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Santidade e heroísmo
Divulgação<br />
Alma cor de ametista<br />
Há pessoas que chegam a certa idade e encerram a contabilidade com a vida. E, sem uma<br />
atitude acomodatícia, estão com tudo pronto e se preparando, sem se perceber claramente,<br />
para o Céu. Então, têm uma espécie de tristeza em relação ao que ficou, o que lhes confere<br />
uma certa cor interior de ametista.<br />
Uma das razões pelas quais eu gosto tanto de ametista é porque, por alguns de seus aspectos,<br />
lembra a alma de Santa Teresinha: aquela tristeza lilás e tamisada corresponderia a uma ametista<br />
não muito escura.<br />
A ametista é a pedra temperante por excelência, simboliza o sofrimento na paz e transmite uma<br />
serenidade que envolve.<br />
(Extraído de conferências de 23/4/1978 e 25/10/1991)
Sumário<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>319</strong> Outubro de 2024<br />
Na capa,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1983.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
Santidade e heroísmo<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Roberto Kasuo Takayanagi<br />
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Segunda página<br />
2 Alma cor de ametista<br />
Editorial<br />
4 A hora da misericórdia voltará<br />
Piedade pliniana<br />
5 Súplica para obter as cogitações e<br />
as vias de Nossa Senhora<br />
Dona Lucilia<br />
6 Tríplice reversibilidade<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
10 Força contra as tentações<br />
Hagiografia<br />
17 Santo Ampélio e o<br />
“turismo” das almas<br />
Reflexões teológicas<br />
22 O Anjo da Guarda,<br />
como se comunicar com ele?<br />
Calendário dos Santos<br />
26 Santos de Outubro<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
28 Humildade, condição necessária<br />
para o supremo heroísmo<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
31 Exercícios de transcendência<br />
Última página<br />
36 A verdadeira humildade da<br />
Sede da Sabedoria<br />
3
Editorial<br />
A hora da misericórdia voltará<br />
A<br />
festa de Santa Margarida Maria Alacoque, celebrada pela Igreja neste mês, trouxe-me à memória<br />
um fato antigo, que não é sem interesse para os dias que correm.<br />
Quando viveu na França a humilde visitandina à qual o Sagrado Coração de Jesus fez suas tão suaves<br />
confidências, reinava Luís XIV, que a admiração universal consagrou com o título de Rei-Sol.<br />
Este epíteto correspondia à realidade. Tanto do ponto de vista físico como moral, representava Luís XIV o<br />
tipo clássico daqueles reis de fantasia, com que certos contos costumam deslumbrar as imaginações infantis.<br />
De uma formosura viril e majestosa, acentuada por uma perfeita nobreza de porte e de gestos, e por uma indumentária<br />
admiravelmente escolhida, foi ele o modelo supremo dos gentis-homens de seu tempo. As qualidades de<br />
inteligência e caráter estavam à altura desse físico magnífico. Sua inteligência era clara, vasta, metódica e idealmente<br />
equilibrada. Sua vontade dotada de tal força imperativa, que dobrava quaisquer obstáculos. De um soberano domínio<br />
sobre si, não se permitia manifestações extremadas de cólera, de prazer ou de dor. Pelo contrário, todos os<br />
acontecimentos o encontravam sempre igualmente sereno, grande, sobranceiro. De tal maneira sua índole se havia<br />
conformado com as obrigações do métier de Rei, que o protocolo era, nele, como que conatural, e até mesmo suas<br />
ações as mais triviais denotavam a alta noção que ele tinha de sua dignidade e de seus deveres.<br />
Quando Deus dá a alguém qualidades naturais singularíssimas, impõe-lhe implicitamente responsabilidades<br />
onerosas. Luís XIV era uma dessas almas privilegiadas que Deus chama a grandes realizações e que, por isso mesmo,<br />
estão na iminência de descambar pelos mais profundos abismos, caso não correspondam à própria vocação.<br />
Se ele tivesse querido ser um novo São Luís, é provável que a Revolução Francesa não tivesse explodido,<br />
que a pseudo-reforma protestante tivesse sofrido desastres irreparáveis e que o curso da História, em lugar<br />
de correr pelos precipícios por onde vai, tivesse assumido orientação inteiramente diversa. O certo é que Luís<br />
XIV não desempenhava a missão providencial à qual fora chamado por Deus.<br />
Interveio a humilde visitandina. Em revelação, o Divino Redentor mandou-lhe dizer ao rei que se consagrasse,<br />
bem como o reino, ao Sagrado Coração. A comunicação foi feita em tom imperativo e deixava ver claramente<br />
que a recusa do monarca acarretaria para ele e para a França os mais severos sofrimentos.<br />
Por meio de uma pessoa da nobreza com quem tinha relações, Santa Margarida Maria fez chegar a comunicação<br />
a Luís XIV que, entretanto, não lhe deu importância, e a consagração não foi efetuada.<br />
Recusada assim essa providencial fonte de graças, o reino foi descambando cada vez mais pelos abismos da impiedade<br />
e da libertinagem, até que o extravasamento desses males, isto é, a Revolução Francesa, veio lançar por<br />
terra o trono dos Bourbons e atear pelo mundo inteiro o facho diabólico e incendiário do espírito de rebeldia.<br />
Entretanto, não se sabe se a recordação do recado de Santa Margarida Maria Alacoque perdurou na família<br />
Bourbon, mas é certo que, entre os papéis de Luís XVI, encontrados em sua miserável prisão do Templo,<br />
achou-se uma nota na qual o desditoso soberano prometia a Deus consagrar-se, e toda a França, solenemente,<br />
ao Coração de Jesus, o que, desde logo, em forma privada, ele fazia no cárcere. Assim, dizia ele, seria de esperar<br />
que o Coração de Jesus arrancasse a França aos horrores da Revolução.<br />
O piedoso e infeliz monarca fez, no cárcere, o ato de piedade que seu poderoso antecessor se recusara a fazer<br />
nos esplendores de Versailles. Mas, ao que parece, a hora da misericórdia tinha passado, e já era tarde para<br />
deter o curso da justiça divina.<br />
É possível que a hora da misericórdia tivesse passado. Não, porém, de modo definitivo. Enquanto os legisladores<br />
reformam as instituições, os militares as fronteiras, os banqueiros a economia, ao sabor das heresias<br />
de hoje, na penumbra, os santos reformam as almas e, pela reforma autêntica das almas, destruirão a falsa reforma<br />
das instituições e da economia. *<br />
*<br />
Cf. Legionário n. 423, 20/10/1940.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Súplica para obter as<br />
cogitações e as vias<br />
de Nossa Senhora<br />
Flávio Lourenço<br />
Ó<br />
Maria, Mãe minha e Rainha<br />
dos Anjos, ordenai ao meu<br />
Santo Anjo da Guarda que<br />
atue continuamente no íntimo de minha<br />
alma.<br />
Fazei com que, mesmo, em meio ao<br />
mundo revolucionário, o qual só arrasta<br />
para cogitações e interesses que<br />
não são os vossos, mas do inimigo infernal,<br />
eu tenha sempre em mente as<br />
vossas cogitações e as vossas vias.<br />
Bem sei que, por esta forma, deixarei<br />
de ser infiltrado pela influência<br />
da Revolução e do Inferno, e passarei<br />
à contraofensiva, influenciando com<br />
vossa presença o mundo que se encontra<br />
em torno de mim.<br />
Por isso, sei que serei como um<br />
porta-estandarte vosso a proclamar<br />
vosso Reino e antecipá-lo na Terra.<br />
Serei eu mesmo como um Anjo vitorioso<br />
a abrir caminho para o momento<br />
bendito, profetizado por Vós: “Por<br />
fim, o meu Imaculado Coração triunfará.”<br />
Para isso, dai-me firmeza de<br />
propósito, fidelidade inquebrantável,<br />
entusiasmo tal que nenhum menosprezo,<br />
nenhum escárnio, nenhuma<br />
perseguição, nenhum risco possa abater.<br />
Amém.<br />
(Composta em 15/11/1976)<br />
Virgem dos Grandes Olhos<br />
Catedral de Lugo, Espanha<br />
5
Dona Lucilia<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Ouvindo os sons do órgão, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> percebia<br />
ser ele um instrumento feito pela Igreja<br />
para louvar-se a si própria e fazer-se sentir<br />
no coração dos fiéis. O órgão, a atmosfera<br />
da Igreja do Coração de Jesus e a alma de<br />
Dona Lucilia faziam-no perceber que, apesar<br />
de serem três realidades distintas, eram<br />
harmônicas e inteiramente afins, porque<br />
alicerçadas na Santa Igreja Católica.<br />
Quando se é criança, a vivacidade<br />
do exercício das reversibilidades<br />
é enorme.<br />
Pode-se afirmar que com o desenvolvimento<br />
do intelecto a reversibilidade<br />
vai ficando menos vivaz nos sentidos<br />
e se tornando mais aguda nas<br />
ideias. Tenho a impressão de que, na<br />
extrema velhice, se a soma das idades<br />
for bem feita e Nossa Senhora<br />
não permitir ao ancião uma doença,<br />
a reversibilidade dos pensamentos<br />
deve atingir o auge, enquanto a<br />
dos sentidos quase não se manifeste.<br />
É como eu imagino que as coisas devem<br />
se passar.<br />
Reversibilidades e o órgão<br />
No meu tempo de criança, três<br />
coisas me vinham ao espírito juntas:<br />
a atmosfera da Igreja do Coração<br />
de Jesus – considerando dentro dela<br />
um padre celebrando a Missa, a<br />
liturgia etc.; outra coisa que formava<br />
nexo com isso, mas distinto, era o<br />
órgão; e, depois, a alma de mamãe.<br />
Hoje, analisando essa reversibilidade,<br />
vejo que era como se fossem<br />
três órgãos.<br />
Encantava-me exatamente no órgão<br />
aquilo que constitui uma universalidade<br />
de sons. Naquele estilo, na-<br />
6
quela gama, dava-me a impressão de<br />
estarem lá dentro todos os sons concebíveis.<br />
Era uma beleza extraordinária<br />
como os sons se revertiam, se<br />
jogavam, se combinavam, se aproximavam,<br />
se distanciavam, com gala e<br />
afabilidade. Encantava-me!<br />
O mesmo eu encontrava em mamãe.<br />
