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Revista Dr Plinio 302

Maio 2023

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Dores e alegrias que<br />

conduzem ao Céu


Jan Schappert (CC3.0)<br />

Árvore feita para<br />

ornar o mar<br />

Um dos aspectos feéricos do Brasil são as palmeiras junto à praia. Como são elegantes,<br />

leves, bonitas, nascidas de tal modo que não se sente planejamento nenhum,<br />

mas não há desordem!<br />

Não se poderia imaginar uma árvore mais própria a ornamentar um panorama<br />

marítimo do que essa. Se nascesse ipê à beira-mar, não valeria a pena<br />

plantá-lo, porque ele disputaria com o mar. A palmeira não; ela é feita<br />

para orná-lo.<br />

É um ornato que eleva o espírito, inspira delicadeza de sentimentos<br />

e uma certa fantasia superior, conferindo uma posição<br />

de alma tendente ao mais elevado, a um sonho que está por<br />

ser explicitado.<br />

(Extraído de conferência de 1/4/1990)<br />

Ilha Saona, República Dominicana


Sumário<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>302</strong> Maio de 2023<br />

Dores e alegrias que<br />

conduzem ao Céu<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1987.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Segunda página<br />

2 Árvore feita para<br />

ornar o mar<br />

Editorial<br />

4 Certeza tranquila e<br />

sobrenatural no triunfo<br />

Piedade pliniana<br />

5 Fazei que eu seja um perfeito<br />

Apóstolo dos Últimos Tempos!<br />

Dona Lucilia<br />

6 Uma cruz bem carregada<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />

Av. Henry Ford, 2320<br />

São Paulo – SP, CEP: 03109-001<br />

De Maria nunquam satis<br />

8 A oração que abre os<br />

caminhos de Deus<br />

Reflexões teológicas<br />

14 Uma meditação para<br />

a Ascensão<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

19 A festa da seriedade<br />

triunfante<br />

Calendário dos Santos<br />

22 Santos de Maio<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

24 A formação do autêntico<br />

paulista - I<br />

Hagiografia<br />

28 Varão polêmico e recriminador<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

31 Criação: grande livro que<br />

nos aproxima de Deus<br />

Última página<br />

36 Virgem dos Desamparados<br />

3


Editorial<br />

Certeza tranquila e sobrenatural no triunfo<br />

A<br />

Ressurreição representa o triunfo eterno e definitivo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o desbarato<br />

completo dos seus adversários e o argumento máximo de nossa Fé. Disse São Paulo que, se Cristo<br />

não tivesse ressuscitado, vã seria nossa Fé (cf. 1Cor 15, 14). É, pois, no fato sobrenatural da<br />

Ressurreição que se funda todo o edifício de nossa Religião.<br />

Cristo, Senhor nosso, não foi ressuscitado, ressuscitou. Não precisou que ninguém O chamasse à vida.<br />

Retomou-a quando quis.<br />

Quem, tendo assistido à Crucifixão do Divino Redentor, contemplasse sua gloriosa elevação aos Céus,<br />

veria que tudo quanto n’Ele fora vergonha aos olhos dos homens passou a ser glória. Poder-se-ia compreender,<br />

assim, o significado mais profundo dos terríveis episódios da Paixão e a grandeza, a superioridade<br />

infinita d’Aquele que baixara até o fundo daquelas humilhações, e em cujas palavras pronunciadas pouco<br />

antes de sua Ascensão, prometia para breve o envio do Espírito Santo (cf. At 1, 8).<br />

Tudo quanto se refere a Nosso Senhor Jesus Cristo tem sua aplicação analógica à Santa Igreja Católica.<br />

Vemos frequentemente, na História da Igreja, que quando ela dava a impressão de estar irremediavelmente<br />

perdida e todos os sintomas de uma próxima catástrofe pareciam minar seu organismo, sobrevieram<br />

fatos que a mantiveram viva contra toda a expectativa de seus adversários.<br />

Fato curioso: às vezes, não são os amigos da Santa Igreja que vêm em seu socorro, mas seus próprios inimigos.<br />

Por exemplo, quando na época de Napoleão as tropas cismáticas da Rússia, onde a prática da Religião<br />

Católica era tolhida de mil maneiras, asseguraram a livre eleição de um soberano Pontífice, na Itália,<br />

precisamente no momento em que a vacância da Sé de Pedro teria acarretado para a Igreja prejuízos dos<br />

quais, humanamente falando, ela talvez não se pudesse ter soerguido jamais. Estes são meios maravilhosos<br />

de que a Providência lança mão para demonstrar como Ela tem o supremo governo de todas as coisas.<br />

Entretanto, não pensemos que a Santa Igreja deveu sua salvação a Constantino, Carlos Magno, D. João<br />

d’Áustria ou às tropas russas. Ainda mesmo quando ela parece inteiramente abandonada e falta-lhe o<br />

concurso dos meios de vitória mais indispensáveis na ordem natural, estejamos certos de que ela não morrerá.<br />

Como Nosso Senhor, a Igreja se soerguerá com suas próprias forças que são divinas. E quanto mais<br />

humanamente inexplicável for a aparente ressurreição da Igreja, tanto mais gloriosa será a vitória.<br />

Nestes dias turvos e tristonhos, confiemos, pois, não nesta ou naquela potência, não neste ou naquele<br />

homem, não nesta ou naquela corrente ideológica, para operar a reintegração de todas as coisas no Reino<br />

de Cristo, mas na Providência Divina que obrigará novamente os mares a se abrirem de par em par, moverá<br />

montanhas e fará estremecer a terra inteira, se tal for necessário para o cumprimento da divina promessa:<br />

“as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).<br />

Esta certeza tranquila no poder da Igreja, de uma tranquilidade toda feita de espírito sobrenatural e não<br />

de qualquer indiferença ou indolência, podemos aprendê-la aos pés de Nossa Senhora. Só Ela conservou íntegra<br />

a Fé, quando todas as circunstâncias pareciam ter demonstrado o fracasso total de seu Divino Filho.<br />

Descido da Cruz o Corpo de Cristo, vertida pela mão dos algozes, não só a última gota de sangue, mas ainda<br />

de água, verificada a morte, não só pelo testemunho dos legionários romanos, como pelo dos próprios fiéis<br />

que procederam ao sepultamento, aposta ao túmulo a pedra imensa que lhe devia servir de intransponível<br />

fecho, tudo parecia perdido. Mas Maria Santíssima creu e confiou. Sua Fé se conservou tão segura, tão serena,<br />

tão normal nesses dias de suprema desolação, como em qualquer outra ocasião de sua vida. Ela sabia que<br />

Ele haveria de ressuscitar. Nenhuma dúvida, nem ainda a mais leve, maculou seu espírito.<br />

É aos pés d’Ela, portanto, que haveremos de implorar e obter essa constância na Fé e no espírito de Fé,<br />

que deve ser a suprema ambição de nossa vida espiritual. Medianeira de todas as graças, exemplar de todas<br />

as virtudes, Nossa Senhora não nos recusará qualquer dom que neste sentido Lhe peçamos.*<br />

* Cf. O Legionário n. 559, 25/4/1943 e conferência de 25/5/1994.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Fazei que<br />

eu seja um<br />

perfeito<br />

Apóstolo<br />

dos Últimos<br />

Tempos!<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Ó<br />

Virgem Mãe, Nossa Senhora de Fátima, que anunciastes ao mundo tão extremas<br />

aflições e tão extremas alegrias, revelando os terríveis castigos e os grandes triunfos<br />

pelos quais passará a Cristandade! A Vós que denunciastes com tanta clareza os extremos<br />

de abominação moral a que chegamos e ao mesmo tempo fizestes ver a plenitude de<br />

vossa insondável santidade, eu suplico que mudeis o meu espírito.<br />

Não permitais que eu continue sendo uma dessas incontáveis pessoas de horizontes curtos<br />

e de interesse circunscrito à pequena esfera de seu próprio eu. Fazei, pelo contrário, com<br />

que, pela despretensão e pela abnegação, eu seja uma alma aberta e ardente, capaz de medir<br />

em toda a sua extensão os extremos que em Fátima se divisam, e de tomar posição intransigente<br />

e completa a favor do extremo sacrossanto que sois Vós, ó minha Mãe: extremo<br />

de amor de Deus, de pureza, de humildade e de despretensão, extremo de inquebrantável<br />

combatividade! Fazei com que eu, assim, seja um contrarrevolucionário modelar, um perfeito<br />

Apóstolo dos Últimos Tempos!<br />

Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac! 1 (Composta em 8/5/1971)<br />

1) Do latim: Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, fazei vossa obra!<br />

5


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia, em meio às dores mais pungentes,<br />

experimentava certas alegrias que a ajudavam a<br />

carregar a cruz com perfeito equilíbrio de alma.<br />

Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Dona Lucilia era muito reservada<br />

no que dizia respeito<br />

à sua vida de piedade.<br />

Ela rezava muito, mas falava pouco<br />

sobre suas orações. Por isso, não sei<br />

se ela se preparava de modo especial<br />

para determinadas festas litúrgicas.<br />

Orações na Sexta-feira Santa<br />

É certo que a Semana Santa era<br />

um período de muito recolhimento<br />

para ela e, uns dez dias antes, mamãe<br />

já começava a organizar uma cerimônia<br />

a ser realizada na sua casa.<br />

Quando o pai dela estava vivo, ele<br />

acendia em casa uma vela benta junto<br />

a um crucifixo, todas as Sextas-feiras<br />

da Paixão, às três horas da tarde, e<br />

ali se reunia toda a família para rezar.<br />

Quando ele morreu, a mãe dela passou<br />

a fazer isso. Com a morte da mãe,<br />

Dona Lucilia continuou esse costume.<br />

Assim, a cada ano, na Sexta-feira<br />

Santa, vinha toda a família rezar<br />

junto a esse antigo crucifixo, o qual<br />

guardo até hoje, pertencente ao pai<br />

dela. Seguindo a tradição familiar,<br />

nas Sextas-feiras Santas acendo uma<br />

vela benta e rezo às três horas da tarde<br />

diante dele, que permanece o dia<br />

inteiro no mesmo lugar onde minha<br />

mãe o colocava, com a vela próxima,<br />

exatamente como ela preparava.<br />

tas alemãs que levavam cestas enormes<br />

com víveres de toda a ordem:<br />

sanduíches de presunto, de sardinha,<br />

de lombo de porco, ovos cozidos,<br />

pães doces, bolos...<br />

Chegando lá, as crianças se espalhavam<br />

pelo jardim para brincar, enquanto<br />

mamãe e a Fräulein Mathilde<br />

escondiam os ovos de Páscoa.<br />

Zelo na educação dos filhos<br />

A Páscoa era um dia de alegria e<br />

Dona Lucilia era a grande animadora<br />

dessa festa.<br />

Embora muito exigente quanto ao<br />

cumprimento do dever, minha mãe<br />

zelava para que tivéssemos uma infância<br />

muito alegre. Por isso promovia<br />

festas, distrações para as crianças.<br />

E no dia de Páscoa organizava<br />

um piquenique em lugares bonitos<br />

nos arredores de São Paulo, entre<br />

os quais um grande parque público,<br />

chamado Antarctica.<br />

A esse piquenique acorria a criançada<br />

toda – éramos uns quinze, mais<br />

ou menos, entre filhos e sobrinhos<br />

dela – todos dirigidos por governan-<br />

6


Parque Antarctica, na primeira metade do século passado. À direita, <strong>Plinio</strong> ainda criança<br />

