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Publicação Mensal<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>284</strong> Novembro de 2021<br />
Mãe e Medianeira<br />
da Divina Graça
öhringer friedrich (CC3.0)<br />
Uma pequena joia mais<br />
saborosa que champagne<br />
D<br />
eus difunde a água às criaturas em condições muito diferentes. Se conside-<br />
ramos o globo terrestre, notamos como ela nos é dispensada aos borbotões:<br />
os oceanos, os rios que saem de dentro da terra e correm para o mar, os la-<br />
gos e tudo quanto de água está colocado em estado gasoso nas nuvens.<br />
Com esta criatura quantas maravilhas o Criador fez! Entre elas está uma peque-<br />
na joia multiplicada por Ele indefinidamente.<br />
Quem não se encantou vendo uma gota de orvalho tão pura, límpida e com um tal<br />
modo de guardar a luminosidade que sobre ela incide, que a luz parece passear den-<br />
tro daquela gotinha e se regalar de imergir naquela pureza?<br />
De tal maneira a gota de orvalho me encanta que, em pequeno, vendo-a numa flor,<br />
aproximava-a dos lábios e a sorvia, pois não podia me convencer de que uma coisa<br />
tão linda não tivesse um sabor muito gostoso.<br />
Entretanto, ao perceber que não era assim, arranjava um pretexto para conservar<br />
minha ilusão, pensando: “Quando eu for adulto, entrarei na mata com um copo<br />
e o encherei de orvalho. Só essa gota não faz sentir todo o seu sabor, mas se eu ti-<br />
vesse um copo cheio de orvalho, que delícia seria! Certamente mais saboroso do que<br />
champagne.”<br />
(Extraído de conferência de 30/7/1994)
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>284</strong> Novembro de 2021<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>284</strong> Novembro de 2021<br />
Mãe e Medianeira<br />
da Divina Graça<br />
Na capa,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1989.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Comum............... R$ 200,00<br />
Colaborador........... R$ 300,00<br />
Propulsor.............. R$ 500,00<br />
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Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editoraretornarei@gmail.com<br />
Segunda página<br />
2 Uma pequena joia mais<br />
saborosa que champagne<br />
Editorial<br />
4 Verdade consoladora<br />
Piedade pliniana<br />
5 Arco-íris, síntese da<br />
grandeza<br />
Dona Lucilia<br />
6 Amor abrangente<br />
e acolhedor<br />
Hagiografia<br />
9 Intransigência e<br />
ductilidade<br />
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
12 Beleza divina do Reino de Cristo<br />
Denúncia profética<br />
16 Significado da Realeza<br />
de Jesus Cristo<br />
Calendário dos Santos<br />
20 Santos de Novembro<br />
Reflexões teológicas<br />
22 Majestade, ápice da<br />
grandeza<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
30 Aliança divina entre<br />
o prático e o belo<br />
Última página<br />
36 Luz por trás das brumas<br />
3
Editorial<br />
Verdade consoladora<br />
N<br />
este momento de aflições e de perigos, quando a humanidade inteira geme sob o peso de<br />
desditas que se multiplicam a cada momento, crescem nossas necessidades e mais prementes<br />
se tornam nossas preces. Poucas verdades da Fé concorrem de modo tão poderoso para<br />
valorizar nossas orações quanto a Mediação Universal de Maria, quando a estudamos seriamente e a<br />
fazemos penetrar a fundo em nossa vida de piedade.<br />
Ensina a Teologia que todas as graças que recebemos de Deus devemo-las à mediação de Maria.<br />
Assim, a Mãe de Deus é o canal de todas as preces que chegam até seu Divino Filho e dos favores<br />
que Ele outorga aos homens.<br />
Embora esta verdade suponha que, em todas as nossas orações, peçamos a intercessão de Nossa<br />
Senhora, ainda quando não A invoquemos explicitamente podemos estar certos de que só seremos<br />
atendidos porque Ela reza conosco e por nós.<br />
Daí se infere uma conclusão sumamente consoladora.<br />
Se devêssemos nos apoiar apenas em nossos méritos, como poderíamos confiar no êxito de nossos<br />
pedidos? Contudo, Deus quer que nossas orações sejam confiantes; aliás, essa confiança é mesmo<br />
uma das condições de sua eficácia. Mas como teremos confiança se, olhando para nós, sentimos que<br />
nos faltam as razões de confiar?<br />
É das tristezas desta reflexão que nos arranca, triunfalmente, a doutrina da Mediação Universal de<br />
Maria.<br />
De fato, nossos méritos são mínimos e nossas culpas grandes. Mas o que não podemos alcançar<br />
por nós, temos todo o direito de esperar que as preces de Nossa Senhora alcancem. E jamais devemos<br />
duvidar de que Ela Se associe às nossas súplicas, quando convenientes à maior glória de Deus e<br />
à nossa santificação.<br />
Sendo a Santíssima Virgem nossa Mãe autêntica na ordem da graça, pois gerou a cada um de nós<br />
para a vida eterna, a Ela se aplica fielmente a frase que o Espírito Santo esculpiu na Escritura: “Pode<br />
uma mulher esquecer-se de seu filho e não se compadecer do fruto de suas entranhas? Mesmo<br />
que ela o esquecesse, Eu nunca me esqueceria de ti” (Is 49, 15). É mais fácil sermos abandonados por<br />
nossos pais segundo a natureza do que por nossa Mãe segundo a graça.<br />
Assim, por mais miseráveis que sejamos, podemos com confiança apresentar a Deus nossas petições.<br />
Convém que meditemos incessantemente sobre esta grande verdade.<br />
Católicos que somos, devemos enfrentar nesta vida as lutas comuns a todos os mortais e, além disso,<br />
as que decorrem do serviço de Deus. Mas, ainda que os horizontes pareçam prestes a verter sobre<br />
nós um novo dilúvio, mesmo quando os caminhos se cerrem diante de nós, os precipícios se abram e a<br />
própria terra se abale debaixo de nossos pés, não percamos a confiança: Nossa Senhora superará todos<br />
os obstáculos que forem superiores às nossas forças.<br />
Enquanto esta confiança não desertar de nossos corações, a vitória será nossa e de nada valerão os<br />
ardis de nossos adversários; caminharemos sobre as áspides e os basiliscos, e calcaremos aos pés os<br />
leões e os dragões (cf. Sl 91, 13). *<br />
* Cf. O Legionário n. 455, 1/6/1941.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Eric Rolph (CC3.0)<br />
Arco-íris,<br />
síntese da<br />
grandeza<br />
Oh, Mãe indizivelmente<br />
grande! Oh, Rainha inexprimivelmente<br />
doce e<br />
acessível! Oh, arco-íris que reunis<br />
em uma síntese incomparável<br />
os dois aspectos da grandeza, isto<br />
é, a superioridade e a dadivosidade!<br />
Este vosso escravo Vos suplica<br />
que preenchais o vácuo que<br />
existe em sua alma, ajudando-o a<br />
compreender, a analisar e a enlevar-se<br />
com a vossa grandeza.<br />
Concedei-lhe que, pela meditação<br />
de vossa grandeza, suas cogitações<br />
e suas vias sejam as vossas.<br />
Atendei a esta súplica, ó Coração<br />
Régio, Sapiencial e Imaculado<br />
de Maria.<br />
Assim seja!<br />
(Composta em 1967)<br />
Flávio Lourenço<br />
Virgem do Socorro - Igreja da<br />
Mercê, Córdoba, Espanha<br />
5
Dona Lucilia<br />
Luis Samuel<br />
A bondade era a virtude que representava o pináculo<br />
da alma de Dona Lucilia. Porém, não uma bondade<br />
filantrópica, mas sacral, por onde primava o amor à<br />
hierarquia e a tudo quanto é divino. Isso em nada<br />
diminuía nem enfraquecia nela o amor por aquilo que era<br />
pequeno, débil e fraco, tudo quanto merecia proteção.<br />
Daniel A.<br />
T<br />
eoricamente falando, a ordem<br />
do universo é uma coisa<br />
e a hierarquia é outra. A<br />
primeira é a disposição bela, sábia e<br />
santa com que Deus pôs todas as coisas<br />
no Universo. A segunda é a gradação<br />
dessa disposição.<br />
Entretanto, São Tomás nos ensina<br />
que não seria possível existir uma<br />
sem a outra, pois a ordem do universo<br />
é hierárquica, de maneira que<br />
quem ama a ordem do universo ama<br />
a hierarquia e vice-versa.<br />
Dona Lucilia favorecia a ambas<br />
simultaneamente. E, sem fazer uma<br />
distinção muito clara, mais implícita<br />
do que explícita, ela tinha um modo<br />
de louvar ou elogiar certas coi-<br />
6
sas, por onde se percebia ao mesmo<br />
tempo o amor à ordem do universo<br />
e à hierarquia, que vinham entrelaçadas.<br />
De maneira que posso tirar<br />
a seguinte conclusão: Dona Lucilia<br />
me ensinou a amar tudo isso, amando<br />
em cada coisa todas as outras.<br />
Amor, doçura e carinho<br />
que acolhe os pequenos<br />
Em geral, quando mamãe tinha<br />
a oportunidade de estar diante de<br />
um passarinho bonitinho, quer solto,<br />
quer numa gaiola, com muito agrado<br />
ela se detinha na análise dele. E,<br />
bem entendido, se ela notasse que<br />
faltava alpiste na gaiola, logo mandava<br />
comprar em alguma loja próxima<br />
e pôr o alimento para a ave comer<br />
até fartar-se; ademais, mandava<br />
renovar a água, limpar a gaiola, podia<br />
até enternecer-se na consideração<br />
do passarinho.<br />
Nesse gesto, por exemplo, notava-se<br />
que seu amor por tudo quanto<br />
era pequeno, débil e fraco, tudo<br />
quanto merecia proteção, estava<br />
contido no amor materno manifestado<br />
a seus filhos. Portanto, a<br />
priori e a fortiori, estavam os filhos<br />
dela.<br />
Para ter uma ideia disso, imaginemos<br />
uma sala com muitos espelhos<br />
paralelos refletindo-se uns nos outros,<br />
uma espécie de ping-pong de<br />
luzes de dentro de um espelho para<br />
outro, e deste para o primeiro, e os<br />
jogos de luz mudando pela inflexão<br />
da sala. Assim era o amor dela a vários<br />
pontos.<br />
A impressão que eu tinha quando<br />
me aproximava de Dona Lucilia,<br />
era de emanar dela uma certa<br />
doçura, à maneira de um<br />
círculo, um halo que a envolvia<br />
toda, e se exprimia num<br />
carinho e num sorriso invisível<br />
cheio de acolhida,<br />
de proteção e de alegria<br />
por aquela pessoa ser<br />
daquele jeito.<br />
Diz o Evangelho que quando<br />
Nosso Senhor encontrou o moço<br />
rico (cf. Mt 19, 16-30), tendo olhado<br />
para ele, amou-o. Esse querer<br />
bem vinha, portanto, no seu primeiro<br />
movimento, do olhar. Ele olhou,<br />
viu e quis bem. E isso para mostrar<br />
como é, por assim dizer, o mecanismo<br />
da formação da amizade,<br />
do afeto, do respeito. Em mamãe, a<br />
alegria por ter um filho bom se manifestava<br />
por essa acolhida, por esse<br />
olhar.<br />
Nela eu posso confiar<br />
sem limites!<br />
Ora, ao lado dessa doçura surgia<br />
muita segurança da sinceridade dela.<br />
Mas era uma certeza tal, que se<br />
alguém dissesse: “Oh, que sinceridade!”,<br />
eu ficaria chocado porque estaria<br />
dizendo uma coisa evidente. O<br />
óbvio não se diz. Assim era a sinceridade<br />
dela.<br />
Outra coisa relevante era a estabilidade<br />
dela. Diante das incompreensões<br />
mais rotundas,<br />
seu modo de ser não<br />
mudou até morrer, foi sempre<br />
o mesmo. E isso levava<br />
a pessoa que se aproximava<br />
dela a sentir<br />
uma grande desmobilização<br />
