SCMedia News | Revista | Julho & Agosto 2022
A revista dos profissionais de logística e supply chain.
A revista dos profissionais de logística e supply chain.
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Jul’<br />
Ago’ <strong>2022</strong><br />
4,60€<br />
Mensal<br />
34<br />
3° ANIVERSÁRIO<br />
Falhas na supply chain:<br />
APRENDER COM OS ERROS
2<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong>
SCM Supply Chain Magazine 3<br />
fabio.santos@supplychainmagazine.pt<br />
Fábio Santos<br />
EDITORIAL<br />
A LEI DE MURPHY<br />
“O grau mais elevado da sabedoria humana é saber adaptar o seu caráter às circunstâncias<br />
e ficar interiormente calmo apesar das tempestades exteriores.”<br />
Daniel Defoe<br />
Para quem não estiver familiarizado com o<br />
tema, a Lei de Murphy defende a ideia de<br />
que “qualquer coisa que possa ocorrer mal,<br />
ocorrerá mal, no pior momento possível”.<br />
Parece um cenário um pouco distópico,<br />
mas é bastante acertado. Isto porque o<br />
pior momento é precisamente quando não<br />
estamos à espera.<br />
Planear é talvez a maior constante na<br />
logística, e diria que nela são ponderadas<br />
três situações: as que estão previstas que<br />
vão acontecer; as que estão previstas que<br />
mais tarde ou mais cedo aconteçam; e as que<br />
não estão previstas, e que podem ou não<br />
acontecer.<br />
As duas primeiras são mais ou menos fáceis<br />
de planear, conforme as complexidades<br />
em questão. O problema está quando não<br />
estamos preparados para a última, e ela surge.<br />
Pior ainda é quando acaba por interferir com<br />
os planeamentos para as duas outras.<br />
Podemos até ter planos do A ao ómega,<br />
mas como vimos recentemente, questões<br />
como uma pandemia mundial podem surgir<br />
sem que nada assim o indique, e não só<br />
surpreender um mundo inteiro, mas também<br />
abalar completamente as cadeias de<br />
abastecimento. Por outro lado, o aumento<br />
dos custos energéticos planeava-se que<br />
acabasse por acontecer, tendo diversos<br />
fatores que o indicavam, especialmente<br />
através das dificuldades de abastecimento.<br />
Mas o mais fácil de prever era talvez que o<br />
futuro se estava a virar para o digital.<br />
Esta edição que lhe trazemos foca-se<br />
precisamente nos imprevistos. A importância<br />
da gestão de risco para as cadeias de<br />
abastecimento, bem como alguns casos reais<br />
e conselhos que o podem ajudar a prever<br />
e a ter uma carta na manga para contornar<br />
possíveis obstáculos.<br />
Há quem diga que aprender com os próprios<br />
erros, ou neste caso com os erros dos outros,<br />
é a melhor forma de aprender, por isso<br />
junte-se a nós e venha adquirir mais algum<br />
conhecimento!
4<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
#06 #08 #16<br />
ÍNDICE<br />
FACTOS & NÚMEROS<br />
Os números que contam consigo 06<br />
GESTÃO DE RISCO<br />
Preparados para o pior 08<br />
10 CASOS GLOBAIS<br />
Falhas, todos temos! 16<br />
PAULO FRAGOSO<br />
Crescemos para um novo mundo 24<br />
BRUNO CUNHA<br />
Tudo é urgente, nada é importante 26<br />
GONÇALO AZEVEDO<br />
Na ausência de linhas, segue-se outro<br />
caminho 30<br />
GONÇALO SANTOS<br />
Uma atracagem de sucesso 32<br />
SARA PEREIRA<br />
O tempo estava a correr contra nós 36<br />
HUGO GONÇALVES<br />
Não se preocupe, está tudo controlado 38<br />
PEDRO LOPES RIBEIRO<br />
Às voltas em Düsseldorf 42<br />
PETRA BARROS<br />
Renascer das cinzas 44<br />
SÉRGIO DUARTE<br />
Não existe plano B quando a dependência<br />
é total 46
SCM Supply Chain Magazine 5<br />
#22<br />
PEDRO PINTO DE BARROS<br />
Apostar num procurement mais robusto<br />
e digitalizar processos 52<br />
TIAGO PINHO<br />
As parcerias serão críticas 56<br />
ANA BARROS<br />
Da abundância funcional à escassez imprevisível 60<br />
MIGUEL SILVA<br />
A arte do bombeirismo 64<br />
ISABEL FARIA E JOÃO NOGUEIRA<br />
Gerir o risco para robustecer as cadeias de<br />
abastecimento 68<br />
O MUNDO É REDONDO<br />
“Como usar o ‘feedback’ dos outros para aprender e<br />
crescer” 70<br />
#50<br />
FICHA TÉCNICA<br />
Sede editor, Administração e Redação_<br />
Al. Júlio Dinis, n.º 68 – São Francisco<br />
2890-307 Alcochete<br />
T: 210 499 074<br />
Direção Geral_<br />
Filipe Barros<br />
Diretora_<br />
Dora Assis<br />
Redação_<br />
Fábio Santos<br />
Projeto gráfico_<br />
Maria João Carvalho<br />
Design Gráfico & Paginação _<br />
Laura Dias<br />
Direção Comercial _<br />
Filipe Barros<br />
Sales & Marketing _<br />
Margarida Matildes<br />
Business Development_<br />
Samantha Casas<br />
Marketing Digital_<br />
Catarina Santos<br />
Impressão _<br />
VASP DPS<br />
MLP – Quinta do Grajal,<br />
Venda Seca<br />
2739-511 Agualva Cacém<br />
Tiragem _<br />
3 mil exemplares<br />
Propriedade_<br />
SC Media Unipessoal, Lda.<br />
Al. Júlio Dinis, n.º 68 – São Francisco<br />
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Capital Social_<br />
100,00€<br />
Participações sociais_<br />
Susana Silva<br />
Administração_<br />
Filipe Barros<br />
Registo na ERC n.º _<br />
127322<br />
Depósito Legal n.º _<br />
458604/19<br />
Os artigos assinados apenas veiculam<br />
a posição dos seus autores.<br />
Interdita a reprodução de textos e<br />
imagens sem autorização expressa.
6<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
FACTOS<br />
& NÚMEROS<br />
34 edições<br />
OS NÚMEROS QUE<br />
CONTAM CONSIGO<br />
Cada novo ano traz sempre consigo a<br />
promessa de podermos fazer mais e melhor.<br />
Sendo esta uma edição de aniversário,<br />
aproveitamos a rubrica Factos & Números<br />
para um balanço do trabalho desenvolvido<br />
ao longo destes 365 dias. E coube tanta coisa<br />
em tão pouco tempo.<br />
Nos últimos 12 meses publicámos 852<br />
notícias no nosso website e enviámos<br />
51 newsletters de logística e 25 de<br />
procurement. Para além das notícias, ao longo<br />
das últimas 10 revistas que lançámos tivemos<br />
duas edições especiais e um total de 196<br />
artigos.<br />
Embora ainda tenhamos tido limitações<br />
associadas à pandemia, organizámos 10<br />
eventos digitais e em maio voltámos ao<br />
presencial com a SCM Conference, tendo<br />
reunido perto de 300 profissionais na Nova<br />
SBE, em Carcavelos.<br />
Ao nível das redes sociais, atingimos os<br />
10.000 seguidores no LinkedIn, quase o dobro<br />
do ano passado, e no Instagram passámos de<br />
436 para 1.551 seguidores.<br />
No nosso braço formativo, a Flow Training<br />
Academy, realizámos 26 formações, das quais<br />
20 inter-empresas, e seis intra-empresas.<br />
Setembro foi também uma época de<br />
novidades, com o lançamento de vários<br />
projetos multimédia, os podcasts “Ouvi Dizer”<br />
e “Editoriais Best Of”, e ainda a rubrica “Out Of<br />
Office”, que já vai na segunda temporada.<br />
Foram 12 meses que passaram a correr, mas<br />
intensos e repletos de novidades, estreias e de<br />
uma dose extra de audácia, para arriscar fazer<br />
algo diferente e inovador. E é precisamente<br />
esse o tema desta revista: risco. Obrigado por se<br />
manter desse lado e fazer parte das estatísticas,<br />
mas não ser apenas mais um número. •<br />
Números SCM:<br />
. 852 notícias<br />
. 51 newsletters de logística<br />
. 25 newsletters de procurement<br />
. 10 revistas<br />
. 196 artigos<br />
. 11 eventos<br />
. 10.000 seguidores no LinkedIn<br />
. 26 formações
8<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
DESAFIOS<br />
Texto: Dora Assis<br />
Gestão de risco<br />
PREPARADOS<br />
PARA O PIOR<br />
O risco está em todo lado,<br />
especialmente quando falamos<br />
de cadeias de abastecimento. Não<br />
seria ótimo ter uma bola de cristal<br />
que lhe permitisse antever riscos<br />
e problemas e, em simultâneo,<br />
lhe proporcionasse uma visão<br />
de 360 graus sobre todos os seus<br />
fornecedores? Na impossibilidade<br />
de irmos até ao futuro e conhecê-<br />
-lo por antecipação, fica a visão<br />
de alguns especialistas sobre os<br />
atuais desafios e como, no meio da<br />
imprevisibilidade, pode gerir riscos<br />
e preparar a sua supply chain para o<br />
que está para vir.
SCM Supply Chain Magazine 9
10<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
As cadeias de abastecimento continuam<br />
a lutar contra o impacto duradouro da<br />
pandemia da COVID-19, a crise económica<br />
que se seguiu, e o conflito em curso na Ucrânia.<br />
No meio de todo este contexto de incerteza,<br />
tanto do ponto de vista financeiro como<br />
industrial, as empresas estão também a ser<br />
aconselhadas a ter um cuidado extra na gestão<br />
dos riscos que podem causar disrupções nas<br />
suas cadeias de abastecimento, planeando o<br />
mais possível e com antecedência.<br />
Depois de anos focadas na eliminação de<br />
redundância nos seus aprovisionamentos<br />
para reduzir os custos fixos e promover a<br />
eficiência, agora o cenário é outro bem diverso<br />
e questiona-se tudo o que se aprendeu. É que<br />
uma maior eficiência sacrificou flexibilidade e<br />
eficácia, algo que as perturbações, disrupções e<br />
paragens da cadeia de abastecimento induzidas<br />
pela pandemia tornaram dolorosamente claro.<br />
MANTER O EQUILÍBRIO<br />
A Boston Consulting Group salienta que, agora,<br />
as empresas líderes procuram evitar esse<br />
tradeoff, utilizando ferramentas analíticas<br />
focadas no risco, simulação, e transparência<br />
de ponta a ponta para conceber cadeias de<br />
abastecimento que sejam simultaneamente<br />
rentáveis e resilientes. É um equilíbrio difícil<br />
de alcançar, que requer uma análise ponderada<br />
de cenários para assegurar que os custos<br />
adicionais que traz serão compensados pela<br />
redução do risco.<br />
A consultora lembra que “os benefícios<br />
de uma cadeia de abastecimento resiliente<br />
podem ser enormes - acrescentando um valor<br />
significativo em ambientes normais, bem como<br />
durante grandes ruturas”.<br />
DESAFIOS SEM PRECEDENTES<br />
Até há pouco tempo estava convencionado e<br />
era consensual que as empresas deviam dar<br />
prioridade à eficiência em vez da redundância<br />
nas suas cadeias de abastecimento. Isto<br />
significava, por exemplo, consolidar volumes<br />
com os fornecedores para reduzir os custos<br />
unitários e implementar modelos de<br />
aprovisionamento “just in time” para reduzir os<br />
seus níveis de inventário.<br />
O lado negativo ou “menos bom”, se<br />
preferir, desta abordagem era evidente<br />
mesmo antes da pandemia, uma vez que as<br />
empresas enfrentavam perturbações mais<br />
leves decorrentes, por exemplo, de tarifas<br />
mais elevadas e regulamentos mais rigorosos.<br />
Nesses casos, o desempenho das supply chains<br />
foi dificultado por uma insuficiente capacidade<br />
de aprovisionamento e reservas de inventário,<br />
bem como por uma dependência excessiva de<br />
fornecedores únicos.<br />
Depois veio a pandemia, que criou uma<br />
tensão sem precedentes nas cadeias<br />
de abastecimento globais. As empresas<br />
encontraram pela frente uma enorme incerteza<br />
sobre a procura, longos atrasos por parte<br />
dos fornecedores e parceiros logísticos, e<br />
paragens impensáveis nas operações causadas<br />
pela indisponibilidade de recursos físicos e<br />
humanos.<br />
Agora, à medida que a economia global<br />
emerge da pandemia, as cadeias de<br />
abastecimento continuarão a enfrentar uma<br />
série de desafios severos:<br />
• As carteiras e ofertas de produtos<br />
explodiram em tamanho e diversidade;
SCM Supply Chain Magazine 11<br />
• As redes de produção e abastecimento<br />
tornaram-se cada vez mais complexas;<br />
• As pressões externas, incluindo<br />
regulamentos e barreiras comerciais,<br />
intensificaram-se;<br />
• Os segmentos de clientes tornaram-se<br />
mais voláteis, com crescentes exigências<br />
de serviço;<br />
• Múltiplos stakeholders exigem ações para<br />
promover a sustentabilidade.<br />
Perante tamanhos desafios, muitas<br />
empresas lutam para otimizar as cadeias de<br />
abastecimento de ponta a ponta, levando<br />
a um grande impacto na entrega de valor.<br />
Para abordar e responder a estas questões,<br />
as empresas precisam de se tornar mais<br />
resilientes, de preferência sem sacrificar a<br />
relação custo-eficácia.<br />
A McKinsey, no seu artigo “Future-proofing<br />
the supply chain” sugere três coisas que as<br />
empresas podem, e devem, considerar para<br />
estarem preparadas para o futuro: construir<br />
resiliência, aumentar a agilidade e reforçar a<br />
sustentabilidade.<br />
GESTÃO DE RISCO E RESILIÊNCIA<br />
Segundo a Avetta, 85% das empresas são<br />
atingidas com pelo menos uma interferência
12<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
na sua cadeia de abastecimento todos os<br />
anos. Nem todas estas interrupções podem ser<br />
previstas, mas uma gestão cuidadosa do risco<br />
protegê-lo-á contra uma queda ou derrapagem<br />
total face a acontecimentos imprevistos.<br />
Recentemente, numa conferência<br />
internacional, David Shepherd, director global<br />
de parceiros estratégicos e risco na LSEG<br />
explicava que “o ritmo do risco está a mudar.<br />
Esta não é a primeira vez que enfrentamos<br />
perturbações e não será a última. Os planos<br />
de contingência serão importantes para<br />
