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Nervo - Exposto - Crônica visual sobre Algodoalzinho Curuçá/PA

Projeto aprovado no Prêmio Vicente Salles de 2021. Tem como foco o desenvolvimento de um Ebook Fotográfico como forma de apresentação da vivência realizada na comunidade de Algodoalzinho em Curuçá-PA. Comunidade esta que possui na relação entre a floresta e os manguezais, uma forma de identidade e que tem uma vida pulsante que se relaciona entre as histórias e o cotidiano. Esse livro não se propõe a ser um documento etnográfico, mas uma proposta poético-documental de uma imersão realizada com esta comunidade, onde fui embebido por uma relação que extrapolou a fotografia.

Projeto aprovado no Prêmio Vicente Salles de 2021. Tem como foco o desenvolvimento de um Ebook Fotográfico como forma de apresentação da vivência realizada na comunidade de Algodoalzinho em Curuçá-PA. Comunidade esta que possui na relação entre a floresta e os manguezais, uma forma de identidade e que tem uma vida pulsante que se relaciona entre as histórias e o cotidiano. Esse livro não se propõe a ser um documento etnográfico, mas uma proposta poético-documental de uma imersão realizada com esta comunidade, onde fui embebido por uma relação que extrapolou a fotografia.

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Copyright 2021 por Thiago Guimarães Azevedo

NERVO EXPOSTO

Autor

Thiago Guimarães Azevedo

Capa / Projeto Gráfico / Produção Editorial

Thiago Guimarães Azevedo

Fotografias e Textos

Thiago Guimarães Azevedo

Tipo:

EBOOK

ISBN

978-65-00-34401-1

Proibida a reprodução total ou parcial.

Os infratores serão processados na forma da lei.

Projeto premiado pelo edital

PRÊMIO VICENTE SALLES DE EXPERIMENTAÇÃO

ARTÍSTICA 2021 – FCP


NERVO

EXPOSTO

THIAGO AZEVEDO


Dedico este trabalho à toda comunidade de Algodoalzinho

Curuçá-PA que me recebeu e acolheu entre eles. Partilhando um

pouco de si em forma de imagens.

Também à minha família que acreditou e apoiou a produção

desse trabalho.



uma vida que segue mundiada...




Nervo Exposto

Nervo. Cada um dos órgãos, em forma

de um cordão ou filamento esbranquiçado,

que ligam o sistema nervoso com as outras

partes do corpo e servem de condutores da

sensibilidade e do movimento. (Distinguemse

os nervos sensitivos e os nervos motores.).

Exposto. Etimologia (origem da palavra

exposto). A palavra exposto deriva do latim

“expostus,a,um”, particípio passado do verbo

“exponere”, com o sentido de expor, de colocar

à vista.

* * *

Os manguezais representam um complexo

sistema que envolve não apenas sua flora,

sua fauna. Mas também a cultura que se

desenvolve a partir do mangue. Populações

que através de sua ancestralidade indígena

e quilombola atravessa gerações e a tradição

permanece nos seus detalhes, nos afazeres e

na forma de perceber o mundo em sua volta.

Nervo Exposto se relaciona de tal forma

com as raízes dos mangues, que durante a

‘maré morta’ (maré seca), ficam visíveis e

seus trançados lembram nossas terminações

nervosas, dessa forma, há um belo paralelo

entre as raízes dos mangues com o próprio

corpo humano. Através desse emanharamento,

mangue e a cultura moldada na comunidade

de Algodoalzinho em Curuçá-PA se fundem.

Não se trata apenas de raízes de mangue, mas

raízes de vida, de tempo e de mundo. Pessoas

que não só habitam no entorno do mangue,

mas de um mangue que existe no entorno das

pessoas. Esse lugar que transpira afeto. Inunda

afago e transborda poesia em tudo que existe

e faz. Em cada pessoa e em cada gesto, um

universo inteiro que se expande em contato

com o outro.






A partir de Curuçá, a 136km

de Belém-PA, ainda é preciso

se deslocar mais 5km até o

porto de São João do Abade

e embarcar em um barco ou

uma balsa para a Ilha de Fora

e andar por mais 12 km até

chegar no portão que indica:

“Bem vindo a Algodoal”.

Hoje sua larga estrada esconde

um mundo de história que

seus moradores mais antigos

contam. De uma época em que

as comunidades era ligadas por

trilhas fechadas pelas matas.

Que ligavam não apenas

as pessoas, mas também as

histórias. Como as que dona

Maria de Nazaré, dona Maria

Amélia, dona Santa e dona

Bidica contam. Dos ‘pretinhos’

que moram debaixo das pedras

do mangue tocando Carimbó.

Na chegada pode-se ver a

existência de dois mundos,

nos quais coexistem casas

de alvenaria, mas também

as casas de taipa e madeira,

algumas casas ainda possuem

jiraus, para fazer alimentos e

lavagem de louças e as casas de

forno, nas quais pode-se fazer

farinha.
















Ah! Nessa época era muito gostoso.

Tinha Carimbó, tinha...

uma aparelhagem

que vinha aí da Vila Nova, na época do Moraes.

Tinha um barracão grande, era muito animado nessa época.

Era assim coisa, mas era muito animado.

Ixi! Muito mais animado do que hoje em dia. (Dona Santa)













A farinha a gente fazia...

Fazia lá na casa do forno. Que a gente chama

né. Era onde a gente fazia a farinha lá. Na casa

do forno que tem pra acolá.

[...]

Era muito, era muito...

Era difícil aqui sabe. Porque a roça era longe.

Nós que tinha roça. Lá pra Taba Lascada, de lá

a gente trazia mandioca, vinha e colocava na

Princesa. Que era o rio que tinha lá. E de lá,

a gente ia descascar, carregava pra trazer aqui

pra casa do forno.

