14.05.2023 Views

Revista Quadra

Brazilian contemporary arts magazine

Brazilian contemporary arts magazine

SHOW MORE
SHOW LESS

Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!

Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.

Quadra

elasporelas

CHURRAS DE LETRAS

SIREN

BRIXX

v it

or

+

steniO

f re ita s

schiett i

B IA

L E IT E

F EL E PS

FABIO

E

SETTI

R

E

TE

N

A

E RO LI

CO LET IV O

O

NC

T

O

F

I

ER

NAND O

CAR

PANEDA

PEDRO

LACER DA

OS

RENA T O

RI

1


FELEPS (também na página 55)

Nascimento 1978 Cidade Asa Norte Formação Desenho Industrial - UnB Meio Ilustração Temas Abstrato, Figurativo, Natureza,

Matemática Influências Escher, Frank Zappa, Sebastião Salgado

2


Quadra n.1

Edição 1 | Especial Graffiti | Junho de 2016

Participações: Aerolito | Bia Leite| Brixx | Churras de Letras | ElasporElas

Fábio Setti | Feleps | Fernando Carpaneda | Incoerente Coletivo | Kstro

Pedro Lacerda | Renato Rios | Siren| Stenio Freitas | Vitor Schietti

Graffiti

6

Us Mano Pow!

As Mina Pah!

A galera do spray agita o

entorno do DF

Graffiti

18

Brixx relembra o início da

carreira e opina sobre o

papel das mulheres na arte

Graffiti

22

Acompanhe Siren em um

rolê pela 109 Sul

HQ

24

Breno Damascena entrevista

o Incoerente Coletivo e o

Aerolito para entender a

paixão pela ilustração

Dez Perguntas

30

Fernando Carpaneda, Stenio

Freitas e Vitor Schietti

comentam seu processo

criativo

Fotografia

42

Natália Roncador apresenta

o trabalho de Fábio Setti e de

Pedro Lacerda

Aposta

50

Conheça a obra do pintor

Renato Rios

Arte ou Não

52

O valor artístico da tatuagem

é examinado por Loraine

Ferreira

Mapa

54

Saiba por onde a

Quadraandou nesta

edição

3


Colaboradores

1. Breno Damascena

Formado em jornalismo pela Universidade de Brasília

(UnB), divide seu tempo entre marketing político

e editoração. É apaixonado por cinema, livros e

quadrinhos, mas seu passatempo preferido é contar e

ouvir histórias.

2. Ello Romanin

Estudante de jornalismo na Universidade Católica de

Brasília (UCB). Gosta de pesquisar sobre artes visuais,

moda, cultura afro e literatura inglesa. É integrante do

projeto de fotografia Captura.

3. Daniela Martins

Graduanda em jornalismo pela Universidade Católica

de Brasília (UCB), possui experiência em alimentação

de conteúdo web na Empresa Brasil de Comunicação

(EBC). Tem interesse em jornalismo investigativo e

edição de texto.

4. Natália Roncador

Graduanda em jornalismo pela Universidade Católica

de Brasília (UCB). Trabalha com fotografia há 8 anos e

nos últimos 4 anos tem se arriscado na área do cinema.

Se profissionalizou em foto estúdio pela New York

Film Academy. Acredita que a literatura é a maior e a

mais belas de todas as artes.

5. Loraine Ferreira

Formada em jornalismo pela Faculdade de Ciências

e Tecnologia (Facitec|Estácio), é também musicista.

Trabalhou na assessoria de comunicação do Superior

Tribunal de Justiça (STJ) e na Agência Brasil da

Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

4


1

4

2

5

3

BIA LEITE

Nascimento 1990 Cidade Asa Norte Formação Artes Plásticas - UnB Meio Fotografia, Desenho, Pintura, Cinema

Temas Cotidiano

1

1. Obra Sorriso é Osso de Bia Leite, 2015. Acrílica e Óleo Sobre Tela

5


6


Graffiti

Us mano pow!

Maianna Gianin

Irmão da pichação, na última década o graffiti

experimentou a profissionalização e passou de vândalo

a item de museu. Porém, no Entorno do Distrito

Federal, um grupo de grafiteiros se reúne para colocar

a arte de volta ao berço

7


Churras é uma confraternização de

‘‘O amigos’’. Assim define Pedro Monte, um dos

organizadores do rolê que tem movimentado as cidades

do Entorno do Distrito Federal. A ideia surgiu de maneira

espontânea: um grupo de grafiteiros se reuniu para pintar

uma parede juntos. O encontro era então chamado Sopa

de Letras, modalidade em que um muro é coberto com

frases, geralmente throw-ups [estilo com letras rápidas

normalmente sem preenchimento de cor]. ‘‘No primeiro

trabalho um dos meninos trouxe uma churrasqueira. A

gente juntou o dinheiro e comprou carne e cerveja. Aí de

sopa, virou churras’’, recorda o grafiteiro Ramon Andrade,

morador de Luziânia (GO).

Depois de quatro bem-sucedidas edições, três no

Valparaíso e uma no Gama, o Churras de Letras se

torna trimestral e itinerante. Os próximos locais a serem

anfitriões já estão programados: primeiro o DVO,

bairro do Gama e em seguida Santa Maria. Notícias

se espalham pela cidade e a cada nova empreitada o

número de participantes aumenta. No penúltimo encontro

foram 30 pessoas e no último, 40. O grafiteiro Róbsom

Aurélio, estudante de desenho industrial da Universidade

de Brasília (UnB) destaca a importância da localização:

‘‘Eu achava massa o graffiti, mas em Águas Lindas de

Goiás onde moro, nunca via. Então o Churras acerta por

reunir pessoas de várias partes no Entorno do DF, já que

essa cena às vezes fica esquecida’’.

Os encontros são marcados pelo Facebook, onde é

feita a divisão do preço do látex e dos comes e bebes.

Andrade faz as contas: ‘‘Dá em torno de 20 reais pra

cada um’’. Como a atividade é coletiva os integrantes

pedem autorização para pintar. ‘‘Nós definimos o muro

com antecedência porque o evento dura o dia todo e

vamos precisar de estrutura para organizar’’, explica

Koithi Hamada, estudante de comunicação social da

Universidade Católica de Brasília (UCB). Para a 4ª edição

realizada no Gama, o local escolhido foi o Cine Itapuã,

que está desativado. Andrade diz que tiveram que

improvisar: ‘‘A gente fechou a parede e não coube todo

mundo, aí liberaram um pouco do lado e a gente fez

também. Teve gente que conseguiu espaço um pouco

mais longe’’. Participante de todos os encontros, Hamada

8


acredita que o diferencial do Churras é o clima de

amizade. ‘‘Quem cola no movimento sabe que, na maioria

das vezes, as pessoas compareciam para deixar o seu

melhor trampo e depois iam embora. Nossa ideia é juntar

toda a galera e tornar o graffiti um lazer. Ninguém está lá

apenas pra mandar um trampo foda e sim pra marcar um

throw-up, comer uma carne, beber cerveja e jogar assunto

fora. Nós queremos unir os grafiteiros de Brasília e do

Entorno que têm interesses em comum’’.

Ambos nascidos nas ruas, graffiti e pichação parecem

se afastar cada vez mais em sua estética. Enquanto

a pichação mantém como características os rabiscos e

linhas pictóricas, que muitos relacionam à sujeira e poluição

visual, o graffiti abrange cada vez mais diferentes cores

e formas de expressão. Hoje são inúmeras as vertentes

do graffiti que possuem em comum apenas o meio de

produção, o spray, e o suporte, o muro. No mundo das

artes alguns grafiteiros já são bem-recebidos e têm suas

obras classificadas como graffiti fine art, termo usado para

designar produções feitas com intuito puramente artístico.

Existem também galerias especializadas somente em street

art e artistas que trabalham totalmente por encomenda,

uma mudança considerável em comparação às origens

do movimento. Hamada tem suas reservas: ‘‘O problema é

que grande parte dos trabalhos que estão entrando nas

galerias e ditos como graffiti, têm muito pouco ou nada da

estética original. Muita gente só se aproveita da imagem

do grafiteiro, que é muito romantizado como um artista

incompreendido. Mas quantas exposições são baseadas

apenas em letras? Wildstyle [composição em que a forma

é intrincada e difícil de ser lida]? Dificilmente seremos

reconhecidos se não entenderem nas galerias que esse é

o estilo original’’.