A certa altura, era dado um sinal indicando<br />

a hora do almoço. Para mim,<br />

a hora auge não era a dos ovos, mas a<br />

dos sanduíches, pois sempre tive loucura<br />

por pães e coisas destas, e a cesta trazida<br />

pela Fräulein Mathilde era cheia<br />

de sanduíches em estilo alemão, enfim,<br />

uma porção de coisas de que gostava.<br />

Ajudado pelo olhar e<br />

sorriso de Dona Lucilia<br />

Terminada a comilança, a sobremesa<br />

eram os ovos de Páscoa que as crianças<br />

precisavam procurar nos lugares<br />

mais difíceis. Cada qual deveria descobrir<br />

onde fora escondido o seu ovo.<br />

Alguns, muito espertos, encontravam-nos<br />

logo. Eu era dos menos<br />

perspicazes para encontrá-los, mas<br />

Dona Lucilia ficava me acompanhando<br />

com o olhar e sorrindo.<br />

Mamãe tinha umas cem predileções<br />

por mim e como eu não tinha<br />

nenhuma esperteza para encontrar os<br />

ovos de Páscoa, ela escolhia os mais<br />

bonitos e escondia num lugar bem<br />

próximo que só ela conhecia.<br />

Eu já me punha perto dela, pois<br />

sabia que seria ajudado... Então ela<br />

me dizia:<br />

— Procure, meu filho!<br />

Eu procurava, mas olhando para<br />

ela...<br />

— Vá mais para lá...<br />

Quando todos mais ou menos tinham<br />

encontrado seus ovos e eu estava<br />

meio desolado, não o tinha encontrado,<br />

mamãe me dizia:<br />

— Filhão, procure ali que você encontra.<br />

— Não estou encontrando.<br />

— Mais para aquele lado.<br />

— Mas não está!<br />

Quando ela via que eu não conseguia<br />

mesmo encontrar ovo algum,<br />

começava a me dar indicações mais<br />

precisas, até que eu acabava encontrando.<br />

Então voltava correndo para<br />

junto dela e lhe agradecia, beijava-a<br />

e comia meus ovos de Páscoa muito<br />

consolado, mas mais consolado ainda<br />

com os agrados dela. Ela compreendia<br />

que essa esperteza que me faltava<br />

para descobrir os ovos escondidos<br />

talvez viesse a ter um dia para<br />

outras coisas; e deixava passar bondosamente.<br />

Estas são remotas lembranças de<br />

um parque que já está destruído e<br />

de uma porção de coisas que já se<br />

foram; ficaram apenas na memória<br />

dela.<br />

Em meio a dores<br />

paroxísticas, alegrias<br />

de fundo de alma<br />

É preciso levar em consideração<br />

que as grandes dores são alternadas<br />

com alegrias inimagináveis. Dores<br />

pungentes como calvários e alegrias<br />

esfuziantes como Páscoas da Ressurreição<br />

fazem um só quadro. A questão<br />

está em, quando se tem a dor,<br />

lembrar-se da alegria e não desanimar;<br />

e quando tivermos alegria, não<br />

nos esquecermos de que a dor vai<br />

bater à nossa porta, e não imaginar<br />

que somos aposentados para a dor.<br />

Mamãe teve alguns fatos de sua<br />

vida de dor muito, muito pungentes.<br />

Não eram senão os ápices de sofrimentos<br />

muito maiores, que em certos<br />

momentos chegavam a uma espécie<br />

de paroxismo.<br />

Tenho a impressão de que, junto<br />

com essa dor permanente, ela experimentava<br />

umas alegrias de fundo de<br />

alma – aliás, o Quadrinho deixa ver –<br />

e que a ajudavam a carregar a cruz.<br />

Porque a impressão que ela dá é de<br />

uma cruz bem carregada, com muito<br />

equilíbrio, nunca com qualquer espécie<br />

de torcida. <br />

v<br />

(Extraído de conferências de 1 e<br />

17/2/1983, 12/11/1984 e 30/3/1986)<br />

7


De Maria nunquam satis<br />

Flávio Lourenço<br />

A oração que abre os<br />

caminhos de Deus<br />

Há favores que a Providência só concede<br />

quando pedimos. E em ocasiões<br />

inverossímeis e improváveis, nossa prece<br />

deve alcançar resultados inesperados.<br />

Flávio Lourenço<br />

O<br />

episódio bíblico no qual Jacó<br />

recebe o título de “forte<br />

contra Deus”, após ter lutado<br />

toda a noite contra um Anjo (Cf.<br />

Gn 32, 22-32), fundamenta-se na seguinte<br />

verdade: Deus quer que suas<br />

criaturas completem de algum modo<br />

a obra d’Ele, unindo-se, pela oração,<br />

pelo sofrimento, pelo sangue, ao governo<br />

do universo.<br />

Luta de Jacó com o Anjo - Museu Certosa di San Martino, Nápoles<br />

O poder de obter o que Deus<br />

não quereria conceder<br />

Deus nos faz desejar aquilo que<br />

Ele quer que peçamos, algo que se<br />

não fosse pedido Ele não daria a ninguém.<br />

E depois, no Céu, quando Ele<br />

nos coroar, dirá: “Isso você obteve<br />

porque pediu!”<br />

Há uma oração na Liturgia, iniciada<br />

assim: “Ó Deus, ao coroar os<br />

nossos méritos, coroais vossos próprios<br />

dons…” 1 É linda, é empolgante!<br />

Deus dá primeiro o dom, nós dizemos<br />

sim, aí nasce nosso mérito.<br />

Quando Ele o coroa, coroa o dom<br />

d’Ele.<br />

Dado esse fundamento, nós podemos<br />

dizer ser conveniente à glória de<br />

Deus, harmonioso, que tendo os homens<br />

levado a revolta contra Ele até<br />

o máximo, outros homens fizessem a<br />

vitória d’Ele de modo inaudito, obtendo<br />

d’Ele aquilo que Ele não quereria<br />

dar, a não ser se nós quiséssemos.<br />

De maneira que nossa união,<br />

nossa fixação à vontade d’Ele esmague<br />

a revolta dos outros. A Contra-<br />

-Revolução posta em prece é assim.<br />

8


Essa será a oração do Reino de<br />

Maria, mas ela não é específica dele<br />

porque já houve outros casos assim<br />

antigamente. Santa Catarina de Siena,<br />

certa vez, rezando diante do Santíssimo<br />

Sacramento pediu uma coisa.<br />

E disse: “Senhor, enquanto não<br />

passardes o braço fora do sacrário e<br />

apertardes a minha mão eu não deixarei<br />

de pedir”. O sacrário se abriu e<br />

o braço de Nosso Senhor apareceu e<br />

apertou a mão dela.<br />

Portanto, não é algo exclusivo do<br />

Reino de Maria. Como ele nasce nas<br />

nossas almas na medida em que nós<br />

o desejemos, basta que nós comecemos<br />

a pedir agora, nesta era histórica,<br />

com essa ênfase, que ele começa<br />

a nascer em nós.<br />

Resultados inesperados<br />

diante de situações<br />

inverossímeis<br />

Santa Catarina de Siena em oração - Museu de Picardia, Amiens, França<br />

A obtenção de milagres, por exemplo.<br />

É preciso ver bem o sentido do<br />

assunto. Nós estamos engajados numa<br />

ação cuja vitória, humanamente<br />

falando, é a coisa menos provável.<br />

Ou por outra, a coisa mais improvável<br />

de se imaginar. Porque com<br />

os recursos que temos nós podemos<br />

atrapalhar a obra do adversário, mas<br />

derrubá-lo, não. Considero uma graça<br />

extraordinária podermos atrapalhar<br />

o adversário. Imaginem derrubá-lo!<br />

O adversário é o mundo inteiro!<br />

Só não é o Céu e o Purgatório.<br />

Este é um preâmbulo quente do<br />

Céu, mas não é o Céu.<br />

Portanto, uma série de ações e<br />

graças extraordinárias deve estar em<br />

nosso caminho para se conseguir levar<br />

a termo aquilo que nós desejamos.<br />

E é normal que em muitas ocasiões<br />

inverossímeis e improváveis a<br />

nossa prece consiga resultados absolutamente<br />

inesperáveis.<br />

Praticada a prece com este desejo,<br />

este empenho, esta inflamação – no<br />

sentido de “flama”, de chama –, essa<br />

combustão; praticada a prece dessa<br />

maneira, de fato obtemos de Nossa<br />

Senhora uma série de graças extraordinárias.<br />

Atirar-se com audácia<br />

no pedido do milagre<br />

A obtenção dessas graças requer<br />

santidade?<br />

A primeira coisa que é preciso ponderar:<br />

Nosso Senhor mandou os Apóstolos<br />

pregarem antes da Paixão d’Ele.<br />

Os Apóstolos voltaram muito contentes,<br />

dizendo que a pregação tinha tido<br />

um eco feliz e eles tinham praticado<br />

milagres. Eles eram santos?<br />

Vendo a história da noite no Horto<br />

das Oliveiras, os três dias da Paixão…<br />

Eles não eram santos! Ou seja,<br />

Deus pode dar, em épocas extraordinárias,<br />

mesmo àqueles que não<br />

são santos, o poder, a possibilidade<br />

de praticar milagres em nome d’Ele<br />

e em atenção ao bem geral, à glória<br />

d’Ele, ao bem da Igreja.<br />

Isso deve nos animar muito, porque<br />

se dependesse de nossa santidade…<br />

seria tão garantido sair muito<br />

milagre? Não sei.<br />

Praticar milagres é um carisma,<br />

não é uma prova de santidade, é um<br />

dom dado por Deus a quem Ele quer.<br />

Flávio Lourenço<br />

9


De Maria nunquam satis<br />

Flávio Lourenço<br />

Então nós podemos esperar<br />

que, realmente, na<br />

medida em que for necessário,<br />

muitos milagres<br />

se realizem. E espantosos!<br />

Desde que nós nos<br />

lembremos bem que isso<br />

não é prova de que sejamos<br />

santos.<br />

Mas isso prova uma<br />

coisa dulcíssima e inefável:<br />

Nossa Senhora está<br />

conosco. “Misericordia<br />

eius a progenie in progenies<br />

…”. A misericórdia<br />

d’Ela vai de progenitura<br />

em progenitura e chegou<br />

até nós. E por misericórdia<br />

d’Ela podemos<br />

praticar coisas absolutamente<br />

extraordinárias.<br />

Eu creio que durante<br />

os castigos previstos em<br />

Fátima, talvez desde já,<br />

talvez não, sem que esteja<br />

nem um pouco provado<br />

que somos santos,<br />

sem interessar a questão<br />

nessa perspectiva<br />

– interessa no<br />

nosso foro ínti-<br />

Flávio Lourenço<br />

Milagres dos Apóstolos - Catedral de Lisieux, França<br />

mo, não nessa perspectiva – nós podemos,<br />

pela oração, arrancar de Nossa<br />

Senhora verdadeiros milagres.<br />

Isso é uma bomba atômica porque,<br />

embora os maus possuam tudo quanto<br />

possuem, nós temos a possibilidade<br />

de obter milagres, se necessário, quando<br />

for o caso.<br />

Então, nós devemos nos atirar audaciosos<br />

no caminho e esperançosos,<br />

orantes, com a tal oração que abre os<br />

caminhos de Deus, por onde o caminho<br />

que vai a Nossa Senhora é aberto<br />

por nós como desbravadores no sertão.<br />

E a Rainha vem, então, suntuosa pelo<br />

caminho aberto por seus filhos, encher<br />

os vácuos e os espaços nos quais<br />

eles lutaram. Isso é perfeito, nada é<br />

melhor. Acho isso muito necessário.<br />

Eu ousaria dizer mais: durante<br />

os castigos de Fátima, os milagres<br />

vão ser mais frequentes<br />

do que no Reino de Maria,<br />

porque nele se estabelecerá<br />

a normalidade.<br />

E nele entrará uma economia<br />

da graça provavelmente<br />

muito mais alta do<br />

que a atual, uma espécie<br />

de ápice da era do Novo<br />

Testamento e, com isso,<br />

uma certa normalidade<br />

na qual o milagre já não<br />

se torna tão necessário.<br />

Ele é necessário nos perigos,<br />

nas lutas, na anomalia,<br />

na tempestade. E é<br />

por inteiro por onde nós<br />

estamos entrando.<br />

Compreende-se que<br />

se pode pedi-lo e esperá-<br />

-lo nessas circunstâncias.<br />

A arte de discernir<br />

as vias de Nossa<br />

Senhora<br />

Como pedir o milagre?<br />

É algo que exige muito<br />

discernimento, mas<br />

em geral essa oração<br />

exerce agrado sobre Nossa<br />

Senhora quando estamos em face<br />

de uma emergência que, caso se realize,<br />

nossas almas ficam desanimadas,<br />

abatidas, desestimuladas para o bem,<br />

amarfanhadas, “engessadas”. Então<br />

nossas melhores tendências, nossos<br />

melhores movimentos de alma se encontram<br />

como que achatados.<br />

Isso não quer dizer – há um claro-<br />

-obscuro dentro disso – que é sempre<br />

um sinal de que Nossa Senhora não<br />

quer que aquilo aconteça. Acontecerá<br />

se nós não pedirmos a Ela. É preciso<br />

que peçamos tanto quanto seja necessário.<br />

Ou seja, até conseguirmos.<br />

Entretanto, quando o pedido é feito<br />

por uma simples veleidade, um capricho,<br />

é diferente. Um de nós está<br />

na rua, por exemplo, cansado e pede:<br />

“Minha Mãe, fazei passar um táxi!”<br />

O táxi passa. Salvo circunstân-<br />

10<br />

Um Anjo consola Jesus no Horto das Oliveiras<br />

Basílica de São Pascoal, Villarreal, Espanha


cias muito especiais, ele não passará.<br />

Mas se a pessoa está cansada, abatida,<br />

com a alma nos pés, não aguenta<br />

mais porque já trabalhou muito e<br />

pede: “Minha Mãe, seria uma delicadeza<br />

vossa fazer passar um táxi…” É<br />

bem possível que ele passe.<br />

Há nisso uma arte de discernir as<br />

vias de Nossa Senhora e de saber tratar<br />

com Ela, de senti-La interiormente.<br />

É uma espécie de discernimento<br />

interno da tarefa da graça em nós,<br />

que nos leva então até lá.<br />

E aí é preciso ter muito equilíbrio,<br />

porque se é verdade que é fácil a pessoa<br />

se enganar e abusar desses pedidos,<br />

é fácil também deixar passar a ocasião.<br />

Então não se trata nem de ser tímido<br />

nem afoito demais. Mas, certeiro!<br />

Como fazemos a coisa certeira?<br />