navegar nestes desafios. E aqueles que forem<br />
os mais rápidos a reagir ao risco ganharão uma<br />
vantagem competitiva”.<br />
O fabricante e vendedor de vestuário<br />
desportivo Nike é um excelente exemplo de<br />
como, no que diz respeito à resiliência da<br />
cadeia de abastecimento, a gestão de risco<br />
pode salvar vidas.<br />
Quando rebentou a pandemia de COVID-19,<br />
a Nike respondeu rapidamente utilizando<br />
tecnologia de identificação por radiofrequência<br />
(RFID) para seguir os seus produtos ao longo<br />
da cadeia de abastecimento. A empresa<br />
também utilizou dados preditivos para evitar<br />
a acumulação de stocks, à medida que as<br />
vendas eram transferidas da loja física para<br />
a loja online, reduzindo assim o impacto do<br />
encerramento repentino das lojas.<br />
Como resultado, as vendas da Nike na<br />
China caíram apenas 5% - um valor menor<br />
em comparação com as reduções de vendas<br />
muito mais elevadas que foram registadas por<br />
outras marcas.<br />
Estes são tempos inéditos e sem precedentes<br />
para a cadeia de abastecimento global. É,<br />
portanto, crucial que as empresas tomem<br />
medidas para construir a sua resiliência,<br />
preparando-se para ameaças à cibersegurança,<br />
finanças, operações e reputação, aconselha a<br />
McKinsey.<br />
A TECNOLOGIA E A AGILIDADE<br />
Enquanto a resiliência consiste em ser capaz de<br />
sobreviver, resistir, face a desafios inesperados,<br />
a agilidade depende da resposta das empresas à<br />
mudança com adaptabilidade.<br />
Num mundo em que as exigências dos<br />
consumidores estão em constante mudança,<br />
é importante que as empresas e as suas<br />
marcas possam corresponder às necessidades<br />
dos clientes. Isto implica alterar a cadeia<br />
de abastecimento onde for necessário - por<br />
exemplo, mudando para uma plataforma<br />
predominantemente online quando as vendas<br />
na loja são suscetíveis de diminuir, como fez a<br />
Nike durante a pandemia.<br />
No âmbito de uma mesa redonda durante o<br />
84.º Inland Transport Committee, Tom Bartman,<br />
da McKinsey, defendeu que a automação é<br />
uma forma de as empresas poderem responder<br />
aos efeitos da atual escassez de mão de obra<br />
e estrangulamentos globais na cadeia de<br />
abastecimento internacional.<br />
“Isto não é uma coisa fácil de ultrapassar”,<br />
sublinhou. E, de facto, os executivos que<br />
integravam o painel estão a concentrar os<br />
seus esforços em dois pontos. O primeiro é em<br />
torno da automatização das suas cadeias de
14<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
abastecimento. O que é realmente interessante<br />
nisto é que, antes da pandemia da COVID-19, a<br />
lógica da automatização era muito financeira.<br />
Hoje, a causa da automatização é tanto, se não<br />
mais, a atenuação do risco como o desempenho<br />
financeiro.<br />
A tecnologia da automatização tem o<br />
potencial de transformar a eficiência da<br />
produção e da logística na produção. Algumas<br />
empresas já começaram a utilizar a inteligência<br />
artificial (IA) e o machine learning (ML) para<br />
analisar dados preditivos à medida.<br />
Uma vez adotada mais amplamente em toda<br />
a cadeia de abastecimento, esta tecnologia será<br />
um enorme impulso para a rapidez e eficiência<br />
do planeamento autónomo.<br />
“A segunda coisa que estamos a ver, é uma<br />
maior coordenação a montante e a jusante<br />
da cadeia de abastecimento. Assim, estes<br />
executivos estão à procura de formas de<br />
reunir todos os intervenientes ao longo da<br />
sua cadeia de abastecimento, para terem uma<br />
transmissão e visibilidade mais perfeitas dos<br />
dados sobre o estado e o processo através da<br />
cadeia de abastecimento. O objetivo aqui é, na<br />
verdade, proporcionar mais transparência, agir<br />
antes de um desafio, e ver mais a montante e<br />
a jusante na cadeia de abastecimento, o que<br />
permite a cada interveniente tomar decisões<br />
em coordenação com outros intervenientes<br />
na cadeia de abastecimento”, acrescentou<br />
Bartman.
SCM Supply Chain Magazine 15<br />
SER MAIS SUSTENTÁVEL<br />
Quando se trata dos compromissos ambientais,<br />
sociais e de governação (ESG) das empresas,<br />
a transparência ao longo da cadeia de<br />
abastecimento é também importante.<br />
Apesar do caos que destabilizou a cadeia<br />
de abastecimento durante a pandemia<br />
COVID-19, mais de dois terços dos executivos<br />
da cadeia de abastecimento afirmaram que a<br />
sustentabilidade era uma prioridade máxima.<br />
Com os Objetivos de Desenvolvimento<br />
Sustentável das Nações Unidas para 2030 a<br />
ocuparem um lugar central em 2021 e <strong>2022</strong>,<br />
e a crescente atenção dos consumidores<br />
ao compromisso das empresas com a<br />
sustentabilidade, as empresas suficientemente<br />
inteligentes para evitar riscos de reputação ou<br />
financeiros estão a prestar atenção cuidadosa<br />
aos seus objetivos em termos de ESG.<br />
A gestão da supply chain é central nesta<br />
iniciativa global, através da redução de<br />
embalagens e do apoio à economia circular e<br />
reciclagem pós-consumo.<br />
A UPS é apontada como um exemplo-chave<br />
de uma cadeia de fornecimento líder e amiga<br />
do ESG, promovendo as suas iniciativas de<br />
sustentabilidade para o mundo. Um dos<br />
principais objetivos da empresa é alcançar a<br />
neutralidade de carbono até 2050. Tenciona<br />
fazê-lo aumentando a eficiência com recursos,<br />
mudando para tecnologias alternativas e<br />
melhorando a comunicação ao longo da cadeia<br />
de abastecimento.<br />
As incertezas do presente e do futuro<br />
significam que as empresas não têm outra<br />
escolha senão tornar-se mais resilientes, mais<br />
ágeis e mais empenhadas no movimento<br />
global pela sustentabilidade.<br />
A tecnologia é uma componente vital na<br />
gestão do risco, aumentando a agilidade e<br />
melhorando a sustentabilidade. Mas, como em<br />
tudo, são as pessoas por detrás das cadeias de<br />
abastecimento que devem olhar para o futuro<br />
e planear para o futuro, isto se o objetivo é<br />
que a sua empresa tenha futuro. •
16<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
Texto: Dora Assis<br />
DISRUPÇÕES<br />
10 casos globais<br />
FALHAS,<br />
TODOS TEMOS!<br />
A pandemia expôs vulnerabilidades das<br />
supply chain globais, e de 2020 em diante,<br />
e agora com uma guerra na Europa,<br />
muitas têm sido as contrariedades que<br />
assombram as cadeias de abastecimento.<br />
Momento inédito? Nem por isso. Ao longo<br />
da história, grandes marcas já foram<br />
afetadas por problemas igualmente<br />
grandes na supply chain. Eis um olhar sobre<br />
outras perturbações que sublinham por<br />
que razão o reforço da resiliência sempre<br />
foi importante. É que, como diz a canção:<br />
falhas, todos temos!
SCM Supply Chain Magazine 17<br />
Sabia que 2020 não foi a primeira vez<br />
que os consumidores sofreram com uma<br />
escassez de papel higiénico? De facto,<br />
os consumidores já tinham comprado papel<br />
higiénico em pânico e esvaziado os lineares<br />
dos pontos de venda anteriormente.<br />
Um exemplo disso aconteceu em 1973,<br />
quando o apresentador do The Tonight<br />
Show, Johnny Carson, fez uma piada e disse<br />
que o papel higiénico estava a acabar.<br />
O que queremos dizer com isto é que a<br />
COVID-19 apenas expôs fragilidades das<br />
cadeias de abastecimento, mas a rutura não<br />
é um fenómeno novo para quem se move<br />
profissionalmente na supply chain.<br />
Pela sua dimensão e número de<br />
intervenientes, transversalidade e natureza<br />
das atividades, a supply chain e a sua gestão<br />
estão sempre debaixo de pressão e expostas<br />
a riscos. De insuficiências imprevistas de<br />
abastecimento, catástrofes naturais, agitação<br />
civil, como uma greve, as guerras ou até um<br />
engarrafamento de trânsito, o potencial de<br />
rutura da cadeia de abastecimento é um facto<br />
da vida.<br />
É por isso que a gestão de risco é uma<br />
necessidade, assim como os planos B e C<br />
e tantas empresas se concentram em ser<br />
proativas, criar planos de contingência e<br />
aprender com os erros do passado.<br />
O estudo e análise de falhas e ruturas<br />
passadas pode fornecer lições sobre<br />
como aumentar a resiliência da cadeia de<br />
abastecimento no futuro.<br />
10 GRANDES DESASTRES<br />
Apple, Nike, Adidas e GM, por exemplo, estão<br />
entre as empresas que ao longo da sua história<br />
foram afetadas por problemas, falhas na<br />
cadeia de fornecimento que tiveram resultados<br />
catastróficos no seu desempenho e nas suas<br />
quotas de mercado.<br />
Eis 10 casos que vão fazer com que a sua<br />
dificuldade de há um mês lhe pareça o menor<br />
dos problemas.<br />
10. KFC, 2018<br />
Porque é que a galinha não atravessou a<br />
estrada? Por causa da cadeia de abastecimento<br />
da KFC e da sua falta de planos de<br />
contingência. 14 de fevereiro de 2018 não é<br />
um dia em que KFC UK olhará para trás com<br />
corações de amor nos seus olhos. Este foi o dia<br />
em que a multinacional mudou para um novo<br />
fornecedor da sua cadeia de abastecimento,<br />
passando da Bidvest para a DHL. A Bidvest<br />
tinha seis armazéns, a DHL tinha apenas um.<br />
Este é um detalhe importante. Aquele armazém<br />
era em Rugby, no meio do Reino Unido. Este<br />
é outro detalhe importante: nessa manhã, um<br />
acidente de tráfego de grande dimensão levou<br />
ao encerramento da autoestrada M6 perto de...<br />
Rugby. Com os seus camiões presos no trânsito,<br />
e nenhum outro local de onde enviar o frango,<br />
o KFC estava em grandes apuros. A 18 de<br />
fevereiro, apenas 266 dos seus 870 restaurantes<br />
no Reino Unido e na Irlanda estavam abertos.<br />
A cadeia não escapou às críticas dos clientes e<br />
dos meios de comunicação social do país por<br />
um planeamento deficiente.
18<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
9. Aeroporto Internacional de Denver, 1995<br />
Após longos atrasos, aquele novíssimo<br />
aeroporto finalmente abriu em 1995. No início<br />
da fase de planeamento, a United Airlines<br />
insistiu num ambicioso e novíssimo sistema<br />
automatizado de handling de bagagem de alta<br />
velocidade, que funcionava desde os átrios<br />
até ao terminal principal. Mas problemas<br />
técnicos e de comunicação significaram que o<br />
sistema estava sempre apenas parcialmente<br />
operacional, e nos círculos da aviação o<br />
manuseamento inapropriado de malas acabou<br />
por se tornar lendário e ficar para a história,<br />
com vestuário e objetos pessoais espalhados<br />
por baixo dos carris do sistema à medida que<br />
a bagagem era despejada. No final, a United<br />
Airlines voltou ao sistema tradicional de<br />
handling das bagagens.<br />
8. Toys R Us, 1999<br />
Em setembro de 2018, a Toys R Us declarou<br />
falência, mas já em 1999 estava no vermelho.<br />
O comércio eletrónico dava os primeiros passos<br />
e a divisão online da Toys R Us fez uma grande<br />
campanha de publicidade. Tal como o Pai<br />
Natal, a empresa prometeu cumprir as entregas<br />
de Natal em qualquer encomenda efetuada<br />
até 10 de dezembro, e foi devidamente<br />
inundada por dezenas de milhares de<br />
encomendas. Embora a maior parte do seu<br />
inventário estivesse no local, simplesmente<br />
não conseguia recolher, embalar e enviar as<br />
encomendas com a rapidez suficiente. Alguns<br />
empregados trabalharam 49 dias seguidos<br />
para satisfazer a procura, mas em vão. Poucos<br />
dias antes do Natal, a Toys R Us era menos Pai<br />
Natal e mais Grinch, pois enviava milhares de<br />
e-mails agora famosos, “Pedimos desculpa”,<br />
dizendo aos clientes que as suas encomendas<br />
não chegariam a tempo para o Natal. Nunca<br />
tantas lágrimas foram derramadas por tantas<br />
crianças em tão pouco tempo.<br />
7. Hershey, 1999<br />
Nos Estados Unidos, para todos os<br />
fabricantes de chocolate, o Halloween é<br />
um festival de “doçura ou travessura” e um<br />
momento alto para as vendas. Em 1999, a<br />
Hershey gastou mais de 100 milhões de<br />
dólares na transformação da sua infraestrutura<br />
de TI e da sua cadeia de abastecimento.<br />
Previsto para entrar em funcionamento<br />
em abril de 1999, o calendário derrapou<br />
e em vez de esperar até ao ano seguinte,<br />
a Hershey fez a migração no verão. Mas o<br />
sistema apresentou problemas, entre os quais<br />
o facto de o inventário não ser visível para<br />
o sistema de gestão de encomendas. Como<br />
resultado, faltaram 150 milhões de dólares<br />
em encomendas. O lucro trimestral caiu 19<br />
por cento e o valor das ações da empresa<br />
acompanhou essa queda.<br />
6. Snap-on Tools, 1997<br />
O fabricante americano de ferramentas<br />
e equipamento de ponta para utilização na<br />
indústria dos transportes instalou um sistema<br />
de gestão de encomendas em 1997. Não<br />
funcionou, e levou à perda de 50 milhões<br />
de dólares em vendas durante o primeiro<br />
semestre de 1998. Entretanto, os custos<br />
operacionais aumentaram 40 por cento, uma<br />
vez que foram contratadas pessoas extra para<br />
superar os problemas do sistema. Os lucros da<br />
empresa caíram 22 por cento em 1998.