9

Para muitos a pichação e o graffiti ainda caminham

lado a lado. Gilmar Satão, um dos precursores do

estilo na cidade, acredita que não existam tantas

diferenças. ‘‘O graffiti surge através da pichação,

existe uma ligação muito grande. Os dois são rua, o

debate até onde vai um e começa o outro é de cada

pessoa. Na sociedade o graffiti pode ser legal, mas na

lei é depredação do patrimônio público’’. No dia a dia

as distâncias parecem ser menos marcantes para os


10


artistas. Andrade conta que com frequência ao grafitar

um muro, algum passante o repreende ao confundi-lo

com um pichador. ‘‘Para mim o pessoal conhece mais

a pichação do que o graffiti, porque às vezes você tá

pintando e a pessoa fala: ‘Tá pichando, né?’. Aí elas

veem as formas surgindo e dizem: ‘Olha esse picho tá

bonito’’’. Hamada esclarece que a pichação também

construiu sua estética ao longo do tempo e que a má

fama vem do desconhecimento. ‘‘Na pichação existe

uma harmonia bem trabalhada, a tipografia dela

é riquíssima. A pichação de São Paulo é bastante

conhecida no exterior’’, defende.

Satão foi pichador durante uma década, de 1984 a 1994,

quando iniciou seus trabalhos no graffiti. Com a visão

dos dois mundos, acredita ser desnecessário discutir a

legalização de um ou outro estilo. ‘‘A arte não tem que ser

legalizada, vai da consciência de quem faz’’.

E para quem pensa em começar, o grafiteiro dá a dica:

‘‘Quem quer de verdade tem que estudar, conhecer novos

artistas, ir atrás de locais para pintar e o resultado vai te

levar pra frente. Se você fraquejar e parar é porque era

moda. Grafiteiro que é grafiteiro nasce e morre grafiteiro,

nunca para’’. A

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16 17

1. Graffiti em muro no Valparaíso de Goiás feito durante o 1º Churras de Letras, 2015.

Foto: Maianna Gianin 2, 3, 4, 5, 6. Grafiteiros durante o 1º Churras de Letras, 2015.

Fotos: Ramon Andrade 7, 8, 9, 10, 11. Grafiteiros durante o 4º Churras de Letras, 2015.

Foto: Mateus Bonomi 12, 13. Grafiteiros durante o 1º Churras de Letras, 2015. Fotos:

Ramon Andrade 14. Graffiti em muro no Valparaíso de Goiás feito durante o 1º Churras

de Letras, 2015. Foto: Maianna Gianin 15. Grafiteiros durante o 4º Churras de Letras,

2015. Foto: Mateus Bonomi 16. Marcos Priks, Pedro Monte, Andrei Pasternostre, Ramon

Andrade e Marcos Silva (d-e) durante o 1º Churras de Letras, 2015. Foto: Arquivo Ramon

Andrade 17. Graffiti feito durante o 4º Churras de Letras, 2015. Foto: Mateus Bonomi

11


Graffiti

Daniela Martins & Maianna Gianin

presença das mulheres no mundo das artes

A sempre existiu, porém os percalços históricos e

sociais desnivelaram sua participação em comparação

aos homens. No Brasil, as mulheres não eram aceitas

em diversas escolas de arte no século XIX. Na época

o ensino era baseado no desenho de modelo vivo,

exercício em que uma figura humana é representada

a partir da observação de um modelo nu. A prática

permitia ao artista desenvolver sua técnica para

adentrar no mundo da pintura com temas civis, vistos

como nobres e masculinos. Às mulheres restava a

pintura de natureza morta, considerada até hoje com

menor valor artístico. ‘‘As mulheres eram impedidas

de participar das aulas de modelo vivo por ser

considerado contrário à sua honra, enquanto este

curso era essencial para se produzir as formas mais

consagradas de arte’’, explica Patricia Reinheimer

antropóloga formada pela Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Se em épocas passadas as instituições excluíam as

mulheres, neste o ambiente em que a arte é produzida

pode ser um fator de exclusão: a arte urbana, também

chamada de street art, nascida na década de 1970

nos Estados Unidos, tem como tela os espaços públicos.

Confundida com freqüência com o vandalismo, ato de

depredar intencionalmente um patrimônio, a arte urbana

se caracteriza pela ausência de vínculos acadêmicos,

institucionais e comerciais e é feita até hoje sem pedido

de permissão. Algumas cidades como Paris, Nova Iorque e

Zurique já reservam áreas especiais onde fazer graffiti é

12


Em 1989 o grupo feminista Guerilla Girls questionava em um outdoor

em Nova Iorque: As mulheres precisam estar nuas para entrarem no

Metropolitan Museum of Art? A provocação vinha da constatação de

que haviam mais pinturas de nus femininos do que artistas mulheres em

exibição no renomado museu da metrópole norte-americana. De acordo

com pesquisa do Guerilla, enquanto 3% do total de artistas eram mulheres,

em 85% das obras os nus eram femininos. Agora, quase 30 anos depois,

as mulheres adentram um novo espaço artístico predominantemente

masculino: o graffiti

13


permitido. No Brasil a prática deixou de ser considerada

crime ambiental em 2011, desde que consentida pelo

dono do imóvel. O mesmo não vale para a pichação que

pode render de três a um ano de detenção.

Por não ser legalizada, a arte urbana traz muita

adrenalina. Um de seus pilares é o territorialismo: ganha

quem escrever primeiro. A competitividade e o risco estão

entre as razões citadas quando se procura entender o

porquê da cena ter predominância masculina. Porém, no

início deste novo século onde as relações de gênero têm

sido discutidas com frequência, as mulheres começam a ser

reconhecidos também neste segmento.

No entanto, o novo cenário é carregado de problemas.

A artista plástica Michelle Cunha conta que conhece

muitos relatos de preconceito. “É possível até escrever

um livro”, brinca. Um desses acontecimentos se deu em

um evento organizado por homens. “Foi um festival onde

não havia quase nenhuma representatividade feminina.

Eram mais de vinte artistas e uma única mulher. Então

é como se não existissem mulheres pintando”, comenta.

A grafiteira Aline Stéfany concorda: “A diferença é que

os homens já estão inseridos e são aceitos em qualquer

tipo de movimento. Por isso é importante que outras

grafiteiras se unam para fazer rolê juntas’’. Vivian Silva é

mestre em Ciências Humanas pela Universidade Federal

de Pelotas (UFPel) e estuda a formação da identidade

social de mulheres através do graffiti. De acordo com a

pesquisadora não há um conflito explícito, mas sim o reflexo

de uma disparidade geral de oportunidades que homens

e mulheres encontram na sociedade desde a infância. “É

preciso identificar as relações de desigualdades de sexo

e seus reflexos no mercado de trabalho e na arte. Os

homens grafiteiros não representam um inimigo comum

para as grafiteiras. As relações desiguais entre eles

podem refletir uma maior participação dos meninos em

projetos sociais e culturais que envolvem o graffiti, por

exemplo”, afirma.

Para equilibrar a balança, as mulheres estão sempre

pensando em novas maneiras de incentivar umas

às outras e discutir seu papel na arte urbana. Em abril

deste ano aconteceu em Valparaíso de Goiás o 1º

Encontro de Grafiteiras do Distrito Federal e Entorno,

batizado de ElasporElas. A estudante de arquitetura e

urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Raquel Braz,

uma das organizadoras do evento, relembra seu início

com o spray: “Quando comecei com o Ramon [Andrade,

grafiteiro de Luziânia de Goiás] não havia mais ninguém.

A gente precisou ter iniciativa. Usamos uma praça que

era do pessoal do skate’’. Daí em diante Raquel começou

a realizar encontros voltados para a sensibilização do

14


RAQUEL BRAZ

Nascimento 1990 ASSINA Bralo Cidade Luziânia de Goiás Formação Arquitetura e Urbanismo - UnB Meio Spray

Temas Liberdade, Natureza Influências Aline Pasquini, Crânio, Os Gêmeos Coletivo Movimento C.R.I.Ação

15


público feminino. “Resolvemos nos reunir para incentivar

mais mulheres a pintar. Tem um grupo de grafiteiras que

está em todos os eventos’’, comemora.

O interesse em unir mulheres também é central nas

escolhas de Fabrícia Furtado, que atende por Brixx,

proprietária de uma galeria na 502 Sul. “A minha

concepção é oferecer um espaço para as mulheres. O

local é administrado por mim, tem as DJ’s que eu convido

para tocar nas aberturas e também quero colocar cada

vez mais arte feita por garotas para mostrar que podemos

criar e fazer coisas maravilhosas”. Michelle Cunha conta

que, assim como as colegas, vem organizando oficinas

visando a participação exclusivamente feminina. “A

ideia é compartilhar com outras mulheres o que aprendi

na rua e criar um movimento em que elas possam se

sentir capazes de fazer o que quiserem”, diz. Ela explica

que essa estratégia de aproximação entre as mulheres

faz com que se sintam mais seguras. “O estado de se

sentir capaz vem tanto com o domínio de uma técnica,

como também do ato de ter coragem de estar na rua

pintando, o que desenvolve força e firmeza nas ações”.

