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Publicação Mensal
Vol. XXIV - Nº 284 Novembro de 2021
Mãe e Medianeira
da Divina Graça
öhringer friedrich (CC3.0)
Uma pequena joia mais
saborosa que champagne
D
eus difunde a água às criaturas em condições muito diferentes. Se conside-
ramos o globo terrestre, notamos como ela nos é dispensada aos borbotões:
os oceanos, os rios que saem de dentro da terra e correm para o mar, os la-
gos e tudo quanto de água está colocado em estado gasoso nas nuvens.
Com esta criatura quantas maravilhas o Criador fez! Entre elas está uma peque-
na joia multiplicada por Ele indefinidamente.
Quem não se encantou vendo uma gota de orvalho tão pura, límpida e com um tal
modo de guardar a luminosidade que sobre ela incide, que a luz parece passear den-
tro daquela gotinha e se regalar de imergir naquela pureza?
De tal maneira a gota de orvalho me encanta que, em pequeno, vendo-a numa flor,
aproximava-a dos lábios e a sorvia, pois não podia me convencer de que uma coisa
tão linda não tivesse um sabor muito gostoso.
Entretanto, ao perceber que não era assim, arranjava um pretexto para conservar
minha ilusão, pensando: “Quando eu for adulto, entrarei na mata com um copo
e o encherei de orvalho. Só essa gota não faz sentir todo o seu sabor, mas se eu ti-
vesse um copo cheio de orvalho, que delícia seria! Certamente mais saboroso do que
champagne.”
(Extraído de conferência de 30/7/1994)
Sumário
Publicação Mensal
Vol. XXIV - Nº 284 Novembro de 2021
Vol. XXIV - Nº 284 Novembro de 2021
Mãe e Medianeira
da Divina Graça
Na capa,
Dr. Plinio em 1989.
Foto: Arquivo Revista
As matérias extraídas
de exposições verbais de Dr. Plinio
— designadas por “conferências” —
são adaptadas para a linguagem
escrita, sem revisão do autor
Dr. Plinio
Revista mensal de cultura católica, de
propriedade da Editora Retornarei Ltda.
ISSN - 2595-1599
CNPJ - 02.389.379/0001-07
INSC. - 115.227.674.110
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Roberto Kasuo Takayanagi
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Antonio Rodrigues Ferreira
Jorge Eduardo G. Koury
Redação e Administração:
Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé
02372-020 São Paulo - SP
E-mail: editoraretornarei@gmail.com
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Exemplar avulso........ R$ 18,00
Serviço de Atendimento
ao Assinante
editoraretornarei@gmail.com
Segunda página
2 Uma pequena joia mais
saborosa que champagne
Editorial
4 Verdade consoladora
Piedade pliniana
5 Arco-íris, síntese da
grandeza
Dona Lucilia
6 Amor abrangente
e acolhedor
Hagiografia
9 Intransigência e
ductilidade
A sociedade analisada por Dr. Plinio
12 Beleza divina do Reino de Cristo
Denúncia profética
16 Significado da Realeza
de Jesus Cristo
Calendário dos Santos
20 Santos de Novembro
Reflexões teológicas
22 Majestade, ápice da
grandeza
Apóstolo do pulchrum
30 Aliança divina entre
o prático e o belo
Última página
36 Luz por trás das brumas
3
Editorial
Verdade consoladora
N
este momento de aflições e de perigos, quando a humanidade inteira geme sob o peso de
desditas que se multiplicam a cada momento, crescem nossas necessidades e mais prementes
se tornam nossas preces. Poucas verdades da Fé concorrem de modo tão poderoso para
valorizar nossas orações quanto a Mediação Universal de Maria, quando a estudamos seriamente e a
fazemos penetrar a fundo em nossa vida de piedade.
Ensina a Teologia que todas as graças que recebemos de Deus devemo-las à mediação de Maria.
Assim, a Mãe de Deus é o canal de todas as preces que chegam até seu Divino Filho e dos favores
que Ele outorga aos homens.
Embora esta verdade suponha que, em todas as nossas orações, peçamos a intercessão de Nossa
Senhora, ainda quando não A invoquemos explicitamente podemos estar certos de que só seremos
atendidos porque Ela reza conosco e por nós.
Daí se infere uma conclusão sumamente consoladora.
Se devêssemos nos apoiar apenas em nossos méritos, como poderíamos confiar no êxito de nossos
pedidos? Contudo, Deus quer que nossas orações sejam confiantes; aliás, essa confiança é mesmo
uma das condições de sua eficácia. Mas como teremos confiança se, olhando para nós, sentimos que
nos faltam as razões de confiar?
É das tristezas desta reflexão que nos arranca, triunfalmente, a doutrina da Mediação Universal de
Maria.
De fato, nossos méritos são mínimos e nossas culpas grandes. Mas o que não podemos alcançar
por nós, temos todo o direito de esperar que as preces de Nossa Senhora alcancem. E jamais devemos
duvidar de que Ela Se associe às nossas súplicas, quando convenientes à maior glória de Deus e
à nossa santificação.
Sendo a Santíssima Virgem nossa Mãe autêntica na ordem da graça, pois gerou a cada um de nós
para a vida eterna, a Ela se aplica fielmente a frase que o Espírito Santo esculpiu na Escritura: “Pode
uma mulher esquecer-se de seu filho e não se compadecer do fruto de suas entranhas? Mesmo
que ela o esquecesse, Eu nunca me esqueceria de ti” (Is 49, 15). É mais fácil sermos abandonados por
nossos pais segundo a natureza do que por nossa Mãe segundo a graça.
Assim, por mais miseráveis que sejamos, podemos com confiança apresentar a Deus nossas petições.
Convém que meditemos incessantemente sobre esta grande verdade.
Católicos que somos, devemos enfrentar nesta vida as lutas comuns a todos os mortais e, além disso,
as que decorrem do serviço de Deus. Mas, ainda que os horizontes pareçam prestes a verter sobre
nós um novo dilúvio, mesmo quando os caminhos se cerrem diante de nós, os precipícios se abram e a
própria terra se abale debaixo de nossos pés, não percamos a confiança: Nossa Senhora superará todos
os obstáculos que forem superiores às nossas forças.
Enquanto esta confiança não desertar de nossos corações, a vitória será nossa e de nada valerão os
ardis de nossos adversários; caminharemos sobre as áspides e os basiliscos, e calcaremos aos pés os
leões e os dragões (cf. Sl 91, 13). *
* Cf. O Legionário n. 455, 1/6/1941.
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
4
Piedade pliniana
Eric Rolph (CC3.0)
Arco-íris,
síntese da
grandeza
Oh, Mãe indizivelmente
grande! Oh, Rainha inexprimivelmente
doce e
acessível! Oh, arco-íris que reunis
em uma síntese incomparável
os dois aspectos da grandeza, isto
é, a superioridade e a dadivosidade!
Este vosso escravo Vos suplica
que preenchais o vácuo que
existe em sua alma, ajudando-o a
compreender, a analisar e a enlevar-se
com a vossa grandeza.
Concedei-lhe que, pela meditação
de vossa grandeza, suas cogitações
e suas vias sejam as vossas.
Atendei a esta súplica, ó Coração
Régio, Sapiencial e Imaculado
de Maria.
Assim seja!
(Composta em 1967)
Flávio Lourenço
Virgem do Socorro - Igreja da
Mercê, Córdoba, Espanha
5
Dona Lucilia
Luis Samuel
A bondade era a virtude que representava o pináculo
da alma de Dona Lucilia. Porém, não uma bondade
filantrópica, mas sacral, por onde primava o amor à
hierarquia e a tudo quanto é divino. Isso em nada
diminuía nem enfraquecia nela o amor por aquilo que era
pequeno, débil e fraco, tudo quanto merecia proteção.
Daniel A.
T
eoricamente falando, a ordem
do universo é uma coisa
e a hierarquia é outra. A
primeira é a disposição bela, sábia e
santa com que Deus pôs todas as coisas
no Universo. A segunda é a gradação
dessa disposição.
Entretanto, São Tomás nos ensina
que não seria possível existir uma
sem a outra, pois a ordem do universo
é hierárquica, de maneira que
quem ama a ordem do universo ama
a hierarquia e vice-versa.
Dona Lucilia favorecia a ambas
simultaneamente. E, sem fazer uma
distinção muito clara, mais implícita
do que explícita, ela tinha um modo
de louvar ou elogiar certas coi-
6
sas, por onde se percebia ao mesmo
tempo o amor à ordem do universo
e à hierarquia, que vinham entrelaçadas.
De maneira que posso tirar
a seguinte conclusão: Dona Lucilia
me ensinou a amar tudo isso, amando
em cada coisa todas as outras.
Amor, doçura e carinho
que acolhe os pequenos
Em geral, quando mamãe tinha
a oportunidade de estar diante de
um passarinho bonitinho, quer solto,
quer numa gaiola, com muito agrado
ela se detinha na análise dele. E,
bem entendido, se ela notasse que
faltava alpiste na gaiola, logo mandava
comprar em alguma loja próxima
e pôr o alimento para a ave comer
até fartar-se; ademais, mandava
renovar a água, limpar a gaiola, podia
até enternecer-se na consideração
do passarinho.
Nesse gesto, por exemplo, notava-se
que seu amor por tudo quanto
era pequeno, débil e fraco, tudo
quanto merecia proteção, estava
contido no amor materno manifestado
a seus filhos. Portanto, a
priori e a fortiori, estavam os filhos
dela.
Para ter uma ideia disso, imaginemos
uma sala com muitos espelhos
paralelos refletindo-se uns nos outros,
uma espécie de ping-pong de
luzes de dentro de um espelho para
outro, e deste para o primeiro, e os
jogos de luz mudando pela inflexão
da sala. Assim era o amor dela a vários
pontos.
A impressão que eu tinha quando
me aproximava de Dona Lucilia,
era de emanar dela uma certa
doçura, à maneira de um
círculo, um halo que a envolvia
toda, e se exprimia num
carinho e num sorriso invisível
cheio de acolhida,
de proteção e de alegria
por aquela pessoa ser
daquele jeito.
Diz o Evangelho que quando
Nosso Senhor encontrou o moço
rico (cf. Mt 19, 16-30), tendo olhado
para ele, amou-o. Esse querer
bem vinha, portanto, no seu primeiro
movimento, do olhar. Ele olhou,
viu e quis bem. E isso para mostrar
como é, por assim dizer, o mecanismo
da formação da amizade,
do afeto, do respeito. Em mamãe, a
alegria por ter um filho bom se manifestava
por essa acolhida, por esse
olhar.
Nela eu posso confiar
sem limites!