Não é assim: “Minha Mãe, se for<br />

a hora de fazer passar o<br />

táxi fazei-o passar”. Porque<br />

esse tipo de oração<br />

não tem condicionalidades.<br />

Pede para obter!<br />

Então a oração verdadeira<br />

é: “Minha Mãe, se<br />

houver algum abuso na<br />

minha prece eu Vos peço:<br />

ou que eu tenha a graça<br />

de tomar uma lição ou<br />

Vós tenhais a bondade<br />

de atender a minha prece<br />

abusiva. Mas, Minha<br />

Mãe, eu queria um táxi!”<br />

Nossa Senhora às vezes<br />

prova a nossa confiança. E<br />

o modo de prová-la é fazer<br />

acontecer o contrário<br />

do que nós pedimos. Pedimos<br />

insistentemente para<br />

acontecer certa coisa, fazemos<br />

uma maratona de<br />

preces: “Desta vez eu passei<br />

das seis da tarde às seis<br />

da manhã na capela, diante<br />

do Santíssimo, diante da<br />

imagem de Nossa Senhora,<br />

pedindo. Vou obter!”<br />

Quando o relógio dá a<br />

última badalada das seis<br />

horas da manhã vem alguém avisar<br />

ter acontecido o contrário daquilo que<br />

pedimos a noite inteira.<br />

Pensa-se: “Onde está a oração que<br />

arranca?” Precisa continuar a pedir!<br />

Porque frequentemente acaba acontecendo<br />

o que se pediu ou algo melhor.<br />

Mas a prece ficar sem efeito, nunca!<br />

Pode alcançar um efeito diferente daquele<br />

que nós estávamos querendo,<br />

mas ficar sem efeito não fica. Nunca se<br />

perde tempo conversando com Nossa<br />

Senhora, porque Ela atende sempre.<br />

Um pedido aparentemente<br />

fracassado<br />

O exemplo mais conhecido, mais<br />

glorioso, mais célebre é a ressurreição<br />

de Lázaro. Maria e Marta mandaram<br />

avisar Nosso Senhor assim:<br />

Ressurreição de Lázaro - Pinacoteca Vaticana<br />

“Aquele a quem amas está doente”<br />

(Cf. Jo 11, 3). Esse recado queria dizer:<br />

“Venha logo!”<br />

Nosso Senhor deixou-se ficar, não<br />

atendeu. Alguém reclamou a Ele:<br />

“Mas aquele a quem amais não está<br />

doente?” Ele disse: “Essa doença é<br />

para a glória de Deus” (Cf. Jo 11, 4).<br />

Não se moveu.<br />

Quando Ele chegou, Lázaro estava<br />

morto. Marta chegou correndo<br />

junto a Nosso Senhor e disse: “Senhor,<br />

se estivésseis aqui ele não teria<br />

morrido” (Jo 11, 21). Equivale a<br />

dizer: “Eu teria feito tanta força convosco,<br />

não vos permitiria deixar que<br />

ele morresse”. E o mais curioso é<br />

que se tem com isso uma certa impressão<br />

de que Nosso Senhor, ficando<br />

longe, quis evitar que ela pedisse<br />

com tanta força.<br />

Nosso Senhor disse<br />

que Lázaro ressuscitaria.<br />

A resposta de Marta:<br />

“Eu sei que ele ressuscitará<br />

no último dia”(Jo<br />

11, 24). Ele foi até a sepultura<br />

e chorou. Glória<br />

para Lázaro: o homem<br />

cuja morte fez o Cordeiro<br />

de Deus chorar! Não<br />

consta ter Ele chorado<br />

no Horto das Oliveiras,<br />

lá Ele suou sangue. Diante<br />

da sepultura de Lázaro<br />

Ele chorou. Ele, a quem<br />

os ventos e os mares obedeciam.<br />

Lembremos um<br />

pouquinho da fisionomia<br />

do Sudário. Ele chorou<br />

porque o amigo tinha<br />

morrido. E depois deu<br />

ordem a Lázaro que saísse<br />

da sepultura.<br />

Lázaro saiu todo envolto<br />

em ligaduras. Nosso<br />

Senhor diz: “Desatai-o!”<br />

(Jo 11, 44). Estava terminado<br />

o caso, uma oração<br />

estava atendida. A glória<br />

foi de Lázaro ter morrido<br />

apesar das orações e<br />

Vicente Torres<br />

11


De Maria nunquam satis<br />

de Ele depois o ter ressuscitado. Na<br />

aparência, o primeiro pedido não<br />

adiantou nada, conduziu ao fracasso,<br />

mas elas não perderam a confiança e<br />

saíram do outro lado.<br />

Então nós devemos ter essa forma<br />

de rezar ainda quando não aconteça<br />

aquilo que nós estamos pedindo,<br />

mas tenhamos certeza de que acabará<br />

acontecendo. E se não acontecer<br />

é porque acontecerá algo melhor, de<br />

outro jeito, de outra forma.<br />

Preparado no isolamento<br />

e na incompreensão<br />

Em nossas vidas há tantos fatos<br />

assim! Coisas que se passavam e eu<br />

não compreendia. Eu às vezes pedia<br />

para não se passarem e se passavam<br />

de outro jeito. Depois compreendi<br />

ter sido melhor terem se<br />

passado como se passaram,<br />

mas antes disso me<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Plinio</strong> (ao fundo) junto a seus companheiros de turma<br />

na Faculdade de Direito, em fins de 1928<br />

foi difícil compreender.<br />

Com o tempo entendi.<br />

Por exemplo, eu passei<br />

até 1928, portanto vinte<br />

anos, no isolamento, na<br />

incompreensão e na batalha,<br />

diante de mil insucessos<br />

de apostolados individuais.<br />

Mil! Absolutamente<br />

malsucedidos! E<br />

eu pensava: “Mas, meu<br />

Deus! Não há para mim<br />

nem sequer um guia que<br />

me conduza! Que coisa<br />

bárbara! Se eu tivesse<br />

pelo menos minha mãe,<br />

quem mandasse em mim,<br />

quem me desse uma ordem,<br />

quem me desse uma<br />

diretriz! Eu tenho que<br />

abrir essa picada, sozinho,<br />

montanha acima, no<br />

meio das feras, no meio<br />

das tempestades. Que<br />

coisa brutal! Mas enfim,<br />

vós quereis”. E eu não<br />

chegava sequer a pedir<br />

a Ela que mudasse, porque<br />

eu não sentia nem um pouco –<br />

era duro – ser para meu maior bem a<br />

mudança das coisas.<br />

Quando eu iniciei minha caminhada...<br />

vinte anos! Formado praticamente<br />

com vinte anos de luta, eu estava<br />

pronto para levar atrás muitos outros<br />

porque ninguém me tinha levado<br />

a mim. É só quem não foi levado é que<br />

tem força para levar certas coisas.<br />

Se eu tivesse pedido que as coisas<br />

mudassem eu teria feito um pedido<br />

chocho, não teria sido atendido.<br />

Começo o apostolado e vem depois<br />

todo o problema do Em Defesa<br />

da Ação Católica 2 . Eu me prezava<br />

muito de ser Congregado Mariano e<br />

ainda me prezo! Com que devoção<br />

eu levo o meu distintivo e como eu<br />

me glorio de ser Congregado Mariano!<br />

Quando se tratou da nossa virtual<br />

expulsão de dentro do meio católico,<br />

eu lamentei com toda a alma. Tive<br />

a impressão de ser Adão pecador,<br />

expulso do Paraíso, de tal maneira<br />

eu amava aquele ambiente. Do lado<br />

sobrenatural, não do lado humano.<br />

Nós não somos uma Congregação<br />

Mariana. Somos uma entidade cívica<br />

de inspiração religiosa. Eu não percebia<br />

que estava sendo preparado,<br />

pela mão do adversário, para ter um<br />

refúgio onde ele não nos alcançaria.<br />

Quantos casos assim eu poderia contar,<br />

quase até o infinito!<br />

Rezar muito e Nossa<br />

Senhora atenderá<br />

Alguém dirá: “Mas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, isso<br />

diz quase o contrário daquilo que o senhor<br />

afirmou, que não devemos pedir<br />

tão empedernidamente,<br />

porque às vezes os desígnios<br />

de Deus são outros!”<br />

Eu digo: “Devem-se fazer<br />

as duas coisas: pedir,<br />

pedir, pedir! E, depois, se<br />

Deus não der, compreender<br />

que Ele está dando algo<br />

melhor”.<br />

Há algumas raras ocasiões<br />

nas quais há algo interior<br />

em nossa alma nos<br />

dizendo o seguinte: “Não<br />

se trata de obter d’Ele<br />

uma coisa melhor, trata-se<br />

de obter d’Ele, por<br />

meio d’Ela, isto e não outra<br />

coisa!” Foi o caso de<br />

Santa Catarina de Siena,<br />

de Nosso Senhor passando<br />

o braço para fora do<br />

tabernáculo. Nessas ocasiões<br />

podemos, por assim<br />

dizer, fechar a questão.<br />

Alguém perguntará:<br />

“Mas, se de repente não<br />

acontece o que eu pedi?”<br />

De duas uma: ou é porque<br />

considerei fechada uma<br />

questão que não era para<br />

considerar fechada ou por-<br />

12


Flávio Lourenço<br />

Virgem das Mercês - Mosteiro de São Ramón de Portell, Espanha<br />

que eu pedi pouco, pedi mal. São as duas<br />

hipóteses.<br />

Isso é razão para pedirmos menos?<br />

Nesse caminho nunca devemos<br />

ir na seguinte lorota: “Eu vou oferecer<br />

a Nossa Senhora em vez de um<br />

terço inteiro, uma Ave-Maria muitíssimo<br />

bem rezada. Isto basta!” Quem<br />

reza uma Ave-Maria muitíssimo bem<br />

rezada? Se eu tenho moedinhas de<br />

pouco valor e não sei fabricar outras,<br />

devo fabricar muitas moedinhas de<br />

pouco valor para pagar o preço inteiro.<br />

E, portanto, se minha oração vale<br />

pouco, eu tenho que suprir pela<br />

quantidade. Não tem por onde escapar!<br />

E, portanto, rezar muito!<br />

Nosso Senhor diz exatamente isto:<br />

quando não se consegue rezar<br />

muito bem, reza-se muito. É a parábola<br />

do homem que estava deitado e<br />

o outro bateu na porta pedindo pão.<br />

O dono do pão não gostava muito de<br />

quem estava pedindo. Levou tempo<br />

para atender, declarou estar deitado,<br />

etc. O outro estava fazendo para<br />

ele um pedido desagradável, mas<br />

à força de pedir, ele levantou-se e<br />

lhe deu o pão. E Nosso Senhor disse:<br />

“Fazei assim com vosso Pai Celeste!”<br />

(Cf. Lc 11, 5-13)<br />

Rezemos muito e Nossa Senhora<br />

nos atenderá.<br />

Um bonito exemplo de<br />

oração perseverante<br />

Mamãe era de rezar muito e muito<br />

longamente. Ela dava com isso<br />

um exemplo muito bonito.<br />

Meu pai costumava dizer: “Toda<br />

família que não tem casa própria de<br />

vez em quando muda de casa”. E durante<br />

muito tempo não tivemos casa<br />

própria e mudávamos de casa. Meu<br />

pai dizia de brincadeira: “Não compremos<br />

casa perto de igreja porque<br />

Lucilia some! Ela passa o dia inteiro<br />

na igreja e nós em casa não teremos<br />

mais dona de casa”. Ele dizia brincando,<br />

pois sabia não ser assim. Isso<br />

para dizer até que ponto ela era rezadeira.<br />

Nós podemos ter certeza de que<br />

no Céu a mesma insistência na súplica<br />

ela desenvolve. Então pedir a ela:<br />

“Minha mãe, eu rezo pouco, rezo<br />

mal, mas vós vedes Deus face a face.<br />

Vós estais na glória d’Ele e tendes<br />

hoje a certeza inteira de que vossa<br />

oração é atendida. Nós vos suplicamos<br />

fazer com que aquilo que vos<br />

peçamos vós obtenhais de Nossa Senhora<br />

junto a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo”.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 1/5/1980)<br />

1) “Vós sois glorificado na assembleia<br />

dos santos: quando coroais os seus<br />

méritos coroais os vossos próprios<br />

dons”. Prefácio dos Santos I: Missale<br />

Romanum, editio typica (Typis Polyglottis<br />

Vaticanis 1970).<br />

2) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 300 e 301.<br />

13


Reflexões teológicas<br />

Gabriel K.<br />

Ascensão - Igreja de Santa Maria,<br />

Waltham, Massachussets<br />

Uma meditação para<br />

a Ascensão<br />

Devemos imaginar o momento da Ascensão como uma glorificação,<br />

uma despedida na qual todas as virtudes singularíssimas,<br />

insondáveis, infinitas de Nosso Senhor apareceram com<br />

uma rutilância como nunca antes tinham manifestado.<br />

Para atentarmos bem ao significado<br />

da Ascensão de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

deveríamos tomar em consideração<br />

o fato concreto de ela ser a despedida<br />

d’Ele dos homens.<br />

A existência terrena do Redentor<br />

se encerrou, de algum modo, com sua<br />

morte. Entretanto, depois de ressuscitado,<br />

Jesus esteve entre seus discípulos<br />

e lhes apareceu várias vezes. De<br />

maneira que a sua presença era como<br />

um fato comum, frequente, porque<br />

Ele tinha convivido com os homens.<br />

Novo modo de conviver<br />

com os homens<br />

A partir do momento da Ascensão,<br />

pelo contrário, esse convívio visível<br />

se tornaria raríssimo, esporádico,<br />

extraoficial, em revelações particulares<br />

somente. Entretanto, a presença<br />

d’Ele entre os homens, no período<br />

entre a Páscoa e a Ascensão, teve<br />

o caráter de uma revelação oficial.<br />

E, por esse lado, então, podemos<br />

afirmar ter a Ascensão constituído<br />

uma verdadeira despedida de Nosso<br />

Senhor. Os homens não O veriam<br />

14


mais. Ele continuaria realmente presente<br />

no Santíssimo Sacramento, porém<br />

de um modo insensível.<br />

A Ascensão era mais uma despedida<br />

das aparências do sensível, do<br />

que do real, embora insensível, isto<br />

é, a sua presença permanente entre<br />

os homens na Eucaristia.<br />

E era, portanto, a figura de Nosso<br />

Senhor naquilo que o homem vê, ouve,<br />

admira através dos sentidos, que<br />

se retirava da Terra e subia aos Céus.<br />

Era um encerramento e uma despedida.<br />

E, ao mesmo tempo, uma glorificação,<br />

porque Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo voltava ao Padre Eterno.<br />

