Etcetera – primavera 2020
- No tags were found...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Ano passado fui ver o Tim Bernardes
e encontrei Caetano Veloso lá. Éramos
os dois únicos ‘cabeça branca’ da
plateia. Show e artista excepcionais,
grande compositor, original. Na
saída, Caetano comentou: ‘E a gente
pensando que tudo já foi feito’”
Novas estrelas
Outro grande momento de sua carreira como produtor se deu
com o lançamento de Marisa Monte. Em 1987, ele tinha acabado
de voltar de uma temporada na Itália quando conheceu
a cantora carioca. “Usei tudo o que tinha aprendido como crítico
musical e produtor de discos e fiz tudo o que achava que
deveria ser feito, mas que nunca tinha sido usado em gravadoras”,
declarou em depoimento para a revista Época. “Foi
uma virada na minha carreira e principalmente na carreira
de Marisa.” O repertório pouco ortodoxo, no qual o compositor
italiano Pino Danielle (de Bem Que Se Quis) dialogava com
o rock dos Titãs (Comida) e o jazz de George Gershwin (Bess,
You Is My Woman Now) se unia ao grupo Mutantes (Ando Meio
Desligado). O advento Marisa trouxe uma nova geração de admiradores
da MPB e ela iniciou uma escola de canto – atualmente
há inúmeras discípulas de mrs. Monte, que imitam até
sua falta de jeito. Por outro lado, o sucesso de Marisa Monte
fez com que cada companhia de discos tivesse sua cantora
“eclética”. Cássia Eller, Adriana Calcanhotto e Zélia Duncan
foram alguns nomes que caíram no estratagema de “nova
Marisa”. A sorte é que as três tinham atributos suficientes
para trilhar o próprio caminho.
Motta diz que não quer convencer as pessoas a nada. Mas
sua excitação com determinados artistas ou estilos musicais
é contagiante. Ele se empolga pelo que acha verdadeiro, seja
vindo da MPB mais tradicional, seja do pop desavergonhado.
Nos últimos anos, encantou-se com a música produzida pelo
estado do Pará – a cantora Gaby Amarantos, os guitarristas
Felipe Cordeiro e Pio Lobato. Por vezes, sua empolgação não
é assimilada pelos leitores. Certa feita, caiu na ira dos frequentadores
de sua coluna em O Globo ao elogiar a cantora
Anitta. Foi ameaçado de cancelamento, para usarmos um
termo da moda, e de insinuações sobre ter recebido dinheiro
para exaltar a intérprete de Bang. “Foi tragicômico e mostrou
a tolice humana”, diverte-se. Embora não traga o entusiasmo
de outrora, ele ainda se permite conferir o que existe de novo.
“Ano passado fui ver o Tim Bernardes e encontrei Caetano
Veloso lá. Éramos os dois únicos ‘cabeça-branca’ da plateia.
Show e artista excepcionais, grande compositor, original.
Na saída, Caetano comentou: ‘E a gente pensando que
tudo já foi feito’.”
Colunista de O Globo, ele nunca deixou de expressar suas opiniões
políticas, ainda que elas possam desagradar tanto a esquerda
quanto a direita. “Na era Lula, a novidade foi a introdução
de uma nova categoria moral, o roubo pela causa, que
se justifica pela nobreza de seus adjetivos e faz de seus autores
guerreiros do povo brasileiro”, escreveu em 2015. Recentemente,
fez a seguinte colocação: “Figueiredo seria um
estadista educado ao lado de Bolsonaro. Não dá para ter saudade
da ditadura, mas mesmo seus piores governos foram
melhores que o de Bolsonaro em eficiência e compostura.”
Nelson Motta trocou o Brasil por Nova York na década de
1990. Participou do Manhattan Connection, programa de debates
que trazia também Lucas Mendes, Paulo Francis e
Caio Blinder, além de descobrir um grupo gospel, o Mount
Moriah. Motta fez tanta propaganda das cerimônias que elas
passaram a ser acompanhadas por uma horda de brasileiros.
“Até o mendigo que fica na porta da igreja sabe umas
palavras em português”, disse no programa de Jô Soares. A
ida para os Estados Unidos teve um motivo: sua desilusão
com os rumos do Brasil à época. Naquela ocasião, acusou a
música sertaneja de ser a trilha sonora do governo de Fernando
Collor de Mello e via com bons olhos a ascensão de
Daniela Mercury e a axé music entre o público popular. E
hoje, pode-se escolher um determinado estilo para enfrentar
a pandemia e tempos políticos sombrios? “Sertanejo universitário
(que é chato), feminejo (boa novidade). Funk e hip
hop, que têm coisas ótimas, alegres e sensuais. Uma trilha
sonora polifônica para tempos caóticos. E os velhos mestres
continuam produzindo!”, sugere.
EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 30