Ora, ao lado dessa doçura surgia
muita segurança da sinceridade dela.
Mas era uma certeza tal, que se
alguém dissesse: “Oh, que sinceridade!”,
eu ficaria chocado porque estaria
dizendo uma coisa evidente. O
óbvio não se diz. Assim era a sinceridade
dela.
Outra coisa relevante era a estabilidade
dela. Diante das incompreensões
mais rotundas,
seu modo de ser não
mudou até morrer, foi sempre
o mesmo. E isso levava
a pessoa que se aproximava
dela a sentir
uma grande desmobilização
e quietude: “Nela eu posso
confiar sem limites. Ela não vai
encrencar comigo por causa de um
capricho, uma mania, um interesse
grande ou pequeno, mesquinho ou
até generoso que seja, a não ser que
eu faça o mal.”
Tudo isso trazia uma espécie de
estabilidade que, misturada com a
doçura, com o carinho, com a capacidade
de atração, tinha uma beleza
imponderável que eu não sabia
no que resultava. Não era tanto dos
traços dela, mas era uma beleza que
parecia irreal. Não é próprio às coisas
concretas, terrenas, materiais,
serem bonitas dessa maneira. Bem
Arquivo Revista
7
Dona Lucilia
se podia supor que algum Anjo projetasse
sobre ela algo de sua própria
luz. Poderia imaginar alguma outra
hipótese do gênero, mas é muito difícil
entrar em afirmações diante de
matéria tão bonita, mas tão misteriosa
também.
Bondade e sacralidade na
alma de Dona Lucilia
Tomemos, por exemplo, aquele
vestido de gala com que Dona Lucilia
se fez fotografar em Paris. É
um vestido bonito, que se não fosse
usado por ela, mas por outrem,
perderia muito. Ela acrescentava
um quê inexplicável a esse vestido.
Quer dizer, mamãe transmitia uma
certa forma de harmonia e de beleza
que a criatura terrena não tem.
Daí a sensação de fada. É verdade
que não existem fadas, mas a Providência
pode dar essa impressão à
criatura terrena.
Arquivo Revista
Arquivo Revista
Dr. Plinio em abril de 1993
Qual era a virtude que
representava o pináculo
da alma de Dona Lucilia?
Sem dúvida nenhuma,
a bondade era a nota característica
do feitio dela.
Mas é preciso entender
bem esta palavra, pois
as pessoas hoje em dia a
consideram, de um modo
abusivo e errado, como
uma filantropia às vezes
até ruim. Com ela não
era assim.
Nela a bondade se
conjugava com a sacralidade,
a qual é o pináculo
do amor à hierarquia.
Porque ao amarmos a hierarquia,
amamos com maior intensidade
o que é mais alto, e, portanto, acima
de tudo, aquilo que diz respeito
a Deus, aos seus Anjos, Santos,
à sua Igreja gloriosa, militante e penitente,
o culto divino. Isto é sagrado,
é sacral. E ela amava tudo isso
mais do que as outras coisas. Nela,
evidentemente, essa sacralidade se
estendia também a pessoas, como
acabo de dizer, sobretudo às pessoas
sagradas e a outras coisas do gênero.
v
(Extraído de conferência de
2/4/1993)
8
Flávio Lourenço
Hagiografia
Intransigência
e ductilidade
Comentando a diretriz de São Gregório Magno a São Justo, relativa
ao apostolado na Inglaterra, Dr. Plinio ressalta a perenidade da Igreja
até nas coisas inteiramente secundárias. A carta indica, ao mesmo
tempo, muita ductilidade, maleabilidade, naquilo que é secundário
e uma enorme intransigência no que é realmente importante.
Interior da Catedral de
Córdoba, Espanha
A
10 de novembro comemora-se
a festa de São Justo,
bispo, a respeito do qual
diz Rohrbacher 1 , na sua obra Vida
dos Santos, o seguinte:
Diretriz de São Gregório
Magno sobre o apostolado
na Inglaterra
São Justo foi companheiro de Santo
Agostinho, em seu trabalho de conversão
da Inglaterra.
É, portanto, Santo Agostinho que
foi Arcebispo de Cantuária, no sécu-
lo VI, e não Santo Agostinho de Hipona.
Escreveu-lhe São Gregório o seguinte,
a respeito de uma consulta.
São Justo fez a São Gregório
Magno uma consulta e este lhe deu
a resposta que segue.
Quando chegardes ao pé de nosso
irmão Agostinho dizei-lhe que, depois
de ter pensado longamente, examinado
bem a questão dos ingleses,
julguei que não devia destruir os templos,
mas somente os ídolos que neles
estão. Purifique-os com água benta,
desça do altar os ídolos e lá coloque
relíquias. Se esses templos são
bons, bem edificados, que passem do
culto dos demônios ao serviço do verdadeiro
Deus, a fim de que aquela
nação, vendo conservados os lugares
aos quais estão acostumados, neles
passem a ir mais à vontade. E como
9
Hagiografia
Johnson0323 (CC3.0)
estão acostumados a sacrificar bois
aos demônios estabeleça qualquer cerimônia
solene como a da consagração,
ou dos mártires de quem ali estão
as relíquias.
Que façam barracas em volta dos
templos transformados em igrejas e
celebrem a festa com refeições discretas.
Ao invés de imolar animais ao
demônio, que os matem para comer
e render graças a Deus que lhes deu
o alimento, a fim de que, deixando
quaisquer manifestações sensíveis de
júbilo, possam insinuar-se mais facilmente
nas alegrias interiores. Porque é
impossível destituir os duros espíritos
de todos os costumes de uma só vez. É
devagar que se vai ao longe.
Todos os deuses dos
pagãos são demônios
Essa carta é muito interessante,
antes de tudo por causa dessa afirmação
que nós encontramos numerosas
vezes em Padres e Doutores
da Igreja, bem como na Escritura
que diz: omnes dii gentium dæmonia
(Sl 95, 5) – todos os deuses dos
povos, das nações que não Israel, são
demônios.
E isso provém deste fato que
São Luís Grignion de Montfort põe
muito em relevo: o homem, depois
do pecado original, nasceu escravo.
Ou é escravo de Deus, de Nossa
Senhora, ou é escravo do demônio.
Não tem outro remédio. E como
esses povos pagãos não são escravos
de Nossa Senhora, nem de Deus, são
necessariamente escravos do demônio.
E aquelas coisas que eles adoram
são realmente demônios. Sem
falar nos numerosos casos que se conhecem
de manifestações preternaturais
diabólicas, a propósito do culto
dos demônios.
De maneira que a expressão é
muito característica, violenta, profundamente
antiecumênica. Exatamente
nesse sentido é interessante
essa carta porque ela indica, ao mesmo
tempo, muita ductilidade, maleabilidade
naquilo que não tem importância,
e uma enorme severidade no
que é realmente importante.
Pagode chinês em Nanjing
Templos pagãos purificados
pela celebração do
verdadeiro culto
Os templos dessas nações pagãs
não tinham nada em comum com
a arte moderna. Esta é uma negação
violenta, blasfematória, de toda
forma de verdade e de bem.
É a arbitrariedade artística erigida
em afirmação normal da desordem
e da feiura. Evidentemente, a
arte moderna não pode servir para
uma igreja católica. Mas os templos
10
constituídos em outras escolas artísticas
que não terão a elevação, a sacralidade
do gótico, mas são escolas
dignas e que realmente contêm verdadeiros
elementos de beleza, podem
adequadamente servir para o
culto católico.
Lembro-me que nós publicamos
um “Ambientes-Costumes”, em “Catolicismo”,
no qual havia uma fotografia
de um pagode chinês, e mostrávamos
como ele era próprio para
servir ao culto católico dentro de
uma nação chinesa. Não que se fosse
construir um pagode para ali pôr um
culto católico, porque quando se faz
procura-se fazer o melhor possível.
Mas quando se recebe o fato consumado,
procura-se aceitar o aceitável.
E o pagode, bonito, com muita
nobreza, muitos valores, mereceria
perfeitamente ser aceito pelo culto
católico.
Por exemplo, os heróis da Reconquista,
quando tomavam aquelas cidades
antigamente mouras que possuíam
mesquitas muito bonitas, como
a famosa de Córdoba, purificavam
as mesquitas, tiravam todos os
emblemas do islamismo e instalavam
o culto católico, o qual até hoje continua
a ser celebrado nesses locais.
E isso é uma coisa digna, feita pelos
próprios heróis da Reconquista.
Isabel, a Católica, quando penetrou
em Granada, uma das primeiras
preocupações dela foi precisamente
de mandar purificar a mais importante
mesquita da cidade e rezar ali
uma Missa. Era o principal símbolo
da vitória alcançada contra o Islã.
Intransigência no necessário
e ductilidade no secundário
É exatamente nessa ordem o conselho
que São Gregório dá a Santo
Agostinho. Se os templos têm características
que não destoam do culto,
devem-se aproveitar.
E ele indica então uma razão de
caráter psicológico: as pessoas estão
habituadas a ir ao templo. Uma vez
que se elimine o elemento ruim, que
é o culto idolátrico, esse hábito desinibe
o indivíduo de frequentá-lo.
Então, convém aproveitar essa circunstância
de nosso lado.
Notem quanta intransigência no
necessário e quanta ductilidade naquilo
que é secundário e realmente
não tem nenhuma atinência com os
princípios. Não quer dizer o seguinte:
ser intransigente com os princípios
fundamentais e tolerante com
os princípios secundários. Isso seria
uma abominação. Com os princípios
se é intolerante em toda linha,
até onde eles vão. Mas uma parte da
realidade que escapa, sob vários aspectos,
ao ângulo dos princípios pode
ser vista com essa largueza.
Observem as quermesses realizadas
junto a igrejas. Muitas delas são
de moralidade duvidosa, culturalmente
repelentes e sem expressão de
valor piedoso em nenhum sentido da
palavra.
No caso acima, vemos o contrário.
São Gregório Magno manda fazer
barraquinhas em torno das igrejas,
o que, naquela noite dos tempos,
era propriamente a quermesse. Para
quê? A fim de distribuir comilanças
porque aquele pessoal estava habituado
a comer. E ele indica um sentido
religioso à refeição: celebrem a Deus
que lhes concedeu essa comida, e fiquem
alegres com isso; era um pouco
de regozijo depois do trabalho. E
com isso se atraía o povo
Vemos como essas coisas se ligam
e dão bem uma expressão da perenidade
da Igreja até nas coisas inteiramente
secundárias. v
(Extraído de conferência de
9/11/1966)
1) ROHRBACHER, René-François.
