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em análise...
Francisco Gomes
Analista político
As famílias
que não o são
Sim, no Portugal do século
XXI manter um casamento, e
ainda mais um casamento com
filhos, tornou-se muito difícil.
E isto não é o fruto do ocaso ou
um ‘sinal dos tempos’, como
certas correntes modernistas
insistem em afirmar. É, sim, e
acima de tudo, o fruto amargo
de um país que não tem a
coragem para fazer política e
tomar decisões centradas na
sustentabilidade e no futuro.
Carolina rodrigues
As pressões que continuam a ser
impostas às famílias têm vindo a
produzir resultados catastróficos e
que estão à vista de todos. Infelizmente,
o planeamento político, as grandes
decisões financeiras, a reforma dos sistemas
de apoio e toda a lógica subjacente
ao mercado de trabalho e às leis laborais
continuam a ser vistas e revistas sem que
os responsáveis por essas importantes e
estruturantes tarefas tenham em devida
consideração a estabilidade familiar e as severas
consequências que, a curto, médio e
longo prazo, o desrespeito pela instituição
da família tem vindo a ter e continuarão a
ter na nossa coesão e na nossa competitividade,
como país.
E não se pense que a culpa reside apenas
na pandemia e no confinamento a que a
mesma conduziu. Sem dúvida, a complexificação
das dinâmicas físicas e psicológicas
que se vivem dentro da habitação familiar
são óbvias e até eram esperadas. Aliás, as
mesmas foram atempadamente apontadas
por aqueles que recomendaram mais
sensatez à deriva proibicionista de quem
insistiu num interminável ficar em casa, o
qual resultou, como bem sabemos, na ânsia
de libertinagem e desresponsabilização
que melhor define a era pós-pandémica do
presente. No entanto, é preciso olhar mais
além para perceber porque é que, só em
2020, em cada cem casamentos, noventa
acabaram em separação, num total assustador
de dezassete mil divórcios, e porque é
que, só nos primeiros nove meses de 2021,
que são dos últimos dados disponíveis, o
país já registava mais de dez mil divórcios.
Por um lado, há que perceber e aceitar que
os ritmos de vida e de trabalho impostos
à sociedade portuguesa, como um todo,
são profundamente adversos ao conceito
de família. Por exemplo, como é que continuamos
a sair do trabalho às 18h00 ou às
19h00, enfrentando, nas grandes cidades,
trânsito apinhado até às 20h00?
Quando é que os pais têm tempo para passar
tempo com os seus filhos? Para lhes ajudar
com os trabalhos? Para partilhar as actividades
mais mundanas e as brincadeiras
mais simples, que são essenciais na criação
dos laços emocionais e das ligações huma-
14 saber novembro 2022