e quietude: “Nela eu posso<br />
confiar sem limites. Ela não vai<br />
encrencar comigo por causa de um<br />
capricho, uma mania, um interesse<br />
grande ou pequeno, mesquinho ou<br />
até generoso que seja, a não ser que<br />
eu faça o mal.”<br />
Tudo isso trazia uma espécie de<br />
estabilidade que, misturada com a<br />
doçura, com o carinho, com a capacidade<br />
de atração, tinha uma beleza<br />
imponderável que eu não sabia<br />
no que resultava. Não era tanto dos<br />
traços dela, mas era uma beleza que<br />
parecia irreal. Não é próprio às coisas<br />
concretas, terrenas, materiais,<br />
serem bonitas dessa maneira. Bem<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
7
Dona Lucilia<br />
se podia supor que algum Anjo projetasse<br />
sobre ela algo de sua própria<br />
luz. Poderia imaginar alguma outra<br />
hipótese do gênero, mas é muito difícil<br />
entrar em afirmações diante de<br />
matéria tão bonita, mas tão misteriosa<br />
também.<br />
Bondade e sacralidade na<br />
alma de Dona Lucilia<br />
Tomemos, por exemplo, aquele<br />
vestido de gala com que Dona Lucilia<br />
se fez fotografar em Paris. É<br />
um vestido bonito, que se não fosse<br />
usado por ela, mas por outrem,<br />
perderia muito. Ela acrescentava<br />
um quê inexplicável a esse vestido.<br />
Quer dizer, mamãe transmitia uma<br />
certa forma de harmonia e de beleza<br />
que a criatura terrena não tem.<br />
Daí a sensação de fada. É verdade<br />
que não existem fadas, mas a Providência<br />
pode dar essa impressão à<br />
criatura terrena.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em abril de 1993<br />
Qual era a virtude que<br />
representava o pináculo<br />
da alma de Dona Lucilia?<br />
Sem dúvida nenhuma,<br />
a bondade era a nota característica<br />
do feitio dela.<br />
Mas é preciso entender<br />
bem esta palavra, pois<br />
as pessoas hoje em dia a<br />
consideram, de um modo<br />
abusivo e errado, como<br />
uma filantropia às vezes<br />
até ruim. Com ela não<br />
era assim.<br />
Nela a bondade se<br />
conjugava com a sacralidade,<br />
a qual é o pináculo<br />
do amor à hierarquia.<br />
Porque ao amarmos a hierarquia,<br />
amamos com maior intensidade<br />
o que é mais alto, e, portanto, acima<br />
de tudo, aquilo que diz respeito<br />
a Deus, aos seus Anjos, Santos,<br />
à sua Igreja gloriosa, militante e penitente,<br />
o culto divino. Isto é sagrado,<br />
é sacral. E ela amava tudo isso<br />
mais do que as outras coisas. Nela,<br />
evidentemente, essa sacralidade se<br />
estendia também a pessoas, como<br />
acabo de dizer, sobretudo às pessoas<br />
sagradas e a outras coisas do gênero.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
2/4/1993)<br />
8
Flávio Lourenço<br />
Hagiografia<br />
Intransigência<br />
e ductilidade<br />
Comentando a diretriz de São Gregório Magno a São Justo, relativa<br />
ao apostolado na Inglaterra, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ressalta a perenidade da Igreja<br />
até nas coisas inteiramente secundárias. A carta indica, ao mesmo<br />
tempo, muita ductilidade, maleabilidade, naquilo que é secundário<br />
e uma enorme intransigência no que é realmente importante.<br />
Interior da Catedral de<br />
Córdoba, Espanha<br />
A<br />
10 de novembro comemora-se<br />
a festa de São Justo,<br />
bispo, a respeito do qual<br />
diz Rohrbacher 1 , na sua obra Vida<br />
dos Santos, o seguinte:<br />
Diretriz de São Gregório<br />
Magno sobre o apostolado<br />
na Inglaterra<br />
São Justo foi companheiro de Santo<br />
Agostinho, em seu trabalho de conversão<br />
da Inglaterra.<br />
É, portanto, Santo Agostinho que<br />
foi Arcebispo de Cantuária, no sécu-<br />
lo VI, e não Santo Agostinho de Hipona.<br />
Escreveu-lhe São Gregório o seguinte,<br />
a respeito de uma consulta.<br />
São Justo fez a São Gregório<br />
Magno uma consulta e este lhe deu<br />
a resposta que segue.<br />
Quando chegardes ao pé de nosso<br />
irmão Agostinho dizei-lhe que, depois<br />
de ter pensado longamente, examinado<br />
bem a questão dos ingleses,<br />
julguei que não devia destruir os templos,<br />
mas somente os ídolos que neles<br />
estão. Purifique-os com água benta,<br />
desça do altar os ídolos e lá coloque<br />
relíquias. Se esses templos são<br />
bons, bem edificados, que passem do<br />
culto dos demônios ao serviço do verdadeiro<br />
Deus, a fim de que aquela<br />
nação, vendo conservados os lugares<br />
aos quais estão acostumados, neles<br />
passem a ir mais à vontade. E como<br />
9
Hagiografia<br />
Johnson0323 (CC3.0)<br />
estão acostumados a sacrificar bois<br />
aos demônios estabeleça qualquer cerimônia<br />
solene como a da consagração,<br />
ou dos mártires de quem ali estão<br />
as relíquias.<br />
Que façam barracas em volta dos<br />
templos transformados em igrejas e<br />
celebrem a festa com refeições discretas.<br />
Ao invés de imolar animais ao<br />
demônio, que os matem para comer<br />
e render graças a Deus que lhes deu<br />
o alimento, a fim de que, deixando<br />
quaisquer manifestações sensíveis de<br />
júbilo, possam insinuar-se mais facilmente<br />
nas alegrias interiores. Porque é<br />
impossível destituir os duros espíritos<br />
de todos os costumes de uma só vez. É<br />
devagar que se vai ao longe.<br />
Todos os deuses dos<br />
pagãos são demônios<br />
Essa carta é muito interessante,<br />
antes de tudo por causa dessa afirmação<br />
que nós encontramos numerosas<br />
vezes em Padres e Doutores<br />
da Igreja, bem como na Escritura<br />
que diz: omnes dii gentium dæmonia<br />
(Sl 95, 5) – todos os deuses dos<br />
povos, das nações que não Israel, são<br />
demônios.<br />
E isso provém deste fato que<br />
São Luís Grignion de Montfort põe<br />
muito em relevo: o homem, depois<br />
do pecado original, nasceu escravo.<br />
Ou é escravo de Deus, de Nossa<br />
Senhora, ou é escravo do demônio.<br />
Não tem outro remédio. E como<br />
esses povos pagãos não são escravos<br />
de Nossa Senhora, nem de Deus, são<br />
necessariamente escravos do demônio.<br />
E aquelas coisas que eles adoram<br />
são realmente demônios. Sem<br />
falar nos numerosos casos que se conhecem<br />
de manifestações preternaturais<br />
diabólicas, a propósito do culto<br />
dos demônios.<br />
De maneira que a expressão é<br />
muito característica, violenta, profundamente<br />
antiecumênica. Exatamente<br />
nesse sentido é interessante<br />
essa carta porque ela indica, ao mesmo<br />
tempo, muita ductilidade, maleabilidade<br />
naquilo que não tem importância,<br />
e uma enorme severidade no<br />
que é realmente importante.<br />
Pagode chinês em Nanjing<br />
Templos pagãos purificados<br />
pela celebração do<br />
verdadeiro culto<br />
Os templos dessas nações pagãs<br />
não tinham nada em comum com<br />
a arte moderna. Esta é uma negação<br />
violenta, blasfematória, de toda<br />
forma de verdade e de bem.<br />
É a arbitrariedade artística erigida<br />
em afirmação normal da desordem<br />
e da feiura. Evidentemente, a<br />
arte moderna não pode servir para<br />
uma igreja católica. Mas os templos<br />
10
constituídos em outras escolas artísticas<br />
que não terão a elevação, a sacralidade<br />
do gótico, mas são escolas<br />
dignas e que realmente contêm verdadeiros<br />
elementos de beleza, podem<br />
adequadamente servir para o<br />
culto católico.<br />
Lembro-me que nós publicamos<br />
um “Ambientes-Costumes”, em “Catolicismo”,<br />
no qual havia uma fotografia<br />
de um pagode chinês, e mostrávamos<br />
como ele era próprio para<br />
servir ao culto católico dentro de<br />
uma nação chinesa. Não que se fosse<br />
construir um pagode para ali pôr um<br />
culto católico, porque quando se faz<br />
procura-se fazer o melhor possível.<br />
Mas quando se recebe o fato consumado,<br />
procura-se aceitar o aceitável.<br />
E o pagode, bonito, com muita<br />
nobreza, muitos valores, mereceria<br />
perfeitamente ser aceito pelo culto<br />
católico.<br />
Por exemplo, os heróis da Reconquista,<br />
quando tomavam aquelas cidades<br />
antigamente mouras que possuíam<br />
mesquitas muito bonitas, como<br />
a famosa de Córdoba, purificavam<br />
as mesquitas, tiravam todos os<br />
emblemas do islamismo e instalavam<br />
o culto católico, o qual até hoje continua<br />
a ser celebrado nesses locais.<br />
E isso é uma coisa digna, feita pelos<br />
próprios heróis da Reconquista.<br />
Isabel, a Católica, quando penetrou<br />
em Granada, uma das primeiras<br />
preocupações dela foi precisamente<br />
de mandar purificar a mais importante<br />
mesquita da cidade e rezar ali<br />
uma Missa. Era o principal símbolo<br />
da vitória alcançada contra o Islã.<br />
Intransigência no necessário<br />
e ductilidade no secundário<br />
É exatamente nessa ordem o conselho<br />
que São Gregório dá a Santo<br />
Agostinho. Se os templos têm características<br />
que não destoam do culto,<br />
devem-se aproveitar.<br />
E ele indica então uma razão de<br />
caráter psicológico: as pessoas estão<br />
habituadas a ir ao templo. Uma vez<br />
que se elimine o elemento ruim, que<br />
é o culto idolátrico, esse hábito desinibe<br />
o indivíduo de frequentá-lo.<br />
Então, convém aproveitar essa circunstância<br />
de nosso lado.<br />
Notem quanta intransigência no<br />
necessário e quanta ductilidade naquilo<br />
que é secundário e realmente<br />
não tem nenhuma atinência com os<br />
princípios. Não quer dizer o seguinte:<br />
ser intransigente com os princípios<br />
fundamentais e tolerante com<br />
os princípios secundários. Isso seria<br />
uma abominação. Com os princípios<br />
se é intolerante em toda linha,<br />
até onde eles vão. Mas uma parte da<br />
realidade que escapa, sob vários aspectos,<br />
ao ângulo dos princípios pode<br />
ser vista com essa largueza.<br />
Observem as quermesses realizadas<br />
junto a igrejas. Muitas delas são<br />
de moralidade duvidosa, culturalmente<br />
repelentes e sem expressão de<br />
valor piedoso em nenhum sentido da<br />
palavra.<br />
No caso acima, vemos o contrário.<br />
São Gregório Magno manda fazer<br />
barraquinhas em torno das igrejas,<br />
o que, naquela noite dos tempos,<br />
era propriamente a quermesse. Para<br />
quê? A fim de distribuir comilanças<br />
porque aquele pessoal estava habituado<br />
a comer. E ele indica um sentido<br />
religioso à refeição: celebrem a Deus<br />
que lhes concedeu essa comida, e fiquem<br />
alegres com isso; era um pouco<br />
de regozijo depois do trabalho. E<br />
com isso se atraía o povo<br />
Vemos como essas coisas se ligam<br />
e dão bem uma expressão da perenidade<br />
da Igreja até nas coisas inteiramente<br />
secundárias. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/11/1966)<br />
1) ROHRBACHER, René-François.<br />
Vida dos Santos. São Paulo: Editora<br />
das Américas. 1959, v. XIX, p.<br />
287-288.<br />
São Justo - Catedral de<br />
Rochester, Inglaterra<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
11
