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VERÃO 2022 – EDIÇÃO 6

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1922 <strong>–</strong> Manifesto em falsete<br />

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi simbólica em vários<br />

aspectos. Em primeiro lugar, sua realização em São Paulo<br />

ecoava o Grito da Independência, dado 100 anos antes, às<br />

margens do Ipiranga, consolidando a capital paulista não só<br />

como motor econômico da jovem nação mas também como<br />

influente nos planos sociais, políticos e culturais brasileiros.<br />

O manifesto revolucionário capitaneado por artistas sob a liderança<br />

intelectual de Mário de Andrade, Oswald de Andrade,<br />

Anita Malfatti e Menotti del Picchia reafirmou ainda nossa<br />

inclinação soft power ao promovermos mudanças significativas.<br />

E foi um despertar para a brasilidade original, libertada<br />

das instituições europeias e influências forasteiras que ainda<br />

dominavam nosso establishment.<br />

O Brasil buscava sua identidade não no retrovisor primitivo,<br />

mas no futuro autoral. Sim, por vezes, com certos ares ufanistas,<br />

mas ainda assim orgulhosos e originais. Propunha um<br />

Brasil plural e heroico em contraposição ao modelo hierárquico<br />

oligárquico, construindo referências mais urbanas, industriais,<br />

democráticas e livres. Inspiradas, certamente, pelas<br />

massas imigrantes europeias que haviam se estabelecido<br />

para empreender, progredir e expandir. Rompia com as estruturas<br />

mais acadêmicas e clássicas. Promovia alternativas<br />

anárquicas, revolucionárias. Contra o Parnasse Contemporain,<br />

emergia o Manifesto da Poesia Pau-Brasil.<br />

A dinâmica antropofágica já se estabelecia muito antes da<br />

própria Abaporu ao pautar o modernismo brasileiro como<br />

uma fusão interpretativa dos movimentos artísticos europeus<br />

denominados cubismo, dadaísmo, expressionismo e<br />

surrealismo, que, por sua vez, eclodiam diante das rupturas<br />

causadas pela Primeira Guerra Mundial, como a ruína do<br />

imaginário coletivo em torno da belle époque. Nosso ímpeto<br />

identitário nos trouxe o lendário Macunaíma como ícone<br />

iconoclasta. A revolução cultural que se desenvolvia tinha<br />

influência generalizada, da arquitetura e do vestuário às expressões<br />

artísticas.<br />

O próprio contexto político não passaria incólume ao movimento:<br />

em 1930, e pelos 15 anos seguintes, a Era Vargas romperia<br />

com o controle oligárquico da política. O país retomou<br />

sua vocação totalitária, atávica ao inconsciente coletivo de um<br />

povo acostumado a viver sob rígidas estruturas sociais, militares<br />

e políticas. Paradoxalmente, durante a Segunda Guerra<br />

Mundial, fomos uma ditadura apoiando Aliados contra os regimes<br />

totalitários. Com o desfecho dos conflitos globais, nossas<br />

instituições totalitárias também se tornaram insustentáveis.<br />

No turbilhão que se seguiu, o Brasil vivenciou seus Anos<br />

Dourados sob a gestão de Juscelino Kubitschek, em que o<br />

orgulho nacional talvez tenha alcançado seu ápice. O crescimento<br />

econômico era pujante, a seleção brasileira de futebol<br />

celebrava o encontro de Pelé e Garrincha, o concretismo encontrava<br />

Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Lygia Clark, o cinema<br />

novo e a bossa nova completavam o cenário de ebulição<br />

cultural e euforia nacional.<br />

A criativa, irreverente e inovadora Klaxon foi<br />

a primeira revista modernista do Brasil<br />

Klaxon (1922-1923), a primeira revista modernista do Brasil<br />

O Brasil é, finalmente, Brasil! <strong>–</strong> A jovem nação tropical avançava em seu processo de consolidação política, social e<br />

econômica. Apesar das conquistas, muito ainda permanecia negligenciada. O crescimento econômico andava em descompasso<br />

com o desenvolvimento social. Desde a independência, o país mantinha-se absolutamente dependente do estrangeiro em relação<br />

a poupança para financiamento de investimentos, mercado consumidor de exportações brasileiras de recursos naturais e mercado<br />

fornecedor de bens de alto valor agregado, ausentes de nossa matriz industrial. É fato que construímos nossa identidade<br />

própria, mas não consolidamos, de modo algum, nossa independência.<br />

Ainda retornaríamos, mais uma vez, ao modus operandi totalitário por mais 21 anos durante o regime militar. Algo que tornaria<br />

a República Federativa do Brasil uma das menos democráticas desde sua origem, mas não por isso menos cordial. Somos, essencialmente,<br />

um povo tranquilo. O país que mais uma vez ressurgiu com eleições gerais nos anos 1980 já estava desolado com<br />

hiperinflação e estagnação econômica, desesperado diante dos abismos sociais entre favelados e poderosos, desconectado das<br />

grandes revoluções tecnológicas. Mas somos um povo resiliente, e novamente encontramos esteios de esperança com o sucesso<br />

do Plano Real, quando recuperamos poder aquisitivo e novas espirais de crescimento econômico (apesar de anos-luz de diferença<br />

do boom econômico vivenciado pelos Tigres Asiáticos). Anos mais tarde, o país teria novo impulso com o boom de nossas<br />

commodities agrícolas e minerais, enquanto internamente o governo Lula implementava amplo programa social com o Bolsa<br />

Família. Lamentavelmente, não tivemos muito tempo para celebrarmos e cultivarmos: escândalos de corrupção assolaram o país<br />

com a desestruturação governamental e criaram as bases para novas aventuras ideológicas extremistas. O Brasil encontra-se,<br />

hoje, em tensas trevas.<br />

<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 19<br />

<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 18

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