Podia-se dizer que, para mim,<br />
ela era o órgão no qual toda a elevação<br />
do espírito e da harmonia de alma<br />
que se pudesse querer de uma alma,<br />
ali estavam interpenetradas harmonicamente,<br />
agradavelmente.<br />
Eu percebia bem que o órgão não<br />
era senão um instrumento feito pela<br />
Igreja para louvar-se a si própria,<br />
para fazer sentir no coração<br />
de seus próprios filhos como ela<br />
era. Eu interpretava o órgão<br />
como a Igreja narrada por si<br />
mesma, para que seus filhos<br />
a amassem mais.<br />
Toda alma fiel é<br />
como o orvalho<br />
da Igreja<br />
Naquele tempo eu sentia<br />
tudo isto, mas a potência<br />
da explicitação não<br />
existia. Ora, a explicitação<br />
é um gáudio e exprime bem<br />
o que eu sentia. Maturar é<br />
isto: a pessoa preenche o que<br />
sentiu e que estava mudo dentro,<br />
ansiando por manifestar-se.<br />
Essa reversibilidade me encantava.<br />
Eu compreendia o que era o<br />
órgão para a Igreja e entendia bem<br />
que mamãe tinha essas qualidades –<br />
disse cem vezes, mas tenho ânimo para<br />
dizer mais dez mil, para agradecer<br />
à Igreja e, na Igreja, a Nossa Senhora<br />
e a Nosso Senhor Jesus Cristo – porque<br />
mamãe tinha isso que eu notava;<br />
e aquilo tudo estava presente nela,<br />
por ela ser filha da Igreja.<br />
Era mais ou menos como o orvalho<br />
para a noite. Percorre-se a noite<br />
e se acha um ar muito agradável.<br />
E pensava então o seguinte: “Ligando<br />
ao orvalho da noite, sem que haja<br />
um momento para perceber isso,<br />
algumas das propriedades do ar<br />
se condensam e se põem numa folha.<br />
Amanhece, o ar noturno passa,<br />
mas ele deixa na folha aquele sinal<br />
da noite esplêndida que houve ali.”<br />
É um dos elementos de poesia do<br />
orvalho. Todo mundo acha o orvalho<br />
poético, a justo título. Mas, por quê?<br />
A meu ver, é por causa disso.<br />
E concluía: “Toda alma que é fiel<br />
é como um orvalho da Igreja.” E a<br />
títulos muito superiores. O fenômeno<br />
físico, nem de longe esgota o fenômeno<br />
sobrenatural, é uma mera<br />
comparação.<br />
Consonância com a Igreja<br />
De outro lado, é verdade também<br />
que, se a alma não for como um orvalho<br />
da Igreja, se não for fiel, por<br />
mais que a vejamos cheia de pequenas<br />
práticas, de pequenas devoções,<br />
será “heresia branca”, será qualquer<br />
outra coisa, e com isso não vou! É<br />
muito justo, portanto, que, estando<br />
na igreja, eu pensasse em Dona Lucilia.<br />
E, estando com ela, pensasse<br />
na Igreja.<br />
Quantas vezes, olhando para<br />
o olhar de mamãe, eu pensava:<br />
“Esta é bem a Igreja.” Muitas<br />
vezes estive com ela na igreja<br />
e eu olhava assim de soslaio<br />
e pensava: “Como entram<br />
em consonância! Como<br />
são Mãe e filha, a Igreja<br />
e ela!”<br />
Eminentemente<br />
compassiva,<br />
exímia discrição<br />
Para comigo, a atitude<br />
de mamãe era sempre esta:<br />
o homem é precário e, por<br />
mais que vá bem, pode, em<br />
determinado momento, não ir<br />
bem. De maneira que não se deve<br />
elogiar, deve-se, pelo contrário,<br />
tomar uma atitude, quando se é<br />
mãe, vigilante. Isso chegava ao incrível<br />
nela!<br />
7
Dona Lucilia<br />
A razão dessa atitude, tenho certeza<br />
moral de ser a seguinte: era até<br />
um juízo maternalmente generoso<br />
que ela fazia a meu respeito. Ela<br />
julgava que eu era mais saliente em<br />
vários aspectos do que muitas outras<br />
pessoas que me rodeavam, quer<br />
nas relações sociais, quer nas relações<br />
familiares. Ela julgava isso bastante<br />
notório para não ser preciso<br />
dizer.<br />
Ora, com sua comiseração, ela<br />
era uma pessoa eminentemente propensa<br />
à compaixão, era compassiva<br />
o quanto se possa ser. Nunca vi ninguém<br />
compassivo como ela. A comparação<br />
na cabeça de Dona Lucilia<br />
era feita de mãe a mãe, e ela se<br />
sentia meio colega de todas as mães<br />
que há, enquanto mãe, a propósito<br />
de maternidade. E para outras deveria<br />
ser muito doloroso, não tanto reconhecer<br />
que eu pudesse ter alguma<br />
qualidade um tanto maior que os filhos<br />
delas, mas de ver a mãe daquele<br />
filho mais dotado fazer comparações.<br />
Então, ela era de uma discrição<br />
exímia!<br />
Eu acho que isso participa de uma<br />
certa doçura dela, que está no Quadrinho.<br />
O trato dela era todo impregnado<br />
de coisas dessas.<br />
Face ao elogio, uma escola<br />
Mamãe tinha enorme veneração<br />
pelo pai. Se houve alguém a quem<br />
ela quis bem foi o pai. Ela julgava que<br />
ele, se me conhecesse, teria entusiasmo<br />
por mim. E aí filtrava o que ela<br />
pensava a meu respeito. Para que um<br />
homem paradigmático como ele tivesse<br />
para comigo essas disposições,<br />
vê-se o que ela achava a meu respeito.<br />
Ela contou muitos episódios seus<br />
com o pai, mas nunca me contou um<br />
episódio no qual me elogiasse.<br />
A predileção dela era pelo pai,<br />
mas ela também queria muito bem à<br />
mãe. Ela cuidava da mãe, era exemplaríssima.<br />
Apesar de toda a amizade<br />
ardorosa que tinha para com a<br />
mãe, eu nunca a vi fazer um elogio<br />
sobre ela. Não estou me lembrando,<br />
pode ser que a tenha, em alguma<br />
ocasião, não estando presente a<br />
mãe, elogiado. Uma vez ou outra,<br />
em atitudes que a mãe tomava e que<br />
nem sempre eram compreendidas,<br />
ela aí elogiava. Era um elogio de defesa.<br />
Assim, grátis, por expansão de<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com sua irmã, Dona Rosée, em um restaurante de Campinas, em 1962<br />
<strong>Dr</strong>. Antônio Ribeiro dos Santos,<br />
pai de Dona Lucilia<br />
afeto, não falava. Creio que isso obedecia<br />
à ideia de que os elogios deixamos<br />
para o Céu.<br />
É uma coisa cabível. Eu já não fui<br />
dessa escola. Quando ela começou<br />
a envelhecer muito, com pena dela,<br />
não tendo outro modo de agradá-la,<br />
eu a elogiava para ela mesma.<br />
Era em tom de gracejo, mas a elogiava<br />
muito.<br />
Mamãe tomava uma atitude como<br />
se o elogio não fosse com ela. Não ficava,<br />
nem podia ficar desagradada,<br />
nem manifestava desagrado, senão<br />
eu não agiria assim. Mas ela fazia<br />
mais ou menos como se faz quando<br />
se está atrás de uma vidraça e bate a<br />
chuva no vidro. A chuva bate e morre<br />
no vidro. O elogio não penetra no<br />
amor de si mesmo. Assim fazia ela.<br />
É toda uma teoria do elogio, uma<br />
certa escola, um modo de ser que era<br />
assim.<br />
Respeitabilidade da Igreja<br />
No trato com todo mundo ela<br />
também refletia muito a Igreja. Não<br />
há ninguém que penetre numa igreja<br />
ou num ambiente verdadeiramente<br />
católico que não se sinta respeita-<br />
8
do. A Igreja verdadeiramente católica<br />
é assim: é respeitável. Entretanto,<br />
no modo de se ver a respeitabilidade<br />
da Igreja, ela põe em nós a respeitabilidade<br />
que tem. Ela nos olha<br />
respeitosamente do alto de sua superioridade;<br />
isso reflete em nós, vai de<br />
nós até ela, nós nos ajoelhamos.<br />
Quando se transpõe uma igreja,<br />
uma capela ou um edifício religioso<br />
qualquer, verdadeiramente sente-se<br />
envolvido por uma atmosfera<br />
profunda de afeto, de respeito que<br />
penetra até os poros da pele. Assim<br />
também era Dona Lucilia com todo<br />
mundo.<br />
Educadora sumamente<br />
respeitosa<br />
Creio não me iludir dizendo que<br />
era muito especialmente a meu respeito<br />
que ela exercia em toda sua<br />
plenitude a sua função materna. Até<br />
depois de homem inteiramente feito,<br />
ela, às vezes, me advertia de uma<br />
coisinha que não estava bem feita.<br />
Séria, porque ela era muito séria,<br />
olhava aquilo assim…<br />
Basta dizer isto: às vezes eu tomava<br />
goles grandes demais de água, era<br />
homem já de quarenta, cinquenta<br />
anos, ela dizia: “Filhão, goles menores.”<br />
Ela sabia que eu não ia mudar,<br />
devia ver que está em todo meu temperamento,<br />
todo meu modo de ser:<br />
“Se é para beber, bebamos a grandes<br />
goles!” Meu temperamento não era<br />
o dela. Mas era o filho dela fazendo<br />
alguma coisa que não estava de acordo<br />
com a medida que ela achava certa;<br />
então corrigia com muito afeto:<br />
“Filhão, goles grandes não.”<br />
Às vezes, era a comida. Pedaços<br />
grandes de comida... assim se saboreia!<br />
Sei perfeitamente que a boa educação<br />
não é essa; se eu estiver numa<br />
mesa de cerimônia devo comer em bocados<br />
menores, sei disso. Mas não estando<br />
numa mesa de cerimônia, como<br />
à vontade. Ela dizia: “Filhão, o pedaço...”<br />
Eu respondia com um sinalzinho,<br />
e continuava a conversar.<br />
Ela exerceu a função educadora<br />
até o fim. Sem embargo, ela me tratava<br />
com um respeito! E me lembro,<br />
de meninote, ela tinha uma pontinha<br />
que tendia para a veneração. Veneração<br />
da esperança materna que depois<br />
ficou a veneração da certeza. E<br />
creio também não exagerar ao dizer<br />
que essa veneração foi crescendo<br />
e, aos poucos, se completando pela<br />
confiança. Creio, certeza não posso<br />
ter, exatamente pela extrema discrição<br />
dela.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
28/4/1981)<br />
9
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Força contra<br />
as tentações<br />
Nenhum homem tem, por<br />
natureza, força para vencer as<br />
tentações. Por meio de Maria<br />
Santíssima deverá pedir a graça<br />
de resistir às más inclinações e<br />
às sugestões do demônio, bem<br />
como uma vontade robusta para<br />
recusar as tentações, logo que<br />
se apresentem no horizonte.<br />
A<br />
tentação! Que doloroso e<br />