20<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
5. Adidas, 1996<br />
Em 1993, o fabricante alemão de calçado<br />
e vestuário desportivo implementou um<br />
sistema de gestão de armazém no seu centro<br />
de distribuição em Spartanburg, na Carolina<br />
do Sul. Mas a empresa de TI que estava<br />
responsável pela implementação faliu a<br />
meio do projeto, pelo que teve que encontrar<br />
um fornecedor alternativo. Frustrada por<br />
longos atrasos, em 1996, a Adidas entrou<br />
em funcionamento antes de o sistema estar<br />
pronto. Nada funcionou, e não foi capaz de<br />
processar e enviar encomendas. Em boa<br />
verdade, apenas conseguiu satisfazer um<br />
quinto das suas encomendas de 50 milhões<br />
de dólares na América do Norte. A Adidas<br />
sofreu perdas de quota de mercado durante<br />
anos, e houve uma sangria nas equipas de TI<br />
e logística.<br />
3. Apple, 1995<br />
Em 1995, a Apple era líder num mercado<br />
de PC profundamente fragmentado. Mas tudo<br />
isso mudou, graças a um erro na cadeia de<br />
abastecimento. Nesse ano, a Apple estava<br />
focada em introduzir a sua nova linha de PC<br />
PowerMac pouco antes da época natalícia.<br />
Tendo sofrido dois anos antes por excesso de<br />
inventário, após o lançamento agressivo dos<br />
seus computadores portáteis PowerBook, a<br />
empresa voltou a estrangular o inventário.<br />
Mas a procura de PowerMacs foi estratosférica<br />
e a Apple foi confrontada por encomendas<br />
não satisfeitas no valor de mil milhões de<br />
dólares. O preço das suas ações caiu para<br />
metade, e a empresa entrou num ciclo de<br />
declínio que só o regresso do seu visionário<br />
fundador, Steve Jobs, conseguiu fazer parar.<br />
4. Nike, 2001<br />
Neste ano, a gigante do desporto Nike<br />
entrou em funcionamento com um novo<br />
- e altamente complexo - sistema de<br />
planeamento da cadeia de abastecimento.<br />
Os erros e a integração deixaram a empresa<br />
com uma significativa escassez e excesso<br />
de stocks. A Nike acabou por cortar nos<br />
preços para literalmente se livrar do<br />
inventário adicional, colocando pressão<br />
sobre as margens e os lucros. Numa<br />
conferência telefónica trimestral, a Nike<br />
apontou “problemas de software” como os<br />
responsáveis pela quebra de receitas de 100<br />
milhões de dólares, e em Wall Street as ações<br />
cairam 20%.<br />
2. General Motors, 1980-85<br />
Durante 20 anos, a GM foi a empresa mais<br />
rentável do mundo. Em 1970, as suas receitas<br />
eram de 22,8 mil milhões de dólares. Agora,<br />
é também um fabricante de automóveis,<br />
e as sementes do seu declínio podem ser<br />
rastreadas até ao seu desejo de automatizar a<br />
sua cadeia de abastecimento. Reagindo a uma<br />
greve laboral dos anos 70, Roger Smith, então<br />
CEO, empenhou-se em robotizar o processo de<br />
fabrico. Entre 1980 e 1985, a empresa gastou<br />
45 mil milhões de dólares em automatização.<br />
Mas a despesa viu a sua quota de mercado<br />
global aumentar apenas um ponto percentual,<br />
para 22 por cento. Nos anos seguintes, perdeu<br />
cada vez mais quota de mercado, e viu a<br />
Toyota entregar veículos de baixo custo e alta
SCM Supply Chain Magazine 21<br />
qualidade com uma abordagem de produção<br />
de baixa tecnologia. Como um executivo<br />
GM não identificado afirmou na altura: “Pelo<br />
mesmo dinheiro poderíamos ter comprado<br />
diretamente a Toyota e a Nissan”.<br />
1. Foxmeyer, 1996<br />
Em 1996, a Foxmeyer foi o segundo maior<br />
distribuidor grossista de medicamentos nos<br />
EUA, com vendas de mais de 5 mil milhões de<br />
dólares. Depois decidiu renovar não só os seus<br />
sistemas informáticos, mas também todas as<br />
suas instalações de distribuição. Na altura,<br />
eram infraestruturas state of the art, quase no<br />
domínio da ficção científica. Consequentemente,<br />
a empresa previa enormes ganhos de eficiência<br />
com os seus novos sistemas, e tinha tanta<br />
confiança nessas previsões que apresentou<br />
propostas para futuros contratos com base<br />
nas reduções de custos previstas. Um grande,<br />
GRANDE erro. Os seus novos sistemas não<br />
proporcionaram qualquer economia de custos,<br />
porque mal funcionavam, e por isso não foi<br />
capaz de dar resposta ao volume muito maior<br />
de encomendas que tinha em mãos. Em pouco<br />
tempo, a Foxmeyer tinha declarado falência,<br />
e a sua divisão operacional foi vendida à rival<br />
McKesson, por apenas 80 milhões de dólares. •
22<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong>
SCM Supply Chain Magazine 23<br />
NÃO ESPERE UM AVISO PARA AGIR<br />
As páginas anteriores já o introduziram ao<br />
tema da gestão de risco, com casos insólitos<br />
e inesperados que abalaram a supply chain<br />
a nível internacional e/ou global. Mas ao<br />
contrário do que por vezes se pensa, as falhas<br />
não acontecem “só aos outros”.<br />
Nesta edição procurámos não só apresentar<br />
alguns estudos e casos internacionais, mas<br />
também encontrar algumas experiências<br />
reais por cá, junto de profissionais de logística<br />
e procurement, de imprevistos que lhes<br />
ocorreram e como lidaram com esses casos.<br />
Nas próximas páginas iremos apresentar 13<br />
histórias reais, mas mais do que isso, serão<br />
13 casos de reflexão, para o deixar alerta<br />
para aquelas coisas em que só pensamos<br />
que podem correr mal, quando realmente<br />
acontecem.
24<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
MUDANÇA<br />
Paulo Fragoso<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
CRESCEMOS PARA<br />
UM NOVO MUNDO<br />
Não podemos negar que o mundo, devido<br />
à pandemia, mudou. Alteraram-se as<br />
regras e as pessoas adotaram novos<br />
hábitos, incluindo a maneira como<br />
trabalham. Desta forma, anteciparam-se<br />
tendências que vinham aos poucos sendo<br />
implementadas pelas empresas, não só<br />
em termos de gestão logística, como de<br />
implementação de regras de segurança e<br />
adaptação do trabalho à distância.<br />
Tal como conta Paulo Fragoso, atualmente<br />
responsável de operações na Atlantic<br />
Cargo, empresa dedicada principalmente<br />
ao transporte de combustíveis líquidos, gás e<br />
betumes, é necessário considerar as alterações<br />
do mercado e por isso, “verifica-se a necessidade<br />
de procurar novos caminhos”.<br />
Já em 2019 a empresa seguia este mote,<br />
criando um novo departamento: “sem qualquer<br />
alteração à nossa dedicação no transporte<br />
de matérias perigosas, crescemos para um
SCM Supply Chain Magazine 25<br />
novo mundo dentro da Atlantic Cargo, a carga<br />
geral, onde conseguimos responder a qualquer<br />
necessidade de transportes e logística”, de nome<br />
Atlantic Solutions.<br />
Uma mudança que também trouxe consigo<br />
algumas adversidades, pois ainda na fase de<br />
planeamento, a empresa é surpreendida por<br />
uma greve de motoristas de matérias perigosas.<br />
Consequentemente, foi crucial fazer alguns<br />
ajustes a este negócio como “analisar todos os<br />
processos de modo a melhorar a produtividade,<br />
para mantermos a capacidade de resposta<br />
às necessidades dos clientes”, relembra o<br />
profissional.<br />
Estas alterações fizeram com que a empresa<br />
sofresse um elevado impacto financeiro. “A<br />
Atlantic Cargo, como todas as outras empresas<br />
no setor, demoraram mais de um ano a<br />
encontrar soluções viáveis de modo a não<br />
comprometer o futuro dos colaboradores”.<br />
Não obstante, “em finais de 2019, a Atlantic<br />
consegue colocar os seus negócios a bom ritmo”.<br />
A tempestade passou e a empresa esperava<br />
a bonança, no entanto, é no início de 2020 que<br />
recebem a notícia de que o vírus COVID-19 se<br />
estava a instalar em Portugal. Nenhum destes<br />
profissionais sabia lidar com esta situação,<br />
a par de todos os portugueses. Contudo,<br />
Paulo Fragoso explica que antes de se ouvir<br />
na comunicação social a possibilidade de<br />
teletrabalho, já todos os colaboradores fixos<br />
da Atlantic praticavam este método, uma mais-<br />
-valia, dado que seriam essas as indicações do<br />
governo para um trabalho mais seguro.<br />
“Diariamente, os responsáveis dos<br />
diversos departamentos reuniam-se por<br />
videoconferência, de modo a planearmos o<br />
dia a dia, sempre com o objetivo de proteger<br />
todos os colaboradores que não podiam estar<br />
em teletrabalho”, detalha o responsável,<br />
acrescentando ainda que nas operações,<br />
mesmo num openspace, “ficamos a quilómetros<br />
de distância, o que nos dificultava todo o<br />
desenvolvimento das operações. Contudo,<br />
através do Microsoft Teams, criámos um<br />
openspace virtual”.<br />
Um dos problemas associado à pandemia<br />
estava resolvido. Após alguns meses de<br />
restrições, a empresa enfrenta outro obstáculo,<br />
a distância física entre a empresa e os<br />
motoristas. De modo a não comprometer<br />
a segurança de todos, encontrou-se<br />
uma alternativa. “Foi então que criámos,<br />
também por videoconferência, reuniões<br />
com os motoristas, sendo estas agendadas<br />
semanalmente de modo a conseguirmos<br />
falar com todos, até mesmo com quem não<br />
conseguia ter acesso aos meios necessários<br />
para a videoconferência. Para isso foi criada<br />
uma sala nas nossas instalações com a<br />
possibilidade de aceder à reunião”.<br />
Assim se ultrapassou um período tão crítico<br />
para a empresa Atlantic Cargo, sem casos<br />
de transmissão, tendo o projeto “Atlantic<br />
Solutions” prosperado. Passado um ano, Paulo<br />
Fragoso, brinda ao sucesso da mesma e recorda<br />
“esta situação como veteranos recordam as<br />
suas batalhas em combate”. •
26<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
URGÊNCIA<br />
Bruno Cunha<br />
Texto: Fábio Santos<br />
TUDO É URGENTE,<br />
NADA É IMPORTANTE<br />
As prioridades estabelecem-se em função<br />
da importância ou da urgência que temos<br />
de algo, e isso depende muito do setor, do<br />
produto e até do momento. No entanto,<br />
se há setor em que o caráter de urgência<br />
está sempre a ser reavaliado, e o risco é<br />
literalmente um risco, é o da saúde. É que<br />
em causa pode estar a própria vida.
SCM Supply Chain Magazine 27<br />
Quando ainda tinha a seu cargo a<br />
responsabilidade das compras do Centro<br />
Hospitalar Tâmega e Sousa, Bruno Cunha,<br />
hoje Coordenador de Compras da Ágora –<br />
Cultura e Desporto do Porto, lidava sempre<br />
com urgências e aflições. “Todas as partes da<br />
cadeia de abastecimento passam por aflições,<br />
e normalmente essa aflição chega-nos já<br />
num estado avançado, com necessidade de<br />
resolução rápida, a exigir a agilidade que<br />
todos esperam (ou se habituaram!?)”, comenta.<br />
O responsável defende que se deve aprender<br />
com todas as situações, mas que é com as<br />
ditas aflições que as próprias pessoas criam<br />
que se aprende mais.<br />
“Por utilizar métodos manuais, quer de<br />
controlo, quer de registo, já tive uma situação<br />
em que tinha determinado artigo em stock,<br />
no sistema, mas não o tinha fisicamente. E<br />
a situação verificou-se ao final de um dia de<br />
cirurgias, já a noite ia longa…”, recorda Bruno<br />
Cunha. Mas tal como o próprio costuma dizer:<br />
“tudo é urgente, nada é importante” e, para<br />
o confirmar, no dia seguinte iam contar com<br />
várias cirurgias que iriam necessitar do tal<br />
artigo.<br />
“Assim que se verificou a situação, fui de<br />
imediato para as instalações”, relembra, mas<br />
após procurar no armazém principal, nos<br />
diferentes armazéns avançados, no circuito,<br />
e mesmo nos locais mais improváveis,<br />
pôde finalmente confirmar que havia um<br />
problema: “o artigo não estava nas instalações<br />
hospitalares”.
