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Publicação Mensal<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>318</strong> Setembro de 2024<br />
Sob o maternal amparo<br />
da Rainha dos Anjos
Flávio Lourenço<br />
Modelo de hierarquia e de disciplina<br />
ASanta Igreja venera em São Miguel Arcanjo o modelo da humildade cristã. Lúcifer recusou a homenagem<br />
que o Altíssimo dele exigia. São Miguel, acompanhado dos Anjos que permaneceram fiéis,<br />
prestou essa homenagem.<br />
Enquanto Lúcifer personifica a Revolução, São Miguel personifica o espírito de hierarquia e de disciplina,<br />
que é a quintessência da humildade cristã.<br />
Numa época minada pelo espírito revolucionário, quando todos os poderes legítimos, quer na ordem espiritual,<br />
quer na ordem política, quer na social, na econômica ou na familiar, são objeto de um ódio e de uma<br />
desconfiança generalizada, é especialmente difícil para o católico conservar íntegro o espírito de hierarquia<br />
que, em todos os campos da atividade, é a nota distintiva do verdadeiro cristão. Entretanto, a alternativa é<br />
inexorável: ou temos o espírito hierárquico que caracterizou São Miguel, ou nosso espírito é o de Lúcifer.<br />
O patrocínio de São Miguel é, pois, precioso para os que querem permanecer fiéis à ortodoxia, à genuína<br />
doutrina da Igreja Católica, em todos os pontos atacada pelo espírito de revolta.<br />
(Extraído de Catolicismo n. 9, setembro de 1951)
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>318</strong> Setembro de 2024<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>318</strong> Setembro de 2024<br />
Sob o maternal amparo<br />
da Rainha dos Anjos<br />
Na capa,<br />
Nossa Senhora<br />
Refúgio dos Pecadores<br />
Museu Soumaya,<br />
Cidade do México.<br />
Foto: Flávio Lourenço<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Segunda página<br />
2 Modelo de hierarquia e de disciplina<br />
Editorial<br />
4 Rainha dos Anjos e inimiga<br />
inexorável dos demônios<br />
Piedade pliniana<br />
5 Comunicai-me as chamas<br />
de vosso zelo<br />
Dona Lucilia<br />
6 Mansidão e amor cheio<br />
de esperança<br />
Perspectiva pliniana da História<br />
8 O Brasil floresce de<br />
uma promessa<br />
Reflexões teológicas<br />
14 Entre Anjos e demônios<br />
Calendário dos Santos<br />
22 Santos de Setembro<br />
Hagiografia<br />
24 “Martelo” contra a<br />
heresia protestante<br />
De Maria nunquam satis<br />
28 Majestade entremeada<br />
de amor<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
33 Lampejos do Céu<br />
Última página<br />
36 Poderosa oração<br />
3
Editorial<br />
Rainha dos Anjos e inimiga<br />
inexorável dos demônios<br />
Quando consideramos o poder da Revolução, o modo pelo qual ela se alastrou pelo mundo e, mais do<br />
que isso, sua ferocidade intrínseca, chegamos à conclusão de que isso não poderia ter acontecido sem<br />
a ação do demônio.<br />
A Revolução se apresenta em toda a sua maldade nas épocas em que ela age, deixando cair a sua própria<br />
máscara. Assim se deu, por exemplo, por ocasião do protestantismo, durante a Revolução Francesa e na explosão<br />
comunista na Rússia.<br />
Essa maldade se manifesta na crueldade para com suas vítimas. Porém, esse não é o pior aspecto da Revolução,<br />
mas sim a própria ideologia revolucionária, que mostra as suas consequências durante as grandes crises.<br />
Se pensarmos em tudo quanto a Revolução tinha contra si quando de seu início na Idade Média e, não obstante,<br />
ela foi minando o edifício medieval, até chegar ao auge de seu domínio hoje, compreendemos que nada<br />
disso poderia se dar se não houvesse um crescente poder satânico que, também este, chegou ao auge em nossos<br />
dias.<br />
A atual degradação revolucionária da humanidade atesta como o demônio se tornou o senhor deste século<br />
infeliz no qual vivemos. Estamos, portanto, numa época de tremenda infestação diabólica.<br />
Em consequência, nossa ação nunca será completa se não tiver o caráter de uma luta contra o demônio, a<br />
qual só pode ser travada com o amparo de Nossa Senhora, pois a Ela foi dado o poder de esmagar e expulsar<br />
os demônios, e o faz por meio dos Anjos.<br />
Por que através dos Anjos? Porque Deus quer agir por intermédio de suas criaturas. Quando da revolta dos<br />
anjos, Ele poderia ter expulsado Lúcifer e seus sequazes por um simples império de sua divina vontade, mas<br />
quis que os espíritos fiéis expulsassem os infiéis, tendo-se feito então a grande guerra no Céu, a primeira batalha<br />
da História da Criação, que redundou na expulsão dos demônios e na sua precipitação no Inferno.<br />
Assim também a Santíssima Virgem quer expulsar da Terra os espíritos malignos por meio dos Anjos. Invocá-La<br />
como Rainha dos Anjos é, pois, sumamente adequado porque, sendo inimiga inexorável dos anjos rebeldes,<br />
Ela ordena aos Anjos fiéis, dos quais é Rainha, que enxotem os demônios.<br />
Nesse combate, nossos maiores aliados são Deus, Maria Santíssima e os Anjos; e o único fator decisivo de<br />
nossa vitória é a graça. Donde se deduz que uma ação ordenada para expulsar os demônios deve se desenvolver<br />
a partir da oração.<br />
Peçamos, antes de tudo, que Nossa Senhora nos livre da ação diabólica e, para isso, arranque de nós o espírito<br />
revolucionário, o qual é uma participação do demônio, e nos restitua a inocência e a integridade de espírito<br />
contrarrevolucionário, dons estes dos maiores que Ela pode conceder.<br />
Rezemos à Rainha dos Anjos, inimiga irreconciliável dos demônios, para que os Anjos venham em nosso<br />
auxílio, expulsem de nós e da Terra o poder satânico, de maneira a se estabelecer uma das condições mais fundamentais<br />
para o Reino de Maria. *<br />
*<br />
Cf. Conferência de 22/7/1967.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Samuel Hollanda / Rafael Alves<br />
Imaculado Coração de Maria<br />
Paróquia de los Molinos, Madri<br />
Ao fundo, Bodas de Caná<br />
Quebec City, Canadá<br />
Comunicai-me as<br />
chamas de vosso zelo<br />
Ó<br />
Coração Imaculado de Maria, que sois uma fornalha ardente de caridade a exemplo<br />
do Coração Sagrado de vosso Divino Filho, comunicai-me todas as chamas de<br />
vosso zelo, para que Vós, cuja prece conseguiu que a água insípida, fria e banal se<br />
transformasse num vinho saboroso, generoso e forte, façais de mim, pecador, um apóstolo<br />
dos últimos tempos.<br />
(Composta em 28/7/1967)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Havia uma excelência moral<br />
em Dona Lucilia pela qual<br />
a mansidão se manifestava<br />
mesmo quando contundida<br />
em sua bondade. E na<br />
consideração pelos demais, ela<br />
levava ao auge uma espécie de<br />
amor de esperança, por onde<br />
considerava sempre o lado<br />
bom da alma de cada um.<br />
Dona Lucilia tinha muito<br />
empenho em auxiliar<br />
as pessoas. Alguma coisa<br />
que possa haver em mim nesse sentido<br />
foi aprendido com ela, porque<br />
mamãe era assim de um modo eminente<br />
e com muito equilíbrio.<br />
Perdão antecipado,<br />
cheio de esperança<br />
Apenas duas ou três vezes na vida<br />
– sem ela me dizer, eu percebi – a vi<br />
considerar certas almas como perdidas,<br />
irrecuperáveis para o bom caminho.<br />
Com essas pessoas ela cortou o<br />
relacionamento, não as relações externas;<br />
estas sempre permaneceram<br />
amáveis, mas no interior le coeur n’y<br />
était pas. O manual da amabilidade<br />
estava, mas o coração não.<br />
Havia nela um reflexo da doutrina<br />
católica de que todo pecador é recuperável.<br />
Enquanto pode ser restaurado e<br />
ainda está nos planos da Providência<br />
agir sobre ele, Deus o quer bem.<br />
Assim, ela tinha uma espécie de<br />
amor de esperança, vendo na pessoa<br />
algo que restava do que esta tinha de<br />
bom. Percebendo isso, ela a queria<br />
bem como se fosse só aquilo. E tratava<br />
o indivíduo como que ignorando<br />
todos os seus defeitos. Considerava-<br />
-o como com qualidades em estado<br />
puro, abstraindo os defeitos. Isso dava<br />
um trato muito dignificante, elevado,<br />
e era um apoio dado por mamãe<br />
para a pessoa se reerguer.<br />
Às vezes eu chegava perto dela,<br />
conversávamos um pouquinho, ela<br />
me dizia: “Estou rezando por fulano...”<br />
O que equivalia a uma certa in-<br />
6
sinuaçãozinha de que eu deveria rezar<br />
também, não era um pedido formal.<br />
Mamãe não me pedia, senão raramente,<br />
para rezar por alguma intenção,<br />
pois intuía que eu rezava para<br />
outras coisas que eram muito mais<br />
altas, mas desejava que eu desejasse.<br />
Fazia uma insinuação que vinha com<br />
uma conotação por onde dava a entender<br />
a razão pela qual estava rezando,<br />
o que a pessoa estava fazendo<br />
de ruim. Rezava com o afeto que<br />
teria por aquela alma se ela estivesse<br />
andando bem. Havia uma espécie de<br />
perdão antecipado da dívida.<br />
<strong>Plinio</strong> no Jardim da Luz, em São Paulo<br />
Mesmo quando alguém desiludia<br />
por completo as suas esperanças,<br />
mamãe nunca, nunca, nunca tinha<br />
um acesso de raiva, de queixa, de cólera,<br />
de nada! Era de uma mansidão<br />
absoluta, como um cordeiro. De tal<br />
modo que, se contra toda expectativa<br />
a pessoa voltasse ao bem, a encontrava<br />
como na véspera.<br />
Mansidão desconcertante<br />
Debaixo do ponto de vista da<br />
mansidão, esse foi, dos diversos aspectos<br />
da alma dela, o que mais me<br />
tocou. Porque eu via às vezes coisas<br />
que a contundiam a fundo; sem embargo<br />
disso, ela recebia com toda a<br />
doçura, sofria com tristeza, mas sem<br />
a menor amargura, o menor revide,<br />
a menor lamúria! E eu via que mamãe<br />
pedia a Deus perdão por aquela<br />
alma.<br />
Isso era algo que me entusiasmava<br />
muito, mas muito! A mansidão de<br />
mamãe também me desarmava muito,<br />
porque houve uma época em que,<br />
sendo menino ainda, tive uma certa<br />
dificuldade quando algumas coisas<br />
dela eu não entendia bem, e não<br />
entendia por acanhamento de vistas.<br />
Eu mostrava desagrado e recebia dela<br />
uma mansidão tão tocante, e vendo<br />
que não podia me explicar porque<br />
eu não entenderia... Seu silêncio<br />
era tão discreto, mas ao mesmo tempo<br />
tão profundamente sofredor, que<br />
eu ficava desarmado.<br />
Algumas vezes eu me sentia em<br />
guerra acesa contra certas pessoas e<br />
a via cheia de bondade. E com essa<br />
inconformidade eu teria a tendência,<br />
não de fazer a ela uma censura direta,<br />
mas de agastá-la em algum outro<br />
ponto. Teria agido muito mal se tivesse<br />
feito; porém foi-me muito fácil<br />
o não fazer, por causa dessa excelência<br />
moral que mamãe tinha, embora<br />
naquela época eu não entendesse.<br />
Trato super excelente<br />
Não só quando mamãe estava fora<br />
de casa eu a tratava muito melhor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1980<br />
do que as outras pessoas, mas eu não<br />
tratava ninguém como a ela! Era um<br />
trato superexcelente.<br />
Mamãe fingia que não percebia,<br />
mas eu sabia bem ser ela sensibilíssima<br />
a isso. Jamais a vi dando um olhar<br />
para uma outra dizendo: “Veja como<br />
meu filho me trata.” Nunca! Eu não a<br />
vi comparar-se com ninguém.<br />
A recíproca dela era como uma<br />
mãe trata um filho a quem quer bem,<br />
mas não era como o trato que eu dispensava<br />
a ela. O que eu tinha para<br />
com mamãe era um trato espalhafatoso<br />
de tão carinhoso. O dela para comigo<br />
era muito mais discreto. Eu vejo<br />
que ela procurava evitar distonias enquanto<br />
eu provocava a distonia.<br />
Certa vez comentaram com mamãe:<br />
“Tratar bem um ao outro como<br />
a senhora e o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> eu nunca vi<br />
ninguém! Nem noivos se tratam assim!”<br />
Contou-me depois, comprazida,<br />
mas como se fosse um fato qualquer,<br />
tudo muito discreto. O quanto<br />
eu sou explosivo, ela era discreta, jeitosa.<br />
<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
20/9/1980)<br />
7
Perspectiva pliniana da História<br />
O Brasil floresce de<br />
LBM1948 (CC3.0)<br />
uma promessa<br />
Azulejo representando a<br />
Batalha de Ourique - Lisboa<br />
D. Afonso Henriques, formado pela<br />
graça antes de receber a coroa, vê Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo que lhe promete<br />
a misericórdia sobre Portugal durante<br />
muitas gerações e lhe prediz grandes<br />
searas em terras muito remotas.<br />
T<br />
enho aqui uma matéria<br />
muito bonita. A ficha<br />
é tirada da Crônica de D.<br />
Afonso Henriques 1 .<br />
Nascimento de Portugal<br />
Introdução. Foi na Batalha de Ourique<br />
que nasceu o reino português. Enfrentando<br />
os infiéis maometanos, os<br />
portugueses achavam-se em grande inferioridade<br />
numérica. Muitos cronistas<br />
idôneos referem-se a cem ismaelitas<br />
para cada lusitano. Nessa situação crítica,<br />
Nosso Senhor veio em auxílio do<br />
povo católico e ordenou que D. Afonso<br />
Henriques ficasse rei daquele povo.<br />
Portugal nasceu de uma batalha e,<br />
na coroação, no término dela, o Reino<br />
de Portugal foi fundado.<br />
O português do texto é meio arcaico.<br />
Bastantíssima era a tradição de que,<br />
ou melhor, do aparecimento de Cristo,<br />
Nosso Salvador, feita a D. Afonso<br />
Henriques, confirmando-se com os escritos<br />
de nossos autores e de muitos estrangeiros<br />
gravíssimos, para se ter certo<br />
o favor que Nosso Senhor quis fazer à<br />
nação portuguesa.<br />
Gravíssimos, quer dizer, pessoas<br />
dignas de todo crédito, muito graves,<br />
muito sérias.<br />
Mas, para maior confirmação, ordenou<br />
o mesmo senhor – D. Afonso<br />
Henriques, primeiro Rei de Portugal –,<br />
parece que com particular providência,<br />
nos ficasse outra memória ilustríssima<br />
dessa verdade. E é uma escritura<br />
autêntica do ano de 1152, em que<br />
o mesmo Rei D. Afonso, jura sobre os<br />
Santos Evangelhos, como viu, com<br />
seus próprios olhos, o Salvador do<br />
mundo, na forma que temos contado.<br />
Ou seja, o próprio rei mandou fazer<br />