que glorioso capítulo da história<br />
de um homem! Para<br />
alguém que tome a sério a Fé e a vida<br />
espiritual, nada é duro como a tentação,<br />
nada é glorioso como vencê-la!<br />
Integridade do homem<br />
antes do pecado original<br />
O que vem a ser propriamente a<br />
tentação? É um movimento interno<br />
da alma para o mal, o qual pode ter<br />
duas causas: natural e preternatural.<br />
A causa natural vem a nós em<br />
consequência do pecado original.<br />
Antes do pecado, Adão e Eva eram<br />
íntegros, não tinham a culpa que desorganizou<br />
sua própria natureza. E,<br />
por isso, eles não possuíam as apetências<br />
para o pecado, mas tinham<br />
apenas o desejo do bem, e a sua natureza<br />
não pendia para o mal.<br />
Não sei se já imaginaram a felicidade<br />
que uma coisa dessas representa.<br />
Vamos transpor isso dos termos<br />
paradisíacos para a vida terrena. Imaginemos,<br />
por exemplo, um<br />
menino de oito, dez anos.<br />
Este menino, quando<br />
chega a hora de estudar,<br />
ele não tem preguiça<br />
e aprende as<br />
coisas com facilidade,<br />
acha agradável o<br />
cumprimento do dever.<br />
Ele aprende e<br />
fica contente.<br />
Se, em alguma<br />
ocasião, ele teria interesse<br />
em mentir, contar alguma coisa<br />
errada, nem lhe passa pela cabeça<br />
mentir, ele narra a coisa acertada<br />
e acha agradável. A verdade lhe floresce<br />
na boca como a rosa na roseira.<br />
Flávio Lourenço<br />
10
Flávio Lourenço<br />
Cansaço ele não tem, nem conhece<br />
o que é, porque é completamente<br />
senhor de si. Se for preciso caminhar<br />
a pé, sendo senhor de sua musculatura<br />
anda durante todo o tempo<br />
que for necessário. Mas, sobretudo,<br />
como ele é o rei da natureza,<br />
manda vir um bicho; este vem sôfrego,<br />
contente e se prostra diante dele.<br />
Ele senta-se em cima do animal e<br />
ordena para onde deve ir, soltando-<br />
-o quando chega a seu destino.<br />
Se este menino estiver passeando<br />
pelo campo, se passar uma linda<br />
borboleta azul e prata e ela ficar esvoaçando<br />
em torno dele, ele ordena<br />
pousar no seu dedo, e ela abaixa<br />
contente.<br />
Se num longínquo monte desponta<br />
um leão que ele há muito tempo<br />
não vê, se o menino o chamar, o animal<br />
desce as corcovas poéticas da<br />
montanha e vem aos pés dele. Ele<br />
manda o animal girar, brinca um<br />
pouco com a sua juba, acha-o bonito.<br />
O leão ruge, mas ele não tem o<br />
menor medo.<br />
Caso chegue perto de um lago<br />
ou de um rio com peixes, chama-os<br />
e estes aparecem; ele olha e fica encantado.<br />
Quando encontra uma fruta que<br />
quer comer, a árvore se inclina. Ele<br />
tem o império sobre toda a natureza,<br />
sobre as coisas que existem fora<br />
dele; sobre o seu corpo, que não está<br />
sujeito à doença, nem ao cansaço,<br />
nem à morte; sobretudo – ah! sobretudo...!<br />
– ele tem o império sobre todo<br />
o seu ser espiritual e intelectual.<br />
Ele não propende para nada<br />
de mal, mas deseja tudo<br />
quanto é bom. Assim passeia pelo<br />
Paraíso, encantado de olhar as coisas<br />
até chegar a hora em que Deus desce<br />
com a brisa e vem conversar com<br />
ele!<br />
Este quadro é de tal maneira feito<br />
para nossa natureza, que eu não<br />
posso me impedir de sorrir enquanto<br />
o descrevo.<br />
Poder do demônio sobre a<br />
imaginação e a sensibilidade<br />
Entretanto, o homem, que não tinha<br />
nenhuma má inclinação, não tinha<br />
nenhuma tentação nascida da<br />
sua própria natureza, Deus permitiu<br />
que fosse tentado por um ser de<br />
fora, o demônio, um anjo. Há milhares<br />
de anjos condenados ao Inferno<br />
por toda a eternidade porque se revoltaram<br />
contra Deus e não querem<br />
outra coisa senão perder os homens,<br />
razão pela qual, continuamente, na<br />
medida em que Deus lhes dá permissão,<br />
vêm à terra e apresentam a tentação<br />
para o homem.<br />
Como é essa tentação? O demônio<br />
tem poder sobre a imaginação e<br />
a sensibilidade do homem e pode fa-<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
durante uma<br />
conferência<br />
em dezembro<br />
de 1984<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Francisco Alvaro<br />
zer com que este sinta uma determinada<br />
coisa de modo particularmente<br />
atraente ou pavoroso. De maneira a,<br />
por essa sensação, atrair ou fazer fugir<br />
o homem.<br />
Imaginemos um homem nas condições<br />
nossas atuais, com o pecado<br />
original, que vai atravessar uma<br />
ponte. Ele tem medo porque acha<br />
que esta não está muito firme, mas<br />
tem o dever de atravessá-la, por<br />
exemplo, para ir à Missa. Essa leve<br />
impressão não justifica que ele perca<br />
a Missa. Então o demônio mete<br />
medo nele: “Veja aquela água que<br />
passa... Você já pensou se a ponte<br />
cair e um pedaço de pau lhe<br />
cair na cabeça? Ou você bater<br />
o crânio numa pedra<br />
do fundo do rio... surgirão<br />
umas borbulhas e seu sangue<br />
sobe… Dentro de alguns<br />
dias será encontrado<br />
um cadáver inchado<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
de água, enorme, lá adiante.<br />
Você estará morto! Não<br />
atravesse a ponte!”<br />
Não dá vontade de atravessar.<br />
O demônio não quer que a<br />
pessoa vá à Missa. Ela mesma sente<br />
que esse medo é meio exagerado,<br />
mas não tem uma crítica muito segura<br />
disso e fica na dúvida. Ela deve se<br />
dar conta de que é coisa do demônio<br />
e deve vencê-lo dizendo: “Vade retro,<br />
satana! Angele Dei, qui custos es mei,<br />
me tibi commissum pietate superna,<br />
illumina, custodi, rege et guberna!” –<br />
“Afasta-te, satanás! Anjo do Senhor,<br />
meu zeloso guardador, já que a ti me<br />
confiou a piedade divina, me ilumina,<br />
guarda, rege e governa!” E continua<br />
andando! Foi vencida a tentação,<br />
o demônio foi derrotado!<br />
O demônio tentando o Doutor Fausto<br />
O demônio pode aumentar muito<br />
essa impressão. Por exemplo, a pessoa<br />
está atravessando a ponte, de repente<br />
põe o pé numa tábua, e ela,<br />
exatamente, está vacilando: “Está começando<br />
a cair a ponte, volte correndo<br />
para trás!” A tentação nunca dirá:<br />
“Acabe de atravessar a ponte até o<br />
fim”, porque aí vai para a Missa. Pelo<br />
contrário: “Volte correndo para trás,<br />
é o único jeito que tem.” A pessoa fica<br />
mais atrapalhada e, em certo momento,<br />
não atravessa. Não venceu a<br />
tentação! O demônio aumentou uma<br />
sensação de pânico, fazendo, na imaginação<br />
do indivíduo, a sensação real<br />
do perigo crescer. E o indivíduo cedeu,<br />
quando ele devia ter percebido<br />
que era tentação; ele pecou.<br />
Ilusões criadas pelo demônio<br />
para levar ao pecado<br />
Isso acontece quando se trata de<br />
uma coisa desagradável. Mas, com<br />
muito mais frequência, o demônio<br />
nos faz sentir agradáveis determinadas<br />
coisas. E então, por exemplo, ele<br />
quer evitar que um novato vá à sede<br />
de apostolado durante o dia. Ele<br />
abre a janela e se depara com o dia<br />
muito bonito. Nesta hora ele vê um<br />
primo passar no seu automóvel; este<br />
bate a buzina e o chama: “Vem cá!”<br />
Ele olha e tem aquele deslumbramento:<br />
o automóvel, o primo que<br />
está com uma lancha atrás e vai<br />
levar para Santos.<br />
O primo diz: “Seu bobo!<br />
O que está fazendo aí? Entre<br />
aqui, vamos para Santos,<br />
eu pago tudo!” O mar, o dia<br />
bonito, a comedoria, o primo<br />
que vai dizer coisas engraçadas,<br />
tudo é gratuito! É<br />
uma coisa incomparável!<br />
Essa impressão natural<br />
que o indivíduo pode ter, a<br />
vontade de se divertir, é posta e<br />
acrescida pelo demônio numa lente<br />
de aumento. O rapaz vê que aquilo é<br />
uma maravilha. Ele cede.<br />
12
O que ele vai encontrar em Santos?<br />
Que coisas imorais nas praias,<br />
que conversas das rodas que frequenta,<br />
que ocasiões de pecado ele<br />
vai ter de todo lado? O jovem pensará,<br />
porque o demônio mente: “Você<br />
resiste! Leve seu rosário, bem escondido<br />
de seu primo, porque ele não<br />
tolera isso, mas leve-o. Segure-o na<br />
mão na ocasião da tentação!” Não é<br />
verdade? Porque facilitou, se expôs<br />
ao perigo. O demônio aumentou a<br />
sede daquela coisa, uma sede devoradora:<br />
“Irei a Santos também!”<br />
O indivíduo pecou inúmeras vezes<br />
durante a estadia lá, pelo menos<br />
por pensamentos e palavras. Pecou<br />
e volta a São Paulo jururu, triste, o<br />
primo também; no caminho de volta<br />
os dois quase não conversam. O primo<br />
deixa-o em casa e some. Ele fica<br />
diante de si com o problema de dar<br />
satisfações aos que frequentam com<br />
ele uma de nossas sedes, explicando-<br />
-lhes por que não foi no domingo.<br />
Cambaleio entre a ajuda do<br />
Anjo e as tramas do demônio<br />
Chega de novo a vez do demônio:<br />
“Você já pensou que vai encontrar<br />
tal senhor lá, que vai olhá-lo e mergulhar<br />
aquele olhar até o fundo dos<br />
seus olhos? O que você vai fazer nessa<br />
ocasião? Vai contar o que fez? Já<br />
pensou na má impressão que ele vai<br />
ter a seu respeito?”<br />
O Anjo da Guarda diz no ouvido<br />
dele: “Meu filho, vá! Será um pouco<br />
desagradável você contar o que fez,<br />
mas ele imediatamente vai lhe dizer<br />
que tenha ânimo, vai rezar com você,<br />
vai recomendar que se confesse<br />
com um sacerdote, receba a absolvição<br />
e que não pense mais nisso. Vai<br />
ser a paz de sua alma.”<br />
Ouve um pouquinho, a tentação<br />
volta: “O padre também vai achar<br />
feio o que você fez…”<br />
É a tentação! O indivíduo está<br />
projetado para um campo maior do<br />
que o da sua natureza. O Anjo o ajuda<br />