28<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
Nesse momento, e em conjunto com a<br />
equipa cirúrgica, iniciaram a avaliação da<br />
possibilidade de reordenar a lista das cirurgias<br />
do dia seguinte, bem como identificar uma<br />
instituição com o artigo, e no dia seguinte (ou<br />
melhor, ainda na continuação do próprio dia),<br />
a prioridade que tiveram que estabelecer foi<br />
consegui-lo por empréstimo, e imediatamente<br />
a seguir o seu transporte.<br />
“Zero atrasos nas cirurgias, todo o<br />
planeamento cirúrgico cumprido”, orgulha-<br />
-se Bruno Cunha, “e só foi possível com<br />
a colaboração de todos na cadeia de<br />
abastecimento. Com a flexibilidade do<br />
cliente final, com a ajuda na identificação de<br />
stocks, a pesquisa e contactos para encontrar<br />
stocks próximos, conseguir a flexibilidade de<br />
transporte, etc. etc. etc.”.<br />
Esta falha levou a que procurassem<br />
perceber o que tinha corrido mal, e de forma<br />
a prevenirem possíveis ruturas, iniciaram a<br />
implementação das medidas possíveis para<br />
mitigar a repetição de um erro semelhante.<br />
“Foi também uma ‘ajuda’ para ter algum<br />
investimento na área, num cenário de ‘esse<br />
tipo de investimento não é prioritário’, para<br />
avançar um pouco nas (tantas) ferramentas<br />
que se podem utilizar e são sempre<br />
consideradas como ‘não prioritárias’ (ou não<br />
importantes!?)”.<br />
No final, tudo correu bem, e seja ou não<br />
importante, urgente é de certeza. •
30<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
ADAPTAÇÃO<br />
Gonçalo Azevedo<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
NA AUSÊNCIA DE<br />
LINHAS, SEGUE-SE<br />
OUTRO CAMINHO<br />
A linha de produção é o coração de uma<br />
empresa fabril e, como sabemos, este órgão<br />
comunica com todos os outros. Portanto,<br />
interliga-se aos restantes setores, e se esta<br />
não funcionar, teremos um problema a ser<br />
solucionado, e dado que a sua paragem<br />
paralisará toda a cadeia, poderá causar<br />
perda na qualidade do produto e até<br />
levar a conflitos internos.
SCM Supply Chain Magazine 31<br />
Gonçalo Azevedo, diretor de Logística e<br />
Transportes da Covet Group, relembra que<br />
trabalhou durante a sua vida em distintas<br />
empresas, desempenhando diversos cargos,<br />
“mais do que os dedos contam”, afirmou. Porém,<br />
existe um episódio diretamente relacionado<br />
com as linhas de produção de um desses<br />
estabelecimentos que o marcou até aos dias<br />
de hoje. Assim, é necessário recuar aquando<br />
trabalhara como coordenador de turno na<br />
empresa Renova, perto do nó de Torres Novas,<br />
e onde se produzia papel higiénico preto.<br />
O ano era 2008 e o responsável que entrara<br />
no seu turno às oito da manhã estava a<br />
coordenar uma equipa de cinco pessoas. Nada<br />
além de ordinário se passara, a não ser uma<br />
pequena emergência com um carro que estaria<br />
a terminar de carregar as suas 33 paletes com<br />
destino a um cliente em Espanha. “De referir<br />
que o carro tinha ficado desde sexta-feira para<br />
carregar, derivado à linha de produção que iria<br />
produzir o produto ter avariado”, explica. Desta<br />
forma, só foi possível fazer este trabalho na<br />
madrugada de sábado, faltando transportar<br />
para o carro apenas cinco paletes das já<br />
contabilizadas.<br />
O turno começou da melhor forma,<br />
elementos alocados e as paletes faziam<br />
diretamente cross-docking da linha, com mais<br />
de 150 metros, do armazém até ao carro, com<br />
o responsável a contar para si mesmo, “31...<br />
32... 33” (paletes). Mas, para seu espanto, “a<br />
linha para na totalidade!”. Num impulso, a<br />
equipa verifica os quadros, as betoneiras de<br />
alarme, volta a reiniciar a linha de produção, “e<br />
absolutamente nada”.<br />
Gonçalo Azevedo telefonou logo de<br />
seguida ao serralheiro e aos eletricistas,<br />
que também, por ironia do destino, estavam<br />
com problemas em mãos. No entanto, não<br />
tardaram a chegar para ajudar. Depois de<br />
várias verificações, “o diagnóstico não parece<br />
ser grave, mas vai demorar”: um dos motores<br />
da linha tinha avariado na totalidade e tinha<br />
de ser substituído. “O que me ocorreu no<br />
imediato foi: E a carga? Por uma palete?”,<br />
ressalta o diretor de logística e transportes.<br />
O coordenador reúne a sua equipa e<br />
“anuímos em concordância una”, juntos<br />
iam concluir o trabalho. Desta maneira,<br />
procuram uma linha de referência, que por<br />
acaso, estava “relativamente perto da saída”.<br />
Decidem empurrar as paletes manualmente<br />
até ao fim do percurso, “empurrando,<br />
despaletizando e paletizando até que a<br />
palete em falta chegue ao carro”. “A grande<br />
vantagem era que mesmo se a linha parasse,<br />
era possível empurrar manualmente, com<br />
muito esforço físico, as paletes até a saída,<br />
pese embora o facto de que na mesma tinha<br />
um elevador para transpor para a saída<br />
de linha, e nesse ponto não era possível a<br />
operação manual”, conta.<br />
Por fim, a missão a que se propôs foi<br />
concluída com sucesso. Os trabalhadores na<br />
ausência de uma linha de produção, parte<br />
fundamental para concluir aquele serviço,<br />
escolheram optar por outro caminho, o de<br />
fazer o trabalho manualmente, provando que<br />
apesar das dificuldades, através da resiliência<br />
e adaptação, é possível realizar aquilo que<br />
ambicionamos. •
32<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
RESILIÊNCIA<br />
Gonçalo Santos<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
UMA ATRACAGEM<br />
DE SUCESSO<br />
Atualmente muito se fala no<br />
congestionamento das cadeias logísticas<br />
marítimas, bastando vislumbrar a situação<br />
do porto de Xangai, na China, para perceber<br />
como está a afetar todo o mundo. Contudo,<br />
mesmo antes da pandemia de COVID-19<br />
chegar a Portugal, o entupimento dos portos<br />
e a acumulação de carga nos terminais<br />
já se fazia sentir no país. Não obstante,<br />
diante deste problema muitos foram os<br />
profissionais que procuraram novas maneiras<br />
de entregar as suas cargas a tempo.
SCM Supply Chain Magazine 33<br />
“No final de 2019, sem imaginar tudo o que<br />
teríamos de enfrentar nos anos seguintes,<br />
a Iberol ia rececionar um navio, o Federal<br />
Montreal, transportando semente de colza<br />
proveniente do porto de Thunder Bay, no<br />
Estado de Ontário no Canadá, com cerca de<br />
21.000 toneladas”, começa por contar Gonçalo<br />
Santos, o CEO da Iberol Moagens Associadas.<br />
A Iberol é um dos maiores processadores<br />
de produtos de origem agrícola, como as<br />
oleaginosas. Assim, “o sourcing destas<br />
matérias-primas é feito internacionalmente<br />
junto de grandes operadores, assegurando-se<br />
o abastecimento nacional através de grandes<br />
navios”, explica o responsável. Deste modo,<br />
a descarga teve de ser realizada no porto de<br />
águas profundas de Lisboa, designadamente<br />
nas instalações da Silopor, uma vez que são<br />
navios que podem transportar entre 20 a 60<br />
mil toneladas, transferidos posteriormente<br />
para Alhandra por batelão ou rodovia, onde se<br />
localizam as unidades industriais da empresa.<br />
“Quando a nossa equipa de logística começou<br />
a operacionalizar a descarga do navio com<br />
as potenciais entidades envolvidas no Porto<br />
de Lisboa, rapidamente se apercebeu que<br />
iríamos ter um grave problema”, acrescentou. O<br />
terminal da Silopor estava congestionado, tal<br />
como a capacidade da empresa em Alhandra<br />
que se encontrava praticamente lotada.<br />
A solução, de facto, que parecia mais óbvia e<br />
simples para resolver este contratempo, era a<br />
de deixar o navio ao largo de Lisboa até haver<br />
disponibilidade no cais e nos silos da Silopor<br />
para iniciar a descarga. Porém, segundo o CEO,<br />
no setor em questão, por as margens unitárias<br />
serem diminutas, dependendo de grandes<br />
volumes e custos avultados, que poderiam<br />
ascender facilmente os 300.000 USD, o que<br />
originaria uma margem muito negativa e<br />
afetaria os resultados da Iberol logo no início<br />
do ano, seria crucial encontrar outra solução.<br />
Decidem assim abordar o fornecedor para<br />
deslocarem o navio para outro porto, a fim<br />
de vender a outro cliente e fazer-lhes chegar<br />
a encomenda. “É algo que pode ser feito<br />
pontualmente na nossa atividade. Contudo,<br />
neste caso, estava fora de questão, pois não<br />
só a semente de colza era necessária no<br />
decorrer das próximas semanas, para assegurar<br />
a produção e consequente cumprimento de<br />
todos os contratos que tínhamos para com os<br />
nossos clientes, bem como com a chegada do<br />
inverno rigoroso no Canadá, os grandes lagos<br />
gelam impossibilitando a movimentação de<br />
navios por um período alargado”.<br />
Imediatamente reúnem toda a equipa de<br />
modo a fazerem um brainstorming, pois o<br />
que já sabiam era que queriam encontrar uma<br />
maneira de descarregar as matérias-primas e<br />
que ao mesmo tempo essa ação fosse menos<br />
dispendiosa do que os custos de demora no
34<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
Porto de Lisboa. “Não deve ter havido porto<br />
em Portugal e nas costas da Galiza e sul de<br />
Espanha que não tivéssemos estudado!”,<br />
relembra Gonçalo Santos.<br />
A pesquisa de nada serviu, os portos não<br />
tinham a capacidade para receber este tipo<br />
de navios ou não tinham a infraestrutura<br />
necessária para tal dado o seu tamanho.<br />
Além de que a distância em alguns casos era<br />
significativamente longa, nomeadamente a<br />
dos portos espanhóis que não disponham de<br />
um ramal ferroviário, limitando ainda a sua<br />
movimentação. Deste modo, sobrava a rodovia<br />
para garantir o acesso à fábrica, mas sem o<br />
ritmo necessário que a equipa necessitava uma<br />
vez que diariamente a empresa laborava cerca<br />
de 750 toneladas de semente de colza.<br />
No meio das escassas alternativas que<br />
tinham, o Porto de Aveiro era uma delas,<br />
embora apresentasse limitações em receber<br />
navios de tão grande porte. “Já com a nossa<br />
equipa logística totalmente direcionada para a<br />
resolução deste problema e com o fornecedor<br />
e o armador igualmente envolvidos na busca<br />
da solução, começámos então a abordar todas<br />
as entidades no Porto de Aveiro”. Contactados<br />
os diversos operadores logísticos, a PTM<br />
Ibérica, do grupo Pérez Torres, assegurou<br />
a disponibilidade para fazer a descarga,<br />
armazenar e proceder ao carregamento de<br />
camiões para o transporte da semente de colza<br />
até à fábrica da Iberol.<br />
Solução encontrada, faltava saber se o Porto<br />
de Aveiro tinha a profundidade e dimensão de<br />
movimentação adequadas às características do<br />
Federal Montreal. “No meio de muitas trocas<br />
de emails, telefonemas, reuniões entre a Iberol,<br />
a Administração do Porto de Aveiro, a PTM, o<br />
armador, o fornecedor da semente de colza, o<br />
agente de navegação, (Atlantic Lusofrete), a<br />
superintendência (Supercargo), os pilotos da<br />
barra, rebocadores, entre outros, concluiu-se<br />
que haveria capacidade de receção do navio”.<br />
Dia 5 de janeiro de 2020, o Federal Montreal<br />
com 199,98 metros, bateu o recorde de<br />
comprimento total de uma embarcação a<br />
entrar no Porto de Aveiro, tornando esta<br />
missão um sucesso. Tal como planeado, após<br />
a descarga foi possível transportar toda a<br />
semente de colza até à unidade industrial da<br />
Iberol, no timing necessário e com um custo<br />
muito menor do que a alternativa de deixar o<br />
navio ao largo em Lisboa.<br />
Por fim, Gonçalo Santos enalteceu todos<br />
os envolvidos, “apesar de Portugal não ser<br />
um país muito desburocratizado, foi possível<br />
arranjar uma solução que envolveu organismos<br />
públicos e entidades privadas e a qual só foi<br />
possível graças à disponibilidade e cooperação<br />
de todos. Juntos, fizemos acontecer!“. •
SCM Supply Chain Magazine 35
36<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
TEMPO<br />
Sara Pereira<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
O TEMPO ESTAVA A<br />
CORRER CONTRA NÓS<br />
A complexidade da cadeia de abastecimento<br />
gera muitos desafios às empresas, sendo<br />
um deles, a corrida contra o tempo. Todas as<br />
organizações devem fazer as suas entregas<br />
rapidamente e de forma que satisfaça o<br />
cliente. Contudo, imprevistos acontecem<br />
e é necessário estarmos preparados para<br />
resolvê-los de modo a não colocar toda a<br />
operação e a reputação da marca em risco.
