Revista Quadra
Brazilian contemporary arts magazine
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Quadra
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CHURRAS DE LETRAS
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FELEPS (também na página 55)
Nascimento 1978 Cidade Asa Norte Formação Desenho Industrial - UnB Meio Ilustração Temas Abstrato, Figurativo, Natureza,
Matemática Influências Escher, Frank Zappa, Sebastião Salgado
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Quadra n.1
Edição 1 | Especial Graffiti | Junho de 2016
Participações: Aerolito | Bia Leite| Brixx | Churras de Letras | ElasporElas
Fábio Setti | Feleps | Fernando Carpaneda | Incoerente Coletivo | Kstro
Pedro Lacerda | Renato Rios | Siren| Stenio Freitas | Vitor Schietti
Graffiti
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Us Mano Pow!
As Mina Pah!
A galera do spray agita o
entorno do DF
Graffiti
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Brixx relembra o início da
carreira e opina sobre o
papel das mulheres na arte
Graffiti
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Acompanhe Siren em um
rolê pela 109 Sul
HQ
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Breno Damascena entrevista
o Incoerente Coletivo e o
Aerolito para entender a
paixão pela ilustração
Dez Perguntas
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Fernando Carpaneda, Stenio
Freitas e Vitor Schietti
comentam seu processo
criativo
Fotografia
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Natália Roncador apresenta
o trabalho de Fábio Setti e de
Pedro Lacerda
Aposta
50
Conheça a obra do pintor
Renato Rios
Arte ou Não
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O valor artístico da tatuagem
é examinado por Loraine
Ferreira
Mapa
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Saiba por onde a
Quadraandou nesta
edição
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Colaboradores
1. Breno Damascena
Formado em jornalismo pela Universidade de Brasília
(UnB), divide seu tempo entre marketing político
e editoração. É apaixonado por cinema, livros e
quadrinhos, mas seu passatempo preferido é contar e
ouvir histórias.
2. Ello Romanin
Estudante de jornalismo na Universidade Católica de
Brasília (UCB). Gosta de pesquisar sobre artes visuais,
moda, cultura afro e literatura inglesa. É integrante do
projeto de fotografia Captura.
3. Daniela Martins
Graduanda em jornalismo pela Universidade Católica
de Brasília (UCB), possui experiência em alimentação
de conteúdo web na Empresa Brasil de Comunicação
(EBC). Tem interesse em jornalismo investigativo e
edição de texto.
4. Natália Roncador
Graduanda em jornalismo pela Universidade Católica
de Brasília (UCB). Trabalha com fotografia há 8 anos e
nos últimos 4 anos tem se arriscado na área do cinema.
Se profissionalizou em foto estúdio pela New York
Film Academy. Acredita que a literatura é a maior e a
mais belas de todas as artes.
5. Loraine Ferreira
Formada em jornalismo pela Faculdade de Ciências
e Tecnologia (Facitec|Estácio), é também musicista.
Trabalhou na assessoria de comunicação do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e na Agência Brasil da
Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
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BIA LEITE
Nascimento 1990 Cidade Asa Norte Formação Artes Plásticas - UnB Meio Fotografia, Desenho, Pintura, Cinema
Temas Cotidiano
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1. Obra Sorriso é Osso de Bia Leite, 2015. Acrílica e Óleo Sobre Tela
5
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Graffiti
Us mano pow!
Maianna Gianin
Irmão da pichação, na última década o graffiti
experimentou a profissionalização e passou de vândalo
a item de museu. Porém, no Entorno do Distrito
Federal, um grupo de grafiteiros se reúne para colocar
a arte de volta ao berço
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Churras é uma confraternização de
‘‘O amigos’’. Assim define Pedro Monte, um dos
organizadores do rolê que tem movimentado as cidades
do Entorno do Distrito Federal. A ideia surgiu de maneira
espontânea: um grupo de grafiteiros se reuniu para pintar
uma parede juntos. O encontro era então chamado Sopa
de Letras, modalidade em que um muro é coberto com
frases, geralmente throw-ups [estilo com letras rápidas
normalmente sem preenchimento de cor]. ‘‘No primeiro
trabalho um dos meninos trouxe uma churrasqueira. A
gente juntou o dinheiro e comprou carne e cerveja. Aí de
sopa, virou churras’’, recorda o grafiteiro Ramon Andrade,
morador de Luziânia (GO).
Depois de quatro bem-sucedidas edições, três no
Valparaíso e uma no Gama, o Churras de Letras se
torna trimestral e itinerante. Os próximos locais a serem
anfitriões já estão programados: primeiro o DVO,
bairro do Gama e em seguida Santa Maria. Notícias
se espalham pela cidade e a cada nova empreitada o
número de participantes aumenta. No penúltimo encontro
foram 30 pessoas e no último, 40. O grafiteiro Róbsom
Aurélio, estudante de desenho industrial da Universidade
de Brasília (UnB) destaca a importância da localização:
‘‘Eu achava massa o graffiti, mas em Águas Lindas de
Goiás onde moro, nunca via. Então o Churras acerta por
reunir pessoas de várias partes no Entorno do DF, já que
essa cena às vezes fica esquecida’’.
Os encontros são marcados pelo Facebook, onde é
feita a divisão do preço do látex e dos comes e bebes.
Andrade faz as contas: ‘‘Dá em torno de 20 reais pra
cada um’’. Como a atividade é coletiva os integrantes
pedem autorização para pintar. ‘‘Nós definimos o muro
com antecedência porque o evento dura o dia todo e
vamos precisar de estrutura para organizar’’, explica
Koithi Hamada, estudante de comunicação social da
Universidade Católica de Brasília (UCB). Para a 4ª edição
realizada no Gama, o local escolhido foi o Cine Itapuã,
que está desativado. Andrade diz que tiveram que
improvisar: ‘‘A gente fechou a parede e não coube todo
mundo, aí liberaram um pouco do lado e a gente fez
também. Teve gente que conseguiu espaço um pouco
mais longe’’. Participante de todos os encontros, Hamada
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acredita que o diferencial do Churras é o clima de
amizade. ‘‘Quem cola no movimento sabe que, na maioria
das vezes, as pessoas compareciam para deixar o seu
melhor trampo e depois iam embora. Nossa ideia é juntar
toda a galera e tornar o graffiti um lazer. Ninguém está lá
apenas pra mandar um trampo foda e sim pra marcar um
throw-up, comer uma carne, beber cerveja e jogar assunto
fora. Nós queremos unir os grafiteiros de Brasília e do
Entorno que têm interesses em comum’’.
Ambos nascidos nas ruas, graffiti e pichação parecem
se afastar cada vez mais em sua estética. Enquanto
a pichação mantém como características os rabiscos e
linhas pictóricas, que muitos relacionam à sujeira e poluição
visual, o graffiti abrange cada vez mais diferentes cores
e formas de expressão. Hoje são inúmeras as vertentes
do graffiti que possuem em comum apenas o meio de
produção, o spray, e o suporte, o muro. No mundo das
artes alguns grafiteiros já são bem-recebidos e têm suas
obras classificadas como graffiti fine art, termo usado para
designar produções feitas com intuito puramente artístico.
Existem também galerias especializadas somente em street
art e artistas que trabalham totalmente por encomenda,
uma mudança considerável em comparação às origens
do movimento. Hamada tem suas reservas: ‘‘O problema é
que grande parte dos trabalhos que estão entrando nas
galerias e ditos como graffiti, têm muito pouco ou nada da
estética original. Muita gente só se aproveita da imagem
do grafiteiro, que é muito romantizado como um artista
incompreendido. Mas quantas exposições são baseadas
apenas em letras? Wildstyle [composição em que a forma
é intrincada e difícil de ser lida]? Dificilmente seremos
reconhecidos se não entenderem nas galerias que esse é
o estilo original’’.
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Para muitos a pichação e o graffiti ainda caminham
lado a lado. Gilmar Satão, um dos precursores do
estilo na cidade, acredita que não existam tantas
diferenças. ‘‘O graffiti surge através da pichação,
existe uma ligação muito grande. Os dois são rua, o
debate até onde vai um e começa o outro é de cada
pessoa. Na sociedade o graffiti pode ser legal, mas na
lei é depredação do patrimônio público’’. No dia a dia
as distâncias parecem ser menos marcantes para os
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artistas. Andrade conta que com frequência ao grafitar
um muro, algum passante o repreende ao confundi-lo
com um pichador. ‘‘Para mim o pessoal conhece mais
a pichação do que o graffiti, porque às vezes você tá
pintando e a pessoa fala: ‘Tá pichando, né?’. Aí elas
veem as formas surgindo e dizem: ‘Olha esse picho tá
bonito’’’. Hamada esclarece que a pichação também
construiu sua estética ao longo do tempo e que a má
fama vem do desconhecimento. ‘‘Na pichação existe
uma harmonia bem trabalhada, a tipografia dela
é riquíssima. A pichação de São Paulo é bastante
conhecida no exterior’’, defende.