A sua missão terrena estava encerrada.<br />

Ele subia para receber o triunfo,<br />

as manifestações de honra e de glória<br />

devidas àqueles que cumprem,<br />

de um modo exímio e sublime, uma<br />

missão muitíssimo árdua. Ele seria<br />

glorificado pelo Padre Eterno.<br />

Assim, a Ascensão se daria em condições<br />

para que toda a glória de Nosso<br />

Senhor aparecesse aos olhos dos homens.<br />

E chegando ao Céu seria recebido<br />

por uma manifestação, no sentido literal<br />

da palavra, apoteótica, de todos os<br />

Anjos e de todos os justos que tinham<br />

Ceia com os discípulos de Emaús - Museu Thyssen-Bornemisza, Madri<br />

morrido e estavam à espera do Redentor<br />

para entrar no Céu com Ele e reinar<br />

com os Anjos por toda a eternidade.<br />

No momento da despedida,<br />

uma nova rutilância<br />

Devemos imaginar o momento<br />

em que Nosso Senhor Jesus Cristo se<br />

despediu como uma despedida imensamente<br />

gloriosa e uma glorificação<br />

de todos os aspectos de sua santidade,<br />

de sua perfeição moral infinita.<br />

Então, todas as virtudes singularíssimas,<br />

insondáveis, infinitas manifestadas<br />

por Nosso Senhor em sua<br />

existência terrena, todos os atrativos,<br />

todos os encantos de sua personalidade,<br />

tudo isso devia aparecer com<br />

uma rutilância, uma cintilação, um<br />

fulgor, uma glória, como nunca tinham<br />

aparecido.<br />

Flávio Lourenço<br />

Flávio Lourenço<br />

Da esquerda para a direita: Cristo ressurrecto aparece à Santíssima Virgem - Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa;<br />

Santa Maria Madalena se encontra com Jesus ressuscitado - Mosteiro de Pedralbes, Barcelona;<br />

Aparição de Jesus aos Apóstolos, enquanto pescavam, após a Ressurreição - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona<br />

15


Reflexões teológicas<br />

Samuel Holanda<br />

À medida que Nosso Senhor ascendia,<br />

a sua glória resplandecia ainda<br />

mais, até o momento no qual os homens<br />

perderam o olhar d’Ele e compreenderam<br />

que aquela glória se tinha<br />

confundido com os esplendores do Padre<br />

Eterno e nada mais dela era visível.<br />

Imaginemos Nosso Senhor caminhando<br />

com os seus para o alto do<br />

monte a partir do qual Ele subiria<br />

aos Céus. Assim como quando Ele<br />

foi para o Horto das Oliveiras ao iniciar<br />

a Paixão, com os Apóstolos cada<br />

vez mais tristes e distantes d’Ele, assim<br />

nessa segunda caminhada Nosso<br />

Senhor foi com os seus, desta vez, porém,<br />

foi com uma alegria e glória cada<br />

vez maior. Houve uma despedida,<br />

Ele disse algumas palavras para todos<br />

e, então, começou a subir aos Céus.<br />

Todos viam tudo, mas<br />

com aspectos diferentes<br />

Numa síntese maravilhosa, todos<br />

os predicados de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo começavam a aparecer. E cada<br />

alma ia notando, de acordo com sua luz<br />

primordial 1 , algo que ela deveria ver.<br />

Podemos conjecturar a Ascensão<br />

tendo se passado aos olhos de todos de<br />

um modo igual. Entretanto, cada um<br />

deve ter notado qualquer coisa de completamente<br />

diferente. Para algumas almas,<br />

Nosso Senhor apareceu como um<br />

Rei resplandecente de glória, subindo<br />

ao Céu e refulgindo de poder sagrado;<br />

a outras, com uma nota mais dominante<br />

de Mestre sapientíssimo, levando<br />

consigo toda a Sabedoria; a outras, como<br />

o Taumaturgo poderosíssimo; a outras,<br />

como o Pastor boníssimo; a outras,<br />

enfim, apareceram o encanto e a meiguice<br />

do Divino Salvador.<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, se ousássemos<br />

afirmar isto, mostrou-Se<br />

pequeno para os pequenos, meigo<br />

para os meigos, acessível para os tímidos<br />

e, assim, subiu ao Céu na glorificação<br />

de sua condescendência, de<br />

sua bondade, de sua afabilidade e<br />

misericórdia.<br />

Alguns tê-lo-ão visto subir com<br />

aquele poder terrível da divindade<br />

manifestada por Ele quando respondeu<br />

aos soldados que O buscavam:<br />

“Ego Sum”, fazendo todos caírem<br />

por terra. Outros viram-no ascender<br />

de tal modo que as suas palavras<br />

mais carinhosas, mais afetuosas<br />

e condescendentes para com os homens<br />

tenham aparecido ali de uma<br />

forma verdadeiramente magnífica.<br />

E, sobretudo, todos viram tudo, mas<br />

cada um viu aquilo que faria mais<br />

bem para sua alma.<br />

Como estava o Céu<br />

naquele momento<br />

Enquanto Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo subia, talvez o céu tenha tomado<br />

coloridos inefáveis, com irisações<br />

onde se alternaram o ouro e cores várias;<br />

as pessoas tenham ouvido músicas<br />

e experimentado sensações extraordinárias<br />

que eram coruscações da<br />

glorificação do Céu e do concerto dos<br />

Anjos baixando à Terra, para os homens<br />

compreenderem quais triunfos<br />

o Pai preparava para Ele.<br />

Samuel Holanda<br />

São Tomé coloca o dedo na chaga de Jesus - Catedral de Salamanca<br />

À direita, “Apascenta minhas ovelhas” - Paróquia de Santo Eustáquio, Paris<br />

16


Tudo isso é uma conjectura. Entretanto,<br />

algo à maneira disso se deu<br />

e a História não nos registra<br />

bem exatamente, nos pormenores<br />

e nas manifestações<br />

concretas. Mas<br />

esse é o efeito que<br />

a Ascensão d’Ele<br />

produziu sobre as<br />

almas, impressionando<br />

a todas de<br />

um modo ou de<br />

outro.<br />

Fazendo uma<br />

recomposição hipotética<br />

de lugar,<br />

imaginemos Nosso<br />

Senhor subindo<br />

e a glória d’Ele empolgando<br />

cada vez<br />

mais.<br />

Podemos, então, voltar<br />

os nossos olhos para<br />

os fiéis que estavam ali contemplando<br />

a Ascensão, a multidão<br />

embevecida, entusiasmada com<br />

o que via, mas com um entusiasmo<br />

sagrado, cheio de recolhimento, de<br />

veneração, de amor. Essa multidão,<br />

que era a semente da Igreja Católica,<br />

estava ajoelhada. Imaginem a impressão<br />

de piedade que todas aquelas<br />

almas deviam dar.<br />

Ainda que não víssemos a elevação<br />

de Nosso Senhor aos Céus, mas<br />

apenas essas almas, pelo estado delas<br />

poderíamos saber como foi a Ascensão.<br />

E, no centro de tudo, naturalmente<br />

São Pedro e os Apóstolos,<br />

mas, sobretudo, Nossa Senhora!<br />

A Ascensão e a<br />

missão de Maria<br />

Nossa Senhora ficava enquanto<br />

a imagem de Cristo. Era Ela quem<br />

assegurava, nos planos da Providência,<br />

pela sua presença na Igreja, que<br />

aquela distância imensa estabelecida<br />

entre Nosso Senhor e os homens<br />

não era um abismo ou um hiato,<br />

mas, pelo contrário, havia algo que<br />

Pentecostes - Museu da Catedral<br />

de Segorbe, Valência<br />

continuava e unia. Maria era exatamente<br />

a Mediadora onipotente, o<br />

traço de união entre o Céu e a Terra,<br />

entre Deus e os homens.<br />

Ana Catarina Emmerich nos diz,<br />

e é muito explicável, que durante a<br />

presença de Nosso Senhor na Terra<br />

a Santíssima Virgem não apareceu<br />

tão claramente no esplendor de suas<br />

prerrogativas aos Apóstolos e aos<br />

primeiros católicos. E isso era para<br />

que a Pessoa de Nosso Senhor ocupasse<br />

a plenitude de tudo.<br />

No entanto, a partir do momento<br />

em que Ele subiu aos Céus, começou-se<br />

a notar mais tudo quanto havia<br />

n’Ela e toda a sua semelhança com<br />

Ele, e isso foi reforçado com Pentecostes.<br />

Deste modo o fervor de todos<br />

para com Ela foi crescendo. Iniciou-<br />

-se, então, aquilo que alguns escritores<br />

chamam “a missão de Maria”. E<br />

a missão terrena de Maria antes d’Ela<br />

subir ao Céu era fazer de algum<br />

modo as vezes da presença sensível<br />

de Nosso Senhor.<br />

Começava a veneração<br />

“marial” a se tornar<br />

mais nítida, a tomar<br />

o caráter de um<br />

culto e Nossa Senhora<br />

iniciou o seu<br />

trabalho na Igreja,<br />

como quando<br />

o Sol se põe<br />

e aparece a Lua.<br />

E, embora a Lua<br />

não seja de nenhum<br />

modo o Sol,<br />

ela tem sua meiguice,<br />

seu encanto, sua<br />

beleza e seu atrativo,<br />

que é verdadeiramente<br />

maravilhoso!<br />

Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo partiu, mas nos deixou<br />

sua presença real na Eucaristia<br />

e sua Mãe Santíssima. E todas<br />

aquelas refulgências notadas na<br />

Ascensão começaram a se notar depois,<br />

conservados os devidos graus,<br />

na pessoa de Nossa Senhora. Iniciava-se,<br />

assim, a grande missão de<br />

Nossa Senhora na Igreja.<br />

Com base nessas considerações,<br />

poderíamos nos perguntar o seguinte:<br />

“Se eu estivesse lá, como veria?<br />

De acordo com minha luz primordial,<br />

como imaginar?” Desde que se tenha<br />

o cuidado de compreender que não<br />

passa de uma hipótese – com certo<br />

substrato real no seu aspecto simbólico,<br />

não histórico –, existe a possibilidade<br />

de uma meditação muito frutuosa<br />

a respeito da Ascensão.<br />

Flávio Holanda<br />

Magnificência do mistério<br />

Ainda sobre a Ascensão, temos<br />

uma ficha tirada do L’Année Liturgique,<br />

de D. Guéranger 2 , com uma<br />

oração da liturgia grega a respeito<br />

de Nossa Senhora:<br />

Senhor, após o cumprimento, por<br />

vossa bondade, do mistério oculto há<br />

17


Reflexões teológicas<br />

tantos séculos e tantas gerações, viestes<br />

com vossos discípulos ao Monte<br />

das Oliveiras. Tínheis convosco Aquela<br />

que vos colocara no mundo, Vós, o<br />

Criador e Artífice de todas as coisas.<br />

Não convinha, na verdade, que<br />

Aquela que em sua condição de Mãe<br />

sofrera mais do que qualquer outro<br />

quando de vossa Paixão, usufruísse de<br />

uma alegria que ultrapassa qualquer<br />

outra alegria, na glória de vossa carne?<br />

Tomando parte também nessa alegria,<br />

glorificamos na vossa Ascensão<br />

ao Céu o grande benefício que Vós<br />

nos fizestes.<br />

No Horto das Oliveiras, onde Nosso<br />

Senhor subiu, Nossa Senhora estava<br />

presente. A presença d’Ela era a<br />

primeira junto d’Ele na hora da glória<br />

porque tinha sido a primeira junto<br />

a Ele na hora da dor. Essa glorificação<br />

e alegria é algo pelo qual todos<br />

nós devemos dar graças, e não apenas<br />

Nossa Senhora.<br />

A oração continua:<br />

Colocastes no mundo, ó Soberana<br />

Imaculada, o Senhor de todas as coisas,<br />

o qual escolheu uma Paixão voluntária<br />

e subiu ao Pai, do qual não<br />

Se afastara ao Se encarnar. Ó maravilha<br />

inconcebível! Como, Vós que<br />

sois cheia de graça divina, contivestes<br />

em vosso seio o Deus incompreensível,<br />

Aquele que mendigou uma carne<br />

e que neste dia sobe aos Céus no meio<br />

de uma tão grande glória? E que deu a<br />

vida aos homens?<br />

Essa oração glorifica Nossa Senhora,<br />

porque Ela deu a carne a<br />

Nosso Senhor, o qual, com a carne<br />

dada por Ela, sobe aos Céus. E isso<br />

torna-se para Ela, como Mãe d’Ele,<br />

uma glória incomparável.<br />

Eis que vosso Filho, ó Mãe de<br />

Deus, após ter vencido a morte por<br />

sua Cruz…<br />

Nosso Senhor, morrendo na Cruz<br />

venceu a morte do pecado.<br />

…ressuscitou ao terceiro dia e,<br />

após ter aparecido aos discípulos, retomou<br />

o caminho para os Céus. Nós<br />

nos unimos a Ele em nossa veneração<br />

e vos cantamos e glorificamos em todos<br />

os séculos.<br />

Esta frase foi o pensamento de todos<br />

os católicos que estavam no momento<br />

da Ascensão, depois de Nosso<br />

Senhor desaparecer e dos Anjos virem<br />

anunciar a volta d’Ele.<br />

Salve Mãe de Deus, Mãe de Cristo<br />

Deus, Aquele que destes ao mundo,<br />

Vós O glorificais vendo-O neste dia<br />

elevar-Se da terra com os Anjos.<br />

Maria Santíssima viu Nosso Senhor<br />

subir ao Céu por poder próprio,<br />

mas seguido de uma revoada<br />

de Anjos. Quem O tinha dado<br />

ao mundo, contemplava-O, naquele<br />

momento, sendo objeto de uma tão<br />

imensa glória! Podemos afirmar que<br />

a maior, a mais magnífica das meditações<br />

sobre a Ascensão foi feita por<br />

Nossa Senhora.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 18/5/1966)<br />

