HIPOCAMPO
Primeira publicação impressa do acervo HIPOCAMPO
Primeira publicação impressa do acervo HIPOCAMPO
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Ali do Espirito Santo,
Alvaro Seixas,
Daniela Brilhante,
Denilson Baniwa,
Irma Brown,
Jeisiekê de Lundu,
Larissa Ibúmi Moreira,
Lucas Bambozzi,
Ricardo Basbaum,
Tiago Judas,
Waléria Américo
e William Galdino.
A
publicação que você tem em mãos traz
uma seleção de trabalhos que integram o
acervo HIPOCAMPO, um arquivo público,
multidisciplinar, digital e auto-organizado, em
constante processo de construção coletiva. Foram
escolhidos 21 trabalhos que trazem para o embate atual
questões herdadas ou relacionadas a dois eventos que
mudaram o rumo de nossa história, em 1822 e 1922,
respectivamente: a declaração de independência e a
Semana de Arte Moderna.
Há 200 anos atrás, o Brasil deu o primeiro passo para
tornar-se uma nação independente de Portugal. O
sistema do Brasil Colônia, período que durou quase
300 anos, garantiu seu êxito através do tripé da
monocultura, do latifúndio e da escravidão. Até hoje
lidamos com a herança deste sistema: a violência, a
corrupção, a desigualdade social e o racismo estrutural
são partes de nosso corpo social e cultural.
Há 100 anos atrás, acontecia em São Paulo a Semana
de Arte Moderna, primeiro grande evento cultural que,
embora auto-organizado por artistas, foi patrocinado
por mecenas paulistas ligados à cafeicultura.
Comemorava-se então o primeiro centenário da
declaração de independência do Brasil, e a Semana de
22, como ficou conhecida, representava um segundo
grito de autonomia e liberdade que reverberava
dentro do campo das artes: o evento confrontava o
conservadorismo do “bazar das maravilhas”, como era
chamada a cidade do Rio de Janeiro, então centro da
arte e da cultura no país, sede do governo e também
modelo de civilização e progresso da nação.
Esta publicação reúne trabalhos que articulam
questões relacionadas à nossa herança colonial, que
segue bem preservada como um tesouro malquisto; e
também à Semana de Arte Moderna e à primeira fase
do modernismo no Brasil – a resistência diante do
conservadorismo e reacionarismo, a auto-organização,
a potência do encontro de linguagens artísticas
diversas e o pensamento decolonial de transgressão e
insurgência do Manifesto Antropofágico de Oswald de
Andrade.
O projeto “Manutenção do HIPOCAMPO”, contemplado
pelo Edital ProAC Expresso Direto n. 40/2021, do qual
essa publicação é parte, tem como objetivo principal
a manutenção de seu acervo pela museóloga Camila
Bôrtolo Romano, coordenadora da Coleção de Arte
da Cidade de São Paulo, abrigada no Centro Cultural
São Paulo (CCSP). Camila foi responsável pelo
arquivamento e catalogação adequados das obras
e documentos que integram o acervo HIPOCAMPO,
assim como pela formalização das doações pelos
colaboradores. O catálogo estará disponível em breve
para consulta em seu website.
O lançamento desta publicação acontece
presencialmente em julho de 2022 no Projeto Marieta,
espaço de arte independente localizado no centro
de São Paulo, quando Camila fala sobre o trabalho
museológico realizado no acervo HIPOCAMPO, a
dificuldade de preservação de acervos de natureza
digital e a importância da preservação da produção
artística contemporânea independente. Essa
produção, desenvolvida à margem do circuito oficial
e legitimador das artes, tem dificuldades de penetrar
nos acervos das grandes instituições museológicas e,
por consequência, ser salvaguardada.
O HIPOCAMPO (hipocampo.art.br) foi fundado em
2016 e tem como atividade principal a construção (em
processo contínuo) de seu acervo a partir de conteúdos
já produzidos e enviados por seus colaboradores -
sobretudo no âmbito das artes visuais mas também
de outras linguagens como cinema, dança, literatura,
teatro, pesquisa, crítica e jornalismo cultural -, em
especial aqueles que tiveram poucas oportunidades de
serem exibidos/publicados ou que pouco circularam,
seja pelo seu caráter experimental e/ou processual,
pela temática abordada/envolvida ou por outros
motivos. Para difundir as obras e documentos de seu
acervo, o HIPOCAMPO realiza mostras semestrais em
seu website.