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Flávio Lourenço<br />
Cristo em sua majestade<br />
Igreja de São Salvador,<br />
Dinan, França<br />
Beleza divina do<br />
Reino de Cristo<br />
O reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo se exerce sobre<br />
as almas. Cada indivíduo, nação, Ordem religiosa, forma<br />
como que uma província, um céu. A harmonia dessas<br />
almas individuais e desses grupos humanos constitui no<br />
seu todo a beleza divina do Reino do Divino Salvador.<br />
Aprimeira vez que fui à Europa,<br />
o avião que me conduziu<br />
chamava-se Ciel de<br />
Lorraine. Notei depois que havia<br />
uma série de aviões com títulos assim:<br />
Céu disto, Céu daquilo...<br />
Teoria da diversidade<br />
dos céus culturais<br />
Encontra-se envolta nisso a<br />
ideia de que o céu da Lorena não<br />
é o mesmo da Île-de-France e este<br />
não é o céu de Auvergne. Portanto,<br />
a cada província, com suas características<br />
regionais e sua forma<br />
de cultura, corresponde um céu, já<br />
não o atmosférico, mas outra espécie<br />
que não é também o sobrena-<br />
12
tural. Trata-se de um céu de cultura.<br />
Embora a partir da terra vejamos<br />
o mesmo azul na Lorraine ou<br />
na Champagne, há qualquer coisa<br />
que os diferencia entre si como<br />
também da doçura do céu da Île-<br />
-de-France, por exemplo.<br />
Então, embora se saiba que as nuvens<br />
e o céu, realmente com algumas<br />
variantes, mas afinal de contas<br />
são os mesmos por toda a parte, tem<br />
um sentido em se falar de um céu de<br />
Lorena, um céu de Auvergne, etc., e<br />
esta teoria da variedade dos céus inclui<br />
uma espécie de teoria da diversidade<br />
dos céus culturais, e de uma<br />
projeção para o céu físico de valores<br />
culturais da Terra e de uma impregnação<br />
destes por elementos vindos<br />
do céu astronômico-celeste, conforme<br />
se apresenta num lugar, constituindo<br />
um todo só que forma cada<br />
província a bem dizer um céu. O luar<br />
do Ceará, por exemplo, compõe<br />
um céu, pelo menos noturno, inteiramente<br />
especial.<br />
Cada província é uma espécie de<br />
valor de alma que tem um significado<br />
próprio, e cuja posse é um elemento<br />
capital para a integridade do<br />
reino. Este, perdendo uma província,<br />
mais do que ficar privado de uns<br />
tantos territórios, perde algo que é<br />
Jules (CC3.0)<br />
um valor moral, cultural, o qual, desmembrado<br />
do reino, faz com que este<br />
perca a sua integridade e fique como,<br />
por exemplo, uma imagem sagrada<br />
da qual se cortasse uma parte.<br />
Quer dizer, algo de irremediavelmente<br />
mutilado, enquanto aquela<br />
unidade não se reintegrar.<br />
Por causa disso, por exemplo, os<br />
franceses, com muito senso para as<br />
coisas, fizeram o seguinte: Quando<br />
a Alsácia e metade da Lorena foram<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Gabriel K.<br />
Auvergne<br />
Metz, capital da província de Lorena<br />
13
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Existem céus para as<br />
várias famílias de alma.<br />
Qual será o que corresponde<br />
à nossa? Na harmonia<br />
de valores espirituais, que é o<br />
Reino de Cristo Rei, o que representa<br />
nossa família espiritual? Que valores<br />
morais, que vocação, que apelo<br />
para a virtude, para o heroísmo,<br />
para a dedicação incondicional, para<br />
enfrentar todas as formas de risco,<br />
de trabalho, de despesa, de humilhação,<br />
enfim tudo quanto está contido<br />
neste valor especial que Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo criou para esta<br />
época, e para o qual Ele nos chamou!<br />
Então nós devemos ter, na festa<br />
de Cristo Rei, a seguinte preocupação:<br />
o desígnio do Redentor a nosso<br />
respeito está se realizando e, portantomadas<br />
na Guerra de<br />
1870, eles envolveram<br />
com crepe de luto as<br />
estátuas que representavam<br />
em Paris essas<br />
províncias, significando<br />
que o crepe seria tirado<br />
quando aquelas províncias<br />
fossem reconquistadas.<br />
Era um luto da França<br />
e da província. Um<br />
luto de alma por causa<br />
dessa unidade ideal que<br />
é a substância da verdadeira<br />
unidade do reino.<br />
Cada indivíduo<br />
é como uma<br />
província do<br />
Reino de Nosso<br />
Senhor<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
A que propósito vêm<br />
essas considerações na<br />
festa do Reinado de<br />
Cristo?<br />
Tenho a impressão<br />
de que quem não deteve<br />
a sua atenção sobre<br />
essa realidade de que<br />
acabo de falar, não possui<br />
toda facilidade desejável<br />
para compreender<br />
bem o que é o Reino de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo.<br />
É o Reino sobre pessoas e não<br />
territórios. Um Reino sobre almas<br />
em que cada indivíduo, grupo humano,<br />
nação, Ordem religiosa, família,<br />
constitui como que uma província,<br />
um céu. É a harmonia de todos esses<br />
grupos humanos, todas essas famílias<br />
de alma, todas essas almas individuais<br />
que constitui no seu todo a<br />
beleza divina do Reino de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. E o Redentor, como<br />
Rei, defende cada alma contra o<br />
ataque do adversário com um amor,<br />
um conhecimento do valor daquela<br />
alma e do que ela significa para a<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1964<br />
unidade do seu Reino, muito maior<br />
do que o Rei da França defenderia a<br />
Auvergne, a Lorena ou qualquer outra<br />
coisa.<br />
Cada um de nós é a Lorena, a Alsácia,<br />
a Île-de-France de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. Ele sabe que, assim<br />
como há o céu de uma província,<br />
existe o céu de um indivíduo o qual<br />
corresponde à sua luz primordial objetiva<br />
e subjetiva 1 . Isso no seu todo<br />
é uma espécie de firmamento de beleza<br />
espiritual próprio a cada um de<br />
nós, que o Divino Salvador ama com<br />
um empenho com que um verdadeiro<br />
francês deve, por exemplo, amar a<br />
Lorena ou o céu da Lorena.<br />
Quer dizer, é este<br />
valor de caráter moral<br />
e espiritual que se deve<br />
amar. Isto nos leva, então,<br />
a considerar o seguinte:<br />
As províncias<br />
ou os municípios do<br />
Reino de Cristo Rei são<br />
os homens. Cada vez<br />
que Nosso Senhor perde<br />
ou diminui o exercício<br />
efetivo de sua realeza<br />
sobre uma alma,<br />
dá-se n’Ele, na sua vida<br />
terrena, uma tristeza<br />
parecida com a do<br />
rei que perde sua província;<br />
uma espécie de<br />
ordem de beleza ideal<br />
se perde. Mas cada vez<br />
que se volta a Ele, o Divino<br />
Salvador tem todas<br />
as alegrias dessa recondução.<br />
É isto que se<br />
joga continuamente na<br />
festa de Cristo Rei.<br />
O céu para o qual<br />
Nosso Senhor<br />
nos chamou...<br />
14
to, o Reino d’Ele é efetivo em nós,<br />
como tem o direito de ser? Nós somos<br />
aquilo que Ele quereria que fôssemos?<br />
É preciso dizer que, embora não<br />
se possa responder pura e simplesmente<br />
sim, sobretudo, graças a<br />
Deus, não se pode responder pura e<br />
simplesmente não. Devemos, ao formular<br />
esta pergunta, ter a alegria de<br />
dizer que o fundo de quadro é uma<br />
afirmação. E graças a Deus nós somos<br />
para Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
nessa época em que Ele é tão perseguido<br />
e tão flagelado, uma grande<br />
consolação.<br />
Mas, por outro lado, isso nos deve<br />
dar o desejo de ser e dar ainda<br />
mais, para que se integre sobre nós<br />
o exercício efetivo do poder d’Ele.<br />
De maneira tal que tenhamos toda<br />
aquela beleza de alma, a qual seria<br />
propriamente o nosso céu nesse<br />
conjunto de formosuras que deveria<br />
ser, nos dias de hoje – e de fato<br />
é –, a Santa Igreja Católica. Porque<br />
esta, por mais desfigurada e<br />
conspurcada que esteja, é um jardim<br />
onde continuamente desabrocham<br />
flores para Nosso Senhor. E<br />
nós, talvez só no dia do Juízo Final,<br />
poderemos saber quantos santos<br />
florescem no desconhecimento,<br />
na ignorância, no abandono, isolados<br />
e odiados aqui, lá e acolá, dando<br />
a Deus uma glória completa e<br />
magnífica.<br />
...e cuja estrela<br />
central é o Imaculado<br />
Coração de Maria<br />
É assim que cada um de nós deve<br />
ver a atual situação e, quando for comungar,<br />
perguntar com que disposição<br />
o Redentor me recebe. Que graças,<br />
que generosidade Ele está disposto<br />
a me conceder?<br />
Essas coisas na vida são uma espécie<br />
de regra de três. Nosso Senhor<br />
recebe a cada um de nós na<br />
Eucaristia com uma alegria, uma<br />
certa medida de tristeza e muita<br />
esperança. Isto no conjunto constitui<br />
a incompleta realeza de Cristo<br />
sobre cada um de nós, mas que,<br />
marchando para ser completa, é<br />
uma razão contínua de gáudio para<br />
Ele.<br />
Assim, peçamos ao Redentor, por<br />
meio do Imaculado Coração de Maria,<br />
que nos dê a compreensão<br />
de todos esses<br />
céus da Igreja<br />
Católica, do Reinado<br />
de Nosso<br />
Senhor Jesus<br />
Cristo, de que<br />
nós somos individualmente<br />
e como família<br />
de almas uma<br />
espécie de céu dentro<br />
desse conjunto de<br />
céus. Um céu preciosíssimo<br />
porque sua estrela central<br />
é o Imaculado Coração<br />
de Maria. Estrela mais preciosa<br />
não poderia haver.<br />
Que compreendamos<br />
as graças recebidas, quanto<br />
motivo temos para esperar<br />
perdão, misericórdia,<br />
e roguemos muitos favores<br />
com grande empenho<br />
e desembaraço, com<br />
uma respeitosa desenvoltura.<br />
A isso nos conduzem<br />
essas altíssimas<br />
considerações. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 21/10/1964)<br />
1) Luz primordial é o aspecto<br />
de Deus que cada<br />
alma deve refletir e contemplar,<br />
em função do<br />
qual precisa ordenar<br />
toda a sua existência, a<br />
sua vocação pessoal. A<br />
luz primordial objetiva<br />
está no Criador e a subjetiva<br />
se encontra na alma<br />
da pessoa.<br />
Flávio Lourenço<br />
Cristo Rei - Igreja de<br />
Cristo Rei, Barcelona<br />
15
Flávio Lourenço<br />
Denúncia profética<br />
Significado<br />
da Realeza de<br />
Jesus Cristo<br />
O Reino de Deus está dentro de<br />
nós. Ora, apesar de pequeno como<br />
extensão, ele possui um valor<br />
infinito porque custou o Sangue<br />
de Cristo. Por isso, cada um de<br />
nós deve conquistá-lo para Nosso<br />
Senhor, destruindo tudo aquilo<br />
que, em nosso interior, se oponha<br />
ao cumprimento de sua Lei.<br />
Sagrado Coração de Jesus - Igreja dos<br />
Santos Juanes, Valência, Espanha<br />
No domingo em que a Santa<br />
Igreja de Deus celebra<br />
a Realeza de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, encher-se-ão, no<br />
mundo inteiro, os templos católicos<br />
com uma multidão piedosa, que irá<br />
depositar aos pés dos altares suas súplicas<br />
