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EDUCAÇÃO
Didática
da leitura
em crianças com
dificuldades no
funcionamento
intelectual
Ensinar a ler exige conhecimentos didáticos
acerca das metodologias de ensino,
mas primeiramente é fundamental
perceber os princípios do processo de
ensino e aprendizagem da leitura.
É consensual que a leitura não se cinge apenas
à decifração, mas é necessário haver
compreensão, assim como para haver fluência
leitora, é necessário que o leitor decifre
automaticamente os grafemas, de forma a
poder direcionar a atenção para a compreensão
do texto.
São complexas as relações fonemas/grafema,
levando a criança a dominar as regras
ortográficas para que saiba, em cada caso,
quais são as letras que correspondem aos
sons de uma palavra. Todo este domínio é
obtido por meio de duas vias: por via lexical/
direta ou por via fonológica/indireta ou sub-
-lexical. Através da via lexical/ direta, a criança
vai recorrer ao vocabulário visual, que é
derivado do seu léxico mental e que aprende
através do contacto direto com todo o material
escrito como forma de capacitá-la para
a representação dos sons e para as regras
ortográficas. Já a via fonológica, indireta ou
sub-lexical, é usada quando a criança necessita
de recorrer a conhecimentos acerca dos
diferentes níveis da consciência fonológica
(consciência de palavra, consciência silábica,
Tânia Fernandes
Professora especializada
Doutorada em Psicologia de Educação
Tânia Fernandes
consciência intrassilábica e consciência fonémica)
e acerca da aprendizagem das regras
ortográficas que levam à ativação da sua capacidade
para representar os sons.
A maioria das crianças aprende por via fonológica,
em que é feita a correspondência dos
fonemas ao respetivo grafema, sendo usado
o método sintético-analítico.
Já com as crianças com dificuldades acrescidas,
a didática da leitura dependerá muito do
grau/nível de dificuldade de cada uma. Concretamente,
as crianças com dificuldades no
funcionamento intelectual, estas possuem
capacidade de perceção e de aprendizagem
com base em estímulos visuais. Logo,
a aprendizagem que é desenvolvida apenas
por estímulos auditivos torna-se mais árdua
e mais morosa para estas crianças devido às
suas dificuldades em termos de processamento
auditivo e verbal, refletindo-se em
atrasos no discurso, na linguagem e na flexibilidade
cognitiva. Como tal, a utilização de
uma metodologia de ensino baseada em estímulos
visuais ajuda a atenuar as dificuldades
e os atrasos em diversas áreas e facilita
a aprendizagem da leitura. Logo com estas
crianças priorizar-se-á a via lexical ou direta
no ensino da leitura.
A maioria das crianças com dificuldades de
aprendizagem, mais especificamente a nível
do funcionamento intelectual, até mesmo
crianças com síndrome de Down, consegue
aprender a ler. Normalmente estas crianças
aprendem através do método global, método
este que implica a leitura global de palavras,
também designado por “ Método das
28 palavras”. Neste método estão incluídas
as palavras: menino, menina, uva, dedo, sapato,
bota, leque, casa, janela, telhado, escada,
chave, galinha, ovo, rato, cenoura, girafa,
palhaço, zebra, bandeira, funil, árvore, quadro,
passarinho, peixe, cigarra, fogueira e
flor. A organização estrutural deste método
identifica-se com as características psicossomáticas
das crianças e baseia-se na aprendizagem
da leitura pela captação de palavras,
na sua íntegra, por serem essas palavras o
primeiro todo inteligível, contrastando com
o método analítico-sintético. Este método
contém ainda todos os casos de leitura, com
didáticas estruturadas por níveis de dificuldade
progressivos.
Em cada sessão didática é trabalhada uma
palavra, apresentada através de uma história,
de uma canção, de uma lengalenga, ou
até mesmo de uma conversa em que cada
palavra está representada por uma ilustração,
o que possibilita uma imagem mental,
que por associação, vai facilitar a transposição
do registo oral para o registo escrito de
forma global e compreensiva. Através deste
método de ensino da leitura, a criança capta
ideias e não símbolos, mas quando essas
ideias se encontram sintetizadas numa palavra,
a sua memorização torna-se muito mais
fácil e direta. A maior dificuldade que estas
crianças se deparam aquando da exploração
deste método global centraliza-se na decomposição
da palavra em elementos não significativos:
sílabas e fonemas.
Assim sendo, cabe a cada profissional responsável
pela didática da leitura possuir
um olhar atento e redobrado para aplicar a
metodologia de ensino da leitura mais adequada
às peculiaridades de cada criança,
contribuindo deste modo para a construção
de uma Escola para Todos, em que todos podem
LER!. s
18 saber NOVEMBRO 2022