Satão foi pichador durante uma década, de 1984 a 1994,
quando iniciou seus trabalhos no graffiti. Com a visão
dos dois mundos, acredita ser desnecessário discutir a
legalização de um ou outro estilo. ‘‘A arte não tem que ser
legalizada, vai da consciência de quem faz’’.
E para quem pensa em começar, o grafiteiro dá a dica:
‘‘Quem quer de verdade tem que estudar, conhecer novos
artistas, ir atrás de locais para pintar e o resultado vai te
levar pra frente. Se você fraquejar e parar é porque era
moda. Grafiteiro que é grafiteiro nasce e morre grafiteiro,
nunca para’’. A
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1. Graffiti em muro no Valparaíso de Goiás feito durante o 1º Churras de Letras, 2015.
Foto: Maianna Gianin 2, 3, 4, 5, 6. Grafiteiros durante o 1º Churras de Letras, 2015.
Fotos: Ramon Andrade 7, 8, 9, 10, 11. Grafiteiros durante o 4º Churras de Letras, 2015.
Foto: Mateus Bonomi 12, 13. Grafiteiros durante o 1º Churras de Letras, 2015. Fotos:
Ramon Andrade 14. Graffiti em muro no Valparaíso de Goiás feito durante o 1º Churras
de Letras, 2015. Foto: Maianna Gianin 15. Grafiteiros durante o 4º Churras de Letras,
2015. Foto: Mateus Bonomi 16. Marcos Priks, Pedro Monte, Andrei Pasternostre, Ramon
Andrade e Marcos Silva (d-e) durante o 1º Churras de Letras, 2015. Foto: Arquivo Ramon
Andrade 17. Graffiti feito durante o 4º Churras de Letras, 2015. Foto: Mateus Bonomi
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Graffiti
Daniela Martins & Maianna Gianin
presença das mulheres no mundo das artes
A sempre existiu, porém os percalços históricos e
sociais desnivelaram sua participação em comparação
aos homens. No Brasil, as mulheres não eram aceitas
em diversas escolas de arte no século XIX. Na época
o ensino era baseado no desenho de modelo vivo,
exercício em que uma figura humana é representada
a partir da observação de um modelo nu. A prática
permitia ao artista desenvolver sua técnica para
adentrar no mundo da pintura com temas civis, vistos
como nobres e masculinos. Às mulheres restava a
pintura de natureza morta, considerada até hoje com
menor valor artístico. ‘‘As mulheres eram impedidas
de participar das aulas de modelo vivo por ser
considerado contrário à sua honra, enquanto este
curso era essencial para se produzir as formas mais
consagradas de arte’’, explica Patricia Reinheimer
antropóloga formada pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Se em épocas passadas as instituições excluíam as
mulheres, neste o ambiente em que a arte é produzida
pode ser um fator de exclusão: a arte urbana, também
chamada de street art, nascida na década de 1970
nos Estados Unidos, tem como tela os espaços públicos.
Confundida com freqüência com o vandalismo, ato de
depredar intencionalmente um patrimônio, a arte urbana
se caracteriza pela ausência de vínculos acadêmicos,
institucionais e comerciais e é feita até hoje sem pedido
de permissão. Algumas cidades como Paris, Nova Iorque e
Zurique já reservam áreas especiais onde fazer graffiti é
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Em 1989 o grupo feminista Guerilla Girls questionava em um outdoor
em Nova Iorque: As mulheres precisam estar nuas para entrarem no
Metropolitan Museum of Art? A provocação vinha da constatação de
que haviam mais pinturas de nus femininos do que artistas mulheres em
exibição no renomado museu da metrópole norte-americana. De acordo
com pesquisa do Guerilla, enquanto 3% do total de artistas eram mulheres,
em 85% das obras os nus eram femininos. Agora, quase 30 anos depois,
as mulheres adentram um novo espaço artístico predominantemente
masculino: o graffiti
13
permitido. No Brasil a prática deixou de ser considerada
crime ambiental em 2011, desde que consentida pelo
dono do imóvel. O mesmo não vale para a pichação que
pode render de três a um ano de detenção.
Por não ser legalizada, a arte urbana traz muita
adrenalina. Um de seus pilares é o territorialismo: ganha
quem escrever primeiro. A competitividade e o risco estão
entre as razões citadas quando se procura entender o
porquê da cena ter predominância masculina. Porém, no
início deste novo século onde as relações de gênero têm
sido discutidas com frequência, as mulheres começam a ser
reconhecidos também neste segmento.
No entanto, o novo cenário é carregado de problemas.
A artista plástica Michelle Cunha conta que conhece
muitos relatos de preconceito. “É possível até escrever
um livro”, brinca. Um desses acontecimentos se deu em
um evento organizado por homens. “Foi um festival onde
não havia quase nenhuma representatividade feminina.
Eram mais de vinte artistas e uma única mulher. Então
é como se não existissem mulheres pintando”, comenta.
A grafiteira Aline Stéfany concorda: “A diferença é que
os homens já estão inseridos e são aceitos em qualquer
tipo de movimento. Por isso é importante que outras
grafiteiras se unam para fazer rolê juntas’’. Vivian Silva é
mestre em Ciências Humanas pela Universidade Federal
de Pelotas (UFPel) e estuda a formação da identidade
social de mulheres através do graffiti. De acordo com a
pesquisadora não há um conflito explícito, mas sim o reflexo
de uma disparidade geral de oportunidades que homens
e mulheres encontram na sociedade desde a infância. “É
preciso identificar as relações de desigualdades de sexo
e seus reflexos no mercado de trabalho e na arte. Os
homens grafiteiros não representam um inimigo comum
para as grafiteiras. As relações desiguais entre eles
podem refletir uma maior participação dos meninos em
projetos sociais e culturais que envolvem o graffiti, por
exemplo”, afirma.
Para equilibrar a balança, as mulheres estão sempre
pensando em novas maneiras de incentivar umas
às outras e discutir seu papel na arte urbana. Em abril
deste ano aconteceu em Valparaíso de Goiás o 1º
Encontro de Grafiteiras do Distrito Federal e Entorno,
batizado de ElasporElas. A estudante de arquitetura e
urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Raquel Braz,
uma das organizadoras do evento, relembra seu início
com o spray: “Quando comecei com o Ramon [Andrade,
grafiteiro de Luziânia de Goiás] não havia mais ninguém.
A gente precisou ter iniciativa. Usamos uma praça que
era do pessoal do skate’’. Daí em diante Raquel começou
a realizar encontros voltados para a sensibilização do
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RAQUEL BRAZ
Nascimento 1990 ASSINA Bralo Cidade Luziânia de Goiás Formação Arquitetura e Urbanismo - UnB Meio Spray
Temas Liberdade, Natureza Influências Aline Pasquini, Crânio, Os Gêmeos Coletivo Movimento C.R.I.Ação
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público feminino. “Resolvemos nos reunir para incentivar
mais mulheres a pintar. Tem um grupo de grafiteiras que
está em todos os eventos’’, comemora.
O interesse em unir mulheres também é central nas
escolhas de Fabrícia Furtado, que atende por Brixx,
proprietária de uma galeria na 502 Sul. “A minha
concepção é oferecer um espaço para as mulheres. O
local é administrado por mim, tem as DJ’s que eu convido
para tocar nas aberturas e também quero colocar cada
vez mais arte feita por garotas para mostrar que podemos
criar e fazer coisas maravilhosas”. Michelle Cunha conta
que, assim como as colegas, vem organizando oficinas
visando a participação exclusivamente feminina. “A
ideia é compartilhar com outras mulheres o que aprendi
na rua e criar um movimento em que elas possam se
sentir capazes de fazer o que quiserem”, diz. Ela explica
que essa estratégia de aproximação entre as mulheres
faz com que se sintam mais seguras. “O estado de se
sentir capaz vem tanto com o domínio de uma técnica,
como também do ato de ter coragem de estar na rua
pintando, o que desenvolve força e firmeza nas ações”.
Para o grafiteiro Koithi Hamada, essa união é uma forma
das mulheres verem o outro lado do graffiti. “Às vezes as
mulheres não estão no movimento por achar que é muito
masculino. Mas no momento em que elas conseguem
levantar a banca delas, a autoestima, já podem ter mais
confiança para fazer as suas próprias escolhas”.