uma escritura, declarando o milagre<br />
ocorrido com ele. O documen-<br />
Alberto Permuy Leal (CC3.0)<br />
8<br />
Estátua de D. Afonso Henriques<br />
Guimarães, Portugal
Gerd Eichmann (CC3.0)<br />
Gerd Eichmann (CC3.0)<br />
Vista do Mosteiro de Alcobaça<br />
Frei Bernardo de Brito - Biblioteca<br />
Nacional de Portugal, Lisboa<br />
to se conserva e é a fonte da narração<br />
que vem a seguir.<br />
Achou-se no ano de 1506, no Cartório<br />
do Real Mosteiro de Alcobaça,<br />
este documento.<br />
Em 1506, esse documento já era<br />
velho e foi encontrado nos papéis<br />
velhos do Mosteiro de Alcobaça.<br />
E foi instrumento...<br />
Quem o redigiu.<br />
...o D. Frei Bernardo de Brito, Cronista-mor<br />
de Portugal, a quem o reino<br />
deve, com a glória adquirida por seus<br />
escritos, a glória e a graça de tão ditoso<br />
achado. É um pergaminho de letra<br />
antiga, já gastada, com selo de El-<br />
-Rei D. Afonso, e outros quatro, de cera<br />
vermelha, pendente com fio de seda<br />
da mesma cor, confirmado por pessoas<br />
de autoridade em que se funda o<br />
maior crédito humano que pode haver<br />
em escritura.<br />
Deve ser um lindo documento,<br />
um pergaminho gasto pelo tempo,<br />
com o lacre do rei e com quatro outros<br />
lacres vermelhos, com fios de<br />
seda pendentes dos lacres. Se nós tivéssemos<br />
isso, mandávamos colocar<br />
numa moldura para glorificar bem<br />
um documento tão insigne.<br />
Cena bela e de<br />
gravidade histórica<br />
O D. Frei Lourenço do Espírito<br />
Santo, Abade então daquela Casa Geral<br />
da Ordem de Cister...<br />
São os monges cistercienses, fundados<br />
por São Roberto de Molesme.<br />
...neste Reino, pessoa de grandes letras<br />
e muita prudência, julgou ser vontade<br />
de Deus divulgar-se por todos essa<br />
memória. E, assim, indo a Lisboa,<br />
levou o pergaminho e mostrou-o aos<br />
senhores do governo. E depois, fazendo<br />
jornada à Corte de Madrid, o apresentou<br />
ao católico rei D. Felipe II. E o<br />
viram também muitos grandes de sua<br />
Corte, e de todos foi venerado e estimado<br />
como merecia um documento<br />
de tanto preço, do qual o teor é o seguinte:...<br />
Não sei se conseguem tomar o sabor<br />
dessa redação tão antiga e dos<br />
personagens que passam pelo documento,<br />
quase por um vídeo. É o gravíssimo,<br />
o Frei Lourenço, Abade de<br />
Cister 2 ; depois, os senhores do governo<br />
com quem ele fala. Afinal,<br />
ele vai a pé, provavelmente, atravessando<br />
a Serra da Estrela até Madrid.<br />
Naquele tempo, o Rei de Portugal<br />
era Felipe II, Rei de Espanha,<br />
que tinha herdado – noventa e nove<br />
por cento por direito e um por cento<br />
à força – o Reino de Portugal.<br />
D. Felipe II - Museu do Prado, Madri<br />
Tiziano Vecelli (CC3.0)<br />
9
Perspectiva pliniana da História<br />
De maneira que, era preciso apresentar-lhe<br />
esse documento. Então,<br />
o D. Frei Lourenço chega ao Escorial,<br />
onde se encontra o rei Felipe<br />
II, vestido de preto, com uma gola<br />
branca, sentado na cadeira. Ele faz<br />
ao rei uma grande reverência e Felipe<br />
II o olha com fisionomia solene.<br />
Frei Lourenço mostra o pergaminho<br />
ao rei, que o venera, porque<br />
conta um milagre de seu antecessor,<br />
rei de Portugal. É uma cena bonita,<br />
com gravidade histórica, tão diferente<br />
de uma reportagem de jornal de<br />
nossos dias...<br />
O juramento do primeiro<br />
rei de Portugal<br />
Nuno Gonçalves (CC3.0)<br />
“Eu, Afonso, Rei de Portugal...”<br />
Que nobreza! Não precisa sobrenome,<br />
está tudo dito.<br />
“...filho do conde Henrique e neto<br />
do grande rei D. Afonso...”<br />
Era rei de uma das Espanhas.<br />
“...diante de vós, Bispo<br />
de Braga, e Bispo de Coimbra,<br />
e Teotónio e todos os<br />
mais vassalos de meu reino...”<br />
Quem seria esse Teotónio<br />
3 , mencionado por<br />
ele assim? Deveria ser um<br />
guerreiro, vestido de armadura,<br />
com uma espada<br />
em forma de cruz, presente<br />
ao ato.<br />
“...juro em esta cruz de<br />
metal e neste Livro dos<br />
Santos Evangelhos em que<br />
ponho minhas mãos, que<br />
eu, miserável pecador, vi<br />
com esses olhos indignos a<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
estendido na Cruz, no modo<br />
seguinte.”<br />
E o rei começa a narrar,<br />
tendo jurado sobre os<br />
Santos Evangelhos. Note-<br />
-se a solenidade, a fé dele!<br />
O rei compreende a gravidade<br />
do juramento que está fazendo.<br />
E, depois, a humildade com que ele<br />
diz: “eu, miserável pecador, vi com esses<br />
olhos indignos a Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo.” Quanta reverência para<br />
com Nosso Senhor Jesus Cristo, que<br />
os olhos dele viram! Os olhos ficaram,<br />
por assim dizer, sagrados, porque<br />
viram a Cristo.<br />
Ao cabo da meditação,<br />
uma prece confiante<br />
Então, começa a primeira parte<br />
da narração:<br />
“Eu estava com meu exército nas<br />
terras de Alentejo, nos campos de Ourique...”<br />
O texto tem até uma cadência. Parece<br />
que tudo isso toma um aspecto<br />
fabuloso, antigo, feérico: “nas terras<br />
de Alentejo, nos campos de Ourique...”<br />
Uma coisa extraordinária!<br />
São Teotónio - Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa<br />
“...para dar batalha a Ismael...”<br />
Ismael era um dos reis.<br />
“...e outros quatro reis mouros, que<br />
tinham consigo infinitos, milhares de<br />
homens.<br />
“E minha gente, temerosa de sua<br />
multidão, estava atribulada e triste sobremaneira.<br />
E entanto que diziam alguns,<br />
publicamente, ser temeridade<br />
acometer tal jornada. E eu enfadado<br />
do que ouvia, comecei a cuidar comigo<br />
o que faria.”<br />
Quase um verso de Camões! O<br />
rei, perturbado, pois os guerreiros<br />
dele estavam com medo diante da<br />
mourama imensa que estava lá para<br />
atacar.<br />
Passamos, agora, à seguinte parte.<br />
Ele faz uma meditação, a fim de<br />
cuidar o que ia fazer. Como era um<br />
rei católico, ele faz uma meditação.<br />
E, ao cabo desta, uma oração confiante.<br />
“E como estivesse na<br />
minha tenda um livro em<br />
que estava escrito o Testamento<br />
Velho e o de Jesus<br />
Cristo, abri-o e li nele<br />
a vitória de Gedeão e disse<br />
entre mim mesmo: ‘Mui<br />
bem sabeis Vós, Senhor Jesus<br />
Cristo, que por amor<br />
vosso tomei sobre mim essa<br />
guerra contra vossos adversários.<br />
Em vossa mão<br />
está dar a mim e aos meus<br />
fortaleza para vencer esses<br />
blasfemadores do vosso<br />
Nome.’”<br />
Vejam a consciência<br />
reta de D. Afonso: ele estava<br />
de tal maneira combatendo<br />
pela Causa Católica,<br />
que nessa hora de<br />
perigo, disse: “Meu Deus,<br />
Vós sabeis que é por Vós<br />
que eu combato. Agora,<br />
dai-me força para eu levar<br />
adiante a minha guerra.”<br />
Ele fez uma meditação e<br />
terminou com uma prece<br />
confiante.<br />
10
Uma mensagem<br />
celeste<br />
Outro ponto: ele fala,<br />
Deus ouve.<br />
“Ditas essas palavras,<br />
adormeci sobre o livro e<br />
comecei a sonhar que via<br />
um homem velho vir para<br />
onde eu estava, e que me<br />
dizia: ‘Afonso, tem confiança,<br />
porque vencerás<br />
e destruirás esses reis infiéis,<br />
e desfarás sua potência<br />
e o Senhor se te mostrará.’”<br />
Vem um emissário:<br />
“Estando eu nessa visão,<br />
chegou João Fernandes<br />
de Souza, meu camareiro,<br />
dizendo-me: ‘Acordai,<br />
Senhor meu, porque<br />
está aqui um homem velho,<br />
que vos quer falar.’<br />
‘Entre, lhe respondi, se é<br />
católico.’”<br />
Uma beleza! Imaginem<br />
a cena: uma tenda<br />
medieval, um exército<br />
pequeno; mais adiante<br />
se veem todos os exércitos<br />
dos cinco reis mouros;<br />
todo mundo acabrunhado<br />
diante da dificuldade;<br />
o rei dormindo,<br />
extenuado, junto a uma<br />
mesa onde estão o Novo<br />
e o Antigo Testamento.<br />
Ele sonha. Do lado de<br />
fora, com forte sotaque<br />
português, o camareiro<br />
o chama, e ele responde:<br />
“Entre, se é católico.” Que lindo! Se<br />
não é católico, fora!<br />
Há, então, um sonho, um emissário,<br />
uma mensagem.<br />
“E tanto que entrou, conheci ser<br />
aquele que no sonho vira, o qual me<br />
disse: ‘Senhor, tende bom coração,<br />
vencereis e não sereis vencido.’”<br />
Naquele tempo “tende bom coração”<br />
não queria dizer “tende pena”,<br />
Milagre da Batalha de Ourique - Igreja de<br />
Santo Antônio dos Portugueses, Roma<br />
mas “tende coração firme.” Isso é ter<br />
bom coração.<br />
“‘Sois amado do Senhor, porque,<br />
sem dúvida, pôs sobre vós e sobre vossa<br />
geração, depois de vossos dias, os<br />
olhos de sua misericórdia até a décima<br />
sexta descendência, na qual se diminuirá<br />
a sucessão, mas nela assim<br />
diminuída, Ele tornará a pôr os olhos<br />
e verá.’”<br />
RogueJMS (CC3.0)<br />
Provavelmente é uma<br />
mensagem celeste.<br />
É uma promessa da<br />
duração de Portugal.<br />
Deus tinha amado aquele<br />
rei e o povo que ia<br />
nascer durante dezesseis<br />
gerações. Depois, Portugal<br />
entraria em declínio,<br />
mas Deus o olharia<br />
e novamente o reergueria.<br />
A mensagem era para<br />
a geração do rei, mas<br />
também para todo o povo<br />
português.<br />
Uma prova de<br />
confiança<br />
“‘Ele me manda dizer-<br />
-vos que quando na seguinte<br />
noite ouvirdes a<br />
campainha da minha ermida,<br />
na qual vivo há<br />
sessenta e seis anos, guardado<br />
no meio dos infiéis<br />
com favor do mui Alto,<br />
saiais fora do Real<br />
sem nenhum criado, porque<br />
vos quer mostrar sua<br />
grande piedade.’”<br />
É uma coisa linda!<br />
Esse homem era um eremita<br />
que vivia há sessenta<br />
e seis anos sozinho no<br />
meio dos infiéis, guardado<br />
maravilhosa e naturalmente<br />
para esse momento<br />
histórico. Porque<br />
vale a pena nascer para<br />
desempenhar essa missão<br />
e depois morrer.<br />
O eremita diz: “Quando ouvirdes<br />
uma campainha, saí do Real.” Real<br />
é a zona do acampamento onde<br />
o rei está. E sem nenhuma companhia,<br />
ide para o mato, porque Deus<br />
quer vos aparecer lá. Mas veja-se a<br />
prova de confiança exigida: sem nenhuma<br />
companhia. Não pode ir com<br />
soldados nem nada. Deve confiar em<br />
Deus.<br />
11
Perspectiva pliniana da História<br />
“Obedeci e, prostrado em<br />
terra com muita reverência,<br />
venerei o embaixador e quem<br />
o mandava.”<br />
D. Afonso, nobre de alta<br />
categoria – daí a pouco seria<br />
rei – se prostrou em terra para<br />
venerar aquele embaixador.<br />
E, na pessoa do embaixador,<br />
a Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo que o mandava.<br />
“Sobre ti fundarei<br />
um novo reino”<br />
Divulvação (CC3.0)<br />
“E, como posto em oração,<br />
aguardava o som, na segunda<br />
vela da noite, ouvia a campainha,<br />
e armado com espada e<br />
rodela, sai fora dos reais.”<br />
O rei passou a noite ainda<br />
impressionado com a presença<br />
desse venerando eremita.<br />
Em certo momento, no silêncio<br />
da noite, uma campainha.<br />
O rei sai do acampamento,<br />
sem ninguém o ver. Bom português,<br />
cauteloso, não deixou<br />
de levar a espada para o que<br />
desse e viesse. E mais a rodela<br />
que deve ser, provavelmente,<br />
um escudo circular.<br />
“E subitamente vi, à parte<br />
direita, contra o nascente, um<br />
raio resplandecente, indo-se pouco a<br />
pouco clarificando; cada hora se fazia<br />
maior. E pondo de propósito os olhos<br />
nessa parte, vi, de repente, no próprio<br />
raio, o sinal da cruz mais resplandecente<br />
que o Sol, e um grupo grande de mancebos<br />
resplandecentes, os quais, creio, seriam<br />
os Santos Anjos.<br />
“Vendo, pois, essa visão, pondo à<br />
parte o escudo e a espada, me lancei<br />
de bruços e, desfeito em lágrimas, comecei<br />
a rogar pela consolação de seus<br />
vassalos, e disse sem nenhum temor:<br />
‘A que fim me apareceis, Senhor?<br />
Quereis, porventura, acrescentar fé a<br />
quem já tem tanta fé?’”<br />
Era um homem muito seguro de<br />
sua virtude para dizer isso.<br />
D. Afonso Henriques - Biblioteca<br />
Nacional de Portugal, Lisboa<br />
“‘Melhor é, por certo, que Vos vejam<br />
os inimigos, e creiam em Vós que<br />
eu, que desde a fonte do Batismo Vos<br />
conheci por Deus verdadeiro, Filho da<br />
Virgem e do Padre Eterno, e assim Vos<br />
reconheço agora.’”<br />
É uma oração estupenda! Não há<br />
o que comentar.<br />
“A cruz era de maravilhosa grandeza,<br />
levantada da terra quase dez côvados.<br />
O Senhor, com um tom de voz suave,<br />
que minhas orelhas indignas ouviram,<br />
disse:...”<br />
É a promessa da vitória e da fundação<br />
do Reino de Portugal.<br />
“‘Não te apareci deste modo para<br />
acrescentar tua fé, mas para fortalecer<br />
teu coração neste conflito...’”<br />
Quer dizer, fé tu tens, mas<br />
o coração não está tão firme...<br />
“‘...e fundar os princípios de<br />
teu reinado sobre pedra firme.’”<br />
Parece aquele diálogo de<br />
Nosso Senhor com São Pedro:<br />
“O que dizem do Filho<br />
do Homem?” Tendo São Pedro<br />
reconhecido Nosso Senhor<br />
como o Filho de Deus,<br />
recebeu a resposta: “Pois tu<br />
és pedra e sobre esta pedra<br />
edificarei a minha Igreja” (cf.<br />
Mt 16, 13-18). Aqui também,<br />
o rei se apresentou, adorou a<br />
Deus e O reconheceu. Deus<br />
disse-lhe: “Tem coragem,<br />
porque sobre ti fundarei um<br />
novo reino.”<br />
“‘Confia, Afonso, porque<br />
não só vencerás esta batalha,<br />
mas todas as outras em que<br />
pelejares contra os inimigos de<br />
minha Cruz. Acharás tua gente<br />
alegre e esforçada para a peleja;<br />
e te pedirá que entres na<br />
batalha com o título de rei.<br />
Não ponhas dúvidas, mas tudo<br />
quanto pedirem, lhes concede<br />
facilmente.’”<br />
O povo e os soldados iam<br />
pedir a D. Afonso que entrasse<br />
na batalha com o título<br />
de rei, para eles terem mais alento.<br />
Por isso Deus lhe diz: “Aceita tudo<br />
quanto pedirem. E o mais que pedirem,<br />
concede facilmente.” Estava<br />