com luzes que não são humanas,<br />
o demônio o tenta com impressões<br />
que não são humanas também. Ele<br />
está ali cambaleando entre a ajuda<br />
angélica e a perdição satânica.<br />
Ficamos sujeitos aos<br />
desejos desregrados<br />
Como fazer para vencer uma tentação?<br />
Há duas defesas. Primeiro,<br />
contra a tentação natural, depois<br />
contra a tentação preternatural. Nós<br />
não devemos imaginar que vencemos<br />
todas as tentações apenas combatendo<br />
uma a uma. Isto não é verdade.<br />
Por causa do pecado original,<br />
nós ficamos bem diferentes do que<br />
eram nossos primeiros pais.<br />
Adão e Eva pecaram e ficaram<br />
sujeitos aos desejos desregrados, à<br />
morte, à doença e ao cansaço; a mulher<br />
ficou sujeita a ter o seu filho na<br />
dor, e a vida passou a ser difícil. O<br />
homem, estavelmente, pela sua própria<br />
natureza, ficou com horror das<br />
dificuldades da vida. De outro lado,<br />
ficou com apetência, muitas vezes<br />
exagerada, por algumas coisas agradáveis<br />
da vida.<br />
Todo homem tem horror a determinados<br />
esforços, sacrifícios e tem<br />
desejo de certos gêneros de prazeres.<br />
Antes de tudo, o pecado contra<br />
a castidade é o prazer que mais atrai<br />
as míseras criaturas humanas. Mas,<br />
além disso, há uma porção de outros<br />
prazeres, um dos quais é o do orgulho,<br />
da vaidade, do amor-próprio.<br />
Ser mais do que os outros, olhar os<br />
outros de cima para baixo, comparar-se<br />
com eles, desprezá-los, falar<br />
mal para evitar que se forme dos outros<br />
uma opinião melhor do que a<br />
nossa, difamá-los. Tudo isso é fruto<br />
do orgulho.<br />
Força e eficácia da<br />
preparação remota<br />
O orgulho e a sensualidade são as<br />
duas principais tentações naturais do<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
13
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
homem. O homem não vai resistir<br />
a todas as ocasiões de tentação<br />
contra a pureza se, apenas<br />
quando está diante de uma<br />
coisa impura, ele trata de<br />
não cair. Ele tem que<br />
se preparar remotamente<br />
e pensar no<br />
seguinte: “Eu sou<br />
pecável, sou fraco!<br />
Nas horas da<br />
tentação contra a<br />
pureza, eu já verifiquei<br />
que facilmente<br />
posso cair.<br />
A apetência é tão<br />
grande e tão miserável<br />
que, num instante,<br />
eu posso violar<br />
o Sexto Mandamento,<br />
o qual diz: ‘Não pecarás<br />
contra a castidade.’”<br />
E, por causa disso, desde<br />
já, deve refletir como é mau pecar<br />
contra a castidade; como se degrada o<br />
homem que não é capaz de conter as<br />
apetências de seu próprio corpo e procede<br />
como um animal desregrado; como<br />
é censurável o homem que se deixa<br />
arrastar pelo transbordamento de<br />
sua própria impureza.<br />
É preciso que, nas horas em que<br />
o jovem está sozinho se vestindo,<br />
engraxando os sapatos, escovando<br />
os dentes, fazendo as mil coisas<br />
que se fazem a sós, está estudando,<br />
qualquer coisa, ele deve ter uma segunda<br />
intenção, uma segunda ideia,<br />
uma segunda preocupação: “Se vier<br />
alguma coisa contra a castidade, eu<br />
desviarei o meu espírito, desviarei<br />
os meus olhos, cerrarei os meus ouvidos;<br />
contra a castidade, não quero<br />
ouvir nada!”<br />
É duro! Mas, como eu admiro essa<br />
dureza! Como eu respeito e venero<br />
aqueles que têm força de vontade<br />
pelo hábito de dizer não para suas<br />
más inclinações quando estas se<br />
apresentam no horizonte!<br />
É absolutamente evidente que isso<br />
impõe admiração! O homem casto se<br />
Rodrigo C. B.<br />
Nossa Senhora da Pureza - Basílica<br />
de Santo André do Vale Roma<br />
impõe ao respeito dos outros, ainda<br />
quando eles fingem caçoar, dar risada.<br />
E, por essa forma, o homem casto<br />
adquire um domínio sobre si e uma<br />
coerência, uma lógica, uma transparência<br />
de espírito, que repercute até<br />
na sua inteligência. Esta fica mais<br />
destra, mais clara; a sua capacidade<br />
de expressão fica mais fluente, mais<br />
lógica; as suas ações são mais correntes,<br />
os seus pensamentos são mais<br />
definidos, simplesmente porque ele<br />
pratica a pureza!<br />
O jovem que quer praticar a pureza<br />
deve olhar para seus companheiros<br />
que são assim e dizer: “Como isso<br />
é belo, nobre e limpo! E como eu<br />
me entusiasmo com isso! Eu vou fazer<br />
o mesmo!” Então ele adquire a<br />
decisão habitual de lutar contra a<br />
impureza, de maneira que, quando<br />
se apresenta a tentação, ele não cai.<br />
Mas, se cada vez que vem a tentação,<br />
tem uma conversa dessas como<br />
vimos acima, é claro que, de vez em<br />
quando, há de cair!<br />
Algo que tanto pode acontecer<br />
como não acontecer,<br />
de vez em quando acontece.<br />
Ora, um homem<br />
que não tem uma resolução<br />
firme, profunda,<br />
estável de<br />
não pecar contra<br />
a castidade, que<br />
não tem convicção<br />
esclarecida,<br />
racional, positiva,<br />
do porquê é nobre<br />
e belo ser puro,<br />
este homem,<br />
quando se apresenta<br />
a tentação, começa<br />
a balançar. E quando<br />
balanceia, tanto pode<br />
cair, quanto não cair. É<br />
uma coisa evidente. E se ele<br />
tanto pode cair como não cair,<br />
de vez em quando cai.<br />
Depois dirá: “Eu não aguentei…”<br />
Meu caro, seja pelo menos honesto:<br />
você não se preparou, não teve<br />
umas dessas decisões que equivalem<br />
a uma preparação remota. E daí<br />
lhe aconteceu o que aconteceu. Peça<br />
perdão e resolva colocar o remédio<br />
na raiz do mal! E isto é você não<br />
ter o estado de alma habitual de admiração<br />
pela pureza!<br />
O indivíduo deve saber raciocinar<br />
e explicar bem para si mesmo o porquê<br />
da pureza e compreender que<br />
é uma coisa altamente agradável a<br />
Deus, é racional! Praticar a pureza<br />
– e aí entra a decisão firme – custa<br />
sacrifícios; eu farei esses sacrifícios,<br />
mas não cairei na impureza!<br />
Dinamismo das tentações<br />
preternaturais<br />
Agora então vem o problema:<br />
existem tentações meramente naturais?<br />
Existem tentações meramente<br />
preternaturais? Eu ouvi dizer que<br />
há uma escola de teólogos que afir-<br />
14
ma isto e outra que nega: que, quando<br />
há uma tentação natural, entra<br />
o preternatural. E, pelo contrário,<br />
quando há uma tentação preternatural,<br />
a natureza já vai galopando atrás<br />
e dando solidariedade. Eu confesso<br />
ter simpatia por esta escola. Vendo<br />
uma pessoa com uma tentação natural,<br />
o demônio imediatamente fica<br />
de olho em cima, pula e começa<br />
a sussurrar e a inflar aquela impressão.<br />
Entretanto, há algumas tentações<br />
em que o fator preternatural é muito<br />
visível. Quais são? Como se pode<br />
distinguir uma tentação onde a<br />
ação do demônio é particularmente<br />
intensa? Esta tentação se dá, sobretudo,<br />
com alguns sintomas; um deles<br />
é a perturbação. Quando a pessoa se<br />
perturba e fica agitada, estejam certos<br />
de que o demônio está dentro. O<br />
Espírito de Deus é de paz. A perturbação<br />
é um mal e nós devemos resistir<br />
a ela de todos os modos.<br />
Por outro lado, o homem deve,<br />
pelo seu próprio movimento, prestar<br />
muita atenção no seguinte: quando<br />
ele está obcecado por uma ideia<br />
e esta não lhe sai do espírito, é muito<br />
mais provável que seja uma ideia<br />
preternatural. E, às vezes, é uma coisa<br />
insignificante.<br />
Uma pessoa forma, por exemplo,<br />
uma ideia fixa de passar por um bar<br />
e tomar um cálice de algum licor. Se<br />
martela aquela ideia, tome cuidado!<br />
Porque tomar um só licor num bar<br />
não é pecado. Mas, se dá uma ideia<br />
fixa, tem alguma desordem atrás disso.<br />
E nessa desordem entra alguma<br />
coisa do demônio. Cuidado com<br />
o demônio! Quando estiverem com<br />
uma ideia fixa qualquer, saibam dizer:<br />
“Eu não vou, porque eu suspeito<br />
que ali esteja o demônio!”<br />
Princípio do “agere contra”<br />
Eu tenho certeza de que se o indivíduo<br />
resiste, vem logo depois uma<br />
observação: “Mas, por quê? Isso não<br />
é pecado. Tomar um cálice de licor<br />
não tem nada! Pergunte para qualquer<br />
padre!” É claro que o padre vai<br />
dizer que não é pecado. Em si mesmo,<br />
que pecado há em tomar um cálice<br />
de Anisete? Não tem pecado, é<br />
evidente. Mas é o sussurro do demônio<br />
dentro da alma.<br />
Aquela ideia fixa indica que ou o<br />
demônio quer fazer a pessoa gostar<br />
exageradamente daquilo para incutir<br />
o vício, ou quer que a pessoa vá<br />
lá para ter um certo encontro que<br />
vai lhe fazer mal. Alguma coisa ele<br />
quer, e sempre que nós percebemos<br />
que o demônio quer alguma<br />
coisa de nós, devemos fazer o contrário.<br />
É o agere contra, agir contra, indicado<br />
por Santo Inácio de Loyola: o<br />
demônio pediu, faça o contrário, cegamente!<br />
“Não, não e não!” Se ele<br />
perguntar por quê, não lhe devo dar<br />
resposta, está acabado! Com mulher<br />
pública não se conversa, menos ainda<br />
com o demônio.<br />
Quem tem a alma construída assim,<br />
esse tem possibilidade de resistir<br />
às tentações.<br />
O vício de rir<br />
Um outro vício é o de rir. Há gente<br />
que não sabe viver a não ser dando<br />
risada ou fazendo os outros rir;<br />
a risada é o ar para eles respirarem.<br />
Basta a pessoa perceber que tem o<br />
vício de rir, para compreender que<br />
não deve fazê-lo; por quê? Porque é<br />
uma tendência deformada e exagerada<br />
do espírito. Rir de vez em quando<br />
a respeito de uma coisa que tem<br />
graça está de acordo com a ordem<br />
da natureza. Mas, de si, é um defeito<br />