e suas orações. Contemplando<br />
em espírito essa imensa multidão,<br />
composta de pessoas oriundas de todas<br />
as raças e de todos os pontos do<br />
globo, tão numerosa que, segundo a<br />
previsão do Apocalipse, “ninguém a<br />
pode recensear” (Ap 7, 9), um pensamento<br />
se apodera de mim. E ao<br />
mesmo tempo experimento o desejo<br />
imperioso de o comunicar aos meus<br />
leitores.<br />
Uma verdade áspera<br />
e dolorosa<br />
Ser-me-ia, sem dúvida, muito<br />
mais grato e fácil cingir-me exclusivamente<br />
a considerações de ordem<br />
geral sobre a Realeza de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. Tenho, porém, a<br />
certeza de que tais considerações<br />
outros as farão. Mas o pensamento<br />
que está em mim, posso eu porventura<br />
ter a certeza de que todos<br />
os demais o tiveram, e de que, em<br />
hipótese afirmativa, o externarão?<br />
Uma dolorosa negativa me responde<br />
a esta pergunta. E por isso,<br />
deixando a outros uma tarefa, ali-<br />
16
atenderam aos bons conselhos! Ai<br />
também dos que, por covardia ou<br />
egoísmo, calaram os bons conselhos<br />
que poderiam ter dado! Estes<br />
conselhos salutares, que eles não<br />
externaram, queimá-los-ão a eles<br />
próprios pelo interior, como brasas<br />
ardentes. E no dia do Juízo serão<br />
levados à conta de talentos inaproveitados.<br />
Quando pronunciou, em Lisieux,<br />
sua magistral alocução, o enás,<br />
incontestavelmente indispensável<br />
e fundamental, vou fazer a<br />
mais ingrata, obscura e desagradável,<br />
porém mais necessária: a de dizer<br />
uma verdade áspera e dolorosa<br />
neste grande dia de festa.<br />
Os bons pensamentos têm isto<br />
de característico que, quando<br />
aproveitados, servem de remédio<br />
tanto a nós mesmos quanto ao próximo.<br />
Quando, porém, nós os rejeitamos<br />
em nossa vida interior, ou os<br />
calamos em nossas relações com o<br />
próximo, eles se transformam, segundo<br />
São Paulo, em carvões ardentes<br />
que nos causticam e calcinam<br />
a alma. Ai dos que receberam<br />
e, por egoísmo ou covardia, não<br />
Flávio Lourenço<br />
Juízo Universal - Santuário do Sagrado<br />
Coração de Jesus, Gijón, Espanha<br />
Correio da Manhã Fund, Arquivo Nacional (CC3.0)<br />
tão Cardeal Pacelli, já predestinado<br />
pelo Espírito Santo a reger futuramente<br />
a Igreja de Deus, fez uma<br />
queixa amarga que nos cabe recordar.<br />
Disse ele que, entre os muitos<br />
homens que desobedecem hoje às<br />
palavras dos Pontífices, há uma categoria<br />
que causa especial mágoa<br />
ao Papa. Não se trata dos que não<br />
têm Fé e nem dos que, tendo uma<br />
Fé morta e inoperante, não procuram<br />
ouvir o que o Papa lhes diz. Os<br />
Papa Pio XII<br />
17
Denúncia profética<br />
que mais fazem sofrer o Papa – e este<br />
é o ponto que nos interessa – são<br />
os que, aos pés do púlpito, em atitude<br />
externa correta e reverente, ouvem<br />
a palavra do Vigário de Cristo<br />
comunicada pela hierarquia eclesiástica,<br />
mas não a compreendem, se<br />
a compreendem não a amam, e se a<br />
amam platonicamente não lhe dão<br />
execução!<br />
“Veio para o que era<br />
seu, mas os seus não<br />
O receberam”<br />
Assim, no dia de hoje, quantos<br />
e quantos católicos, elevados pelo<br />
Batismo à dignidade de cidadãos<br />
do Reino de Deus, nem sequer<br />
cumprirão o preceito dominical!<br />
Quantos outros católicos ainda, indo<br />
à igreja, ouvirão algum sermão<br />
sobre a Realeza de Jesus Cristo,<br />
sem saber, entretanto, e sem procurar<br />
saber em que sentido se deve<br />
atribuir a esta tão clara e tão litúrgica<br />
festa!<br />
Quantos católicos, finalmente,<br />
acompanhando até o próprio texto<br />
da Liturgia Sagrada, lerão as maravilhosas<br />
lições que ela contém sobre<br />
a Realeza de Jesus Cristo e não<br />
a compreenderão! Quantos católicos<br />
que procuram implantar o Reino<br />
de Cristo no mundo inteiro, esquecidos<br />
ou ignorantes de que devem<br />
começar por implantar dentro<br />
de si mesmos! E quantos outros<br />
supõem que podem implantar<br />
realmente dentro de si o Reino<br />
de Cristo, sem sentir um desejo ardente<br />
e devorador de o implantar<br />
no mundo inteiro! Em outros termos,<br />
não são tais católicos do mesmo<br />
jaez daqueles que ouvem corretamente,<br />
porém só com ouvidos do<br />
corpo e não com os da alma, o que<br />
lhes diz a Igreja pela voz dos Pontífices?<br />
A doutrina da Realeza de Jesus<br />
Cristo está intimamente ligada à belíssima<br />
e piedosíssima prática da entronização<br />
do Sagrado Coração de<br />
Jesus nos lares. Se se entroniza a<br />
imagem do Sagrado Coração de Jesus<br />
no lugar mais nobre do lar, é exatamente<br />
porque se reconhece que<br />
Ele é Rei. Entretanto, quanto lar há<br />
por aí em que a imagem está entronizada<br />
na sala, mas Cristo não está<br />
entronizado nos corações!<br />
Evidentemente, não quero exagerar<br />
a tristeza já, de si, tão grande<br />
deste quadro, cometendo a injustiça<br />
de desprezar o que há de belo<br />
e de bom, apesar dessas lacunas.<br />
Qualquer ato de piedade, qualquer<br />
atitude de reverência para com a<br />
Igreja de Deus, por mais superficial<br />
e insignificante que seja, deve<br />
ser por nós, católicos, apreciado,<br />
amado e estimulado com um zelo<br />
imenso, reflexo direto de nosso<br />
amor a Deus. Longe de nós, pois,<br />
um pessimismo de sabor farisaico<br />
que nos fizesse contestar todo e<br />
qualquer valor a essas práticas de<br />
piedade, desde que sejam sinceras,<br />
por mais que a frieza ou a ignorância<br />
lhes toldem o brilho sobrenatural.<br />
Entretanto, feita esta reserva, a<br />
verdade aí está: a queixa de São João<br />
ainda hoje é muitas vezes procedente:<br />
in propria venit et sui eum non receperunt...<br />
(Jo 1, 11) 1<br />
Cristo é Rei por ser Deus<br />
Não seria, aliás, difícil conhecer<br />
a Doutrina da Igreja sobre a Realeza<br />
de Jesus Cristo. Na sua infi-<br />
Flávio Lourenço<br />
Gabriel K.<br />
18
nita misericórdia, Deus<br />
Se dignou de comparar<br />
o amor infinito com que<br />
nos ama ao amor que nos<br />
têm nossos pais. Evidentemente,<br />
não quer isto dizer<br />
que Ele tenha reduzido<br />
na comparação as insondáveis<br />
dimensões de<br />
seu amor, para as amesquinhar<br />
até as proporções<br />
exíguas dos afetos de que<br />
os homens são capazes.<br />
Pelo contrário, se Ele serviu-Se<br />
dessa comparação<br />
do amor paterno foi apenas<br />
para nos dar a entender,<br />
de longe, o quanto<br />
Ele nos ama. Se dermos<br />
à palavra “pai” o sentido<br />
que ela tem na ordem natural,<br />
Deus não é apenas<br />
nosso Pai, mas muito mais<br />
do que isto, por ser nosso<br />
Criador. Porém, como a<br />
função de pai, na natureza,<br />
não é senão de coadjuvar<br />
a Deus na obra da Criação, se<br />
alguém merece na realidade o nome<br />
de Pai é Deus. E nosso pai segundo<br />
a natureza outra coisa não é<br />
senão o depositário de uma parcela<br />
da paternidade que Deus tem sobre<br />
nós.<br />
O mesmo se dá com a Realeza<br />
de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender<br />
a autoridade absoluta que,<br />
como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus<br />
Cristo dignou-Se de Se comparar<br />
com um rei. Entretanto, como é<br />
por Ele que reinam os reis, e a autoridade<br />
dos reis só é autêntica por<br />
provir d’Ele, na realidade, o único<br />
Rei, Rei por excelência, é Ele. E os<br />
reis ou chefes de Estado não são senão<br />
seus humildes acólitos, dos quais<br />
Ele Se digna servir-Se na obra da direção<br />
do mundo. Cristo é Rei por ser<br />
Deus. Chamando-O de Rei queremos<br />
simplesmente afirmar a onipotência<br />
divina, e nossa obrigação de<br />
Lhe obedecer.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1939<br />
Obediência! Eis aí um dos conceitos<br />
contidos essencialmente no conceito<br />
da Realeza de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo. Cristo é Rei, e a um rei se<br />
deve obediência. Festejar a Realeza de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar<br />
seu poder sobre nós. E, implicitamente,<br />
nossa obediência em relação a Ele.<br />
Como é que se obedece a um rei?<br />
A resposta é simples: conhecendo-<br />
-lhe as vontades e cumprindo-as com<br />
amorosa e pormenorizada exatidão.<br />
Assim, pois, o único modo de obedecermos<br />
a Cristo Rei é conhecer sua<br />
vontade e segui-la.<br />
Sejamos soldados<br />
de Cristo Rei<br />
<strong>Revista</strong> da Semana, 29 de abril de 1939<br />
Desta noção tão clara, simples e<br />
luminosa um programa de vida, também<br />
ele claro, luminoso e simples, se<br />
segue.<br />
Para conhecer a vontade de Cristo<br />
Rei devemos conhecer o Catecismo.<br />
Porque é ali, através<br />
do estudo dos Mandamentos,<br />
estudo este que<br />
só será completo com o<br />
de toda a Doutrina Católica,<br />
que conhecemos a vontade<br />
de Deus. E para seguir<br />
esta vontade devemos<br />
pedir a graça de Deus pela<br />
oração, pela prática dos<br />
Sacramentos e por nossas<br />
boas obras. Finalmente,<br />
pela vida interior, isto<br />
é, pela leitura espiritual,<br />
pela meditação e pela vida<br />
vivida exclusivamente à<br />
luz do Catecismo, seguiremos<br />
a vontade de Deus.<br />
Disse Nosso Senhor que<br />
o Reino de Deus está dentro<br />
de nós mesmos. Ora,<br />
este pequeno Reino, pequeno<br />
como extensão, mas<br />
infinito como valor porque<br />
custou o Sangue de Cristo,<br />
cada um de nós o deve<br />
conquistar para Nosso<br />
Senhor, destruindo tudo aquilo que,<br />
dentro de nós, se oponha ao cumprimento<br />
de sua Lei.<br />
Finalmente, as Leis de Cristo se<br />
aplicam não apenas a um indivíduo<br />
em particular, mas aos povos e<br />
nações. Que os povos conheçam e<br />
pratiquem na sua organização doméstica,<br />
social e política, as encíclicas<br />
que são a expressão da própria<br />
vontade de Deus, e Jesus Cristo será<br />
Rei.<br />
Em outros termos, sejamos bons<br />
católicos; sendo-o, seremos necessariamente<br />
apóstolos; e sendo apóstolos,<br />
seremos necessariamente soldados<br />
de Cristo Rei.<br />
v<br />
(Extraído de O Legionário n. 372,<br />
29/10/1939)<br />
1) “Veio para o que era seu, mas os seus<br />
não O receberam”.<br />
Sagrado Coração Rei - Igreja de São<br />
Carlos Borromeu, Anvers, Bélgica<br />
19
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
C<br />
alendário<br />
1. São Nuno de Santa Maria (Nuno<br />
Álvares Pereira), religioso (†1431).<br />
Nobre general português, conhecido<br />
também como o “Santo Condestável”,<br />
depois de ter comandado a defesa do<br />
Reino de Portugal, foi recebido entre<br />
os irmãos da Ordem dos Carmelitas,<br />
onde levou uma vida pobre e escondida<br />
em Cristo. Tinha uma admirável<br />
piedade para com a Santíssima Virgem<br />
