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davi pessoa
manoel ricardo de lima
[orgs.]
juventude,
alegria
Em agosto de 1999, numa conferência
em Caracas, Roberto Bolaño comenta
acerca de Cervantes: diz que este
projeta sobre a própria juventude
[o fantasma de sua juventude perdida]
a realidade de seu exercício com o
poema e a prosa, textos que ainda
eram muito adversos. E afirma isso
a partir do empenho que imagina ter
em direção às suas circunstâncias
geracionais: que seus amigos
entregaram toda a juventude, este
pouco que se tem, “a uma causa que
acreditavam ser a causa mais
generosa do mundo, mas que em
realidade não era”, uma tarefa de
militância política, uma luta a braço
partido. Eram trotskistas, mesmo
muitas vezes sem ter lido Trótski,
“estúpidos e generosos, como são os
jovens, que tudo entregam e nada
pedem em troca”. E lembra que toda
a América Latina carrega a sombra de
muitos jovens esquecidos, na miséria
e por negligência ou mortos na
Bolívia, Argentina, Peru, Chile,
Nicarágua, El Salvador, Colômbia,
México etc. A escolha, diz Bolaño,
sempre díspar, tal como fez
Cervantes, que era soldado, foi pela
juventude entre os que nada tinham
e já estavam derrotados, a militância
[esta alegria de jovens] contra o
descrédito da poesia.
juventude,
alegria
davi pessoa
manoel ricardo de lima
[orgs.]
Todos os direitos desta edição reservados
à MV Serviços e Editora Ltda.
revisão
Carolina Machado
ilustração (capa)
Silvio Ferraz
projeto gráfico e diagramação
Patrícia Oliveira
cip-brasil. catalogação na publicação
sindicato nacional dos editores de livros, rj
Elaborado por Camila Donis Hartmann — crb 7/6472
J98
Juventude, alegria / organização Davi Pessoa, Manoel
Ricardo de Lima. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Mórula,
2021.
130 p. ; 21 cm.
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-86464-51-1
1. Ensaios brasileiros. I. Pessoa, Davi. II. Lima,
Manoel Ricardo de.
21-72573 CDD: 869.4
CDU: 82-4(81)
Rua Teotônio Regadas 26 sala 904
20021_360 _ Lapa _ Rio de Janeiro _ RJ
www.morula.com.br _ contato@morula.com.br
/morulaeditorial /morula_editorial
índice
5 Uma ideia de alegria, uma ideia de juventude
davi pessoa · manoel ricardo de lima
9 Humor e jogos com os impossíveis
annita costa malufe
21 Alegria dos que não sabem e descobrem:
algumas cartas a jovens
bruna carolina carvalho
35 A vida é um rebus
davi pessoa
53 A vida entre o sonho e a revolta
edson luiz andré de sousa
67 Cafioto
eduardo sterzi
85 Alegria e “a altura certa para se sonhar que se voa”
júlia studart
101 Astronomia alegre, chão de astronauta
manoel ricardo de lima
117 Anak Krakatoa
veronica stigger
Uma ideia de alegria,
uma ideia de juventude
davi pessoa
manoel ricardo de lima
Importante dizer da importância que é, nestes tempos, a
todos os lados, conseguir juntar forças de pensamento para
elaborar alguma possibilidade de conversa que nos faça
engendrar outros gestos políticos com a imaginação. Assim,
pensar algo entre a alegria e a juventude, neste momento
perverso em que estamos, entre os anos de 2020 e 2021, tem
a ver com um lance inespecífico para que se possa mover um
pouco, um palmo pro lado, que seja, essas duas imprecisões
de força. Movidos por esse desejo convidamos alguns amigos
e amigas que gostamos muito de ter perto, de escutar, que
respeitamos imensamente o pensamento e as tomadas de
posição para que nos dias 04 e 11 de novembro, 2020, cada
um e cada uma onde estivessem, pudessem livremente pôr
em movimento essas duas ideias. No mínimo para, de algum
modo, como anota Horácio Dídimo, “tomar alguma satisfação”
e, seguindo Walter Benjamin, “romper, arejar, abrir
caminhos, remoçar”.
E importante lembrar 3 cenas ou imagens:
[ 5 ]
1 |
A primeira está no texto Rama y la modernidad secuestrada,
publicado em Imágenes de América Latina,
quando Raúl Antelo [l’enfant terrible] lembra um encontro
de Angél Rama com Antonio Candido durante uma sessão de
Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, em 1971, em
Gênova, durante a 5ª Mostra de Cinema Latino-americano.
Sentavam-se lado a lado. Raúl projeta o sentido das tensões
que montam a modernidade latino-americana entre capitalismo,
democracia e secularização, a partir da oscilação
entre jogo e trabalho, de um lado, e soberania e servidão,
do outro. Aponta que no pensamento do crítico uruguaio,
há uma absoluta preponderância do primeiro appunti e
um desdém quanto ao segundo. E que, basicamente, isto se
deve ao sequestro que produz do valor cultural do jovem.
Grosso modo, ao dizer sobre Glauber uma ideia que está
em Benjamin no Fragmento político-teológico, Raúl afirma
que só há transgressão quando o profano se projeta sobre
a noção de felicidade no ritmo da inclusão-excludente para
dizer um modo contrário a Rama. À deriva, em alguma
medida, para além de uma modernidade letrada e pedagógica,
entre modelos e antimodelos, está a alegria e a força
a sério da juventude.