achar agrado só no riso, na brincadeira<br />
e passar a vida inteira querendo<br />
brincar e fazendo brincar os<br />
outros com palhaçadas, tomar com<br />
aborrecimento uma conversa superior,<br />
uma conferência séria, uma boa<br />
leitura.<br />
Resultado: a pessoa deve ir ao<br />
ponto oposto e só rir raramente,<br />
quando a boa situação exige. Fora<br />
disso não se ri; muito menos quando<br />
a razão do riso é a imoralidade. Aí a<br />
pessoa pode melhorar. Do contrário,<br />
acaba numa dessas crônicas faltas de<br />
seriedade que dão numa crônica falta<br />
de amor de Deus. Porque Deus é<br />
perfeitíssimo e infinitamente sério,<br />
e não O ama quem vive no meio da<br />
brincadeira.<br />
Eis a descrição dos problemas da<br />
tentação e como nos preparar para<br />
resistir a ela.<br />
J. P. Braido<br />
15
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Luis C. R. Abreu<br />
Ter a própria alma nas mãos<br />
O demônio pode sugerir a alguém<br />
a seguinte objeção: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a vida<br />
assim se torna muito difícil, eu<br />
não aguento isso.” Eu digo: “Meu filho,<br />
é o contrário. Tente viver assim<br />
e você verá a paz, a alegria que terá<br />
sua alma e como você viverá bem.”<br />
Uma das mais assinaladas mentiras<br />
do demônio é a ideia de que no<br />
pecado se encontra a felicidade. Ela<br />
se encontra exatamente no oposto:<br />
na pureza, na sobriedade, no completo<br />
governo de si mesmo, naquele<br />
estado de alma magnífico de que fala<br />
o epitáfio do Frei Galvão, na Igreja<br />
de Nossa Senhora da Luz.<br />
Em latim está escrita na<br />
lápide uma breve biografia<br />
dele: “Aqui jaz Frei Antônio<br />
de Santana Galvão, frade<br />
franciscano, fundador do<br />
convento etc.”, e no fim diz:<br />
“Qui animam suam in manibus<br />
suis semper tenens, placide<br />
obdormivit in Domino”,<br />
“que tendo sempre nas suas<br />
mãos a sua própria alma,<br />
adormeceu placidamente no<br />
Senhor.”<br />
É mais importante o homem<br />
ser o senhor da sua alma<br />
do que ter conquistado<br />
impérios, ser dono de parques<br />
industriais, de conjuntos<br />
bancários, ser uma celebridade<br />
como ator ou como qualquer outra<br />
coisa. Isso conseguiu o humílimo Frei<br />
Galvão e, por causa disso, até hoje, as<br />
almas que passam por lá com desejos<br />
de fidelidade entram e rezam a ele. E<br />
eu quero bem crer que ele fique alegre<br />
quando se lhe pede ter sempre nas<br />
mãos a própria alma. Esse é o domínio.<br />
Ser um Napoleão que conquista<br />
muitos povos, do que vale se não se<br />
domina a si mesmo? Eu prefiro, mais<br />
do que qualquer outra coisa, o mais<br />
humilde dos homúnculos ou<br />
das mulherzinhas que passa<br />
pela rua carregando um peso,<br />
com salto de sapato desgastado,<br />
com um pulôver arruinado,<br />
com um xale raspado pela<br />
rua, mas que tem uma fisionomia<br />
firme, que olha para<br />
frente, tem o passo certo e<br />
que tem nas suas mãos a sua<br />
própria alma.<br />
Para isso é preciso ter força.<br />
Diz muito bem a frase:<br />
“Força, energia, ênfase, resolução!”<br />
Nenhum homem,<br />
eu, por exemplo, não tenho<br />
por minha natureza nem força,<br />
nem energia, nem ênfase,<br />
nem resolução para resistir<br />
ao pecado. O remédio é pedir<br />
a graça de Deus. Aí a nossa alma<br />
se torna vigorosa, tem força, energia,<br />
ênfase, resolução!<br />
A graça age de maneira a dar força,<br />
energia, ênfase e resolução à nossa<br />
vontade. Portanto, isso só se consegue<br />
obtendo a graça de Deus, mas<br />
quem não a pede por meio de Nossa<br />
Senhora, não a consegue. O nosso<br />
admirável São Luís Maria Grignion<br />
de Montfort ensina e acredita<br />
na verdade de fé, a qual eu espero<br />
que a Igreja algum dia ainda transforme<br />
em dogma, sobre a mediação<br />
universal de Nossa Senhora.<br />
Quer dizer, tudo quanto um homem<br />
ou a corte celeste peça a Deus<br />
sem ser por meio de Nossa Senhora,<br />
não obtém. Quando um só pecador<br />
na Terra pede por meio d’Ela, por<br />
mais atolado que esteja no pecado,<br />
ele obtém. Por meio de Maria Santíssima<br />
sobem a Deus todas as nossas<br />
preces e baixam sobre os homens<br />
todas as graças. Devemos, portanto,<br />
pedir a Ela que nos dê a energia<br />
necessária para isso. Se chegarmos<br />
a esta conclusão, então teremos feito<br />
uma meditação muito boa sobre a<br />
tentação.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
15/12/1984)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
16
Hagiografia<br />
Fallaner (CC3.0)<br />
Santo Ampélio e o<br />
“turismo” das almas<br />
Os verdadeiros monumentos deste mundo<br />
são as almas dos homens. Santo Ampélio<br />
foi, muito presumivelmente, um modelo no<br />
discernir, contemplar e admirar as almas.<br />
T<br />
emos<br />
para comentar uma<br />
ficha sobre a biografia de<br />
Santo Ampélio, o Ferreiro 1 .<br />
Santo eremita e ferreiro<br />
A vida de Santo Ampélio, apelidado<br />
“o Ferreiro”, é toda ela lendária,<br />
dando-o como originário do Egito,<br />
ferreiro de profissão.<br />
Almejando vida mais perfeita, sempre<br />
em busca de Deus, foi procurar os<br />
solitários que viviam na Tebaida e a<br />
eles prestou serviços os mais variados,<br />
inclusive os da própria profissão.<br />
Como Ampélio se aperfeiçoasse rapidamente,<br />
caminhando com segurança<br />
na vereda que leva ao Céu, o<br />
demônio, agastado, resolveu agir para<br />
perdê-lo. Transmudou-se numa jovem<br />
impudica e foi haver-se com o Santo<br />
Confessor, que o venceu facilmente.<br />
Quando a mulher, aproximando-se,<br />
procurava seduzi-lo, o ferreiro, com<br />
um ferro em brasa nas mãos, avançou<br />
para ela para queimá-la e a espantou<br />
para sempre, com a ajuda de Deus.<br />
Já velho, deixou a Tebaida e foi para<br />
as imediações de Gênova, onde levou<br />
vida de santificação e contemplação,<br />
ali falecendo no dia 5 de outubro,<br />
cerca do ano 410.<br />
Santo Ampélio é o padroeiro dos<br />
ferreiros.<br />
Ferreiro ambulante<br />
na Tebaida<br />
Afirmar que a vida dele é toda<br />
lendária é um modo de dizer. Se ele<br />
foi canonizado pela Igreja, tem-se a<br />
certeza de que ele existiu e, de fato,<br />
Santo Ampélio - Igreja de Santo Ampélio, Bordighera, Itália<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
17
Hagiografia<br />
foi santo. Muitas vezes, aquelas primeiras<br />
canonizações não eram feitas<br />
regularmente. Havia uma inspiração<br />
do Espírito Santo, a qual fazia<br />
com que a voz do povo considerasse<br />
alguém como santo. E então, era de<br />
fato proclamado santo. Mas, aí estava<br />
engajada a autoridade da Igreja<br />
também, embora sem o processo regular<br />
de canonização que se faz hoje<br />
em dia.<br />
Os dados biográficos deste Santo<br />
são muito pobres e, portanto, pobres<br />
também têm que ser, por força,<br />
os comentários que a respeito dele<br />
eu possa fazer. Entretanto, podemos<br />
imaginar mais ou menos o que<br />
seria a vida de Santo Ampélio como<br />
ferreiro ambulante, na Tebaida do<br />
século V.<br />
Nesse século precisamente, a<br />
instituição eremítica estava ganhando<br />
o seu verdadeiro feitio.<br />
Porque durante os séculos anteriores,<br />
III e IV, sobretudo, nos Impérios<br />
Romanos do Ocidente e do<br />
Oriente se perseguiam muito os católicos.<br />
A vida deles era em extremo<br />
difícil e muitos deles fugiam<br />
para o deserto a fim de não serem<br />
presos ou torturados. Ali passavam,<br />
às vezes, uma vida longa, até<br />
noventa anos ou mais, na tranquilidade<br />
absoluta do deserto, rezando<br />
a Deus e pedindo pela Igreja Católica<br />
de tal maneira perseguida.<br />
Grandes provações para<br />
almas muito amadas<br />
Nesta Terra, Deus não permite que<br />
a vida de ninguém seja sem provações<br />
grandes. E, sobretudo, são provações<br />
até heroicas, daquelas pessoas que<br />
Deus ama mais e destina a prestarem<br />
um serviço mais especial à Igreja.<br />
Não devemos imaginar que o único<br />
martírio que esses eremitas, indo para<br />
a Tebaida, sofriam eram o do isolamento<br />
e do silêncio, o que constituía<br />
de fato um martírio. Imaginemos no<br />
homem que tem o instinto de sociabilidade<br />
e, portanto, a tendência de se<br />
comunicar, o que pode representar de<br />
sofrimento passar sem ver absolutamente<br />
ninguém durante quarenta, cinquenta<br />
anos, a não ser um ou outro raro<br />
visitante que ia, de vez em quando,<br />
e que ninguém sabia bem quem era.<br />
Porque, se às vezes podia ser uma alma<br />
necessitada que ouvia falar daquele<br />
eremita e, então, empreendia uma<br />
viagem arriscada para lhe pedir orações,<br />
muitas vezes era algum bandido<br />
ou criminoso político que estava fugindo<br />
da polícia ou das autoridades, algum<br />
lunático, algum maníaco, às vezes<br />
até um possesso do demônio que estava<br />
correndo por aquelas zonas.<br />
É preciso acrescentar algo que<br />
é curioso e real. Os lugares muito<br />
ermos, isolados, se não são muito<br />
abençoados, às vezes são especialmente<br />
infestados pelo demônio.<br />
Por exemplo, certos baixios ou grutas<br />
muito profundas, certos lugares<br />
horríveis aonde nunca vai ninguém,<br />
pântanos, locais malcheirosos, são<br />
lugares onde, com facilidade, os demônios<br />
procuram como permanência<br />
habitual e de onde eles saem para<br />
fazer infestações. E esses eremitas<br />
se situavam onde conseguiam.<br />
Às vezes eram lugares lindos, às vezes<br />
feios ou até comuns. Eles estavam<br />
ali, sofrendo todos os inconvenientes<br />
do isolamento, inclusive certa<br />
presença preternatural.<br />
O homem, feito para a luta,<br />