O
s desenhos também podem ser uma forma de
expressão na luta pela aceitação da arte feminina.
Muitas grafiteiras usam o espaço urbano para deixar
mensagens que instiguem reflexão. É o caso da aluna da
UnB Lívia Guimarães, que faz dos muros da cidade um
canal para expor inquietações sobre temas sociais: “Gosto
de desenhar mulheres, trabalhar com palavras de ordem”,
detalha. Lívia homenageou a estudante Louise Ribeiro,
morta pelo ex-namorado na UnB em março de 2016. Ela
desenhou um coração e colocou o nome da jovem com
a palavra “presente’’. Outras mulheres acreditam que o
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próprio ato de grafitar já contribui para igualar a balança.
“Eu pinto porque gosto. Só de estar na rua é uma grafiteira
a mais para somar. Eu não sinto que preciso fazer graffiti
feminista para isso’’, opina Aline Stéfany.
Mesmo com os obstáculos, as mulheres encontram
no graffiti uma via de libertação expressiva e
produtiva. A arte não apenas reflete e transmite ideias de
uma sociedade e de um período, como os contesta. As
mulheres continuam a discutir e propor novas regras,
externando sua visão de mundo. “É um processo
histórico que vem se acentuando principalmente a
partir do modernismo, quando o cânone deixa de ser
a cópia da realidade externa e os cursos de modelos
vivos deixam de ser uma condição de participação
em formas mais consagradas de arte’’, ensina Patrícia
Reinheimer, que ainda ressalta: “No Brasil é possível
notar um grande número de mulheres entre os grandes
nomes das artes plásticas, em contraste com o mesmo
cenário em outros países”. E pelo andar da carruagem,
as mulheres do graffiti brasileiro têm tudo para manter
essa marca. A
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1. Angélica Oliveira, Aline Stéfany e Raquel Braz (d-e em pé). Sabrina Falcão, Ana Júlia Rá, Júlia
Bê, Michelle Cunha e Amanda Silva (d-e) durante o 1º Encontro Elas por Elas, 2016 2. Graffiti por
Kali no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 3. Amanda Silva no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 4.
Graffiti por Bralo na 508 sul, 2015. 5. Aline Stéfany no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 6. 1º
Encontro Elas por Elas, 2016. 7. Grafite por Siren na 508 sul, 2015. 8. Sabrina Falcão no 1º
Encontro Elas por Elas, 2016. Fotos: Maianna Gianin
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Graffiti
perfil
BRIXX
Uma das mais atuantes artistas urbanas de Brasília relembra seu
começo com a pintura, opina sobre as mulheres na arte e compartilha
seus planos para a nova galeria que abriu na 502 Sul
Brixx
Meu nome é Fabrícia Furtado. Brixx foi um apelido que
surgiu não me lembro quando, mas tem muito tempo. E
quando você começa a fazer graffiti tem que escolher
um nome pra poder assinar na rua. Como todo mundo me
chamava de Brixx, comecei a assinar assim.
Começo
Comecei pintando tela, fui para o grafitti e agora
estou fazendo a parte de curadoria. Mas nunca parei
com o graffiti não tem como não fazer, ele foi o pilar
para tudo. Enquanto eu pintava tela, ficava só em
casa. A partir do dia que eu comecei a fazer graffiti,
fui convidada para fazer exposição, para fazer projeto
em outros lugares. Então por conta do graffiti tive
visibilidade para me desenvolver em outras áreas. Para
mim ele é o ponto principal.
Brasília
Eu sou de Brasília, mas nos últimos 4 anos morei em São
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Paulo. Assim que eu me formei decidi me mudar para
fazer pós-graduação na área em que me formei, design
de interiores. Quando eu cheguei em São Paulo me dei
conta de que não era isso que queria fazer. Me dediquei
a outros cursos de arte para aprender a produzir de uma
forma diferente e não fiz a pós. Meu objetivo agora é
fazer artes plásticas na Universidade de Brasília, que é
o que sempre quis na verdade. Por pressão de conseguir
dinheiro eu fiz um curso ligado à arte, mas que não era
o que eu queria. Eu amei fazer minha graduação, achei
super legal, mas essa questão da arte ficou dentro de
mim: ‘‘Cara, você tem que se especializar no que você
realmente quer, não pode ficar pensando só nesse lance
da grana’’.
não ouvia uma crítica pra ver onde estava errando. Eu
um dia, me lembro que era meu aniversário de 23 anos,
e eu estava de saco cheio de ser antissocial. Queria me
forçar de alguma forma a interagir com as pessoas. Então
tive essa ideia de pintar na rua para me expor, conhecer
novas pessoas e deu certo.
Personagens
Meus personagens são meus monstros internos. Eles não
costumam ter forma humana e todos usam uma máscara
branca, que é uma forma de neutralizar a maneira como
as pessoas vão enxergá-los. Por isso as máscaras são
pouco expressivas, só tem olhos e bochecha. São um
escudo para os monstrinhos.
Timidez
Eu sempre fui muito tímida e tinha dificuldade de
socialização, era aquela pessoa que fica sozinha no
recreio lendo um livro e não fala com ninguém. Mas
chegou um momento em que começou a me atrapalhar
muito porque eu pintava as minhas coisas, guardava e
não mostrava para ninguém. Eu não estava conseguindo
evoluir porque não trocava experiência com outros artistas,
Mulheres
Gerencio uma galeria em parceria com minha amiga
Rafaella Morais. Ainda não fechamos o nome, mas já
temos o calendário do ano. Em 2016 são dois homens
e cinco mulheres expondo. O graffiti é um meio de
prevalência masculina, então para uma mulher se
manter firme ela tem que ralar um pouco mais. Se
você sair sozinha com mochila nas costas
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FABRÍCIA FURTADO
Nascimento 1987 ASSINA Brixx Cidade Taguatinga Formação Design de Interiores - Uniplan Meio Spray ESTILO Vetorial
Temas Timidez, Monstros
para fazer um graffiti, vai ter gente mexendo com você.
Se você estiver sozinha a pessoa pode te abordar, como
já aconteceu comigo várias vezes. Quando você vê um
graffiti na rua, normalmente pensa que foi um menino
quem fez. Existe também o lado positivo: muita recepção
de outras partes, muitas artistas me acolheram. Tem muita
mina com talento maravilhoso, mas não vejo as portas se
abrirem. Então eu quis, como mulher, dar uma força para
essas meninas que têm uma excelente produção. Ninguém
brinca em serviço.
Galeria
Na galeria tento deixar livre para que o artista faça o que
ele quer. A ideia é justamente abrir as portas para que
esses artistas que não estão expondo tenham um lugar
para mostrar o que eles querem, do jeito deles, com a
cara deles. A arte é um mercado e eles te vetam muito,
às vezes ditam o que você tem que fazer. Eu imagino que
seja igual quando a galera da música assina com uma
gravadora.
Autorização
Dificilmente eu peço permissão. Mesmo que você
esteja desenho coisinhas coloridas e fofas, o graffiti é
considerado um ato de vandalismo. Eu não acho que
o graffiti tenha que ser autorizado, o esquema é esse
mesmo: chegar e fazer o que você tiver que fazer. Cada
um tem seus princípios, eu evito pintar casas, por exemplo.
Técnica
Gosto muito do trabalho geométrico. Para desenvolver
uma perfeição maior no traço eu uso a fita crepe. Meço
o muro com a fita, delimito os espaços, vou pintando por
dentro. Nos desenhos mais orgânicos não uso a fita, faço
20
só na base do spray. Antes eu pintava só com pincel
e rolinho, não usava spray de jeito nenhum. Como eu
pintava em tela, tinha muita intimidade com a tinta e o
pincel. Também adoro o processo de criação de cor. O
spray te dá uma cor ponta e isso matava o meu processo,
mas como usar tinta demora muito e a superfície tem que
ser lisa, acabava me limitando demais. Os meninos que
pintavam comigo ficavam me enchendo: ‘‘A gente achou
um muro que é da hora mas não é liso, não vai dar pra
você pintar. Se você fizer com spray vai ser mais rápido’’.
Foi uma resistência que fui vencendo com o tempo e
quando comecei, tive muita dificuldade. Até hoje não me
considero cem por cento, mas eu desenvolvi minha técnica
e fui pegando a manha do spray.
Regras
Rola um desapego quando seu trabalho é feito na rua,
em um espaço público. Se pintarem por cima, paciência.