fundado o reino de um modo muito<br />
bonito, porque Deus profetizou e os<br />
guerreiros, por uma moção divina,<br />
aclamaram. Ambas as coisas que se<br />
conjugam. É uma verdadeira beleza!<br />
O primeiro lampejo da<br />
existência do Brasil<br />
E além da promessa da vitória e<br />
de fundação, vislumbra-se algo que<br />
talvez seja uma referência ao Brasil:<br />
“‘Eu sou fundador e destruidor dos<br />
reinos e impérios, e quero em ti e teus<br />
12
descendentes, fundar para Mim um<br />
império por cujo meio seja meu nome<br />
publicado entre as nações mais estranhas.’”<br />
Vê-se que aqui está a evangelização<br />
do Brasil. Nem se cogitava a<br />
existência dele naquele tempo. O<br />
Brasil, evidentemente, a África portuguesa<br />
e a Índia. Mas creio não ser<br />
imodesto achar que das várias partes<br />
que receberam a pregação, a mais<br />
insigne foi o Brasil.<br />
De maneira que havia um primeiro<br />
lampejo da existência do Brasil<br />
nessa promessa que foi feita na fundação<br />
do Reino de Portugal. Não é<br />
verdade que, vendo o Brasil florescer<br />
de uma promessa assim, nos dá<br />
mais alegria e esperança por sermos<br />
brasileiros?<br />
Um verdadeiro rei<br />
Nosso Senhor, depois de ter previsto<br />
a fundação e a missão do reino,<br />
dá um símbolo.<br />
“‘E para que teus descendentes reconheçam<br />
quem lhes dás o reino, comporás<br />
o escudo de tuas armas<br />
do preço com que Eu remi<br />
o gênero humano, e daquele<br />
por que fui comprado pelos<br />
judeus, e ser-Me-á reino santificado,<br />
puro na fé e amado<br />
na minha piedade.’”<br />
São as quinas de Portugal,<br />
que representam as<br />
cinco chagas de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo.<br />
Agora vem a recusa de<br />
uma vítima extraordinária.<br />
“Eu tanto que ouvi essas<br />
coisas, prostrado em terra,<br />
O adorei, dizendo: ‘Por que<br />
méritos, Senhor, me mostrais<br />
tão grande misericórdia?<br />
Ponde, pois, vossos benignos<br />
olhos nos sucessos<br />
que me prometeis e guardai<br />
salva a gente portuguesa.<br />
E se acontecer que tenhais<br />
contra ela algum castigo<br />
aparelhado...’”<br />
Linda expressão, “aparelhar um<br />
castigo.”<br />
“‘...executai-o sobre mim e livrai este<br />
povo que amo como meu filho único.’”<br />
Este homem era digno de ser rei!<br />
Ele tinha sido formado pela graça,<br />
antes de lhe ser dada a coroa. Um<br />
homem que diz “Se o povo merece<br />
o castigo, meu Deus, que caia sobre<br />
mim, porque eu o amo como amaria<br />
meu filho único”, este é um rei!<br />
O efeito volta para sua causa<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1974<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
“Consentindo nisso, o Senhor me<br />
disse: ‘Não se apartará deles, nem de<br />
ti, nunca, minha misericórdia, porque<br />
por sua via tenho aparelhadas grandes<br />
searas e eles, escolhidos por meus segadores,<br />
em terras muito remotas.’”<br />
A grande misericórdia era, portanto,<br />
de vir, um dia, fazer seara no<br />
Brasil. Nós somos filhos de Portugal,<br />
é verdade, mas somos filhos dessa<br />
misericórdia que teve Portugal por<br />
canal e por instrumento.<br />
Creio que é o primeiro documento<br />
da História do Brasil. Numa aula<br />
de História do Brasil que se desse<br />
com alma, não se deveria começar<br />
pela nau que partiu de Portugal, mas<br />
deveria se contar a missão que se realizaria<br />
nas terras de Alentejo, nos<br />
campos de Ourique, numa determinada<br />
noite, dada por Deus Nosso<br />
Senhor a El-Rei D. Afonso Henriques...<br />
Assim deveria começar uma<br />
verdadeira história do Brasil.<br />
“Ditas essas palavras, desapareceu<br />
e eu, cheio de confiança e suavidade,<br />
me tornei para o Real. E para que isso<br />
passasse na verdade, juro eu, D. Afonso,<br />
pelos Santos Evangelhos de Jesus<br />
Cristo, tocados por essas mãos. E,<br />
portanto, mando a meus descendentes<br />
que para sempre sucederem, que<br />
em honra da Cruz e das cinco Chagas<br />
de Jesus Cristo, tragam em seu escudo<br />
os cinco escudos partidos em cruz; em<br />
cada um deles os trinta dinheirinhos,<br />
e por timbre, a serpente de Moisés, por<br />
ser figura de Jesus Cristo. E seja este o<br />
troféu de nossa geração. E se alguém<br />
intentar o contrário, seja maldito do<br />
Senhor e atormentado no Inferno, como<br />
Judas o traidor.<br />
“Foi feita a presente carta<br />
em Coimbra, aos 29 de outubro,<br />
era de 1152. Eu, El-<br />
-Rei D. Afonso.”<br />
Que coisa bonita. Este<br />
foi o desígnio da Providência.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 28/1/1974)<br />
1) Crônica de El-Rei D. Afonso<br />
Henriques, por Duarte Galvão.<br />
2) Do Real Mosteiro de Santa<br />
Maria de Alcobaça.<br />
3) São Teotónio (*1082 -<br />
†1163). Religioso. Foi um dos<br />
principais aliados de D. Afonso<br />
Henriques na proclamação<br />
do Reino de Portugal e, posteriormente,<br />
seu conselheiro.<br />
Primeiro Santo português que<br />
recebeu a honra dos altares.<br />
13
Samuel Hollanda<br />
Reflexões teológicas<br />
Entre Anjos e<br />
demônios<br />
Quanto mais o homem ama a Deus, tanto mais fica sensível<br />
ao bem e ao mal, tornando-se capaz de discernir a ação dos<br />
Anjos bons e dos anjos ruins sobre si e sobre os ambientes.<br />
Lutando contra o demônio, faz-se a mais prodigiosa<br />
das guerras psicológicas contrarrevolucionárias.<br />
T<br />
anto os Anjos quanto os<br />
demônios se conhecem e<br />
se veem de um modo puramente<br />
espiritual.<br />
Vaga ideia de como os<br />
espíritos se conhecem<br />
Como um puro espírito conhece<br />
outro? É difícil sabermos, mas pode-<br />
-se ter alguma ideia considerando o<br />
seguinte: constituídos de corpo e alma,<br />
não temos a possibilidade de ver<br />
a alma de outro, mas podemos conhecê-la<br />
através do olhar.<br />
Que maravilha de visibilidade<br />
perceber em movimentos submicroscópicos,<br />
cujo conjunto, por uma interpretação<br />
delicadíssima, dá o conhecimento<br />
de um olhar! É uma coisa<br />
extraordinária.<br />
Não há uma alma que veja diretamente<br />
a outra, mas há uma simbologia<br />
do olhar por onde, pelas menores contrações,<br />
se conhece um estado de espírito<br />
e se tiram conclusões psicológicas,<br />
espirituais, morais, artísticas, culturais.<br />
A tal ponto que, a respeito do<br />
olhar tão significativo da imagem de<br />
Nossa Senhora de Fátima que chorou<br />
em Nova Orleans, se pôde escrever<br />
Peregrinando dentro de um olhar.<br />
Essa expressão supõe que há olhares<br />
que são de uma vastidão, dentro dos<br />
quais se pode fazer uma peregrinação;<br />
como também<br />
há olhares de portas fechadas,<br />
que dizem: “Não me<br />
penetre, porque o que tem<br />
aqui não é para você e talvez<br />
seja contra você. Olhe-<br />
-me se quiser, mas eu fechei<br />
uma certa escotilha que você<br />
percebe que está fechada.”<br />
Através do modo pelo<br />
qual um olhar percebe outro,<br />
pode-se ter uma ideia<br />
vaga do modo pelo qual<br />
um espírito conhece outro.<br />
É quase como se fosse um<br />
olhar de alma a alma.<br />
Mas também há um outro<br />
modo pelo qual conhecemos<br />
os outros – hélas!<br />
não nos conhecemos a nós<br />
muitas vezes... – é uma certa<br />
vibração vital ou nervosa<br />
que, em estado mais evidente ou menos,<br />
todo mundo carrega em si.<br />
Às vezes entra uma pessoa em<br />
uma sala e esta se enche com ela.<br />
Outras vezes entram cinco em um<br />
Imagem peregrina de Nossa Senhora de<br />
Fátima – Nova Orleans (Estados Unidos)<br />
Divulgação<br />
14
ambiente e parece não entrar<br />
ninguém. Por que acontece<br />
isso? Tomemos, por exemplo,<br />
Carlos Magno.<br />
Carlos Magno,<br />
um exemplo de<br />
alma grandiosa<br />
Carlos Magno trazia consigo<br />
a Europa. Mas, onde ele<br />
trazia, nos olhos? Principalmente<br />
neles, mas também nos<br />
braços poderosos, na alta estatura<br />
capaz de dominar, na<br />
sua voz que eu posso imaginar<br />
possante; na composição<br />
das frases, nem sempre muito<br />
limada nem muito escolhida,<br />
mas sempre com significação,<br />
nunca dizendo uma coisa vazia<br />
ou tonta. Por meio de tudo<br />
isso podemos imaginar como<br />
ele enchia uma sala, um<br />
país, um continente, ele enchia<br />
o próprio império!<br />
Bem se poderia dizer que<br />
ele era imperador mais por<br />
causa desse poder que lhe tinha<br />
sido concedido de encher<br />
um continente com a sua alma<br />
– porque não era com o<br />
corpo que ele enchia –, do<br />
que pelo poder de mandar. O<br />
poder jurídico de mandar era,<br />
talvez, um dos menos importantes<br />
nele. O de sua personalidade<br />
era maior.<br />
Semelhantes que se alegram,<br />
dessemelhantes<br />
que se repelem<br />
Flávio Lourenço<br />
Há um princípio latino que<br />
diz similis simili gaudet – o semelhante<br />
se alegra com o seu<br />
semelhante. Nós temos alguma<br />
coisa por onde nos encontrando e<br />
tratando com uma pessoa semelhante<br />
nós nos alegramos; quando tratamos<br />
com uma pessoa dessemelhante, temos<br />
um desagrado.<br />
Carlos Magno - Igreja Abacial de Saint-Florent<br />
du Mont-Glonne, Saint Florent le Veil, França<br />
Assim também se dá, mas de modo<br />
muito possante, entre os puros espíritos,<br />
porque um conhece o fundo<br />
do outro, eles como que se olham; as<br />
semelhanças de um Anjo bom atraem<br />
outro; as dessemelhanças com<br />
os anjos maus repugnam e provocam<br />
ódio. Tomando em conta<br />
que entre eles não há distância<br />
física, compreende-se como<br />
lhes é fácil se conhecerem e<br />
com que força eles se atraem e<br />
se repugnam. As relações entre<br />
eles são fortíssimas, diria que<br />
são robustíssimas.<br />
Eles se percebem, se atraem<br />
e se repelem, se amam ou<br />
se odeiam. É assim que nós<br />
devemos imaginar a atitude<br />
deles para conosco e, de algum<br />
modo, a atitude nossa<br />
para com eles.<br />
Entre o que há de virtuoso<br />
em nós e o que há de santo nos<br />
Anjos bons – tudo é santo neles<br />
– há uma atração enorme. Por<br />
aí compreendemos que, às vezes,<br />
uma sensação de bem-estar,<br />
de alegria diante do dever<br />
cumprido, diante da consciência<br />
tranquila ou diante de uma<br />
vitória obtida, isso possa alegrar<br />
um Anjo. Compreende-se também<br />
que, passando um Anjo sobre<br />
nós que quer fazer sentir a<br />
sua presença pelo agrado que<br />
lhe damos, ele peça licença a<br />
Deus para se fazer sentir.<br />
Atuação dos Anjos<br />
e dos demônios<br />
sobre os homens<br />
Se numa reunião, por exemplo,<br />
há uma graça coletiva muito<br />
grande, pode-se dizer que<br />
um Anjo a sobrevoou.<br />
Às vezes é o contrário, não<br />
sobrevoou um Anjo, mas uma<br />
coisa pesada. Quando vai começar<br />
a reunião, tem-se a impressão<br />
de que as almas estão<br />
dispersas, que todo mundo está hipnotizado<br />
por ninharias e, em consequência,<br />
a reunião não dá certo. É<br />
uma bolha com um demônio que está<br />
se fazendo sentir.<br />
15
Reflexões teológicas<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
É preciso notar que nessa matéria<br />
há uma confusão intencionada<br />
por Deus na sua sabedoria, por onde<br />
muitas vezes há fenômenos puramente<br />
naturais muito parecidos com<br />
isso, e muitas vezes há fenômenos<br />
autenticamente sobrenaturais que<br />
não se parecem nada com isso.<br />
Pode-se admitir que a ação dos<br />
Anjos bons e dos anjos ruins sobre<br />
os homens é muito mais frequente<br />
do que quando essa ação se exerce<br />
de homem a homem. Então pode<br />
ser que ambos atuem muito mais em<br />
nossa vida do que parece.<br />
Capacidade de perceber a<br />
ação dos Anjos bons e maus<br />
Como é a nossa capacidade de<br />
percebê-los? Quanto mais o homem<br />
ama a Deus, tanto mais fica sensível<br />
ao bem e ao mal, a menos que Deus<br />
tenha ordenado recolher as suas maravilhas<br />
para provar uma alma, e então<br />
esta fica na aridez. Se não se dá isso,<br />
a alma que ama a Deus pode, com<br />
uma frequência maior ou menor, segundo<br />
a sabedoria de Deus, que no<br />
fundo é o nosso grande diretor espiritual,<br />
perceber mais ou menos coisas,<br />
que às vezes são puros fatos físicos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em 1986, durante uma conferência<br />
sem maior importância, mas às vezes<br />
são ações d’Ele na nossa alma.<br />
Como a alma que ama muito a<br />
Deus é mais sensível ao que é divino<br />
e por isso é mais sensível ao sobrenatural,<br />
assim também a alma<br />
que odeia muito a Deus é mais sensível<br />
ao preternatural, à maneira dela,<br />
e menos sensível ao divino, ou mais<br />
sensível para odiar.<br />
Por exemplo, quando um grupo<br />
de homens como nós está reunido,<br />
existe, sem nos darmos conta, uma<br />
espécie de inter-relação, de “telegrafia<br />
sem fio” deste e daquele junto<br />
àquele e àquele outro, que indica<br />
muito bem os mil imponderáveis pelos<br />
quais o conjunto como um total,<br />
para o bem ou para o mal, está fazendo<br />
uma ação sobre cada um.<br />
Harmonias e cacofonias<br />
Que ação é essa? É uma composição,<br />
no sentido próprio da palavra.<br />
Da mesma forma se pode falar de<br />
uma composição musical cacofônica<br />
ou harmônica.<br />
Há uma harmonia das almas boas<br />
quando se reúnem para amar a Deus,<br />
mas existe também uma distonia, uma<br />
cacofonia, quando umas amam a Deus<br />
e outras não. Daí resulta um embate<br />
glorioso, se as almas boas são fortes e<br />
pisam nas outras; e existe uma moleira<br />
malcheirosa e envergonhada, quando<br />
a alma boa é fraca e se deixa esmagar.<br />
Assim existem mil imponderáveis que<br />
nós, sem saber que estamos sentindo,<br />
sentimos de fato.<br />
Esses imponderáveis resultam numa<br />
influência que nós não sabemos<br />
avaliar, mas que tem o seguinte de<br />
próprio: se num ambiente desses a<br />
graça paira – os Anjos são portadores<br />
da graça, embora não seja indispensável<br />