O HIPOCAMPO é uma iniciativa independente
viabilizada com recursos próprios e de seus
colaboradores desde sua criação. Essa é a primeira vez
que ele conta com recursos públicos.
OLÁ!
JURANDY VALENÇA E MAÍRA ENDO
Maio de 2022
JV
ME
1/2
01 IB
Recife
IRMA BROWN
PE
IB Papangu político ou Chateada
2/2
1/3
02 LB
São Paulo
LUCAS BAMBOZZI
SP
2/3
Dos lugares entre a vingança e a justiça
LB 3/3
1/1
03 WA
WA Plano de Fuga
1/1
Fortaleza
WALÉRIA AMÉRICO
CE
AVESSO
TRADIÇÃO
04 LIM
Quando nasci veio o avesso, destes
que costuram as sombras, e disse
“vá, criança, vá ser rendeira na
vida”. Ainda pequena aprendi a tecer o
vento. De canto em canto, amarro um
ponto, embolo e desembolo um carretel de
linhas que ouso chamar de Tempo. Um dia,
costurei o amor e me furei com sua fiada
agulha. Do sangue que brotou bordei na
pele, poros por poros, esta mulher.
A velha preta sentada
embalado balanço
sobre a cadeira
coze o pano
dita o ponto:
a vida o que é?
Nem da cruz nem do santo
da palavra, o encanto
do bordado, o avesso
da cabaça, o feitiço
do tempo, o tropeço
A tradição faz sua escrita
trançada e híbrida
sobre o terreiro
escurece o morro
miragem!
Pinta de preto
o pé da paisagem
feito noite no açude
jongo de tambozeiro
feito puxada de aboio
no louvor do carreiro
Lá do canto pau a pique, sorrateiro
fumaça salpica dum braseiro
e calha certeiro no cachimbo
do velho malungo preto
A velha desfia a barra
desaranjou o traçado
repuxa a linha e repara
amarra o ponto cantado.
1/2 2/2
São João Del Rei
LARISSA IBÚMI MOREIRA
MG
05 DB
DB Alien, o 8 o passageiro
1/3
Niterói
DENILSON BANIWA
RJ
DB Caçadores de ficções coloniais
2/3
DB King Kong
3/3
TEXTOS BOMBAS
06 AES
(TB)
Blanchot, sobre uma máquina literária,
o problema em todo seu rigor: como
produzir e pensar fragmentos que
tenham entre si relações de diferença
enquanto tal, que tenham como relações
entre si sua própria diferença, sem referência
à uma totalidade original ainda que perdida,
nem à uma totalidade resultante ainda que
por vir?
Foucault, livros como bombas: úteis
precisamente no momento em que “alguém”
os escreve ou os lê, onde um posterior
sumiço do texto soaria belo.
Os textos podem ser também dinamites
e nada mais – os quais, no momento da
explosão, possam produzir lindos fogos
artificiais. Mais tarde algum historiador
ou especialista poderia dizer que tal livro
ou escrito foi tão útil como uma bomba e
também tão lindo como os fogos artificiais.
(Isso ainda é foucault)
Pode ainda um texto traçar uma linha de
fuga face à sua autoausência de origem,
devolvendo à ideia um princípio de
movimento e ação, ou só resta à escrita
recognizar o óbvio, o aceitável e o positivo
(acadêmico, literário)?
san foucault, tendenciosamente intuo que
poderia assentar (exemplo esporádico,
porém caótico) na recusa do trabalho e da
sociedade nele fundada ou em tantos outros
crimes.
Para um texto dinamite precisamos procurar
os seres que gritam desde a borda e jamais
os enraizados no centro do funcionamento,
daí então fazer a conexão. O que não tem a
ver em nada com visualizar uma polifonia de
vozes em determinados contextos e depois
transcrevê-las no texto, argumento cômodo
para a antropologia, mas sim ser invadido
pela maldição da ausência de reinscrição do
texto no funcionamento da sociedade, ou
seja, na boa consciência de seus leitores.
Os textos acadêmicos, aqueles cheios
de futuro e progressismo, inteligíveis e
estrategicamente localizados nos centros
do saber, raramente conseguirão ser textos
bombas, pois supõem sem sombras de
dúvidas, não só uma totalidade original de
reinscrição, como uma positividade social a
ser correspondida pela instituição (ou será
deus?) Academia. Nada mais nada menos,
que o velho e “bom” funcionalismo.