O que acontece muito é de propaganda atropelar o
seu trampo, esse tipo de coisa me deixa doida. Vou lá,
faço por cima e pinto de novo. E aí fica aquela guerra
de tinta. Agora dentro do graffiti e da pichação, que
caminham lado a lado, existem regras. É inadmissível
um grafiteiro pintar por cima do trabalho de outro
grafiteiro. Se você souber quem foi, vai trocar uma
ideia para saber o que aconteceu. Depois disso você
tem todo o direito de passar por cima porque ninguém
pode atropelar ninguém, na cidade cabe todo mundo.
Realmente é algo muito sério, é uma questão de respeito.
O espaço é de quem chegou primeiro.
Iniciativa
A única coisa que você precisa ter é vontade. Quando
eu decidi ir para rua eu nunca tinha pego numa lata
de spray, eu nunca soube como fazer algo no muro. Eu
pesquisei na internet os tipos de tinta, onde comprar o
spray, fiz um desenho no papel e falei: ‘‘A partir de hoje
vou pintar na rua’’. Procurei um muro e fiz. Ficou horrível,
mas vários ficaram ruins durante um tempo. Depois você
vai melhorando e descobrindo que tipo de técnica é
melhor para o seu estilo de desenho. E o esquema é assim:
ter vontade, não se preocupar se estão dizendo que é o
lugar errado, que não é seu lugar. Simplesmente siga o
que você quer fazer. A
1
2 3
1. Brixx em seu atelier em Brasília, 2016. Foto: Maianna Gianin 2. Graffiti de Brixx e Michelle Cunha
no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), 2016. Foto: Ello Romanin 3. Graffiti de Brixx e Siren na 508 Sul,
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2016. Foto: Maianna Gianin 4, 5. Detalhes do trabalho de Brixx em seu atelier em Brasília, 2016. Foto:
5
Maianna Gianin
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Graffiti
rolê
Siren
Quadra passou uma manhã com Camilla Santos, conhecida nos muros de
Brasília como Siren, durante a restauração um de seus graffitis na 109 Sul
Eu fiz esse
9h trabalho mas
zoaram ele todo. Com
certeza não é ninguém
do graffiti, porque o
pessoal respeita.
No ensino
9h20médio me
deu uma vibe de fazer
graffiti e eu comprei
aquelas latas automotivas,
horríveis. Vi vários vídeos
no Youtube mas quando eu
fiz, ficou ridículo. Uns meses
depois eu conheci o Yong
[grafiteiro de Brasília] que
me passou altas dicas, me
ajudou bastante.
Em Brasília
9h45não existe
um grande mercado de
arte, é tudo muito novo.
Os artistas abaixam um
pouco o preço, porque se
a gente colocar o valor de
mercado, ninguém compra.
As pessoas se alimentam
de cultura do exterior, mas
na hora de apoiar o artista
local, pensam duas vezes.
Ainda pensam
10h que porque o
graffiti é feito na rua nós
podemos trabalhar de
graça ou em troca de
comprarem as tintas. Mas
eu fico em pé muito tempo
movimentando o corpo
todo, é toda uma técnica, é
muita coisa agregada, não
é só chegar e pintar. Se for
assim a gente dá as tintas e
a pessoa faz.
10h40 Quando
a gente
termina um trabalho as
pessoas adoram, mas
na hora de pedir muro é
um saco, tem que insistir
muito. Agem como se fosse
um favor e muitas vezes
nós fazemos o favor,
revitalizando de graça um
lugar que está acabado.
11h
Nunca senti
discriminação do
pessoal do graffiti, eles
respeitam e gostam de ver
menina na área. Mas tem
muita gente que vê meu
trabalho e já presume que
foi um homem quem fez. A
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CAMILLA SANTOS
Nascimento 1997 ASSINA Siren Cidade Sobradinho Formação Design Gráfico - Iesb Meio Spray
Temas Super-heroinas Influências Cartoon, Anime, Mangá
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1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Siren faz trabalho de graffiti na 109 Sul, 2016 11. Graffiti de Siren antes de ser
restaurado, 2016 12. Siren ao lado de seu grafitti após restauração, 2016. Fotos: Maianna Gianin
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HQ
Paixão: 1. Sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade. 2. Amor ardente.
3. Entusiasmo muito vivo. 4. Atividade, hábito ou vício dominador.
UMA HISTÓRIA DE AMOR E QUADRINHOS
Breno Damascena
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N
ão há consenso sobre qual foi a primeira história
em quadrinhos do mundo. Algumas fontes atribuem
o crédito a Alfred Harmsworth, conhecido como Lord
Northcliffe que em 1890 lançou a Comic Cuts, em
Londres. Outras consideram o norte-americano Richard
Outcalt, que criou o balão com falas e começou a
publicar narrativas no suplemento dominical do The New
York Journal American em 1897. A controvérsia aumenta
quando se coloca em debate culturas como a egípcia
e a grega, que já utilizavam sequências de figuras para
desenvolver relatos.
A unanimidade é que os quadrinhos se desenvolveram,
criaram um mercado, revolucionaram a forma de contar
histórias e conquistaram o público. O entusiasmo e
a motivação com que o ilustrador e animador Lucas
Marques fala da mídia se reflete na obra que produz.
Ao lado de Bruno Prosaiko e Túlio Mendes, o brasiliense
é um dos autores da Aerolito, que já possui três volumes
publicados. Compostas de histórias curtas, as revistas se
apoiam no terror e em doses contínuas de sarcasmo
para apresentar contos intrigantes e carregados de
referências do mundo pop. Desde o primeiro curso de
desenho na infância à formação universitária, Marques
foi motivado pelo fascínio que possui pelos quadrinhos.
Graduado em artes plásticas pela Universidade de
Brasília (UnB), o autor agora tenta publicar a HQ
autobiográfica Cesariana, porém esbarra em um
problema comum para quem tenta fazer algo autoral:
falta de dinheiro. Marques já buscou editoras e tentou
uma plataforma de financiamento coletivo, mas não
obteve êxito. Enquanto espera o resultado de um edital
de incentivo à cultura, garante que vai encontrar uma
maneira de divulgar a obra mesmo que não consiga
apoio. “Não quero que haja empecilhos para as pessoas
interessadas no meu trabalho. O que eu faço é por
amor”, afirma.
A mesma paixão é partilhada pelos membros do
Incoerente Coletivo, um grupo formado por seis amigos
encantados pela mídia que se uniram para desenvolver
projetos pessoais e contar histórias sem atender a
demandas e obrigações. “É muito mais fácil começar
uma coisa quando tem gente do seu lado”, explica o
ilustrador Márcio Rocha, integrante da equipe conhecido
como Marmota.
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5 6
1. Ilustração A Grande Pesca, de Dino Motta do Incoerente Coletivo, 2015 2. Personagem Cherry Pie de
Guilherme de Lacerda do Incoerente Coletivo, 2015 3. 4. Ilustração de Lucas Marques para a revista
Cesariana, 2013 5. Tirinha Terry e Loo de Eduardo Calazans do Incoerente Coletivo, 2015 6. HQ
Abduções de Dino Motta do Incoerente Coletivo, 2015
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Referência no mercado brasiliense, o Incoerente
Coletivo reúne projetos que abordam variados temas
sob a estética dos quadrinhos. Os integrantes utilizam
a iniciativa para retratar a cidade em que nasceram,
ideia que poderá ser conferida na Formatinho, novo
projeto da equipe irá reunir casos sobre o metrô de
Brasília. Além de servir como plataforma para gerar
impacto na vida do leitor, o grupo é uma vitrine para
o talento de seus integrantes. “Nossa preocupação é
que as pessoas vejam nosso trabalho. Não adianta
ser o melhor desenhista no seu quarto’’, aponta Rocha.
A
pesar de automotivados, nem só de alegrias
vivem os produtores independentes da capital.
A despeito dos quadrinhos contarem com números
de vendas impressionantes mundo afora, o mercado
brasileiro é incipiente e possui poucos destaques.
Na cidade, esse nicho é ainda menor. O crítico e
pesquisador de histórias em quadrinhos pela UnB,
Ciro Inácio Marcondes, acredita que dificilmente a
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5
1. Ilustração Holy Diver de Márcio Rocha do Incoerente Coletivo, 2015 2. Ilustração da personagem
Punk de Guilherme de Lacerda do Incoerente Coletivo, 2015 3. Capa da edição n.2 da revista Incoerente
Coletivo. Ilustração de Guilherme de Lacerda, 2015 4. Capa da edição n.1 da revista Aerolito. Ilustração
de Lucas Marques, Colorido por Bruno Prosaiko, 2014 5. HQ Sonda 7/9 de Filipe Henz do Incoerente
Coletivo, 2015
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a produção independente vai se popularizar e destaca
que a distribuição e divulgação das HQs produzidas
na capital está em fase embrionária. Além das mídias
sociais, os autores costumam aproveitar eventos de
apoio à cultura independente no Distrito Federal como o
Enquadrinhos, espaço para discussão e diálogo em torno
dessas narrativas que reuniu grandes nomes da indústria
brasiliense em 2015 e em movimentos de ocupação
popular como o Picnik!.