que haja Anjo para que haja graça<br />
–, este atrai os Anjos. Se, pelo contrário,<br />
a graça não existe, mas existe a<br />
desgraça, a não-graça, então os Anjos<br />
se repelem e o demônio vem contente.<br />
Assim, num auditório, durante uma<br />
conferência ou durante uma execução<br />
musical muito boa ou quando esta deixa<br />
a desejar, os Anjos que sobrevoam<br />
aquilo se atraem mais ou menos, os<br />
demônios se atraem mais ou menos.<br />
Flávio Lourenço<br />
16
Entretanto, nós vivemos num<br />
mundo do qual se diria que os Anjos<br />
e os demônios desertaram. Todos<br />
os homens vivem imersos na persuasão<br />
de que eles não existem e que,<br />
portanto, não atuam nos acontecimentos<br />
contemporâneos. Aqueles<br />
que nos deveriam falar em nome da<br />
Fé, quase não nos falam sobre isso,<br />
quando não silenciam por inteiro. As<br />
tubas sagradas da Igreja Católica parecem<br />
emudecidas para essas grandes<br />
verdades das quais tanto tratam<br />
as Sagradas Escrituras.<br />
Soldados inconscientes de<br />
uma guerra psicológica<br />
Torsade de Pointes(CC 3.0)<br />
Em contrapartida, ouve-se falar<br />
de paz, tranquilidade, comodismo,<br />
dinheiro, saúde, a perspectiva de que<br />
nada acontecerá, superficialidade,<br />
deboche, falta de seriedade, complô<br />
contínuo contra a Igreja Católica,<br />
de fora e de dentro, e ruína de tudo<br />
quanto há de santo e bom na Terra,<br />
de tudo aquilo que dá à vida uma<br />
razão de ser vivida. Isso é vida ou isso<br />
é morte? Já nem sabemos bem…<br />
Dir-se-ia que, por alguns aspectos,<br />
estamos no auge do belicismo, uma<br />
vez que as armas que os homens fabricaram<br />
nunca foram tão terríveis,<br />
tão exterminadoras como em nossa<br />
época. De outro lado, nunca uma tão<br />
longa era histórica, como a que vai do<br />
fim da Segunda Guerra Mundial até<br />
os nossos dias – até quando? Deus sabe<br />
–, foi percorrida numa tão pesada<br />
e severa apreensão da guerra.<br />
Fala-se muito da bomba atômica;<br />
é evidente ser ela um meio de destruição<br />
terrível. Mas fala-se pouco<br />
sobre guerra psicológica, a qual se<br />
trava a todo momento, não só entre<br />
militares, mas entre civis; todos são<br />
soldados desta guerra e sem consciência<br />
disso.<br />
O que é a guerra psicológica? É<br />
um sistema pelo qual, por uma propaganda<br />
hábil, um povo tira do outro<br />
a vontade de lutar e com isso derrota-o<br />
antes de invadir as suas fronteiras.<br />
Como se faz isso?<br />
Faz-se, decerto, tendo um largo<br />
aparelhamento de traidores do próprio<br />
povo que, estipendiados pelo<br />
dinheiro, pela influência e pela esperança<br />
de carreira, por outras circunstâncias,<br />
se prestam a esse jogo.<br />
Desertados pelos Anjos?<br />
De vez em quando se repete entre<br />
nós a frase lindíssima de Judas<br />
Macabeu: “É melhor morrer a viver<br />
numa Terra devastada e sem<br />
honra”(1Mc 3, 59). No que concerne<br />
à moral, esta Terra não poderia estar<br />
mais devastada. É verdade que ela<br />
Judas Macabeu - Capela de Nossa Senhora<br />
da Consolação, Pierrelongue, França<br />
está cheia de arranha-céus, de fontes<br />
de prazer, mas as almas estão arrasadas<br />
e, se é assim, o que fica de pé?<br />
Alguém dirá: “Nas brilhantes lutas<br />
dos Macabeus, lutas corpo a corpo,<br />
palpáveis, visíveis; eles iam com<br />
armas; Judas Macabeu avançava entre<br />
eles como um herói que empolgava<br />
todos os restos de fidelidade da<br />
nação eleita.” Era realmente magnífico.<br />
Mas os Anjos também se faziam<br />
presentes, apareciam sob a forma<br />
de seres humanos: um cavaleiro que<br />
apareceu à frente do exército, revestido<br />
de armas de ouro e combatendo<br />
(Cf. 2 Mc 11, 6-12).<br />
Isso não é possível hoje. Por quê?<br />
Porque uma rajada de metralhadora<br />
liquidaria com Judas Macabeu e com<br />
seus homens. Alguém dirá: “Mas esse<br />
homem era um Anjo!” Nós dizemos:<br />
“Está bem, mas é preciso reconhecer<br />
que entre nós não há Anjos,<br />
estamos desertados deles. Magra<br />
compensação: também estamos desertados<br />
dos demônios.”<br />
Quantos pacifistas há hoje que<br />
sustentam que é melhor entregar o<br />
país ao jugo russo do que enfrentar<br />
um bombardeio atômico. Judas Macabeu<br />
se indignaria e diria: “Homens<br />
sem vergonha e sem fé!”<br />
Manobra psicológica<br />
Isso se prende a uma manobra.<br />
Qual?<br />
Tomemos um povo que é criado<br />
na admiração da glória militar e outro<br />
que é criado no pânico da guerra.<br />
A guerra já não está meio resolvida?<br />
É evidente! Se de um lado reina<br />
o medo e de outro lado a coragem,<br />
eu pergunto: qual é o resultado<br />
da guerra? Não pode haver muita<br />
dúvida.<br />
Essa é a guerra psicológica, pela<br />
qual eles foram, aos poucos, tirando<br />
de todos os brinquedos das crianças,<br />
das antologias onde as crianças estudam,<br />
trechos célebres de História, os<br />
quais, por exemplo no meu tempo,<br />
reproduziam muitas cenas de bata-<br />
17
Reflexões teológicas<br />
Flãvio A.<br />
Eu acho provável que nos livros que<br />
se leem hoje nas escolas não haja essa<br />
narração. Não contam coisas como<br />
essas. A coragem não é glorificada; é<br />
glorificado o medo, a segurança, o desejo<br />
de ter boa saúde, de estar inscrito<br />
na Golden Cross 3 , de ter uma UTI e<br />
quantas outras coisas do gênero.<br />
Esse é o ponto o qual é preciso<br />
não perder de vista: as nações estão<br />
sendo deterioradas.<br />
Presença que gera uma<br />
guerra psicológica<br />
lhas, muitas cenas de coragem e onde<br />
a coragem era posta nos cornos<br />
da lua como elogio; tudo isso foi retirado.<br />
E, em lugar da ideia de coragem,<br />
prevalece a de segurança. Um<br />
tem coragem e avança; outro quer segurança<br />
e se esconde. Quem defende<br />
seu território e quem ganha a guerra?<br />
Isso é um pequeno exemplo, há<br />
quinhentos outros de como uma nação<br />
se embebe de medo, de entrega,<br />
de covardia, de maneira que ela perde<br />
a guerra antes de ser declarada.<br />
Essa é a guerra psicológica.<br />
Da coragem ao securitarismo<br />
Mosteiro da Batalha<br />
Eu me lembro de um fato famoso<br />
da história portuguesa, que era<br />
representado numa antologia, como<br />
matéria para análises lógicas, quando<br />
eu era aluno no Colégio São Luís.<br />
Era uma cena de um engenheiro<br />
cego, de nome Afonso Domingues 1 ,<br />
construtor da abóbada do Mosteiro<br />
da Batalha, comemorativa de uma<br />
vitória obtida por Portugal. Ele tinha<br />
planejado a colocação da pedra de<br />
cúpula, a qual, uma vez mal colocada,<br />
o edifício inteiro ruiria 2 . O rei tinha<br />
medo de tirar os andaimes porque<br />
a cúpula podia cair, e havia uma<br />
coluna que sustentava a cúpula. Ele<br />
era cego, mas era muito bom arquiteto,<br />
tinha conseguido calcular bem<br />
toda a obra. Em certo momento ele<br />
disse ao rei: “Vamos fazer uma coisa:<br />
ponde-me sentado na coluna e tirai<br />
os andaimes. Se cair, cairá em cima<br />
de mim.”<br />
Levaram o cego para lá, ele sentou-se<br />
e ficou esperando, ouvindo o<br />
barulho dos andaimes que iam sendo<br />
retirados. À medida que o número<br />
de andaimes diminuía, o ruído<br />
minguava. De repente acabou o barulho<br />
e ele, sem poder ver o que se<br />
passava, só seria avisado do que havia,<br />
caso alguma pedra caísse em cima<br />
dele. O cego estava tão seguro de<br />
sua obra, que ficou ali calmo durante<br />
todo o tempo. Passado o tempo<br />
de prova, levaram-no embora e houve<br />
uma grande glorificação. Glorificação<br />
do talento? Certamente. Mas<br />
sobretudo de uma qualidade: a coragem.<br />
Ora, em meio a tudo isso, é ou<br />
não é verdade que quando três ou<br />
quatro rapazes da nossa Instituição<br />
saem à rua, por sua castidade e sua<br />
fé, fazem guerra psicológica contrarrevolucionária?<br />
Eles fazem o papel<br />
dos Macabeus que lutam contra os<br />
inimigos da Fé, da Civilização Cristã,<br />
portanto, também contra os inimigos<br />
de suas respectivas pátrias. Porque,<br />
quem ataca a Fé e a Civilização<br />
Cristã ataca todas as pátrias do mundo<br />
ao mesmo tempo.<br />
Em todos os ambientes que frequentemos,<br />
quaisquer que sejam,<br />
encontraremos um certo número de<br />
vezes um fato curioso: assim como<br />
satélites gravitam em torno dos planetas,<br />
assim os ambientes gravitam<br />
em torno de certas pessoas.<br />
Há pessoas que têm certo dom de<br />
se fazerem imitar e há outras pessoas<br />
que têm uma necessidade de imitação<br />
e que, enquanto não encontram<br />
o modelo, tateiam como cegos,<br />
não sabem para onde vão.<br />
Categorias de ambientes<br />
Podemos dividir um ambiente em<br />
quatro categorias: os péssimos, os<br />
muito maus, os maus e depois uma<br />
vaga categoria dos que não são tão<br />
maus e que talvez pudessem ser chamados<br />
bons. Não é muito severa essa<br />
análise, é inspirada na Doutrina<br />
Católica. Mau é aquele que está em<br />
pecado e odeia a Deus; bom é aque-<br />
18
le que está em estado de<br />
graça e O ama. Quantas<br />
pessoas hoje estão em<br />
estado de graça?<br />
Feliz do ambiente onde,<br />
em cada cem haja<br />
um na posse habitual<br />
do estado de graça! Feliz<br />
do ambiente! Bem,<br />
o resto são inimigos de<br />
Deus, formam o mundo.<br />
Esse isolado é um coitado<br />
esvoaçando no ar ou<br />
correndo pelos rodapés<br />
da sala, sem coragem de<br />
se mostrar ou de se impor.<br />
É preciso reconhecer:<br />
como é difícil saber<br />
impor-se num mundo de<br />
maus! Mas, na realidade,<br />
como é raro encontrar<br />
um bom que saiba<br />
se impor!<br />
É certo que, em quase<br />
todos os ambientes, há<br />
alguns que, se encontrassem<br />
um sabendo se impor,<br />
ficariam contentes<br />
e passariam para o lado<br />
do bem. Por que os maus<br />
com tanta frequência têm<br />
esse prestígio e por que os<br />
bons, tão raras vezes?<br />
Essa pergunta é de uma importância<br />
capital, porque isso faz do bom,<br />
muitas vezes, um derrotado nato, por<br />
definição, e faz do mau um vitorioso<br />
nato. Então, a Revolução ganhou e a<br />
Contra-Revolução perdeu!<br />
Como virar essa situação? Quem<br />
responder a isso dirá como Maria<br />
Santíssima pode recuperar o Reino<br />
d’Ela nesta Terra.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Por que os maus se impõem<br />
Quais são as causas pelas quais os<br />
maus se impõem tanto? Em primeiro<br />
lugar, eles sempre mandam no<br />
sentido do gostoso. O mal é gostoso.<br />
Se eu chegar e urrar como um tirano,<br />
eu sozinho, para mil homens:<br />
“Ide para lá, porque encontrareis<br />
Membros da Instituição de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> coletando<br />
assinaturas para um manifesto em 1968<br />
o prazer!”, eu serei obedecido por<br />
eles. É fácil me impor nessas condições.<br />
Mas, se eu disser: “Ide para lá,<br />
que encontrareis a mortificação, a<br />
penitência, as tentações, mas no fim<br />
encontrareis o Céu”, haverá muitos<br />
que digam: “No fim? Esse fim está<br />
tão longe! Deixe-me caminhar rumo<br />
ao Inferno até a última hora em que<br />
eu me arrependa e vá para o Céu.”<br />
Em segundo lugar, toda a propaganda<br />
está montada de maneira a<br />
encaminhar para o mal, e é difícil ao<br />
homem agir contra ela. Tudo no ambiente<br />
moderno convida para o mal,<br />
é uma coisa colossal. Pensem só na<br />
televisão, no rádio, nos jornais. É ou<br />
não é verdade que muitas vezes essa<br />
influência dos maus é tão grande<br />
que chega a tocar o misterioso?<br />
De outro lado, às vezes<br />
vemos um bom tão<br />
forte que a pergunta<br />
se impõe: na força desse<br />
senhor – ou dessa senhora<br />
–, não haverá algo<br />
mais do que as meras<br />
forças naturais? Como<br />
na força dos maus não<br />
há algo a mais também?<br />
Macabeus que<br />
avançam pela<br />
História<br />
Então, a questão não é<br />
estar acompanhado dessa<br />
força misteriosa, que dá<br />
aos maus tanto domínio,<br />
mas que pode dá-lo aos<br />
bons quando eles a têm<br />
também?<br />
Se os Anjos eram<br />
mandados para ajudar o<br />
povo eleito, qual é o povo<br />
eleito hoje em dia?<br />
Ainda existe? Sim! São<br />
os filhos da Igreja Católica,<br />
somos todos nós!<br />
Povo eleito são todos<br />
aqueles que são verdadeiramente<br />
católicos, apostólicos,<br />
romanos.<br />
A Igreja Católica está numa situação<br />
tão triste em nossos dias que eu<br />
não sei se não é pior do que no tempo<br />
dos Macabeus. Quem é a coluna<br />
dos Macabeus que vai avançando<br />
pela História? São ou não os guerreiros<br />
da Virgem?<br />
Existem demônios dos ares para<br />
atormentar os homens e os levar<br />
ao Inferno; se eles existem, que meio<br />
usar para resistir senão contar que os<br />
Anjos baixem?<br />
Pode ser que sejamos uns moloides,<br />
mas, com o auxílio dos Anjos sobre os<br />
quais manda Nossa Senhora, Regina<br />
Angelorum – Rainha dos Anjos –, eles<br />
nos dão força e vamos para frente.<br />
19
Reflexões teológicas<br />
Há uma coisa que nós devemos<br />
pedir: sempre que estivermos em<br />
presença de maus, dominadores, que<br />
formam os ambientes e arrastam as<br />
almas, nós devemos rezar a Nossa<br />
Senhora para expulsar os demônios<br />
e mandar os Anjos.<br />
Alguém dirá: “Mas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
o senhor não reconheceu há pouco<br />
que, às vezes, essa ação não é feita<br />
pelo demônio?” É claro. Mas, como<br />
eu não sei se é feita ou não naquele<br />
caso concreto, por via das dúvidas,<br />
rezo para expulsar.<br />
Imaginemos que alguém me dissesse:<br />
“Talvez haja um homem com<br />
uma bomba ali, atrás daquela porta<br />
entreaberta, para jogá-la.” Eu não<br />
diria o seguinte: “Bom,<br />
como é incerto, não vou<br />
chamar a polícia.” É<br />
uma loucura! Como é<br />
incerto, chamo a polícia.<br />
Porque, se não é certo, é<br />
duvidoso; se é duvidoso,<br />
