os dados no apoio à decisão
A importância de dados de qualidade para a decisão em
saúde assumiu uma relevância sem precedentes nesta
pandemia. A par da vigilância à distância, num modelo de
telessaúde, a transformação digital permite a utilização de
quantidades significativas de dados, em tempo real, aliados
a dimensões inovadoras como a georreferenciação,
um contributo útil para a identificação e interrupção de
cadeias de transmissão. Deste modo, foram disponibilizados
dashboards de epidemic intelligence aos níveis de decisão
nacional, regional e local, com dezenas de indicadores
úteis ao acompanhamento da evolução da situação.
Os dados de mais de 8.000.000 de registos colhidos e
tratados através da plataforma Trace COVID-19 são
utilizados para ações concretas de resposta à pandemia,
permitindo a utilização de dados nacionais na geração de
evidência para a decisão, como é o caso da atualização
dos sintomas definidores de Covid-19 e os critérios de
fim do isolamento, que suportaram as atualizações da
Norma 004/2020 da DGS ao longo da pandemia.
Envolvimento do cidadão
Cada vez mais o cidadão tem um papel ativo no sistema
de saúde, mesmo em situações de isolamento. A plataforma
Trace COVID-19 permite capacitar o cidadão na
gestão da sua situação, o que contribui para uma resposta
mais eficiente à pandemia, sobretudo libertando profissionais
de saúde altamente diferenciados para outras
atividades clínicas, sem comprometer a segurança ou a
qualidade do cidadão.
A funcionalidade de auto-reporte de sintomas, ativada para
casos suspeitos, confirmados e contactos de casos con- }
68 69
GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence
firmados, permite apoiar a auto-vigilância destes utentes.
O funcionamento é simples, através do preenchimento
de um questionário de sintomas, diariamente, cujas instruções
são enviadas por email e SMS. Ao longo do tempo
verificou-se um aumento expressivo do número de auto-
-reportes (média de 20.000 por dia) e de pessoas a utilizar
esta funcionalidade (57.000/semana pico nas semanas
de janeiro de 2021). A contribuição de auto-reportes no
total de vigilâncias realizadas tem vindo a aumentar, fixando-se
agora em cerca de 20%, ou seja, em cada 100 vigilâncias
realizadas no TC-19, 20 foram por auto-reporte.
Também no início de 2021, atingiu-se a barreira de 1 milhão
de auto-reportes submetidos, sendo que mais de
305.000 pessoas já utilizaram a funcionalidade.
O auto-reporte substitui, para utentes com baixo risco,
a necessidade de um telefonema e registo, por parte de
um profissional de saúde, cuja duração média está estimada
em 5 minutos. Quando um auto-reporte submetido
revela agravamento de sintomas, existe um sistema
de alertas para o médico que entrará em contacto
telefónico com o doente para avaliação clínica remota.
Deste modo, é aliviada a pressão assistencial dos profissionais
de saúde, que podem dirigir a sua atividade para
doentes com critérios clínicos de maior gravidade, numa
poupança equivalente ao trabalho de 200 profissionais (a
trabalhar 8 horas por dia) que, de outra forma, teriam de
estar a fazer este contacto telefónico.
Mais recentemente, foi também desenvolvida um formulário,
de preenchimento pelas pessoas com Covid-19,
para apoio ao inquérito epidemiológico, que visa reforçar
a capacidade de rastreio de contactos das unidades de
saúde pública. Através deste formulário, os casos positivos
colaboram na aceleração do rastreio dos seus contactos
próximos. Atualmente, cerca de 20% dos casos
positivos preenche este inquérito, facilitando o trabalho
das equipas de Saúde Pública.
A Importância da gestão da mudança em contexto
de instabilidade
A criação de novos processos e a implementação de
tecnologia têm sucesso quando há um envolvimento regular
e comprometido com as pessoas. A comunicação
clara sobre o circuito de cuidados, iniciado pelo SNS24
e o modelo de acompanhamento dos casos suspeitos,
casos confirmados e seus contactos foi um elementochave
nesta resposta inovadora de telessaúde.