Outra alternativa é a venda consignada por lojas
especializadas na temática. Porém, com a falta de
visibilidade e alcance, o consumo ainda é baixo e a receita
irrisória não consegue custear os gastos com impressão e
distribuição, obrigando alguns produtores a desistirem ou
adiarem seus projetos. A Aerolito, por exemplo, recebe
sucessivas análises positivas dos leitores e críticos
especializados, no entanto grande parte das revistas
está encalhada e as vendas não cobriram os custos
da impressão. A situação resultou no cancelamento da
iniciativa por tempo indeterminado.
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Uma estimativa feita em 2014 pelo Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) na
publicação Economia Criativa, averiguou que existem cerca
de 18 milhões de leitores de HQ’s no país, pouco menos
de 10% da população brasileira. Segmentado, específico
e limitado, esse público prioriza as revistas estrangeiras,
o que dificulta ainda mais a consolidação dos quadrinhos
experimentais, autorais e independentes no Brasil.
Mas o cenário pode estar mudando. Marcondes
aponta que Brasília segue a tendência global de
mais interesse dos leitores pelos quadrinhos, motivados
principalmente pela transmídia, fenômeno no qual
ações são desenvolvidas em diferentes plataformas
simultaneamente. Outro fator de impulso são as grandes
produções cinematográficas que roteirizam personagens
famosos de quadrinhos com sucesso, como Os Vingadores
e Sin City. Enquanto o mercado para essas publicações se
estrutura, os autores se alternam entre ocupações formais
e retiram dinheiro do próprio bolso para investir no sonho
de infância, apoiados em um dos poucos combustíveis que
ainda não faltou: a paixão. A
cDez Perguntas
escultura
Radicado em Nova Iorque,
Fernando Carpaneda cria obras
que estão propositalmente à
margem da arte contemporânea
1. Como você decidiu ou quando percebeu que
gostaria de trabalhar com arte?
Eu me lembro que desenhava com 11 anos de idade.
Gostava de rabiscar rostos. Com 13 anos fiz minha
primeira exposição.
2. Como foi a escolha pela escultura?
Comecei a esculpir depois de anos trabalhando com
assemblagens [composição feita com retalhos de papel].
Sempre gostei de figuras e com o tempo acabei me
especializando em esculturas de argila. Depois de alguns
anos, comecei a trabalhar com esculturas eróticas com um
cunho mais hiper-realista. Esse é o trabalho que faço hoje.
Além de esculturas, faço pinturas e desenhos.
3. Você pesquisa muito um assunto antes de iniciar um
projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?
Meu trabalho é espontâneo. Faço retratos de pessoas
que conheci em algum ponto da minha vida e situações
que vivenciei. O planejamento está presente na forma
com que componho as peças. Geralmente uso o cabelo
dos modelos que retratei na finalização das esculturas e
objetos usados pelos retratados.
4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de
criação?
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FERNANDO CARPANEDA
Nascimento 1967 cidade Taguatinga meio Escultura, Pintura estilo Lowbrow Art, Gay Art, Punk Art
temas Homoerotismo, Movimento Punk influências John John Jesse, Caravaggio, Lucien Freud, Tom of Finland
Uso três processos na criação dos meus trabalhos: modelo
vivo, fotografias que faço dos modelos e desenhos para
planejar a obra. Eu tento intervir na realidade social
que me circunda, deslocando certas noções de certo ou
errado nas obras. Costumo trabalhar com retratos. Faço
esculturas em argila retratando mendigos, homens nus,
punks e recentemente tenho trabalhado em algumas
releituras de esculturas clássicas. O processo de criação
acontece de forma natural, gosto de conhecer pessoas
nas ruas, bares e locais destinados à prostituição e shows
de rock. A maioria dos meus retratos são de pessoas que
conheço nesses lugares.
5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de
trabalho?
Gosto de fazer obras que não se enquadram no circuito
da arte contemporânea. Prefiro ir contra o padrão imposto
por instituições de arte. Tento fugir da estética visual da
atualidade que, ao meu ver, se parece mais com design
de interiores e vitrines de lojas de Nova Iorque. Eu optei
em seguir linhas de trabalhos que fogem desse modelo
que todo artista formado em faculdade de artes segue.
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Prefiro criar obras únicas, o contrário do que é imposto
por salões, museus e espaços contemporâneos. Sigo
linhas de trabalhos da Gay Art, Punk Art e Lowbrow
Art que são movimentos artísticos que fogem dessa
estética.
6. Como você analisa a produção de arte
contemporânea?
Para mim ninguém jamais irá superar o fotógrafo
Joel-Peter que compõe suas obras usando
cadáveres e partes mutiladas de corpos humanos.
O trabalho dele está acima de todo e qualquer
fotografo que conheço.
7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?
Não seguir padrões.
8. Você acredita que Brasília influencie sua
produção?
Sim. Brasília ainda é uma grande influência nos meus
trabalhos. Sempre transformo minhas memórias da
cidade em quadros ou esculturas, sempre tem alguma
frase ou nome de alguém que eu conheci em Brasília
tatuado em minhas novas obras.
9. tem alguma imagem que sonha um dia em produzir?
Penso em compor uma escultura com 200 figuras em
argila. Vai levar 14 anos para ser finalizada, mas já está
em produção.
10. Indique o trabalho de um artista da cidade que
tenha chamado sua atenção
O artista plástico Ricardo Gauthama. A
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5
6
1. Pintura Gay Pride, de Fernando Carpaneda. Acrílica Sobre Tela, 20x25cm, 2015 2. Pintura
A Transfiguração de Fernando Carpaneda. Acrilica Sobre Tela, 20x25cm, 2015 3, 4, 5, 6.
Esculturas da série Homem Objeto, de Fernando Carpaneda. Argila, 10 cm. 2016
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Dez Perguntas
colagem
FA natureza do caos é
investigada nas colagens de
Stenio Freitas
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STENIO FREITAS
Nascimento 1988 Cidade Cruzeiro Formação Artes Plásticas - UnB Meio Colagem, Pintura, Fotografia, Videoarte
Temas Dor, Caos, Miséria Influências Arte Punk, Graffiti, Jazz, Música Experimental
1. Como você decidiu ou quando perecebeu que
gostaria de trabalhar com arte?
Desde pequeno sempre gostei de arte, sempre tentava
compor alguma coisa que ia além de um simples objeto
ou desenho, mas não tinha muitas referências do que
era arte. Na adolescência me apaixonei pelo graffiti
e então comecei a fotografar tudo pelos lugares que
ia. Paralelamente já tinha começado a fazer colagens,
as referências foram chegando. Passei a morar perto
do Plano Piloto e comecei a ir com mais frequência em
galerias de arte. Foi tudo ficando mais claro para mim.
2. Como foi a escolha pela colagem?
Foi simples, eu tinha um livro no qual colecionava registros
dos lugares que passava fazendo graffiti. Nesse livro já
existia uma espécie de colagem, fui desenvolvendo esse
trabalho, comecei a pesquisar artistas que trabalhavam
com isso. No meio punk que eu frequentava já existia uma
galera que fazia colagem pra zines, capas de disco de
banda. A partir daí, fui só desenvolvendo o trabalho até
chegar ao que ele é hoje.
uso um computador, um scanner, programas de edição
de imagem, impressora de tonner e xerox. Sem isso meu
trabalho ia ser bem mais difícil. Quando vou criar algo
novo procuro pensar em texturas, contrastes que poderiam
dar um bom resultado, cada série tem uma história que
imagino. Muitas vezes essas histórias vêm de livros que
eu tô lendo, aí junto umas imagens e começo a fazer as
colagens. Às vezes faço cinco ao mesmo tempo, às vezes
uma só... depende muito de como anda o workflow.
5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de
trabalho?
Para mim existe uma ligação entre todas elas, passam
pelos mesmos temas, o que muda é a plasticidade e a
forma de chegar a quem vê. Recentemente lancei um
álbum de música experimental por um selo chamado
Malware. Os princípios são os mesmos da colagem só
que em forma de música: uso de samples [captura de
partes de uma música], sobreposição de camadas e tudo
mais, só que a música chega de outra forma às pessoas.