SCM Supply Chain Magazine 37<br />
Com 23 anos de experiência profissional<br />
em logística, Sara Pereira, head of vertical<br />
market healthcare da Bolloré Logistics<br />
Portugal, partilha uma das suas recordações<br />
no continente africano.<br />
É de referir que em 2015, Angola estava<br />
a atravessar uma transformação nos seus<br />
serviços aduaneiros e bancários, sendo<br />
comum o banco não ter os seus sistemas<br />
em funcionamento. Assim, o processo de<br />
pagamento de impostos alfandegários de<br />
forma expedita tornava-se impossível.<br />
Ademais, além das dificuldades técnicas<br />
existentes também surgiam problemas<br />
relacionados com os recursos humanos dos<br />
serviços do Estado, já que as mudanças de<br />
turno levavam a perdas significativas de<br />
tempo, facto penoso para o andamento da<br />
logística.<br />
Sara Pereira explica que a sua equipa era<br />
responsável por um vertical que dizia respeito<br />
a atividades Oil&Gas e que esta “tem,<br />
naturalmente, acordos de desalfandegamento<br />
para fazer face à necessidade de efetuarmos<br />
a entrega em 24 horas em alto mar. Esta<br />
atividade tem, também, um Kaizen que deve<br />
funcionar como um relógio suíço, sob pena<br />
de uma paragem na produção representar<br />
milhares de dólares de prejuízo”.<br />
Nesse período, a profissional acompanhava<br />
o processo de entrega de uma peça para<br />
manutenção de uma máquina que teria de ser<br />
desalfandegada de manhã, em alto mar, dado<br />
que o helicóptero teria de ter tempo para a<br />
entregar na plataforma. “Apesar de termos<br />
realizado o despacho num regime especial<br />
que permitia desalfandegar a carga antes da<br />
sua chegada, o terminal de carga ficou sem<br />
luz, os geradores não funcionavam e também<br />
não existia forma de conseguirmos taxar as<br />
despesas de chegada”. Como se não bastasse,<br />
apesar do prazo máximo de 24 horas, para<br />
o cliente era conveniente que a sua entrega<br />
chegasse até ao final da tarde, portanto, esta<br />
entrega era de máxima urgência: “O tempo<br />
estava a correr contra nós!”.<br />
Descobriram mais tarde que o gerador<br />
não arrancava pois não tinha combustível.<br />
“Tivemos de encontrar forma de abastecer<br />
um gerador que nem era nosso, o combustível<br />
não chegou a tempo, o gerador não arrancou<br />
e a energia também não foi restabelecida e o<br />
tempo a passar”. Desta maneira, após muito<br />
esforço e boa vontade, fruto do network, a<br />
equipa conseguiu obter uma saída manual e<br />
a carga chegou 20 minutos antes da partida<br />
do helicóptero, nesse mesmo dia, “felizmente<br />
conseguimos sempre cumprir os timings”. •
38<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
COMUNICAÇÃO<br />
Hugo Gonçalves<br />
Texto: Fábio Santos<br />
NÃO SE PREOCUPE,<br />
ESTÁ TUDO CONTROLADO<br />
Às vezes sabemos tão bem o que queremos ou<br />
precisamos, que nos esquecemos de passar a<br />
informação com exatidão, deixando para segundo<br />
plano o óbvio porque… “é óbvio”, claro. Se estivermos<br />
interessados em comprar uma casa, vamos ter de<br />
dizer o que procuramos, caso contrário… Uma casa<br />
é uma casa.
SCM Supply Chain Magazine 39<br />
Na psicologia, num teste de personalidade<br />
HTP é pedido à pessoa que desenhe um<br />
determinado objeto, e cada indivíduo tem<br />
uma forma única de representar cada um,<br />
consoante a sua personalidade. Este foi um<br />
pouco o problema vivido por Hugo Gonçalves,<br />
fundador da RSDG Human Capital, quando há<br />
cerca de 17 anos coordenava as operações<br />
de distribuição de um operador logístico e<br />
precisaram de veículos adicionais para uma<br />
entrega que iria ocorrer no dia seguinte.<br />
Em dias normais, a distribuição pedia cerca<br />
de 100 carros por dia, mas era uma altura de<br />
pico, um verão com temperaturas muito altas,<br />
e nesse dia seriam necessários cerca de 180. O<br />
responsável conta que a empresa em questão<br />
não tinha frota própria, pelo que foi necessário<br />
recorrer ao mercado, mas tal como ela,<br />
também outros operadores tiveram de o fazer,<br />
e como explica, eram “muitos cães a um osso”.<br />
A escassez era tanta quanto a necessidade.<br />
A falta de veículos disponíveis no mercado<br />
era, portanto, um problema. Eram cerca de<br />
20h/21h, e ainda havia uma carga importante<br />
sem transporte para dali a poucas horas,<br />
mas um telefonema acalmou os ânimos:<br />
“está feito, já temos carro!”. Hesitantes, ainda<br />
questionaram: “é certo?”, mas a resposta não<br />
se fez esperar:<br />
- Não se preocupe, está tudo controlado.<br />
No dia seguinte, surgiu uma reclamação,<br />
e um rebuliço enorme na empresa que<br />
planeou a entrega, após ter surgido um semi-<br />
-reboque de lona para entregar a carga, que
40<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
incluía bolachas com e sem creme, e alguns<br />
chocolates. De facto, conseguiram um veículo,<br />
apenas não o adequado para o tipo de carga<br />
a transportar. Era necessário que este tivesse<br />
temperatura controlada, mas pelo contrário,<br />
ao ser um semi-reboque, e de lona, não só não<br />
refrigerou, como aqueceu ainda mais, e esse<br />
pequeno detalhe comprometeu desde logo a<br />
entrega.<br />
“Se hoje até dá alguma vontade de rir, no<br />
momento não foi essa a vontade de ninguém!”,<br />
recorda Hugo Gonçalves, sublinhando que<br />
“há momentos da nossa vida que ficam<br />
para sempre gravados e nem sempre pelas<br />
melhores razões, mas que nos ajudam no<br />
futuro. É por isso que importa aprender com<br />
os erros”.<br />
O recrutador nota que “se por um lado<br />
sabemos que é importante planear as coisas<br />
para minimizar as falhas, momentos há em<br />
que planear não se torna tão simples assim”,<br />
e neste caso específico, “prever que se ia<br />
necessitar de mais carros era fácil, de quantos<br />
e de que tipo é que era difícil antecipar (só<br />
para não dizer impossível porque isso não<br />
existe!)”, e ao final do dia, “quando surgiu<br />
aquela última confirmação, todos acreditaram<br />
ter a solução”.<br />
Como moral da história, destaca a<br />
importância do trabalho de equipa e a<br />
comunicação. “Charles Darwin referiu na<br />
sua obra, trabalhar num grupo em que todos<br />
pensam no bem comum é fundamental para a<br />
sobrevivência do mesmo e para o crescimento<br />
deste. Numa equipa temos todos de trabalhar<br />
focados nos objetivos comuns. Todos temos<br />
de olhar para o trabalho de todos. Importa<br />
não minimizar a nossa função, pois, por<br />
mais simples que pareça ser, pode fazer a<br />
diferença. Neste caso, qualquer um que tivesse<br />
despertado para o carro atribuído à carga,<br />
teria feito toda a diferença e teria conseguido<br />
corrigir o erro inicial”.<br />
Ainda hoje, quando Hugo Gonçalves ouve<br />
a expressão “está tudo controlado”, recorda-<br />
-se logo deste episódio: “foi há alguns anos,<br />
mas a verdade é que ficou gravada como um<br />
gatilho aquela última frase do dia. Desde<br />
então, sempre que a oiço, a primeira reação é<br />
verificar a situação”. •
SCM Supply Chain Magazine 41
42<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
DESENCONTROS<br />
Pedro Lopes Ribeiro<br />
Texto: Fábio Santos<br />
ÀS VOLTAS EM<br />
DÜSSELDORF<br />
Não há pior momento para a logística<br />
falhar do que quando tudo depende de uma<br />
entrega. Não é agradável, mas acontece,<br />
e a urgência pede que se tente remediar a<br />
situação de alguma maneira. Por vezes há<br />
que seguir a máxima: se Maomé não vai<br />
à montanha, a montanha vai a Maomé.
SCM Supply Chain Magazine 43<br />
Durante a Expopharm 2012, que decorreu<br />
entre os dias 18 e 21 de Setembro, deu-se<br />
a apresentação mundial do Pharmapick, um<br />
robot de farmácia criado e desenvolvido pela<br />
PICKLOG que veio trazer uma nova dimensão<br />
ao mercado, em matéria de rapidez e segurança<br />
no processo de preparação das prescrições<br />
médicas em ambiente hospitalar.<br />
Pedro Lopes Ribeiro, fundador da PICKLOG<br />
e da SLIDELOG, conta que o robô conseguia<br />
movimentar bins, desde o seu ponto de<br />
armazenamento de dupla temperatura<br />
(ambiente ou refrigerada) até ao operador na<br />
estação de trabalho, através de um sistema de<br />
eixos cartesianos.<br />
Para que nada falhasse, contrataram um<br />
transporte dedicado para fazer chegar as<br />
bins ao espaço de exposição. Os engenheiros<br />
viajaram com a devida antecedência, para<br />
receber o robô e tratarem do seu set-up,<br />
acompanhados pela responsável de marketing<br />
que tratou de garantir que o stand ficaria tal<br />
como planeado.<br />
“Na véspera da inauguração, (quase) tudo<br />
estava pronto: o stand montado, as luzes, os<br />
displays, os brindes, os catálogos, os snacks.<br />
Só faltava mesmo o ajuste final da máquina,<br />
porque não havia meio de chegarem as bins”,<br />
recorda Pedro Lopes Ribeiro. As bins deveriam<br />
chegar através de um operador logístico<br />
alemão, “mas desta vez, o seu desempenho não<br />
fazia jus à eficiência germânica”, apontou.<br />
A razão era, afinal, justificável, visto que<br />
em todas as diferentes tentativas de entrega,<br />
o motorista era forçado a desistir, pois a fila<br />
de espera para fazer entregas na feira era<br />
incompatível com as exigências e janelas<br />
horárias da sua rota.<br />
“Sem tempo a perder, a nossa equipa foi ao<br />
centro de distribuição buscar a encomenda,<br />
mas sem sucesso por ainda estar na van em<br />
distribuição”, explicou o fundador e CEO.<br />
Tentaram arranjar uma alternativa procurando<br />
bins no mercado, mas de nada adiantou: “só<br />
por pedido à fábrica”.<br />
Não tendo alternativa, voltaram ao centro<br />
de distribuição da empresa para ver se as bins<br />
já tinham chegado e desta vez foram bem-<br />
-sucedidos, e ainda a tempo de terminar o<br />
stand. Chamaram um táxi e dali seguiram para<br />
a Messe Düsseldorf.<br />
Já no stand, tudo parecia estar em<br />
ordem, mas… “Jorge necessitou de fazer um<br />
telefonema, porém não achava o telefone...<br />
Tê-lo-ia deixado em algum lado? Só havia<br />
uma forma de saber, ligar! O taxista atendeu a<br />
chamada, confirmou que tinha o telefone em<br />
seu poder e, apesar de estar do outro lado da<br />
cidade, trouxe-o de volta à feira. Paga a corrida<br />
do táxi, tudo estava, por fim, resolvido”, remata<br />
Pedro Lopes Ribeiro.<br />
“Afinal, tudo está bem quando acaba bem!” •
44<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
RECOMEÇO<br />
Petra Barros<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
RENASCER<br />
DAS CINZAS<br />
Na cadeia logística muitos são os<br />
momentos em que os profissionais<br />
enfrentam problemas inimagináveis ou até<br />
irreparáveis. Contudo, quando tudo parece<br />
perdido e sem solução, estes responsáveis<br />
que mais se assemelham a bombeiros<br />
logísticos retornam à ação, e com a missão<br />
de apagar qualquer foco de incêndio,<br />
conseguem extinguir o fogo, preparando-se<br />
para futuramente se equiparem de novo.
SCM Supply Chain Magazine 45<br />
Numa altura em que os fogos são tema,<br />
Petra Barros, responsável pela área de<br />
Logística Internacional Inbound/Outbound<br />
da CarmoWood, recorda o ano de 2017, mais<br />
precisamente o mês de outubro, onde um<br />
enorme incêndio devastou um dos polos de<br />
produção da empresa localizado no Norte do<br />
país, onde se encontram dois destes centros de<br />
produção.<br />
“O fogo destruiu praticamente todas as<br />
infraestruturas, desde escritórios, armazéns,<br />
carpintarias, bem como máquinas das várias<br />
linhas de produção, de movimentação de<br />
cargas e descargas, ferramentas de corte<br />
e acabamento, entre outros… em resumo,<br />
naquele momento, passámos de um polo<br />
em franco crescimento para zero”, lembra a<br />
profissional.<br />
Assim começou um novo desafio, em 24 horas<br />
teria de se repensar todo o fluxo inbound/<br />
outbound desta entidade. “Foi necessário<br />
reorganizar todo o plano produtivo e logístico<br />
dos outros dois polos (centro e sul). Analisou-<br />
-se os stocks existentes, espaço em armazém,<br />
fluxos de movimentação de matérias-primas/<br />
mercadorias, a capacidade de produção e de<br />
expedição”.<br />
Não demorou uma semana até o plano ser<br />
posto em ação com o esforço máximo de toda<br />
a Cadeia de Abastecimento, bem como de todos<br />
os outros departamentos. Os fornecedores<br />
tentaram servir da melhor forma e o mais<br />
rápido possível os seus produtos como foi<br />
crucial, também, criar “novas soluções para<br />
alguns produtos e serviços, que cumprissem<br />
as nossas exigências de qualidade, e com uma<br />
resposta rápida, para colmatar os fornecimentos,<br />
que por motivos geográficos nunca<br />
conseguiriam ser rápidos”.<br />
Assim, ao fim de seis meses, tudo voltou à<br />
normalidade. “Quando bem oleada, a cadeia<br />
de abastecimento, com uma forte gestão<br />
logística, pensada e orientada a tentar atingir<br />
os “sete certos”, bem como pessoas focadas num<br />
objetivo comum, o que resulta é em 365 dias,<br />
voltar a ter um novo polo, no mesmo local, com<br />
as mesmas duas empresas e ainda com<br />
um crescimento bem acima do esperado”.<br />
Petra Barros faz assim, apesar desta<br />
adversidade, um balanço bastante positivo em<br />
relação ao crescimento da empresa, tanto em<br />
tamanho como em valor de mercado, tendo a<br />
certeza de que “fomos e somos uns verdadeiros<br />
bombeiros!”. •
46<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
DEPENDÊNCIA<br />
Sérgio Duarte<br />
Texto: Fábio Santos<br />
NÃO EXISTE PLANO B<br />
QUANDO A DEPENDÊNCIA<br />
É TOTAL<br />
Evoluir é bom. Depender de algo não é o ideal,<br />
mas dá para sobreviver. Os processos falharem…<br />
é mau. Mas dependermos de algo e isso correr<br />
mal, é o caos. Isto porque enquanto está tudo a<br />
correr bem, não há problema, até ao momento<br />
em que não está.
