h EntrevistaO MEDODO OUTROtEdimilton SantosForam mais de duas horas debate-papo franco, direto e abertocom a professora e coordenadorado Programa de Pós--graduação em Ciências Sociais, Cultura,Desigualdades e Desenvolvimento, daUniversidade Federal do Recôncavo daBahia, Angela Figueiredo, onde conversamossobre políticas afirmativas, mobilidadesocial e universidade.“As pessoas estão sempreacostumadas a perceber ooutro como aquele que serveo café e não o que discute nomesmo patamar.”Pós-doutora pelo CarterWoodson Institute nosEUA, Angela Figueiredodiz que não existeconhecimento neutro12 www.revistaafirmativa.com
Angela, por que as cotas na universidadeé um projeto que deu certo?O projeto de ações afirmativas na universidadedeu certo porque vem propor pelaprimeira vez uma medida para desestruturare reestruturar a desigualdade racialno Brasil. A proposta de ações afirmativasvem quebrar um ciclo de reproduçãoda desigualdade que estava nos cursosdo ensino superior durante muitos anos, eo ingresso de estudantes negros, indígenase de classes populares na universidadecumpre esse papel. As cotas possibilitamo acesso ao ensino superior, que éum mecanismo clássico de mobilidadesocial no Brasil, passando a ser umapolítica de combate à desigualdade, mascertamente não se encerra aí.Avança para a discussão de cotas noserviço público?O Brasil não vai reestruturar a sociedadese depois que você se formar não existircotas no emprego. Se você se forma, vaificar desempregado, porque no Brasilainda funciona pelo mecanismo dequem indica. E os empregos públicos,reduzidos cada vez mais por conta deum projeto de neoliberalismo e de privatizaçãodas empresas estatais, tem umimpacto na classe média brasileira emgeral, e particularmente na classe médianegra. O emprego público sempre foium canal de mobilidade.E como é que a universidade tem reagidoa essa mudança?A universidade tem refletido pouco sobreo necessário aprendizado que a genteprecisa ter pra lidar com os alunos cotistas,sobretudo aqueles de comunidadestradicionais. O conhecimento ainda éproduzido de uma forma vertical. Como privilégio, obviamente, de um tipo deconhecimento em detrimento de outro. Auniversidade vive hoje, um momento muitoespecial com limites claros. Os planosde curso ainda são muito conservadorespara a universidade que desejamos. Nósmontamos o programa ainda agendadopara uma universidade conservadora.Outro modelo de universidade se faz urgente.Os cursos e as próprias disciplinastêm que ser transformados, do contráriocorremos o risco de termos alunosdesrespeitados em frente a determinadosprofessores e colegas, que relutam em entendera dimensão da posição do sujeitona produção do conhecimento.Na academia tem sido comum o embateentre produção acadêmica e militância.Por que isso tem acontecido?O embate entre a militância e a reproduçãoacadêmica, na verdade, é o resquíciode uma crença em uma ciência neutra.Anteriormente, todo interesse no instrumentode raça tinha uma agenda e nãoera neutra. Trazer o argumento de quea produção acadêmica negra é simplesativismos é um modo raso de desqualificaçãodo olhar do negro sobre os objetosde produção do conhecimento. Temosexemplos importantes que surgem darelação Ativismo e Academia. O feminismoé uma dessas experiências. O sujeitoque produz o conhecimento é um sujeitoque tem identidade com o sujeito da suainvestigação. Esse é o foco do embate.Todo conhecimento é posicionado. Mesmoos europeus estavam olhando o mundo apartir de uma localização.Você acha que as cotas na pós-graduaçãopedem urgência?Conforme dados do Censo 2010, 80% dosresidentes no Brasil que possuem um títulode mestre ou doutor são brancos, emboraa população branca some 47,7% dapopulação brasileira. A população autoclassificadacomo parda, correspondentea 43,4% da população total brasileira, temparticipação de 15,7% entre os mestrese 12,2% entre doutores. Já a populaçãopreta, correspondente a 7,5% da populaçãototal, está sub-representada entre osdetentores de título de mestres e doutores,sendo 3,1% e 2,3%, respectivamente.Observe: o professor para orientar deveter alguma experiência na área. Então, seo corpo de professores na pós é majoritariamentebranco, que não tem experiênciaem algumas temáticas, e não entendealgumas temáticas, esses professorespodem simplesmente não aceitar ostrabalhos por falta de experiência. E senão tem orientador, como é que essesestudantes podem ser aprovados? Essepode ser o mecanismo, digamos, maisclássico. Outros mecanismos podem estarrelacionados ao modo como o racismoopera no Brasil.Os argumentos contrários às cotas napós-graduação se diferem dos argumentosdo início do processo nos anos 2000?Os mesmos argumentos da meritocracia,os mesmos argumentos do medo. Quandose fala de transformação as pessoaslogo apresentam o medo da mudança.E, na verdade, é uma argumentação quenão está respaldada nos dados. Os dadosmostram o contrário. São outros mecanismoque estão operando na hora daseleção. O que a gente tem que ter é a honestidadede olhar de frente o problema.São argumentos muito próximos àquelesde 2002, 2003, 2004, o mesmo medo dadesqualificação da educação no Brasil,o medo da incompetência dos alunosoriundos de escolas públicas, o medo dealunos negros, sempre o medo como umafalta de abertura e de capacidade de pensaro quanto esses alunos vão contribuir,e o quanto os professores podem contribuirpara a formação desses alunos. Édesafiador mesmo! A tarefa de orientaçãoé desafiadora para todo mundo.E como está esse debate na UFRB?Não tem ido a diante por diversos fatores.No Fórum Internacional da ConsciênciaNegra da UFRB tiveram algumasfala, mas ainda não temos um corpo deprofessores, um conjunto de professoreslevando essa tarefa a cabo. Eu acho quedeveria ter um chamado (aqui é umaprovocação à Pró reitoria de Graduaçãoe Pesquisa, inclusive vou telefonar pra lá(risos)). E eu acho que acima de tudo deve-secolocar os professores não-negrosdentro desse processo. Os professoresnão negros delegam a gente uma tarefaque é do coletivo de professores. Precisamosromper com o medo que impede amudança de perceber o outro.13