Para o grafiteiro Koithi Hamada, essa união é uma forma

das mulheres verem o outro lado do graffiti. “Às vezes as

mulheres não estão no movimento por achar que é muito

masculino. Mas no momento em que elas conseguem

levantar a banca delas, a autoestima, já podem ter mais

confiança para fazer as suas próprias escolhas”.

O

s desenhos também podem ser uma forma de

expressão na luta pela aceitação da arte feminina.

Muitas grafiteiras usam o espaço urbano para deixar

mensagens que instiguem reflexão. É o caso da aluna da

UnB Lívia Guimarães, que faz dos muros da cidade um

canal para expor inquietações sobre temas sociais: “Gosto

de desenhar mulheres, trabalhar com palavras de ordem”,

detalha. Lívia homenageou a estudante Louise Ribeiro,

morta pelo ex-namorado na UnB em março de 2016. Ela

desenhou um coração e colocou o nome da jovem com

a palavra “presente’’. Outras mulheres acreditam que o

16


próprio ato de grafitar já contribui para igualar a balança.

“Eu pinto porque gosto. Só de estar na rua é uma grafiteira

a mais para somar. Eu não sinto que preciso fazer graffiti

feminista para isso’’, opina Aline Stéfany.

Mesmo com os obstáculos, as mulheres encontram

no graffiti uma via de libertação expressiva e

produtiva. A arte não apenas reflete e transmite ideias de

uma sociedade e de um período, como os contesta. As

mulheres continuam a discutir e propor novas regras,

externando sua visão de mundo. “É um processo

histórico que vem se acentuando principalmente a

partir do modernismo, quando o cânone deixa de ser

a cópia da realidade externa e os cursos de modelos

vivos deixam de ser uma condição de participação

em formas mais consagradas de arte’’, ensina Patrícia

Reinheimer, que ainda ressalta: “No Brasil é possível

notar um grande número de mulheres entre os grandes

nomes das artes plásticas, em contraste com o mesmo

cenário em outros países”. E pelo andar da carruagem,

as mulheres do graffiti brasileiro têm tudo para manter

essa marca. A

1

2 3

4

5

6

7

8

1. Angélica Oliveira, Aline Stéfany e Raquel Braz (d-e em pé). Sabrina Falcão, Ana Júlia Rá, Júlia

Bê, Michelle Cunha e Amanda Silva (d-e) durante o 1º Encontro Elas por Elas, 2016 2. Graffiti por

Kali no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 3. Amanda Silva no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 4.

Graffiti por Bralo na 508 sul, 2015. 5. Aline Stéfany no 1º Encontro Elas por Elas, 2016 6. 1º

Encontro Elas por Elas, 2016. 7. Grafite por Siren na 508 sul, 2015. 8. Sabrina Falcão no 1º

Encontro Elas por Elas, 2016. Fotos: Maianna Gianin

17


Graffiti

perfil

BRIXX

Uma das mais atuantes artistas urbanas de Brasília relembra seu

começo com a pintura, opina sobre as mulheres na arte e compartilha

seus planos para a nova galeria que abriu na 502 Sul

Brixx

Meu nome é Fabrícia Furtado. Brixx foi um apelido que

surgiu não me lembro quando, mas tem muito tempo. E

quando você começa a fazer graffiti tem que escolher

um nome pra poder assinar na rua. Como todo mundo me

chamava de Brixx, comecei a assinar assim.

Começo

Comecei pintando tela, fui para o grafitti e agora

estou fazendo a parte de curadoria. Mas nunca parei

com o graffiti não tem como não fazer, ele foi o pilar

para tudo. Enquanto eu pintava tela, ficava só em

casa. A partir do dia que eu comecei a fazer graffiti,

fui convidada para fazer exposição, para fazer projeto

em outros lugares. Então por conta do graffiti tive

visibilidade para me desenvolver em outras áreas. Para

mim ele é o ponto principal.

Brasília

Eu sou de Brasília, mas nos últimos 4 anos morei em São

18


Paulo. Assim que eu me formei decidi me mudar para

fazer pós-graduação na área em que me formei, design

de interiores. Quando eu cheguei em São Paulo me dei

conta de que não era isso que queria fazer. Me dediquei

a outros cursos de arte para aprender a produzir de uma

forma diferente e não fiz a pós. Meu objetivo agora é

fazer artes plásticas na Universidade de Brasília, que é

o que sempre quis na verdade. Por pressão de conseguir

dinheiro eu fiz um curso ligado à arte, mas que não era

o que eu queria. Eu amei fazer minha graduação, achei

super legal, mas essa questão da arte ficou dentro de

mim: ‘‘Cara, você tem que se especializar no que você

realmente quer, não pode ficar pensando só nesse lance

da grana’’.

não ouvia uma crítica pra ver onde estava errando. Eu

um dia, me lembro que era meu aniversário de 23 anos,

e eu estava de saco cheio de ser antissocial. Queria me

forçar de alguma forma a interagir com as pessoas. Então

tive essa ideia de pintar na rua para me expor, conhecer

novas pessoas e deu certo.

Personagens

Meus personagens são meus monstros internos. Eles não

costumam ter forma humana e todos usam uma máscara

branca, que é uma forma de neutralizar a maneira como

as pessoas vão enxergá-los. Por isso as máscaras são

pouco expressivas, só tem olhos e bochecha. São um

escudo para os monstrinhos.

Timidez

Eu sempre fui muito tímida e tinha dificuldade de

socialização, era aquela pessoa que fica sozinha no

recreio lendo um livro e não fala com ninguém. Mas

chegou um momento em que começou a me atrapalhar

muito porque eu pintava as minhas coisas, guardava e

não mostrava para ninguém. Eu não estava conseguindo

evoluir porque não trocava experiência com outros artistas,

Mulheres

Gerencio uma galeria em parceria com minha amiga

Rafaella Morais. Ainda não fechamos o nome, mas já

temos o calendário do ano. Em 2016 são dois homens

e cinco mulheres expondo. O graffiti é um meio de

prevalência masculina, então para uma mulher se

manter firme ela tem que ralar um pouco mais. Se

você sair sozinha com mochila nas costas

19


FABRÍCIA FURTADO

Nascimento 1987 ASSINA Brixx Cidade Taguatinga Formação Design de Interiores - Uniplan Meio Spray ESTILO Vetorial

Temas Timidez, Monstros

para fazer um graffiti, vai ter gente mexendo com você.

Se você estiver sozinha a pessoa pode te abordar, como

já aconteceu comigo várias vezes. Quando você vê um

graffiti na rua, normalmente pensa que foi um menino

quem fez. Existe também o lado positivo: muita recepção

de outras partes, muitas artistas me acolheram. Tem muita

mina com talento maravilhoso, mas não vejo as portas se

abrirem. Então eu quis, como mulher, dar uma força para

essas meninas que têm uma excelente produção. Ninguém

brinca em serviço.

Galeria

Na galeria tento deixar livre para que o artista faça o que

ele quer. A ideia é justamente abrir as portas para que

esses artistas que não estão expondo tenham um lugar

para mostrar o que eles querem, do jeito deles, com a

cara deles. A arte é um mercado e eles te vetam muito,

às vezes ditam o que você tem que fazer. Eu imagino que

seja igual quando a galera da música assina com uma

gravadora.

Autorização

Dificilmente eu peço permissão. Mesmo que você

esteja desenho coisinhas coloridas e fofas, o graffiti é

considerado um ato de vandalismo. Eu não acho que

o graffiti tenha que ser autorizado, o esquema é esse

mesmo: chegar e fazer o que você tiver que fazer. Cada

um tem seus princípios, eu evito pintar casas, por exemplo.

Técnica

Gosto muito do trabalho geométrico. Para desenvolver

uma perfeição maior no traço eu uso a fita crepe. Meço

o muro com a fita, delimito os espaços, vou pintando por

dentro. Nos desenhos mais orgânicos não uso a fita, faço

20


só na base do spray. Antes eu pintava só com pincel

e rolinho, não usava spray de jeito nenhum. Como eu

pintava em tela, tinha muita intimidade com a tinta e o

pincel. Também adoro o processo de criação de cor. O

spray te dá uma cor ponta e isso matava o meu processo,

mas como usar tinta demora muito e a superfície tem que

ser lisa, acabava me limitando demais. Os meninos que

pintavam comigo ficavam me enchendo: ‘‘A gente achou

um muro que é da hora mas não é liso, não vai dar pra

você pintar. Se você fizer com spray vai ser mais rápido’’.

Foi uma resistência que fui vencendo com o tempo e

quando comecei, tive muita dificuldade. Até hoje não me

considero cem por cento, mas eu desenvolvi minha técnica

e fui pegando a manha do spray.