2 |
Em agosto de 1999, numa conferência em Caracas,
Roberto Bolaño comenta acerca de Cervantes: diz
que este projeta sobre a própria juventude [o fantasma de
sua juventude perdida] a realidade de seu exercício com o
poema e a prosa, textos que ainda eram muito adversos. E
afirma isso a partir do empenho que imagina ter em direção
às suas circunstâncias geracionais: que seus amigos entregaram
toda a juventude, este pouco que se tem, “a uma causa
que acreditavam ser a causa mais generosa do mundo, mas
[ 6 ]
que em realidade não era”, uma tarefa de militância política,
uma luta a braço partido. Eram trotskistas, mesmo
muitas vezes sem ter lido Trótski, “estúpidos e generosos,
como são os jovens, que tudo entregam e nada pedem em
troca”. E lembra que toda a América Latina carrega a sombra
de muitos jovens esquecidos, na miséria e por negligência
ou mortos na Bolívia, Argentina, Peru, Chile, Nicarágua,
El Salvador, Colômbia, México etc. A escolha, diz Bolaño,
sempre díspar, tal como fez Cervantes, que era soldado,
foi pela juventude entre os que nada tinham e já estavam
derrotados, a militância [esta alegria de jovens] contra o
descrédito da poesia.
3 |
Exatos 30 anos antes, em agosto de 1969, Pasolini
escreve, em sua coluna O Caos, no semanário Tempo,
a respeito de “uma falha dos velhos”, quando,
a partir de certa idade, como se costuma dizer em discussões
respeitáveis, nos tornamos humoristas, fatalmente.
É uma falha grave dos velhos. Os jovens — aqueles que
importam ou importarão — jamais fazem humor. Eles
levam tudo de peito aberto e a sério. O humorismo
implica uma desconfiança um tanto ascética sobre as
ações humanas: ou pelo menos um descolamento dela,
devido a uma série de decepções. O humor permite
viver, apesar de tudo: seguir adiante apenas para findar
a vida. Não é incomum que tal humor adquirido à força,
à medida que envelhecemos, tenha um outro rosto, a
utopia: que é, portanto, a fossilização da esperança e
da seriedade juvenil.
A juventude se mobiliza, portanto, entre estupidez
e generosidade, entre alegria e seriedade, e tais polos,
mesmo contraditórios, não se autoexcluem, quando a vida
[ 7 ]
é traçada sem imperativos binários e autoritários. O estúpido
— um estudante — é movido por um estupor que se
apresenta, generosamente, com alegria e seriedade, e,
assim, rearma outra utopia, que não é jamais fossilizada
à espera do futuro, tendo em vista que a força da juventude
é uma inscrição no presente.
As conferências foram transmitidas e gravadas no canal
do nosso grupo de pesquisa UNIRIO/CNPq, Linguagem,
Artes e Política. Depois, decidimos compor um livro com os
textos. Muito obrigado o tempo inteiro a cada uma e cada um
dessas amigas e amigos que se juntam a nós — Annita Costa
Malufe, Bruna Carolina Carvalho, Edson Luiz André de Sousa,
Eduardo Sterzi, Júlia Studart e Veronica Stigger —, ao Vitor
Castro, da Mórula Editorial, amigo imenso e sempre perto
e pronto para acolher nossos riscos, à Carolina Machado,
pela parceria de ajuste e revisão dos textos. Definitivamente,
a gente não faz nada nessa vida e nesse mundo sozinha.
[ 8 ]
Este livro foi impresso na gráfica Meta, em papel pólen soft 80g/m 2
no miolo e cartão supremo 300g/m 2 na capa, com a tipografia abril
e blacker, em setembro de 2021, ano em que Paulo Freire faria 100
anos, e nos lança a uma experiência entre aprender e ensinar, uma
política para a vida: "A alegria não chega apenas no encontro do
achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender
não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria".
Exatos 30 anos antes, em agosto
de 1969, Pasolini escreve, em sua
coluna O Caos, no semanário Tempo,
a respeito de “uma falha dos velhos”,
quando, “a partir de certa idade,
como se costuma dizer em discussões
respeitáveis, nos tornamos humoristas,
fatalmente. É uma falha grave dos
velhos. Os jovens — aqueles que
importam ou importarão — jamais
fazem humor. Eles levam tudo de
peito aberto e a sério. O humorismo
implica uma desconfiança um tanto
ascética sobre as ações humanas: ou
pelo menos um descolamento dela,
devido a uma série de decepções.
O humor permite viver, apesar de
tudo: seguir adiante apenas para
findar a vida. Não é incomum que tal
humor adquirido à força, à medida
que envelhecemos, tenha um outro
rosto, a utopia: que é, portanto,
a fossilização da esperança
e da seriedade juvenil”.
[ trecho da apresentação ]
annita costa malufe
bruna carolina carvalho
davi pessoa
edson sousa
eduardo sterzi
júlia studart
manoel ricardo de lima
veronica stigger
ISBN 978658646451-1
9 78 6 5 8 6 4 6 4 5 1 1