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1922 <strong>–</strong> Manifesto em falsete<br />
A Semana de Arte Moderna de 1922 foi simbólica em vários<br />
aspectos. Em primeiro lugar, sua realização em São Paulo<br />
ecoava o Grito da Independência, dado 100 anos antes, às<br />
margens do Ipiranga, consolidando a capital paulista não só<br />
como motor econômico da jovem nação mas também como<br />
influente nos planos sociais, políticos e culturais brasileiros.<br />
O manifesto revolucionário capitaneado por artistas sob a liderança<br />
intelectual de Mário de Andrade, Oswald de Andrade,<br />
Anita Malfatti e Menotti del Picchia reafirmou ainda nossa<br />
inclinação soft power ao promovermos mudanças significativas.<br />
E foi um despertar para a brasilidade original, libertada<br />
das instituições europeias e influências forasteiras que ainda<br />
dominavam nosso establishment.<br />
O Brasil buscava sua identidade não no retrovisor primitivo,<br />
mas no futuro autoral. Sim, por vezes, com certos ares ufanistas,<br />
mas ainda assim orgulhosos e originais. Propunha um<br />
Brasil plural e heroico em contraposição ao modelo hierárquico<br />
oligárquico, construindo referências mais urbanas, industriais,<br />
democráticas e livres. Inspiradas, certamente, pelas<br />
massas imigrantes europeias que haviam se estabelecido<br />
para empreender, progredir e expandir. Rompia com as estruturas<br />
mais acadêmicas e clássicas. Promovia alternativas<br />
anárquicas, revolucionárias. Contra o Parnasse Contemporain,<br />
emergia o Manifesto da Poesia Pau-Brasil.<br />
A dinâmica antropofágica já se estabelecia muito antes da<br />
própria Abaporu ao pautar o modernismo brasileiro como<br />
uma fusão interpretativa dos movimentos artísticos europeus<br />
denominados cubismo, dadaísmo, expressionismo e<br />
surrealismo, que, por sua vez, eclodiam diante das rupturas<br />
causadas pela Primeira Guerra Mundial, como a ruína do<br />
imaginário coletivo em torno da belle époque. Nosso ímpeto<br />
identitário nos trouxe o lendário Macunaíma como ícone<br />
iconoclasta. A revolução cultural que se desenvolvia tinha<br />
influência generalizada, da arquitetura e do vestuário às expressões<br />
artísticas.<br />
O próprio contexto político não passaria incólume ao movimento:<br />
em 1930, e pelos 15 anos seguintes, a Era Vargas romperia<br />
com o controle oligárquico da política. O país retomou<br />
sua vocação totalitária, atávica ao inconsciente coletivo de um<br />
povo acostumado a viver sob rígidas estruturas sociais, militares<br />
e políticas. Paradoxalmente, durante a Segunda Guerra<br />
Mundial, fomos uma ditadura apoiando Aliados contra os regimes<br />
totalitários. Com o desfecho dos conflitos globais, nossas<br />
instituições totalitárias também se tornaram insustentáveis.<br />
No turbilhão que se seguiu, o Brasil vivenciou seus Anos<br />
Dourados sob a gestão de Juscelino Kubitschek, em que o<br />
orgulho nacional talvez tenha alcançado seu ápice. O crescimento<br />
econômico era pujante, a seleção brasileira de futebol<br />
celebrava o encontro de Pelé e Garrincha, o concretismo encontrava<br />
Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Lygia Clark, o cinema<br />
novo e a bossa nova completavam o cenário de ebulição<br />
cultural e euforia nacional.<br />
A criativa, irreverente e inovadora Klaxon foi<br />
a primeira revista modernista do Brasil<br />
Klaxon (1922-1923), a primeira revista modernista do Brasil<br />
O Brasil é, finalmente, Brasil! <strong>–</strong> A jovem nação tropical avançava em seu processo de consolidação política, social e<br />
econômica. Apesar das conquistas, muito ainda permanecia negligenciada. O crescimento econômico andava em descompasso<br />
com o desenvolvimento social. Desde a independência, o país mantinha-se absolutamente dependente do estrangeiro em relação<br />
a poupança para financiamento de investimentos, mercado consumidor de exportações brasileiras de recursos naturais e mercado<br />
fornecedor de bens de alto valor agregado, ausentes de nossa matriz industrial. É fato que construímos nossa identidade<br />
própria, mas não consolidamos, de modo algum, nossa independência.<br />
Ainda retornaríamos, mais uma vez, ao modus operandi totalitário por mais 21 anos durante o regime militar. Algo que tornaria<br />
a República Federativa do Brasil uma das menos democráticas desde sua origem, mas não por isso menos cordial. Somos, essencialmente,<br />
um povo tranquilo. O país que mais uma vez ressurgiu com eleições gerais nos anos 1980 já estava desolado com<br />
hiperinflação e estagnação econômica, desesperado diante dos abismos sociais entre favelados e poderosos, desconectado das<br />
grandes revoluções tecnológicas. Mas somos um povo resiliente, e novamente encontramos esteios de esperança com o sucesso<br />
do Plano Real, quando recuperamos poder aquisitivo e novas espirais de crescimento econômico (apesar de anos-luz de diferença<br />
do boom econômico vivenciado pelos Tigres Asiáticos). Anos mais tarde, o país teria novo impulso com o boom de nossas<br />
commodities agrícolas e minerais, enquanto internamente o governo Lula implementava amplo programa social com o Bolsa<br />
Família. Lamentavelmente, não tivemos muito tempo para celebrarmos e cultivarmos: escândalos de corrupção assolaram o país<br />
com a desestruturação governamental e criaram as bases para novas aventuras ideológicas extremistas. O Brasil encontra-se,<br />
hoje, em tensas trevas.<br />
<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 19<br />
<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 18