Regras

Rola um desapego quando seu trabalho é feito na rua,

em um espaço público. Se pintarem por cima, paciência.

O que acontece muito é de propaganda atropelar o

seu trampo, esse tipo de coisa me deixa doida. Vou lá,

faço por cima e pinto de novo. E aí fica aquela guerra

de tinta. Agora dentro do graffiti e da pichação, que

caminham lado a lado, existem regras. É inadmissível

um grafiteiro pintar por cima do trabalho de outro

grafiteiro. Se você souber quem foi, vai trocar uma

ideia para saber o que aconteceu. Depois disso você

tem todo o direito de passar por cima porque ninguém

pode atropelar ninguém, na cidade cabe todo mundo.

Realmente é algo muito sério, é uma questão de respeito.

O espaço é de quem chegou primeiro.

Iniciativa

A única coisa que você precisa ter é vontade. Quando

eu decidi ir para rua eu nunca tinha pego numa lata

de spray, eu nunca soube como fazer algo no muro. Eu

pesquisei na internet os tipos de tinta, onde comprar o

spray, fiz um desenho no papel e falei: ‘‘A partir de hoje

vou pintar na rua’’. Procurei um muro e fiz. Ficou horrível,

mas vários ficaram ruins durante um tempo. Depois você

vai melhorando e descobrindo que tipo de técnica é

melhor para o seu estilo de desenho. E o esquema é assim:

ter vontade, não se preocupar se estão dizendo que é o

lugar errado, que não é seu lugar. Simplesmente siga o

que você quer fazer. A

1

2 3

1. Brixx em seu atelier em Brasília, 2016. Foto: Maianna Gianin 2. Graffiti de Brixx e Michelle Cunha

no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), 2016. Foto: Ello Romanin 3. Graffiti de Brixx e Siren na 508 Sul,

4

2016. Foto: Maianna Gianin 4, 5. Detalhes do trabalho de Brixx em seu atelier em Brasília, 2016. Foto:

5

Maianna Gianin

21


Graffiti

rolê

Siren

Quadra passou uma manhã com Camilla Santos, conhecida nos muros de

Brasília como Siren, durante a restauração um de seus graffitis na 109 Sul

Eu fiz esse

9h trabalho mas

zoaram ele todo. Com

certeza não é ninguém

do graffiti, porque o

pessoal respeita.

No ensino

9h20médio me

deu uma vibe de fazer

graffiti e eu comprei

aquelas latas automotivas,

horríveis. Vi vários vídeos

no Youtube mas quando eu

fiz, ficou ridículo. Uns meses

depois eu conheci o Yong

[grafiteiro de Brasília] que

me passou altas dicas, me

ajudou bastante.

Em Brasília

9h45não existe

um grande mercado de

arte, é tudo muito novo.

Os artistas abaixam um

pouco o preço, porque se

a gente colocar o valor de

mercado, ninguém compra.

As pessoas se alimentam

de cultura do exterior, mas

na hora de apoiar o artista

local, pensam duas vezes.

Ainda pensam

10h que porque o

graffiti é feito na rua nós

podemos trabalhar de

graça ou em troca de

comprarem as tintas. Mas

eu fico em pé muito tempo

movimentando o corpo

todo, é toda uma técnica, é

muita coisa agregada, não

é só chegar e pintar. Se for

assim a gente dá as tintas e

a pessoa faz.

10h40 Quando

a gente

termina um trabalho as

pessoas adoram, mas

na hora de pedir muro é

um saco, tem que insistir

muito. Agem como se fosse

um favor e muitas vezes

nós fazemos o favor,

revitalizando de graça um

lugar que está acabado.

11h

Nunca senti

discriminação do

pessoal do graffiti, eles

respeitam e gostam de ver

menina na área. Mas tem

muita gente que vê meu

trabalho e já presume que

foi um homem quem fez. A

22


CAMILLA SANTOS

Nascimento 1997 ASSINA Siren Cidade Sobradinho Formação Design Gráfico - Iesb Meio Spray

Temas Super-heroinas Influências Cartoon, Anime, Mangá

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Siren faz trabalho de graffiti na 109 Sul, 2016 11. Graffiti de Siren antes de ser

restaurado, 2016 12. Siren ao lado de seu grafitti após restauração, 2016. Fotos: Maianna Gianin

23


HQ

Paixão: 1. Sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade. 2. Amor ardente.

3. Entusiasmo muito vivo. 4. Atividade, hábito ou vício dominador.

UMA HISTÓRIA DE AMOR E QUADRINHOS

Breno Damascena

24


N

ão há consenso sobre qual foi a primeira história

em quadrinhos do mundo. Algumas fontes atribuem

o crédito a Alfred Harmsworth, conhecido como Lord

Northcliffe que em 1890 lançou a Comic Cuts, em

Londres. Outras consideram o norte-americano Richard

Outcalt, que criou o balão com falas e começou a

publicar narrativas no suplemento dominical do The New

York Journal American em 1897. A controvérsia aumenta

quando se coloca em debate culturas como a egípcia

e a grega, que já utilizavam sequências de figuras para

desenvolver relatos.

A unanimidade é que os quadrinhos se desenvolveram,

criaram um mercado, revolucionaram a forma de contar

histórias e conquistaram o público. O entusiasmo e

a motivação com que o ilustrador e animador Lucas

Marques fala da mídia se reflete na obra que produz.

Ao lado de Bruno Prosaiko e Túlio Mendes, o brasiliense

é um dos autores da Aerolito, que já possui três volumes

publicados. Compostas de histórias curtas, as revistas se

apoiam no terror e em doses contínuas de sarcasmo

para apresentar contos intrigantes e carregados de

referências do mundo pop. Desde o primeiro curso de

desenho na infância à formação universitária, Marques

foi motivado pelo fascínio que possui pelos quadrinhos.

Graduado em artes plásticas pela Universidade de

Brasília (UnB), o autor agora tenta publicar a HQ

autobiográfica Cesariana, porém esbarra em um

problema comum para quem tenta fazer algo autoral:

falta de dinheiro. Marques já buscou editoras e tentou

uma plataforma de financiamento coletivo, mas não

obteve êxito. Enquanto espera o resultado de um edital

de incentivo à cultura, garante que vai encontrar uma

maneira de divulgar a obra mesmo que não consiga

apoio. “Não quero que haja empecilhos para as pessoas

interessadas no meu trabalho. O que eu faço é por

amor”, afirma.

A mesma paixão é partilhada pelos membros do

Incoerente Coletivo, um grupo formado por seis amigos

encantados pela mídia que se uniram para desenvolver

projetos pessoais e contar histórias sem atender a

demandas e obrigações. “É muito mais fácil começar

uma coisa quando tem gente do seu lado”, explica o

ilustrador Márcio Rocha, integrante da equipe conhecido

como Marmota.

25


1

2

3 4

5 6

1. Ilustração A Grande Pesca, de Dino Motta do Incoerente Coletivo, 2015 2. Personagem Cherry Pie de

Guilherme de Lacerda do Incoerente Coletivo, 2015 3. 4. Ilustração de Lucas Marques para a revista

Cesariana, 2013 5. Tirinha Terry e Loo de Eduardo Calazans do Incoerente Coletivo, 2015 6. HQ

Abduções de Dino Motta do Incoerente Coletivo, 2015

26


Referência no mercado brasiliense, o Incoerente

Coletivo reúne projetos que abordam variados temas

sob a estética dos quadrinhos. Os integrantes utilizam

a iniciativa para retratar a cidade em que nasceram,

ideia que poderá ser conferida na Formatinho, novo

projeto da equipe irá reunir casos sobre o metrô de

Brasília. Além de servir como plataforma para gerar

impacto na vida do leitor, o grupo é uma vitrine para

o talento de seus integrantes. “Nossa preocupação é

que as pessoas vejam nosso trabalho. Não adianta

ser o melhor desenhista no seu quarto’’, aponta Rocha.

A

pesar de automotivados, nem só de alegrias

vivem os produtores independentes da capital.

A despeito dos quadrinhos contarem com números

de vendas impressionantes mundo afora, o mercado

brasileiro é incipiente e possui poucos destaques.