Vida dos Santos. São Paulo: Editora
das Américas. 1959, v. XIX, p.
287-288.
São Justo - Catedral de
Rochester, Inglaterra
Divulgação (CC3.0)
11
A sociedade analisada por Dr. Plinio
Flávio Lourenço
Cristo em sua majestade
Igreja de São Salvador,
Dinan, França
Beleza divina do
Reino de Cristo
O reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo se exerce sobre
as almas. Cada indivíduo, nação, Ordem religiosa, forma
como que uma província, um céu. A harmonia dessas
almas individuais e desses grupos humanos constitui no
seu todo a beleza divina do Reino do Divino Salvador.
Aprimeira vez que fui à Europa,
o avião que me conduziu
chamava-se Ciel de
Lorraine. Notei depois que havia
uma série de aviões com títulos assim:
Céu disto, Céu daquilo...
Teoria da diversidade
dos céus culturais
Encontra-se envolta nisso a
ideia de que o céu da Lorena não
é o mesmo da Île-de-France e este
não é o céu de Auvergne. Portanto,
a cada província, com suas características
regionais e sua forma
de cultura, corresponde um céu, já
não o atmosférico, mas outra espécie
que não é também o sobrena-
12
tural. Trata-se de um céu de cultura.
Embora a partir da terra vejamos
o mesmo azul na Lorraine ou
na Champagne, há qualquer coisa
que os diferencia entre si como
também da doçura do céu da Île-
-de-France, por exemplo.
Então, embora se saiba que as nuvens
e o céu, realmente com algumas
variantes, mas afinal de contas
são os mesmos por toda a parte, tem
um sentido em se falar de um céu de
Lorena, um céu de Auvergne, etc., e
esta teoria da variedade dos céus inclui
uma espécie de teoria da diversidade
dos céus culturais, e de uma
projeção para o céu físico de valores
culturais da Terra e de uma impregnação
destes por elementos vindos
do céu astronômico-celeste, conforme
se apresenta num lugar, constituindo
um todo só que forma cada
província a bem dizer um céu. O luar
do Ceará, por exemplo, compõe
um céu, pelo menos noturno, inteiramente
especial.
Cada província é uma espécie de
valor de alma que tem um significado
próprio, e cuja posse é um elemento
capital para a integridade do
reino. Este, perdendo uma província,
mais do que ficar privado de uns
tantos territórios, perde algo que é
Jules (CC3.0)
um valor moral, cultural, o qual, desmembrado
do reino, faz com que este
perca a sua integridade e fique como,
por exemplo, uma imagem sagrada
da qual se cortasse uma parte.
Quer dizer, algo de irremediavelmente
mutilado, enquanto aquela
unidade não se reintegrar.
Por causa disso, por exemplo, os
franceses, com muito senso para as
coisas, fizeram o seguinte: Quando
a Alsácia e metade da Lorena foram
Divulgação (CC3.0)
Gabriel K.
Auvergne
Metz, capital da província de Lorena
13
A sociedade analisada por Dr. Plinio
Existem céus para as
várias famílias de alma.
Qual será o que corresponde
à nossa? Na harmonia
de valores espirituais, que é o
Reino de Cristo Rei, o que representa
nossa família espiritual? Que valores
morais, que vocação, que apelo
para a virtude, para o heroísmo,
para a dedicação incondicional, para
enfrentar todas as formas de risco,
de trabalho, de despesa, de humilhação,
enfim tudo quanto está contido
neste valor especial que Nosso
Senhor Jesus Cristo criou para esta
época, e para o qual Ele nos chamou!
Então nós devemos ter, na festa
de Cristo Rei, a seguinte preocupação:
o desígnio do Redentor a nosso
respeito está se realizando e, portantomadas
na Guerra de
1870, eles envolveram
com crepe de luto as
estátuas que representavam
em Paris essas
províncias, significando
que o crepe seria tirado
quando aquelas províncias
fossem reconquistadas.
Era um luto da França
e da província. Um
luto de alma por causa
dessa unidade ideal que
é a substância da verdadeira
unidade do reino.
Cada indivíduo
é como uma
província do
Reino de Nosso
Senhor
Arquivo Revista
A que propósito vêm
essas considerações na
festa do Reinado de
Cristo?
Tenho a impressão
de que quem não deteve
a sua atenção sobre
essa realidade de que
acabo de falar, não possui
toda facilidade desejável
para compreender
bem o que é o Reino de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
É o Reino sobre pessoas e não
territórios. Um Reino sobre almas
em que cada indivíduo, grupo humano,
nação, Ordem religiosa, família,
constitui como que uma província,
um céu. É a harmonia de todos esses
grupos humanos, todas essas famílias
de alma, todas essas almas individuais
que constitui no seu todo a
beleza divina do Reino de Nosso Senhor
Jesus Cristo. E o Redentor, como
Rei, defende cada alma contra o
ataque do adversário com um amor,
um conhecimento do valor daquela
alma e do que ela significa para a
Dr. Plinio em 1964
unidade do seu Reino, muito maior
do que o Rei da França defenderia a
Auvergne, a Lorena ou qualquer outra
coisa.
Cada um de nós é a Lorena, a Alsácia,
a Île-de-France de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Ele sabe que, assim
como há o céu de uma província,
existe o céu de um indivíduo o qual
corresponde à sua luz primordial objetiva
e subjetiva 1 . Isso no seu todo
é uma espécie de firmamento de beleza
espiritual próprio a cada um de
nós, que o Divino Salvador ama com
um empenho com que um verdadeiro
francês deve, por exemplo, amar a
Lorena ou o céu da Lorena.
Quer dizer, é este
valor de caráter moral
e espiritual que se deve
amar. Isto nos leva, então,
a considerar o seguinte:
As províncias
ou os municípios do
Reino de Cristo Rei são
os homens. Cada vez
que Nosso Senhor perde
ou diminui o exercício
efetivo de sua realeza
sobre uma alma,
dá-se n’Ele, na sua vida
terrena, uma tristeza
parecida com a do
rei que perde sua província;
uma espécie de
ordem de beleza ideal
se perde. Mas cada vez
que se volta a Ele, o Divino
Salvador tem todas
as alegrias dessa recondução.
É isto que se
joga continuamente na
festa de Cristo Rei.
O céu para o qual
Nosso Senhor
nos chamou...
14
to, o Reino d’Ele é efetivo em nós,
como tem o direito de ser? Nós somos
aquilo que Ele quereria que fôssemos?
É preciso dizer que, embora não
se possa responder pura e simplesmente
sim, sobretudo, graças a
Deus, não se pode responder pura e
simplesmente não. Devemos, ao formular
esta pergunta, ter a alegria de
dizer que o fundo de quadro é uma
afirmação. E graças a Deus nós somos
para Nosso Senhor Jesus Cristo,
nessa época em que Ele é tão perseguido
e tão flagelado, uma grande
consolação.
Mas, por outro lado, isso nos deve
dar o desejo de ser e dar ainda
mais, para que se integre sobre nós
o exercício efetivo do poder d’Ele.
De maneira tal que tenhamos toda
aquela beleza de alma, a qual seria
propriamente o nosso céu nesse
conjunto de formosuras que deveria
ser, nos dias de hoje – e de fato
é –, a Santa Igreja Católica. Porque
esta, por mais desfigurada e
conspurcada que esteja, é um jardim
onde continuamente desabrocham
flores para Nosso Senhor. E
nós, talvez só no dia do Juízo Final,
poderemos saber quantos santos
florescem no desconhecimento,
na ignorância, no abandono, isolados
e odiados aqui, lá e acolá, dando
a Deus uma glória completa e
magnífica.
...e cuja estrela
central é o Imaculado
Coração de Maria
É assim que cada um de nós deve
ver a atual situação e, quando for comungar,
perguntar com que disposição
o Redentor me recebe. Que graças,
que generosidade Ele está disposto
a me conceder?
Essas coisas na vida são uma espécie
de regra de três. Nosso Senhor
recebe a cada um de nós na
Eucaristia com uma alegria, uma
certa medida de tristeza e muita
esperança. Isto no conjunto constitui
a incompleta realeza de Cristo
sobre cada um de nós, mas que,
marchando para ser completa, é
uma razão contínua de gáudio para
Ele.
Assim, peçamos ao Redentor, por
meio do Imaculado Coração de Maria,
que nos dê a compreensão
de todos esses
céus da Igreja
Católica, do Reinado
de Nosso
Senhor Jesus
Cristo, de que
nós somos individualmente
e como família
de almas uma
espécie de céu dentro
desse conjunto de
céus. Um céu preciosíssimo
porque sua estrela central
é o Imaculado Coração
de Maria. Estrela mais preciosa
não poderia haver.
Que compreendamos
as graças recebidas, quanto
motivo temos para esperar
perdão, misericórdia,
e roguemos muitos favores
com grande empenho
e desembaraço, com
uma respeitosa desenvoltura.
A isso nos conduzem
essas altíssimas
considerações. v
(Extraído de conferência
de 21/10/1964)
1) Luz primordial é o aspecto
de Deus que cada
alma deve refletir e contemplar,
em função do
qual precisa ordenar
toda a sua existência, a
sua vocação pessoal. A
luz primordial objetiva
está no Criador e a subjetiva
se encontra na alma
da pessoa.
Flávio Lourenço
Cristo Rei - Igreja de
Cristo Rei, Barcelona
15
Flávio Lourenço
Denúncia profética
Significado
da Realeza de
Jesus Cristo
O Reino de Deus está dentro de
nós. Ora, apesar de pequeno como
extensão, ele possui um valor
infinito porque custou o Sangue
de Cristo. Por isso, cada um de
nós deve conquistá-lo para Nosso
Senhor, destruindo tudo aquilo
que, em nosso interior, se oponha
ao cumprimento de sua Lei.
Sagrado Coração de Jesus - Igreja dos
Santos Juanes, Valência, Espanha
No domingo em que a Santa
Igreja de Deus celebra
a Realeza de Nosso Senhor
Jesus Cristo, encher-se-ão, no
mundo inteiro, os templos católicos
com uma multidão piedosa, que irá
depositar aos pés dos altares suas súplicas
e suas orações. Contemplando
em espírito essa imensa multidão,
composta de pessoas oriundas de todas
as raças e de todos os pontos do
globo, tão numerosa que, segundo a
previsão do Apocalipse, “ninguém a
pode recensear” (Ap 7, 9), um pensamento
se apodera de mim. E ao
mesmo tempo experimento o desejo
imperioso de o comunicar aos meus
leitores.