SCM Supply Chain Magazine 47<br />
É<br />
certo que a evolução tecnológica veio<br />
trazer um grande valor para a cadeia de<br />
abastecimento, e a digitalização veio<br />
facilitar imenso os processos das empresas,<br />
mas ao mesmo tempo também foi criado um<br />
certo nível de dependência tecnológica nas<br />
empresas. Essa a problemática apresentada<br />
por Sérgio Duarte, diretor nacional da Adecco,<br />
na sua vasta experiência em logística.<br />
Apontando desde “sistemas mais eficazes<br />
de previsão da procura, quer na adoção de<br />
programas que ligam mais rapidamente as<br />
necessidades dos consumidores com toda a<br />
cadeia logística, quer pela otimização das<br />
operações com recurso a ferramentas de<br />
gestão de armazém mais eficientes e que<br />
permitem uma gestão de produtos mais fluida,<br />
reduzindo o inventário”, Sérgio Duarte conta<br />
que várias foram as tecnologias que foram<br />
surgindo e que foram sendo melhoradas ao<br />
longo do tempo, levando a reduções de custo<br />
das operações, melhorias na sua eficácia e<br />
criando competitividade entre as empresas.<br />
“Por outro lado, leva-nos à dependência,<br />
quer de pessoas que consigam gerir estas<br />
ferramentas, quer da própria tecnologia”,<br />
comenta. “Penso que todos os managers já<br />
experienciaram de um lado ou do outro essa<br />
dependência e que pode levar ao atraso,<br />
ou mesmo bloqueio, de toda a cadeia de<br />
abastecimento da empresa”.<br />
O diretor nacional da Adecco recorda<br />
algumas situações vividas, e dá o exemplo<br />
de uma vez em que, por falta de acesso<br />
ao sistema de gestão de armazém, toda<br />
a operação ficou bloqueada. “Tudo num<br />
armazém funciona à volta do software que<br />
controla cada passo da operação e, sem o<br />
qual, nada funciona”, começa por explicar,<br />
“não temos acesso às ordens de preparação<br />
de encomendas, não existe possibilidade de<br />
conferir encomendas de fornecedor e não<br />
se consegue arrumar a mercadoria, pois não<br />
temos o sistema que nos diz onde fazê-lo”.<br />
Assim, em pouco tempo os cais de carga e<br />
descarga enchem-se de paletes.
48<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
“Uma palete mal-arrumada num armazém de<br />
12.000 paletes é um problema, mas diversas<br />
paletes mal-arrumadas é um desastre”. O<br />
corte no acesso demorou cerca de oito horas<br />
a ser recuperado, o que levou ao bloqueio<br />
da operação, anulação de camiões, tanto de<br />
outbound como de inbound de mercadorias,<br />
reagendamento de entregas de fornecedor e<br />
atrasos nas entregas de loja.<br />
O responsável da Adecco recorda também<br />
situações em que as plataformas dos clientes<br />
não lançaram encomendas, por diversos<br />
motivos, como situações de ligação a outros<br />
softwares. “Não existe plano B quando a<br />
dependência é total em prol da eficiência<br />
global, e a recuperação de uma situação<br />
destas pode levar bastante tempo”, aponta,<br />
“estes bloqueios provocam constrangimentos<br />
na cadeia de abastecimento a jusante e<br />
montante”, como foi o caso anterior, ao nível<br />
da logística de fornecedores e de loja.<br />
“São as situações de trago amargo das<br />
novas tecnologias que têm de ser mitigadas e,<br />
sempre que possível, previstas, trabalhando em<br />
planos de contingência”, aponta, mas também<br />
nota que muitos destes planos que são feitos,<br />
não são dinâmicos, ou não são testados, ou são<br />
deixados ao cargo das equipas operacionais,<br />
“que, com o dinamismo atual da logística, não<br />
conseguem dar resposta aos requisitos de<br />
contingência”.<br />
Mas não só a dependência tecnológica.<br />
Sérgio Duarte aponta uma área que lhe é hoje<br />
mais familiar: “também da área dos recursos<br />
humanos, vemos que depositamos a confiança<br />
de gestão destas ferramentas e na gestão da<br />
informação em poucos elementos da nossa<br />
organização, levando a situações difíceis<br />
quando as mesmas decidem abraçar novos<br />
desafios”.
SCM Supply Chain Magazine 49<br />
O responsável conta-nos que na Adecco<br />
Outsourcing procuram mitigar alguns riscos,<br />
e também o estão a fazer na vertente<br />
tecnológica, mas realça que “não estamos<br />
sozinhos na supply chain, e dependemos<br />
de processos a montante e a jusante para<br />
dar uma resposta eficiente”, considerando<br />
que este ponto é um dos mais relevantes na<br />
revolução tecnológica.<br />
“Trabalhar na mitigação dos riscos é<br />
um papel cada vez mais importante nas<br />
organizações e, quanto maior a dependência,<br />
mais premente é fazê-lo”, remata Sérgio<br />
Duarte. No fundo, tudo está bem… enquanto<br />
corre bem! •
50<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
UM GRANDE PASSO<br />
Depois das partilhas dos casos destes<br />
profissionais, soltou-se a questão: “como<br />
lidar com a gestão de risco nas operações<br />
das empresas?”. Não é fácil dar uma única<br />
resposta, pois cada caso é diferente,<br />
mas de uma forma mais abrangente é<br />
possível apresentar pelo menos algumas<br />
recomendações genéricas a seguir, de forma<br />
a que estas estejam mais alertas ao mundo<br />
que as rodeia e se tornem mais proativas.<br />
Assim, de forma a mostrar não só os<br />
problemas, procurámos trazer também<br />
soluções, através de profissionais<br />
experientes nas áreas de consultoria e do<br />
meio académico, que nos apresentaram<br />
uma visão mais macro da situação e de<br />
temas importantes a ter em conta.
Entre as várias ideias defendidas pelos<br />
intervenientes, sentimos o reforço da<br />
importância que o procurement tem tido<br />
dentro das empresas, e a criação de valor que<br />
ele aporta. Fornecedores e matérias-primas<br />
são temas cada vez mais importantes,<br />
pois como vimos anteriormente, não<br />
podemos deixar-nos vulneráveis pela<br />
dependência, que neste caso se encontrava<br />
no mercado asiático. Também outra coisa<br />
em que concordam: planeamento. Planear<br />
tudo o que seja planeável, ter planos de<br />
contingência, contar com os A, B, C, D... e<br />
mais, muito mais.<br />
Em suma, encarar um tema complexo,<br />
amplo e imprevisível como a gestão de<br />
risco é… um risco.<br />
SCM Supply Chain Magazine 51
52<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
PROCUREMENT<br />
Pedro Pinto de Barros<br />
Texto: Fábio Santos<br />
APOSTAR NUM<br />
PROCUREMENT MAIS<br />
ROBUSTO E DIGITALIZAR<br />
PROCESSOS<br />
Nos últimos anos, a função de procurement<br />
tem tido uma maior importância dentro<br />
das organizações, e se no pré-pandemia<br />
isso já se começava a notar, desde que<br />
ela surgiu o crescimento tomou novas<br />
proporções. Este foi também um dos<br />
grandes focos defendidos por Pedro Pinto<br />
de Barros, Manager na área de Consulting<br />
da PwC, enquanto uma área decisiva para<br />
ultrapassar imprevistos na supply chain.
SCM Supply Chain Magazine 53<br />
As recentes disrupções na cadeia de<br />
abastecimento vieram abanar os<br />
mercados, despertando a sua volatilidade<br />
e inconsistência. Ao mesmo tempo, também<br />
a incerteza sobre o futuro, nomeadamente<br />
no que toca aos preços das matérias-primas e<br />
materiais, colocaram a supply chain no topo<br />
das agendas das organizações.<br />
Tendo isso em conta, Pedro Pinto de Barros<br />
nota que “torna-se imprescindível assegurar<br />
uma função de procurement estruturada e<br />
robusta para ultrapassar qualquer imprevisto<br />
e responder a possíveis novas disrupções nas<br />
cadeias de abastecimento”, e destaca algumas<br />
boas práticas a ter em conta para assegurar<br />
para que esta função seja bem-sucedida:<br />
• Função estratégica vs. transacional:<br />
alinhar as capacidades e competências<br />
das pessoas alocadas à função de<br />
procurement, de modo a minimizar<br />
o esforço manual na componente<br />
transacional do processo (e.g., mediante<br />
RPA ou outras tecnologias), direcionando o<br />
foco para a componente estratégica (e.g.,<br />
definição da estratégia de pricing, gestão<br />
da relação com fornecedores);
54<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
• Segmentação de fornecedores: definir<br />
critérios para segmentar fornecedores -<br />
estabelecendo as diferentes estratégias a<br />
implementar para cada segmento -, definir<br />
procedimentos de qualificação e avaliação<br />
de fornecedores, e manter relações<br />
comerciais próximas com os fornecedores<br />
identificados como estratégicos;<br />
• Transparência de gastos: estabelecer<br />
funções de procurement transparentes<br />
entre as diversas áreas e/ou geografias da<br />
Organização como ponto de partida para<br />
desbloquear e potenciar sinergias, com<br />
vista à redução de custos;<br />
• Colaboração ao longo da organização:<br />
estabelecer uma estreita colaboração<br />
entre a função de procurement e as áreas<br />
operacionais, de modo a que as compras<br />
sejam realizadas de forma centralizada,<br />
garantindo visibilidade e aproximando esta<br />
função do negócio da Organização.<br />
Para além da importância de garantir<br />
uma função de procurement robusta, outra<br />
das áreas que destaca é a digitalização das<br />
operações, que “se assume como um caminho<br />
incontornável, crucial para alcançar uma visão<br />
end to end de toda a cadeia de abastecimento”.<br />
Ao nível da digitalização, Pedro Pinto de<br />
Barros aponta que as organizações devem<br />
aproveitar as vantagens da implementação<br />
de capacidades analíticas avançadas, pois “a<br />
sua adoção transversal nas organizações será<br />
a chave para colher os totais benefícios da<br />
digitalização e dos dados, para a criação de<br />
verdadeiros ecossistemas integrados - desde<br />
fornecedores, à produção, e distribuição aos<br />
clientes”, aponta o responsável da PwC. •
SCM Supply Chain Magazine 55
56<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
NEARSHORING<br />
Tiago Pinho<br />
Texto: Fábio Santos<br />
AS PARCERIAS<br />
SERÃO CRÍTICAS<br />
Recentemente tivemos vários<br />
exemplos de disrupções nas cadeias de<br />
abastecimento. Questões de problemas de<br />
aprovisionamento, bloqueios marítimos,<br />
custos de transporte, falta de contentores, e<br />
até mesmo falta de paletes, de um momento<br />
para o outro as empresas tiveram de se<br />
adaptar e responder rapidamente a diversas<br />
questões de vários pontos da cadeia de<br />
abastecimento.
SCM Supply Chain Magazine 57<br />
As dificuldades são muitas, as respostas<br />
possíveis mais ainda. Mesmo sem<br />
uma única “fórmula mágica”, Tiago<br />
Pinho, professor coordenador de Curso de<br />
Mestrado em Logística e Gestão da Cadeia<br />
de Abastecimento na ESCE/IPS deixa<br />
algumas recomendações e tendências para<br />
os profissionais de supply chain conseguirem<br />
gerir melhor o seu risco.<br />
Existem dois cenários apontados: a situação<br />
de previsão/antecipação, em que é possível<br />
antecipar o risco, e a situação de reação, a algo<br />
que não é possível prever.<br />
PREVISÃO<br />
Uma das recomendações possíveis que deixa é<br />
ao nível da previsão e minimização do risco. A<br />
primeira pergunta que deixa no ar é “até que<br />
ponto faz sentido deslocalizar tanto – seja em<br />
volume quanto em número de fornecedores<br />
– para tão longe?”. Especialmente desde a<br />
pandemia, com o fecho temporário de muitas<br />
empresas fornecedoras de grande parte do<br />
mundo, que a dependência mundial da China<br />
se tornou óbvia.<br />
O docente do Instituto Politécnico de<br />
Setúbal nota que os profissionais devem<br />
analisar melhor “que parcerias têm ao longo de<br />
toda a cadeia”, pois “as parcerias serão críticas”,<br />
afirma. “O risco também se minimiza se nós<br />
tivermos parceiros que nos garantam outro<br />
tipo de condições – nomeadamente a questão<br />
do transporte -, com alternativas mais rápidas<br />
ou menos rápidas para dar resposta (às nossas<br />
necessidades)”.<br />
Também a tecnologia pode ser importante<br />
para ajudar a minimizar o risco, através de<br />
Machine Learning e Inteligência Artificial, por<br />
exemplo, “ter ferramentas tecnológicas que nos<br />
possam ir alertando para alguns problemas, e<br />
já há algumas ferramentas que vão ‘bebendo’<br />
informação de várias fontes e que nos dão uma<br />
expectativa de que algo possa acontecer”.<br />
Conhecer os cenários em que operamos<br />
também é crucial, pois conhecemos alguns<br />
hábitos que nos podem ajudar a antecipar<br />
‘pequenos grandes’ problemas, e dá o exemplo<br />
de que “se nós sabemos que, tipicamente,<br />
quando está previsto chover X mm/h, uma<br />
determinada estrada fica cortada, e se vejo que<br />
há um dia na próxima semana que coincide<br />
com essa previsão, muito provavelmente vou<br />
evitar ou enviar os veículos nesse dia, ou enviar<br />
por aí, porque a probabilidade de haver um<br />
congestionamento é muito grande”.<br />
Numa situação de previsão, a questão “é<br />
quase multicenário: se isto acontecer o que é<br />
que eu posso fazer? Quais são as alternativas?”.<br />
REAÇÃO<br />
“Quando as fábricas fecharam na China deu-<br />
-se uma onda de choque para o nosso lado.<br />
As empresas ainda tinham stocks que lhes<br />
permitiram trabalhar durante algum período,<br />
mas depois veio a tal onda de choque. O<br />
que é que podemos fazer aí? A única coisa<br />
que pudemos fazer foi reagir. Tentar arranjar<br />
fornecedores alternativos, mais próximos, e<br />
que ainda conseguissem estar a trabalhar, mas<br />
muito pouco se pôde fazer”.