Na cidade, esse nicho é ainda menor. O crítico e

pesquisador de histórias em quadrinhos pela UnB,

Ciro Inácio Marcondes, acredita que dificilmente a

27


1

2 3 4

5

1. Ilustração Holy Diver de Márcio Rocha do Incoerente Coletivo, 2015 2. Ilustração da personagem

Punk de Guilherme de Lacerda do Incoerente Coletivo, 2015 3. Capa da edição n.2 da revista Incoerente

Coletivo. Ilustração de Guilherme de Lacerda, 2015 4. Capa da edição n.1 da revista Aerolito. Ilustração

de Lucas Marques, Colorido por Bruno Prosaiko, 2014 5. HQ Sonda 7/9 de Filipe Henz do Incoerente

Coletivo, 2015

28


a produção independente vai se popularizar e destaca

que a distribuição e divulgação das HQs produzidas

na capital está em fase embrionária. Além das mídias

sociais, os autores costumam aproveitar eventos de

apoio à cultura independente no Distrito Federal como o

Enquadrinhos, espaço para discussão e diálogo em torno

dessas narrativas que reuniu grandes nomes da indústria

brasiliense em 2015 e em movimentos de ocupação

popular como o Picnik!.

Outra alternativa é a venda consignada por lojas

especializadas na temática. Porém, com a falta de

visibilidade e alcance, o consumo ainda é baixo e a receita

irrisória não consegue custear os gastos com impressão e

distribuição, obrigando alguns produtores a desistirem ou

adiarem seus projetos. A Aerolito, por exemplo, recebe

sucessivas análises positivas dos leitores e críticos

especializados, no entanto grande parte das revistas

está encalhada e as vendas não cobriram os custos

da impressão. A situação resultou no cancelamento da

iniciativa por tempo indeterminado.

29

Uma estimativa feita em 2014 pelo Serviço Brasileiro

de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) na

publicação Economia Criativa, averiguou que existem cerca

de 18 milhões de leitores de HQ’s no país, pouco menos

de 10% da população brasileira. Segmentado, específico

e limitado, esse público prioriza as revistas estrangeiras,

o que dificulta ainda mais a consolidação dos quadrinhos

experimentais, autorais e independentes no Brasil.

Mas o cenário pode estar mudando. Marcondes

aponta que Brasília segue a tendência global de

mais interesse dos leitores pelos quadrinhos, motivados

principalmente pela transmídia, fenômeno no qual

ações são desenvolvidas em diferentes plataformas

simultaneamente. Outro fator de impulso são as grandes

produções cinematográficas que roteirizam personagens

famosos de quadrinhos com sucesso, como Os Vingadores

e Sin City. Enquanto o mercado para essas publicações se

estrutura, os autores se alternam entre ocupações formais

e retiram dinheiro do próprio bolso para investir no sonho

de infância, apoiados em um dos poucos combustíveis que

ainda não faltou: a paixão. A


cDez Perguntas

escultura

Radicado em Nova Iorque,

Fernando Carpaneda cria obras

que estão propositalmente à

margem da arte contemporânea

1. Como você decidiu ou quando percebeu que

gostaria de trabalhar com arte?

Eu me lembro que desenhava com 11 anos de idade.

Gostava de rabiscar rostos. Com 13 anos fiz minha

primeira exposição.

2. Como foi a escolha pela escultura?

Comecei a esculpir depois de anos trabalhando com

assemblagens [composição feita com retalhos de papel].

Sempre gostei de figuras e com o tempo acabei me

especializando em esculturas de argila. Depois de alguns

anos, comecei a trabalhar com esculturas eróticas com um

cunho mais hiper-realista. Esse é o trabalho que faço hoje.

Além de esculturas, faço pinturas e desenhos.

3. Você pesquisa muito um assunto antes de iniciar um

projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?

Meu trabalho é espontâneo. Faço retratos de pessoas

que conheci em algum ponto da minha vida e situações

que vivenciei. O planejamento está presente na forma

com que componho as peças. Geralmente uso o cabelo

dos modelos que retratei na finalização das esculturas e

objetos usados pelos retratados.

4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de

criação?

30


FERNANDO CARPANEDA

Nascimento 1967 cidade Taguatinga meio Escultura, Pintura estilo Lowbrow Art, Gay Art, Punk Art

temas Homoerotismo, Movimento Punk influências John John Jesse, Caravaggio, Lucien Freud, Tom of Finland

Uso três processos na criação dos meus trabalhos: modelo

vivo, fotografias que faço dos modelos e desenhos para

planejar a obra. Eu tento intervir na realidade social

que me circunda, deslocando certas noções de certo ou

errado nas obras. Costumo trabalhar com retratos. Faço

esculturas em argila retratando mendigos, homens nus,

punks e recentemente tenho trabalhado em algumas

releituras de esculturas clássicas. O processo de criação

acontece de forma natural, gosto de conhecer pessoas

nas ruas, bares e locais destinados à prostituição e shows

de rock. A maioria dos meus retratos são de pessoas que

conheço nesses lugares.

5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de

trabalho?

Gosto de fazer obras que não se enquadram no circuito

da arte contemporânea. Prefiro ir contra o padrão imposto

por instituições de arte. Tento fugir da estética visual da

atualidade que, ao meu ver, se parece mais com design

de interiores e vitrines de lojas de Nova Iorque. Eu optei

em seguir linhas de trabalhos que fogem desse modelo

que todo artista formado em faculdade de artes segue.

31


Prefiro criar obras únicas, o contrário do que é imposto

por salões, museus e espaços contemporâneos. Sigo

linhas de trabalhos da Gay Art, Punk Art e Lowbrow

Art que são movimentos artísticos que fogem dessa

estética.

6. Como você analisa a produção de arte

contemporânea?

Para mim ninguém jamais irá superar o fotógrafo

Joel-Peter que compõe suas obras usando

cadáveres e partes mutiladas de corpos humanos.

O trabalho dele está acima de todo e qualquer

fotografo que conheço.

7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?

Não seguir padrões.

8. Você acredita que Brasília influencie sua

produção?

Sim. Brasília ainda é uma grande influência nos meus

trabalhos. Sempre transformo minhas memórias da

cidade em quadros ou esculturas, sempre tem alguma

frase ou nome de alguém que eu conheci em Brasília

tatuado em minhas novas obras.

9. tem alguma imagem que sonha um dia em produzir?

Penso em compor uma escultura com 200 figuras em

argila. Vai levar 14 anos para ser finalizada, mas já está

em produção.

10. Indique o trabalho de um artista da cidade que

tenha chamado sua atenção

O artista plástico Ricardo Gauthama. A

32


3

1 2 4

5

6

1. Pintura Gay Pride, de Fernando Carpaneda. Acrílica Sobre Tela, 20x25cm, 2015 2. Pintura

A Transfiguração de Fernando Carpaneda. Acrilica Sobre Tela, 20x25cm, 2015 3, 4, 5, 6.

Esculturas da série Homem Objeto, de Fernando Carpaneda. Argila, 10 cm. 2016

33


Dez Perguntas

colagem

FA natureza do caos é

investigada nas colagens de

Stenio Freitas

34


STENIO FREITAS

Nascimento 1988 Cidade Cruzeiro Formação Artes Plásticas - UnB Meio Colagem, Pintura, Fotografia, Videoarte

Temas Dor, Caos, Miséria Influências Arte Punk, Graffiti, Jazz, Música Experimental

1. Como você decidiu ou quando perecebeu que

gostaria de trabalhar com arte?

Desde pequeno sempre gostei de arte, sempre tentava

compor alguma coisa que ia além de um simples objeto

ou desenho, mas não tinha muitas referências do que

era arte. Na adolescência me apaixonei pelo graffiti

e então comecei a fotografar tudo pelos lugares que

ia. Paralelamente já tinha começado a fazer colagens,

as referências foram chegando. Passei a morar perto

do Plano Piloto e comecei a ir com mais frequência em

galerias de arte. Foi tudo ficando mais claro para mim.

2. Como foi a escolha pela colagem?

Foi simples, eu tinha um livro no qual colecionava registros

dos lugares que passava fazendo graffiti. Nesse livro já

existia uma espécie de colagem, fui desenvolvendo esse

trabalho, comecei a pesquisar artistas que trabalhavam

com isso. No meio punk que eu frequentava já existia uma

galera que fazia colagem pra zines, capas de disco de

banda. A partir daí, fui só desenvolvendo o trabalho até

chegar ao que ele é hoje.

uso um computador, um scanner, programas de edição

de imagem, impressora de tonner e xerox. Sem isso meu

trabalho ia ser bem mais difícil. Quando vou criar algo

novo procuro pensar em texturas, contrastes que poderiam

dar um bom resultado, cada série tem uma história que

imagino. Muitas vezes essas histórias vêm de livros que

eu tô lendo, aí junto umas imagens e começo a fazer as

colagens. Às vezes faço cinco ao mesmo tempo, às vezes

uma só... depende muito de como anda o workflow.

5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de

trabalho?