Uma verdade áspera
e dolorosa
Ser-me-ia, sem dúvida, muito
mais grato e fácil cingir-me exclusivamente
a considerações de ordem
geral sobre a Realeza de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Tenho, porém, a
certeza de que tais considerações
outros as farão. Mas o pensamento
que está em mim, posso eu porventura
ter a certeza de que todos
os demais o tiveram, e de que, em
hipótese afirmativa, o externarão?
Uma dolorosa negativa me responde
a esta pergunta. E por isso,
deixando a outros uma tarefa, ali-
16
atenderam aos bons conselhos! Ai
também dos que, por covardia ou
egoísmo, calaram os bons conselhos
que poderiam ter dado! Estes
conselhos salutares, que eles não
externaram, queimá-los-ão a eles
próprios pelo interior, como brasas
ardentes. E no dia do Juízo serão
levados à conta de talentos inaproveitados.
Quando pronunciou, em Lisieux,
sua magistral alocução, o enás,
incontestavelmente indispensável
e fundamental, vou fazer a
mais ingrata, obscura e desagradável,
porém mais necessária: a de dizer
uma verdade áspera e dolorosa
neste grande dia de festa.
Os bons pensamentos têm isto
de característico que, quando
aproveitados, servem de remédio
tanto a nós mesmos quanto ao próximo.
Quando, porém, nós os rejeitamos
em nossa vida interior, ou os
calamos em nossas relações com o
próximo, eles se transformam, segundo
São Paulo, em carvões ardentes
que nos causticam e calcinam
a alma. Ai dos que receberam
e, por egoísmo ou covardia, não
Flávio Lourenço
Juízo Universal - Santuário do Sagrado
Coração de Jesus, Gijón, Espanha
Correio da Manhã Fund, Arquivo Nacional (CC3.0)
tão Cardeal Pacelli, já predestinado
pelo Espírito Santo a reger futuramente
a Igreja de Deus, fez uma
queixa amarga que nos cabe recordar.
Disse ele que, entre os muitos
homens que desobedecem hoje às
palavras dos Pontífices, há uma categoria
que causa especial mágoa
ao Papa. Não se trata dos que não
têm Fé e nem dos que, tendo uma
Fé morta e inoperante, não procuram
ouvir o que o Papa lhes diz. Os
Papa Pio XII
17
Denúncia profética
que mais fazem sofrer o Papa – e este
é o ponto que nos interessa – são
os que, aos pés do púlpito, em atitude
externa correta e reverente, ouvem
a palavra do Vigário de Cristo
comunicada pela hierarquia eclesiástica,
mas não a compreendem, se
a compreendem não a amam, e se a
amam platonicamente não lhe dão
execução!
“Veio para o que era
seu, mas os seus não
O receberam”
Assim, no dia de hoje, quantos
e quantos católicos, elevados pelo
Batismo à dignidade de cidadãos
do Reino de Deus, nem sequer
cumprirão o preceito dominical!
Quantos outros católicos ainda, indo
à igreja, ouvirão algum sermão
sobre a Realeza de Jesus Cristo,
sem saber, entretanto, e sem procurar
saber em que sentido se deve
atribuir a esta tão clara e tão litúrgica
festa!
Quantos católicos, finalmente,
acompanhando até o próprio texto
da Liturgia Sagrada, lerão as maravilhosas
lições que ela contém sobre
a Realeza de Jesus Cristo e não
a compreenderão! Quantos católicos
que procuram implantar o Reino
de Cristo no mundo inteiro, esquecidos
ou ignorantes de que devem
começar por implantar dentro
de si mesmos! E quantos outros
supõem que podem implantar
realmente dentro de si o Reino
de Cristo, sem sentir um desejo ardente
e devorador de o implantar
no mundo inteiro! Em outros termos,
não são tais católicos do mesmo
jaez daqueles que ouvem corretamente,
porém só com ouvidos do
corpo e não com os da alma, o que
lhes diz a Igreja pela voz dos Pontífices?
A doutrina da Realeza de Jesus
Cristo está intimamente ligada à belíssima
e piedosíssima prática da entronização
do Sagrado Coração de
Jesus nos lares. Se se entroniza a
imagem do Sagrado Coração de Jesus
no lugar mais nobre do lar, é exatamente
porque se reconhece que
Ele é Rei. Entretanto, quanto lar há
por aí em que a imagem está entronizada
na sala, mas Cristo não está
entronizado nos corações!
Evidentemente, não quero exagerar
a tristeza já, de si, tão grande
deste quadro, cometendo a injustiça
de desprezar o que há de belo
e de bom, apesar dessas lacunas.
Qualquer ato de piedade, qualquer
atitude de reverência para com a
Igreja de Deus, por mais superficial
e insignificante que seja, deve
ser por nós, católicos, apreciado,
amado e estimulado com um zelo
imenso, reflexo direto de nosso
amor a Deus. Longe de nós, pois,
um pessimismo de sabor farisaico
que nos fizesse contestar todo e
qualquer valor a essas práticas de
piedade, desde que sejam sinceras,
por mais que a frieza ou a ignorância
lhes toldem o brilho sobrenatural.
Entretanto, feita esta reserva, a
verdade aí está: a queixa de São João
ainda hoje é muitas vezes procedente:
in propria venit et sui eum non receperunt...
(Jo 1, 11) 1
Cristo é Rei por ser Deus
Não seria, aliás, difícil conhecer
a Doutrina da Igreja sobre a Realeza
de Jesus Cristo. Na sua infi-
Flávio Lourenço
Gabriel K.
18
nita misericórdia, Deus
Se dignou de comparar
o amor infinito com que
nos ama ao amor que nos
têm nossos pais. Evidentemente,
não quer isto dizer
que Ele tenha reduzido
na comparação as insondáveis
dimensões de
seu amor, para as amesquinhar
até as proporções
exíguas dos afetos de que
os homens são capazes.
Pelo contrário, se Ele serviu-Se
dessa comparação
do amor paterno foi apenas
para nos dar a entender,
de longe, o quanto
Ele nos ama. Se dermos
à palavra “pai” o sentido
que ela tem na ordem natural,
Deus não é apenas
nosso Pai, mas muito mais
do que isto, por ser nosso
Criador. Porém, como a
função de pai, na natureza,
não é senão de coadjuvar
a Deus na obra da Criação, se
alguém merece na realidade o nome
de Pai é Deus. E nosso pai segundo
a natureza outra coisa não é
senão o depositário de uma parcela
da paternidade que Deus tem sobre
nós.
O mesmo se dá com a Realeza
de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender
a autoridade absoluta que,
como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus
Cristo dignou-Se de Se comparar
com um rei. Entretanto, como é
por Ele que reinam os reis, e a autoridade
dos reis só é autêntica por
provir d’Ele, na realidade, o único
Rei, Rei por excelência, é Ele. E os
reis ou chefes de Estado não são senão
seus humildes acólitos, dos quais
Ele Se digna servir-Se na obra da direção
do mundo. Cristo é Rei por ser
Deus. Chamando-O de Rei queremos
simplesmente afirmar a onipotência
divina, e nossa obrigação de
Lhe obedecer.
Dr. Plinio em 1939
Obediência! Eis aí um dos conceitos
contidos essencialmente no conceito
da Realeza de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Cristo é Rei, e a um rei se
deve obediência. Festejar a Realeza de
Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar
seu poder sobre nós. E, implicitamente,
nossa obediência em relação a Ele.
Como é que se obedece a um rei?
A resposta é simples: conhecendo-
-lhe as vontades e cumprindo-as com
amorosa e pormenorizada exatidão.
Assim, pois, o único modo de obedecermos
a Cristo Rei é conhecer sua
vontade e segui-la.
Sejamos soldados
de Cristo Rei
Revista da Semana, 29 de abril de 1939
Desta noção tão clara, simples e
luminosa um programa de vida, também
ele claro, luminoso e simples, se
segue.
Para conhecer a vontade de Cristo
Rei devemos conhecer o Catecismo.
Porque é ali, através
do estudo dos Mandamentos,
estudo este que
só será completo com o
de toda a Doutrina Católica,
que conhecemos a vontade
de Deus. E para seguir
esta vontade devemos
pedir a graça de Deus pela
oração, pela prática dos
Sacramentos e por nossas
boas obras. Finalmente,
pela vida interior, isto
é, pela leitura espiritual,
pela meditação e pela vida
vivida exclusivamente à
luz do Catecismo, seguiremos
a vontade de Deus.
Disse Nosso Senhor que
o Reino de Deus está dentro
de nós mesmos. Ora,
este pequeno Reino, pequeno
como extensão, mas
infinito como valor porque
custou o Sangue de Cristo,
cada um de nós o deve
conquistar para Nosso
Senhor, destruindo tudo aquilo que,
dentro de nós, se oponha ao cumprimento
de sua Lei.
Finalmente, as Leis de Cristo se
aplicam não apenas a um indivíduo
em particular, mas aos povos e
nações. Que os povos conheçam e
pratiquem na sua organização doméstica,
social e política, as encíclicas
que são a expressão da própria
vontade de Deus, e Jesus Cristo será
Rei.
Em outros termos, sejamos bons
católicos; sendo-o, seremos necessariamente
apóstolos; e sendo apóstolos,
seremos necessariamente soldados
de Cristo Rei.
v
(Extraído de O Legionário n. 372,
29/10/1939)
1) “Veio para o que era seu, mas os seus
não O receberam”.
Sagrado Coração Rei - Igreja de São
Carlos Borromeu, Anvers, Bélgica
19
Arquivo Revista
C
alendário
1. São Nuno de Santa Maria (Nuno
Álvares Pereira), religioso (†1431).
Nobre general português, conhecido
também como o “Santo Condestável”,
depois de ter comandado a defesa do
Reino de Portugal, foi recebido entre
os irmãos da Ordem dos Carmelitas,
onde levou uma vida pobre e escondida
em Cristo. Tinha uma admirável
piedade para com a Santíssima Virgem
Maria. Morreu em Lisboa, no Convento
do Carmo por ele fundado, no Domingo
da Ressurreição.
2. Comemoração de todos os Fiéis
Defuntos.
3. São Pedro Francisco Néron,
presbítero e mártir (†1860). Membro
da Sociedade das Missões Estrangeiras,
de Paris. Após sofrer terríveis tormentos,
foi martirizado em Tonquin,
Vietnã, sob a perseguição do Imperador
Tu Duc.
4. São Carlos Borromeu, bispo.
(†1584)
5. São Donino, mártir (†307). Ainda
jovem médico, no início da perseguição
de Diocleciano, foi condenado
ao trabalho nas minas de Mísmiya,
em Cesareia da Palestina, onde, depois
de sofrer cruéis vexações, foi lançado
ao fogo por ordem do prefei-
dos Santos – ––––––
to Urbano, por permanecer firme na
confissão da Fé.