Maria. Morreu em Lisboa, no Convento<br />
do Carmo por ele fundado, no Domingo<br />
da Ressurreição.<br />
2. Comemoração de todos os Fiéis<br />
Defuntos.<br />
3. São Pedro Francisco Néron,<br />
presbítero e mártir (†1860). Membro<br />
da Sociedade das Missões Estrangeiras,<br />
de Paris. Após sofrer terríveis tormentos,<br />
foi martirizado em Tonquin,<br />
Vietnã, sob a perseguição do Imperador<br />
Tu Duc.<br />
4. São Carlos Borromeu, bispo.<br />
(†1584)<br />
5. São Donino, mártir (†307). Ainda<br />
jovem médico, no início da perseguição<br />
de Diocleciano, foi condenado<br />
ao trabalho nas minas de Mísmiya,<br />
em Cesareia da Palestina, onde, depois<br />
de sofrer cruéis vexações, foi lançado<br />
ao fogo por ordem do prefei-<br />
dos Santos – ––––––<br />
to Urbano, por permanecer firme na<br />
confissão da Fé.<br />
6. Santos Calínico, Himério, Teodoro,<br />
Estêvão e companheiros, mártires<br />
(†638). Eram soldados em Gaza<br />
e foram presos quando os sarracenos<br />
ocuparam a cidade. Encorajados<br />
pelo Bispo São Sofrônio, confessaram<br />
a sua Fé em Cristo e por isso<br />
foram degolados, alcançando glorioso<br />
martírio.<br />
7. Todos os Santos e Santas. (No<br />
Brasil, Solenidade transferida do dia 1.)<br />
8. Santo Adeodato I, Papa (†618).<br />
9. Dedicação da Basílica de Latrão.<br />
Santo André Avelino, presbítero<br />
(†1608). Sacerdote teatino, nasceu<br />
em Nápoles e foi levado por São Carlos<br />
Borromeu a Milão, onde sua pregação<br />
converteu inúmeros pecadores.<br />
Morreu ao fazer o Sinal da Cruz no<br />
início da Santa Missa que ia celebrar.<br />
10. São Leão Magno, Papa (†461).<br />
11. São Martinho de Tours, bispo<br />
(†397).<br />
12. São Josafá, bispo e mártir<br />
(†1623). Incitou com incessante zelo<br />
o seu povo à unidade católica, cultivou<br />
com piedoso amor o rito bizanti-<br />
Santa Hilda<br />
no-eslavo e, em Vitebsk, na Bielorrússia,<br />
então sob a jurisdição da Polônia,<br />
cruelmente perseguido por uma multidão<br />
inimiga, morreu pela unidade<br />
da Igreja e defesa da verdade católica.<br />
13. Santo Eugênio de Toledo, bispo<br />
(†657). Foi incansável na luta pela<br />
perfeita observância da sagrada Liturgia.<br />
14. XXXIII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
15. Santo Alberto Magno, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†1280). Tendo ingressado<br />
na Ordem dos Pregadores,<br />
em Paris, ensinou as disciplinas filosóficas<br />
e teológicas. Foi mestre de São<br />
Tomás de Aquino, conciliando admiravelmente<br />
a sabedoria dos Santos<br />
com as ciências humanas e naturais.<br />
Morreu santamente em Colônia, na<br />
Lotaríngia, atualmente na Alemanha.<br />
16. Santa Inês de Assis, virgem<br />
(†1253). Adotou, junto com sua irmã,<br />
Santa Clara, a vida religiosa sob a direção<br />
de São Francisco.<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
São Josafá<br />
17. Santa Isabel da Hungria, viúva<br />
(†1231).<br />
20
–––––––––––––– * Novembro * ––––<br />
Flávio Lourenço<br />
Santa Hilda, virgem (†680). Abadessa<br />
de Whitby, na Nortúmbria, território<br />
da atual Inglaterra. Depois de<br />
abraçar a Fé e receber os sacramentos,<br />
foi nomeada para reger o mosteiro,<br />
dedicando-se à formação das monjas<br />
na vida regular, à manutenção da paz e<br />
do espírito de caridade, ao trabalho e à<br />
leitura das divinas Escrituras.<br />
18. Dedicação das Basílicas de São<br />
Pedro e São Paulo.<br />
Santo Odon, abade (†942). Com<br />
seus sucessores, Santo Odilon, São<br />
Mayeul e Santo Hugo, fez da célebre<br />
Abadia de Cluny, França, o centro<br />
de irradiação da espiritualidade<br />
beneditina.<br />
19. Santos Roque González, Afonso<br />
Rodríguez e João del Castillo, presbíteros<br />
e mártires (†1628).<br />
Santo Eugênio de Toledo<br />
Santa Matilde de Hackeborn, virgem<br />
(†1298). Era irmã de Santa Gertrudes<br />
de Hackeborn. Desde jovem<br />
teve notáveis experiências místicas,<br />
no centro das quais está o Sagrado<br />
Coração de Jesus.<br />
20. São Gregório Decapolita, religioso<br />
(†s. IX). Após levar vida monacal<br />
e de anacoreta, lutou contra a heresia<br />
iconoclasta em Constantinopla.<br />
21. Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei<br />
do Universo<br />
22. Santa Cecília, virgem e mártir.<br />
Beatos Salvador Lillo, presbítero,<br />
Juan e outros seis companheiros,<br />
mártires (†1895). Por não trair sua Fé<br />
ante a imposição dos soldados otomanos<br />
de renegar a Cristo, foram atravessados<br />
por lanças, na cidade de Maras,<br />
na Cilícia.<br />
23. São Clemente I, Papa e mártir<br />
(†s. I)<br />
São Columbano, abade (†615).<br />
Santa Cecília Yu So-Sa, mártir<br />
(†1839). Por ódio à Fé, confiscaram-<br />
-lhe os bens e a encarceram. Foi açoitada<br />
aos 80 anos de idade e morreu<br />
no cárcere, na Coreia.<br />
24. Santo André Dung-Lac, presbítero,<br />
e companheiros, mártires (†1839).<br />
Santo Alberto de Lovaina, bispo e<br />
mártir (†1192). Bispo de Liège, Bélgica,<br />
foi martirizado em Reims.<br />
25. Santa Catarina de Alexandria,<br />
virgem e mártir.<br />
São Pedro Yi Hoyong, mártir<br />
(†1838). Catequista, foi aprisionado<br />
por sicários, juntamente com sua irmã,<br />
Santa Águeda Yi So-sa. Depois<br />
de lhe quebrarem os ossos por três vezes,<br />
mantiveram-no por quatro anos<br />
no cárcere, onde finalmente morreu<br />
permanecendo firme na confissão da<br />
Fé, sendo o primeiro do glorioso esquadrão<br />
dos mártires coreanos.<br />
Santo Adeodato I<br />
26. São Leonardo de Porto Maurício,<br />
presbítero (†1751). Religioso da<br />
Ordem dos Frades Menores, que empregou<br />
quase toda a sua vida na predicação,<br />
na edição de livros de piedade.<br />
Realizou mais de trezentas missões<br />
em Roma, na Córsega e por toda<br />
a Itália setentrional.<br />
27. Nossa Senhora das Graças.<br />
Beato Bronislao Kostowski, mártir<br />
(†1940). Na ocupação militar da Polônia<br />
durante a guerra foi levado para<br />
o campo de concentração de Dachau<br />
onde, cruelmente atormentado<br />
no cárcere, alcançou a palma do martírio.<br />
28. I Domingo do Advento<br />
29. Bem-aventurados Dionísio da<br />
Natividade (Pedro) Berthelot, presbítetro,<br />
e Redento da Cruz (Tomás) Rodríguez,<br />
mártires (†1638). Religiosos<br />
da Ordem dos Carmelitas Descalços,<br />
a quem os maometanos de Sumatra<br />
(Indonésia) submeteram à escravidão<br />
e, por fim, transpassam com flechas e<br />
decapitaram, por ódio à Fé.<br />
30. Santo André, Apóstolo.<br />
Biblioteca comunale di Trento (CC3.0)<br />
21
Reflexões teológicas<br />
Flávio Lourenço<br />
Cristo Rei<br />
Catedral de<br />
São Bavão,<br />
Gante, Bélgica<br />
Majestade, ápice<br />
da grandeza<br />
Em Nosso Senhor Jesus Cristo o equilíbrio entre a majestade e<br />
a bondade encantava a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. O Sagrado Coração de Jesus<br />
tão majestoso, mas sempre com uma bondade levada ao último<br />
limite do excogitável, deu-lhe a ideia, desde pequeno, de que o<br />
padrão mais alto da majestade era Ele. E, por sua vez, havia ali<br />
um lugar naturalmente posto para a devoção a Nossa Senhora.<br />
22
Amajestade se distingue da grandeza,<br />
porque ela é o ápice da<br />
grandeza. Mas não é qualquer<br />
ápice dela que define a majestade.<br />
U.S. Military (CC3.0)<br />
Conjugação entre<br />
finalidade e perfeição<br />
Tomem, por exemplo, algo banal<br />
como os quatro dentes de um garfo.<br />
Há uma razão para que sejam nesse<br />
número: corresponde às dimensões<br />
do bocado que a boca humana normalmente<br />
ingere, ao menos nos costumes<br />
do Ocidente. Eles foram calculados<br />
pelo costume, pela tradição<br />
e por um certo bom senso presente<br />
em tudo.<br />
Entretanto, se o garfo perder um<br />
dente, não vale mais nada. Pode-se<br />
jogá-lo fora. Se for de prata, mandamos<br />
fundi-la para vender o metal,<br />
mas ele, enquanto instrumento,<br />
já não tem utilidade.<br />
A imagem do garfo íntegro traz<br />
consigo uma ideia de perfeição.<br />
Rainha Elizabeth II em 1983<br />
Aquilo que é completo é perfeito.<br />
Embora a perfeição possua graus,<br />
no seu gênero determinado, naquele<br />
seu estilo, tudo quanto é completo<br />
é perfeito.<br />
A coisa perfeita é, então, aquela<br />
que por si mesma realiza toda a sua<br />
missão. O garfo não realiza a missão<br />
de alimentar o homem e, sim, de espetar<br />
alimentos, e isto é suficiente.<br />
As noções de completo e suficiente<br />
se conjugam. E quando algo adquire<br />
esta suficiência, passa a ter,<br />
em linguagem filosófica, a perfeição.<br />
Possui um grau, pelo menos mínimo,<br />
de perfeição. Eu posso imaginar, por<br />
exemplo, um garfo de ouro pertencente<br />
à Rainha Elizabeth. Este seria,<br />
sem dúvida, mais perfeito.<br />
Majestade: a grandeza<br />
daquele que tem o<br />
poder supremo<br />
Ora, a majestade é a grandeza daquele<br />
que está colocado como primeiro,<br />
ou numa ordem de coisas, ou<br />
numa associação perfeita possuidora<br />
de todos os elementos necessários<br />
para subsistir como deve. Ele é<br />
a chave de cúpula fora da qual todo<br />
o resto se esvai.<br />
Só há duas sociedades perfeitas,<br />
de fato: a Igreja e o Estado.<br />
Este é o ensinamento da Igreja:<br />
Ela é uma sociedade perfeita, tem<br />
todos os elementos para realizar a<br />
sua missão, e tem o governo soberano,<br />
acima do qual não há nenhum.<br />
A Igreja é destinada à ordem espiritual,<br />
o Estado à ordem temporal.<br />
O Estado é aquela sociedade perfeita<br />
de um povo, ou de vários, colocados<br />
sob a direção de um mesmo<br />
poder público soberano, não há<br />
nenhum outro acima dele.<br />
Alguém dirá: “Mas a família<br />
não é uma sociedade<br />
perfeita?”<br />
Não, ela é a cellula<br />
mater da nação.<br />
Se quiserem,<br />
em certo sentido, do Estado. Mas não<br />
é uma sociedade perfeita.<br />
Outro objetará: “Um partido político<br />
não pode ser tido como sociedade<br />
perfeita?” Chama-se partido, logo<br />
não é perfeito, porque é uma parte.<br />
A sociedade perfeita é um todo.<br />
“Bem, mas uma Universidade não<br />
é uma sociedade perfeita?” Não.<br />
Porque ela existe dentro do Estado<br />
e precisa dele. O Estado não precisa<br />
dela, está por cima.<br />
Então, a verdadeira majestade, no<br />
sentido pleno da palavra, é a grandeza<br />
daquele que tem o poder supremo<br />
na sociedade perfeita: É o Rei,<br />
ou é o Imperador.<br />
Assim se compreende melhor a<br />
etimologia: majus stat 1 . É aquele<br />
maior do que todos. Este tem majestade.<br />
A majestade é, antes<br />
de tudo, de Deus<br />
A majestade é, antes de tudo, de<br />
Deus. Ele é a Majestade. Em comparação<br />
com Deus, quis sustinebit? 2<br />
Quem é qualquer coisa em comparação<br />
com Ele? E em união com<br />
Ele, logo abaixo d’Ele, Cristo Rei.<br />
Nosso Senhor Rei tanto da Igre-<br />