Para mim existe uma ligação entre todas elas, passam

pelos mesmos temas, o que muda é a plasticidade e a

forma de chegar a quem vê. Recentemente lancei um

álbum de música experimental por um selo chamado

Malware. Os princípios são os mesmos da colagem só

que em forma de música: uso de samples [captura de

partes de uma música], sobreposição de camadas e tudo

mais, só que a música chega de outra forma às pessoas.

3. Você pesquisa muito um assunto antes de inciar um

projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?

Quando vou iniciar um novo projeto procuro fazer uma

varredura, procuro por imagens que me remetem a

alguma coisa, detalhes. A partir daí eu monto um banco

de imagens para trabalhar e faço manipulações digitais,

imprimo em preto e branco ou faço xerox de algumas

coisas. Na hora de fazer é uma descarga, faço várias

imagens de uma só vez.

6. Como você analisa a produção de arte

contemporânea?

Muito diversa, cheia de possibilidades. Me incomodo com

alguns clichês, mas como um todo acho muito relevante o

momento que a gente se encontra na arte, bem livre e sem

amarras. Me toca muito o trabalho do Mikola Gnisyuk, Jim

Campbell, Martha Cooper que documentou e documenta

a cena de graffiti contemporânea em Nova Iorque e no

mundo todo. Também adoro o JR, que faz aquele trabalho

maravilhoso com temas políticos ao redor do mundo.

4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de

criação?

A tecnologia é importante pois facilita meu trabalho. Eu

7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?

Para mim a diferença não está na imagem, mas no que

ela causa. Uma boa imagem provoca impacto, causa

35


36


questionamento. A imagem regular causa somente uma

apreciação momentânea, não se leva para a vida.

Quero fazer muitas coisas, mas o que tenho pensado mais

é em fazer colagens em um formato grande, quero gerar

mais impacto, mais perturbação.

8. Você acredita que Brasília influencie a sua

produção?

Com certeza influencia, de todas as maneiras possíveis. Em

mim por exemplo: moro em Brasília, aqui nós temos poucos

momentos de convívio coletivo comparado a outras

cidades. Existe esse silêncio perturbador, as distâncias

são enormes, difícil visitar amigos e amigas. Consigo ver

perfeitamente isso nos meus trabalhos hoje em dia.

9. Tem alguma imagem que sonha um dia em produzir?

10. Iindique o trabalho de um artista da cidade que

tenha chamado a sua atenção

Gosto muito dos trabalhos que o Gustavo Silvamaral

e o José de Deus estão fazendo, temas políticos

contundentes no momento atual. Kabe Rodriguez

me encanta também. Tudo que ela faz tem um peso

muito grande. Também adoro a Lovelove6 que faz a

Garota Siririca entra várias outras coisas bem legais,

enfim, muita gente. O que não falta são bons artistas

nessa cidade! A

2

1 4

3

5

6

7

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7. Colagens de Stenio Freitas, 2015

37


Dez Perguntas

fotografia

1. Como você decidiu ou quando percebeu que

gostaria de trabalhar com arte?

Com uma carreira que passeia

entre a arte e a publicidade,

Vitor Schietti analisa o peso do

inconsciente em sua obra

Eu me interesso por arte desde pequeno. Com 9 anos

minha mãe me matriculou na Academias de Belas Artes

Nadia Barbosa. Lá eu aprendi aquarela, nanquim, guache,

pastel seco e pastel oleoso. Eu gostava bastante de

aquarela, foi o meio que eu mais pratiquei. Essa técnica

teve influência na série Formas Pensamento que eu fiz em

2012, na qual eu misturo fotografias de céu com aquarelas

que eu pinto e aplico digitalmente.

2. Como foi a escolha pela fotografia?

Eu ganhei uma Polaroid com 11 anos e achava um barato

fotografar e já sair na hora. Em 2003 eu ganhei uma

reflex analógica e fiz um curso na Escola de Fotografia

Quarto Eclipse. Eu via a fotografia como um hobby que me

interessava por estar ligado à arte. Minha família também

me incentivava. Mas a escolha profissional só veio em

2007 depois que eu comprei uma câmera digital em um

período que morei no Canadá. Lá comecei a praticar

bem mais porque a curva de aprendizado no analógico

é mais devagar, você tem que revelar, custa caro. No

digital você vê na hora o resultado e fica mais prático e

rápido aprender. Depois dessa viagem eu ainda queria

ser diretor de arte em publicidade e tive a chance de ser

assistente do fotógrafo Daniel Madsen. Resolvi abraçar

essa oportunidade com a intenção inicial de ser assistente

38

S

por um tempo e depois voltar para a direção de arte com

conhecimentos de estúdio. Mas acabou que eu achei mais

interessante continuar na fotografia. Isso foi em 2007 e de

lá pra cá foi um caminho sem volta.

3. Você pesquisa muito um assunto antes de iniciar um

projeto? O que é planejado e o que é espontâneo?

Alguns projetos são mais planejados, outros são mais

espontâneos. Tenho um que se chama Do Irreal ao Real

em que retrato paisagens oníricas com um personagem

central chamado Osíris. Ele envolve uma narrativa,

cada foto é ligada a outra. Esse trabalho tem bastante

pesquisa, leituras de psicanálise, psicologia e outros temas

relacionados ao inconsciente e bastante manipulação.

Eu planejo muito a foto, faço uma pesquisa de locação,

às vezes tenho que produzir objetos, às vezes tem mais

de um ator. Esse projeto é bastante autoral e está mais

para a parte de planejamento, enquanto outros como o

Formas Pensamento é uma coisa mais espontânea. Mas

eu diria que de uma forma geral, sou mais para o lado


do planejamento, isso também vem da publicidade. Em

produção de fotos mais complexas é preciso planejar e

ter controle sobre o processo. Tem uma frase do David

Lynch [cineasta]: ‘‘Não importa o quão criativo você seja,

você precisa controlar o seu processo’’. Também acho

que é por aí. O acaso pode ser bem vindo, de maneira

que você esteja aberto a adaptações a partir de alguma

espontaneidade do momento, mas desde que dentro de um

enquadramento bem planejado, bem construído a priori.

4. Qual a influência da tecnologia no seu processo de

criação?

O digital para mim é tudo. Eu não fotografo em filme,

admiro quem o faz, acho que podem ser feitas muitas

coisas interessantes em processos analógicos e químicos,

mas não para mim. Eu prefiro me ater ao digital. Por

consequência também uso bastante Photoshop. Em

algumas séries uso manipulações, em outras só faço

correções de cor e de contraste, mas eu não tenho

restrições quanto ao uso do digital, o mais importante é o

resultado. Claro que o que eu puder resolver sem precisar

manipular, eu resolvo. Não deixo para criar no Photoshop

coisas que poderiam ter sido feitas na hora da produção.

5. Qual a ligação entre suas diferentes linhas de

trabalho?

A ligação é meu interesse pelo inconsciente, pelos

sonhos, questões relacionadas à exploração da mente. A

mente humana é muito vasta, tem muita coisa escondida.

Gosto de trabalhar sobre essa questão do que a gente

não percebe, não entende; mas que joga um papel

muito importante nas nossas decisões diárias, na nossa

percepção do mundo, na nossa memória, que é outra

palavra importante para o meu trabalho.

6. Como você analisa a produção fotográfica

contemporânea?

Eu não tenho cacique para uma resposta muito

incrementada, então diria que vai bem. Tem muito jovem

inovando na linguagem e se apropriando dos novos meios

39


VITOR SCHIETTI

Nascimento 1986 Cidade Asa Norte Formação Publicidade e Propaganda - UnB ESTiLO Publicitário, Autoral

Meio Fotografia Digital, Videoarte Temas Inconsciente, Memória, Sonho Influências Gregory Crewdson, Storm Thorgerson, Thomas

Demand, Andreas Gursky, Zena Holloway

40


digitais, tem sido uma produção cada vez mais democrática.

7. O que diferencia uma boa imagem de uma regular?

Uma boa imagem tem que instigar alguma reflexão. Para

isso, geralmente ela gera identificação. Uma foto de guerra

em que você vê uma criança chorando, desolada, você

vai se identificar com o sofrimento daquela criança, talvez

você tenha um filho ou sobrinho, então você não quer que

aquela pessoa passe por isso. Por isso que fotos de Brasília

fazem muito sucesso entre nós brasilienses: as pessoas se

identificam com a cidade. Tanto é que minha série mais

vendida aqui é a Silêncio das Três, em que fotografo as

tesourinhas e as entrequadras de madrugada. São ângulos

mais para quem mora aqui, do que para turista.

9. tem alguma imagem que sonha um dia em

produzir?