6. Santos Calínico, Himério, Teodoro,
Estêvão e companheiros, mártires
(†638). Eram soldados em Gaza
e foram presos quando os sarracenos
ocuparam a cidade. Encorajados
pelo Bispo São Sofrônio, confessaram
a sua Fé em Cristo e por isso
foram degolados, alcançando glorioso
martírio.
7. Todos os Santos e Santas. (No
Brasil, Solenidade transferida do dia 1.)
8. Santo Adeodato I, Papa (†618).
9. Dedicação da Basílica de Latrão.
Santo André Avelino, presbítero
(†1608). Sacerdote teatino, nasceu
em Nápoles e foi levado por São Carlos
Borromeu a Milão, onde sua pregação
converteu inúmeros pecadores.
Morreu ao fazer o Sinal da Cruz no
início da Santa Missa que ia celebrar.
10. São Leão Magno, Papa (†461).
11. São Martinho de Tours, bispo
(†397).
12. São Josafá, bispo e mártir
(†1623). Incitou com incessante zelo
o seu povo à unidade católica, cultivou
com piedoso amor o rito bizanti-
Santa Hilda
no-eslavo e, em Vitebsk, na Bielorrússia,
então sob a jurisdição da Polônia,
cruelmente perseguido por uma multidão
inimiga, morreu pela unidade
da Igreja e defesa da verdade católica.
13. Santo Eugênio de Toledo, bispo
(†657). Foi incansável na luta pela
perfeita observância da sagrada Liturgia.
14. XXXIII Domingo do Tempo
Comum.
15. Santo Alberto Magno, bispo e
Doutor da Igreja (†1280). Tendo ingressado
na Ordem dos Pregadores,
em Paris, ensinou as disciplinas filosóficas
e teológicas. Foi mestre de São
Tomás de Aquino, conciliando admiravelmente
a sabedoria dos Santos
com as ciências humanas e naturais.
Morreu santamente em Colônia, na
Lotaríngia, atualmente na Alemanha.
16. Santa Inês de Assis, virgem
(†1253). Adotou, junto com sua irmã,
Santa Clara, a vida religiosa sob a direção
de São Francisco.
Divulgação (CC3.0)
São Josafá
17. Santa Isabel da Hungria, viúva
(†1231).
20
–––––––––––––– * Novembro * ––––
Flávio Lourenço
Santa Hilda, virgem (†680). Abadessa
de Whitby, na Nortúmbria, território
da atual Inglaterra. Depois de
abraçar a Fé e receber os sacramentos,
foi nomeada para reger o mosteiro,
dedicando-se à formação das monjas
na vida regular, à manutenção da paz e
do espírito de caridade, ao trabalho e à
leitura das divinas Escrituras.
18. Dedicação das Basílicas de São
Pedro e São Paulo.
Santo Odon, abade (†942). Com
seus sucessores, Santo Odilon, São
Mayeul e Santo Hugo, fez da célebre
Abadia de Cluny, França, o centro
de irradiação da espiritualidade
beneditina.
19. Santos Roque González, Afonso
Rodríguez e João del Castillo, presbíteros
e mártires (†1628).
Santo Eugênio de Toledo
Santa Matilde de Hackeborn, virgem
(†1298). Era irmã de Santa Gertrudes
de Hackeborn. Desde jovem
teve notáveis experiências místicas,
no centro das quais está o Sagrado
Coração de Jesus.
20. São Gregório Decapolita, religioso
(†s. IX). Após levar vida monacal
e de anacoreta, lutou contra a heresia
iconoclasta em Constantinopla.
21. Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei
do Universo
22. Santa Cecília, virgem e mártir.
Beatos Salvador Lillo, presbítero,
Juan e outros seis companheiros,
mártires (†1895). Por não trair sua Fé
ante a imposição dos soldados otomanos
de renegar a Cristo, foram atravessados
por lanças, na cidade de Maras,
na Cilícia.
23. São Clemente I, Papa e mártir
(†s. I)
São Columbano, abade (†615).
Santa Cecília Yu So-Sa, mártir
(†1839). Por ódio à Fé, confiscaram-
-lhe os bens e a encarceram. Foi açoitada
aos 80 anos de idade e morreu
no cárcere, na Coreia.
24. Santo André Dung-Lac, presbítero,
e companheiros, mártires (†1839).
Santo Alberto de Lovaina, bispo e
mártir (†1192). Bispo de Liège, Bélgica,
foi martirizado em Reims.
25. Santa Catarina de Alexandria,
virgem e mártir.
São Pedro Yi Hoyong, mártir
(†1838). Catequista, foi aprisionado
por sicários, juntamente com sua irmã,
Santa Águeda Yi So-sa. Depois
de lhe quebrarem os ossos por três vezes,
mantiveram-no por quatro anos
no cárcere, onde finalmente morreu
permanecendo firme na confissão da
Fé, sendo o primeiro do glorioso esquadrão
dos mártires coreanos.
Santo Adeodato I
26. São Leonardo de Porto Maurício,
presbítero (†1751). Religioso da
Ordem dos Frades Menores, que empregou
quase toda a sua vida na predicação,
na edição de livros de piedade.
Realizou mais de trezentas missões
em Roma, na Córsega e por toda
a Itália setentrional.
27. Nossa Senhora das Graças.
Beato Bronislao Kostowski, mártir
(†1940). Na ocupação militar da Polônia
durante a guerra foi levado para
o campo de concentração de Dachau
onde, cruelmente atormentado
no cárcere, alcançou a palma do martírio.
28. I Domingo do Advento
29. Bem-aventurados Dionísio da
Natividade (Pedro) Berthelot, presbítetro,
e Redento da Cruz (Tomás) Rodríguez,
mártires (†1638). Religiosos
da Ordem dos Carmelitas Descalços,
a quem os maometanos de Sumatra
(Indonésia) submeteram à escravidão
e, por fim, transpassam com flechas e
decapitaram, por ódio à Fé.
30. Santo André, Apóstolo.
Biblioteca comunale di Trento (CC3.0)
21
Reflexões teológicas
Flávio Lourenço
Cristo Rei
Catedral de
São Bavão,
Gante, Bélgica
Majestade, ápice
da grandeza
Em Nosso Senhor Jesus Cristo o equilíbrio entre a majestade e
a bondade encantava a Dr. Plinio. O Sagrado Coração de Jesus
tão majestoso, mas sempre com uma bondade levada ao último
limite do excogitável, deu-lhe a ideia, desde pequeno, de que o
padrão mais alto da majestade era Ele. E, por sua vez, havia ali
um lugar naturalmente posto para a devoção a Nossa Senhora.
22
Amajestade se distingue da grandeza,
porque ela é o ápice da
grandeza. Mas não é qualquer
ápice dela que define a majestade.
U.S. Military (CC3.0)
Conjugação entre
finalidade e perfeição
Tomem, por exemplo, algo banal
como os quatro dentes de um garfo.
Há uma razão para que sejam nesse
número: corresponde às dimensões
do bocado que a boca humana normalmente
ingere, ao menos nos costumes
do Ocidente. Eles foram calculados
pelo costume, pela tradição
e por um certo bom senso presente
em tudo.
Entretanto, se o garfo perder um
dente, não vale mais nada. Pode-se
jogá-lo fora. Se for de prata, mandamos
fundi-la para vender o metal,
mas ele, enquanto instrumento,
já não tem utilidade.
A imagem do garfo íntegro traz
consigo uma ideia de perfeição.
Rainha Elizabeth II em 1983
Aquilo que é completo é perfeito.
Embora a perfeição possua graus,
no seu gênero determinado, naquele
seu estilo, tudo quanto é completo
é perfeito.
A coisa perfeita é, então, aquela
que por si mesma realiza toda a sua
missão. O garfo não realiza a missão
de alimentar o homem e, sim, de espetar
alimentos, e isto é suficiente.
As noções de completo e suficiente
se conjugam. E quando algo adquire
esta suficiência, passa a ter,
em linguagem filosófica, a perfeição.
Possui um grau, pelo menos mínimo,
de perfeição. Eu posso imaginar, por
exemplo, um garfo de ouro pertencente
à Rainha Elizabeth. Este seria,
sem dúvida, mais perfeito.
Majestade: a grandeza
daquele que tem o
poder supremo
Ora, a majestade é a grandeza daquele
que está colocado como primeiro,
ou numa ordem de coisas, ou
numa associação perfeita possuidora
de todos os elementos necessários
para subsistir como deve. Ele é
a chave de cúpula fora da qual todo
o resto se esvai.
Só há duas sociedades perfeitas,
de fato: a Igreja e o Estado.
Este é o ensinamento da Igreja:
Ela é uma sociedade perfeita, tem
todos os elementos para realizar a
sua missão, e tem o governo soberano,
acima do qual não há nenhum.
A Igreja é destinada à ordem espiritual,
o Estado à ordem temporal.
O Estado é aquela sociedade perfeita
de um povo, ou de vários, colocados
sob a direção de um mesmo
poder público soberano, não há
nenhum outro acima dele.
Alguém dirá: “Mas a família
não é uma sociedade
perfeita?”
Não, ela é a cellula
mater da nação.
Se quiserem,
em certo sentido, do Estado. Mas não
é uma sociedade perfeita.
Outro objetará: “Um partido político
não pode ser tido como sociedade
perfeita?” Chama-se partido, logo
não é perfeito, porque é uma parte.
A sociedade perfeita é um todo.
“Bem, mas uma Universidade não
é uma sociedade perfeita?” Não.
Porque ela existe dentro do Estado
e precisa dele. O Estado não precisa
dela, está por cima.
Então, a verdadeira majestade, no
sentido pleno da palavra, é a grandeza
daquele que tem o poder supremo
na sociedade perfeita: É o Rei,
ou é o Imperador.
Assim se compreende melhor a
etimologia: majus stat 1 . É aquele
maior do que todos. Este tem majestade.
A majestade é, antes
de tudo, de Deus
A majestade é, antes de tudo, de
Deus. Ele é a Majestade. Em comparação
com Deus, quis sustinebit? 2
Quem é qualquer coisa em comparação
com Ele? E em união com
Ele, logo abaixo d’Ele, Cristo Rei.
Nosso Senhor Rei tanto da Igre-
J. P. Ramos
23
Reflexões teológicas
Flávio Lourenço
ja quanto do Estado. É evidente.