Por outro lado, o contributo dedicado e o envolvimento
dos profissionais de saúde em mais de uma dezena
de webinars, que contaram com a presença de mais de
10.000 profissionais de saúde que utilizavam a plataforma
Trace COVID-19 foi essencial para construir soluções
que respondessem às necessidades concretas que
foram sentidas e que determinassem a adoção destas
práticas no dia-a-dia, num verdadeiro processo de melhoria
continua da qualidade. Para tal, o estabelecimento
de uma visão a médio prazo, desde logo em março de
2020 foi crucial para trilhar o caminho que, um ano depois,
continua a ser feito.
Hoje, ainda que ressalvando a necessidade de equipas
dedicadas a esta atividade, mais de 90% dos profissionais
de saúde que utiliza esta solução tecnológica considera
que este sistema teve um impacto positivo ou muito positivo
na gestão da pandemia. Ã
PRÉMIO HEALTHCARE EXCELLENCE VOLTA A RECONHECER
AS MELHORES PRÁTICAS EM SAÚDE
Pelo oitavo ano consecutivo, a Associação Portuguesa
de Administradores Hospitalares (APAH) e a biofarmacêutica
AbbVie promovem o Prémio Healthcare
Excellence.
Depois de uma edição que atingiu um número recorde
de candidaturas - 70 no total, a iniciativa volta a reconhecer
projetos nacionais, desenvolvidos e implementados
no âmbito da garantia do acesso, da qualidade
e da integração e gestão de respostas às necessidades
dos utentes no atual contexto de pandemia.
Nesta nova edição, foram recebidas 35 candidaturas
numa nova demonstração da resiliência e inovação
por parte das organizações públicas, sociais e privadas
em Portugal. Assim, uma vez mais, a iniciativa espera
reconhecer os muitos projetos nascidos no contexto
pandémico com o propósito de continuar a garantir o
acesso aos cuidados de saúde de todos os doentes -
Covid e não-Covid.
No próximo dia 20 de outubro, Coimbra recebe, no
Hotel Vila Galé, a cerimónia final da 8.ª edição do Prémio
Healthcare Excellence. Nesta reunião final serão
apresentados os projetos finalistas e anunciado o
grande vencedor da iniciativa.
Para além da qualidade da apresentação final dos projetos
candidatos, a inovação e a replicabilidade em outras
instituições de saúde são também critérios de avaliação.
A decisão final ficará a cargo do ilustre painel de
jurados formado por Delfim Rodrigues, vice-presidente
da APAH, Dulce Salzedas, jornalista da SIC, Victor
Herdeiro, presidente da Administração Central do Sistema
de Saúde (ACSS), e Carla Nunes, presidente da
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).
70
GH Iniciativa APAH | 9. a Conferência de Valor
APAH PROMOVE CONFERÊNCIA
DEDICADA AO FUTURO DA SAÚDE
Em 2021, num contexto de mudanças e
desafios face ao futuro, decorrente da
pandemia Covid-19, a APAH realizou, de
25 a 28 de maio, a sua 9.ª Conferência
de Valor, em formato online, subordinada
ao tema “Construir o Futuro da Saúde”.
A 9.ª Conferência de VALOR APAH foi presidida por
José Carlos Lopes Martins, Sócio de Mérito (sócio n.º
44) e Presidente da APAH (1986-1989) a quem coube
a abertura e a apresentação das conclusões que de seguida
se transcrevem:
“Chega assim ao fim a 9.ª Conferência de Valor.
Construir o Futuro da Saúde foi o tema que nos propusemos
a abordar num contexto de mudanças e desafios
face ao futuro. Procurámos trazer até nós a necessária
discussão sobre:
• Modelos de governação, envolvendo o
sector social e comunitário e a participação
do cidadão;
• Modelos de gestão privilegiando
a motivação e o desenvolvimento
do capital humano em saúde;
•Modelos de fnanciamento baseado
em resultados;
•E a discussão emergente sobre
a Transição Digital na Saúde e
novas soluções inovadoras.