J. P. Ramos<br />
23
Reflexões teológicas<br />
Flávio Lourenço<br />
ja quanto do Estado. É evidente.<br />
O Estado tem obrigação, em suas<br />
leis, de conformar-se em tudo com<br />
os desígnios de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo.<br />
Abaixo de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, Nossa Senhora. Porque o governo<br />
de todo o universo foi entregue<br />
por Deus a Ela, que Se tornou a<br />
Imperatriz. Depois vem o Papa, e de<br />
Nossa Senhora do Sagrado Coração - Basílica de Nossa<br />
Senhora dos Remédios, Naucalpan, México<br />
modo sucessivo o Rei, o Imperador,<br />
o chefe de Estado.<br />
Como se explica que chefes de Estado<br />
se constituam com um poder<br />
que nega a majestade?<br />
Por erro deles. Porque mesmo numa<br />
nação independente, de índole<br />
republicana, se deveria reconhecer a<br />
grandeza daquele que ocupa, embora<br />
temporariamente, as funções supremas.<br />
O fato de elas serem provisórias<br />
diminui a grandeza da situação<br />
pessoal de quem as exerce. Porém,<br />
não diminui a função em si.<br />
Por exemplo, o doge de Veneza<br />
era chefe de Estado provisório. Ele<br />
era eleito por dez anos. Mais tarde<br />
parece ter passado a ser vitalício.<br />
Enquanto era provisório, não era hereditário,<br />
ou seja, não pertencia à família<br />
dele aquele poder. Qual era a<br />
dignidade dele? Era a de ser doge.<br />
Doge quer dizer duque, em dialeto<br />
veneziano. Duque temporário, mas<br />
soberano de uma região riquíssima,<br />
mas pequena. Ficava ridículo ser imperador.<br />
Ninguém é imperador de<br />
Luxemburgo, por exemplo. No entanto,<br />
ele estava cercado de um fausto,<br />
do qual dá bem ideia o Palácio<br />
dos Doges. Ou seja, o poder público,<br />
de si, deve ter majestade.<br />
Em Saint-Germain<br />
l’Auxerrois, um fato que<br />
ilustra a majestade<br />
Alguém poderia dizer: “O senhor<br />
tratou da majestade enquanto ligada<br />
ao cargo. Uma pessoa não pode ter<br />
majestade por um dom natural?”<br />
Pode, mas nesse caso ela tem um<br />
dos elementos da majestade e, por<br />
ampliação, se afirma que ela tem<br />
majestade. Quer dizer, se ela tem<br />
uma tal supremacia pessoal que,<br />
olhando-a se pensa na realeza, ela<br />
tem os elementos que caracterizam<br />
o rei. Ela não é um rei, mas é majestosa.<br />
Certa vez, minha família ouviu<br />
Missa na Igreja de Saint-Germain<br />
l’Auxerrois, em Paris. E viram entrar<br />
a Princesa Isabel acompanhada<br />
de uma dama. Como ela era princesa,<br />
e a Primeira Guerra Mundial<br />
não tinha arrebentado ainda, se<br />
prestava, mesmo nas Repúblicas, a<br />
honra de dar-lhes um lugar no presbitério.<br />
Ela entrou e foi direto para<br />
lá, ocupando o lugar que lhe estava<br />
reservado.<br />
24
pjposullivan (CC3.0)<br />
Igreja de Saint-Germain l’Auxerrois, Paris<br />
Insley Pacheco (CC3.0)<br />
Terminada a Missa, minha mãe<br />
e minha avó, que não a conheciam<br />
pessoalmente, viram a dama de honra<br />
da princesa se levantar e ir caminhando<br />
em direção a elas, dirigindo-<br />
-lhes a palavra:<br />
— Eu sou a Baronesa de Muritiba,<br />
dama de honra da Princesa Isabel.<br />
Ela viu as senhoras desde o presbitério,<br />
achou que fossem brasileiras.<br />
Então, me mandou manifestar<br />
seu desejo de conhecê-las. Se quiserem,<br />
ela as espera na sacristia.<br />
Foram até lá: Cumprimentos, homenagens,<br />
e, na conversa, a princesa<br />
soube que minha mãe era casada<br />
com um parente do João Alfredo<br />
3 , deputado no tempo do Império,<br />
muito chegado à Imperatriz. Soube<br />
também que meu avô era chefe monarquista<br />
em São Paulo, e uma porção<br />
de histórias assim. E o resultado<br />
foi um convite da Princesa<br />
Isabel para todos os membros<br />
de minha família irem tomar<br />
lanche na sua residência, em<br />
Boulogne-sur-Seine.<br />
Foram todos, até as crianças,<br />
porque naquele tempo<br />
era costume conhecerem-<br />
-se as famílias inteiras, e não<br />
algumas pessoas. Eu tenho<br />
certeza que a Princesa Isabel<br />
não se espantou nenhum<br />
pouco de ver umas dez ali.<br />
E para elas era uma ocasião<br />
de poder dizer a vida inteira:<br />
“Eu conheci a Princesa Isabel!”<br />
Um dos meus tios tinha<br />
um filho surdo-mudo que<br />
aprendeu a falar com um<br />
sistema inventado em Viena,<br />
o que naquele tempo<br />
Princesa Isabel em 1887<br />
25
Reflexões teológicas<br />
era novidade. Esse menino<br />
era meio détraqué 4 . Apesar<br />
disso o levaram, por medo<br />
de deixá-lo muito deprimido<br />
se todos os outros<br />
fossem e ele não. Acredito<br />
bem, aliás, ter Dona Lucilia,<br />
a grande favorecedora<br />
desse sobrinho, votado em<br />
favor da ida dele.<br />
Chegamos, ficamos todos<br />
em pé esperando a<br />
princesa. Afinal, ela entrou,<br />
cumprimentos. Quando<br />
ela foi se aproximando,<br />
meu primo, que elevava a<br />
voz muito mais alto do que<br />
o natural, pois não ouvia,<br />
começou a falar:<br />
— Essa é a princesa?<br />
Onde se viu? Princesa tem<br />
coroa, tem cetro, tem manto<br />
bonito! Ela está vestida<br />
como vovó!<br />
A Princesa Isabel ouviu<br />
isto e, com muita bondade,<br />
disse-lhe sorrindo:<br />
— Pois é, meu filho, não<br />
tenho nem o manto nem a<br />
coroa, mas eu sou a Princesa<br />
Isabel, e tenho gosto em<br />
conhecer você.<br />
Ela era muito majestosa,<br />
um modelo de majestade!<br />
Pendor para<br />
o excelente<br />
Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />
É próprio do espírito<br />
humano reto, bem constituído,<br />
ver uma coisa boa e apetecê-<br />
-la. Voltemos mais uma vez ao exemplo<br />
do garfo: O espírito humano bem<br />
formado apetece sempre a algo melhor.<br />
De maneira que, tendo se alegrado<br />
por algum tempo com um garfo<br />
bom, ele começa a pensar: “E como<br />
seria um garfo melhor?”<br />
Assim, dependendo do pendor<br />
pessoal, o ser humano é atraído por<br />
mil outras coisas que o levam a cogitar<br />
na perspectiva de serem cada vez<br />
Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo<br />
melhores, algumas delas atingindo o<br />
nível de perfeição. Esta, a seu modo,<br />
corresponde à majestade naquele<br />
gênero.<br />
Por exemplo, existem milhares de<br />
idólatras de automóveis. Imaginem<br />
um indivíduo desses tão tacanho,<br />
que nunca tivesse ouvido falar numa<br />
Rolls-Royce. Mas quando ele encontra<br />
um veículo desses, numa propaganda,<br />
fica encantadíssimo. Lê os<br />
prospectos, contente por existir algo<br />
dessa categoria que jamais<br />
será dele, porque nunca terá<br />
o dinheiro para comprá-<br />
-la e mantê-la. Qual é a razão<br />
dessa alegria? Ele viu a<br />
possibilidade de um exemplar<br />
melhor dentro da ordem<br />
de coisas de que ele<br />
gosta.<br />
Contudo, se aparecesse<br />
um automóvel superior,<br />
mais perfeito, ele se alegraria<br />
ainda mais. Porque<br />
é natural que esse pendor<br />
para o excelente, para o<br />
supremo de determinadas<br />
coisas, e para o muito bom<br />
de várias outras, desabroche<br />
na alma humana.<br />
Logo, é compreensível<br />
que, desde pequeno, eu tenha<br />
desejado, conhecido e<br />
voltado minha alma a certas<br />
majestades. Como isto<br />
se fez?<br />
Coração de Jesus de<br />
majestade infinita<br />
Na Igreja do Coração de<br />
Jesus 5 havia todas as impressões<br />
ocasionadas pelo<br />
culto, pela liturgia, pelos<br />
cânticos, pelo órgão,<br />
pelo ambiente de recolhimento,<br />
mas, sobretudo, pela<br />
Pessoa de Nosso Senhor,<br />
enquanto mostrando o Seu<br />
Coração aos homens. Esta<br />
devoção, pelo próprio<br />
nome da Igreja, era inculcada nela<br />
por várias formas. Na torre, aquela<br />
imagem dourada do Coração de Jesus,<br />
com os braços abertos para toda<br />
a humanidade. Aquela majestade<br />
d’Ele com os braços abertos, me entusiasmava!<br />
Dentro tem também uma imagem,<br />
no altar lateral à esquerda de<br />
quem olha para o Tabernáculo. Não<br />
pretendo dizer nem um pouco que<br />
ela tenha valor artístico, nem é uma<br />
26
Luis C.R. Abreu<br />
obra de arte, é de artesanato.<br />
No entanto, muito tocante,<br />
muito nobre, e com<br />
o coração de Jesus exprimindo<br />
muita bondade, com<br />
uma grandeza misteriosa,<br />
parecendo emanar algo para<br />
mim, vindo do vermelho<br />
bem escolhido do seu manto,<br />
dos ornatos dourados…<br />
Mas, sobretudo, de sua cabeça,<br />
os cabelos… sobretudo,<br />
o olhar, os traços do rosto.<br />
Ele me parecia tão majestoso,<br />
e tão bom ao mesmo<br />
tempo! Tão infinitamente<br />
superior, e com tanta<br />
pena, tão voltado para<br />
mim, e tão misericordioso,<br />
que eu pensava: “Majestade<br />
é isto! E eu gosto desta<br />
majestade!”<br />
Quando me deparei, na<br />
ladainha do Coração de<br />
Jesus, com aquela invocação “Cor<br />
Iesu majestatis infinitæ, miserere nobis”<br />
6 , adotei-a e a inscrevi entre as<br />
minhas invocações prediletas, desde<br />
logo!<br />
No teto do Coração de Jesus vem<br />
a mesma majestade expressa por<br />
uma pintura representando Nosso<br />
Senhor aparecendo a Santa Margarida<br />
Maria Alacoque. E há um letreiro,<br />
em caracteres dourados sob fundo<br />
verde, escrito em francês, pois essa<br />
Santa era francesa: “Eis aqui o<br />
Coração que tanto amou os homens,<br />
e por eles foi tão pouco amado.”<br />
Esse equilíbrio entre a majestade<br />
e a bondade me encantava! Ele,<br />
tão majestoso na aparição, mas sempre<br />
com uma bondade levada ao último<br />
limite do excogitável. Deu-me<br />
a ideia de que ali estava o padrão<br />
mais alto e pleno da majestade. Sendo<br />
Ele Rex regum et Dominus dominantium<br />
– Rei dos reis e Senhor de<br />
J.P. Ramos<br />
Interior do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo<br />
27
Reflexões teológicas<br />
é uma criatura. Por isso,<br />
ouso me aproximar<br />
d’Ela e recitar o Memorare,<br />
a Salve Regina,<br />
e florescer! Porque Ela<br />
faz ponte entre Ele e<br />
mim. Este é o bem-estar<br />
de minha alma!<br />
Naquele episódio do<br />
boletim do Colégio São<br />
Luís 7 , quando eu estava<br />
rezando aflito diante<br />
da imagem de Nossa<br />
Senhora Auxiliadora<br />
e me sentia olhado<br />
por Ela com uma<br />
bondade, uma ternura,<br />
uma disposição para<br />
me perdoar, com uma<br />
pena de mim, uma coisa<br />
extraordinária, duas<br />
ideias vieram juntas,<br />
como num relâmpago.<br />
A primeira era: “Parece<br />
mamãe!”; a segunda:<br />
“Mamãe não chega,<br />
nem de longe, aos<br />
pés d’Ela!”<br />
A maternalidade<br />
d’Ela comigo, não por<br />
ser eu, <strong>Plinio</strong>, não. É<br />
por um qualquer, um<br />
prequeté pecador, um<br />
cisco de menino pecador,<br />
aparecendo diante<br />
d’Ela, trêmulo, mais<br />
movido pela atrição do que pela contrição;<br />
a esse menino, Ela deixa cair<br />