sofre provações interiores<br />
Mas isso não é nada. O homem é<br />
de tal maneira feito para a reflexão,<br />
para a luta e para a dor, que quando<br />
ele foge disso e se põe no deserto,<br />
dentro de sua alma nascem os problemas,<br />
nasce a luta e nasce a dor. E<br />
acaba, então, padecendo as provações<br />
interiores que são, muitas vezes,<br />
mais terríveis que as provações<br />
exteriores.<br />
O que é uma provação interior?<br />
Um eremita vai para o êremo; nos<br />
primeiros tempos, sente uma alegria,<br />
uma consolação, as graças de Deus<br />
inundam sua alma; aos poucos, aquilo<br />
vai se afastando e perde toda a unção<br />
primeira. Ele começa a se sentir<br />
Gleb Simonov (CC3.0)<br />
Tebaida, no século V - Museu Fiorentino, Itália<br />
18
José Rosael/Hélio Nobre/Museu Paulista da USP(CC3.0)<br />
Região do Convento da Luz em 1860 - Museu Paulista, São Paulo<br />
isolado, triste, deprimido, abatido,<br />
com problemas, com questões e com<br />
mal-estar. De repente, começa a tentação<br />
a zumbir dentro de sua alma.<br />
E com a tentação, às vezes começam<br />
também as infestações diabólicas.<br />
A pior de todas é a tentação contra<br />
a Fé. Ele é convidado pelo demônio<br />
a pôr em dúvida a própria Religião<br />
Católica. Os demônios aparecem<br />
aos eremitas e fingem festins de<br />
Roma, de Alexandria, de outros lugares<br />
em que eles estão, têm alucinações.<br />
Tudo acontece.<br />
No século V, o número de eremitas<br />
era muito grande, mas já não era<br />
determinado mais pelo medo das<br />
perseguições – que acabaram com<br />
Constantino e com a invasão de Roma<br />
pelos bárbaros –, mas pelo temor<br />
de se perderem nas grandes cidades<br />
e pela vontade de oferecerem<br />
a Deus o holocausto da sua solidão.<br />
E houve tantos e tantos desses homens<br />
nessa época, que se chegou a<br />
dizer que o deserto estava formigando<br />
de eremitas.<br />
Em todas as épocas da Civilização<br />
Cristã houve eremitas em grande<br />
quantidade. A nossa época é a<br />
infeliz época sem verdadeiros eremitas.<br />
Um bairro outrora<br />
povoado de eremitas<br />
Eu costumo ir com frequência, à<br />
tarde, na Igreja da Luz 2 , fazendo minhas<br />
orações no percurso. E nunca<br />
deixo de me lembrar, quando passo<br />
por lá, que, nas histórias da cidade<br />
de São Paulo, conta-se que o bairro<br />
da Luz era povoado por eremitas,<br />
os quais moravam ali, nas voltas<br />
e contornos do rio Tietê, particularmente<br />
poético pela névoa que existia<br />
naquele tempo, em certas épocas<br />
do ano, sobretudo no Tietê, naquela<br />
zona mais úmida. Havia também<br />
uma quantidade enorme de garças<br />
que voavam de um lado para outro e<br />
que encantavam Frei Galvão quando<br />
ele passava por lá.<br />
Esses eremitas tão numerosos<br />
eram servidos, às vezes, por ambulantes,<br />
que iam visitá-los e levavam<br />
coisas, que faziam caridade para<br />
eles.<br />
Grande “guia de<br />
turismo” dos esplendores<br />
espirituais do deserto<br />
Santo Ampélio era ferreiro. Podemos<br />
imaginar que vida curiosa e que<br />
forma única de turismo, o turismo das<br />
almas. Ferreiro de profissão, vai gratuitamente<br />
de ponto em ponto para<br />
visitar tal eremita; tem um que fez tal<br />
milagre, mais adiante tem outro que<br />
se destaca por tal outra virtude; mais<br />
adiante tem uma eremita célebre, porque<br />
é mãe de um imperador. E assim<br />
vai conhecendo alma por alma, vai revisitando<br />
os itinerários conhecidos e<br />
prestando serviços de bater ferro ou<br />
fazer alguma peça de que eles precisam<br />
para facilitar sua vida material.<br />
É provável que ele fizesse tudo aquilo<br />
sem falar, quiçá recebendo apenas<br />
do eremita algum conselho – se o pedisse<br />
– para sua própria vida espiritual.<br />
Dessa forma acabou sendo um<br />
verdadeiro Guide Bleu 3 – o grande<br />
guia de turismo da Europa – dos esplendores<br />
espirituais do deserto:<br />
“Se quer conhecer alguém que tem<br />
19
Hagiografia<br />
o dom da profecia, vire<br />
por ali e desça lá, naquela<br />
gruta há um velho;<br />
se quer conhecer alguém<br />
que é heroico nas<br />
penitências, suba até o<br />
alto daquele morro, lá<br />
tem um jovem que se flagela<br />
de um modo admirável.<br />
Mais adiante tem<br />
um que se levanta a tal<br />
medida assim do solo,<br />
quando chega ao meio-<br />
-dia, para saudar Nossa<br />
Senhora! E, mais adiante,<br />
quando chegar a noite,<br />
vai ver dormir na paz,<br />
enquanto uivam as feras<br />
lá fora, o grande eremita<br />
tal, cujo sono é edificante<br />
e traz paz a todo mundo<br />
que o contempla.”<br />
Com certeza Santo<br />
Ampélio, com seus dons<br />
de ferreiro, foi um visitador,<br />
um “turista” da santidade,<br />
pelos desertos. E<br />
ele era movido pelo encanto,<br />
pelo entusiasmo<br />
que lhe causava o contato<br />
com almas tão extraordinárias.<br />
Conhecer, discernir<br />
e admirar as almas<br />
Timóteo Reis<br />
Se essa hipótese – perfeitamente<br />
plausível – é verdadeira, então nós<br />
sabemos qual é a virtude que podemos<br />
imitar de um santo tão desconhecido<br />
no geral de sua biografia.<br />
Peçamos que ele nos comunique<br />
uma dupla graça: termos o desejo<br />
de conhecer as almas, termos discernimento<br />
para perceber como elas<br />
são, acompanhados da graça de admirar<br />
em cada alma aquilo que é reto,<br />
segundo Deus, aquilo que ela seria<br />
se fosse inteiramente fiel e o grau<br />
de fidelidade que dentro dela existe<br />
e que a faz um reflexo especial de<br />
Deus.<br />
Réplica da Sagrada Imagem na Sede do Reino de Maria<br />
Saber também discernir nas almas<br />
o que é ruim e, na consideração do<br />
que é ruim, a contrario sensu, ficar<br />
amando o que é bom.<br />
Eu lhes garanto que uma pessoa<br />
que passasse sua vida apenas estudando<br />
e conhecendo as almas levaria<br />
uma vida muito mais entretida do<br />
que se fizesse qualquer outra coisa;<br />
com certeza seria mais interessante<br />
do que tomar um avião e ir para Delhi,<br />
de lá para Xangai, dali para não<br />
sei que ponto da América do Sul, do<br />
Norte ou da Suécia, entrando em aeroportos,<br />
hospedando-se em hotéis,<br />
vendo monumentos e ficando com<br />
a alma vazia. Os verdadeiros monumentos<br />
deste mundo são<br />
as almas dos homens. E<br />
não há nada mais belo,<br />
mais interessante, mais<br />
atraente, do que conhecermos<br />
as almas.<br />
Gosto em conhecer<br />
as almas<br />
Eu confesso que o<br />
pouquinho que a experiência<br />
do contato com as<br />
almas me tem dado, faz<br />
com que, nas poucas viagens<br />
que fiz, o que me<br />
interessa mais é conhecê-las,<br />
inclusive as almas<br />
dos homens sem alma.<br />
Até essas são interessantes<br />
de conhecer.<br />
Lembro-me que uma<br />
vez viajei do Rio para<br />
Paris ao lado de um holandês,<br />
que vinha da Indonésia<br />
e ia descer em<br />
Londres; ele “não” tinha<br />
alma. Eu o olhei de soslaio<br />
e pensei: “Mas que<br />
horrível! Isso é uma longilínea<br />
posta de carne,<br />
ele não tem alma, não<br />
tem nada! O que é esse<br />
homem? Deve ser interessante<br />
conversar com<br />
ele para conhecer a alma de um homem<br />
sem alma.”<br />
Fiz, então, um comentário com<br />
ele a respeito de qualquer coisa, sobre<br />
a rapidez do avião. E conversamos<br />
em alguns trechos da viagem.<br />
Eu fiquei vendo o vazio de um homem<br />
completamente sem alma que<br />
se sentia bem no corpo – porque era<br />
evidente que ele tinha uma invejável<br />
saúde e fazia disso sua alegria – mas<br />
ficava sempre comprimindo uma alma<br />
que persistia em voltar e dizer-<br />
-lhe que não estava satisfeita. De<br />
maneira que havia nele, ao lado de<br />
muita saúde, horas de tanta tristeza,<br />
de tanta amargura e de tanto vazio,<br />
20
que disso fiz para mim um tema de<br />
meditação e – eu lhes garanto – entretenimento.<br />
Quando eu converso com uma<br />
pessoa, com duas, às vezes com duzentas,<br />
eu me entretenho ao olhar<br />
para as almas e muitas vezes me alegro.<br />
Sempre aprendo alguma coisa e<br />
sempre saio com melhor capacidade<br />
de conhecer minha alma, conhecendo<br />
as almas dos outros.<br />
Aqui está um convite para começarem<br />
a ser amatores animarum, da<br />
categoria de gente que ama as almas,<br />
que gosta de conhecê-las.<br />
A mais alta relação entre<br />
duas almas perfeitíssimas<br />
Haveria algo na vida de Nosso Senhor<br />
que seria um exemplo adequado<br />
para isso? Toda a vida d’Ele é isso.<br />
Tudo quanto Ele fazia era feito<br />
em função de um conhecimento perfeito<br />
das almas com que tratava. E<br />
tudo ajustado às condições e às necessidades<br />
delas.<br />
Ele estava continuamente<br />
com a mente posta no Padre<br />
Eterno e nas almas com<br />
que tratava, olhando-as e considerando-as<br />
logo no primeiro<br />
olhar, como, por exemplo<br />
com aquele moço rico. Diz o<br />
Evangelho que Nosso Senhor<br />
o olhou e o amou (Mc 10, 21).<br />
Quer dizer, viu a alma dele e<br />
o amou por causa de sua fidelidade.<br />
E assim por diante,<br />
quantas outras ocasiões em<br />
que Nosso Senhor, quando<br />
tratava com os fariseus, era a<br />
alma que Ele via e conhecia<br />
até o fundo. E por isso Ele,<br />
com sua sabedoria, sua santidade<br />
infinita, remexia até o<br />
fundo os acontecimentos dos<br />
povos com que Ele tomava<br />
contato.<br />
Podemos imaginar qual<br />
era a alegria de Nosso Senhor<br />
quando olhava para Nossa<br />
Senhora e via a alma perfeitíssima<br />
d’Ela. É uma alegria de que nós não<br />
podemos ter ideia. Entretanto, podemos<br />
ter uma ideia indireta, ao ver<br />