O Estado tem obrigação, em suas
leis, de conformar-se em tudo com
os desígnios de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Abaixo de Nosso Senhor Jesus
Cristo, Nossa Senhora. Porque o governo
de todo o universo foi entregue
por Deus a Ela, que Se tornou a
Imperatriz. Depois vem o Papa, e de
Nossa Senhora do Sagrado Coração - Basílica de Nossa
Senhora dos Remédios, Naucalpan, México
modo sucessivo o Rei, o Imperador,
o chefe de Estado.
Como se explica que chefes de Estado
se constituam com um poder
que nega a majestade?
Por erro deles. Porque mesmo numa
nação independente, de índole
republicana, se deveria reconhecer a
grandeza daquele que ocupa, embora
temporariamente, as funções supremas.
O fato de elas serem provisórias
diminui a grandeza da situação
pessoal de quem as exerce. Porém,
não diminui a função em si.
Por exemplo, o doge de Veneza
era chefe de Estado provisório. Ele
era eleito por dez anos. Mais tarde
parece ter passado a ser vitalício.
Enquanto era provisório, não era hereditário,
ou seja, não pertencia à família
dele aquele poder. Qual era a
dignidade dele? Era a de ser doge.
Doge quer dizer duque, em dialeto
veneziano. Duque temporário, mas
soberano de uma região riquíssima,
mas pequena. Ficava ridículo ser imperador.
Ninguém é imperador de
Luxemburgo, por exemplo. No entanto,
ele estava cercado de um fausto,
do qual dá bem ideia o Palácio
dos Doges. Ou seja, o poder público,
de si, deve ter majestade.
Em Saint-Germain
l’Auxerrois, um fato que
ilustra a majestade
Alguém poderia dizer: “O senhor
tratou da majestade enquanto ligada
ao cargo. Uma pessoa não pode ter
majestade por um dom natural?”
Pode, mas nesse caso ela tem um
dos elementos da majestade e, por
ampliação, se afirma que ela tem
majestade. Quer dizer, se ela tem
uma tal supremacia pessoal que,
olhando-a se pensa na realeza, ela
tem os elementos que caracterizam
o rei. Ela não é um rei, mas é majestosa.
Certa vez, minha família ouviu
Missa na Igreja de Saint-Germain
l’Auxerrois, em Paris. E viram entrar
a Princesa Isabel acompanhada
de uma dama. Como ela era princesa,
e a Primeira Guerra Mundial
não tinha arrebentado ainda, se
prestava, mesmo nas Repúblicas, a
honra de dar-lhes um lugar no presbitério.
Ela entrou e foi direto para
lá, ocupando o lugar que lhe estava
reservado.
24
pjposullivan (CC3.0)
Igreja de Saint-Germain l’Auxerrois, Paris
Insley Pacheco (CC3.0)
Terminada a Missa, minha mãe
e minha avó, que não a conheciam
pessoalmente, viram a dama de honra
da princesa se levantar e ir caminhando
em direção a elas, dirigindo-
-lhes a palavra:
— Eu sou a Baronesa de Muritiba,
dama de honra da Princesa Isabel.
Ela viu as senhoras desde o presbitério,
achou que fossem brasileiras.
Então, me mandou manifestar
seu desejo de conhecê-las. Se quiserem,
ela as espera na sacristia.
Foram até lá: Cumprimentos, homenagens,
e, na conversa, a princesa
soube que minha mãe era casada
com um parente do João Alfredo
3 , deputado no tempo do Império,
muito chegado à Imperatriz. Soube
também que meu avô era chefe monarquista
em São Paulo, e uma porção
de histórias assim. E o resultado
foi um convite da Princesa
Isabel para todos os membros
de minha família irem tomar
lanche na sua residência, em
Boulogne-sur-Seine.
Foram todos, até as crianças,
porque naquele tempo
era costume conhecerem-
-se as famílias inteiras, e não
algumas pessoas. Eu tenho
certeza que a Princesa Isabel
não se espantou nenhum
pouco de ver umas dez ali.
E para elas era uma ocasião
de poder dizer a vida inteira:
“Eu conheci a Princesa Isabel!”
Um dos meus tios tinha
um filho surdo-mudo que
aprendeu a falar com um
sistema inventado em Viena,
o que naquele tempo
Princesa Isabel em 1887
25
Reflexões teológicas
era novidade. Esse menino
era meio détraqué 4 . Apesar
disso o levaram, por medo
de deixá-lo muito deprimido
se todos os outros
fossem e ele não. Acredito
bem, aliás, ter Dona Lucilia,
a grande favorecedora
desse sobrinho, votado em
favor da ida dele.
Chegamos, ficamos todos
em pé esperando a
princesa. Afinal, ela entrou,
cumprimentos. Quando
ela foi se aproximando,
meu primo, que elevava a
voz muito mais alto do que
o natural, pois não ouvia,
começou a falar:
— Essa é a princesa?
Onde se viu? Princesa tem
coroa, tem cetro, tem manto
bonito! Ela está vestida
como vovó!
A Princesa Isabel ouviu
isto e, com muita bondade,
disse-lhe sorrindo:
— Pois é, meu filho, não
tenho nem o manto nem a
coroa, mas eu sou a Princesa
Isabel, e tenho gosto em
conhecer você.
Ela era muito majestosa,
um modelo de majestade!
Pendor para
o excelente
Inspetoria Salesiana de São Paulo
É próprio do espírito
humano reto, bem constituído,
ver uma coisa boa e apetecê-
-la. Voltemos mais uma vez ao exemplo
do garfo: O espírito humano bem
formado apetece sempre a algo melhor.
De maneira que, tendo se alegrado
por algum tempo com um garfo
bom, ele começa a pensar: “E como
seria um garfo melhor?”
Assim, dependendo do pendor
pessoal, o ser humano é atraído por
mil outras coisas que o levam a cogitar
na perspectiva de serem cada vez
Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo
melhores, algumas delas atingindo o
nível de perfeição. Esta, a seu modo,
corresponde à majestade naquele
gênero.
Por exemplo, existem milhares de
idólatras de automóveis. Imaginem
um indivíduo desses tão tacanho,
que nunca tivesse ouvido falar numa
Rolls-Royce. Mas quando ele encontra
um veículo desses, numa propaganda,
fica encantadíssimo. Lê os
prospectos, contente por existir algo
dessa categoria que jamais
será dele, porque nunca terá
o dinheiro para comprá-
-la e mantê-la. Qual é a razão
dessa alegria? Ele viu a
possibilidade de um exemplar
melhor dentro da ordem
de coisas de que ele
gosta.
Contudo, se aparecesse
um automóvel superior,
mais perfeito, ele se alegraria
ainda mais. Porque
é natural que esse pendor
para o excelente, para o
supremo de determinadas
coisas, e para o muito bom
de várias outras, desabroche
na alma humana.
Logo, é compreensível
que, desde pequeno, eu tenha
desejado, conhecido e
voltado minha alma a certas
majestades. Como isto
se fez?
Coração de Jesus de
majestade infinita
Na Igreja do Coração de
Jesus 5 havia todas as impressões
ocasionadas pelo
culto, pela liturgia, pelos
cânticos, pelo órgão,
pelo ambiente de recolhimento,
mas, sobretudo, pela
Pessoa de Nosso Senhor,
enquanto mostrando o Seu
Coração aos homens. Esta
devoção, pelo próprio
nome da Igreja, era inculcada nela
por várias formas. Na torre, aquela
imagem dourada do Coração de Jesus,
com os braços abertos para toda
a humanidade. Aquela majestade
d’Ele com os braços abertos, me entusiasmava!
Dentro tem também uma imagem,
no altar lateral à esquerda de
quem olha para o Tabernáculo. Não
pretendo dizer nem um pouco que
ela tenha valor artístico, nem é uma
26
Luis C.R. Abreu
obra de arte, é de artesanato.
No entanto, muito tocante,
muito nobre, e com
o coração de Jesus exprimindo
muita bondade, com
uma grandeza misteriosa,
parecendo emanar algo para
mim, vindo do vermelho
bem escolhido do seu manto,
dos ornatos dourados…
Mas, sobretudo, de sua cabeça,
os cabelos… sobretudo,
o olhar, os traços do rosto.
Ele me parecia tão majestoso,
e tão bom ao mesmo
tempo! Tão infinitamente
superior, e com tanta
pena, tão voltado para
mim, e tão misericordioso,
que eu pensava: “Majestade
é isto! E eu gosto desta
majestade!”
Quando me deparei, na
ladainha do Coração de
Jesus, com aquela invocação “Cor
Iesu majestatis infinitæ, miserere nobis”
6 , adotei-a e a inscrevi entre as
minhas invocações prediletas, desde
logo!
No teto do Coração de Jesus vem
a mesma majestade expressa por
uma pintura representando Nosso
Senhor aparecendo a Santa Margarida
Maria Alacoque. E há um letreiro,
em caracteres dourados sob fundo
verde, escrito em francês, pois essa
Santa era francesa: “Eis aqui o
Coração que tanto amou os homens,
e por eles foi tão pouco amado.”
Esse equilíbrio entre a majestade
e a bondade me encantava! Ele,
tão majestoso na aparição, mas sempre
com uma bondade levada ao último
limite do excogitável. Deu-me
a ideia de que ali estava o padrão
mais alto e pleno da majestade. Sendo
Ele Rex regum et Dominus dominantium
– Rei dos reis e Senhor de
J.P. Ramos
Interior do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo
27
Reflexões teológicas
é uma criatura. Por isso,
ouso me aproximar
d’Ela e recitar o Memorare,
a Salve Regina,
e florescer! Porque Ela
faz ponte entre Ele e
mim. Este é o bem-estar
de minha alma!
Naquele episódio do
boletim do Colégio São
Luís 7 , quando eu estava
rezando aflito diante
da imagem de Nossa
Senhora Auxiliadora
e me sentia olhado
por Ela com uma
bondade, uma ternura,
uma disposição para
me perdoar, com uma
pena de mim, uma coisa
extraordinária, duas
ideias vieram juntas,
como num relâmpago.
A primeira era: “Parece
mamãe!”; a segunda:
“Mamãe não chega,
nem de longe, aos
pés d’Ela!”
A maternalidade
d’Ela comigo, não por
ser eu, Plinio, não. É
por um qualquer, um
prequeté pecador, um
cisco de menino pecador,
aparecendo diante
d’Ela, trêmulo, mais
movido pela atrição do que pela contrição;
a esse menino, Ela deixa cair
a pétala de um sorriso!
Deste fato veio-me a convicção:
Ou eu me agarro a Ela a vida inteira,
ou eu me perco! Meu negócio é
com Ela! Recorrendo a Ela, pedindo,
querendo saber a respeito d’Ela,
e girando em torno d’Ela, ao serviço
d’Ela. Minha vida é para Ela!