58<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
Esta situação criou um cenário de alerta para<br />
o mundo, mas que ao nível dos fornecedores<br />
poderia ter sido antecipado, caso não houvesse<br />
tanta dependência. As empresas ficaram então<br />
encurraladas sem que algo se pudesse fazer,<br />
exceto “aprender com aquilo que aconteceu, e<br />
estarmos preparados”. Neste sentido, deixou<br />
duas estratégias:<br />
1. Diversificar o leque de fornecedores, para<br />
não estarmos centralizados num ponto do<br />
mundo, porque se aquela parte do mundo<br />
fechar, ainda conseguimos trabalhar com outra;<br />
2. Termos alguma proximidade geográfica<br />
com alguns players.<br />
Algumas empresas, nacionais e internacionais,<br />
também já estão a adotar este tipo de<br />
estratégias, como é o caso do setor têxtil.<br />
Tiago Pinho dá o exemplo de uma empresa de<br />
estampagem no Norte, que trabalha com uma<br />
grande empresa internacional estrangeira, e<br />
ele contou-lhe que com a pandemia ficaram a<br />
ganhar muito. Devido à situação de as pessoas<br />
ficarem mais em casa e não comprarem tanto,<br />
e também de forma a minimizar o risco de<br />
uma nova falha, as encomendas de milhões<br />
de unidades para a China que eram feitas<br />
antes da pandemia passaram a ser feitas em<br />
fornecedores mais próximos. “Eles não estão a<br />
mandar produzir tanto. Estão a produzir lotes<br />
menores, e querem mais rapidez nas entregas”,<br />
explica, “a abordagem está a ser um bocado<br />
mais cautelosa, preferem ter os fornecedores<br />
mais próximos, a produzir lotes mais pequenos,<br />
mas com prazos de entregas menores”. Ao<br />
mesmo tempo, através desta abordagem, “as<br />
empresas também não ficam com tantos stocks<br />
que não se vão vender, e conseguem ter este<br />
trade-off entre os custos de transporte e o<br />
time-to-market”.<br />
Por muito que se tente fazer, nestas situações,<br />
“vai ser sempre reagir a um fator de disrupção,<br />
vamos ter de repensar as cadeias”.<br />
Hoje estamos também a reagir a questões<br />
como a dependência do petróleo, com o<br />
aumento do custo dos combustíveis, e redução<br />
da pegada carbónica. No entanto, o docente<br />
aponta que “em 2011 a União Europeia emitiu<br />
o livro branco dos transportes, que tinha como<br />
objetivo primordial reduzir a dependência do<br />
petróleo, e em <strong>2022</strong> verifica-se que é muito<br />
urgente a União Europeia reduzir a dependência<br />
do petróleo”.<br />
O transporte rodoviário deixa novas questões<br />
em cima da mesa, e “uma delas, que eu acho<br />
que é dos maiores desafios operacionais aos<br />
gestores é: para transportes superiores a 300km<br />
as empresas têm de arranjar meios alternativos<br />
ao rodoviário. Ou seja: se eu quiser enviar um<br />
contentor de Lisboa para o Porto não vai de<br />
camião. Mas onde temos nós infraestruturas<br />
ferroviárias ou portuárias que me permitam em<br />
tempo útil – e falamos de 3 a 4 horas de viagem<br />
de camião –fazer esse transporte em menos de<br />
um dia ou dia e meio? Se é necessário arranjar<br />
transportes alternativos também é necessário
SCM Supply Chain Magazine 59<br />
ter infraestruturas para tal”, defende.<br />
O coordenador do curso da Escola Superior de<br />
Ciências Empresariais nota que “quer queiramos,<br />
quer não, é altamente ineficiente ter um camião<br />
que consome 30L aos 100km a levar apenas<br />
um contentor, ou dois, no caso dos megatrailers,<br />
mas ainda não estamos em estágios de<br />
maturação que os veículos elétricos permitam<br />
fazer estas distâncias. Para as pequenas<br />
distâncias, last mile e este tipo de distribuição<br />
ainda é possível, caso contrário, que estratégias<br />
é que temos?”.<br />
Isto também impacta questões como a<br />
descarbonização. “E o que é que podemos fazer?<br />
Estar mais próximos dos nossos fornecedores<br />
e clientes, as estratégias de nearshoring, mas<br />
voltamos à questão inicial: porque é que tenho<br />
de ter todos os meus fornecedores na China?”.<br />
NEARSHORING<br />
Um foco importante para o responsável são<br />
as questões de proximidade. “Olho para tudo<br />
agora, com um olhar mais frio, num estudo do<br />
World Economic Forum, o tema do nearshoring<br />
era algo que trazia, na altura, um impacto<br />
relativamente reduzido. Eu acho que se o<br />
estudo fosse feito novamente, a questão do<br />
nearshoring iria explodir, completamente.<br />
Termos os fornecedores mais próximos dá-nos<br />
outra capacidade de resposta e, atendendo aos<br />
desafios que nós temos, desde bloqueios, custos<br />
de transporte, falta de contentores, e até mesmo<br />
falta de paletes, eu não sei se não fará sentido<br />
começarmos a criar alguns clusters que nos<br />
permitam trabalhar de outra forma”.<br />
Um claro exemplo de importação que o<br />
preocupa é ao nível de produtos que também<br />
existem no nosso país, não são essenciais e<br />
que por vezes até no preço são competitivos.<br />
“Não me faz sentido ir ao supermercado e<br />
ver laranjas da América do Sul quando tenho<br />
laranjas boas do Algarve. Os próprios retalhistas<br />
têm de ter um papel ativo neste processo.<br />
Não faz sentido estarmos a fazer milhares e<br />
milhares de quilómetros com produtos se não<br />
forem tão essenciais. E por vezes essas ainda<br />
são postas à venda por um preço mais baixo”.<br />
Por outro lado, aponta um cenário de algo<br />
que existia em Portugal, mas que deixou de<br />
existir. “Preocupa-me que durante anos nós<br />
deixámos cair muita da boa tecnologia que<br />
tínhamos em Portugal, e que de alguma forma<br />
irá ser difícil de a recuperar. Um exemplo de há<br />
alguns anos, quando quiseram reativar a Sanjo,<br />
uma antiga marca portuguesa de sapatilhas,<br />
não havia em Portugal uma única máquina<br />
que conseguisse fazer o tratamento necessário<br />
para as sapatilhas. A máquina, na altura, ficou<br />
obsoleta, e não havia mais nenhuma que<br />
conseguisse fazer isso. Resultado: uma coisa<br />
que era tradicionalmente portuguesa passou<br />
a ser feita na China, porque lá eles tinham a<br />
tecnologia”.<br />
Em termos de conclusão, deixa o conselho<br />
para competir com o mercado internacional:<br />
“nós temos de pensar um bocadinho mais<br />
nestas estratégias, e apostar na qualidade, não<br />
na quantidade”. •
60<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
ESCASSEZ<br />
Ana Barros<br />
Texto: Fábio Santos<br />
DA ABUNDÂNCIA<br />
FUNCIONAL À ESCASSEZ<br />
IMPREVISÍVEL<br />
Ultimamente o que mais se tem sentido nas<br />
cadeias de abastecimento é uma constante<br />
falta. Se há uma quebra na supply chain,<br />
geralmente deve-se a uma escassez de<br />
algo, nalgum ponto da cadeia. Se antes o<br />
cenário era de abundância e os profissionais<br />
podiam contar com uma cadeia funcional<br />
de ponta a ponta, nos últimos anos a falta<br />
tem predominado, e este é um dos pontos<br />
apontados como fulcrais.<br />
que tudo falta nas cadeias de<br />
abastecimento!”, começa por comentar<br />
“Parece<br />
Ana Barros, consultora sénior de inovação<br />
da PNO Innovation. Sobre os últimos anos,<br />
considera que foram décadas de abundância,<br />
de produtos customizados e de variedade, com<br />
operações otimizadas e entregas previsíveis,<br />
mas a situação tem mudado.<br />
Alguns dos desafios que Ana Barros realça são:<br />
• Falta de matérias-primas: semicondutores<br />
para as indústrias de máquinas,<br />
equipamentos e automóvel; químicos para<br />
a indústria química e farmacêutica; cereais<br />
para a indústria alimentar; madeira para<br />
paletes; materiais de embalagem, etc.;<br />
• Falta de fontes de energia: que se reflete<br />
na subida de preços da eletricidade,<br />
combustível, gás natural, e na necessidade<br />
de armazenamento de energias renováveis;<br />
• Falta de profissionais da cadeia de<br />
abastecimento: diretores de compras e<br />
da cadeia de abastecimento, gestores de<br />
logística industrial e de planeamento,<br />
responsáveis de distribuição, gestores de<br />
tráfego, etc.;
SCM Supply Chain Magazine 61<br />
• Congestionamento portuário que tem<br />
levado a grandes disrupções no transporte<br />
marítimo.<br />
“Os profissionais da cadeia de abastecimento<br />
sabem que não existe apenas uma solução que<br />
encaixe em todas as cadeias de abastecimento,<br />
que as cadeias são hoje um embaralhado de<br />
redes e que muitas vezes após navegar a sua<br />
complexidade nos deparamos com um controlo<br />
absoluto de algumas matérias-primas por<br />
um número escasso de entidades”, aponta a<br />
responsável.<br />
Desse modo, devido à complexidade atual,<br />
e a não existir uma única resposta para os<br />
desafios, a investigadora considera que “a<br />
estratégia da cadeia de abastecimento é<br />
feita de escolhas, e em tempos de escassez,<br />
os gestores reveem as suas”. Ana Barros<br />
deixa assim algumas recomendações para os<br />
profissionais terem em conta no momento<br />
da criação das suas estratégias, ao nível das<br />
áreas de desenho de produto, configuração e<br />
digitalização da cadeia de abastecimento:
62<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
“Assistimos hoje a várias mudanças de<br />
paradigma nas cadeias de abastecimento,<br />
que nos dão alguma esperança de que ainda<br />
seja possível mitigar alguns dos efeitos das<br />
alterações climáticas”, nota Ana Barros,<br />
indo elas: (1) da variedade à frugalidade dos<br />
produtos, (2) da exclusividade à partilha da<br />
capacidade, (3) do global ao local e sazonal,<br />
(4) das transações tradicionais à visibilidade,<br />
comércio eletrónico e inteligência artificial.<br />
Em tom de conclusão, destaca que chegámos<br />
onde hoje estamos através da inovação nos<br />
produtos, processo e modelos de negócio, e<br />
que agora, “mais uma vez, temos de recorrer<br />
à inovação para suportar estas mudanças de<br />
paradigma, de forma a deixarmos um planeta<br />
habitável às gerações futuras”. •
SCM Supply Chain Magazine 63
64<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
PLANEAMENTO<br />
Miguel Silva<br />
Texto: Fábio Santos<br />
A ARTE DO<br />
BOMBEIRISMO<br />
Na logística há sempre “fogos” a apagar.<br />
Situações que surgem repentinamente e<br />
que se não tratarmos delas vão acabar por<br />
consumir outras áreas. Infelizmente, é algo<br />
a que estamos habituados em Portugal<br />
nesta altura do ano: ter de apagar fogos.<br />
Literal e metaforicamente.