1) A luz primordial é a virtude dominante<br />

que uma alma é chamada a refletir,<br />

imprimindo nas outras virtudes sua<br />

tonalidade particular.<br />

2) Não dispomos dos dados desta ficha.<br />

Ascensão - Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa<br />

Flávio Lourenço<br />

18


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Flávio Lourenço<br />

Jesus expira na Cruz - Museu<br />

de Picardia, Amiens, França<br />

A festa da<br />

seriedade triunfante<br />

Quem considera a felicidade como fim último nesta Terra torna-se<br />

indisposto para a aceitação da dor. Somente se solidifica na seriedade<br />

o homem ornado com a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

A<br />

paz de alma é uma disposição<br />

pela qual a pessoa, colocada<br />

diante das piores<br />

dores, não tem fratura em seu princípio<br />

axiológico. Ela compreende<br />

que a vida é assim, tem de ser assim.<br />

Portanto, não tem agitações, convulsões,<br />

frenesis, manifestações de inconformidade<br />

sem propósito. Pelo<br />

contrário, sabe que tudo se passa<br />

dentro das normas.<br />

O ideal é quando a pessoa possui<br />

um temperamento tão dócil que não<br />

precisa fazer esforço para manter-se<br />

neste estado de espírito. Para outros,<br />

de temperamento agitado, será necessário<br />

fazer força, e nisto entra um<br />

mérito especial.<br />

Este é o primeiro ponto: considerar<br />

que o sofrimento é normal e parte<br />

integrante da vida, faz bem às almas<br />

e dá glória a Deus.<br />

A dor, um “nonsense”?<br />

A esperança de passar uma vida sem<br />

sofrimento é a mais mentirosa que possa<br />

haver. Segundo a concepção mundana,<br />

coitado é aquele a quem acontecem<br />

habitualmente infelicidades; ele<br />

deve se conformar, porque não tem remédio.<br />

É como alguém que nasceu, por<br />

exemplo, com uma doença na espinha<br />

dorsal, é paralítico, passa a vida numa<br />

cama. Não tem remédio. A ideia que fica<br />

é: “Há gente que nasce assim, mas<br />

não sou desses, nem sequer posso pensar.<br />

Isso é um absurdo.”<br />

Então, a dor apresenta-se como<br />

o grande nonsense 1 e a alegria como<br />

o único sentido da vida. Resultado: a<br />

pessoa se apega enormemente a esta<br />

noção. Olha, por exemplo, para seus<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Gabriel K.<br />

próprios parentes: são todos ricos,<br />

bem instalados, não são contrariados,<br />

os negócios dão certos, os planos de<br />

viagem não são perturbados por nada,<br />

têm as relações que querem, não têm<br />

as que não desejam, enfim, fazem a vida<br />

como lhes apetece, são felizes.<br />

Mania do riso, negação<br />

da seriedade<br />

Ora, a se considerar verdadeira essa<br />

teoria – de fato, ela é infame –, o riso<br />

se torna a atitude habitual do homem.<br />

Tudo quanto leva a pensamentos<br />

tristes é absurdo, porque perturba<br />

a alegria, a finalidade da vida. Neste<br />

sentido, a seriedade é irmã, filha ou<br />

mãe da melancolia; é preciso não ser<br />

sério, mas brincalhão, engraçado, viver<br />

rindo o dia inteiro. Se há durante<br />

o dia vinte oportunidades de dar risada<br />

e de estar contente, tem-se um bom<br />

dia. Fora disso, nenhum dia é bom.<br />

Não precisa ser homem maduro<br />

para ter essa mentalidade. A razão pela<br />

qual tantos meninos estudam pouco,<br />

é porque acham um absurdo ter de<br />

estudar, porque tira a alegria. Querem<br />

apenas uma vida de eterno feriado.<br />

E se alguém pergunta a um desses:<br />

— Mas você não pensa que se tornará<br />

um adulto ignorante?<br />

Ele responderá:<br />

— Não tem problema.<br />

Desde que eu seja rico e possa<br />

me divertir, cultura, talento<br />

e todos os outros atributos<br />

humanos não têm importância<br />

nenhuma. É preciso<br />

ter dinheiro, saber vestir-<br />

-me bem, frequentar o meio<br />

social que eu quero, rir, rir,<br />

rir o tempo inteiro.<br />

Esta se torna a finalidade<br />

da vida, e a seriedade fica impossível,<br />

porque tal mentalidade<br />

é a negação mais rotunda<br />

desta virtude. O homem<br />

contemporâneo foi habituado<br />

a esse estado de espírito.<br />

Ora, exatamente o contrário<br />

a isso nós devemos adquirir.<br />

Qualidade de sub-homem<br />

Qual é o oposto desse estado de<br />

espírito? Antes de tudo, é compreender<br />

quão desprezível é uma pessoa<br />

que não tem as qualidades verdadeiras<br />

do homem. O seu pensamento é<br />

uma cartilagem inconsistente, só pensa<br />

asneiras; sua vontade é como um<br />

leme quebrado, incapaz de indicar o<br />

rumo do navio; sua sensibilidade é<br />

como a de uma pele doente, dolorida<br />

ao mínimo toque, não suporta o menor<br />

sofrimento, não aguenta nada.<br />

Quem não é capaz de entender, admirar,<br />

querer, fazer qualquer coisa um<br />

pouquinho acima do nível do chão não<br />

é um homem, mas um sub-homem,<br />

um bicho. Os passarinhos levam essa<br />

vida: se é agradável ir, de repente,<br />

do galho de uma árvore ao de outra,<br />

eles lá vão. Se querem esvoaçar perto<br />

de um tanque, para lá voam! Fazem o<br />

deleitável, levados por seus instintos.<br />

Pois bem, assim agem certos homens.<br />

Uma pessoa que recebeu essa formação<br />

desde pequeno, e não foi habituada<br />

a reagir adquirindo um estado<br />

de espírito oposto, desfecha inevitavelmente<br />

na quarta Revolução,<br />

cuja essência está expressa num dos<br />

slogans da Revolução da Sorbonne:<br />

“É proibido proibir.”<br />

Necessidade do árduo<br />

Entretanto, isso se liga a uma outra<br />

realidade. O espírito humano<br />

bem construído tem tendências de<br />

alma por onde, em certo momento,<br />

deseja realizar grandes ações.<br />

É como um moço que, de vez em<br />

quando, quer subir uma montanha,<br />

Jesus Cristo é pregado na Cruz - Museu da Semana Santa, Zamora, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

20


Flávio Lourenço<br />

Ressurreição - Museu da Catedral de Santa Cecília, Albi, França<br />

atravessar a nado uma baía, participar<br />

de um torneio de esgrima, fazer<br />

algo difícil porque o seu corpo, toda<br />

sua sensibilidade tem necessidade<br />

do árduo, do grande, por onde ele se<br />

sinta proporcionado com as potências<br />

que não podem ficar dormindo<br />

dentro de si. Daí haver campeonatos,<br />

alguns medíocres, mas que, afinal,<br />

exprimem de algum modo essa<br />

necessidade.<br />

Daí também a nobreza do risco<br />

bem calculado. Se diante de um risco<br />

o indivíduo percebe ser capaz de enfrentá-lo<br />

e se haver bem dentro dele,<br />

e então se lança, esta atitude é nobre,<br />

elevada. A própria palavra “nobre”<br />

começa a tomar sentido para<br />

ele, e mesmo a melancolia e a tristeza<br />

acrescentam algo à sua alma. Por<br />

exemplo, a tragédia grega com o que<br />

ela tem de horrível acaba sendo bela,<br />

e o homem lendo-a acrescenta algo a<br />

seu espírito.<br />

Páscoa, seriedade<br />

gloriosa e triunfante<br />

Esse mesmo homem, colocado diante<br />

da leitura da Paixão de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo e das cerimônias da Semana<br />

Santa, tem a alma naturalmente disposta<br />

a corresponder à graça específica<br />

desses Mistérios da Vida do Redentor.<br />

Ele vê o que Nosso Senhor fez de insigne,<br />

de admirável e, estimulado por isso,<br />

diz: “Eu também quero! Ainda que me<br />

venha um sofrimento tremendo, desde<br />

que eu O imite e seja um só com Ele,<br />

eu quero!” É algo admirável!<br />

Só então o homem começa a conceber<br />

o encanto das coisas vistas em<br />

profundidade e a compreender o aspecto<br />

do universo que conduz a Deus;<br />

aprende a elevar o espírito para os<br />

destinos eternos, a adoração, o serviço<br />

a Deus, a glória d’Ele.<br />

Isso confere ao homem a solidez e<br />

a seriedade devidas. Ele introduziu em<br />

seu “mobiliário” mental o mais belo<br />

dos ornatos: a Cruz de Cristo. Porque<br />

ele compreendeu que nunca se fez coisa<br />

mais bela do que o Homem-Deus<br />

ter querido sofrer tudo quanto sofreu<br />

da parte de homens que não tinham<br />

nenhum direito de fazer o que fizeram;<br />

eles, mais do que ninguém, infames,<br />

tabaréus, sem-vergonhas. Nosso<br />

Senhor aceitou isso – e de imediato –<br />

por um povo ingrato e por discípulos<br />

infiéis. Um nonsense aparente, mas escorando<br />

no peito! É assim! Vitorioso!<br />

Neste sentido se pode dizer ser a<br />

Páscoa da Ressurreição a festa da seriedade<br />

triunfante! Não a seriedade<br />

esmagada, melancólica e triste, mas<br />

gloriosa, brilhando com todas as luzes<br />

de Deus.<br />

v<br />

1) Do inglês: disparate.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 26/1/1989)<br />