3. Você pesquisa muito um assunto antes de inciar um
projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?
Quando vou iniciar um novo projeto procuro fazer uma
varredura, procuro por imagens que me remetem a
alguma coisa, detalhes. A partir daí eu monto um banco
de imagens para trabalhar e faço manipulações digitais,
imprimo em preto e branco ou faço xerox de algumas
coisas. Na hora de fazer é uma descarga, faço várias
imagens de uma só vez.
6. Como você analisa a produção de arte
contemporânea?
Muito diversa, cheia de possibilidades. Me incomodo com
alguns clichês, mas como um todo acho muito relevante o
momento que a gente se encontra na arte, bem livre e sem
amarras. Me toca muito o trabalho do Mikola Gnisyuk, Jim
Campbell, Martha Cooper que documentou e documenta
a cena de graffiti contemporânea em Nova Iorque e no
mundo todo. Também adoro o JR, que faz aquele trabalho
maravilhoso com temas políticos ao redor do mundo.
4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de
criação?
A tecnologia é importante pois facilita meu trabalho. Eu
7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?
Para mim a diferença não está na imagem, mas no que
ela causa. Uma boa imagem provoca impacto, causa
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36
questionamento. A imagem regular causa somente uma
apreciação momentânea, não se leva para a vida.
Quero fazer muitas coisas, mas o que tenho pensado mais
é em fazer colagens em um formato grande, quero gerar
mais impacto, mais perturbação.
8. Você acredita que Brasília influencie a sua
produção?
Com certeza influencia, de todas as maneiras possíveis. Em
mim por exemplo: moro em Brasília, aqui nós temos poucos
momentos de convívio coletivo comparado a outras
cidades. Existe esse silêncio perturbador, as distâncias
são enormes, difícil visitar amigos e amigas. Consigo ver
perfeitamente isso nos meus trabalhos hoje em dia.
9. Tem alguma imagem que sonha um dia em produzir?
10. Iindique o trabalho de um artista da cidade que
tenha chamado a sua atenção
Gosto muito dos trabalhos que o Gustavo Silvamaral
e o José de Deus estão fazendo, temas políticos
contundentes no momento atual. Kabe Rodriguez
me encanta também. Tudo que ela faz tem um peso
muito grande. Também adoro a Lovelove6 que faz a
Garota Siririca entra várias outras coisas bem legais,
enfim, muita gente. O que não falta são bons artistas
nessa cidade! A
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1 4
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5
6
7
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7. Colagens de Stenio Freitas, 2015
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Dez Perguntas
fotografia
1. Como você decidiu ou quando percebeu que
gostaria de trabalhar com arte?
Com uma carreira que passeia
entre a arte e a publicidade,
Vitor Schietti analisa o peso do
inconsciente em sua obra
Eu me interesso por arte desde pequeno. Com 9 anos
minha mãe me matriculou na Academias de Belas Artes
Nadia Barbosa. Lá eu aprendi aquarela, nanquim, guache,
pastel seco e pastel oleoso. Eu gostava bastante de
aquarela, foi o meio que eu mais pratiquei. Essa técnica
teve influência na série Formas Pensamento que eu fiz em
2012, na qual eu misturo fotografias de céu com aquarelas
que eu pinto e aplico digitalmente.
2. Como foi a escolha pela fotografia?
Eu ganhei uma Polaroid com 11 anos e achava um barato
fotografar e já sair na hora. Em 2003 eu ganhei uma
reflex analógica e fiz um curso na Escola de Fotografia
Quarto Eclipse. Eu via a fotografia como um hobby que me
interessava por estar ligado à arte. Minha família também
me incentivava. Mas a escolha profissional só veio em
2007 depois que eu comprei uma câmera digital em um
período que morei no Canadá. Lá comecei a praticar
bem mais porque a curva de aprendizado no analógico
é mais devagar, você tem que revelar, custa caro. No
digital você vê na hora o resultado e fica mais prático e
rápido aprender. Depois dessa viagem eu ainda queria
ser diretor de arte em publicidade e tive a chance de ser
assistente do fotógrafo Daniel Madsen. Resolvi abraçar
essa oportunidade com a intenção inicial de ser assistente
38
S
por um tempo e depois voltar para a direção de arte com
conhecimentos de estúdio. Mas acabou que eu achei mais
interessante continuar na fotografia. Isso foi em 2007 e de
lá pra cá foi um caminho sem volta.
3. Você pesquisa muito um assunto antes de iniciar um
projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?
Alguns projetos são mais planejados, outros são mais
espontâneos. Tenho um que se chama Do Irreal ao Real
em que retrato paisagens oníricas com um personagem
central chamado Osíris. Ele envolve uma narrativa,
cada foto é ligada a outra. Esse trabalho tem bastante
pesquisa, leituras de psicanálise, psicologia e outros temas
relacionados ao inconsciente e bastante manipulação.
Eu planejo muito a foto, faço uma pesquisa de locação,
às vezes tenho que produzir objetos, às vezes tem mais
de um ator. Esse projeto é bastante autoral e está mais
para a parte de planejamento, enquanto outros como o
Formas Pensamento é uma coisa mais espontânea. Mas
eu diria que de uma forma geral, sou mais para o lado
do planejamento, isso também vem da publicidade. Em
produção de fotos mais complexas é preciso planejar e
ter controle sobre o processo. Tem uma frase do David
Lynch [cineasta]: ‘‘Não importa o quão criativo você seja,
você precisa controlar o seu processo’’. Também acho
que é por aí. O acaso pode ser bem vindo, de maneira
que você esteja aberto a adaptações a partir de alguma
espontaneidade do momento, mas desde que dentro de um
enquadramento bem planejado, bem construído a priori.
4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de
criação?
O digital para mim é tudo. Eu não fotografo em filme,
admiro quem o faz, acho que podem ser feitas muitas
coisas interessantes em processos analógicos e químicos,
mas não para mim. Eu prefiro me ater ao digital. Por
consequência também uso bastante Photoshop. Em
algumas séries uso manipulações, em outras só faço
correções de cor e de contraste, mas eu não tenho
restrições quanto ao uso do digital, o mais importante é o
resultado. Claro que o que eu puder resolver sem precisar
manipular, eu resolvo. Não deixo para criar no Photoshop
coisas que poderiam ter sido feitas na hora da produção.
5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de
trabalho?
A ligação é meu interesse pelo inconsciente, pelos
sonhos, questões relacionadas à exploração da mente. A
mente humana é muito vasta, tem muita coisa escondida.
Gosto de trabalhar sobre essa questão do que a gente
não percebe, não entende; mas que joga um papel
muito importante nas nossas decisões diárias, na nossa
percepção do mundo, na nossa memória, que é outra
palavra importante para o meu trabalho.
6. Como você analisa a produção fotográfica
contemporânea?
Eu não tenho cacique para uma resposta muito
incrementada, então diria que vai bem. Tem muito jovem
inovando na linguagem e se apropriando dos novos meios
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VITOR SCHIETTI
Nascimento 1986 Cidade Asa Norte Formação Publicidade e Propaganda - UnB ESTiLO Publicitário, Autoral
Meio Fotografia Digital, Videoarte Temas Inconsciente, Memória, Sonho Influências Gregory Crewdson, Storm Thorgerson, Thomas
Demand, Andreas Gursky, Zena Holloway
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digitais, tem sido uma produção cada vez mais democrática.
7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?
Uma boa imagem tem que instigar alguma reflexão. Para
isso, geralmente ela gera identificação. Uma foto de guerra
em que você vê uma criança chorando, desolada, você
vai se identificar com o sofrimento daquela criança, talvez
você tenha um filho ou sobrinho, então você não quer que
aquela pessoa passe por isso. Por isso que fotos de Brasília
fazem muito sucesso entre nós brasilienses: as pessoas se
identificam com a cidade. Tanto é que minha série mais
vendida aqui é a Silêncio das Três, em que fotografo as
tesourinhas e as entrequadras de madrugada. São ângulos
mais para quem mora aqui, do que para turista.
9. tem alguma imagem que sonha um dia em
produzir?
Tenho várias, algumas que são impossíveis. Tem uma
que veio através de um processo meditativo. Era a
imagem de um avião grande, de estilo comercial,
sendo totalmente engolido por raízes e essas raízes
o fixavam no chão. O avião não era necessariamente
antigo, que caiu na mata há muito tempo e a natureza
tomou, não era bem isso. Era um avião razoavelmente
novo que estava ali pousado, mas as raízes o
impediam de voar. Não sei se um dia eu vou produzir
essa foto porque provavelmente eu teria que fazer em
3D, custaria muito.