a imagem de Nossa Senhora de Fátima<br />
Peregrina na Sede de seu Reino;<br />
quando reflete algo da alma d’Ela,<br />
de tal maneira nos encanta, de tal<br />
maneira atrai multidões, e nós, como<br />
ficamos encantados vendo aquela<br />
expressão de alma!<br />
Se víssemos Nossa Senhora pessoalmente,<br />
qual seria nossa impressão,<br />
nossa sensação? É simplesmente incalculável!<br />
Isso, mas num grau levado a que<br />
auge, Nosso Senhor tinha quando<br />
olhava para Nossa Senhora. Ela<br />
também tinha quando olhava para<br />
Ele. E, na troca de olhares, quando<br />
se encontravam e quando Ele dizia:<br />
“Minha Mãe!”, e Ela dizia: “Meu Filho!”,<br />
o que entrava ali de comércio<br />
de almas! É a relação mais nobre,<br />
mais alta, mais perfeita que houve<br />
em toda a História. Foi essencialmente<br />
uma relação de almas.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em 1976<br />
Amar as almas<br />
desinteressadamente<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Então, procuremos ser dos que<br />
gostam de pensar nas almas; procuremos<br />
conhecê-las e interessarmo-<br />
-nos por elas.<br />
Existe algum obstáculo para isso?<br />
Sim! É quando estamos tratando<br />
com os outros e não pensamos nas<br />
almas deles, mas em nós mesmos. Aí<br />
ficamos incapazes de conhecê-los.<br />
Quando uma pessoa está estudando<br />
os outros, não para ver como são,<br />
mas para ver que efeito está produzindo<br />
neles; se a estão considerando<br />
prestigiosa, fina, inteligente, enfim,<br />
a cavalgata das vaidades, e então fala<br />
preocupada só em saber qual é essa<br />
repercussão, dando a essa preocupação,<br />
ainda que seja uma pequena<br />
importância, a pessoa desce um véu,<br />
começa a olhar para si e não olha para<br />
o outro, não conhece ninguém.<br />
É preciso amar as almas desinteressadamente,<br />
querer conhecê-las<br />
como reflexo de Deus. Acabar com o<br />
“eu, eu, eu”, com a ideia fixa<br />
de si mesmo. Contemplar esse<br />
maravilhoso mundo das almas,<br />
do qual Santo Ampélio,<br />
o Ferreiro foi, muito presumivelmente,<br />
um modelo. É o ensinamento,<br />
o tema da meditação<br />
de hoje. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
14/5/1976)<br />
1) ROHRBACHER, René François.<br />
Vida dos Santos. São Paulo:<br />
Editora das Américas, 1959. Vol.<br />
VIII. p. 358-359.<br />
2) Adjacente ao Mosteiro da<br />
Imaculada Conceição da Luz,<br />
conhecido simplesmente como<br />
Mosteiro da Luz, de monjas concepcionistas,<br />
localizado na Av.<br />
Tiradentes, centro de São Paulo.<br />
3) Série de guias de viagens publicados<br />
em francês, desde 1918.<br />
21
Reflexões teológicas<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
O Anjo da Guarda,<br />
como se comunicar<br />
com ele?<br />
Embora os Anjos sejam puros espíritos,<br />
sem corpo, sem voz e o homem não<br />
tenha recursos naturais para vê-los<br />
ou percebê-los, o Anjo da Guarda não<br />
deixa de se manifestar através de muitos<br />
meios, um deles é a consolação.<br />
Entreguei-me mais de uma<br />
vez ao esforço de conjeturar<br />
como seria o meu Anjo<br />
da Guarda, mas esbarrei na seguinte<br />
dificuldade.<br />
Ao que comparar o<br />
Anjo da Guarda?<br />
O Anjo da Guarda não tem corpo,<br />
ele é puro espírito. Por isso, se<br />
nós o quisermos imaginar como algo<br />
possível de ser conhecido por nossos<br />
olhos, caímos na pura fantasia.<br />
Imagine, por exemplo, o Anjo<br />
da Guarda que eu, sabendo não ter<br />
corpo, quisesse comparar com uma<br />
montanha.<br />
Certa vez, voando sobre os Alpes,<br />
houve um momento em que o<br />
avião tomou uma distância tão pequena<br />
em relação ao maciço pedregoso<br />
todo coberto do cristal das neves<br />
num dia ensolarado, uma verdadeira<br />
maravilha, que pensei: seria assim<br />
o Anjo da Guarda?<br />
Uma ideia paupérrima, porque<br />
um cristal – eu gosto muito de cristais<br />
– é um mineral, não tem alma,<br />
não tem movimento, não tem sensibilidade.<br />
Pode-se ter uma ideia mais próxima<br />
do que é o homem olhando para<br />
um papagaio que fala, do que para<br />
as mais bonitas montanhas de cristal.<br />
O papagaio é vivo, foge, avan-<br />
22
ça, tem um bico arrogante, quebra as<br />
coisas, tem um misto de pé-mão que<br />
lhe serve para mil coisas.<br />
Enfim, algo há de vivo no Anjo da<br />
Guarda. Com qual animal comparar<br />
um Anjo da Guarda? Um leão?<br />
Uma águia? Uma garça? Um beija-<br />
-flor? Com tudo e com nada.<br />
Ralf Roletschek(CC3.0)<br />
Daniel A.<br />
Uma névoa e um<br />
foco de luz...<br />
O Anjo da Guarda escapa completamente<br />
à nossa percepção. E,<br />
para não ficar no zero total, imagino<br />
ainda que ele pudesse ser comparado<br />
a uma nuvem muito solta, não<br />
dessas nuvens densas que parecem<br />
até algodão e pressagiam a tempestade,<br />
mas uma névoa muito fofa condensada<br />
num espaço, a qual visualmente<br />
se pareceria à área luminosa<br />
de uma espécie de foco de luz na<br />
parede, irradiando uma luz intensa,<br />
que pareceria estar ao mesmo tempo<br />
dentro do foco e infinitamente longe<br />
dele.<br />
Dentro do “foco” – o “foco” é<br />
Deus – a luz tomaria toda a névoa<br />
e a encheria; longe do “foco”, a luz<br />
vinda de tão alto e de um modo tão<br />
magnífico, daria a impressão de que<br />
quase se confundiria com a névoa,<br />
estando ao mesmo tempo a anos-luz<br />
dela e superior a ela.<br />
E teria mudanças de cor, mudanças<br />
de disposição das várias cores,<br />
feitas de modo a apresentar<br />
um objetivo, um ponto<br />
para a vista sempre novo,<br />
se renovando e, entretanto,<br />
dando em algo que tivesse<br />
continuidade com os anteriores,<br />
de maneira a dar uma<br />
impressão conjunta e deleitável<br />
da estabilidade e da<br />
mutabilidade. E o foco de<br />
luz, pelos simbolismos que<br />
tomaria com as diferentes<br />
cores e formas, faria compreender<br />
ao homem as coisas<br />
que ele queria dizer.<br />
O diálogo entre<br />
Anjos e homens<br />
O grande e estupendo<br />
Cornélio, ao comentar sobre<br />
a linguagem entre os<br />
Anjos e os homens, trata a<br />
este respeito.<br />
O Anjo da Guarda não tem voz,<br />
não tem palavra e o homem não tem<br />
os meios naturais para ver, perceber<br />
ou se comunicar com um Anjo. O Anjo<br />
consegue tomar conhecimento do<br />
que o homem diz, mas este não percebe<br />
o Anjo... Então, como poderia haver<br />
diálogo entre homens e Anjos?<br />
Ora, o natural é que todas as criaturas<br />
bem-aventuradas se comuniquem<br />
e cantem uma para a outra, a<br />
seu modo, a glória de Deus. Então, o<br />
Cornélio a Lápide afirma que, para se<br />
comunicar, o Anjo da Guarda recorre<br />
vários objetos da natureza, produzindo<br />
com eles sons como expressão<br />
do que ele quer dizer. Pode-se até dar<br />
uma comparação muito bonita entre<br />
a manifestação do Anjo da Guarda e<br />
os ventos. Os ventos produzem sons,<br />
e se tem a impressão, às vezes, de que<br />
eles dizem algo. É certo que não dizem,<br />
mas essa impressão existe.<br />
Se os ventos nesta Terra tão inferior<br />
“dizem” algo, muito mais fácil<br />
é que os ventos “digam” algo no<br />
Céu. Assim é um Anjo conversando<br />
com um de nós. Por exemplo, junto a<br />
uma fonte ele pode compor uma frase,<br />
explanar um pensamento fazendo<br />
cantar a água da fonte e fazendo<br />
movimentar-se em torno da água esses<br />
e aqueles ventos, e por esta forma<br />
comunicar-se com os homens.<br />
23
Reflexões teológicas<br />
Daniel A.<br />
As consolações,<br />
outro modo de<br />
comunicação<br />
Flávio Lourenço<br />
O Anjo da Guarda também<br />
pode se comunicar<br />
conosco de um outro modo<br />
muito mais bonito, incomparavelmente<br />
mais<br />
deleitável, que diz tudo<br />
não dizendo nada, mas no<br />
não dizer nada põe um tudo<br />
que é incomparável:<br />
são as consolações.<br />
Uma consolação não se<br />
troca por nada deste mundo!<br />
As maiores alegrias,<br />
as maiores satisfações, as<br />
surpresas mais admiravelmente<br />
desnorteantes e<br />
maravilhosas não se comparam<br />
a uma consolação.<br />
E os Anjos da Guarda podem<br />
transmitir, com a permissão<br />
de Deus, algo da<br />
consolação eterna na qual<br />
vivem embebidos. De que<br />
maneira? Falando a linguagem<br />
das consolações.<br />
Uma consolação! Quem é capaz<br />
de descrevê-la? É algo superior a<br />
qualquer louvor, a qualquer alegria,<br />
a qualquer gáudio… é um antegozo<br />
do Céu!<br />
Ensinai-me a lutar como vós<br />
A Escritura nos conta que quando<br />
satanás se revoltou, São Miguel<br />
exclamou: “Quis ut Deus!” E iniciou<br />
uma ofensiva para expulsar o demônio.<br />
E então prœlium magnum factum<br />
est in cœlo. Houve uma<br />
grande batalha no Céu.<br />
Todos os Anjos que foram<br />
fiéis estão continuamente na<br />
visão de Deus, estão salvos para<br />
todo o sempre. Tudo leva a<br />
crer que todos eles tiveram um<br />
papel na batalha e deram um<br />
contributo a ela e ao êxito da Contra-Revolução<br />
no Céu, e deram-no<br />
por meio de uma ação própria, nociva<br />
ao demônio.<br />
A ação procedente dos Anjos trazia<br />
todas as características deles,<br />
que, sendo espirituais – como os demônios<br />
também –, marcavam, entretanto,<br />
a sua atividade, a sua atuação.<br />
Então, perguntaríamos ao Anjo<br />
da Guarda de cada um de nós:<br />
“Meu Santo Anjo, dizei-me como<br />
lutastes. Ensinai-me a lutar como<br />
lutastes vós. Comunicai-me, se<br />
possível, a plenitude de vosso amor a<br />
Deus, de vossa força, de vosso ódio,<br />
e fazei-me compreender de que maneira<br />
as ripadas espirituais desfechadas<br />
nesses bandidos foram por vós<br />