21


C<br />

alendário<br />

Santo Agostinho Roscelli<br />

1. Beato Aldebrando, bispo (†1170).<br />

Sua trajetória terrena foi marcada pela<br />

austeridade e pelo espírito apostólico.<br />

2. Santo Atanásio, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†373).<br />

Santo Hespério e Santa Zoé, mártires<br />

(†s. II). Eram pais de São Ciríaco<br />

e São Teódulo. Segundo a tradição,<br />

no tempo do Imperador Adriano, estando<br />

a serviço de um pagão, os quatro,<br />

por ordem de seu amo, foram flagelados<br />

e duramente torturados por<br />

professar a fé cristã. Morreram lançados<br />

num forno em chamas.<br />

3. São Filipe e São Tiago Menor,<br />

Apóstolos (†s. I).<br />

4. São Floriano, mártir (†304). Oficial<br />

do exército romano, morto durante<br />

a perseguição de Diocleciano<br />

por ter-se declarado cristão. Foi lançado<br />

de uma ponte ao rio Enns com<br />

uma grande pedra ao pescoço.<br />

5. Santo Ângelo de Sicília, presbítero<br />

e mártir (†1220). Membro da Ordem<br />

Carmelitana, foi assassinado em<br />

Licata, região da Itália.<br />

dos Santos – ––––––<br />

Divulgação<br />

Beata Catarina Cittadini, virgem<br />

(†1857). Fundadora do Instituto<br />

das Irmãs Ursulinas de Somasca,<br />

na Itália.<br />

6. São Venério, bispo (†409). Foi<br />

discípulo e diácono de Santo Ambrósio,<br />

enviou clérigos para auxiliar os<br />

bispos da África e socorreu São João<br />

Crisóstomo no seu exílio.<br />

7. V Domingo da Páscoa.<br />

Santo Agostinho Roscelli, presbítero<br />

(†1902). Fundou em Gênova, Itália,<br />

a Congregação das Irmãs da Imaculada<br />

Conceição da Bem-Aventurada<br />

Virgem Maria.<br />

8. São Desidério, bispo (†550). Bispo<br />

de Bourges, França, participou de<br />

vários concílios, combateu as heresias<br />

de Nestório e Eutiques, e empenhou-<br />

-se com ardor pela disciplina da Igreja.<br />

9. Beato Estêvão Grelewski, presbítero<br />

e mártir (†1941). Encarcerado no<br />

campo de concentração de Dachau,<br />

perto de Munique, cidade da Baviera,<br />

na Alemanha, durante a ocupação<br />

militar da Polônia; recebeu a gloriosa<br />

coroa do martírio tendo sofrido cruéis<br />

tormentos no cárcere, infligidos pelos<br />

perseguidores da Igreja.<br />

10. São João de Ávila, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1569).<br />

11. São Mateus Lê Van Gam, mártir<br />

(†1847). Por ter transportado na<br />

sua barca missionários provenientes<br />

da Europa, foi preso e, depois de passar<br />

um ano no cárcere, por decreto do<br />

imperador Thieu Tri foi degolado em<br />

Saigon, atual Vietnã.<br />

12. São Nereu e Santo Aquiles,<br />

mártires (†s. IV). Como narra o Papa<br />

São Dâmaso, eram soldados do exército<br />

romano. Convertidos ao Cristianismo,<br />

depuseram as armas e confessaram<br />

a fé em Cristo, sendo por isso<br />

martirizados. Foram sepultados na Catacumba<br />

de Domitila, em 12 de maio.<br />

Por isso a Igreja os celebra neste dia.<br />

São Pancrácio, mártir (†s. IV).<br />

13. Nossa Senhora de Fátima,<br />

(1917).<br />

São Servácio, bispo (†c. 384). Bispo<br />

de Tongres, na Bélgica. Durante<br />

as controvérsias suscitadas em vários<br />

concílios acerca da natureza de Cristo,<br />

defendeu a verdadeira fé nicena.<br />

14. VI Domingo da Páscoa.<br />

São Matias, Apóstolo (†s. I).<br />

15. São Retício, mártir († s. IV).<br />

Bispo na Gália, atual França.<br />

16. São Simão Stock, presbítero<br />

(†1265).<br />

Quarenta e quatro santos monges,<br />

mártires (†614). Na Palestina, no<br />

tempo do imperador Heráclio, foram<br />

São Floriano<br />

Flávio Lourenço<br />

22


––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />

Gabriel K.<br />

massacrados pelos sarracenos que assaltaram<br />

o Mosteiro de São Sabas.<br />

17. Santa Júlia Salzano, virgem<br />

(†1929). Fundou a Congregação das Irmãs<br />

Catequistas do Sagrado Coração<br />

de Jesus para ensinar a doutrina cristã e<br />

difundir a devoção à Eucaristia.<br />

Beata Antonia Mesina, virgem e<br />

mártir (†1935). Dedicou-se generosamente<br />

às obras da Igreja e, com dezessete<br />

anos de idade, defendeu a sua<br />

castidade até a morte.<br />

18. Beato Martinho Oprzadek,<br />

presbítero e mártir (†1942). Natural<br />

da Polônia, pertencia à Ordem<br />

dos Frades Menores. No tempo da<br />

guerra, morreu intoxicado nas câmaras<br />

de gás, em um campo de concentração.<br />

19. Beata Humiliana de Cerchi, viúva<br />

(†1246). Suportou de modo admirável<br />

os maus tratos do esposo com<br />

exemplar paciência e mansidão. Ao<br />

ficar viúva, tornou-se terciária franciscana,<br />

consagrando-se totalmente à<br />

oração e às obras de caridade.<br />

Santo Ângelo de Sicília<br />

Divulgação<br />

20. São Bernardino de Sena, presbítero<br />

(†1444). Conhecido como Apóstolo<br />

da Itália, propagou a devoção ao<br />

Santíssimo Nome de Jesus, exerceu<br />

o ministério da pregação com grande<br />

fruto para as almas até o dia de sua<br />

morte, em L’Áquila, nos Abruzos.<br />

21. Solenidade da Ascensão do Senhor.<br />

22. Santa Rita de Cássia, religiosa<br />

(†1457).<br />

23. Santo Eutíquio, abade (†c. 487).<br />

Praticou vida solitária juntamente com<br />

São Florêncio, nos arredores de Nórcia,<br />

Itália, e depois governou santamente<br />

o mosteiro próximo.<br />

Beata Humiliana de Cerchi<br />

24. Nossa Senhora Auxiliadora dos<br />

Cristãos. Festa promulgada pelo Papa<br />

Pio VII, em 1816.<br />

25. São Gregório VII, Papa (†1085).<br />

Santa Madalena Sofia Barat, virgem<br />

(†1865). Fundou em Amiens,<br />

França, a Sociedade do Sagrado Coração<br />

de Jesus, para a difusão dessa<br />

devoção e para a formação de moças.<br />

26. São Filipe Néri, presbítero (†1595).<br />

Santa Felicíssima, mártir (†s. III/IV).<br />

Santa Júlia Salzano<br />

27. Santo Atanásio Bazzekuketta,<br />

mártir (†1886). Jovem da casa real da<br />

Uganda. Recém batizado, recebeu a coroa<br />

do martírio por ter abraçado a fé em<br />

Cristo, sendo espancado até a morte.<br />

28. Solenidade de Pentecostes.<br />

29. Beatos Guilherme Arnaud e dez<br />

companheiros, mártires (†1242). Unidos<br />

na missão de impedir a heresia dos<br />

cátaros, foram presos por causa da fé<br />

em Cristo e da obediência à Igreja Romana;<br />

morreram ao fio da espada no<br />

dia da Ascensão do Senhor, cantando<br />

unanimemente o Te Deum.<br />

30. São Fernando III, rei (†1252).<br />

Primo de São Luís IX, atuou em inúmeras<br />

batalhas, das quais saiu sempre<br />

vitorioso.<br />

Santa Joana D’Arc, virgem (†1431).<br />

Conhecida como a Donzela de Orléans,<br />

lutou valentemente por sua pátria até<br />

que, vítima de traição e de um julgamento<br />

injusto, foi condenada ao suplício da<br />

fogueira pelo tribunal da Inquisição.<br />

31. Visitação de Nossa Senhora.<br />

Divulgação<br />

23


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Pátio da Sé, em 1862 - Museu Paulista<br />