a pétala de um sorriso!<br />
Deste fato veio-me a convicção:<br />
Ou eu me agarro a Ela a vida inteira,<br />
ou eu me perco! Meu negócio é<br />
com Ela! Recorrendo a Ela, pedindo,<br />
querendo saber a respeito d’Ela,<br />
e girando em torno d’Ela, ao serviço<br />
d’Ela. Minha vida é para Ela!<br />
Com frequência, rezando a Salve<br />
Regina, eu me lembro disso e, de<br />
algum modo, revivo bem exatamente<br />
aquela sensação. Quando vou ao<br />
Coração de Jesus, visito-A enquanto<br />
sendo a Mãe que me sorriu! É evitodos<br />
aqueles que têm<br />
domínio –, era natural<br />
que se concebesse<br />
n’Ele uma majestade<br />
dessa elevação.<br />
Nossa Senhora<br />
preenche o<br />
hiato entre<br />
Nosso Senhor<br />
e o pecador<br />
Luis C.R. Abreu<br />
Donde, por sua vez,<br />
um lugar naturalmente<br />
posto para a devoção<br />
a Nossa Senhora. Porque<br />
o culto à majestade<br />
do Sagrado Coração<br />
cria a seguinte situação:<br />
Quando deitamos<br />
atenção, a majestade<br />
d’Ele é tão grande,<br />
que a pessoa se sente<br />
aniquilada: “Como me<br />
aproximar d’Ele? Como<br />
dizer-Lhe: Eis-me<br />
aqui? Quando sinto em<br />
mim o pecado original<br />
no qual fui concebido,<br />
experimento o primeiro<br />
impulso de todas<br />
as desordens que todo<br />
homem tem em si! Isso<br />
tudo me distancia<br />
d’Ele.”<br />
Fazendo essas considerações, eu<br />
adorava a majestade d’Ele enquanto<br />
me recusando, olhando para aquilo<br />
que em mim causa-me desgosto e,<br />
se eu pudesse, jogaria fora. Esta exclusão,<br />
eu a adoro! De outro lado,<br />
porém, ela me apavora. Porque Ele<br />
é tudo. E, rejeitado por quem é tudo,<br />
o que eu sou? Se Ele não me rejeitasse,<br />
eu não O adoraria. Se Ele me<br />
rejeita, desapareço… Então, qual é a<br />
solução?<br />
No hiato entre Ele e mim ‒ que,<br />
por alguns lados, deve ser visto como<br />
um abismo escuro ‒ há uma réstia<br />
de luz: Nossa Senhora, Mãe d’Ele<br />
e minha, a qual, como ensina a Igreja,<br />
quis a morte de seu Divino Filho<br />
para nos redimir, e a teria querido<br />
mesmo se fosse para salvar somente<br />
a mim ou a qualquer outro homem<br />
que há na Terra. Quanta misericórdia!<br />
A superioridade de<br />
Maria Santíssima<br />
Mas Nossa Senhora não é divina,<br />
não tem aquela superioridade Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo. Ela é superior a<br />
mim a jardas, anos-luz, centúrias de<br />
séculos, não tem dúvida! Contudo,<br />
28
dente. E o meu hábito é este mesmo:<br />
entro, inclino-me diante do Santíssimo,<br />
faço uma adoração rápida e vou<br />
direto para junto do altar d’Ela, para<br />
vê-La de perto.<br />
E a imagem do Sagrado Coração<br />
de Jesus? É claro, vou vê-la, adoro<br />
ao Sagrado Coração de Jesus, venero<br />
a imagem d’Ele, sei que a maior<br />
homenagem, a primeira, se deve a<br />
Ele. Mas, em consideração à ideia da<br />
mediação d’Ela, sem a qual eu não<br />
me salvaria, creio ser mais respeitoso<br />
ir pedir primeiro a Ela para pôr<br />
minha alma em condições de aparecer<br />
diante d’Ele. E acredito que nenhum<br />
teólogo sério tenha alguma<br />
objeção a isto.<br />
A admiração diante da<br />
grande majestade<br />
Pelo velho hábito de lecionar,<br />
que leva à deformação de dar a muitas<br />
coisas o caráter de aula, apresentei<br />
o conceito de majestade tão claro<br />
no seu conteúdo abstrato. Entretanto,<br />
ao tratar do Sagrado Coração<br />
de Jesus, passou-se do abstrato para<br />
o concreto mais sublime, mais perfeito<br />
que possa haver, provocando<br />
uma impressão de majestade muito<br />
grande que convida ao silêncio na<br />
consideração das naturezas divina e<br />
humana na Pessoa d’Ele, sob a invocação<br />
do Sagrado Coração. Esta<br />
é a majestade das coisas postas por<br />
Deus na ordem do universo.<br />
Desde quando eu era pequeno me<br />
intrigava ver certos líquidos que postos<br />
em recipientes de gargalo muito<br />
estreito não saíam, permanecendo<br />
retidos por uma rolha invisível. Passei<br />
anos sem entender o porquê, julgando<br />
que um dia compreenderia isso<br />
em função de algo mais alto. Meu<br />
professor de Física deu-me uma explicação,<br />
mas não me interessou.<br />
Porém, essa velha imagem de meu<br />
curso de Física me veio ao espírito,<br />
de repente, quando foi abordado o<br />
tema a respeito da majestade. Pensei:<br />
“Está vendo? É como a admiração.<br />
Ela, diante da grande majestade,<br />
fica sem saber se expandir, como<br />
o líquido no gargalo, porque desperta<br />
movimentos de alma tão grandes,<br />
que o ‘gargalo’ da voz humana é insuficiente<br />
para transmitir.” E nós ficamos<br />
no mutismo de quem quisera<br />
ter outros meios de expressão e não<br />
os tem. Se fosse músico, tocaria uma<br />
melodia; se fosse poeta, comporia<br />
uma poesia, porque elas dizem muitas<br />
coisas que as palavras não exprimem.<br />
Não sendo músico nem poeta,<br />
admiro pelo silêncio.<br />
No caso de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, é muito mais do que uma admiração,<br />
é uma adoração, um ato de<br />
culto. Eis o que se deu. Fico feliz por<br />
minhas palavras terem conseguido<br />
despertar este ato de culto em relação<br />
a Ele.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
29/10/1985)<br />
1) Do latim: (sentido literal) o maior está<br />
de pé.<br />
2) Do latim: Quem subsistirá?<br />
3) João Alfredo Corrêa de Oliveira, tio-<br />
-avô de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
4) Do francês: desequilibrado, demente.<br />
5) Santuário do Sagrado Coração de Jesus,<br />
igreja situada no Bairro Campos<br />
Elíseos, em São Paulo.<br />
6) Do latim: Coração de Jesus, de majestade<br />
infinita, tende piedade de nós.<br />
7) Sobre isso, ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n.<br />
122, p. 18-23.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1985<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
29
Apóstolo do pulchrum<br />
Mateus S.<br />
Aliança divina entre<br />
o prático e o belo<br />
Na Terra, o homem não vive só para gozar, mas, sobretudo, para<br />
ser herói e ter uma alma capaz de grandes arrojos. Para isso a<br />
Providência aliou o prático ao belo na Criação, e assim supriu<br />
as necessidades corporais e espirituais do homem, a fim de que<br />
ele pudesse estar sempre convidado a atingir o Paraíso Celeste.<br />
Em meados do século XX, a ideia de arte que entrava<br />
na arquitetura conjugava alguns elementos:<br />
o máximo de uniformidade e simplicidade,<br />
com cores inexpressivas, visando principalmente o aspecto<br />
funcional, tetos baixos, linhas retas, preponderando<br />
a figura geométrica do quadrado.<br />
Decorrem daí dois movimentos, duas tendências: o<br />
prático, o funcional, o simples e o econômico, contra o<br />
artístico, o elegante e o leve. O prático achata. O elegante<br />
eleva.<br />
O prático para o corpo e o belo para a alma<br />
Ora, o conflito dessas tendências, que relação tem<br />
com a doutrina da Igreja e com a luta entre a Revolução<br />
e a Contra-Revolução? A tese a desenvolver é: não há um<br />
conflito verdadeiro entre o prático e o belo, mas é algo<br />
criado pela Revolução para produzir no homem um efeito<br />
que daqui a pouco explicarei. Na realidade, esse conflito<br />
é falso e deixa o homem desnorteado, pois ele precisa<br />
de coisas práticas para viver. Ninguém pode viver<br />
30
Hugo Naves<br />
Luis Samuel<br />
Tomas T.<br />
J.P. ramos<br />
num mundo só de beleza, respirando apenas arte e poesia.<br />
Quando Nosso Senhor disse “Não só de pão vive o homem”<br />
(Mt 4, 4), Ele afirmou de modo implícito ser o pão<br />
também indispensável. E a experiência de todos os dias<br />
o torna evidente. O econômico, o viável, o exequível, o<br />
prático, portanto, corresponde a uma necessidade imperativa;<br />
o útil, inclusive, é um dos valores da ordem do<br />
universo.<br />
O princípio, então, é o seguinte: o homem precisa do<br />
prático para o corpo, mas precisa do belo para a alma,<br />
pois ela não come pão nem respira oxigênio. O ser humano<br />
não é apenas, como se costuma dizer, um conjunto<br />
de alma e corpo, como se fossem dois valores de igual<br />
alcance, justapostos na constituição de um mesmo indivíduo.<br />
O elemento principal do homem é a alma e o corpo<br />
existe para servi-la. A alma humana deseja a verdade<br />
e a beleza, porque foi criada à imagem e semelhança<br />
de Deus, Ele é a Verdade e a Beleza infinitas. Por isso,<br />
o Criador encheu sua Obra destes dois predicados para<br />
que a alma humana, amando na Terra esses dois atribu-<br />
tos, se tornasse, ela mesma, autora de pensamentos verdadeiros<br />
e de realizações belas…<br />
Duas descendências opostas<br />
do espírito humano<br />
Eu chamo as obras do engenho humano de “netas de<br />
Deus”, porque a alma humana é filha, mas o que ela engendra<br />
pode ser considerado como um neto do Criador.<br />
O homem, engendrando as “netas” de Deus, as verdadeiras<br />
obras de arte, prepara-se para o momento de comparecer<br />
diante d’Ele, a Eterna Verdade e a Eterna Beleza;<br />
e, voando de entusiasmo em relação a Ele, o espírito humano<br />
quase poderia compor a seguinte oração:<br />
Meu Deus, durante minha vida inteira procurei a beleza<br />
e a verdade, sabendo que só as encontraria em Vós,<br />
pois só contemplando-vos face a face as poderia conhecer!<br />
Entretanto, posso afirmar: encontrei-as na Santa<br />
Igreja Católica Apostólica Romana! Mas, por santa e<br />
bela que fosse a vossa Igreja, vossa Esposa, Vós éreis, ó<br />
Senhor, não apenas o Deus da verdade e da beleza, mas<br />
31
Gabriel K.<br />
Gabriel K.<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
Tomas T.<br />
Luis Samuel<br />
éreis tudo isso em essência, em grau inimaginável e insondável.<br />
Minha alma agora vos deseja encontrar, Justo<br />
Juiz, Vós sois a minha recompensa demasiadamente<br />
grande!<br />
A Revolução quer eliminar isso da vida, pondo-nos a<br />
alternativa:<br />
— Escolhei: O prático ou a beleza; em matéria de verdade<br />
fique apenas a pequena verdade terra-a-terra das<br />
ciências úteis. O resto é velharia.<br />
A isso nós podemos responder:<br />
— Não! O resto é tradição, é eternidade!<br />
Explicarei agora o prático e o verdadeiro na obra de<br />
Deus, para vermos depois como a Revolução a desfigura,<br />
engendrando realizações netas do demônio. Porque se é<br />
filho do demônio todo aquele que faz a obra da Revolução,<br />
aquilo engendrado por ele é neto do demônio. Veremos,<br />
portanto, duas descendências: Aos pés da Virgem,<br />
os filhos d’Ela; e as obras da serpente. Contemplaremos<br />
o sorriso de Deus, e a maldição de Deus.<br />
Um reflexo do prático e belo<br />
plasmado por Deus na Criação<br />
Vemos em uma das ilustrações um lindo espetáculo<br />
da natureza, diretamente criado por Deus: o litoral, o<br />