Tenho várias, algumas que são impossíveis. Tem uma

que veio através de um processo meditativo. Era a

imagem de um avião grande, de estilo comercial,

sendo totalmente engolido por raízes e essas raízes

o fixavam no chão. O avião não era necessariamente

antigo, que caiu na mata há muito tempo e a natureza

tomou, não era bem isso. Era um avião razoavelmente

novo que estava ali pousado, mas as raízes o

impediam de voar. Não sei se um dia eu vou produzir

essa foto porque provavelmente eu teria que fazer em

3D, custaria muito.

10. Indique o trabalho de um artista da cidade que

8. Você acredita que Brasília influencie sua

produção?

Influencia na questão de que Brasília me traz uma calma, um

resguardo, que talvez outros centros urbanos não tivessem.

São Paulo, por exemplo, é uma cidade muito dinâmica, cheia

de influências. Em Brasília você tem permissão de ficar um

pouco mais resguardado e isso vai de acordo com meu

estilo de vida. Me dá mais tempo para a meditação, uma

calma que pode ser positiva na minha produção criativa.

tenha chamado sua atenção

O Lucas Castor é um fotógrafo novo e está fazendo

um bom trabalho, é interessante ver a curva de

desenvolvimento dele. Nas artes plásticas, eu gosto do

trabalho do Taigo Meireles, ele faz bastante pesquisa,

trabalha com afinco. Também acho interessante as coisas

que o David Almeida se propõe a fazer com pintura. Na

fotografia, tem o Diego Bresani, acho que ele produz

muitas coisas boas. A

1

2

3

4

5

1. Fotografia do projeto Silêncio das Três de Vitor Schietti, 2013 2. Fotografia do projeto Próximo de

Vitor Schietti, 2010 3. Fotografia do projeto Presente de Vitor Schietti, 2013 4. Fotografia do projeto

Formas Pensamento de Vitor Schietti, 2012 5. Fotografia do projeto Próximo de Vitor Schietti, 2010

41


Fotografia

Um Novo Enquadramento

As lentes de Fábio Setti e de Pedro Lacerda capturam a

vida contemporêna na capital

Natália Roncador

42


PEDRO LACERDA

Nascimento 1992 Cidade Asa Sul Formação Artes Plásticas - UnB e Publicidade e Propaganda - Uniceub Meio Fotografia Digital

ESTILO Ensaios, Fotos de Festas, Lifestyle, Foto Publicitária Coletivo Shake It

2

3

1

4

5

6

1, 2, 3, 4, 5. Fotografias da série Comportamentos Desatinados de Pedro Lacerda, 2014 6. Fotografia da

série EQM - Entre a Vida e a Arte de Pedro Lacerda, 2015

43


Inspirados pelas cores do céu e pelas sombras e curvas

da arquitetura, a capital abriga artistas visuais que

pintam a cidade sem utilizar pincéis. O olhar mutável, visto

por lentes, enriquece o quadrado e a vida dos fotógrafos

que clicam por todo o Distrito Federal.

A fotografia é uma das artes mais experimentadas na

era da tecnologia, competindo com o audiovisual. Entre a

técnica, o estudo e a inspiração, representa um fragmento

da realidade, um pedaço do irreal pelo imaginário do

artista. Assim, com a rápida arte de fazer cliques, a cidade

é a casa de muitos fotógrafos que se sentem abraçados e

inspirados pelo concreto que edifica a paisagem.

44

Em um cenário de metalinguagem e experimentação,

o estudante de artes plásticas na Universidade de

Brasília (UnB) Pedro Lacerda, que também possui

bacharelado em Publicidade e Propaganda pelo

Centro de Ensino Unificado de Brasília (Uniceub),

trocou o trabalho comercial pelo artístico. A dedicada

investigação da linguagem fotográfica desde os 15

anos, fez de Lacerda hoje, um dos mais reconhecidos

fotógrafos de festas noturnas da cidade. O artista

conta que foi um chamado: “Não fui eu quem escolheu

a fotografia, ela me escolheu”. Apesar da influência

familiar — o pai é fotógrafo e a mãe artista plástica

—, Lacerda se dedicou durante toda a carreira à foto

publicitária, distanciado da produção conceitual. O

fotógrafo conta que ao iniciar a segunda graduação

na área de artes, descobriu que gostaria de se

dedicar à estética experimental: “Não faço fotografia,

faço imagens”, explica.

Apaixonado pelo ofício imagético, seu principal objeto

de estudo é o processo fotográfico e os detalhes

cotidianos que a câmera consegue apreender. “Meu

trabalho fala sobre cultura visual. Eu gosto de catar as

migalhas, os restos visuais que não são vistos e fazer

imagens com eles”, explica. “Gosto de pensar que cada

objeto tem vida própria e tento tirar essa vida dele”.

Para capturar momentos incomuns, Lacerda busca o

caos noturno: “Sempre que vou para uma festa penso

que não vou fazer somente uma foto, mas sim que vou

fazer arte e isso me anima. Hoje sinto amor e prazer

pelo que faço”, orgulha-se.


45


FÁBIO SETTI

Nascimento 1994 Cidade Asa Sul Formação Jornalismo - UniCeub Meio Fotografia Digital Temas Tabus, Autoconhecimento, Ser

Humano e Natureza, Nus Influências JR Duran, Bob Wolfenson, Haruo Kaneko, Fernando Schlaepfer Coletivo Na Calçada

46


Ainda na representação de um olhar pouco

apreciado, o fotógrafo Fábio Setti é referência

em nu artístico na capital do país. Sua paixão pelas

curvas começou na faculdade de jornalismo no

Uniceub, quando entrou em contato com o trabalho de

profissionais como Bob Wolfenson, Alberto Prado e

Maiquel Borges, suas inspirações.

Setti decidiu que seguiria na profissão ao fotografar

um ensaio para uma antiga namorada que estava

grávida e se sentia desconfortável com o novo corpo.

Ao ver as fotos, a jovem começou a se perceber com

mais beleza e a partir de então, o artista decidiu

que gostaria de mudar a vida das pessoas através

das imagens. Um dos pilares de seu trabalho é a

conscientização corporal: “Sempre busco mostrar a

essência da modelo e destacar sua naturalidade.

Tento esclarecer para as pessoas que a nudez é

normal e que todos podemos posar nus, quebrando

os padrões de beleza que nos limitam”. Para ele, o

maior empecilho não é encarar as dificuldades de

uma profissão autônoma, mas sim ter que enfrentar os

preconceitos sociais. “Trabalhar com nudez é complexo.

Muitas pessoas ainda sexualizam e erotizam uma arte

tão delicada como essa. A fotografia de nus ainda é

mal vista e mal interpretada”.

O artista confessa que grande parte do desrespeito

nasce com o comportamento inadequado de pessoas

da área, que têm intenções pouco profissionais

durante os ensaios. “Muitos fotógrafos buscam o nu

mal-intencionados, atrapalhando quem tenta fazer o

público enxergar a nudez como algo simples. Existem

muitos casos de abusos, de comentários desrespeitosos,

de falta de profissionalismo, queimando as pessoas que

pregam justamente o contrário”.

47


48


Em Brasília a produção autoral de fotografia artística

é recente, principalmente porque a cidade teve em

sua história olhares voltados a outros segmentos, como

o fotojornalismo. Mas segundo Lacerda, a escassez

de material pode facilitar o trabalho e crescimento

profissional. “Como a cena é muito pequena, com um

bom trabalho o nome do fotógrafo gira. Mesmo sem um

portfólio extenso, é possível ser reconhecido e começar a

fazer parte do circuito fotográfico”.

Já para Setti o que incomoda é a pouca movimentação e

investimento na área cultural. “Tem muita gente engajada

com pouco espaço, sem investimento e sem estímulo. Os

bons artistas são desvalorizados, acabam desistindo ou

se mudando para lugares com maior liberdade artística

e maior concretização de ideias. Brasília se prende a

trabalhos comerciais e não tenta inovar. Falta quem

acredite que o conceitual também pode entrar no

mercado e ser aceito”, desabafa.

Apesar das divergências, ambos os profissionais

concordam: a cidade é uma das principais fontes de

inspiração. Para eles, o brilho do lago ou as cores do

céu são inevitáveis para os bons cliques, registrados

na memória. A

3

1 2

4

5

1, 2, 3, 4, 5. Fotografias de Fábio Setti, 2015

49


Aposta

pintura

RENATO RIOS

O sucesso da mostra Conselhos que apresentou 80 obras em abril de 2015, marca uma

nova etapa na trajetória de Renato Rios. Depois de oito anos de produção em Brasília, o

artista firma pouso em São Paulo, onde abre um novo atelier após dois meses de residência

artística. Com desenvoltura em vários meios – ilustração, pintura e escultura – Rios mostra

destreza ao traduzir o interior da alma humana em pinceladas calculadas com sensibilidade

50


RENATO RIOS

Nascimento 1989 Cidade Cruzeiro Formação Artes Plásticas - UnB Meio Pintura, Desenho, Tatuagem, Calco-gravura

Temas Lirismo, Sonho, Brasilidade

1

3

2 4 5 6

1. Renato Rios em seu atelier em Brasília, 2015. Foto: Jean Peixoto 2. Obra O Buscador. Óleo sobre linho, díptico,

2015 3. Obra Luccioles. Óleo sobre linho, 2015. Foto: Jean Peixoto 4, 5, 6. Detalhes da obra Luccioles. Óleo

sobre linho, 2015

51


Arte ou Não

eis a questão

Loraine Ferreira

A

história da arte é antiga e através dela podemos

acompanhar a caminhada da própria humanidade.