da Universidade de São Paulo<br />

José Rosael/Hélio Nobre/Museu Paulista da USP (CC3.0)<br />

A formação do<br />

autêntico paulista - I<br />

Uma das operações mais sutis e detestáveis executadas pela<br />

Revolução consiste em tirar do indivíduo a consciência de<br />

sua identidade, tão presente no élan primeiro da inocência,<br />

fazendo-o procurar ser aquilo para o que não foi chamado.<br />

Para entender bem o ambiente<br />

no qual eu me situava<br />

e que explica a formação<br />

do meu espírito, é preciso afastar<br />

alguns prismas, certos pontos de vista<br />

errados a respeito de São Paulo.<br />

Fidelidade à imagem<br />

primeira mostrada<br />

pela inocência<br />

Quando a Revolução atua em determinado<br />

meio, uma das operações<br />

mais sutis e detestáveis executadas<br />

por ela consiste em tirar-lhe a consciência<br />

do que ele é, fazendo com<br />

que ele queira ser algo que não é,<br />

para o qual não foi feito e no qual será<br />

uma caricatura.<br />

A Revolução também faz isso<br />

com os indivíduos, segundo sua vocação,<br />

sua luz primordial 1 , as graças<br />

batismais recebidas. Em tudo quanto<br />

Nossa Senhora quer desenvolver<br />

em um homem, segundo a realização<br />

de um desígnio d’Ela, a Revolução<br />

entra e lhe tira a noção de sua<br />

identidade com esse plano da Providência<br />

e da correspondência ao élan<br />

primeiro de sua inocência.<br />

Ele não compreende que o élan de<br />

sua inocência é como um jato de luz<br />

que atravessa o futuro, bate na parede<br />

final da morte e ali lança a figura<br />

de sua pessoa, levada a todas as suas<br />

dimensões e à sua plena realização.<br />

De maneira que uma pessoa na<br />

sua infância, imaginando como deveria<br />

ser o momento no qual Deus<br />

a colherá para galardoá-la, justa e<br />

muito misericordiosamente, por<br />

aquilo que fez na vida, tivesse um<br />

estremecimento de toda sua alma e<br />

dissesse: “Aquela sou eu, assim devo<br />

ser!” É a figura da santidade total<br />

24


para a qual cada um de nós, em medidas<br />

diferentes, é chamado.<br />

Isso a Revolução extirpa de nossa<br />

cabeça e nós descarrilhamos. Vamos<br />

procurar outras figuras que não<br />

são as nossas e daí por diante tudo é<br />

artificialidade, catástrofe, ansiedade,<br />

vaidade, aflição de espírito, derrocada<br />

e zero!<br />

É isso que se trata de evitar quando<br />

compreendemos que um indivíduo<br />

tem uma trajetória para percorrer.<br />

E a condição de acertar no ponto<br />

final da caminhada é ser fiel à<br />

imagem primeira que a inocência dá<br />

de si e à graça, bem como ao ensino<br />

integral da Religião. A pessoa forma<br />

uma ideia, um esboço: “Assim eu devo<br />

ser, assim serei”, e acerta.<br />

Isso que se dá em escala muito<br />

menor em um indivíduo, dá-se também<br />

tanto com uma cidade quanto<br />

com um estado, um país.<br />

Analogia entre o gomo<br />

e a laranja inteira<br />

A cidade de São Paulo perdeu,<br />

por causa da Revolução, a noção do<br />

que deveria ser. Não propriamente<br />

a cidade, mas os paulistas de minha<br />

idade e os mais moços, na faixa entre<br />

os 35 e 75 anos. E quando se lhes diz<br />

o que São Paulo começara a ser e deveria<br />

ter sido, negam porque não era<br />

o que eles queriam.<br />

Então, precisamos estar prevenidos<br />

quanto a isso para compreender<br />

bem – ao menos segundo o meu<br />

depoimento pessoal – qual era a São<br />

Paulo verdadeira, a São Paulo da<br />

Contra-Revolução.<br />

Para entendermos isso, temos que<br />

nos colocar não diante de uma comparação<br />

entre São Paulo estado ou<br />

cidade – formam de algum modo<br />

uma coisa só – de um lado, e algum<br />

país europeu ou a América do Norte.<br />

Comparação mal feita, porque<br />

São Paulo não é um todo, mas parte<br />

de um todo chamado Brasil, e a parte<br />

de um todo não se compara com<br />

outro todo.<br />

Tenho possibilidade de estabelecer<br />

certas analogias, mas não vou tomar<br />

o gomo de uma laranja e compará-lo<br />

com uma laranja inteira; são<br />

heterogêneos e não comportam cotejo.<br />

Posso comparar laranja com laranja,<br />

mas não um gomo com toda<br />

uma laranja.<br />

Pelo regime federativo, em boa<br />

hora introduzido no Brasil, cada estado<br />

é um gomo de um todo. A estrutura<br />

desse regime é parecida com<br />

a de uma laranja e não com a de<br />

uma maçã, uma só massa. São Paulo<br />

é um gomo e não pode ser comparado<br />

com outro país, mas sim com<br />

o resto do Brasil. Faz parte do Brasil<br />

Arnaud Julien Pallière (CC3.0)<br />

Entrada Leste de São Paulo em 1821<br />

25


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

J.P.Ramos<br />

Profetas do Aleijadinho - Congonhas do Campo, Minas Gerais<br />

e é no contexto brasileiro que precisa<br />

ser visto.<br />

Em todo o Brasil havia<br />

aspectos de Contra-Revolução<br />

Há um outro erro de apreciação<br />

que tenho encontrado entre pessoas<br />

de minha idade e mais moças<br />

do que eu, ao analisar a cidade de<br />

São Paulo de outrora e não a de hoje.<br />

Mas esse erro persiste em nossos<br />

dias, quando se compara São Paulo<br />

com as principais capitais do mundo<br />

para se ver em que lugar ela se<br />

coloca.<br />

A comparação pode se fazer porque<br />

são cidades. Mas uma coisa é<br />

uma capital e outra uma cidade comum.<br />

São Paulo é a capital de um<br />

estado, mas não de um país.<br />

Nessas comparações os meus conterrâneos<br />

muitas vezes vacilam e fazem<br />

apreciações que, sem se darem<br />

bem exatamente conta, estão erradas.<br />

Por causa disso, em geral não levam<br />

suas reflexões até o fim. Falam<br />

pouco e aquilo fica pelo ar. Não há<br />

um pensamento definido que chegue<br />

às últimas conclusões.<br />

De outro lado, a São Paulo da<br />

Contra-Revolução existiu no tempo<br />

em que havia uma Bahia, um Pernambuco,<br />

um Rio de Janeiro, um<br />

Paraná, um Rio Grande de Sul, uma<br />

Minas Gerais da Contra-Revolução.<br />

Não era privilégio de São Paulo.<br />

Realmente, se pensamos na coisa<br />

mais contrarrevolucionária que<br />

há no Brasil, os profetas do Aleijadinho…<br />

Para fazermos a apreciação que<br />

parece interessar, deveríamos perguntar:<br />

se a Contra-Revolução tivesse<br />

vencido quarenta anos atrás na<br />

continuidade da tradição que ela trazia<br />

consigo, como seria o mundo, o<br />

Brasil dentro dele e São Paulo dentro<br />

do Brasil?<br />

Em todas as cidades brasileiras,<br />

na América latina como na anglo-<br />

-saxônica, na Europa latina, como<br />

na germânica, enfim, por toda parte<br />

deu-se o mesmo. Na complexidade<br />

dos acontecimentos, é preciso saber<br />

bem o que se fala para chegar a alguma<br />

conclusão. Do contrário, perde-<br />

-se no caos.<br />

Como se constituíam as<br />

famílias paulistas<br />

Tendo isso bem situado a respeito<br />

de São Paulo, como seria o resto do<br />

Brasil contrarrevolucionário?<br />

Nosso país é enorme, não posso<br />

percorrê-lo todo. Por isso, vou apresentar<br />

alguns dados muito sumários<br />

para que se compreenda essa São<br />

Paulo antiga. Tomarei para isso a<br />

síntese do paulista autêntico. O que<br />

era um paulista verdadeiro?<br />

Não alcancei a época da formação<br />

do paulista autêntico, que se deu<br />

entre o tempo de meus avós e o de<br />

meus bisavós. O membro da cidade<br />

de São Paulo. O Brasil tinha recém<br />

escapado – e travessamente –<br />

das mãos de Portugal, e os habitantes<br />

corriam de um lado para outro<br />

em suas próprias vastidões. E São<br />

Paulo, capital de Província, era muito<br />

pequenina e as casas, as acomodações,<br />

os móveis, etc., diminutos.<br />

26


No Museu do Ipiranga, vi uma<br />

maquete de São Paulo do tempo das<br />

muralhas de taipa e outra de cem<br />

anos depois, não muito maior. O<br />

centro residencial era o Centro velho<br />

de hoje, as famílias moravam nos<br />

andares superiores das residências e<br />

alugavam o térreo para lojas.<br />

Por exemplo, meus bisavós residiam<br />

numa casa de propriedade deles,<br />

na esquina do Largo da Sé com<br />

a Rua XV de Novembro. O prédio<br />

possuía quatro pavimentos que, para<br />

aquele tempo, representava um arranha-céu.<br />

O térreo era alugado para<br />

comércio e, nos três andares de cima,<br />

a família morava. A catedral ficava<br />

em frente porque o Largo da<br />

Sé era pequenininho. Quando a minha<br />

bisavó estava doente e não podia<br />

descer e subir escadas, mandavam<br />

abrir a porta da catedral para<br />

que ela, do terraço de sua casa, assistisse<br />

à Missa. Todo mundo se conhecia,<br />

os amigos ou os inimigos.<br />

A cidade estava cercada de sertão<br />

quase por todos os lados. Havia<br />

Mogi, Jundiaí; Campinas era longe e<br />

a viagem até lá era um pouco temerária.<br />

O resto... mato, onças, urutus,<br />

cascáveis e toda espécie de cobras e<br />

de bichos.<br />

As famílias eram muito numerosas<br />

e tinham a preocupação de não<br />

decair de sua condição social. As<br />

principais famílias de São Paulo descendiam<br />

dos fundadores da localidade.<br />

E em todos os tempos se considerou<br />

que as estirpes fundadoras de<br />

uma povoação têm uma espécie de<br />

status de nobreza. E se compreende,<br />

porque o pai é nobre na casa de seus<br />

filhos.<br />

Quando um irmão casado vai visitar<br />

outro é a visita de igual a igual.<br />

Se um pai visita um filho, é um pequeno<br />

soberano que chega. Essa é a<br />

boa ordem de uma vida de família.<br />

Por causa disso, a paternidade dessas<br />

linhagens sobre a cidade dava-<br />

-lhes uma espécie de status nobiliárquico.<br />

Tanto mais quanto, de vez em<br />

quando, pingava de Portugal para<br />

cá algum fidalgo que se casava com<br />

uma mulher dessas famílias. Então,<br />

essa aristocratização tão autêntica,<br />

que nascia da terra e era o fato histórico<br />

da fundação, juntava-se com a<br />

velha aristocracia tradicional e gloriosa<br />

de filhos mais moços de estirpes<br />

nobres de Portugal que vinham<br />

fazer fortuna aqui. Assim, formava-<br />

-se um misto de aristocracia local orgânica<br />

e autêntica, reconhecida por<br />

lei e proclamada pelo rei.<br />

Constituía-se uma miscelânea de<br />

elite local formada de sangue azul<br />

europeu, com um bom contingente<br />

de sangue índio e um pouco de sangue<br />

negro. Isso aumentava a nota local;<br />

não era uma cópia carbono de<br />

Portugal. O Brasil deveria ser um filho,<br />

não uma cópia. Era ele próprio<br />

se constituindo pelo jogo das circunstâncias<br />

históricas. v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de<br />

16/4/1983)<br />

1) Luz primordial é o aspecto de Deus<br />

que cada alma deve refletir e contemplar,<br />

em função do qual precisa ordenar<br />

toda a sua existência, a sua vocação<br />

pessoal.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Mike Peel (CC3.0)<br />

À esquerda, maquete de São<br />

Paulo em 1841 - Museu do<br />

Ipiranga, São Paulo. Acima,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em abril de 1983<br />

27


Hagiografia<br />

Renato Cancum<br />

Varão polêmico<br />

e recriminador<br />

Na escultura de Aleijadinho representando<br />

o Profeta Isaías, nota-se o olhar de um<br />

homem que está com a cabeça povoada<br />

de ideias, não meramente contemplativas,<br />

mas de quem vai fazer uma invectiva. É<br />

um varão polêmico e recriminador.<br />

Lendo as profecias de Isaías,<br />

tem-se a impressão da narração<br />

da dor e da desventura<br />

de um homem, quase uma autobiografia.<br />

É preciso ver como essa<br />

autobiografia se encaixa na História<br />

da salvação.<br />

Os justos são o centro<br />

da História<br />

Ela poderia eventualmente ser<br />

vista da seguinte maneira: uma vez<br />

que o centro da História são os justos,<br />

Isaías representaria a história de<br />

Nosso Senhor e dos filões de justos<br />

ao longo dos tempos, e conteria uma<br />

espécie de doutrina da história dos<br />

justos, a qual teria, no Antigo Testamento,<br />

seu ápice em Elias.<br />

Alguns trechos dão a história do<br />

justo, que se divide em dois tipos de<br />

episódios. Primeiro, Deus parece retirar-se<br />

e o justo é abandonado, perseguido,<br />

precisando confiar n’Ele.<br />

Segundo, a hora em que o Criador<br />

volta e dá o triunfo ao justo. Notem<br />

a coisa curiosa: muito mais do que se<br />

diz, Ele concede ao justo também o<br />

triunfo terreno.<br />

De outro lado, vem narrada a história<br />

da atitude interna do justo diante<br />

dessa variação de tratamentos de<br />

Deus e uma história da tática de combate<br />

em face do injusto. Para ser mais<br />

preciso, a história do justo diante de<br />

sua própria dor e do Criador enquanto<br />

permitindo sua dor. Depois, a tática<br />

de combate e a atitude dele perante<br />

sua própria vitória e diante de<br />

Deus, causador de sua vitória.<br />

Ele era inocente, foi atacado injustamente<br />

e padeceu tormentos que não<br />

merecia; o Criador pareceu abandoná-lo;<br />

mas ele rezou, confiou e reagiu<br />

de acordo com uma certa conduta interior<br />

e exterior, e Deus lhe deu a vitória.<br />

28


Tomando em consideração as vitórias<br />

e as dores dos justos, são compendiadas<br />

todas as inocências, as vitórias,<br />

as dores e as táticas dos justos ao longo<br />

da História, em Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo e, a seu modo, em Nossa Senhora.<br />

Ela vive tudo isso e depois o<br />

Divino Redentor leva ao auge.<br />

Todas as inocências, dores, táticas e<br />

vitórias dos justos ao longo da História<br />

constituem uma coleção metafísica.<br />

Eu seria levado a supor que cada resplendor<br />

de Cristo ressurreto não deveria<br />

mostrar-se como se costuma fazer<br />

– um halo luminoso em torno de Nosso<br />

Senhor –, mas sim fachos de luz,<br />

cada qual representando, na coleção<br />

das modalidades de glória, uma espécie<br />

de tratado de metafísica da glória<br />

enquanto tal, de maneira<br />

que Ele estaria cercado<br />

de todas as formas e<br />

graus de glória possíveis.<br />

O melhor modo de<br />

meditar o Rosário<br />

Outro dia fiz a meditação<br />

do Rosário neste<br />

sistema, imaginando<br />

em cada dezena as várias<br />

modalidades metafísicas<br />

que aquele mistério<br />

comportava, desde<br />

a Anunciação até a<br />

Coroação de Nossa Senhora<br />

no Céu. Constitui<br />

o melhor modo possível<br />

de meditar o terço.<br />

Então, por exemplo,<br />

a Ressurreição: triunfo<br />

sobre a morte.<br />

Imaginar, por exemplo,<br />

na Ascensão todos<br />

os movimentos ascensionais<br />

dos bons e<br />

do Bem rumo à vitória<br />

completa. Essa trajetória<br />

tem mil modalidades<br />

realizadas na Ascensão<br />

de Nosso Senhor, de<br />

maneira tal que os muitíssimos<br />

brilhos possíveis de todas as<br />

ascensões do Bem na História foram<br />

representados em aspectos sucessivos<br />

à medida que Ele ia subindo.<br />

Vinda do Espírito Santo: todas<br />

as formas de graça possíveis que há<br />

na Igreja Católica baixando, metafisicamente<br />

ordenadas, sobre os fiéis.<br />

Línguas de fogo, sim; mas o que elas<br />

conteriam? Não é uma maçaroca de<br />

linguinhas de fogo, e sim uma apoteose<br />

de ordem, de sabedoria e de ordenação,<br />

uma coisa maravilhosa!<br />

A Assunção de Maria Santíssima<br />

aos Céus. Não é mais o Justo que Se<br />

levanta por uma ação direta sobre<br />

ele, mas o justo que, socorrido pelos<br />

outros, sobe glorificado. Por fim, a<br />

Coroação d’Ela.<br />

Pentecostes - Igreja de São Miguel, Cardona, Espanha<br />

Seriam todas as formas possíveis<br />

de vida do justo imbricadas na vida<br />

de Nosso Senhor. Também na dor.<br />

Neste sentido, eu seria levado a imaginar<br />

que o número de açoites desferidos<br />

contra o Redentor não foi arbitrário,<br />

nem determinado pela cólera<br />

vil daqueles bandidos, mas cessaram<br />

quando Ele gemeu todos os ais próprios<br />

à flagelação, enquanto flagelação<br />

de alma mais do que de corpo.<br />

Quer dizer, eu veria na Paixão uma<br />

espécie de compêndio, ao mesmo<br />

tempo, de Teologia e de Metafísica.<br />

Caso se justificasse teologicamente,<br />

esse modo de meditar seria belíssimo!<br />

Os profetas, enquanto precursores<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo, já possuíam<br />

sinais de toda a história d’Ele,<br />

mas que é também a história<br />

dos justos ao longo<br />

dos tempos. Inclusive a<br />

nossa própria história.<br />

Seria interessante fazermos<br />

um histórico nesse<br />

nível sobre os profetas;<br />

serviria muito para<br />

se ter uma visão de conjunto.<br />

Flábio Lourenço<br />

Batalhador<br />

contemplativo<br />

da batalha<br />

Na escultura de Aleijadinho<br />

que representa o<br />

Profeta Isaías, nota-se um<br />

olhar que fita um ponto<br />

indefinido no horizonte, o<br />

mirar de um homem que<br />

está com a cabeça povoada<br />

de ideias, as quais não<br />

estão na mente dele numa<br />

posição contemplativa,<br />

mas de quem vai tirar<br />

dali uma invectiva.<br />

Ele está com ar de<br />

quem descansa da descompostura<br />

que passou<br />

e prepara-se para a que<br />

vai passar. É um homem<br />

polêmico e recriminador<br />

29


Hagiografia<br />

Vicente Torres<br />

Filho do Homem não<br />

tem onde repousar a cabeça”<br />

(Mt 8, 20). E pensa:<br />

“Todos têm um ponto<br />

de beneplácito, eu não<br />

tenho. Tudo é mal, dor,<br />

oposição. Porém, Deus<br />

é maior do que todas<br />

as investidas.” A certeza<br />

da vitória divina está<br />

presente. Encontrava-se<br />

pronto a prorromper em<br />

catilinárias e não tinha<br />

pena de si mesmo. Eis a<br />

visão do mundo do Profeta<br />

Isaías.<br />

Essa visão cada alma<br />

a tem conforme a<br />

vocação. Por exemplo,<br />

São João Bosco. É-me<br />

fácil penetrar no olhar<br />

dele. Ele possuía uma<br />

centelha profética. Não<br />

era o profeta dos castigos<br />

previstos em Fátima,<br />

mas da vitória que<br />

deveria vir docemente<br />

triunfante, dando uma<br />

antecipação, um deleite<br />

dessa vitória.<br />

Conosco o que há é a<br />

previsão de uma situação<br />

análoga à de Isaías, de todo o pulchrum<br />

1 de estar nessa situação e uma<br />

felicidade de encontrar-se nesse infortúnio:<br />

“Mar bravio! Isto é lindo!”<br />

Se me oferecessem de vencer já,<br />

sem enfrentar a luta, eu não quereria.<br />

Esse holocausto teria que ser feito.<br />

Paciência é a capacidade de sofrer,<br />

de entrar na dor e arrostá-la. Santo<br />

Ambrósio dizia: “Ubi patientia ibi lætitia”<br />

2 . Sofrer na jovialidade e na alegria.<br />

O que Isaías afirma de si mesmo se<br />

aplica a Nosso Senhor Jesus Cristo e<br />

a Nossa Senhora: “Eis na paz minha<br />

amargura amaríssima” (Is 38, 17).<br />

Como é bonito sermos os guerreiros<br />

que enfrentamos a luta a ponto<br />

de estalarmos e com a confiança de<br />

que vamos para frente! Ter esse estado<br />

de espírito e mostrá-lo levanta<br />

as ondas contra si. E quanto mais<br />

os inimigos ficam sem pretexto, mais<br />

odeiam. É o que o Profeta Isaías via<br />

vir de longe.<br />

v<br />

(Extraído de conferências de<br />

10/3/1966, 31/7/1979 e 15/1/1989)<br />

1) Do latim: belo.<br />

2) Do Latim: Onde há paciência há alegria.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

em posição de luta, que contempla o<br />

embate de todas as ondas. Não o deixaram<br />

impune, mas ele sente que permanece<br />

substancialmente o mesmo e,<br />

percebendo as outras vagas que vêm,<br />

pensa: “A lembrança dos embates passados<br />

me ajudará no futuro.”<br />

O Profeta Isaías é um batalhador<br />

e, ao mesmo tempo, um contemplativo<br />

da batalha. Nessa contemplação<br />

ele vê os inimigos de Deus avançando<br />

por todas as partes e sente o que<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “O<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1989<br />