vamos providenciar.<br />
Nessa luta, pedir<br />
o auxílio da<br />
Rainha dos Anjos<br />
Então, cada homem,<br />
cada pessoa hoje, se não<br />
vive no estado habitual<br />
de graça, é incerto se<br />
tem ou não tem o demônio<br />
consigo. Não é razoável,<br />
quando alguém<br />
nos aborda, dizer: “Rainha<br />
dos Anjos e Terror<br />
dos demônios, acertai<br />
esta situação, mandai<br />
um Anjo, expulsai esses<br />
demônios que possa haver<br />
aí”? Recebe amável<br />
o outro, mas amabilidade<br />
de garras, como nosso<br />
leão. É magnífico!<br />
Alguém dirá: “Mas,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, é só com os<br />
outros? Não tem coisas<br />
comigo também?”<br />
Eu digo: Tem, porque se tem com<br />
os outros, tem conosco. Se o demônio<br />
tenta o homem ruim e entra nele, ele<br />
tenta o homem bom para entrar nele<br />
também. E quando o homem bom<br />
cai, o demônio pode entrar nele, ficando<br />
sob o domínio do demônio.<br />
Então, alguém que está tentado não<br />
deve pedir a Nossa Senhora que mande<br />
embora o demônio?<br />
O que devo fazer? Prestar atenção<br />
e, nos movimentos de alma ruins<br />
que sentimos, pedir a Nossa Senhora:<br />
“Ó minha Mãe, expulsai este demônio!<br />
Ó meu Santo Anjo da Guarda,<br />
afastai de mim o demônio que<br />
provavelmente está aqui!” Lutando<br />
contra o demônio, nós fazemos a<br />
Abraão com os três Anjos - Basílica de Santa Maria de Manresa, Espanha<br />
mais prodigiosa das guerras psicológicas<br />
contrarrevolucionárias.<br />
Eu proponho o seguinte: uma devoção<br />
especial a Nossa Senhora enquanto<br />
Rainha dos Anjos; procuremos,<br />
portanto, aprofundarmo-nos sobre<br />
os Anjos, sua natureza, sua finalidade,<br />
seu número.<br />
Considerações de São<br />
Tomás sobre os Anjos<br />
São Tomás de Aquino afirma que<br />
os Anjos são muito mais numerosos<br />
do que o número total de criaturas<br />
que Deus criou desde o começo até o<br />
fim do mundo 4 . Com isso temos uma<br />
ideia do que são os Anjos, quantos são<br />
e quanto nós devemos<br />
pedir o auxílio deles, que<br />
estão no Céu à espera de<br />
nossos chamados.<br />
Outra afirmação muito<br />
curiosa se refere aos<br />
Anjos que fazem as psicopompas<br />
5 . Para todo<br />
homem que morre,<br />
quando vai para o Céu<br />
ou para o Inferno, há<br />
Anjos especiais para os<br />
conduzir. Provavelmente<br />
são Anjos que assistem<br />
o homem na hora<br />
da morte, travam com<br />
ele a batalha contra o<br />
demônio e depois levam<br />
a alma dele para o Céu.<br />
Ouviram falar dos<br />
“Anjos ferreiros” (cf. Zc<br />
2, 3-4)? Alguém pode dar<br />
um sorrisinho “superior”<br />
e dizer: “Ah, eu não acredito<br />
nessas coisas, não tenho<br />
nenhuma certeza!”<br />
Eu tenho vontade de dizer:<br />
“Meu pobre coitado,<br />
você não acredita nessas<br />
coisas? É um espírito<br />
realmente superior.<br />
Dá um sorrisinho cômodo,<br />
não é? Mas você não<br />
compreende que aquilo<br />
Flávio Lourenço<br />
20
Flávio Lourenço<br />
que homens aclamados na Igreja por<br />
seu saber e por sua virtude estudaram<br />
e acharam, pode não estar certo; tolice<br />
não é. E seu sorrisinho não merece.<br />
Analise-se para saber se seu sorrisinho<br />
fácil e indolente não é provocado por<br />
um anjo do negrume. E, meu filho, faça<br />
uma jaculatória: ‘Minha Mãe, mande<br />
embora esse demônio e mande vários<br />
Anjos me ajudarem.’”<br />
Alegria angélica da inocência<br />
Eu comecei a notar essas ações<br />
angélicas na minha primeira infância,<br />
a partir dos seis, sete ou oito<br />
anos. Senti, com consonância e alegria,<br />
na união com outras crianças<br />
boas, puras, ou com pessoas mais<br />
idosas cuja virtude eu notava. Consonância<br />
e alegria das quais há alusão<br />
na Oração da Restauração.<br />
A partir daí também existiram<br />
uma consonância e uma alegria com<br />
os espíritos angélicos, com a ideia<br />
dos Santos, dos Céus povoados de<br />
Santos benignos, de Anjos favoráveis<br />
que podem embalar uma criança<br />
na hora de dormir.<br />
Depois dessa idade,<br />
aquilo foi se concretizando:<br />
“Em tal ocasião, eu<br />
senti algo especialmente<br />
bom; depois, em tal outra<br />
ocasião, senti outra<br />
coisa. Quando eu me encontro<br />
com tal pessoa, eu<br />
sinto algo; com tal outra<br />
eu não sinto; com tal outra<br />
eu sinto o contrário.”<br />
O choque com a Revolução<br />
se deu lá pelos<br />
dez anos, mais ou menos,<br />
aí se deu o embate; todo<br />
o panorama se encheu<br />
de Anjos, de demônios.<br />
A Oração da Restauração<br />
revela a história de<br />
todas as almas que passaram<br />
por isso. Saíram<br />
inocentes do batistério e<br />
mantiveram inocentes os<br />
seus primeiros passos na<br />
vida. Depois, com quantas e quantíssimas<br />
almas acontece que perderam<br />
a inocência numa profundidade<br />
maior ou menor.<br />
A Oração da Restauração<br />
se refere, portanto,<br />
ao paraíso que era<br />
a comunicação com Nossa<br />
Senhora que tinha no<br />
período de sua inocência.<br />
Há poesias completamente<br />
laicas que tentam<br />
exprimir isso: “Ai<br />
que saudades que tenho<br />
da aurora da minha vida,<br />
da minha infância querida<br />
que os anos não trazem<br />
mais” 6 , que exprimem<br />
bem uma certa alegria<br />
da inocência em viver,<br />
em ver tudo com as<br />
luzes com que a inocência<br />
vê as coisas. E, em<br />
função dessa alegria da<br />
inocência, eu compreendi<br />
o maravilhoso no qual<br />
vivia, que não há coisa<br />
do mundo que substitua.<br />
Nesta alegria estão os Anjos: é a<br />
alegria da inocência, alegria da infância,<br />
que nada pode exprimir bem.<br />
Felizes os que não a tenham perdido!<br />
Felizes também os que a recuperaram!<br />
Mais felizes os que subirem<br />
ao Céu com ela!<br />
v<br />
(Extraído de conferências de<br />
15/3/1986 e 14/3/1995)<br />
1) Arquiteto português (*1330 - †1401).<br />
2) Fato narrado por Alexandre Herculano<br />
no conto A abóbada, na obra Lendas<br />
e Narrativas.<br />
3) Plano de saúde.<br />
4) Cf. Suma Teológica I, q. 50, a.3.<br />
5) Psicopompo: termo grego que significa<br />
guia das almas. Na mitologia são criaturas,<br />
espíritos, anjos ou divindades cuja<br />
responsabilidade é escoltar as almas recém-falecidas<br />
da Terra para seu respectivo<br />
lugar após a morte. Este termo foi<br />
também adotado no cristianismo.<br />
6) Trecho da poesia Meus oito anos, de<br />
Casimiro de Abreu.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1986<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
21
C<br />
alendário<br />
1. XXII Domingo do Tempo Comum.<br />
Beata Juliana de Collalto, abadessa<br />
(†1262). Ingressou num mosteiro<br />
beneditino aos dez anos de idade.<br />
Mais tarde tornou-se abadessa do<br />
mosteiro de Veneza, o qual regeu santamente<br />
até o fim de sua vida.<br />
2. Beato Esíquio José (Baldomero<br />
Margenat Puigmitjá), mártir (†1936).<br />
Religioso da Congregação dos Irmãos<br />
das Escolas Cristãs, assassinado por<br />
ódio à vida religiosa durante a perseguição<br />
contra a Igreja, em Orriols, na<br />
Catalunha, Espanha.<br />
3. São Gregório Magno, papa e<br />
Doutor da Igreja (†604).<br />
Beatos Bartolomeu Gutierrez, presbítero,<br />
e cinco companheiros, mártires<br />
(†1632). Em Nagasaki, Japão, por ódio<br />
à fé cristã. Foram imersos em águas<br />
sulfúreas ferventes e depois lançados<br />
ao fogo.<br />
4. São Fredaldo, bispo e mártir<br />
(†s. IX). Governou a diocese de Mende,<br />
na França.<br />
5. Santos Pedro Nguyen Van Tu,<br />
presbítero dominicano, e José Huang<br />
Luong Canh, médico (†1838). Foram<br />
degolados em Nihn Tai, cidade do<br />
Tonquim, atual Vietnã.<br />
6. São Leto, bispo e mártir (†s. V).<br />
Comemorado junto com os santos confessores<br />
Donaciano, Presídio, Mansueto,<br />
Germano e Fúsculo, bispos na África<br />
Setentrional, os quais, por sua integridade<br />
e firmeza na Fé, foram espancados<br />
e depois exilados por ordem do<br />
Rei Hunerico, a fim de não participarem<br />
do debate entre católicos e arianos<br />
sobre a consubstancialidade do Filho<br />
com o Pai. São Leto, Bispo de Nepta,<br />
depois de um longo cativeiro, foi o único<br />
a ser martirizado em defesa da verdadeira<br />
doutrina. Foi queimado vivo.<br />
7. Santa Regina, mártir (†data<br />
inc.). Segundo a tradição, seu pai,<br />
dos Santos – ––––––<br />
não conseguindo apartá-la da religião<br />
cristã, mandou decapitá-la, em Alésia,<br />
na Gália, região que atualmente<br />
leva seu nome, Alise-Sainte-Reine.<br />
8. XXIII Domingo do Tempo Comum.<br />
Natividade de Nossa Senhora.<br />
Beato Ladislau Bladzinski, presbítero<br />
e mártir (†1944). Membro da<br />
Congregação de São Miguel, foi preso<br />
pelos nazistas e deportado da Polônia,<br />
sua pátria, para trabalhos forçados em<br />
pedreiras, em Gross-Rosen, localidade<br />
da Alemanha, onde foi assassinado.<br />
9. São Pedro Claver, presbítero<br />
(†1654).<br />
Beata Maria de la Cabeza (Maria<br />
Toríbia) (†s. XII). Esposa de Santo<br />
Isidro Lavrador, compartilhou a vida<br />
de religiosidade e boas obras de seu<br />
esposo.<br />
10. Santo Ambrósio Eduardo Barlow,<br />
presbítero e mártir (†1641). Pertencia<br />
à Ordem de São Bento. Durante<br />
vinte e quatro anos confirmou na<br />
Fé e na piedade os católicos da região<br />
de Lencastre. Preso quando pregava,<br />
foi depois enforcado no patíbulo de<br />
Tyburn, em Londres.<br />
Beatos Sebastião Kimura, Francisco<br />
Morales, presbíteros, e cinquenta<br />
companheiros mártires (†1622). Sebastião<br />
Kimura pertencia à Companhia<br />
de Jesus e Francisco, à Ordem<br />
dos Pregadores. Foram martirizados<br />
com diversos outros religiosos e civis,<br />
em Nagasaki, Japão.<br />
11. São Pafúncio, bispo (†s. IV).<br />
Bispo no Egito, no tempo do imperador<br />
Galério Maximino. Foi um dos<br />
confessores da Fé; participou no Concílio<br />
de Niceia, onde defendeu com<br />
vigor a Fé católica contra os arianos.<br />
Depois de lhe ser vazado o olho direito<br />
e cortado o tendão do pé esquerdo,<br />
foi condenado às minas.<br />
12. Santíssimo Nome de Maria.<br />
Beato Pedro Sulpício Cristóvão Faverge,<br />
mártir (†1794). Irmão Lassalista<br />
encarcerado durante a Revolução<br />
Francesa por ser religioso; dedicou<br />
todos os seus cuidados aos companheiros<br />
de prisão. Atingido por uma<br />
enfermidade contagiosa, morreu piedosamente<br />
no barco-prisão ancorado<br />
ao largo de Rochefort.<br />
13. São João Crisóstomo, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†407).<br />
Santo Emiliano, bispo (†374). Venerado<br />
como o primeiro bispo de Valence,<br />
na Gália Lionense, atual França.<br />
14. Exaltação da Santa Cruz.<br />
Santo Alberto, bispo (†1215). Transferido<br />
da Igreja de Vercelas para a<br />
Igreja de Jerusalém, compôs uma regra<br />
para os eremitas do Monte Carmelo.<br />
Enquanto celebrava a festa da Exaltação<br />
da Santa Cruz, foi morto à espada<br />
por um homem ímpio, rancoroso<br />
por ter sido repreendido.<br />
15. XXIV Domingo do Tempo Comum.<br />
Nossa Senhora das Dores.<br />
16. São Cornélio, papa (†253), e<br />
São Cipriano, bispo (†258), mártires.<br />
Santo Eleázaro de Sabran<br />
(27 de setembro)<br />
Flávio Lourenço<br />
22
––––––––––––––– * Setembro * ––––<br />
Flávio Lourenço<br />
Santa Ricarda<br />
(18 de setembro)<br />
Santa Edite, virgem (†c. 984). Filha<br />
do rei dos anglos, educada desde tenra<br />
idade no mosteiro de Wilton, abraçou<br />
com humildade a vida consagrada<br />
e negou-se a ser abadessa. Repleta de<br />
virtudes, faleceu com 23 anos de idade.<br />
17. São Roberto Belarmino, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†1621).<br />
Santa Hildegarda de Bingen, virgem<br />
e Doutora da Igreja (†1179). Célebre<br />
por sua sabedoria nas ciências naturais,<br />
na medicina e na arte musical, bem como<br />
na contemplação mística.<br />
18. Santa Ricarda, imperatriz<br />
(†895). Filha do conde de Alsácia, foi<br />
imperatriz do Sacro Império Romano<br />
Germânico e oriental como esposa de<br />
Carlos III. Beneficiou muitos mosteiros<br />
e, com seus bens patrimoniais, fundou a<br />
Abadia de Andlau, à qual, depois do falecimento<br />
do seu esposo, se retirou, dedicando-se<br />
à piedade e às boas obras.<br />
19. São Januário, bispo e mártir<br />
(†s. IV).<br />
Santo Eustóquio, bispo (†461). Procedendo<br />
da ordem senatorial, foi um<br />
homem santo e religioso e sucedeu a<br />
São Brício na sede episcopal de Tours.<br />
20. Santo André Kim Tae-gon, presbítero,<br />
Paulo Chong Ha-sang e companheiros,<br />
mártires (†1839-1867).<br />
Beato Francisco de Posadas, presbítero<br />
(†1713). Dominicano, insigne por<br />
sua vida de penitência, humildade e caridade,<br />
durante quarenta anos anunciou<br />
Cristo, em Córdova, Espanha.<br />
21. São Mateus, Apóstolo e Evangelista<br />
(†s. I).<br />
São Quadrato, apologista (†s. II).<br />
Foi discípulo dos Apóstolos. Na perseguição<br />
do imperador Adriano, na região<br />
da Grécia, congregou com fé intrépida<br />
e zelo pastoral os católicos dispersos.<br />
Apresentou uma apologia, na<br />
qual defendia com ortodoxia a doutrina<br />
apostólica.<br />
22. XXV Domingo do Tempo Comum.<br />
São Silvano, eremita (†c. s. V).<br />
23. São Pio de Pietrelcina, presbítero<br />
(†1968). Pertenceu à Ordem dos<br />
Frades Menores e dedicou-se incansavelmente<br />
à direção espiritual de todos<br />
aqueles que lhe pediam auxílio. Foi<br />
agraciado com os estigmas e muito perseguido<br />
devido a seus dons místicos.<br />
Beatos Cristóvão, Antônio e João,<br />
mártires (†1527-1529). No tempo da<br />
primeira evangelização da América,<br />
aderiram com ardor à Fé cristã e, devido<br />
a seu zelo e fervor, foram espancados<br />
até a morte pelos seus concidadãos<br />
pagãos, em Tlaxcala, no México.<br />
24. Santo Anatólio, bispo (†s. II).<br />
Considerado como primeiro bispo de<br />
Milão.<br />
São Gerardo Sagredo, bispo e mártir<br />