10. Indique o trabalho de um artista da cidade que
8. Você acredita que Brasília influencie sua
produção?
Influencia na questão de que Brasília me traz uma calma, um
resguardo, que talvez outros centros urbanos não tivessem.
São Paulo, por exemplo, é uma cidade muito dinâmica, cheia
de influências. Em Brasília você tem permissão de ficar um
pouco mais resguardado e isso vai de acordo com meu
estilo de vida. Me dá mais tempo para a meditação, uma
calma que pode ser positiva na minha produção criativa.
tenha chamado sua atenção
O Lucas Castor é um fotógrafo novo e está fazendo
um bom trabalho, é interessante ver a curva de
desenvolvimento dele. Nas artes plásticas, eu gosto do
trabalho do Taigo Meireles, ele faz bastante pesquisa,
trabalha com afinco. Também acho interessante as coisas
que o David Almeida se propõe a fazer com pintura. Na
fotografia, tem o Diego Bresani, acho que ele produz
muitas coisas boas. A
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1. Fotografia do projeto Silêncio das Três de Vitor Schietti, 2013 2. Fotografia do projeto Próximo de
Vitor Schietti, 2010 3. Fotografia do projeto Presente de Vitor Schietti, 2013 4. Fotografia do projeto
Formas Pensamento de Vitor Schietti, 2012 5. Fotografia do projeto Próximo de Vitor Schietti, 2010
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Fotografia
Um Novo Enquadramento
As lentes de Fábio Setti e de Pedro Lacerda capturam a
vida contemporêna na capital
Natália Roncador
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PEDRO LACERDA
Nascimento 1992 Cidade Asa Sul Formação Artes Plásticas - UnB e Publicidade e Propaganda - Uniceub Meio Fotografia Digital
ESTILO Ensaios, Fotos de Festas, Lifestyle, Foto Publicitária Coletivo Shake It
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1, 2, 3, 4, 5. Fotografias da série Comportamentos Desatinados de Pedro Lacerda, 2014 6. Fotografia da
série EQM - Entre a Vida e a Arte de Pedro Lacerda, 2015
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Inspirados pelas cores do céu e pelas sombras e curvas
da arquitetura, a capital abriga artistas visuais que
pintam a cidade sem utilizar pincéis. O olhar mutável, visto
por lentes, enriquece o quadrado e a vida dos fotógrafos
que clicam por todo o Distrito Federal.
A fotografia é uma das artes mais experimentadas na
era da tecnologia, competindo com o audiovisual. Entre a
técnica, o estudo e a inspiração, representa um fragmento
da realidade, um pedaço do irreal pelo imaginário do
artista. Assim, com a rápida arte de fazer cliques, a cidade
é a casa de muitos fotógrafos que se sentem abraçados e
inspirados pelo concreto que edifica a paisagem.
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Em um cenário de metalinguagem e experimentação,
o estudante de artes plásticas na Universidade de
Brasília (UnB) Pedro Lacerda, que também possui
bacharelado em Publicidade e Propaganda pelo
Centro de Ensino Unificado de Brasília (Uniceub),
trocou o trabalho comercial pelo artístico. A dedicada
investigação da linguagem fotográfica desde os 15
anos, fez de Lacerda hoje, um dos mais reconhecidos
fotógrafos de festas noturnas da cidade. O artista
conta que foi um chamado: “Não fui eu quem escolheu
a fotografia, ela me escolheu”. Apesar da influência
familiar — o pai é fotógrafo e a mãe artista plástica
—, Lacerda se dedicou durante toda a carreira à foto
publicitária, distanciado da produção conceitual. O
fotógrafo conta que ao iniciar a segunda graduação
na área de artes, descobriu que gostaria de se
dedicar à estética experimental: “Não faço fotografia,
faço imagens”, explica.
Apaixonado pelo ofício imagético, seu principal objeto
de estudo é o processo fotográfico e os detalhes
cotidianos que a câmera consegue apreender. “Meu
trabalho fala sobre cultura visual. Eu gosto de catar as
migalhas, os restos visuais que não são vistos e fazer
imagens com eles”, explica. “Gosto de pensar que cada
objeto tem vida própria e tento tirar essa vida dele”.
Para capturar momentos incomuns, Lacerda busca o
caos noturno: “Sempre que vou para uma festa penso
que não vou fazer somente uma foto, mas sim que vou
fazer arte e isso me anima. Hoje sinto amor e prazer
pelo que faço”, orgulha-se.
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FÁBIO SETTI
Nascimento 1994 Cidade Asa Sul Formação Jornalismo - UniCeub Meio Fotografia Digital Temas Tabus, Autoconhecimento, Ser
Humano e Natureza, Nus Influências JR Duran, Bob Wolfenson, Haruo Kaneko, Fernando Schlaepfer Coletivo Na Calçada
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Ainda na representação de um olhar pouco
apreciado, o fotógrafo Fábio Setti é referência
em nu artístico na capital do país. Sua paixão pelas
curvas começou na faculdade de jornalismo no
Uniceub, quando entrou em contato com o trabalho de
profissionais como Bob Wolfenson, Alberto Prado e
Maiquel Borges, suas inspirações.
Setti decidiu que seguiria na profissão ao fotografar
um ensaio para uma antiga namorada que estava
grávida e se sentia desconfortável com o novo corpo.
Ao ver as fotos, a jovem começou a se perceber com
mais beleza e a partir de então, o artista decidiu
que gostaria de mudar a vida das pessoas através
das imagens. Um dos pilares de seu trabalho é a
conscientização corporal: “Sempre busco mostrar a
essência da modelo e destacar sua naturalidade.
Tento esclarecer para as pessoas que a nudez é
normal e que todos podemos posar nus, quebrando
os padrões de beleza que nos limitam”. Para ele, o
maior empecilho não é encarar as dificuldades de
uma profissão autônoma, mas sim ter que enfrentar os
preconceitos sociais. “Trabalhar com nudez é complexo.
Muitas pessoas ainda sexualizam e erotizam uma arte
tão delicada como essa. A fotografia de nus ainda é
mal vista e mal interpretada”.
O artista confessa que grande parte do desrespeito
nasce com o comportamento inadequado de pessoas
da área, que têm intenções pouco profissionais
durante os ensaios. “Muitos fotógrafos buscam o nu
mal-intencionados, atrapalhando quem tenta fazer o
público enxergar a nudez como algo simples. Existem
muitos casos de abusos, de comentários desrespeitosos,
de falta de profissionalismo, queimando as pessoas que
pregam justamente o contrário”.
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48
Em Brasília a produção autoral de fotografia artística
é recente, principalmente porque a cidade teve em
sua história olhares voltados a outros segmentos, como
o fotojornalismo. Mas segundo Lacerda, a escassez
de material pode facilitar o trabalho e crescimento
profissional. “Como a cena é muito pequena, com um
bom trabalho o nome do fotógrafo gira. Mesmo sem um
portfólio extenso, é possível ser reconhecido e começar a
fazer parte do circuito fotográfico”.
Já para Setti o que incomoda é a pouca movimentação e
investimento na área cultural. “Tem muita gente engajada
com pouco espaço, sem investimento e sem estímulo. Os
bons artistas são desvalorizados, acabam desistindo ou
se mudando para lugares com maior liberdade artística
e maior concretização de ideias. Brasília se prende a
trabalhos comerciais e não tenta inovar. Falta quem
acredite que o conceitual também pode entrar no
mercado e ser aceito”, desabafa.
Apesar das divergências, ambos os profissionais
concordam: a cidade é uma das principais fontes de
inspiração. Para eles, o brilho do lago ou as cores do
céu são inevitáveis para os bons cliques, registrados
na memória. A
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1 2
4
5
1, 2, 3, 4, 5. Fotografias de Fábio Setti, 2015
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Aposta
pintura
RENATO RIOS
O sucesso da mostra Conselhos que apresentou 80 obras em abril de 2015, marca uma
nova etapa na trajetória de Renato Rios. Depois de oito anos de produção em Brasília, o
artista firma pouso em São Paulo, onde abre um novo atelier após dois meses de residência
artística. Com desenvoltura em vários meios – ilustração, pintura e escultura – Rios mostra
destreza ao traduzir o interior da alma humana em pinceladas calculadas com sensibilidade
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RENATO RIOS
Nascimento 1989 Cidade Cruzeiro Formação Artes Plásticas - UnB Meio Pintura, Desenho, Tatuagem, Calco-gravura
Temas Lirismo, Sonho, Brasilidade
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1. Renato Rios em seu atelier em Brasília, 2015. Foto: Jean Peixoto 2. Obra O Buscador. Óleo sobre linho, díptico,
2015 3. Obra Luccioles. Óleo sobre linho, 2015. Foto: Jean Peixoto 4, 5, 6. Detalhes da obra Luccioles. Óleo
sobre linho, 2015
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Arte ou Não
eis a questão
Loraine Ferreira
A
história da arte é antiga e através dela podemos
acompanhar a caminhada da própria humanidade.