Pensar e discutir o futuro da saúde
é preparar o nosso sistema de saúde
e fazê-lo evoluir para que seja mais resiliente.
Fazê-lo crescer para que vá sempre e
cada vez mais ao encontro das expetativas dos nossos
doentes. É por eles que diariamente trabalhamos. O sistema
como o conhecemos hoje não serve as exigências
dos doentes do futuro. Há que planear, extrair lições das
nossas experiências e construir agora o futuro.
Nestes quatro dias de conferência tivemos mais de 40 oradores
e mais de 1.000 participantes. Realizámos cerca de
20 atividades em e-learning em tempo real versando sobre
as mais diferentes áreas: Centros de Responsabilidade Integrada,
simulação e predição de resultados, estratificação
da carga de morbilidade de base populacional, avaliação de
fontes de informação, comunicação de crise, motivação e
gestão da mudança, diplomacia de vacinas, Investigação e
Financiamento, entre tantos outros temas apresentados de
forma magistral pelos nossos oradores convidados.
Nas APAH talks tivemos momentos verdadeiramente
inspiradores:
Paulo Portas falou-nos da agenda para o futuro e de
como a Pandemia constitui um desafio para os decisores,
uns com melhor performance do que outros. Na
sua verdadeiramente inspiradora intervenção, fomos
alertados para os desafios que nos espera em termos
de organização e prestação de cuidados aos doentes
no futuro, pois os dados demográficos do Relatório da
Comissão Europeia assim o apontam. As consequências
para a Saúde pública devido ao envelhecimento são previsíveis
e há que agir e liderar sob o princípio das lessons
learned. A indispensável articulação entre o sector social
e da saúde, o seu enquadramento legal, têm de começar
a ser preparados. Ficou o alerta, e também o agradecimento
aos Administradores Hospitalares
no combate à pandemia, enaltecendo o
papel da ferramenta ADAPT, desenvolvida
pela APAH.
As Eurodeputadas Maria Manuela
Leitão Marques e Lídia Pereira,
apresentaram a sua visão sobre o
recuperação e resiliência dos países
da Zona Euro, em particular
do contexto português, focando
a importância de nos prepararmos
para a transição digital e para
a existência de apoios europeus para
essa tão importante transformação.
À semelhança de edições anteriores,
apresentámos o Barómetro dos Internamentos
Sociais e debatemos “Como construir um novo
ecossistema de governação saúde & social”. Continuamos
a ter um elevado número de internamentos sociais,
mais de 850 no dia 17 de março, o que significa
um impacto de mais de 100 milhões para o SNS. Os
motivos já todos os conhecemos: são principalmente a
incapacidade de resposta da Rede Nacional Cuidados
Continuados e Integrados e da rede de ERPIS Estrutura
Residencial para Pessoas Idosas. Estes resultados trazem
mais uma vez o reforço da necessidade urgente da articulação
entre a saúde e o sector social.
Apresentámos os projetos vencedores da Bolsa “Desenvolvimento
do Capital Humano em Saúde”, contribuindo
assim para o surgimento de novas lideranças
na Saúde em Portugal. Formar e acompanhar os nossos
talentos continua a ser uma prioridade para a APAH.
A já conhecida iniciativa APAH, 3F Financiamento, Fórmula
para o Futuro trouxe-nos os resultados preliminares
do Projeto FAROL, no IPO do Porto, para o desenho
de um novo modelo de financiamento para o cancro
do pulmão, com vista à valorização dos resultados
em saúde, mostrando que é possível financiar o valor e
não o volume.
O Prémio Saúde Sustentável celebra este ano a sua 10ª
edição e já premiou mais de 70 instituições prestadoras
de cuidados de saúde. Nesta conferência revisitámos alguns
dos projetos vencedores de edições anteriores para
perceber em que medida os mesmos se continuaram
a desenvolver e consolidaram no terreno. A principal
questão suscitada ao longo da sessão foi precisamente
de que forma poderemos contornar as ainda existentes
barreiras na escalabilidade das boas-práticas, que muitas
vezes não passam de projetos-piloto restritos à dimensão
da instituição de saúde que as promove/desenvolve.