30


Apóstolo do pulchrum<br />

Flávio Lourenço<br />

Criação: grande livro que<br />

nos aproxima de Deus<br />

A Criação é como um grande livro de Moral a<br />

ensinar aos homens a reta ordem das coisas. E<br />

com quanta formosura! Mesmo que algumas<br />

obras divinas pareçam não ter utilidade material,<br />

possuem uma grande funcionalidade espiritual.<br />

Um rio numa região setentrional ou meridional,<br />

natureza fria. Vemos a vegetação no<br />

outono, as folhas das árvores começam a ficar<br />

douradas. A água faz uma grande volta e caminha,<br />

com placidez e tranquilidade, até o ponto onde vai se<br />

juntar a um rio maior, a um grande lago ou ao mar. É<br />

um aspecto comum da natureza, não excepcional como<br />

se pode contemplar nos cumes dos Andes, na Baía de<br />

Guanabara.<br />

Formosura, bênção, ordem e<br />

tranquilidade das obras de Deus<br />

Os Mallos de<br />

Riglos - Las Peñas<br />

de Riglos, Espanha<br />

O rio parece pouco funcional. Quantas voltas dá para<br />

chegar a seu ponto terminal! Alguns pensariam em fazer<br />

um canal retilíneo para servir ao transporte de navegação.<br />

Mas, do modo como se apresenta, é a poesia na arte.<br />

Observem como a volta é poética, delicada. Ele pare-<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

ce sentir o agradável dessa sinuosidade; dir-se-ia que as<br />

águas se divertem fazendo um passeio tão cheio de capricho.<br />

A placidez da água refletindo o céu, também conduz<br />

a pensamentos elevados, celestes. A consideração desse<br />

pequeno pedaço de um grande panorama nos sugere a<br />

ideia de que Deus tornou repletas de sua bênção todas<br />

as suas criaturas. Aí estão seres vivos, inertes, cheios da<br />

formosura, da bênção, da ordem e da tranquilidade das<br />

obras de Deus.<br />

Uma fotografia mostra a natureza em sua intimidade,<br />

em seus aspectos simples; outra, a apresenta em um<br />

de seus aspectos grandiosos. Do alto do monte se divisa<br />

um grande panorama: uma cordilheira com uma sucessão<br />

de elevações imponentes, uma península se estendendo<br />

como mão dominadora sobre o rio, pela qual este<br />

muda o seu caminho sob o domínio da montanha.<br />

O rio é obrigado a modificar-se, exprimindo a ordem<br />

natural segundo a qual o que é forte, grande, deve ter um<br />

domínio não destruidor, selvagem, mas efetivo sobre as<br />

coisas mais baixas, tornando-as melhores.<br />

É uma afirmação da hierarquia. Essa montanha é<br />

mais grandiosa do que a península, porque essa é planície;<br />

mas a terra firme é mais segura que a água; então<br />

a montanha domina esteticamente a península, a qual<br />

domina com funcionalidade a água do rio. Isto é como<br />

se fosse um livro de Moral a ensinar aos homens a reta<br />

ordem das coisas. Deus o criou e o deixou para que um<br />

dia pudéssemos contemplar isso e, milhares e milhares<br />

de anos depois, fazer uma reflexão sobre a ordem criada<br />

por Ele.<br />

Riquezas e mistérios da natureza<br />

Essas são grandezas comuns da natureza. O que tem<br />

isso de funcional? À medida que os sábios a estudam,<br />

dão-se conta de que há uma tal concatenação de fatos<br />

com efeitos complexos que, se os homens começassem a<br />

transformá-la sumariamente, chegariam a consequências<br />

terríveis.<br />

Imaginem, por exemplo, que uma máquina niveladora<br />

pudesse arrasar todos os montes do universo. Pareceria<br />

muito útil, porque para as estradas e para o comércio<br />

João C. V. Villa<br />

Cordilheira do Andes<br />

Patagonia, Chile<br />

32


seria mais prático e se poderia aproveitar melhor o território.<br />

Já pensaram no regime das temperaturas e dos<br />

ventos, que diferença traria? E que desordem isso causaria?<br />

Suponham que todas as águas fossem reduzidas a<br />

canais retilíneos; na fauna e na flora subaquáticas, que<br />

consequências poderia ter? Porque nas águas lentas há<br />

toda uma vida diferente da vida das águas rápidas. E para<br />

ser inteiramente funcional, teríamos que imaginar canais<br />

retilíneos tocados à eletricidade e as águas correndo<br />

como os automóveis.<br />

Alguém dirá: “Que utilidade têm a flora e a fauna subaquáticas<br />

que ninguém aproveita?”<br />

É bem verdade isso? Não será útil dentro de cem<br />

anos? Talvez, por exemplo, estejam lá os princípios para<br />

os medicamentos que possam curar o câncer. Quem<br />

tem direito de destruí-las? A natureza é muito rica e<br />

misteriosa, e uma pessoa não pode simplificar assim as<br />

coisas. Deus quis que houvesse milhares, centenas de<br />

milhares, milhões de coisas tão formosas como essas.<br />

No ambiente do homem nesta terra de exílio – não é o<br />

Paraíso –, há o feio. Mas também existe o formoso para<br />

o bem da alma do homem e o ensinamento do espírito<br />

humano.<br />

Diálogo das hierarquias e<br />

superioridades no universo<br />

Contemplemos um cume dos Andes. A altura da montanha<br />

dá a ideia de uma rainha solitária, nesta parte da<br />

paisagem que está delimitada pela fotografia. Notem o<br />

contraste cheio de formosura entre o peso e a força dessa<br />

montanha – que tem no alto uma espécie de pirâmide<br />

gelada natural – e as folhas delicadas dessa árvore, que<br />

mostra a inspiração inesgotável de Deus. E como todas<br />

as obras d’Ele, das maiores às menores, têm uma harmonia<br />

entre si.<br />

O quadro perderia muito de sua formosura se as folhas<br />

não estivessem aqui. Mas o que seriam elas sem a<br />

montanha? Ninguém as fotografaria. A vida artística da<br />

árvore é a montanha, mas a graça dela é o contraste com<br />

a árvore. Tudo isto é feito naturalmente. Que princípios<br />

de moral magníficos estão ensinados aqui!<br />

33


Apóstolo do pulchrum<br />

João C. V. Villa<br />

onde há um local para bailes. Tornou-se<br />

funcional, mas de uma feia<br />

e péssima praticidade. Não é nem<br />

a das formigas, nem a das árvores,<br />

nem a das montanhas. É a má funcionalidade<br />

de uma civilização exclusivamente<br />

mecânica.<br />

Um ato da vontade<br />

soberana de Deus<br />

Cordilheira do Andes - Illiniza, Equador<br />

Se essas árvores pensassem, cada uma delas teria a<br />

aspiração de ser rainha da planície, julgando-se pequena<br />

ao sopé da montanha. Entretanto, isso não destrói a<br />

altivez delas. Como são dignas! Mesmo as coisas menores,<br />

quando dignas e conformes ao plano de Deus, podem<br />

conviver com as maiores sem serem humilhadas.<br />

Isto me lembra um pequeno fato da história francesa.<br />

Uma mucama de uma filha de Luís XV faltou-lhe<br />

com o respeito em alguma coisa pequena. A princesa<br />

lhe dirigiu uma palavra muito dura e terminou dizendo:<br />

“Você se esquece que eu sou filha do rei?” A camareira<br />

respondeu: “Senhora, não esqueçais que eu sou<br />

filha de Deus!”<br />

Este poderia ser o diálogo entre a montanha e uma dessas<br />

árvores. A montanha diria:<br />

— Não sabes que eu sou a rainha<br />

de toda a planície em que estás?<br />

Deverias ser calcada por<br />

mim e não tens razão de elevar-te<br />

de tal maneira ao meu ser.<br />

E a árvore poderia responder:<br />

— Montanha soberba, tu és<br />

minha irmã, eu também sou obra<br />

de Deus. E minha elevação tem<br />

uma razão estética de ser.<br />

A grama diria o mesmo às árvores,<br />

as formigas à grama e os<br />

micróbios às formigas. Este é o<br />

grande diálogo das hierarquias e<br />

superioridades no universo.<br />

Imaginem uma rodovia que passe<br />

por essas árvores, uma estrada<br />

de ferro que vá até o alto do monte,<br />

Em outra fotografia não vemos<br />

a harmonia existente na cena anterior,<br />

mas “fractuosidades” 1 nas<br />

quais se sente qual foi a violência<br />

dos movimentos telúricos, dos terremotos,<br />

que chegaram à formação<br />

dessas massas potentes, e pode-se<br />

pensar na força de Deus. Como<br />

diz a Escritura, o Senhor faz as montanhas saltarem<br />

como carneiros (cf. Sl 113, 4). Aqui se vê como Deus Se<br />

manifestou para mostrar aos homens o seu poder.<br />

Tem isso algo de formoso? Sim, porque é formoso o<br />

poder que está a serviço do bem. A força a serviço da<br />

grandeza e do direito é magnífica em si mesma. Neste<br />

sentido, a verdadeira violência é a sacrossanta violência<br />

de Deus modelando o universo. O Escultor do universo<br />

se vê aqui. E não se pode falar de violência de Deus, porque<br />

ela supõe um grande esforço, e para Deus ele não<br />

existe. Há grandes realizações operadas por um ato da<br />

vontade soberana e onipotente.<br />

Aqui poder-se-ia ajoelhar e exclamar: Sanctus, Sanctus,<br />

Sanctus, Dominus Deus Sabaoth. O Senhor Deus dos<br />

Cordilheira do Andes - Illiniza, Equador<br />

João C. V. Villa<br />

34


João C. V. Villa<br />

Cordilheira do Andes - Cotopaxi, Equador<br />

Exércitos é três vezes Santo. É esta a grandeza de Deus.<br />

Tais coisas são funcionais? Não parecem. Mas elas fazem<br />

parte da imensa funcionalidade do universo.<br />

Convite às grandes solidões fecundas da alma<br />

Nos Andes, nota-se um trecho de uma estrada que<br />

harmoniosamente se funde com o panorama. Ao contemplar<br />

essa neve, essa solidão, alguém diria: “Por que<br />

Deus criou coisas nas quais o homem está só de passagem<br />

e não pode ali habitar? Essa solidão impressionante<br />

parece expulsá-lo daí.”<br />

Não expulsa o homem, mas é um convite às grandes<br />

solidões fecundas da alma, à vida dos cartuxos, dos trapistas,<br />

que se recolhem à solidão na luta da vida quotidiana.<br />

Quando alguém lá se encontra, sente a natureza<br />

e nada mais, é levado a pensar em Deus para o qual essas<br />

coisas conduzem. Ainda que não tivesse uma utilidade<br />

material, isso tem uma grande funcionalidade espiritual.<br />

Poderíamos imaginar aqui – como nas partes mais<br />

geladas dos Alpes, na Europa – grandes conventos, onde<br />

almas solitárias, postas nessas imensas solidões,<br />

rezam pelo mundo e dão aos homens, através de seus<br />

exemplos maravilhosos, a vontade de meditar, de isolar-se<br />

na vida quotidiana, para pertencer mais por<br />

completo a Deus.<br />

A Criação é um grande livro que nos aproxima de<br />

Deus. Mas, com quanta formosura! Que artista poderia<br />

ter imaginado algo semelhante?<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 14/1/1974)<br />

1) Neologismo derivado da palavra latina fractu: fracionado,<br />

quebrado.<br />

Flavio Lourenço<br />

35


Flávio Lourenço<br />

Virgem dos Desamparados - Catedral de Valência<br />

Virgem dos Desamparados<br />

O<br />

culto à Virgem dos Desamparados, como tantas outras devoções a Nossa Senhora, nasceu<br />

de uma maravilha, um prodígio, um milagre.<br />

Três crianças lindas e desamparadas – provavelmente três Anjos – aparecem em Valência<br />

e, em troca de hospedagem, prometem fazer uma imagem da Mãe de Deus. Conforme pediram,<br />

mantêm-se encerradas em um quarto durante três dias. Terminado o prazo, como elas<br />

não respondem, os anfitriões arrombam a porta e se deparam com uma bela imagem de Nossa<br />

Senhora, a um tempo majestosa e protetora.<br />

É tão bonito ver a majestade e a nobreza enquanto amparo, auxílio, misericórdia e unção! Essa<br />

imagem passou a ser chamada “Virgem dos Desamparados”.<br />

A respeito do auxílio dado pela Santíssima Virgem, diz São Boaventura: “Quando todo socorro<br />

humano falha não podemos desesperar, porque é então que chega o auxílio divino de Maria.”<br />

Portanto, quando estivermos inteiramente desamparados, devemos confiar, porque é essa a hora<br />

do amparo de Nossa Senhora.<br />

(Extraído de conferência de 12/5/1966)

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