Uma de suas maiores características é a subjetividade:
quem decide e quem delimita o que é a arte? Pois bem, a
discussão aqui será se a tatuagem pode ser considerada
arte ou não. E o que é arte para você?
Se eu fosse responder, diria tantas coisas: “É a máxima
expressão emotiva de um ser, é a técnica unida à
criatividade, é a pintura, a música, a gastronomia, as
cênicas, é o mundo como foi criado”. Respondi bem?
Brincadeiras à parte, de acordo com o pai Aurélio: ‘‘Arte
é a capacidade que tem o ser humano de pôr em prática
uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria’’.
Partindo desse ponto, pergunto então: tatuagem é arte?
A tatuagem pode ter surgido no Egito entre 4000 e 2000
a.C. Um dos registros mais antigos se encontra em Otzi, uma
múmia de cerca de 5.300 anos encontrada em 1991 nos
Alpes de Venoste, na fronteira entre a Áustria e a Itália. O
homem de gelo tinha um total de 61 tatuagens pelo corpo.
O declínio aconteceu na Idade Média, quando a Igreja
Católica condenou a tatuagem como prática demoníaca,
ideia já considerada ultrapassada nos dias de hoje.
No Brasil ela chegou na década de 1960 pelas mãos do
dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen, conhecido
como Tattoo Lucky, que ancorou no cais de Santos com
a primeira máquina elétrica de tatuagem. Seu estúdio
estava em uma área frequentada por prostitutas, bêbados
e pessoas marginalizadas pela população, acentuando
a ideia de que tatuagem era a identificação de um mau
elemento social. Hoje, graças à informação cada vez mais
acessível e ao entendimento de que uma coisa não tem
nada a ver com a outra, tanto tatuadores quanto tatuados
têm ajudado a mudar esse conceito.
O público procura eternizar em seus corpos momentos
que são para sempre: símbolos, datas, nomes. Algumas
pessoas chegam ao estúdio já sabendo o que querem
tatuar. Outras têm ideia da figura, mas querem aquela
ajudinha do tatuador para personalizar melhor. E ainda
existem aqueles que querem fazer algo bem diferente e
contam totalmente com o trabalho do profissional. Nesses
últimos dois casos saber somente reproduzir uma imagem
do papel para a pele não basta. É nessa hora que os
tatuadores se diferenciam pelo seu estilo, atendimento e
profissionalismo.
ara o tatuador de Brasília Gabriel Luan, mesmo que o
P desenho seja personalizado, a tatuagem não pode ser
considerada arte pois se trata de uma imagem escolhida,
definida pelo cliente e copiada para a pele. “Não faço
nada de novo, nada é criado. Acredito que a releitura
de uma imagem não possa ser comparada à arte em si”,
diz. Luan é apaixonado por tatuagem desde sempre e
começou a trabalhar na área em 2013. Seu estilo é old
school, segmento que busca a estética tradicional com
imagens ligadas ao porto e aos marinheiros, como âncoras
e rosas. “Para ser profissional é preciso tatuar o que se
sabe e também o que funciona. Muitos tatuadores antigos
ralaram para descobrir essas técnicas. Não posso chegar
hoje e querer tatuar de qualquer forma”, completa.
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repórter cinematográfico André Totors chama a
O atenção pelas muitas tatuagens nos braços e pernas,
várias com personagens de histórias em quadrinhos. Totors
fez o primeiro rabisco na adolescência por influência
dos músicos que admirava, porém a prática ainda era
marginalizada. Hoje o estereótipo enfraqueceu e de
acordo com ele, é difícil encontrar uma pessoa que não
tenha uma tatuagem, mesmo que pequena e sutil. O
repórter vê a tatuagem como uma forma de arte em seu
próprio nascimento já que muitos povos – os aborígenes,
os indígenas, os egípcios – pintavam os corpos como
uma forma de expressão. “Arte é a manifestação de um
sentimento ou uma representação do que você gosta.
Posso mostrar o que aprecio, minha personalidade. O
tatuador que faz o desenho é um artista”, defende. No
entanto, apenas a reprodução de uma imagem não
pode ser considerada arte. Para isso o tatuador precisa
reinventar ou desenvolver um método próprio que torne
seu traço único. “Ainda é possível criar. Temos tatuadores
com um trabalho fantástico aqui na cidade, só de olhar
você já sabe que é do cara”.
Apesar de existirem opiniões diversas sobre o valor
artístico da tatuagem, Luan e Totors concordam sobre
o caminho para se tornar um bom profissional: experiência,
dedicação e responsabilidade. Uma pessoa que resolva
entrar na área conseguirá atingir o sucesso com certo
tempo e trabalho.
Para Luan é importante sempre deixar claro para o
cliente o que pode não dar certo e ser sincero se for
alguma técnica ou desenho que ele não domine. “É
melhor não fazer, se ver que aquilo vai funcionar na pele.
Mantenho minha qualidade assim”. Totors acredita que o
aperfeiçoamento chega com a prática: “No começo o
tatuador erra, treina em si mesmo ou em amigos que se
prontificam. Conforme vai buscando melhorar, aprender,
não tem como, a melhora vem. É assim que o tatuador tem
seu trabalho reconhecido”. A
1 2
3
1, 2. Ilustração de Spirogs, 2015 3. André Totors mostra suas tatuagens no Conic, 2016 Foto : Maianna Gianin.
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Mapa
SOBRADINHO: Camilla Santos (Siren)
Plano Piloto: Dino Motta (Incoerente Coletivo), Fábio Setti, Feleps, Filipe Henz (Incoerente Coletivo), Pedro Lacerda,
Vitor Schietti
CRUZEIRO: Renato Rios, Stenio Freitas
GUARÁ: Lucas Marques (Aerolito)
TAGUATINGA: Fabrícia Furtado (Brixx), Fernando Carpaneda, Márcio Rocha (Incoerente Coletivo)
ÁGUAS LINDAS DE GOIÁS: Aline Stéfany, Róbsom Aurélio (Mindú)
CEILÂNDIA: Bruna Cristina, Eduardo Calazans (Incoerente Coletivo), Guilherme de Lacerda (Incoerente Coletivo)
SAMAMBAIA: Amanda Silva (Owls), Túlio Mendes (Aerolito)
RECANTO DAS EMAS: Bruno Prosaiko (Aerolito)
GAMA: 4º Churras de Letras, Koithi Hamada (Stark)
SANTA MARIA: Estela Castro (Kstro)
VALPARAÍSO DE GOIÁS: 1º, 2º e 3º Churras de Letras, 1º Encontro ElasporElas, Andrei Pasternostre, Pedro Monte (Atoa)
LUZIÂNIA DE GOIÁS: Ramon Andrade (Phanton), Raquel Braz (Bralo), Sabrina Falcão (Nabrisa)
BRUNA CRISTINA (mapa)
Nascimento 1996 Cidade Ceilândia Formação Publicidade e Propaganda - Faculdade Projeção Meio Ilustração Digital
estilo Minimalista, Vetorial
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Expediente
Editora-chefe: Maianna Gianin | EDIção de Arte e Diagramação: Maianna Gianin | EDIção de TEXTO: Maianna Gianin Repórteres:
Breno Damascena, Daniela Martins, Maianna Gianin e Natália Roncador | Fotografia: Ello Romanin, Jean Peixoto, Maianna Gianin, Mateus Bonami
e Ramon Andrade | FOTO DA CAPA: Graffiti de Kstro na 506 Sul. Foto: Maianna Gianin | FOTO DA CONTRACAPA: Graffiti de Brixx e Siren na 107 Sul.
Foto: Maianna Gianin
agradecimentos
Aline dos Santos, Cida Gianin, Eduardo Calazans, Fabiana Conte, Fernando Jordão, Layane Neves, Leonardo Resende, Lercy Patrocínio,
Mateus Bonomi, Ramon Andrade, Raquel Braz
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Quadra
Brasília | 2016
Publicação produzida durante o curso de
Comunicação Social com habilitação em Jornalismo
na Universidade Católica de Brasília (UCB)
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