Tudo na cabeça...

De lá dava uma boa distância. Dali pra cá.

Aí a gente sabe tudinho como era o caminho...

Agora né, é água aqui, casa do forno ali, a roça

pra ali pra trás. Nessa época era muito, muito,

muito difícil...

(Dona Santa)

Paremo de trabalhar na agricultura porque a

gente já está com essa idade né.

Ela tá com 84 e eu tô com 67. E a gente paremo

né. Já não dá pra...

Mas a gente tem vontade ainda de trabalhar

na roça...

Porque a gente tá acostumado a comer aquela

farinha boa que a gente fazia né.

A farinha que a gente compra agora é uma

benção né...

(Seu José Pereira)



















Paulo, Cleiton e Wilson se preparam para o

mangue.Uma roupa própria é feita para poder

andar nesse tipo de lugar e também poder

tirar o caranguejo de seu esconderijo. O que

eles chamam de “bota” e “luva” são apenas

pedaços de tecidos ou meias compridas que

protegem das raízes profundas do manguezal.

Além desse material, levam querosene para

passar no corpo e se proteger dos insetos que

ferroam. Ainda preparam a alimentação, pois

eles voltam apenas pelo horário da tarde. O

almoço é arraia e Pacamon (um tipo de peixe

que é pescado com uma lança específica,

pois ficam em buracos nas áreas de mangue

em maré morta) cozido com farinha d’água.

Primeiro Paulo segue pelas trilhas na mata

fechada rumo ao porto próximo do igarapé da

Baixinha. A rabeta estava com defeito, assim,

a ida para o mangue seria do mesmo jeito dos

antigos, a remo. Logo atrás surgem Cleiton

e Wilson. O barco preparado para partir é

lançado no rio para seguir o curso.

A maré estava de lanço (quando está alta)

e propícia para seguir. Durante o trajeto, a

paisagem mistura encanto e temor, visto que

estávamos diante de um caminho repleto de

raízes de mangue que se emaranhavam umas

nas outras e seguimos por seus caminhos com

a prudência de quem pede permissão. As

conversas sobre questões da vida, trabalho,

marés e risos...

O trabalho no mangue é duro. Caminhar por

entre as raízes lutando para não afundar e

ao mesmo tempo, esperar por um resultado

positivo, pois tudo depende da natureza.

Entretanto, as histórias, a partilha e os sonhos

de uma vida melhor é o que mantem aquele

grupo unido...












Euzébio queria comemorar seu aniversário.

Resolveu pegar alguns caranguejos para

celebrar com a família e alguns amigos. Seguiu

num mangue que ficava nas proximidades

da comunidade. Os preparativos foram

semelhantes aos que seguiram com Paulo,

Cleiton e Wilson. A luva, a bota e o querosene.

Seguimos rumo ao manguezal que ficava

em uma área bastante íngreme, cercada por

matas, cujo acesso era por uma trilha fechada

pela floresta. Ao chegar, as raízes se impondo e

ditando as regras de como seria a caminhada.

Esse manguezal parecia ser bem mais difícil

de caminhar do que o primeiro. Euzébio, com

mais experiência, fugia da vista. O dia parecia

que seria de bastante sol, entretanto, ainda

era inverno, então a chuva poderia ser uma

presença inesperável.

A chuva estiou e Euzébio retornou. Disse

que havia conseguido pegar apenas trinta

caranguejos, mas que daria pra festejar seu

aniversário...

Enquanto estava num lugar bastante distante,

o céu anunciou que a chuva viria e não tardou.

As águas vieram de forma bastante intensa,

com pequenas oscilações. Num determinado

tempo, Euzébio sumia da vista e num lugar

aparecia um pequeno guaxinim que andava de

forma silenciosa e leve, como se o mangue não

significasse nada para ele. Seria esse guaxinim

uma Oraia, que andava por ali para mundiar

quem estivesse?








Que vida é essa que pulsa neste mundo? Uma teia que emaranha histórias, vida,

trabalho no meio dos caminhos fechados pelas matas, pelas raízes de mangue e pelos

rios. Que histórias são essas que misturam a trajetória desse povo com um universo

que habita lugares mundiados?

No fim, não sei ao certo de que Nervo Exposto se fala: desse mundo que vive na relação

entre a natureza, a vida prática ou o descaso da política; ou de mim, que fui envolvido

por esse lugar, por suas pessoas, suas histórias que me mundiaram e agora não sei mais

como voltar...


O que é essa vida que pulsa neste mundo? Uma teia que se emaranha entre histórias, vida, trabalho no meio

dos caminhos fechados por mata, raízes de mangue e rios. Que histórias são essas que misturam a trajetória

desse povo com um universo que habita em lugares mundiados?

O Nervo Exposto não se trata apenas de raízes de mangue, mas raízes de vida, de tempo e de mundo. Pessoas

que não só habitam no entorno do mangue. Mas de um mangue que existe no entorno das pessoas. Esse lugar

que transpira afeto. Inunda afago e transborda poesia em tudo que faz. Em cada pessoa e em cada gesto, um

universo inteiro que se expande em contato com o outro.

​Como explicar tanta vida que pulsa neste lugar? Como não ficar mundiado por seus caminhos?

No fim, não se sabe ao certo de que Nervo Exposto se fala, desse mundo que vive na relação entre a natureza,

a vida prática ou o descaso da política. Ou de mim que foi envolvido por esse lugar, por suas pessoas, suas

histórias que me mundiaram e agora não sei mais como voltar…

Projeto premiado pelo Prêmio Vicente Salles de Experimentação Artística de 2021

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