(†1046). Governou a diocese de<br />
Csanad e foi preceptor de Santo Emerico,<br />
príncipe adolescente, filho do Rei<br />
Santo Estêvão da Hungria; morreu<br />
apedrejado junto ao rio Danúbio numa<br />
sedição de húngaros pagãos.<br />
25. São Cléofas, discípulo (†s. I).<br />
Um dos dois discípulos que Nosso<br />
Senhor encontrou na estrada para<br />
Emaús e que O reconheceu ao partir<br />
do pão.<br />
Santo Ermenfredo, abade (†c. 670).<br />
26. Santo Eusébio de Bolonha, bispo<br />
(†s. IV). Manteve firme amizade<br />
com Santo Ambrósio, com o qual defendeu<br />
a Fé católica contra os arianos;<br />
também se empenhou em promover<br />
entre as jovens o valor da virgindade.<br />
27. São Vicente de Paulo, presbítero<br />
(†1660). Fundador da Congregação da<br />
Missão, comumente denominados Padres<br />
Lazaristas, e, com a colaboração<br />
de Santa Luísa de Marillac, da Congregação<br />
das Filhas da Caridade.<br />
Santo Eleázaro (ou Eleázar) de Sabran<br />
(†1323). Conde de Ariano, contraiu<br />
matrimônio com a Beata Delfina<br />
de Glandeves, com a qual guardou<br />
continência; ambos ingressaram<br />
na Ordem Terceira Franciscana. Faleceu<br />
muito jovem, suscitando admiração<br />
por suas evidentes virtudes.<br />
28. Santo Anemundo, bispo e mártir<br />
(†c. 658). Educado na corte do rei<br />
Dagoberto, foi eleito bispo de Lião,<br />
realizando um notável labor pastoral.<br />
Foi assassinado por ordem de Ebroíno,<br />
em Châlon-sur-Saône.<br />
29. XXVI Domingo do Tempo Comum.<br />
Arcanjos São Miguel, São Gabriel<br />
e São Rafael. Celebram-se os três Arcanjos<br />
cujas missões singulares são reveladas<br />
na Sagrada Escritura e que,<br />
servindo a Deus dia e noite e contemplando<br />
o seu rosto, incessantemente<br />
O glorificam.<br />
30. São Jerônimo, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†420).<br />
Santa Eusébia, virgem (†c. 497).<br />
Venerada em Marselha, na França.<br />
Desde a sua juventude até a velhice<br />
serviu a Deus com insigne fidelidade.<br />
23
Hagiografia<br />
Flávio Lourenço<br />
“Martelo”<br />
contra a heresia<br />
protestante<br />
São Roberto Belarmino<br />
Igreja de Santo<br />
Inácio, Roma<br />
São Roberto Belarmino foi um Santo onímodo,<br />
recebendo de Deus a tríplice vocação de ensinar<br />
os fiéis, de orientar a piedade das almas sendo<br />
diretor espiritual exímio e de confundir os<br />
heréticos protestantes de sua época. Foi um<br />
homem de autêntica ação contrarrevolucionária,<br />
uma fortaleza que combateu pela Santa<br />
Igreja Católica em todas as direções.<br />
Temos aqui dados sobre São<br />
Roberto Belarmino, bispo,<br />
confessor e Doutor da<br />
Igreja, tirados da Vida dos Santos do<br />
Pe. Rohrbacher 1 , do L’Année Liturgique<br />
de Dom Guéranger e de Schamoni,<br />
O verdadeiro rosto dos Santos 2 .<br />
Santo com uma<br />
tríplice vocação<br />
Desde as origens da Igreja até nossos<br />
dias, jamais a Providência deixou<br />
de suscitar homens ilustríssimos pela<br />
ciência e santidade, pelos quais foram<br />
conservadas e interpretadas as verdades<br />
da Fé Católica e refutados os ataques<br />
com os quais os heréticos refutavam<br />
essas mesmas verdades.<br />
Entre tais homens brilha São Roberto<br />
Belarmino, tão célebre pelo seu ensino<br />
e suas obras polêmicas, como por<br />
seu zelo pela reforma da Igreja e por suas<br />
virtudes. De fato, parece que o Santo<br />
cardeal recebeu de Deus a tríplice<br />
vocação de ensinar os fiéis, de orientar<br />
a piedade das almas e de confundir<br />
os heréticos protestantes de sua época,<br />
que era o século XVI, o século da plena<br />
efervescência do protestantismo.<br />
A vida de São Roberto Belarmino<br />
nos oferece um espetáculo diferente<br />
das dos Santos de hoje e de seu tempo.<br />
O modo de este Santo atuar é diferente<br />
dos Santos de duzentos anos antes<br />
dele, porque ele é, ao mesmo tempo,<br />
um misto de pastor de almas, de homem<br />
de ação e de teólogo, consagrando<br />
toda a sua vida a uma luta contra<br />
um adversário que tomou uma consistência<br />
e um porte que nenhuma das<br />
heresias anteriores havia tomado.<br />
Se os Santos anteriores lutaram<br />
contra heresias, poucos foram os que<br />
consagraram toda a sua vida à luta<br />
exclusiva contra uma heresia.<br />
Nascido a 4 de outubro de 1542, em<br />
Montepulciano, Toscana, de uma fina<br />
família de alta nobreza, Roberto Belarmino<br />
ingressou em 1560 na Companhia<br />
de Jesus. Foi decisiva para sua<br />
atividade científica posterior que a Ordem<br />
o enviasse a Louvain, em 1569,<br />
para que realizasse estudos na famosa<br />
Universidade, então um dos principais<br />
bastiões contra o protestantismo.<br />
Entre 1570 e 1576, Belarmino aí<br />
pregou com grande êxito como professor<br />
de Controvérsia Teológica.<br />
Gregório XIII o chamou, então,<br />
para Roma, quando já se havia convertido<br />
numa grande figura europeia,<br />
para que tomasse a seu cargo os alu-<br />
24
nos que frequentavam os colégios alemães<br />
e ingleses, preparando-os para<br />
as batalhas espirituais que deveriam<br />
enfrentar em seus respectivos países.<br />
A Santa Sé deu-lhe apoio para<br />
formar, em Roma, os seminaristas<br />
dos países protestantes muitas vezes<br />
fugidos para a Cidade Eterna,<br />
onde iam estudar para serem sacerdotes,<br />
a fim de depois voltarem<br />
ao local do protestantismo e<br />
ali desenvolverem seu apostolado.<br />
Ele os formou, deu a eles livros<br />
de sua autoria para refutar o protestantismo,<br />
e é um dos Santos aos<br />
quais se deve este fato importantíssimo,<br />
que é a preservação da Áustria<br />
da gangrena protestante e a recuperação<br />
de mais ou menos um terço da<br />
Alemanha para a Religião Católica.<br />
O que isto representou para o futuro<br />
da Igreja foi algo fabuloso, porque<br />
todo o curso da História teria<br />
mudado se São Roberto Belarmino<br />
e outros Santos não tivessem obtido<br />
essa recuperação da Alemanha.<br />
Herói na luta contra<br />
o Protestantismo<br />
Papa Gregório XIII<br />
Possuía uma grande inteligência,<br />
graças à qual lhe era possível ordenar<br />
e dominar o imponente número<br />
de matérias que cultivava. Uma<br />
memória tal que lhe permitia reter<br />
tudo quanto havia lido numa só<br />
vez. Um conhecimento dos Padres<br />
da Igreja e dos teólogos mais famosos<br />
que despertava um verdadeiro<br />
assombro. Um domínio dos vários<br />
idiomas e um estilo ameno e fluído.<br />
Tudo isto, capacitando o Santo<br />
para empreender as obras mais brilhantes.<br />
O Geral da sua Ordem, que viu em<br />
Belarmino o seu sucessor, colocou-o à<br />
frente das tarefas administrativas com<br />
a finalidade de dar algum descanso ao<br />
Santo, que sentia terríveis dores de<br />
cabeça.<br />
Clemente VII o nomeou cardeal.<br />
Disse o Papa na ocasião: “Nós o<br />
nomeamos cardeal porque ninguém<br />
na Igreja de Deus se iguala em saber,<br />
e por ser sobrinho de Marcelo II.”<br />
Em 1602, entretanto, o mesmo<br />
Papa o designou Arcebispo de<br />
Cápua. Em 1605, Paulo V voltou a<br />
chamá-lo para Roma.<br />
São Roberto Belarmino fez outras<br />
coisas que não a luta contra o protestantismo.<br />
Mas a nota fundamental<br />
de sua vida foi a de ser um grande<br />
herói na luta contra essa heresia.<br />
Ele foi herói em dois sentidos da<br />
palavra: em primeiro lugar, porque<br />
a Providência lhe deu qualidades intelectuais<br />
extraordinárias para pôr a<br />
serviço de sua missão de polemista.<br />
Qualidades intelectuais que não só<br />
lhe facilitavam a polêmica, mas lhe<br />
davam muito prestígio, numa época<br />
em que, para ter glória, valia a pena<br />
ser inteligente. Hoje não é necessário<br />
ter cultura ou inteligência, mas é<br />
preciso ser demagogo, vulgar.<br />
Chensiyuan (CC3.0)<br />
Lavinia Fontana (CC3.0)<br />
Vista de Montepulciano, cidade natal de São Roberto Belarmino, Itália<br />
25
Hagiografia<br />
Luigi Santoro(CC3.0)<br />
que nos perdeu.” Sua leitura foi proibida<br />
na Inglaterra pela Rainha Isabel<br />
I a quem não fosse doutor em Teologia,<br />
sob pena de morte, tal o número<br />
de conversões que operava.<br />
Não se satisfazendo em convencer<br />
os hereges de seu erro, queria também<br />
prevenir os simples fiéis contra a propaganda<br />
dos hereges e, para este fim,<br />
compôs seu notável e pequeno catecismo,<br />
que fazia questão de ensinar, ele<br />
mesmo, às crianças e às pessoas simples,<br />
por mais importantes que pudessem<br />
ser suas ocupações. Tal catecismo<br />
ainda hoje se utiliza na Itália e foi traduzido<br />
em sessenta idiomas.<br />
Vamos considerá-lo enquanto homem<br />
que luta contra as heresias. São<br />
Roberto Belarmino era uma pessoa<br />
chamada, elogiosamente, pelo Papa<br />
Bento XV, “o martelo dos hereges”,<br />
alcunha que a Igreja tem dado a alguns<br />
grandes Santos, os quais produziram<br />
contra a heresia danos muito<br />
particulares.<br />
Como “martelo dos hereges”, escreveu<br />
uma porção de livros demonstrando<br />
a verdade e atacando com dureza<br />
os hereges. Esses duros ataques<br />
converteram muitos deles. Primeiro<br />
testemunho disso é o de Teodoro de<br />
Beza, protestante máximo e sucessor<br />
de Calvino; foi o famoso protestante<br />
com quem São Francisco de Sales teve<br />
sua célebre discussão. Depois também<br />
o pânico de Isabel, a não-católica,<br />
a horrenda, a tal ponto que quem<br />
não fosse doutor em Teologia seria<br />
morto se lesse o livro dele, tal o número<br />
de conversões que operava.<br />
Não basta ensinar o bem, é<br />
preciso também atacar o mal<br />
Colégio Romano, escola fundada pelo Papa Gregório XIII onde São Roberto Belarmino lecionou<br />
Por outro lado, ele tinha todos esses<br />
dons para que sua obra fosse profunda<br />
e certeira. Com efeito, as devastações<br />
que ele fez contra o protestantismo<br />
foram tremendas, especialmente<br />
nos países já protestantes.<br />
Recebeu o título elogioso<br />
de “martelo da heresia”<br />
Foi grande como pregador, professor e<br />
polemista, tendo recebido de Bento XV o<br />
título de “martelo da heresia”. Escreveu<br />
muito e sobre o valor de seus livros nada<br />
é mais necessário do que transcrever<br />
o que deles dizia São Francisco de Sales,<br />
seu contemporâneo e amigo: “Preguei<br />
em Chablais durante cinco anos sem outros<br />
livros que a Bíblia e as obras de São<br />
Roberto Belarmino.”<br />
Sua obra mais famosa é Controvérsias,<br />
compilação de suas aulas dadas<br />
no Colégio Romano. Nelas, recolhendo<br />
o testemunho dos Padres, dos<br />
Concílios e do Direito da Igreja, defende<br />
vitoriosamente os dogmas atacados<br />
pelos luteranos. Clara, equilibrada,<br />
enérgica, esta obra é tão magistral<br />
que muitos consideram nunca ter<br />
sido superada nos séculos posteriores.<br />
Na época de sua publicação, provocou<br />
tanta satisfação no campo católico,<br />
quanto cólera no campo adversário,<br />
onde o protestante Teodoro de Beza<br />
dizia, referindo-se a ela: “Eis o livro<br />
São Roberto Belarmino entendeu<br />
que não se pode destruir a heresia<br />
apenas ensinando a verdade, mas<br />
é preciso também atacar o erro. Além<br />
de propugnar o bem, é preciso atacar<br />
o mal. Ele entendeu que por essa forma<br />
se operavam conversões e, portanto,<br />
se trabalhava pela união da Igreja.<br />
Ele foi canonizado, ou seja, agiu<br />
de acordo com as quatro virtudes<br />
cardeais: a justiça, a prudência, a<br />
temperança e a fortaleza. Ora, se o<br />
método dele fosse errado, ele não teria<br />
sido justo, porque teria feito ataques<br />
inúteis; ele não teria sido prudente<br />
porque teria adotado uma tática<br />
que chegava ao resultado oposto<br />
àquela que ele devia seguir; ele<br />
não teria sido forte porque não teria<br />
sabido dominar o seu desejo de atacar<br />
os adversários; ele não teria sido<br />
temperante pela mesma razão.<br />
A vida dele é uma prova viva do<br />
princípio de que não basta ensinar o<br />
bem e a verdade, mas se deve atacar o<br />
mal e o erro, e isso é o eficiente. Quem<br />
quiser trabalhar pela conversão das<br />
igrejas à Igreja Católica, trabalhará de<br />
um modo sumamente eficaz se fizer a<br />
mesma coisa; e se houvesse em nossa<br />
época cem São Robertos Belarminos<br />
fazendo obras tão eficazes quanto<br />
as dele, poderia decerto converter a<br />
maior parte dos hereges.<br />
Isso serve para nós nos defendermos<br />
do erro espalhado com tanta<br />
frequência de que toda polêmica e<br />
todo ataque ao adversário é prejudicial<br />
à união das igrejas, e de que toda<br />
a obra de apostolado só consiste em<br />
elogiar e em aplaudir, nunca em atacar,<br />
porque atacar é inútil e até contraproducente,<br />
pois afasta as pesso-<br />
26
as. Esse argumento pode ser usado<br />
de boca cheia, porque aqui está um<br />
Santo de altar cuja vida não foi outra<br />
coisa senão ininterruptamente isso.<br />
Delicadíssimo<br />
burilador de almas<br />
É preciso dar mais um dado empolgante<br />
de sua vida que aqui não está<br />
mencionado: São Roberto Belarmino<br />
foi um grande diretor de consciências.<br />
Coube-lhe a glória de ser o<br />
confessor e o diretor espiritual de São<br />
Luís Gonzaga, a alma virginal, delicadíssima<br />
que deveria servir de modelo<br />
às cortes e às várias classes sociais da<br />
Europa que, mais do que nunca, estava<br />
afundada na impureza.<br />
Vejam a beleza dos contrastes harmônicos<br />
dentro da Igreja. Um tal campeão<br />
contra a heresia, um tal campeão<br />
da ortodoxia, ao mesmo tempo que era<br />
um grande lutador, era um burilador de<br />
almas delicadíssimo. A alma tão varonil,<br />
mas tão delicada de São Luís Gonzaga<br />
– difícil de compreender –, como<br />
ele soube orientar e como ele fez dessa<br />
alma uma verdadeira obra-prima de<br />
santidade! Por que difícil de compreender?<br />
Era tal a virtude de São Luís Gonzaga<br />
que, naqueles tempos áureos da<br />
Companhia de Jesus, os biógrafos contam<br />