Mais um desafio para o futuro.
Percebemos ainda quais os caminhos para a transição
digital na saúde e qual o roteiro para a construção da
mudança. Concluímos que o previsto no plano de recuperação
e resiliência deve ser apenas um ponto de
partida para que os hospitais se preparem para a transformação
digital. Para que essa transformação seja possível,
será fundamental que invistam mais recursos nesta }
72 73
GH Iniciativa APAH | 9. a Conferência de Valor
dimensão, particularmente tendo em conta o impacto
que poderá ter na melhoria da prestação de cuidados.
Tivemos ainda a oportunidade de assistir à demonstração,
por parte da Microsoft, de uma serie de soluções
tecnológicas que já estão à nossa disposição, com evidência
clara do seu impacto na prestação de cuidados.
Nesta conferência também atribuímos, juntamente com a
ENSP, a IQVIA e a IASIST, o Prémio Coriolano Ferreira
2021 para a melhor tese em Administração Hospitalar à
aluna Rita Salgado: “Caracterização das Admissões à Urgência
nos 30 dias após a alta do internamento no Centro
Hospitalar Universitário do Algarve”.
Demos continuidade às nossas publicações lançando juntamente
com PAfIC, ENSP e a Almedina o livro “Handbook
de integração de cuidados”, coordenado pelo
Rui Santana, dando merecido destaque à integração de
cuidados e à forma como esta dimensão pode ser usada
como elemento transformador da forma como prestamos
cuidados de saúde. Como enunciado no prefácio
escrito pela Adelaide Belo, “a integração de cuidados é
necessária quando a fragmentação da prestação é de tal
modo desajustada às necessidades das pessoas que se
torna subótima ou mesmo adversa, com impacto nas experiências
dos utentes e nos resultados em saúde”.
Sentidamente homenageámos um dos melhores de nós,
o Professor Vasco Reis, figura maior da Saúde Pública e
da Administração Hospitalar, que não era “pessimista em
relação ao futuro dos sistemas de saúde”.
Foi possível juntar os Ex-Presidentes e outras figuras
maiores da associação para celebrar os 40 anos da Associação,
atribuindo-lhes uma medalha comemorativa
como sinal da nossa gratidão pelo seu contributo para o
crescimento da nossa Associação. O facto de estarmos
aqui hoje, em muito se deve ao seu empenho e dedicação.
Foram e continuam a ser uma das nossas inspirações
para construir o futuro.
Pelo seu contexto, pela vastidão e qualidade do seu
programa, foi difícil organizar esta conferência. Uma
palavra de agradecimento para as dezenas de parceiros
que fizeram este caminho connosco, que apostaram
na APAH como um veículo de disseminação de
boas práticas, aos que dedicaram tempo para, com
a APAH, partilharem o seu conhecimento, mas também
para a equipa da APAH que, uma vez mais, com
elevado brio, profissionalismo e dedicação, levou este
barco a bom porto: Miguel Costa Lopes, Alexandra
dos Santos e Sofia Marques, muito obrigado por tudo
o que fizeram.
Foram quatro dias de aprendizagem, de partilha, de inspiração
para que todos tenhamos a audácia de não desistir
desta bondosa utopia que foi (e continua a ser) o
Serviço Nacional de Saúde.
Como escreveu o Prof. Vasco Reis “Não é fácil, ao fim de
estes anos todos, dizer que chegámos aqui. E chegámos.
Agora, vamos lá ver. Vamos continuar? Vamos.”
Muito obrigado. E até breve! Ã
74
GH Iniciativa APAH | bolsa capital humano
INCENTIVAR O DESENVOLVIMENTO
DO CAPITAL HUMANO NA SAÚDE
Alberto Silva
Em novembro de 2020, a APAH, com o
apoio da Gilead e com a consultoria técnica
da Nobox, anunciou a abertura da
Bolsa Capital Humano em Saúde, um
projeto que pretende reconhecer e potenciar
o capital humano do SNS, dotando os seus profissionais
das competências necessárias para liderarem e
implementaram projetos que promovam uma mudança
positiva nas suas realidades.