Se a teoria não busca uma originalidade
referencial nem um plano total onde se
instaurar no futuro, como pensa blanchot
(não acerca da teoria propriamente, mas
da “máquina literária”), poderia a teoria
ser realocada a um contexto de crítica
da vida cotidiana, experimentação do
absurdo radical de novas formas de vida
e empenho estratégico na elaboração
de um “comunismo” mais forte que o da
metrópole. Um livro bomba, como deseja
1/2
Porto Alegre
ALI DO ESPIRITO SANTO
RS
AES Mubashshirat’s da Insônia
2/2
07 DB
Berlim
DANIELA BRILHANTE
Alemanha
DB Pós-humano 01
1/2
DB Pós-humano 02
2/2
08 AS
AS Frenologia do artista
1/3
Rio de Janeiro
ALVARO SEIXAS
RJ
AS Treta
2/3
AS I’m not a still life...fuck you white modernist
3/3
ENQUANTO MEUS PÉS BALANÇAM
Nascida sem território,
cria da beira,
nem baiana nem mineira.
Nem menino nem menina,
sempre do lado de fora, sempre à margem.
Nem macacão nem vestido.
Desejo pulsante, corpo fluido,
engrenagem solta, criação de delírio,
Espetáculo vida, isso não é teatro,
isso não é uma performance,
meu gênero é fluido,
meu corpo é onda, camaleão sem referência.
Reflexo sem espelho.
Antropofagia sem sentido.
Não quero aqui afirmar nada,
mas confrontar suas certezas consagradas.
Meu desejo não é quebrar nem juntar, mas existir.
Isso é um grito de alerta, não de socorro.
09 JL
Escorrem em mim versos
de uma poesia desconexa,
sem meio nem fim.
Meu território é confuso,
minhas vértebras são tênues,
Sigo em confronto comigo mesma,
em busca de uma construção
que não pretende subtrair nem somar.
Não pretendo divagar sobre conceitos homologados
mas discorrer sobre uma existência em constante criação.
Ainda sou nascente,
não sei se pretendo chegar a algum oceano,
mas percorrer por terras criando leitos para que outres deságuem.
1/3
Salvador
JEISIEKÊ DE LUNDU
BA
Você bem que podia olhar aqui dentro,
AGONIA
JANELAS
Você bem que podia olhar aqui dentro,
bem que podia reparar nessa bagunça toda.
É tanto treco jogado,
tanta ferida aberta,
Tá tudo tão fora do lugar que nem sei mais.
Você bem que podia reparar,
Menina!
Meu batom borrado,
Minha cara amassada,
Meu cabelo desgrenhado.
Me sinto como um quadro morto
pendurado na parede
E você nem pra me olhar.
Menina!
Dá pra reparar!
Essa lágrima que caiu
Borrou meu rímel;
Transbordou vindo do fundo que nem sei de onde.
- Olha, menina, repara direito!
Tá tudo empilhado.
De vez em quando arrasto um monte,
Mas sempre acabo empilhando
Pra lá mais adiante.
Só dormi essa noite porque sequei a última garrafa de vodka, dormi de
bêbada - não de sono, esse já não sinto há muito tempo. Acordei com
os poros mais abertos, cicatrizes de esfaqueamentos internos, é como
se eu quisesse sair do meu próprio corpo abrindo um buraco no meio do peito.
Meus órgãos dando espaço a coisas que não compreendo, só sinto. Meus poros
estão se abrindo, reflexos de um desejo que não controlo, nem vou controlar. A
janela do quarto estava aberta. Chovia hoje de manhã, eu já estava acordada,
mas fiquei ali imóvel vendo os pingos de chuva caírem sobre o meu rosto. Sentime
de novo no asfalto, caída no chão enquanto me batiam, não pelos pingos de
chuva, mas pela sensação de não reagir, de olhar de dentro do corpo como se
tivesse uma janela no lugar dos olhos, eu observando de lá sem reação alguma,
estática e imóvel. Eu vi, sei que vi porque não dei ao que vi nenhum sentido, sei
que vi porque nada serve o que vi, meu rosto como umbral de uma porta para o
lado de fora, desconhecido e sombrio, ameaçador. Vou te falar porque não sei o
que fazer de ter vivido, não quero o que vi. Eu, prisioneira do meu próprio corpo,
mas era meu último refúgio.