mar. Essa massa líquida enorme se move bem próxima à<br />
praia umedecendo a areia, mas não alcança a areia mais<br />
distante. Algumas ondas parecem dar a impressão de serem<br />
enormes, trazendo um vagalhão colossal, mas são<br />
pequenas. Elas são de uma tal beleza, repetem em ponto<br />
pequeno, gracioso e encantador, toda a majestade e toda<br />
a grandeza das coisas enormes.<br />
Se nós imaginássemos um homem pequenininho colocado<br />
em presença dessas ondas, seria uma tragédia.<br />
Mas que linda tragédia enfrentar uma espuma tão bela,<br />
tão banhada pelo Sol, e vista nas culminâncias, quase se<br />
diria ser uma espuma de luz. Por detrás, a massa d’água<br />
parece mais um tecido, um cetim maravilhoso, com movimentos<br />
diversos, plácida no fundo, aproxima-se mais<br />
movediça e cheia de Sol. No raso fica um pouco agitada,<br />
para morrer de modo manso no contato com a terra. Tudo<br />
isso é lindo e tão artístico! Bem poderíamos imaginar,<br />
do fundo daquele Sol invisível e daquele litoral, uma estrada<br />
de luz, e Nossa Senhora vindo, caminhando sobre<br />
as águas nessa estrada de luz. Que maravilha!<br />
Contemplem esse dourado. Nosso Senhor diz no<br />
Evangelho: Nem Salomão, com toda a sua glória, vestiu-se<br />
como os lírios do campo (cf. Mt 6, 28-29). Eu lhes<br />
pergunto: Que potentado, em toda a sua glória, vestiu-se<br />
com um tecido parecido à “seda” desse mar?<br />
Pois bem, esse é o mar profundamente funcional, sem<br />
cujo movimento e influência no equilíbrio do universo,<br />
32
João C. V. Villa<br />
todo o desenvolvimento da Terra seria impossível; ele<br />
é um viveiro enorme de uma quantidade incontável de<br />
bens preciosos para o homem, desde peixes úteis para<br />
a alimentação humana, até o tão precioso petróleo, que<br />
a humanidade começa a adorar… Tudo se encontra no<br />
mar, e se encontra em tal quantidade, que alguns técnicos<br />
da UNESCO chegaram a afirmar que as riquezas<br />
havidas na terra são menores do que as existentes para o<br />
homem no mar. Vejam como tudo isso é belo, e ao mesmo<br />
tempo prático. Essa é a sabedoria de Deus!<br />
Não há dúvida: a água é uma das mais belas criaturas<br />
de Deus! É bela em todos os seus aspectos, inclusive<br />
quando espumante, dir-se-ia que atingiu o auge de sua<br />
beleza; é maravilhosa! Também é bela quando a vemos<br />
plácida, quase parada, esgueirando-se num longo serpentear,<br />
refletindo o céu de um modo tão admirável, parecendo<br />
mais bonito visto dentro d’água. É uma verdadeira<br />
beleza!<br />
Quanto capricho e fantasia nessa linha que nenhum<br />
dedo humano traçou! Que utilidade enorme! Toda a vegetação<br />
da paisagem, brilhando e vicejando à luz do Sol,<br />
existe por causa da água. Imaginem que essa água não<br />
existisse ou não chovesse nessas redondezas, com certeza<br />
teríamos o deserto do Saara. A alegria, a fecundidade<br />
e a beleza da terra vêm do contato com a água. Água plácida<br />
e bela, mais parece uma laje de pedra preciosa feita<br />
para um rei ou para uma princesa caminhar. Água prática<br />
e útil, que maravilha de Deus!<br />
Bens do espírito aliados aos bens do corpo<br />
As obras de Deus são muito variadas. Às vezes elas<br />
têm um ímpeto extraordinário como o trovão, ou uma<br />
avalanche caindo, ou até as ondas do mar num maremoto.<br />
Outras vezes elas são tranquilas e plácidas. Nessa<br />
paisagem, por exemplo, há um rio. Ele não tem nenhuma<br />
pressa de chegar até a embocadura, vai escorrendo tranquilamente,<br />
quase que brincando com a terra. Ele tende<br />
para um lado, mas a terra lhe impõe obstáculo, então<br />
sorri e ladeia sem pressa, e continua para o outro lado.<br />
Há a imensa mata verde atrapalhando o curso do rio...<br />
Que bonita península!<br />
Como seria interessante imaginar se aqui, junto a<br />
esse pequeno bosque refrigerante, houvesse uma casa<br />
agradável, toda cercada de água e de terra fecunda, num<br />
ambiente prático feito por Deus para o homem. Como<br />
seria bom morar ali! E não perto de uma rodoviária feita<br />
pelos homens. Quanta beleza Deus quis que tivessem as<br />
coisas práticas. Como o corpo é bem atendido nesse lugar!<br />
É possível que nesse rio haja peixes.<br />
Essa terra dá tudo. É terra do Brasil, da qual disse Pero<br />
Vaz de Caminha, escrevendo ao rei D. Manuel, na primeira<br />
reportagem feita sobre o Brasil: “Essa terra, senhor,<br />
é dadivosa e boa; e nela, em se plantando, tudo dá”.<br />
Aqui está a terra dadivosa e boa, a água formosa e o<br />
suave movimento de colinas, feitos para o homem sorrir<br />
um pouquinho. Ali desponta uma planta que retém<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
os raios do Sol e parece feita de luz, para os homens pensarem<br />
como o este astro é belo. As nuvens se miram sobre<br />
a superfície tranquila da água. Dir-se-ia que elas se<br />
espantam com sua própria formosura refletida na água.<br />
Bens do espírito ao lado dos bens do corpo. Como a<br />
Providência soube aliar o prático ao belo, de tal maneira<br />
que a primeira coisa notada pelo o homem é o belo e sorri<br />
encantado. E tudo isso nós temos nesta Terra de exílio.<br />
Imaginem o que seria o Paraíso Terrestre. Imaginem, sobretudo,<br />
como será esse lugar incomparável, o Paraíso<br />
Celeste!<br />
Ambiente que convida a alma<br />
para a contemplação<br />
Nessa fotografia a natureza é europeia e, portanto,<br />
bem diversa da nossa. Encontramos no alto desse monte<br />
uma pirâmide, não feita por algum faraó, mas feita<br />
por gigantescos movimentos da crosta terrestre, em épocas<br />
incalculáveis. Vejam a beleza do jogo de luzes nesse<br />
panorama! Aquela luz prateada, discreta, se concentra<br />
na encosta gelada desse pico de morro, parecendo iluminar<br />
toda a parte nevada. Depois, um verde denso e profundo<br />
desemboca num abismo escuro. Não. A luz desce e<br />
é condensada por essa névoa ligeira refletida em vários<br />
pontos, e traz para junto do homem todos os esplendores<br />
desse pico inacessível.<br />
Novamente aparece a água. Desta vez corre compacta,<br />
caudalosa, serena, frígida, quase tanto quanto o pico<br />
desse morro. Todo o panorama é feito de alturas. As próprias<br />
árvores parecem píncaros vegetais tendentes a subir<br />
e a se comparar com o píncaro mineral. Elas são graciosas<br />
e leves para compensar o maciço da montanha.<br />
Porém, veio o frio e a árvore perdeu suas folhas, que aos<br />
poucos começam a renascer. A árvore demonstra aí toda<br />
sua beleza e delicadeza extrema, mas também força,<br />
luz brilhante e radiosa; obscuridade, ambas convidam<br />
à contemplação recolhida e séria. Águas que indicam o<br />
passar contínuo de todas as coisas terrenas. É a frase da<br />
Escritura: Sic transit gloria mundi! 1<br />
As grandes luzes estão nos píncaros da fé<br />
As grandezas desta Terra escoam como a água, mas<br />
só Deus é eterno. Deus está representado naquele monte,<br />
que nunca muda, é sempre o mesmo. O rio da História<br />
passa, os homens passam. Deus, no mais alto de sua<br />
glória e de sua luz, continua intacto. É uma verdadeira<br />
lição de religião, de harmonia de virtudes: delicadeza<br />
e força, pureza, recolhimento, esplendor,<br />
sabedoria, tudo reunido<br />
nesses ambientes. Habitável para<br />
o homem; deleitável. Não há quem<br />
não gostaria de morar lá perto<br />
num chalé bem agasalhado, vendo<br />
essa natureza frígida, mas saudável,<br />
e se nutrindo dos seus frutos e<br />
criações. Prático e belo!<br />
Ora, diante desses grandes panoramas<br />
o homem acaba por ser<br />
desafiado: “Você tem coragem de<br />
subir?” Veja as pedras escorregadias!<br />
Que caminhos resvaladios e<br />
Viccente T. Marques<br />
João C. V. Villa<br />
João C. V. Villa<br />
34
Rodrigo C. B.<br />
Marcus Ramos / Viccente T. Marques<br />
difíceis! O desafio está na atração.<br />
Não há quem não sinta vontade<br />
de chegar até o alto, de se banhar<br />
nessa luz e ficar imerso nela.<br />
Quanta energia é preciso!<br />
Grande lição moral: realmente,<br />
as grandes luzes estão nos píncaros<br />
da virtude, da fé e da sabedoria.<br />
Mas é preciso força para<br />
galgar esses píncaros. Diz Nosso<br />
Senhor no Evangelho: “O Reino<br />
dos Céus é arrebatado à força e<br />
são os violentos que o conquistam”<br />
(Mt 11, 12). Aqui é o alto desse panorama. Ele<br />
convida os violentos às grandes ascensões, aos grandes<br />
feitos. Na Terra, o homem não vive só para gozar.<br />
Ele vive para ser herói, para ter uma alma capaz de<br />
grandes coisas.<br />
De outro lado, quanta coisa prática tem aí! Alguém<br />
me dirá:<br />
— Não vejo. Nessas plantinhas que talvez um gado<br />
coma? O que há de prático em tudo isso?<br />
Imaginem a Terra sem montes, é evidente que todo o<br />
seu equilíbrio se prejudicaria. Essas montanhas enormes,<br />
são colunas do equilíbrio terrestre.<br />
O que dizer? Parece um conto de fadas como o da<br />
“Alice no país das maravilhas”. Nós achamos tão apetecível<br />
essa neve, dá vontade de pegar uma colher e comê-la.<br />
Tão simpático esse caminho, pensamos num trenó<br />
e numas renas para correr por ele velozmente. Mas,<br />
depois disso, quem não teria a tristeza de não poder chegar<br />
até um píncaro desses? Esse, um píncaro acima de<br />
muitos outros que já foram atingidos por ascensões penosas,<br />
e que convida a outras ainda mais arriscadas. E<br />
os montes, postos uns em cima dos outros, banham o<br />
azul profundo que nos fala no céu de todos os ideais.<br />
Há um trecho da Escritura, aplicado a Nossa Senhora,<br />
que diz “Mons domus Domini in vertice montium, et elevabitur<br />
super colles” (Is 2, 2) – a montanha da casa do Senhor<br />
será colocada no cume das montanhas e se elevará<br />
sobre as colinas. Ali está Nossa Senhora: mais virginal,<br />
mais nívea, mais pura do que tudo o que se possa imaginar.<br />
Ali estão os outros Santos da Igreja Católica: alvos,<br />
brilhantes, altos, mas nenhum deles chega até Maria<br />
Santíssima. Por cima d’Ela, apenas está Deus, representado<br />
por esse céu de anil criado por Ele mesmo, para<br />
nos dizer que está por detrás e só na outra vida O atingiremos.<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência de 10/2/1974)<br />
1) Do latim: Assim passa a glória do mundo.<br />
35
Luz por trás das brumas<br />
Daniel A.<br />
H<br />
á algo na imagem de Nossa Senhora<br />
das Graças que diz:<br />
“Meus filhos, é verdade que está<br />
tudo muito apertado, mas detrás dos acontecimentos<br />
preparo uma solução. Pedi, rezai, Eu virei<br />
e atenderei, pois há sempre algo para vós.<br />
Não vos atemorizeis, por trás das brumas estou<br />
Eu com meus anéis luminosos que a vossa súplica<br />
pode tornar ainda mais brilhantes. Quando<br />
caminhardes um tanto nas névoas, já elas começarão<br />
a ficar luzidias, por efeito de minhas graças<br />
cuja luminosidade chegará até vós.”<br />
(Extraído de conferência de 28/9/1981)