Apesar desta ser já uma necessidade bem identificada
e sentida por quem trabalha nas instituições do Serviço
Nacional de Saúde, a pandemia não só reforçou esta
carência como também fez emergir profissionais que em
Diogo Silva
Fundadores da Nobox
Isabel Azevedo
plena crise se revelaram verdadeiros líderes.
Esta bolsa foi pensada e desenhada para desenvolver
competências nos profissionais de saúde para que possam
contribuir proactivamente nos processos de transformação
em curso nas suas instituições de saúde.
Projetos vencedores
De um total de 16 candidaturas foram selecionados 2
projetos vencedores: “Centro de (Des)Envolvimento
Humano para a Saúde”, do Centro Hospitalar Universitário
do Algarve (CHUA), e “O impacto da comunicação
na motivação e na satisfação como fator crítico
de sucesso no desempenho dos profissionais”, da Unidade
Local de Saúde de Matosinhos (ULS Matosinhos).
O projeto do CHUA pretende promover um maior alinhamento
entre a visão e missão do CHUA com a atividade
e necessidades dos seus profissionais e chefias
intermédias. Para isso, desenvolverem três grandes
iniciativas: Espaço Potencial Humano, Espaço Pausa
Consciente, Espaço Somos Um. Dentro de cada uma
destas iniciativas, vão ser desenvolvidas diferentes atividades
totalmente dedicadas aos profissionais, tais como
um Programa de Desenvolvimento para Chefias
Intermédias e um Programa de Desenvolvimento de
Conflitos Saudáveis.
O projeto da ULS Matosinhos tem como principal objetivo
promover uma maior conciliação entre a vida pessoal
e profissional dos seus colaboradores, através da
disponibilização múltiplas ferramentas que facilitarão este
processo e que estarão à disposição das equipas e das
suas chefias.
Mobilizar e envolver profissionais
Numa fase inicial, as equipas de projeto, com o apoio
da Nobox, organizaram um conjunto de atividades que
permitiram uma auscultação estruturada e representativa
dos profissionais abrangidos pelos projetos, que culminou
num levantamento de necessidades, problemas e
ideias. Subsequentemente, os projetos foram enriquecidos
com estes resultados, em particular adaptando a comunicação
e a estratégia de implementação a áreas piloto.
Este processo foi importante, pois aproximou os objetivos
dos projetos aos interesses e particularidades dos
serviços que serão alvo das mudanças requeridas pelos
projetos. Esta dinâmica promoveu uma maior identificação
e envolvimento dos profissionais dos diversos serviços
com o projeto, determinantes aumentar o compromisso
com a implementação.
Formar líderes para a mudança
Após a fase de mobilização, iniciou-se a formação às
equipas de projeto e elementos dos serviços onde os
projetos estão a ser implementados, com os objetivos
de alinhar conceitos, desenvolver competências de liderança
de equipas e disponibilizar ferramentas de apoio à
implementação dos projetos. Nesta etapa da formação, os
participantes conheceram novas estratégias de liderança,
adaptadas a diferentes contextos e situações, descobriram
metodologias de organização das equipas e desenvolveram
competências de desenvolvimento de confiança e
conflitos saudáveis no seio das suas equipas. Para além da
passagem de conhecimento, estas formações têm sido também
muito estimulantes pela aprendizagem cruzada e interprofissional
que ocorre, pois são uma das raras oportunidades
que elementos da administração, corpo clínico e corpo
não clínico têm para discutir e partilhar ideias e impressões
sobre estes temas, num ambiente confortável e totalmente
contextualizado nos problemas do seu do dia-a-dia.
Balanço global e próximas metas
Globalmente, as equipas de projeto têm transmitido uma
grande satisfação com a Bolsa, pois tem permitido não só
uma potenciação dos ganhos e resultados dos projetos,
como também um crescimento e desenvolvimento importante
das equipas.
Até ao final de setembro, as equipas de projeto apresentarão
os resultados preliminares do seu trabalho, e não
podíamos estar mais entusiasmados com isso. Ã
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