que alguns achavam que a pureza<br />
dele era a de um desequilibrado, quando<br />
era a de um Santo.<br />
São Roberto Belarmino, com um<br />
olhar de verdadeiro Santo, soube ver<br />
até o fim o valor dessa alma, dirigiu-<br />
-a de acordo com sua própria via. De<br />
suas mãos saiu essa obra-prima que<br />
é a alma de São Luís Gonzaga, levando-a<br />
até a honra dos altares, depondo<br />
até em seu processo de canonização.<br />
Só isso bastaria para encher<br />
a vida de um homem.<br />
Santo onímodo e grande<br />
contrarrevolucionário<br />
São Luís Gonzaga - Paróquia<br />
Thannenkirch, Alsácia<br />
que sua Ordem tinha em Roma, com<br />
a ideia de preparar-se para bem morrer.<br />
Além de outras famosas publicações<br />
e de uma numerosíssima correspondência,<br />
escreveu, no fim de sua<br />
vida, notas espirituais, frutos de suas<br />
meditações e de seus retiros, que foram<br />
cinco pequenos tratados ascéticos,<br />
reveladores da beleza da alma do<br />
autor. Sua última produção foi, simbolicamente,<br />
A arte de bem morrer.<br />
Vemos nele, então, uma grande figura,<br />
que nos mostra como a Igreja<br />
conseguiu pôr diques ao protestantismo<br />
e até fazê-lo recuar em uma<br />
parte, porque, hélas, as correntes<br />
Samuel Hollanda<br />
protestantes ainda vivem. A vida de<br />
São Roberto Belarmino é também<br />
uma obra-prima de serenidade abacial,<br />
dentro do auge da luta.<br />
Cardeal ocupadíssimo, entretanto,<br />
ele sabia de tal maneira temperar<br />
o uso do tempo, dispor bem das suas<br />
coisas, que ele encontrava momentos<br />
de calma, de lazer, para pensar<br />
e para escrever obras tão profundas,<br />
que ele chegou a ser Doutor da Igreja.<br />
Vê-se que foram horas e horas de<br />
serenidade, de meditação e de estudo,<br />
enquanto rugia a batalha contra<br />
o protestantismo. Que linda ilustração<br />
do livro de Dom Chautard, A alma<br />
de todo o apostolado!<br />
Pouco depois de seu falecimento,<br />
em 1621, deram-se os primeiros passos<br />
para a sua canonização que, entretanto,<br />
só foi conseguida em 1923.<br />
Em São Roberto Belarmino temos<br />
um modelo de grande contrarrevolucionário.<br />
Que ele reze por nós e nos<br />
ensine a praticar a sua virtude.<br />
v<br />
(Extraído de conferências de<br />
12/5/1966 e 12/5/1967)<br />
1) Cf. ROHRBACHER, René-François.<br />
Vida dos Santos. São Paulo: Editora<br />
das Américas, 1959. v. VIII, p.<br />
<strong>318</strong>-325.<br />
2) Cf. SCHAMONI, Wilhelm. El verdadero<br />
rostro de los Santos. Ed. Ariel, 1952.<br />
Gabriel K.<br />
Chegando ao fim de sua vida, retirou-se<br />
São Belarmino ao noviciado<br />
Relíquias de São Roberto Belarmino - Igreja de Santo Inácio, Roma<br />
27
De Maria nunquam satis<br />
Majestade<br />
entremeada<br />
Helio G.K. / Gabriel K.<br />
de amor<br />
O olhar imaculadamente puro de<br />
Nossa Senhora, espelho de sua<br />
face e de seu coração, é algo tão<br />
sublime que se torna impossível<br />
descrevê-lo. Segundo a vidente de<br />
La Salette, a visão dos olhos de<br />
Maria bastaria para preencher a<br />
eternidade de um bem-aventurado.<br />
No dia 19 de setembro, comemora-se<br />
a aparição de<br />
Nossa Senhora de La Salette.<br />
Temos a comentar trechos extraídos<br />
do livro de Regamey, Les plus<br />
beaux textes sur la Vierge. É um depoimento<br />
feito por Mélanie Calvat, a<br />
menina que viu Nossa Senhora.<br />
Rainha incomparável<br />
Aparência: A Santíssima Virgem<br />
era alta e bem proporcionada. Parecia<br />
tão leve que um sopro poderia atingi-<br />
-La. Entretanto, Ela permanecia imóvel<br />
e inalterável. Sua fisionomia era<br />
majestosa, imponente, mas não imponente<br />
como são os grandes da Terra.<br />
Ela impunha um temor respeitoso, ao<br />
mesmo tempo que sua majestade impunha<br />
respeito entremeado de amor.<br />
Ela atraía.<br />
Ao seu redor, como em sua pessoa,<br />
tudo inspirava majestade, esplendor,<br />
magnificência de uma rainha incomparável.<br />
Ela parecia bela, clara, imaculada,<br />
cristalina, celeste. Parecia-me<br />
também como uma boa mãe cheia de<br />
bondade, amabilidade, amor para conosco,<br />
compaixão e misericórdia.<br />
Por esta descrição, Mélanie, essa<br />
pastorinha analfabeta, merecia entrar<br />
na Academia Francesa de Letras.<br />
É uma descrição admirável.<br />
Lágrimas: A Santa Virgem chorava<br />
durante quase todo o tempo em que<br />
me falou. Suas lágrimas corriam lentamente,<br />
uma a uma, até seus joelhos.<br />
Depois, como fagulhas de luz, elas desapareciam.<br />
Eram brilhantes e cheias<br />
de amor.<br />
Eu quisera consolá-La e que Ela<br />
não chorasse. Mas parecia-me que<br />
precisava mostrar suas lágrimas para<br />
melhor mostrar seu amor esquecido<br />
pelos homens. As lágrimas de nossa<br />
terna Mãe, longe de enfraquecerem<br />
seu ar de majestade de Rainha e Senhora,<br />
pareciam, ao contrário, embelezá-La,<br />
torná-La mais amável, mais<br />
radiante.<br />
Verdadeira porta do Céu<br />
Olhos: Os olhos da Santíssima Virgem,<br />
nossa terna Mãe, não podem ser<br />
descritos por uma língua humana. Para<br />
deles falar, seria preciso um Serafim,<br />
seria preciso a própria linguagem<br />
de Deus, de Deus que formou a Virgem<br />
Imaculada, obra-prima de seu<br />
poder. Os olhos da augusta Maria pareciam<br />
mil e mil vezes mais belos que<br />
os brilhantes, os diamantes e as pedras<br />
preciosas. Eram como a por-<br />
28
ta de Deus, por onde se podia ver tudo<br />
aquilo que pode encantar a alma…<br />
Somente essa visão dos olhos da mais<br />
pura das virgens seria suficiente para<br />
ser o Céu de um bem-aventurado. Seria<br />
suficiente para fazer uma alma entrar<br />
na plenitude das vontades do Altíssimo,<br />
entre todos os acontecimentos<br />
que sucedem no curso da vida; seria<br />
suficiente para impelir uma alma<br />
a contínuos atos de louvor, agradecimento,<br />
reparação e expiação.<br />
Somente esta visão concentra a alma<br />
em Deus e a torna como uma morta-viva<br />
que olha as coisas da Terra,<br />
mesmo as coisas aparentemente mais<br />
sérias, como brinquedos de criança.<br />
Ela só queria ouvir falar de Deus, daquilo<br />
que se refere à sua glória.<br />
Celestial, régia e<br />
incomparavelmente bondosa<br />
E todos os traços dados nesta descrição<br />
são feitos para simbolizar isso.<br />
Características da majestade<br />
de Nossa Senhora<br />
A Santíssima Virgem era alta e bem<br />
proporcionada.<br />
A altura é um apanágio da majestade.<br />
Tanto que aos príncipes, que<br />
não são reis, se diz: “Vossa Alteza”. É<br />
evidente que não diz respeito à altura<br />
física, mas esta é uma imagem visível<br />
da altura nos outros sentidos.<br />
E, portanto, não era necessária, mas<br />
convinha a Nossa Senhora a altura física<br />
e bem proporcionada. Porque a<br />
altura bem proporcionada é o contrário<br />
da altura monolítica, acachapante,<br />
esmagadora. E o que torna a altura<br />
condescendente e, por assim dizer,<br />
acessível, é a perfeição de suas proporções.<br />
É o encaixe de várias coisas<br />
pequenas nessa altura, com graça e<br />
harmonia, que a tornam variegada. É<br />
uma unidade na variedade.<br />
A perfeição das proporções d’Ela<br />
está quase que fazendo um contraforte<br />
com aquilo que a altura poderia<br />
ter de um pouco assustador.<br />
Parecia tão leve que um sopro poderia<br />
atingi-La.<br />
Helio G.K.<br />
Cada um dos pormenores que diz<br />
respeito à aparência de Nossa Senhora<br />
é uma verdadeira beleza. Há<br />
várias ideias ali simbolizadas, mas<br />
escolho três.<br />
A ideia primeira é a de um ente<br />
todo celestial, que está inundado<br />
de valores sobrenaturais e de graças,<br />
como compete Àquela a quem o Anjo<br />
chamou de “cheia de graça”, como<br />
que personificando a graça de<br />
Deus. Então, a primeira ideia é a de<br />
sobrenaturalidade.<br />
A segunda é a de uma majestade<br />
régia, sem nome, que se exprime<br />
n’Ela inteira e, por outro lado, se irradia<br />
em torno d’Ela.<br />
E a terceira, que a Revolução não<br />
gostaria de ver conjugada com a majestade,<br />
é a de uma bondade sem precedentes.<br />
Uma pena, uma misericórdia,<br />
uma condescendência, um expandir<br />
afável de todos os seus dons sobre<br />
as pessoas, para fazê-las participantes<br />
deles, que é algo que parece contraditório<br />
com a majestade, mas, na verdade,<br />
é o corolário indispensável dela,<br />
ou seja, é essa efusão incomparável de<br />
bondade presente em Nossa Senhora.<br />
29
De Maria nunquam satis<br />
Realmente, um ser espiritual, no<br />
qual o corpo era apenas uma dependência,<br />
dominada pelo espírito; e não<br />
sujeita, portanto, à lei da gravidade<br />
e à atração da Terra. O sobrenatural<br />
n’Ela estava na sua plenitude.<br />
A narração continua:<br />
Ela impunha um temor respeitoso,<br />
ao mesmo tempo que sua majestade<br />
impunha respeito entremeado de amor.<br />
Era um respeito que, de um lado,<br />
incutia temor e, de outro, amor. É<br />
bem a imagem da majestade verdadeira,<br />
a qual inspira um temor reverencial<br />
feito não do medo da chibata<br />
– que pode entrar –, mas daquele<br />
medo de desgostar um tão alto ser;<br />
e, por outro lado, Ela incutia amor<br />
pelo fato de ser quem era.<br />
Isso está esplendidamente expresso.<br />
Ela atraía.<br />
A verdadeira majestade atrai, não<br />
repele. Quando vemos uma majestade<br />
que repele, é falsa. Por exemplo,<br />
Napoleão tinha uma majestade que<br />
repelia. Porque era um marmiteiro<br />
vagabundo, não tinha nada da majestade<br />
autêntica.<br />
Ao seu redor, como em sua pessoa,<br />
tudo inspirava majestade, esplendor,<br />
magnificência de uma rainha incomparável.<br />
O que havia em torno d’Ela? Um<br />
campinho ordinário, com umas ervinhas,<br />
uma coisa qualquer. Mas Ela entrava<br />
ali e tudo se transformava num<br />
palácio. Por quê? Porque a Escritura<br />
diz: Omnis gloria filiæ regis ab intus (cf.<br />
Sl 44, 14): Toda a glória da filha do rei<br />
– que é Nossa Senhora – lhe vem de<br />
dentro, e Ela comunica essa glória a<br />
tudo quanto está ao seu redor.<br />
Rainha e Mãe de<br />
suma misericórdia<br />
Ela parecia bela, clara,…<br />
É a claridade luminosa, sobrenatural.<br />
…imaculada, cristalina, celeste.<br />
É muito interessante para quem,<br />
como eu, que gosta dos cristais, ver a<br />
necessidade de juntar a ideia de cristalino<br />
para firmar a pureza e o que<br />
havia de diáfano dentro d’Ela; algo<br />
da nobreza dos cristais aparece dentro<br />
disso.<br />
Agora vem o corolário:<br />
Parecia-me também como boa<br />
mãe, cheia de bondade, amabilidade,<br />
amor para conosco, compaixão e misericórdia.<br />
Aqui está a justaposição perfeita.<br />
É por isso que na “Salve Rainha” há<br />
esse paradoxo logo no começo: “Salve<br />
Rainha”, logo depois, “Mãe de<br />
misericórdia, vida, doçura, esperança<br />
nossa.” Sumamente Rainha, sumamente<br />
Mãe, e Mãe de suma misericórdia.<br />
Essa justaposição é bem a<br />
ideia da majestade perfeita.<br />
O nobre pranto de Maria<br />
Nossa Senhora chorava. Mas há<br />
dois modos de chorar: há um cheio de<br />
fraqueza e outro cheio de sobranceria.<br />
Às vezes se chora quando se está<br />
abaixo da dor, mas pode-se chorar<br />
também quando se está acima da dor.<br />
Como é o pranto de Nossa Senhora?<br />
A Santa Virgem chorava durante<br />
quase todo o tempo em que me falou.<br />
Suas lágrimas corriam lentamente,<br />
uma a uma, até seus joelhos.<br />
Flávio Lourenço<br />
30
Gabriel K.<br />
Nossa Senhora do Bom Sucesso (acervo particular)<br />
Tudo isso é simbólico. Eram lágrimas<br />
que corriam lentamente, indicando<br />
o domínio. Nada de descabelado,<br />
de convulsivo, de pranto de ópera,<br />
nada disso. Eram lágrimas como<br />
de uma rainha cheia de uma tristeza<br />
nobre, serena. Elas se sucedem umas<br />
às outras, chegam até os joelhos, para<br />
indicar o impulso com o qual elas<br />
são choradas, o fundo de alma que<br />
está nisso. Assim como as lágrimas<br />
correm-Lhe quase ao longo de todo<br />
o corpo, essa dor inunda toda a alma.<br />
Há um símbolo belíssimo nisso.<br />
A vidente acrescenta:<br />
Depois, como fagulhas de luz, elas<br />
desapareciam.<br />
O modo de desaparecer… O que<br />
poderia acontecer com as lágrimas de<br />
Nossa Senhora? Cair na terra? Ficar<br />
formando um bolinho misturado com<br />
barro? Ou prosaicamente empapar o<br />
vestido d’Ela? Pode-se compreender<br />
uma rainha com os hábitos úmidos e<br />
pesados de lágrimas? Não. Esse desaparecer<br />
como faíscas é uma beleza! A<br />
lágrima, que no último momento brilha,<br />
dá uma luz e é recolhida pelo Padre<br />
Eterno nos seus esplendores. É<br />
uma solução lindíssima para um problema<br />
que com facilidade poderia se<br />
tornar prosaico.<br />
Depois continua:<br />
Eram brilhantes e cheias de amor.<br />
As lágrimas de uma tal Rainha<br />
deviam ser luminosas! Não podiam<br />
ser opacas ou terrosas. Lágrima<br />
d’Aquela que é toda pura, só pode<br />
ser cristalina. E, diz ela, um brilho de<br />
amor. Há um mundo de percepções<br />
em todas essas formulações! Como é<br />
bem pensado!<br />
Lágrimas que embelezam<br />
a majestade<br />
Eu quisera consolá-La e que Ela<br />
não chorasse. Mas parecia-me que precisava<br />
mostrar suas lágrimas para melhor<br />
mostrar seu amor esquecido pelos<br />
homens. As lágrimas de nossa terna<br />
Mãe, longe de enfraquecerem seu ar<br />
de majestade de Rainha e Senhora, pareciam,<br />
ao contrário, embelezá-La,…<br />
Embelezavam a majestade. A verdadeira<br />
rainha é tal que ela tem uma<br />
beleza quando está alegre, outra beleza<br />
quando está triste, outra quando<br />
está despreocupada. São belezas<br />
especiais para todas as situações.<br />
Em Nossa Senhora, as lágrimas davam<br />
uma beleza inconfundível, que é<br />
a beleza da dor da Rainha. É um aspecto<br />
fisionômico próprio.<br />
…pareciam, ao contrário, embelezá-La,<br />
torná-La mais amável,…<br />
“Amável”, portanto, digna de<br />