SCM Supply Chain Magazine 65<br />
Miguel Silva, consultor e formador Sénior<br />
em Logística, Procurement e Gestão<br />
de Stocks, pode não ser experiente em<br />
incêndios, mas consegue perceber quando<br />
uma casa está a arder. A metáfora utilizada<br />
retrata o planeamento que é feito para<br />
prevenir possíveis problemas, e a forma<br />
como os recursos são utilizados para os<br />
resolver, quando surgem. Isso irá definir a<br />
‘sorte’ ou o ‘azar’.<br />
“Acredito que, tal como a (denominada) ‘sorte’<br />
é fruto do casamento da oportunidade com a<br />
preparação; o infortúnio (o chamado ’azar’, não<br />
é?) seja o seu oposto, a comunhão da objetiva<br />
realidade com a impreparação (da falta de<br />
gestão, organização, zelo e… desleixo)”, explica.<br />
Sobre os acontecimentos recentes dos<br />
últimos meses que abalaram a supply chain,<br />
Miguel Silva não gosta “de politiquices ou<br />
politiqueiros, mas não sou apolítico. Penso.<br />
Observo. Constato. Tudo isto é ‘pouco mais’<br />
do que (falta de) planeamento, organização<br />
e gestão de recursos – físicos, financeiros e<br />
humanos”.<br />
Apesar de tudo, na sua forma mais<br />
literal, considera que “são fogos. Fogos que<br />
muitas vezes (na maioria, será?) de origem,<br />
malevolamente, humana”, mas por a sua área<br />
de expertise não serem os “fogos que nos<br />
consomem ‘apenas’ dois a três meses na época<br />
de verão”, não sabe explicar a razão por detrás<br />
destes incêndios. A sua especialidade são<br />
mesmo os que ocorrem durante os 12 meses<br />
e em qualquer ponto da cadeia, “aqueles que<br />
muitos de nós denominamos… ‘(isto é) uma<br />
casa a arder’ ”, uma ‘casa’ que, tal como o<br />
território nacional ardido, “é de todos nós”: as<br />
empresas e organizações de cada profissional.<br />
O PAPEL DO PROCUREMENT<br />
Falando agora mais especificamente sobre a<br />
sua zona de conforto, Miguel Silva considera-<br />
-se uma pessoa curiosa e em constante<br />
aprendizagem “pela área de compras<br />
(aquisições), sejam elas de insumos (desculpem,<br />
matérias-primas e/ou componentes), bens<br />
transacionáveis / mercadorias, obras públicas<br />
ou serviços (profissionais / corporativos ou<br />
de natureza individual)”, e há erros que ainda<br />
acontecem e que o deixam a questionar.<br />
“Porque temos em stock coisas que 'se não<br />
vendem' e… qual o motivo da soberana mãe<br />
das especificações teimar em ser chamada de<br />
'urgência'?”, exemplifica. A sua resposta tem<br />
por base apenas dois importantes elementos<br />
das estratégias: planeamento e previsão.
66<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
“Quando a falta de ambos coexiste, como<br />
poderá toda a orquestra logística funcionar?”.<br />
Posta esta ideia, segue a máxima de que<br />
“foi, é e será absolutamente decisivo que as<br />
organizações troquem ‘suor por organização’”,<br />
e isso as empresas têm de ir fazendo aos<br />
poucos. “Para quê falar de KPI & OKR se muitas<br />
empresas estão ainda no primeiro patamar de<br />
aquisições e o seu abastecimento é reativo?”,<br />
questiona, “não podemos, constantemente,<br />
misturar o 'business as usual' com a estratégia”.<br />
Para avançarem para um sourcing estratégico,<br />
Miguel Silva deixa alguns conselhos, sendo<br />
o primeiro um muito simples: que os “TPC”<br />
estejam bem feitos. “Análise dos gastos da sua<br />
empresas nos últimos 12 meses; informações e<br />
segmentação por categorias das oportunidades<br />
/ benefícios (no mínimo dois níveis, idealmente<br />
três); mapa ES-OP e/ou Matriz de Kraljic<br />
para alocação o seu maior esforço nas<br />
oportunidades de controlo (rápido) de custos;<br />
ter em linha de atenção o alinhamento<br />
com os compliances da sua empresa / setor<br />
vs. Ambiente, Responsabilidade Social e<br />
Governança (ESG)… Tudo isto são apenas dicas<br />
e pistas pois não sou eu que mais conheço do<br />
seu negócio e produto”, explica, mas deixa a<br />
única certeza de que avançar para um sourcing<br />
estratégico “só poderá colher benefícios após<br />
um exigente e dedicado trabalho prévio da<br />
equipa, e do mesmo ser entendido quanto a<br />
tudo (… sobretudo quanto ao “valor”) por parte<br />
da gestão”.<br />
Outra das recomendações passa pela<br />
experimentação. “Com tantos portais de<br />
Procurement web-based disponíveis (… não só<br />
“add-on” nos ERP´s que estão a ser produzidos<br />
pelas softwares houses) no mercado porque<br />
não experimentar? E… se não souber, porque<br />
não perguntar?”.<br />
Outro dos destaques que deixa é ao nível da<br />
relação com os fornecedores, e em como devem<br />
ser vistos como parceiros de negócio, e não<br />
“como de consumo oportunista ou dispensáveis,<br />
pois eles não o são - nunca o foram; menos<br />
ainda o serão”.<br />
REFLITA. ATUE. DIVIRJA.<br />
“(Oiçam e) invistam na qualificação dos vossos<br />
quadros na área de compras/procurement“,<br />
aponta ainda Miguel Silva, “para mim, sem<br />
dúvida, é a área que maior contribuição<br />
poderá aportar na direção dos tão propalados<br />
(e desejados) ‘savings’ “, conclui o consultor,<br />
deixando uma mensagem de esperança para<br />
que “a atribuição/responsabilidade principal da<br />
maioria dos profissionais de Logística não seja<br />
(e menos ainda continue a ser) a de ‘bombeiro’,<br />
pois esses estão aqui para incansável e<br />
estoicamente nos ajudar nos… outros fogos”. •
SCM Supply Chain Magazine 67
68<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
ESTRATÉGIA<br />
Isabel Faria e<br />
João Nogueira<br />
Texto: Bruna Manguito<br />
GERIR O RISCO PARA<br />
ROBUSTECER AS CADEIAS<br />
DE ABASTECIMENTO<br />
Os últimos anos evidenciaram a falta<br />
de processos de sucesso robustos para<br />
gerir os riscos crescentes das cadeias<br />
de abastecimento. Neste sentido, os<br />
profissionais defendem que é fundamental<br />
implementar estratégias para uma gestão de<br />
risco da supply chain de modo a minimizar<br />
ou mitigar essas ameaças.
SCM Supply Chain Magazine 69<br />
Isabel Faria, Advisory Associate Partner e João<br />
Nogueira, Senior Consultant Supply Chain &<br />
Operations da EY, consideram que a exposição<br />
ao risco das cadeias de abastecimento tem<br />
sido ampliada devido a fatores globais como a<br />
pandemia de COVID-19, as guerras com impacto<br />
internacional, a inflação em matérias-primas e<br />
produtos energéticos e ainda a escassez de mão<br />
de obra.<br />
“O impacto destes fatores é exacerbado<br />
não só pela globalização das relações<br />
comerciais, mas também pela implementação<br />
de metodologias de redução de desperdícios,<br />
como metodologias Lean e JIT que preconizam<br />
a redução de inventários. Desta forma, as<br />
métricas de eficácia e eficiência utilizadas para<br />
definir o sucesso das cadeias de abastecimento,<br />
embora extremamente importantes, já não<br />
podem ser as únicas medidas a utilizar”,<br />
explicam os responsáveis.<br />
Assim, de forma a diminuir o impacto<br />
de eventos disruptivos, afirmam que as<br />
frameworks de gestão de risco são ferramentas<br />
cruciais na obtenção de resiliência, pois além<br />
de permitirem a identificação e mapeamento<br />
antecipados de riscos, contemplam o desenho<br />
e a implementação atempados de planos de<br />
mitigação e contingência.<br />
Os consultores acrescentam ainda que “uma<br />
boa aplicação da gestão de risco endereça<br />
eventos comuns – para os quais já existem<br />
procedimentos ou ações preventivas mais<br />
enraizadas na operação, como por exemplo,<br />
a existência de stock de segurança para uma<br />
peça de manutenção crítica, mas também<br />
eventos fora do comum, como ameaças de<br />
cibersegurança”, dando algumas dicas sobre a<br />
forma como se podem aplicar estes conceitos<br />
através de seis passos:<br />
• Mapear os riscos que possam impactar as<br />
operações, a nível de processo, pessoas<br />
e sistemas, assim como as suas fontes e<br />
consequências;<br />
• Quantificar o risco – tendo em consideração<br />
a probabilidade de ocorrência e o impacto<br />
da sua eventual materialização;<br />
• Classificar o risco: perceber quais os riscos<br />
críticos para o bom funcionamento da<br />
cadeia, e quais os que se podem aceitar;<br />
• Definir e implementar planos de resposta<br />
ao risco, e rever controlos, que permitam<br />
a mitigação dos riscos considerados como<br />
críticos;<br />
• Garantir que todas as partes envolvidas<br />
conhecem o risco e sabem como atuar se<br />
o mesmo ocorrer, através de formação<br />
nos controlos, respostas e planos de<br />
contingência;<br />
• Realizar revisões e atualizações periódicas,<br />
garantindo que os riscos identificados e os<br />
controlos implementados acompanham a<br />
evolução do negócio.<br />
Vale a pena relembrar que “estes passos<br />
devem ser reforçados por uma tónica de<br />
sponsorship por parte da Gestão, que tem<br />
de assumir a gestão de risco como uma<br />
prioridade da organização, para a qual todos os<br />
colaboradores contribuem sem exceção”.<br />
Só desta forma a gestão da cadeia de<br />
abastecimento ficará fortalecida, “não só pela<br />
visibilidade e melhor conhecimento da mesma,<br />
como também pela existência de planos<br />
eficazes para lidar com constrangimentos que,<br />
como bem sabemos, aparecem todos os dias”,<br />
rematam os especialistas. •
70<br />
JUL & AGO <strong>2022</strong><br />
O MUNDO É REDONDO, por Cláudia Brito<br />
“Como usar o 'feedback' dos outros para aprender e crescer”<br />
Ideas worth spreading, TEDxAmoskeagMillyardWomen<br />
2015, Sheila Heen, 0.5 millhões de visualizações<br />
O “ feedback” (retorno, em português) é uma condição essencial para a aprendizagem e para o nosso<br />
relacionamento com o mundo. Sabemos que quanto mais bem dado e frequente melhor, daí que muitos<br />
programas de desenvolvimento organizacionais ensinem a dar “ feedback”. Contudo, quem controla o<br />
processo é o receptor, que decide que parte da informação vai interiorizar e se vai efectivamente mudar<br />
alguma coisa. Sheila Heen argumenta que a aptidão para receber “ feedback”, mesmo quando este é<br />
deslocado, injusto ou mal dado, é decisiva.<br />
Entre os vários tipos de conversas difíceis, o de<br />
dar e receber “feedback” é um dos mais desafiantes.<br />
A razão principal é a componente emocional<br />
envolvida, temos de estabelecer barreiras<br />
psicológicas para evitar que a opinião dos outros<br />
mine a nossa auto-estima. Podemos descartar<br />
“feedback” por ser mau, não termos confiança<br />
no emissor, não o termos pedido, ser confuso, e<br />
milhentas outras razões. No entanto, sem ele, não<br />
conseguimos aferir o nosso impacto nos outros.<br />
Existem três gatilhos que disparam quando<br />
recebemos “feedback”: o da verdade, o dos<br />
relacionamentos, e o da identidade. O gatilho<br />
da verdade tem a ver com o nosso detector de<br />
mentiras pessoal entrar imediatamente em acção,<br />
quando ouvimos algo perturbador. Se chegarmos<br />
à conclusão de que o que é dito é errado, podemos<br />
ignorá-lo, mas ficamos à mercê dos nossos “ângulos<br />
mortos”. O gatilho dos relacionamentos prende-<br />
-se com a dificuldade em separar o “quem” (dá a<br />
opinião) do “quê” (a opinião dada). Finalmente, o<br />
gatilho da identidade tem a ver com a história que<br />
contamos a nós próprios sobre quem somos, e se o<br />
“feedback” entra em conflicto com essa narrativa.<br />
A nossa reacção ao que nos acontece na vida<br />
é determinado em 50% pela genética, 40% pela<br />
maneira como encaramos os factos, e apenas 10%<br />
pelas circunstâncias. Todos somos diferentes, com<br />
diferentes níveis de felicidade basal, maiores ou<br />
menores oscilações em relação a esse “set-point”<br />
e variadas capacidades de suster ou retornar ao<br />
estado de equilíbrio. Aqueles que têm uma linha<br />
de base muito baixa não reagem ao “feedback”<br />
positivo, e a sua grande sensibilidade ao “feedback”<br />
negativo pode impedi-los de aprender, portanto<br />
precisam de ter a capacidade de desmontar o que<br />
lhes é dito. Do outro lado do espectro há alguns<br />
que ficam felizes com qualquer coisa, e por isso<br />
são extremamente resilientes, ou as pessoas<br />
insensíveis, que, como não são estimulados<br />
emocionalmente pelo “feedback”, tendem a<br />
esquecê-lo. Todos nos vemos de modo diferente do<br />
que os outros nos vêem, o que pode impedir-nos de<br />
atingir o nosso máximo potencial, e é esta lacuna<br />
que o “feedback” preenche.<br />
Por definição, a aprendizagem humana está<br />
ligada ao sofrimento. O “feedback” encontra-se<br />
na encruzilhada entre a necessidade de sermos<br />
aceites, respeitados e amados tal como somos, e o<br />
impulso para aprender e crescer, transcendendo-<br />
-nos.<br />
Sheila Heen é uma escritora americana, palestrante,<br />
e professora na Universidade de Direito de Harvard,<br />
onde ensina negociação e gestão de conflito. Escreveu<br />
dois livros “best-sellers” do New York Times, um sobre<br />
conversas difíceis e outro sobre “feedback”.
72<br />
Outsourcing Logístico<br />
Serviços<br />
Descarga e receção de mercadorias Conferência e arrumação Manipulações e<br />
Recondicionamento Etiquetagem Co-packing Kitting Picking e Embalamento<br />
Cross-docking Carregamento e Expedição de Mercadorias Carga e Descarga de Contentores<br />
Operações “One-shot” (campanhas) Controlo de Qualidade Realização de inventários<br />
Gestão de Devoluções Controlo e Manutenção de Suportes de Manuseamento<br />
Tratamento de Vasilhame e Resíduos<br />
Gesgrup, o parceiro Ideal.<br />
www.gesgrup.pt