Com frequência, rezando a Salve
Regina, eu me lembro disso e, de
algum modo, revivo bem exatamente
aquela sensação. Quando vou ao
Coração de Jesus, visito-A enquanto
sendo a Mãe que me sorriu! É evitodos
aqueles que têm
domínio –, era natural
que se concebesse
n’Ele uma majestade
dessa elevação.
Nossa Senhora
preenche o
hiato entre
Nosso Senhor
e o pecador
Luis C.R. Abreu
Donde, por sua vez,
um lugar naturalmente
posto para a devoção
a Nossa Senhora. Porque
o culto à majestade
do Sagrado Coração
cria a seguinte situação:
Quando deitamos
atenção, a majestade
d’Ele é tão grande,
que a pessoa se sente
aniquilada: “Como me
aproximar d’Ele? Como
dizer-Lhe: Eis-me
aqui? Quando sinto em
mim o pecado original
no qual fui concebido,
experimento o primeiro
impulso de todas
as desordens que todo
homem tem em si! Isso
tudo me distancia
d’Ele.”
Fazendo essas considerações, eu
adorava a majestade d’Ele enquanto
me recusando, olhando para aquilo
que em mim causa-me desgosto e,
se eu pudesse, jogaria fora. Esta exclusão,
eu a adoro! De outro lado,
porém, ela me apavora. Porque Ele
é tudo. E, rejeitado por quem é tudo,
o que eu sou? Se Ele não me rejeitasse,
eu não O adoraria. Se Ele me
rejeita, desapareço… Então, qual é a
solução?
No hiato entre Ele e mim ‒ que,
por alguns lados, deve ser visto como
um abismo escuro ‒ há uma réstia
de luz: Nossa Senhora, Mãe d’Ele
e minha, a qual, como ensina a Igreja,
quis a morte de seu Divino Filho
para nos redimir, e a teria querido
mesmo se fosse para salvar somente
a mim ou a qualquer outro homem
que há na Terra. Quanta misericórdia!
A superioridade de
Maria Santíssima
Mas Nossa Senhora não é divina,
não tem aquela superioridade Nosso
Senhor Jesus Cristo. Ela é superior a
mim a jardas, anos-luz, centúrias de
séculos, não tem dúvida! Contudo,
28
dente. E o meu hábito é este mesmo:
entro, inclino-me diante do Santíssimo,
faço uma adoração rápida e vou
direto para junto do altar d’Ela, para
vê-La de perto.
E a imagem do Sagrado Coração
de Jesus? É claro, vou vê-la, adoro
ao Sagrado Coração de Jesus, venero
a imagem d’Ele, sei que a maior
homenagem, a primeira, se deve a
Ele. Mas, em consideração à ideia da
mediação d’Ela, sem a qual eu não
me salvaria, creio ser mais respeitoso
ir pedir primeiro a Ela para pôr
minha alma em condições de aparecer
diante d’Ele. E acredito que nenhum
teólogo sério tenha alguma
objeção a isto.
A admiração diante da
grande majestade
Pelo velho hábito de lecionar,
que leva à deformação de dar a muitas
coisas o caráter de aula, apresentei
o conceito de majestade tão claro
no seu conteúdo abstrato. Entretanto,
ao tratar do Sagrado Coração
de Jesus, passou-se do abstrato para
o concreto mais sublime, mais perfeito
que possa haver, provocando
uma impressão de majestade muito
grande que convida ao silêncio na
consideração das naturezas divina e
humana na Pessoa d’Ele, sob a invocação
do Sagrado Coração. Esta
é a majestade das coisas postas por
Deus na ordem do universo.
Desde quando eu era pequeno me
intrigava ver certos líquidos que postos
em recipientes de gargalo muito
estreito não saíam, permanecendo
retidos por uma rolha invisível. Passei
anos sem entender o porquê, julgando
que um dia compreenderia isso
em função de algo mais alto. Meu
professor de Física deu-me uma explicação,
mas não me interessou.
Porém, essa velha imagem de meu
curso de Física me veio ao espírito,
de repente, quando foi abordado o
tema a respeito da majestade. Pensei:
“Está vendo? É como a admiração.
Ela, diante da grande majestade,
fica sem saber se expandir, como
o líquido no gargalo, porque desperta
movimentos de alma tão grandes,
que o ‘gargalo’ da voz humana é insuficiente
para transmitir.” E nós ficamos
no mutismo de quem quisera
ter outros meios de expressão e não
os tem. Se fosse músico, tocaria uma
melodia; se fosse poeta, comporia
uma poesia, porque elas dizem muitas
coisas que as palavras não exprimem.
Não sendo músico nem poeta,
admiro pelo silêncio.
No caso de Nosso Senhor Jesus
Cristo, é muito mais do que uma admiração,
é uma adoração, um ato de
culto. Eis o que se deu. Fico feliz por
minhas palavras terem conseguido
despertar este ato de culto em relação
a Ele.
v
(Extraído de conferência
29/10/1985)
1) Do latim: (sentido literal) o maior está
de pé.
2) Do latim: Quem subsistirá?
3) João Alfredo Corrêa de Oliveira, tio-
-avô de Dr. Plinio.
4) Do francês: desequilibrado, demente.
5) Santuário do Sagrado Coração de Jesus,
igreja situada no Bairro Campos
Elíseos, em São Paulo.
6) Do latim: Coração de Jesus, de majestade
infinita, tende piedade de nós.
7) Sobre isso, ver Revista Dr. Plinio n.
122, p. 18-23.
Dr. Plinio em 1985
Arquivo Revista
29
Apóstolo do pulchrum
Mateus S.
Aliança divina entre
o prático e o belo
Na Terra, o homem não vive só para gozar, mas, sobretudo, para
ser herói e ter uma alma capaz de grandes arrojos. Para isso a
Providência aliou o prático ao belo na Criação, e assim supriu
as necessidades corporais e espirituais do homem, a fim de que
ele pudesse estar sempre convidado a atingir o Paraíso Celeste.
Em meados do século XX, a ideia de arte que entrava
na arquitetura conjugava alguns elementos:
o máximo de uniformidade e simplicidade,
com cores inexpressivas, visando principalmente o aspecto
funcional, tetos baixos, linhas retas, preponderando
a figura geométrica do quadrado.
Decorrem daí dois movimentos, duas tendências: o
prático, o funcional, o simples e o econômico, contra o
artístico, o elegante e o leve. O prático achata. O elegante
eleva.
O prático para o corpo e o belo para a alma
Ora, o conflito dessas tendências, que relação tem
com a doutrina da Igreja e com a luta entre a Revolução
e a Contra-Revolução? A tese a desenvolver é: não há um
conflito verdadeiro entre o prático e o belo, mas é algo
criado pela Revolução para produzir no homem um efeito
que daqui a pouco explicarei. Na realidade, esse conflito
é falso e deixa o homem desnorteado, pois ele precisa
de coisas práticas para viver. Ninguém pode viver
30
Hugo Naves
Luis Samuel
Tomas T.
J.P. ramos
num mundo só de beleza, respirando apenas arte e poesia.
Quando Nosso Senhor disse “Não só de pão vive o homem”
(Mt 4, 4), Ele afirmou de modo implícito ser o pão
também indispensável. E a experiência de todos os dias
o torna evidente. O econômico, o viável, o exequível, o
prático, portanto, corresponde a uma necessidade imperativa;
o útil, inclusive, é um dos valores da ordem do
universo.
O princípio, então, é o seguinte: o homem precisa do
prático para o corpo, mas precisa do belo para a alma,
pois ela não come pão nem respira oxigênio. O ser humano
não é apenas, como se costuma dizer, um conjunto
de alma e corpo, como se fossem dois valores de igual
alcance, justapostos na constituição de um mesmo indivíduo.
O elemento principal do homem é a alma e o corpo
existe para servi-la. A alma humana deseja a verdade
e a beleza, porque foi criada à imagem e semelhança
de Deus, Ele é a Verdade e a Beleza infinitas. Por isso,
o Criador encheu sua Obra destes dois predicados para
que a alma humana, amando na Terra esses dois atribu-
tos, se tornasse, ela mesma, autora de pensamentos verdadeiros
e de realizações belas…
Duas descendências opostas
do espírito humano
Eu chamo as obras do engenho humano de “netas de
Deus”, porque a alma humana é filha, mas o que ela engendra
pode ser considerado como um neto do Criador.
O homem, engendrando as “netas” de Deus, as verdadeiras
obras de arte, prepara-se para o momento de comparecer
diante d’Ele, a Eterna Verdade e a Eterna Beleza;
e, voando de entusiasmo em relação a Ele, o espírito humano
quase poderia compor a seguinte oração:
Meu Deus, durante minha vida inteira procurei a beleza
e a verdade, sabendo que só as encontraria em Vós,
pois só contemplando-vos face a face as poderia conhecer!
Entretanto, posso afirmar: encontrei-as na Santa
Igreja Católica Apostólica Romana! Mas, por santa e
bela que fosse a vossa Igreja, vossa Esposa, Vós éreis, ó
Senhor, não apenas o Deus da verdade e da beleza, mas
31
Gabriel K.
Gabriel K.
Apóstolo do pulchrum
Tomas T.
Luis Samuel
éreis tudo isso em essência, em grau inimaginável e insondável.
Minha alma agora vos deseja encontrar, Justo
Juiz, Vós sois a minha recompensa demasiadamente
grande!
A Revolução quer eliminar isso da vida, pondo-nos a
alternativa:
— Escolhei: O prático ou a beleza; em matéria de verdade
fique apenas a pequena verdade terra-a-terra das
ciências úteis. O resto é velharia.
A isso nós podemos responder:
— Não! O resto é tradição, é eternidade!
Explicarei agora o prático e o verdadeiro na obra de
Deus, para vermos depois como a Revolução a desfigura,
engendrando realizações netas do demônio. Porque se é
filho do demônio todo aquele que faz a obra da Revolução,
aquilo engendrado por ele é neto do demônio. Veremos,
portanto, duas descendências: Aos pés da Virgem,
os filhos d’Ela; e as obras da serpente. Contemplaremos
o sorriso de Deus, e a maldição de Deus.
Um reflexo do prático e belo
plasmado por Deus na Criação
Vemos em uma das ilustrações um lindo espetáculo
da natureza, diretamente criado por Deus: o litoral, o
mar. Essa massa líquida enorme se move bem próxima à
praia umedecendo a areia, mas não alcança a areia mais
distante. Algumas ondas parecem dar a impressão de serem
enormes, trazendo um vagalhão colossal, mas são
pequenas. Elas são de uma tal beleza, repetem em ponto
pequeno, gracioso e encantador, toda a majestade e toda
a grandeza das coisas enormes.