amor.<br />
…mais radiante.<br />
“Radiante” no sentido seguinte:<br />
mais irradiante. Não é alegríssima,<br />
mas a sua personalidade se expandia<br />
mais.<br />
Sublimidade impossível<br />
de ser descrita<br />
Os olhos...<br />
A face é o resumo do corpo. Os<br />
olhos são o resumo da face, são a<br />
quintessência de toda a expressão do<br />
corpo. Então, como se exprimiria a<br />
alma de Nossa Senhora na parte mais<br />
expressiva de seu corpo santíssimo?<br />
Os olhos da Santíssima Virgem,<br />
nossa terna Mãe, não podem ser des-<br />
31
De Maria nunquam satis<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
critos por uma língua humana. Para<br />
deles falar, seria preciso um Serafim,<br />
seria preciso a própria linguagem de<br />
Deus, de Deus que formou a Virgem<br />
Imaculada, obra-prima de seu poder.<br />
Realmente, é sublime! O próprio<br />
do sublime é não poder ser descrito<br />
por língua humana.<br />
Os olhos da augusta Maria pareciam<br />
mil e mil vezes mais belos que os<br />
brilhantes, os diamantes e as pedras<br />
preciosas.<br />
Mais uma vez vem uma comparação<br />
que me é cara: compara não só as lágrimas<br />
de Nossa Senhora, mas também<br />
os olhos d’Ela, com cristais e pedrarias.<br />
De tal maneira isso é, na ordem da matéria,<br />
uma criatura excelente.<br />
Eram como a porta de Deus, por<br />
onde se podia ver tudo aquilo que pode<br />
encantar a alma...<br />
A expressão é magnífica. Porque na<br />
Ladainha se diz Nossa Senhora “Janua<br />
Cæli”, Porta do Céu. E Nossa Senhora<br />
é a mais clara manifestação de Deus,<br />
mais do que qualquer Anjo. E quem<br />
olhar os olhos de Nossa Senhora, olha<br />
a mais alta manifestação de uma alma<br />
que é o espelho da justiça de Deus.<br />
É inefável, indizível. Não se pode<br />
dizer o que seja a expressão do olhar<br />
de Nossa Senhora. Tenho a impressão<br />
de que mais transcendente, apenas<br />
o olhar de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo. Se pensássemos nos mil olhares<br />
de Nosso Senhor, acompanhássemos<br />
as cenas do Evangelho pensando<br />
no olhar que Ele tinha na cena... Só<br />
isso dá uma meditação dos Evangelhos<br />
superabundante, magnífica!<br />
O olhar imaculado<br />
de Nossa Senhora<br />
Continua:<br />
Somente essa visão dos olhos da<br />
mais pura das virgens seria suficiente<br />
para ser o Céu de um bem-aventurado.<br />
Chamou a atenção dela a pureza<br />
desse olhar. E como poderia não<br />
ser puríssimo? Eu tenho a impressão<br />
que é um olhar “castificante”. Quem<br />
o olhasse, poderia ficar casto a vida<br />
inteira, na hora, só porque seu olhar<br />
conseguiu fitar o olhar imaculadamente<br />
puro de Nossa Senhora.<br />
Seria suficiente para fazer uma alma<br />
entrar na plenitude das vontades do Altíssimo,<br />
entre todos os acontecimentos<br />
que sucedem no curso da vida;…<br />
Quem visse os olhos de Nossa Senhora<br />
faria a vontade de Deus para<br />
sempre.<br />
…seria suficiente para impelir uma<br />
alma a contínuos atos de louvor, agradecimento,<br />
reparação e expiação.<br />
São os atos de culto: louvor, agradecimento,<br />
expiação e reparação.<br />
Bastaria um olhar para ter tanto o<br />
que louvar, tanto o que expiar, tanto<br />
para reparar, tanto para dar ação<br />
de graças, que a vida inteira se passaria<br />
nisso.<br />
As coisas desta Terra<br />
tornam-se sem importância<br />
Somente esta visão concentra a alma<br />
em Deus e a torna como uma morta-viva<br />
que olha as coisas da Terra,<br />
mesmo as coisas aparentemente mais<br />
sérias, como brinquedos de criança.<br />
Ou seja, depois que uma pessoa<br />
viu isso, não dá importância a mais<br />
nada, só a não pecar.<br />
Peçamos a Nossa Senhora de La<br />
Salette uma impregnação de algo de<br />
todas essas graças na alma. E, sobretudo,<br />
uma apetência de ver os sagrados<br />
olhos d’Ela, o espelho de sua face<br />
e de seu coração. E, por esta forma,<br />
termos a apetência de vê-los no Céu.<br />
Imaginem que o Céu fosse só isto:<br />
a eternidade inteira, sentirmos<br />
fitados sobre nós os olhos de Nossa<br />
Senhora e os olhos divinos de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo! Que não houvesse<br />
mais nada… e haveria matéria<br />
para sermos inundados de felicidade<br />
por toda a eternidade!<br />
Para nos dar o desejo do Céu, devemos<br />
pensar na eternidade com esses<br />
olhos, contendo todas as variedades<br />
de expressão, todas as expressões<br />
de amor para conosco, de sublimidade,<br />
de grandeza de Deus, tudo<br />
isso pousando sobre nós, a nos<br />
ver e a nos analisar, a se embeber<br />
em nós; e nós embebidos eternamente<br />
neles.<br />
Não precisaria mais nada para termos<br />
um imenso desejo do Céu, tão<br />
grande, que seríamos tentados a uma<br />
oração que um contrarrevolucionário<br />
não deve fazer: é a oração pedindo<br />
para morrer logo, porque nesta Terra<br />
a coisa está repugnante demais. v<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1966<br />
(Extraído de conferência de<br />
19/9/1966)<br />
32
Apóstolo do pulchrum<br />
Lampejos do Céu<br />
Senthi Aathavan Senthilverl(CC3.0)<br />
Na grande batalha pela<br />
salvação das almas, também<br />
os seres irracionais devem<br />
ser utilizados como eficaz<br />
recurso contra o mal.<br />
Biblioteca do Colégio São Luís<br />
Todo homem encontra em si e nos outros diversas<br />
tendências: as que levam para o mal são<br />
inimigas do homem, as que conduzem ao bem<br />
são amigas.<br />
Diversos fautores e batalhadores<br />
dentro de uma mesma luta<br />
Um apóstolo que deseja exercer sua missão de salvar<br />
as almas e levá-las ao Céu deve agir de maneira a continuamente<br />
estimular nos outros as tendências e convicções<br />
boas, para induzi-los ao bem e, com isso, alcançar<br />
seu objetivo. Ao mesmo tempo, ele sabe que há neles,<br />
tendências más que os levarão a fazer o contrário do<br />
que ele deseja. Todo homem em relação ao outro tem um<br />
amigo e um inimigo potencial. Amigo potencial, se sua<br />
ação for tal que o outro siga o que ele diz. Inimigo, quando<br />
o outro não segue seu bom conselho e se faz hostil.<br />
A todo momento nos deparamos com isso. Eu na minha<br />
remota e longínqua vida colegial presenciei fatos assim.<br />
Entrando para o colégio e começando a dar o exemplo<br />
do bem, ondas de ódio crescem ao nosso redor e nos<br />
<strong>Plinio</strong> entre seus companheiros<br />
do Colégio São Luís, em 1921<br />
circundam. Por quê? Porque está se agindo no sentido<br />
do bem. Mas quando se sabe pegar o mal com jeito e desferir-lhe<br />
bem o golpe, ele se acovarda, se retira e, às vezes,<br />
entrega os pontos.<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
Hendra Suroboyo (CC3.0)<br />
Fazer apostolado tem como<br />
elemento fundamental<br />
e primeiro um certo discernimento<br />
e compreensão<br />
da alma humana,<br />
pelo qual se<br />
sabe ajudar o outro.<br />
Nesse sentido,<br />
cada homem<br />
é como uma cidade<br />
fortificada e sitiada<br />
por adversários<br />
que o atacam<br />
sem cessar. Qual é a<br />
nossa defesa e qual o<br />
ataque?<br />
O homem, a todo momento,<br />
é tentado a fazer mal<br />
e corre o risco de cair em pecado e<br />
transformar-se num filho das trevas. De<br />
outro lado, um filho das trevas, a todo momento,<br />
tem a possibilidade de ser tocado pela graça e converter-se.<br />
Há uma espécie de encontro de uns que<br />
querem subir, de outros que querem descer; de<br />
uns que ajudam outros a subirem e combatem os<br />
que querem fazê-los descer, e de outros que, pelo<br />
contrário, combatem os que querem fazer subir e<br />
ajudam a descer… Isso forma uma espécie de batalha<br />
incessante, colossal, fabulosa, na qual Deus,<br />
de um modo curioso e admirável, dispôs que não<br />
só os homens fossem os primeiros fautores e batalhadores,<br />
mas que até os seres irracionais ou sem<br />
vida ora ajudassem na salvação dos homens, ora<br />
os prejudicassem. Dou um exemplo.<br />
Alan D. Wilson (CC3.0)<br />
Pavões e faisões na luta<br />
da Contra-Revolução<br />
Em nosso século todo propenso à vulgaridade,<br />
à banalidade, à igualdade, existe<br />
uma tendência inegável a não admirar tudo<br />
quanto seja muito bonito.<br />
Imaginemos que alguém criasse pavões<br />
num local como o jardim da Sede do Reino<br />
de Maria, na Rua Maranhão. Os pavões haveriam<br />
de passear pelo parque durante certas<br />
horas do dia. Eles não entendem nada<br />
nem sabem que existem, mas passeariam,<br />
arrastando aquela cauda e mostrando-a como<br />
se estivessem diante de um auditório ou<br />
de um teatro para vê-los. É um verdadeiro leque<br />
que, qual joia de pena, faz de cada pavão<br />
uma joalheria ambulante, uma<br />
imagem do principado, da nobreza.<br />
Este que criasse pavões<br />
na Sede do Reino de<br />
Maria não estaria fazendo<br />
um apostolado<br />
que, sem dúvida<br />
nenhuma, haveria<br />
de fazer algum<br />
bem?<br />
Ouvi dizer que<br />
há nas cercanias<br />
de São Paulo uma<br />
espécie de chácara<br />
na qual um senhor,<br />
alemão ou suíço-alemão,<br />
cria faisões. Disseram-me<br />
que são muito belos.<br />
De fato, há algo mais bo-<br />
Giles Laurent (CC3.0)<br />
34
nito que uma variedade enorme<br />
de magníficos faisões? Diversas<br />
vezes fiz o projeto de visitar<br />
esse lugar pelo simples gosto<br />
em admirá-los, pensando comigo<br />
mesmo: “Como isto é diferente<br />
do mundo revolucionário!<br />
Olhando para os faisões, como<br />
amo mais a Contra-Revolução e<br />
como odeio mais a Revolução!”<br />
Na Terra, um gole das<br />
maravilhas celestes<br />
O cisne! Há animal mais distinto<br />
e mais aristocrático do que<br />
ele? Quando ele desliza sobre as<br />
águas, dá-nos a impressão de<br />
que se locomove sem esforço, o<br />
que é próprio ao nobre: não se<br />
esforçar, mas fazer-se servir.<br />
Ele tem patas, aliás feias, porque não foram feitas para<br />
serem mostradas. As vulgaridades os nobres as têm;<br />
no entanto, devem escondê-las por obrigação, a fim de<br />
que neles só refulja o pulchrum, o bonum, o verum, o sanctum.<br />
Lembro-me, em menino, contemplando os cisnes que<br />
havia nuns tanques do Jardim da Luz. Eu me encantava<br />
com o modo de eles se deslocarem, mas também como ficavam<br />
parados, com ar de bicho que não tem necessidade<br />
de movimento, bastando-se a si próprio, o que é aristocrático.<br />
Daí a pouco, sem fazer barulho, agitavam com as patas<br />
a massa da água de modo discreto e agradável, deslizando<br />
tão deliciosamente sobre a água que eu pensava:<br />
“Pobres de nós, homens, que temos de nadar… Como<br />
seria gostoso estar deitado na água e deslizar como<br />
um cisne.”<br />
Em certo momento, eu tinha a impressão de que um<br />
olhava para a água com uma atenção especial, vendo um<br />
bicho comestível. O que era? Miséria das criaturas: o<br />
cisne, rei das águas, ia comer um verme nojento que se<br />
desprendera do lodo e encontrava-se ali, flutuando sobre<br />
as águas. É a humilhação das criaturas muito grandes<br />
que, por vontade de Deus, passam por coisas dessas,<br />
para nos ensinar os altos e baixos de todas as situações.<br />
Nós nos deixamos arrastar por essas descrições e dir-<br />
-se-ia que perdemos um tempo precioso. No entanto, não<br />
é mal que mencionemos algumas vezes coisas que não<br />
sejam sobre sofrer ou padecer, mas algo que seja um<br />
pouquinho o beber um gole de algo como que celeste nesta<br />
Terra.<br />
Por isso, menciono mais um objeto de enlevo da minha<br />
infância e da de muitos homens: as borboletas prateadas,<br />
azuis e verdes que existem em certos jardins e<br />
matas brasileiras, e que me encantavam em extremo.<br />
Quando eu procurava pegar alguma, ela levava um primeiro<br />
susto, depois se levantava diante de mim como<br />
que dizendo: “Pirralho, você pensa que pode me pegar?<br />
Veja…!” E voava elegante e graciosa.<br />
Um recurso a ser utilizado contra os maus<br />
É ou não é verdade que estas e outras maravilhas despertam<br />
em nossa alma o desejo do maravilhoso, o desejo<br />
do Céu? E que uma pessoa que tenha vivido apenas entre<br />
prédios de apartamentos de cimento, nos centros hiperpopulosos<br />
de megalópoles modernas, se nunca viu as<br />
maravilhas que descrevo, não sabe o que procura, quando<br />
diz que busca o Céu?<br />
Por causa disso, a Revolução elimina esses seres o quanto<br />
pode, tira do convívio humano, não fala a respeito deles.<br />
Se tentarmos conversar com qualquer pessoa sobre cisne,<br />
pavão, borboleta e coisas do gênero, a conversa morre logo,<br />
porque elas gostam de tratar a respeito de mecânica, motores,<br />
objetos que fazem barulhos, coisas que dão dinheiro e<br />
diminuem o homem. O que Deus pôs na natureza para fazer<br />
parte da enorme batalha contra os maus, os bons não<br />
sabem que devem utilizar. E o resultado é que um dos recursos<br />
dessa batalha fica perdido, como, por exemplo, utilizar<br />
essas criaturas em toda a medida do possível.<br />
Quantos recursos assim poderíamos mencionar! v<br />
(Extraído de conferência de 30/7/1993)<br />
FC (CC3.0)<br />
35
Flávio Lourenço<br />
Anunciação - Museu<br />
dos Agostinianos,<br />
Friburgo em<br />
Brisgóvia, Alemanha<br />
Poderosa oração<br />
ASantíssima Virgem considerava a situação na qual tinha caído o povo eleito,<br />
que atingira um ápice de miséria moral. Considerava a decadência da humanidade,<br />
sabendo, melhor do que ninguém, quantas almas estavam se perdendo<br />
naquela era pagã e vendo Satanás imperar sobre o mundo antigo.<br />
Em suas preces, Nossa Senhora manifestava o desejo ardente de que Israel fosse reerguido<br />
à sua antiga condição.<br />
Maria Santíssima fez, então, na Terra, o papel de São Miguel no Céu: sua súplica<br />
pedindo que Deus viesse à Terra equivale ao “Quis ut Deus?” do Arcanjo.<br />
É Ela que Se levanta contra esse estado de coisas. Só Ela tem a oração bastante poderosa<br />
para desferir um golpe que tudo transforma.<br />
(Extraído de conferência de outubro de 1951)