Uma de suas maiores características é a subjetividade:

quem decide e quem delimita o que é a arte? Pois bem, a

discussão aqui será se a tatuagem pode ser considerada

arte ou não. E o que é arte para você?

Se eu fosse responder, diria tantas coisas: “É a máxima

expressão emotiva de um ser, é a técnica unida à

criatividade, é a pintura, a música, a gastronomia, as

cênicas, é o mundo como foi criado”. Respondi bem?

Brincadeiras à parte, de acordo com o pai Aurélio: ‘‘Arte

é a capacidade que tem o ser humano de pôr em prática

uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria’’.

Partindo desse ponto, pergunto então: tatuagem é arte?

A tatuagem pode ter surgido no Egito entre 4000 e 2000

a.C. Um dos registros mais antigos se encontra em Otzi, uma

múmia de cerca de 5.300 anos encontrada em 1991 nos

Alpes de Venoste, na fronteira entre a Áustria e a Itália. O

homem de gelo tinha um total de 61 tatuagens pelo corpo.

O declínio aconteceu na Idade Média, quando a Igreja

Católica condenou a tatuagem como prática demoníaca,

ideia já considerada ultrapassada nos dias de hoje.

No Brasil ela chegou na década de 1960 pelas mãos do

dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen, conhecido

como Tattoo Lucky, que ancorou no cais de Santos com

a primeira máquina elétrica de tatuagem. Seu estúdio

estava em uma área frequentada por prostitutas, bêbados

e pessoas marginalizadas pela população, acentuando

a ideia de que tatuagem era a identificação de um mau

elemento social. Hoje, graças à informação cada vez mais

acessível e ao entendimento de que uma coisa não tem

nada a ver com a outra, tanto tatuadores quanto tatuados

têm ajudado a mudar esse conceito.

O público procura eternizar em seus corpos momentos

que são para sempre: símbolos, datas, nomes. Algumas

pessoas chegam ao estúdio já sabendo o que querem

tatuar. Outras têm ideia da figura, mas querem aquela

ajudinha do tatuador para personalizar melhor. E ainda

existem aqueles que querem fazer algo bem diferente e

contam totalmente com o trabalho do profissional. Nesses

últimos dois casos saber somente reproduzir uma imagem

do papel para a pele não basta. É nessa hora que os

tatuadores se diferenciam pelo seu estilo, atendimento e

profissionalismo.

ara o tatuador de Brasília Gabriel Luan, mesmo que o

P desenho seja personalizado, a tatuagem não pode ser

considerada arte pois se trata de uma imagem escolhida,

definida pelo cliente e copiada para a pele. “Não faço

nada de novo, nada é criado. Acredito que a releitura

de uma imagem não possa ser comparada à arte em si”,

diz. Luan é apaixonado por tatuagem desde sempre e

começou a trabalhar na área em 2013. Seu estilo é old

school, segmento que busca a estética tradicional com

imagens ligadas ao porto e aos marinheiros, como âncoras

e rosas. “Para ser profissional é preciso tatuar o que se

sabe e também o que funciona. Muitos tatuadores antigos

ralaram para descobrir essas técnicas. Não posso chegar

hoje e querer tatuar de qualquer forma”, completa.

52


repórter cinematográfico André Totors chama a

O atenção pelas muitas tatuagens nos braços e pernas,

várias com personagens de histórias em quadrinhos. Totors

fez o primeiro rabisco na adolescência por influência

dos músicos que admirava, porém a prática ainda era

marginalizada. Hoje o estereótipo enfraqueceu e de

acordo com ele, é difícil encontrar uma pessoa que não

tenha uma tatuagem, mesmo que pequena e sutil. O

repórter vê a tatuagem como uma forma de arte em seu

próprio nascimento já que muitos povos – os aborígenes,

os indígenas, os egípcios – pintavam os corpos como

uma forma de expressão. “Arte é a manifestação de um

sentimento ou uma representação do que você gosta.

Posso mostrar o que aprecio, minha personalidade. O

tatuador que faz o desenho é um artista”, defende. No

entanto, apenas a reprodução de uma imagem não

pode ser considerada arte. Para isso o tatuador precisa

reinventar ou desenvolver um método próprio que torne

seu traço único. “Ainda é possível criar. Temos tatuadores

com um trabalho fantástico aqui na cidade, só de olhar

você já sabe que é do cara”.

Apesar de existirem opiniões diversas sobre o valor

artístico da tatuagem, Luan e Totors concordam sobre

o caminho para se tornar um bom profissional: experiência,

dedicação e responsabilidade. Uma pessoa que resolva

entrar na área conseguirá atingir o sucesso com certo

tempo e trabalho.

Para Luan é importante sempre deixar claro para o

cliente o que pode não dar certo e ser sincero se for

alguma técnica ou desenho que ele não domine. “É

melhor não fazer, se ver que aquilo vai funcionar na pele.

Mantenho minha qualidade assim”. Totors acredita que o

aperfeiçoamento chega com a prática: “No começo o

tatuador erra, treina em si mesmo ou em amigos que se

prontificam. Conforme vai buscando melhorar, aprender,

não tem como, a melhora vem. É assim que o tatuador tem

seu trabalho reconhecido”. A

1 2

3

1, 2. Ilustração de Spirogs, 2015 3. André Totors mostra suas tatuagens no Conic, 2016 Foto : Maianna Gianin.

53


Mapa

SOBRADINHO: Camilla Santos (Siren)

Plano Piloto: Dino Motta (Incoerente Coletivo), Fábio Setti, Feleps, Filipe Henz (Incoerente Coletivo), Pedro Lacerda,

Vitor Schietti

CRUZEIRO: Renato Rios, Stenio Freitas

GUARÁ: Lucas Marques (Aerolito)

TAGUATINGA: Fabrícia Furtado (Brixx), Fernando Carpaneda, Márcio Rocha (Incoerente Coletivo)

ÁGUAS LINDAS DE GOIÁS: Aline Stéfany, Róbsom Aurélio (Mindú)

CEILÂNDIA: Bruna Cristina, Eduardo Calazans (Incoerente Coletivo), Guilherme de Lacerda (Incoerente Coletivo)

SAMAMBAIA: Amanda Silva (Owls), Túlio Mendes (Aerolito)

RECANTO DAS EMAS: Bruno Prosaiko (Aerolito)

GAMA: 4º Churras de Letras, Koithi Hamada (Stark)

SANTA MARIA: Estela Castro (Kstro)

VALPARAÍSO DE GOIÁS: 1º, 2º e 3º Churras de Letras, 1º Encontro ElasporElas, Andrei Pasternostre, Pedro Monte (Atoa)

LUZIÂNIA DE GOIÁS: Ramon Andrade (Phanton), Raquel Braz (Bralo), Sabrina Falcão (Nabrisa)

BRUNA CRISTINA (mapa)

Nascimento 1996 Cidade Ceilândia Formação Publicidade e Propaganda - Faculdade Projeção Meio Ilustração Digital

estilo Minimalista, Vetorial

54


Expediente

Editora-chefe: Maianna Gianin | EDIção de Arte e Diagramação: Maianna Gianin | EDIção de TEXTO: Maianna Gianin Repórteres:

Breno Damascena, Daniela Martins, Maianna Gianin e Natália Roncador | Fotografia: Ello Romanin, Jean Peixoto, Maianna Gianin, Mateus Bonami

e Ramon Andrade | FOTO DA CAPA: Graffiti de Kstro na 506 Sul. Foto: Maianna Gianin | FOTO DA CONTRACAPA: Graffiti de Brixx e Siren na 107 Sul.

Foto: Maianna Gianin

agradecimentos

Aline dos Santos, Cida Gianin, Eduardo Calazans, Fabiana Conte, Fernando Jordão, Layane Neves, Leonardo Resende, Lercy Patrocínio,

Mateus Bonomi, Ramon Andrade, Raquel Braz

55


Quadra

Brasília | 2016

Publicação produzida durante o curso de

Comunicação Social com habilitação em Jornalismo

na Universidade Católica de Brasília (UCB)

56

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!