Se nós imaginássemos um homem pequenininho colocado
em presença dessas ondas, seria uma tragédia.
Mas que linda tragédia enfrentar uma espuma tão bela,
tão banhada pelo Sol, e vista nas culminâncias, quase se
diria ser uma espuma de luz. Por detrás, a massa d’água
parece mais um tecido, um cetim maravilhoso, com movimentos
diversos, plácida no fundo, aproxima-se mais
movediça e cheia de Sol. No raso fica um pouco agitada,
para morrer de modo manso no contato com a terra. Tudo
isso é lindo e tão artístico! Bem poderíamos imaginar,
do fundo daquele Sol invisível e daquele litoral, uma estrada
de luz, e Nossa Senhora vindo, caminhando sobre
as águas nessa estrada de luz. Que maravilha!
Contemplem esse dourado. Nosso Senhor diz no
Evangelho: Nem Salomão, com toda a sua glória, vestiu-se
como os lírios do campo (cf. Mt 6, 28-29). Eu lhes
pergunto: Que potentado, em toda a sua glória, vestiu-se
com um tecido parecido à “seda” desse mar?
Pois bem, esse é o mar profundamente funcional, sem
cujo movimento e influência no equilíbrio do universo,
32
João C. V. Villa
todo o desenvolvimento da Terra seria impossível; ele
é um viveiro enorme de uma quantidade incontável de
bens preciosos para o homem, desde peixes úteis para
a alimentação humana, até o tão precioso petróleo, que
a humanidade começa a adorar… Tudo se encontra no
mar, e se encontra em tal quantidade, que alguns técnicos
da UNESCO chegaram a afirmar que as riquezas
havidas na terra são menores do que as existentes para o
homem no mar. Vejam como tudo isso é belo, e ao mesmo
tempo prático. Essa é a sabedoria de Deus!
Não há dúvida: a água é uma das mais belas criaturas
de Deus! É bela em todos os seus aspectos, inclusive
quando espumante, dir-se-ia que atingiu o auge de sua
beleza; é maravilhosa! Também é bela quando a vemos
plácida, quase parada, esgueirando-se num longo serpentear,
refletindo o céu de um modo tão admirável, parecendo
mais bonito visto dentro d’água. É uma verdadeira
beleza!
Quanto capricho e fantasia nessa linha que nenhum
dedo humano traçou! Que utilidade enorme! Toda a vegetação
da paisagem, brilhando e vicejando à luz do Sol,
existe por causa da água. Imaginem que essa água não
existisse ou não chovesse nessas redondezas, com certeza
teríamos o deserto do Saara. A alegria, a fecundidade
e a beleza da terra vêm do contato com a água. Água plácida
e bela, mais parece uma laje de pedra preciosa feita
para um rei ou para uma princesa caminhar. Água prática
e útil, que maravilha de Deus!
Bens do espírito aliados aos bens do corpo
As obras de Deus são muito variadas. Às vezes elas
têm um ímpeto extraordinário como o trovão, ou uma
avalanche caindo, ou até as ondas do mar num maremoto.
Outras vezes elas são tranquilas e plácidas. Nessa
paisagem, por exemplo, há um rio. Ele não tem nenhuma
pressa de chegar até a embocadura, vai escorrendo tranquilamente,
quase que brincando com a terra. Ele tende
para um lado, mas a terra lhe impõe obstáculo, então
sorri e ladeia sem pressa, e continua para o outro lado.
Há a imensa mata verde atrapalhando o curso do rio...
Que bonita península!
Como seria interessante imaginar se aqui, junto a
esse pequeno bosque refrigerante, houvesse uma casa
agradável, toda cercada de água e de terra fecunda, num
ambiente prático feito por Deus para o homem. Como
seria bom morar ali! E não perto de uma rodoviária feita
pelos homens. Quanta beleza Deus quis que tivessem as
coisas práticas. Como o corpo é bem atendido nesse lugar!
É possível que nesse rio haja peixes.
Essa terra dá tudo. É terra do Brasil, da qual disse Pero
Vaz de Caminha, escrevendo ao rei D. Manuel, na primeira
reportagem feita sobre o Brasil: “Essa terra, senhor,
é dadivosa e boa; e nela, em se plantando, tudo dá”.
Aqui está a terra dadivosa e boa, a água formosa e o
suave movimento de colinas, feitos para o homem sorrir
um pouquinho. Ali desponta uma planta que retém
33
Apóstolo do pulchrum
os raios do Sol e parece feita de luz, para os homens pensarem
como o este astro é belo. As nuvens se miram sobre
a superfície tranquila da água. Dir-se-ia que elas se
espantam com sua própria formosura refletida na água.
Bens do espírito ao lado dos bens do corpo. Como a
Providência soube aliar o prático ao belo, de tal maneira
que a primeira coisa notada pelo o homem é o belo e sorri
encantado. E tudo isso nós temos nesta Terra de exílio.
Imaginem o que seria o Paraíso Terrestre. Imaginem, sobretudo,
como será esse lugar incomparável, o Paraíso
Celeste!
Ambiente que convida a alma
para a contemplação
Nessa fotografia a natureza é europeia e, portanto,
bem diversa da nossa. Encontramos no alto desse monte
uma pirâmide, não feita por algum faraó, mas feita
por gigantescos movimentos da crosta terrestre, em épocas
incalculáveis. Vejam a beleza do jogo de luzes nesse
panorama! Aquela luz prateada, discreta, se concentra
na encosta gelada desse pico de morro, parecendo iluminar
toda a parte nevada. Depois, um verde denso e profundo
desemboca num abismo escuro. Não. A luz desce e
é condensada por essa névoa ligeira refletida em vários
pontos, e traz para junto do homem todos os esplendores
desse pico inacessível.
Novamente aparece a água. Desta vez corre compacta,
caudalosa, serena, frígida, quase tanto quanto o pico
desse morro. Todo o panorama é feito de alturas. As próprias
árvores parecem píncaros vegetais tendentes a subir
e a se comparar com o píncaro mineral. Elas são graciosas
e leves para compensar o maciço da montanha.
Porém, veio o frio e a árvore perdeu suas folhas, que aos
poucos começam a renascer. A árvore demonstra aí toda
sua beleza e delicadeza extrema, mas também força,
luz brilhante e radiosa; obscuridade, ambas convidam
à contemplação recolhida e séria. Águas que indicam o
passar contínuo de todas as coisas terrenas. É a frase da
Escritura: Sic transit gloria mundi! 1
As grandes luzes estão nos píncaros da fé
As grandezas desta Terra escoam como a água, mas
só Deus é eterno. Deus está representado naquele monte,
que nunca muda, é sempre o mesmo. O rio da História
passa, os homens passam. Deus, no mais alto de sua
glória e de sua luz, continua intacto. É uma verdadeira
lição de religião, de harmonia de virtudes: delicadeza
e força, pureza, recolhimento, esplendor,
sabedoria, tudo reunido
nesses ambientes. Habitável para
o homem; deleitável. Não há quem
não gostaria de morar lá perto
num chalé bem agasalhado, vendo
essa natureza frígida, mas saudável,
e se nutrindo dos seus frutos e
criações. Prático e belo!
Ora, diante desses grandes panoramas
o homem acaba por ser
desafiado: “Você tem coragem de
subir?” Veja as pedras escorregadias!
Que caminhos resvaladios e
Viccente T. Marques
João C. V. Villa
João C. V. Villa
34
Rodrigo C. B.
Marcus Ramos / Viccente T. Marques
difíceis! O desafio está na atração.
Não há quem não sinta vontade
de chegar até o alto, de se banhar
nessa luz e ficar imerso nela.
Quanta energia é preciso!
Grande lição moral: realmente,
as grandes luzes estão nos píncaros
da virtude, da fé e da sabedoria.
Mas é preciso força para
galgar esses píncaros. Diz Nosso
Senhor no Evangelho: “O Reino
dos Céus é arrebatado à força e
são os violentos que o conquistam”
(Mt 11, 12). Aqui é o alto desse panorama. Ele
convida os violentos às grandes ascensões, aos grandes
feitos. Na Terra, o homem não vive só para gozar.
Ele vive para ser herói, para ter uma alma capaz de
grandes coisas.
De outro lado, quanta coisa prática tem aí! Alguém
me dirá:
— Não vejo. Nessas plantinhas que talvez um gado
coma? O que há de prático em tudo isso?
Imaginem a Terra sem montes, é evidente que todo o
seu equilíbrio se prejudicaria. Essas montanhas enormes,
são colunas do equilíbrio terrestre.
O que dizer? Parece um conto de fadas como o da
“Alice no país das maravilhas”. Nós achamos tão apetecível
essa neve, dá vontade de pegar uma colher e comê-la.
Tão simpático esse caminho, pensamos num trenó
e numas renas para correr por ele velozmente. Mas,
depois disso, quem não teria a tristeza de não poder chegar
até um píncaro desses? Esse, um píncaro acima de
muitos outros que já foram atingidos por ascensões penosas,
e que convida a outras ainda mais arriscadas. E
os montes, postos uns em cima dos outros, banham o
azul profundo que nos fala no céu de todos os ideais.
Há um trecho da Escritura, aplicado a Nossa Senhora,
que diz “Mons domus Domini in vertice montium, et elevabitur
super colles” (Is 2, 2) – a montanha da casa do Senhor
será colocada no cume das montanhas e se elevará
sobre as colinas. Ali está Nossa Senhora: mais virginal,
mais nívea, mais pura do que tudo o que se possa imaginar.
Ali estão os outros Santos da Igreja Católica: alvos,
brilhantes, altos, mas nenhum deles chega até Maria
Santíssima. Por cima d’Ela, apenas está Deus, representado
por esse céu de anil criado por Ele mesmo, para
nos dizer que está por detrás e só na outra vida O atingiremos.
v
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 10/2/1974)
1) Do latim: Assim passa a glória do mundo.
35
Luz por trás das brumas
Daniel A.
H
á algo na imagem de Nossa Senhora
das Graças que diz:
“Meus filhos, é verdade que está
tudo muito apertado, mas detrás dos acontecimentos
preparo uma solução. Pedi, rezai, Eu virei
e atenderei, pois há sempre algo para vós.
Não vos atemorizeis, por trás das brumas estou
Eu com meus anéis luminosos que a vossa súplica
pode tornar ainda mais brilhantes. Quando
caminhardes um tanto nas névoas, já elas começarão
a ficar luzidias, por efeito de minhas graças
cuja luminosidade chegará até vós.”
(Extraído de conferência de 28/9/1981)