Pode não parecer
Mas aqui dentro tá um turbilhão.
Isso que você vê, menina!
É casca seca querendo soltar
Aqui dentro tem lama
Que corre frouxa.
Uma solidão.
2/3
3/3
10 WG
Rio de Janeiro
WILLIAM GALDINO
RJ
WG Caderno 2012/2013 [fragmento]
1/2
WG Variações Gráficas n° 7 [fragmento]
2/2
1/2
11 TJ
Ilhabela
TIAGO JUDAS
SP
TJ O artista egoísta
2/2
01. IRMA BROWN
Papangu político ou
Chateada
2012
Fotografia/vídeo/
performance/intervenção
urbana
02. LUCAS BAMBOZZI
Dos lugares entre a vingança
e a justiça
2020
Ensaio/fotografia [ensaio em
forma de fotonovela a partir
da instalação A vingança
é uma espécie de justiça
selvagem (2016-2020)]
Fotografia 2/3 . Crédito:
Marcelo Delduque
03. WALÉRIA AMÉRICO
Plano de Fuga
2009
Fotografia
04. LARISSA IBÚMI MOREIRA
1/2. Avesso
2016
Poesia
2/2. Tradição
2016
Poesia
05. DENILSON BANIWA
1/3. Alien, o 8 o passageiro
2021
Colagem digital
2/3. Caçadores de ficções
coloniais
2021
Colagem digital
3/3. King Kong
2021
Colagem digital
06. ALI DO ESPIRITO SANTO
1/2. (TB) Textos Bombas
2016
Texto expositivo
2/2. Mubashshirat’s da
Insônia
2018
Fotografia
07. DANIELA BRILHANTE
1/2. Pós-humano 1 -
“Posthuman political and
natural rights have been
framed on a spectrum with
animal rights and human
rights…” (Woody Evans,
2015)
2/2. Pós-humano 2 - “Critical
posthumanism “rejects
both human exceptionalism
(the idea that humans are
unique creatures) and human
instrumentalism (that humans
have a right to control the
natural world).” (Pramod K.
Nayar, 2013)
2017-2018
Colagem digital
08. ALVARO SEIXAS
1/3. Frenologia do Artista
2016-2019
Desenho
2/3. Treta
2016-2019
Desenho
3/3. I’m not a still life...fuck
you white modernist
2016-2019
Desenho
09. JEISIEKÊ DE LUNDU
1/3. Enquanto meus pés
balançam
2015-2017
Poesia
2/3. Agonia
2015-2017
Poesia
3/3. Janelas
2015-2017
Poesia
10. WILLIAM GALDINO
1/2. Caderno 2012/2013
[fragmento]
2012-2013
Desenho
2/2. Variações Gráficas n° 7
[fragmento]
2016
Técnica mista
11. TIAGO JUDAS
O artista egoísta
2017
Desenho/receita
12. RICARDO BASBAUM
Manifesto Supraconceitual
1994-1997
REF.
Edição-curadoria | JURANDY VALENÇA E MAÍRA ENDO
Artistas | ALI DO ESPÍRITO SANTO, ALVARO SEIXAS,
DANIELA BRILHANTE, DENILSON BANIWA,
IRMA BROWN, JEISIEKÊ DE LUNDU,
LARISSA IBÚMI MOREIRA, LUCAS BAMBOZZI,
RICARDO BASBAUM, TIAGO JUDAS,
WALÉRIA AMÉRICO E WILLIAM GALDINO.
Projeto gráfico | DANIELA BRILHANTE
Impressão | PRINTI
2022
EXPEDIENTE
Esta publicação foi produzida
12 RB
(ANEXO)
Manifesto Supraconceitual
entre junho e julho de 2022. Foram
impressos 250 exemplares na gráfica
Printi. Para a capa foi utilizado
papel couché fosco 115 gr/m 2 . Para
o miolo, papel offset 90gr/m 2 .
A família tipográfica utilizada é Galvji .
Distribuição gratuita, proibida a venda.
São Paulo
RICARDO BASBAUM
SP
HIPOCAMPO
hipocampo.art.br
Realização
SO ar
Projeto realizado com o apoio do ProAC