h Autoafirmaçãoo poder nas raizes ´Assumir cabelos cresposnão é só uma tendência, masuma maneira de reconstruir aidentidade e a autoestimaviolentadas pelos padrõesestéticos racistas.tAlane Reis e Aline Lima18 www.revistaafirmativa.com
‘‘Me diz que sou ridículo, mediz que sou ridículo”. Nocarnaval de 1974 saía dobairro do Curuzu, em Salvador,em direção ao Campo Grande, obloco Afro Ilê Ayê. Cerca de 100 foliões,todos negros, desfilavam com fantasiasexuberantes e coloridas. Nas cabeças,os penteados valorizavam a beleza doscabelos crespos, sejam os Black Powers,tranças ou turbantes. Sob vaias e acusaçõesmidiáticas de “racismo às avessas”,o Mundo Negro desfilava pela primeiravez para entrar para a história comoum dos principais símbolos contemporâneosde resistência negra no Brasil.Mas se o Ilê e os bairros da Liberdadee Curuzu consagraram-se como omundo negro, e se lá, reis e rainhas ostentamsuas coroas, este mundo é umailha excluída pelo padrão de belezabranco, imposto pela sociedade e reproduzidopela mídia. Casos de racismo eimposições sociais a padrões estéticoseurocêntricos ainda são recorrentes.Em maio deste ano, a estudante deHistória da Universidade Federal doRecôncavo da Bahia (UFRB), Nelma DeJesus, foi mais uma vítima de racismo.O médico Jaime Soares, da Santa casade Misericórdia de São Félix (Recôncavoda Bahia), recusou-se a fazer umprocedimento cirúrgico na estudantepor causa do seu cabelo dreadlock. Elaconta que se preparava para fazer umacirurgia de hérnia. No consultório, omédico disse que ela precisaria cortaro cabelo para seguir com o tratamento.“Eu disse a ele que não fazia sentido terque cortar o cabelo, se a cirurgia era noumbigo. Perguntei se eu tivesse o cabeloigual a da sua assistente (negra, decabelos alisados) se eu precisaria cortar,ele foi taxativo: ‘claro que não’”. Nelmaconta que prestou queixa na delegaciade São Félix e o caso já foi encaminhadoà promotoria. A equipe tentou entrarem contato por telefone com o hospital,mas não obteve êxito.Em Sienna, na Itália, também emmaio, outra estudante da UFRB, DéboraReis, participante do Programa CiênciaSem Fronteiras, foi vítima de racismo.Ela teve sua foto comparada à de ummacaco em uma rede social. “Quandoaconteceu, a primeira coisa que tivevontade de fazer foi voltar pra casa,mas percebi que não valia à pena deixarmeu intercâmbio por causa disso”. Aautora da montagem racista ainda envioumensagens de ameaças a Débora:“vou arrancar seus cabelos duros com asminhas mãos”. A estudante procuroua delegacia da cidade para fazer umboletim de ocorrência, mas foi informadaque não poderia registrar comocrime de racismo. A denúncia foi feitaposteriormente quando a agressoraexpôs informações da vida pessoalda estudante em uma rede social. Oprocesso foi aberto por crime de invasãoà privacidade.Assumir cabelos crespos, mesmonuma época em que a estética negrafigura o cenário da mídia e da indústriada moda, ainda é um passo de muitacoragem. Libertar-se dos padrõesainda é muito complicado, é o queconta a estudante Lara Amorim,20 anos, que passou muitos anosalisando os cabelos com cosméticosa base de guanidina e amônia e noano passado decidiu mudar. A estudanteconta que alisava apenas porsentir-se pressionada. “Eu não erafeliz com minha imagem quando alisava.Era uma forma de negar a mimmesma. Um dia resolvi começar oprocesso de transição. Percebi comoé bonito expressar minha identidade.Deixei de me incomodar com queos outros pensam e passei a amar omeu cabelo.”Cuidar dos crespos ébonito e baratoUltimamente a quantidade de produtos voltadospara cabelos crespos vem crescendo nomercado, mas a maioria tem preços elevadosfazendo com que as mulheres optem por métodoscaseiros, é o que conta a estudante deHistória da Universidade Estadual de Feira deSantana (UEFS) Mônica Cerqueira. “As hidrataçõescaseiras são a forma mais barata e eficaz decuidar dos fios crespos, principalmente à basede amido de milho, abacate, banana ou hidrataçõesindustrializadas que potencializamos comprodutos como óleos naturais de coco, mamona,amêndoas, com azeites, açúcar, mel, leite.”Mônica ensina uma receita caseira à base deabacate, ela garante que é muito eficaz. Mistureno liquidificador:» 1 abacate;» 2 colheres de mel;» 2 colheres de um óleo extra virgem de suapreferência (mamona, coco, oliva);» Um pouco de qualquer hidratação de suapreferência (as mais baratas de mercado jáservem).Lave seu cabelo como de costume, aplique amistura mecha a mecha e deixe agir por 30 min.Enxágue e aplique o condicionador. Evite shampoosque tenham sódio em sua composição.19