desferidas nas delícias de vossa alma.”<br />
É uma concepção válida<br />
e que ajuda um pouco<br />
a completar umas pinceladas<br />
do quadro.<br />
Os Anjos no Gólgota<br />
Por certo, todos os Anjos<br />
do Céu estavam presentes<br />
no Gólgota enquanto<br />
o Divino Redentor<br />
gemia, era torturado, faltava-Lhe<br />
o ar…<br />
Houve um médico francês<br />
que estudou como<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
pregado na Cruz, chegou<br />
a morrer. O médico<br />
não achava que Ele tinha<br />
essa espécie de estradozinho<br />
onde firmar os pés<br />
divinos que habitualmente<br />
os crucifixos representam,<br />
mas os pés d’Ele estavam<br />
colados, assim como<br />
um quadro pode estar pregado<br />
num muro, assim os<br />
Daniel A.<br />
24
pés d’Ele, torcidos e numa posição<br />
artificial foram pregados no próprio<br />
Santo Lenho. Ou seja, cada vez que<br />
Nosso Senhor deitava o peso d’Ele<br />
nos pés, os cravos cortavam para cima<br />
e produziam novas dores. E, por<br />
causa disso, Ele se contraía, punha a<br />
força nas mãos, e os cravos nas mãos<br />
produziam igualmente dores.<br />
A cada respiração, a ferida se abria<br />
e se fechava com uma dor lancinante<br />
que daria talvez para um homem desmaiar<br />
só daquilo. Uma vez! Ele quantas<br />
vezes teve até morrer?<br />
Isso fazia com que Ele instintivamente<br />
não respirasse até o fim, porque<br />
a dor embaixo se tornava insuportável,<br />
e então Ele sentia falta de ar.<br />
E só a repetição disso, ao cabo de<br />
algum tempo, mata. Com muito menos<br />
do que isso um homem de hoje<br />
morre. É bom nem fazer o cálculo.<br />
No primeiro tranco já desmaia...<br />
Os Anjos viram toda essa cena –<br />
Deus não sofre, mas a natureza humana<br />
de Nosso Senhor sofria<br />
– e viram em Deus, o<br />
próprio Deus contemplando<br />
isso, e viram depois todos os<br />
coros angélicos na indignação!<br />
Mas também na consternação,<br />
na compaixão,<br />
cantando com maior ternura<br />
músicas para comover e<br />
consolar o Sagrado Coração<br />
d’Ele. E com certeza atraíam<br />
a atenção de Nosso Senhor<br />
para Nossa Senhora<br />
que estava ao pé da Cruz,<br />
comemoravam e procuravam<br />
agradá-La, enfim, fazer<br />
tudo quanto era possível, e<br />
o impossível. Eles procuraram,<br />
naturalmente, estimular<br />
as Santas Mulheres imersas<br />
numa desolação que não<br />
é possível descrever; procuraram<br />
dar a São João Evangelista<br />
aquela coragem que<br />
ele não teve na hora “h”, a<br />
tal ponto que ele, o fujão,<br />
recebeu naquele dia o maior<br />
presente que se possa receber: tornar-se<br />
filho de Maria!<br />
E, no momento do holocausto,<br />
da dor suprema, do arrancar a alma<br />
de dentro do corpo, neste momento<br />
os Anjos viram Nosso Senhor dizer:<br />
“Consummatum est”. E sua Alma<br />
humana destacar-Se do Corpo divino,<br />
que passa a ser um cadáver.<br />
E viram também a cólera de Deus<br />
se manifestando; o céu, às três da<br />
tarde, obscuro como noite; o véu do<br />
templo que se cindiu; os justos que<br />
andavam todos amarrados com tiras<br />
de pano, talvez de olhos fechados e<br />
candeeiro aceso para dar pânico nas<br />
pessoas, encontrando esses ou aqueles<br />
e dizendo: “Olha, tu, miserável!”,<br />
as pessoas fugindo. E o terremoto!<br />
Os Anjos viram tudo isso. Que<br />
músicas tocaram para acompanhar?<br />
Que ditos proclamaram? Que cânticos<br />
emitiam? Tem-se alguma ideia<br />
disso? Nem de longe. Mas nós podemos<br />
perguntar:<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1994<br />
“Meu Santo Anjo da Guarda, como<br />
cantastes para suavizar o Sagrado<br />
Coração de Jesus? O que dissestes?<br />
Dai-me a graça de ouvir uma<br />
nota e eu me comprometo a não vos<br />
pedir duas.”<br />
Porque quem ouvir uma nota dessas,<br />
a vida inteira pedirá para ouvir<br />
outra! Assim, seria preciso assumir<br />
um compromisso muito sério, muito<br />
dolorido, com tentações de rompê-<br />
-lo do outro mundo, mas por respeito<br />
para com o Anjo da Guarda, por<br />
amor a Deus que não tolera a ruptura<br />
dos compromissos, não romper!<br />
Então, porta fechada, tristeza sem<br />
fim, esperança sem nome! “Ao menos<br />
sei que uma nota ouvirei.”<br />
Fazei-me ser um homem<br />
“para frente” e “para cima”<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
E se algum dia nós nos encontrarmos<br />
em risco de vida, é possível<br />
o demônio do pânico nos assaltar.<br />
Não tem dúvida nenhuma,<br />
não pensem que vão estar<br />
nessa calma sempre. Porque<br />
o homem tem instinto<br />
de conservação e o demônio<br />
exacerba nosso instinto<br />
em tais ocasiões. Se o sujeito<br />
sabe, por exemplo, que<br />
no dia seguinte será decapitado<br />
e que antes vão lhe arrancar<br />
os olhos…<br />
Então o jeito de lutar é<br />
dizer:<br />
“Meu Santo Anjo da<br />
Guarda, com quanta coisa<br />
vos ameaçou satanás; mas<br />
vós lutastes para frente! Se<br />
vós vos chamásseis, nas nomenclaturas<br />
celestes, ‘o Anjo<br />
para frente’, eu vos reconheceria.<br />
Mas fazei-me ser<br />
um homem ‘para frente’ e<br />
‘para cima’, devotíssimo de<br />
Maria!”<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 12/8/1994)<br />
25
Hélio G. K.<br />
C<br />
alendário<br />
1. Santa Teresinha do Menino Jesus,<br />
virgem e Doutora da Igreja (†1897).<br />
Beatos Gaspar Hikojiro e André<br />
Yoshida, mártires (†1617). Eram catequistas<br />
em Nagasaki, Japão. Foram<br />
degolados por terem abrigado sacerdotes<br />
em suas casas.<br />
2. Santos Anjos da Guarda.<br />
Santa Joana Emília Villeneuve, religiosa<br />
(†1854). Fundadora da Congregação<br />
de Nossa Senhora da Imaculada<br />
de Castres.<br />
3. Santos André de Soveral e Ambrósio<br />
Francisco Ferro, presbíteros, e<br />
companheiros, mártires (†1645).<br />
Santos mártires de nome Evaldo,<br />
um chamado Negro e o outro Branco,<br />
presbíteros (†695). Ambos naturais<br />
da Inglaterra, seguiram o exemplo de<br />
São Vilibrordo e seus companheiros,<br />
partindo para evangelizar os Saxões;<br />
tendo começado a anunciar-lhes Cristo,<br />
foram presos pelos pagãos e padeceram<br />
o martírio.<br />
4. São Francisco de Assis, fundador<br />
(†1226).<br />
Beato Alfredo Pellicer Muñoz (Jaime),<br />
religioso e mártir (†1936). Per-<br />
São Froilão<br />
(5 de outubro)<br />
dos Santos – ––––––<br />
tencia à Ordem Franciscana; foi martirizado<br />
durante a perseguição religiosa<br />
desencadeada na Guerra Civil<br />
Espanhola.<br />
5. São Froilão, bispo (†905). Chamado<br />
da vida eremítica ao ministério<br />
episcopal, evangelizou as regiões<br />
da Espanha libertas do domínio dos<br />
mouros e dedicou-se à propagação da<br />
vida monástica.<br />
6. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />
7. Nossa Senhora do Rosário.<br />
Santo Augusto, abade (†c. 560).<br />
Sofrendo de invalidez, foi curado<br />
por intercessão de São Martinho de<br />
Tours. Em gratidão, ingressou para<br />
a vida monacal; ordenado presbítero<br />
e nomeado abade de São Sinforiano,<br />
em Bourges, França, demonstrou<br />
grandes qualidades morais.<br />
8. Santa Ragenfreda, abadessa (†s.<br />
VIII). Com os seus bens, fundou, em<br />
Denain, no Hainaut, atual França, um<br />
mosteiro, o qual regeu santamente.<br />
9. São Deusdédit (ou Deusdado),<br />
abade (†834). Foi abade de Montecassino<br />
a partir de 828. Querendo Sicardo,<br />
duque de Benevento, tomar posse<br />
dos bens do mosteiro, recebeu a enérgica<br />
negativa do santo abade, fato pelo<br />
qual colocou-o no cárcere, onde, consumido<br />
pela fome e pelos tormentos,<br />
entregou o seu espírito a Deus.<br />
10. São Pinito, bispo (†c. 180). Governou<br />
a diocese de Cnossos, na ilha<br />
de Creta. No tempo dos imperadores<br />
Marco Aurélio Vero e Lúcio Cômodo,<br />
distinguiu-se por seus escritos sobre<br />
a Fé e sua intensa solicitude pelo<br />
progresso espiritual do rebanho que<br />
lhe fora confiado.<br />
11. São Bruno de Colônia, bispo<br />
(†965). Irmão do imperador Otão I;<br />
ao ser eleito para assumir o episcopado<br />
da Lotaríngia, restaurou com sabedoria<br />
a disciplina eclesiástica.<br />
12. Solenidade de Nossa Senhora<br />
da Conceição Aparecida.<br />
Beato Eufrásio do Menino Jesus<br />
(Eufrásio Barredo Fernández), presbítero<br />
e mártir (†1934). Pertencia à<br />
Ordem dos Carmelitas Descalços; foi<br />
assassinado em ódio à fé, em Oviedo,<br />
na Espanha.<br />
13. XXVIII Domingo do Tempo Comum.<br />
Beata Madalena Panatiéri, virgem<br />
(†1503). Consagrou-se ao serviço de<br />
Deus como terciária dominicana, dedicando-se<br />
às obras de caridade e ao<br />
apostolado.<br />
14. São Calisto I, papa e mártir<br />
(†c. 222).<br />
São Venâncio de Lúni, bispo (†s.<br />
VI). Natural de Piacenza, sucedeu Terêncio<br />
na sede episcopal de Lúni, na<br />
Ligúria, região da Itália; dedicou especial<br />
atenção ao clero e aos monges,<br />
e teve a estima e amizade do papa São<br />
Gregório Magno.<br />
15. Santa Teresa de Jesus, virgem e<br />
Doutora da Igreja (†1582).<br />
Santa Madalena de Nagasaki, virgem<br />
e mártir (†1634). Nascida em<br />
uma família católica que contava com<br />
mártires entre seus membros, na juventude<br />
consagrou sua virgindade a<br />
Deus e se fez terciária agostiniana e<br />
dominicana. No tempo do imperador<br />
Yemitsu, foi condenada à forca, onde<br />
passou treze dias suspensa, depois<br />
dos quais rendeu sua alma ao Senhor.<br />
16. Santa Margarida Maria Alacoque,<br />
virgem (†1690).<br />
São Lulo, bispo (†786). Companheiro<br />
e colaborador de São Bonifácio<br />
na obra da evangelização, foi por<br />
ele ordenado bispo e governou a diocese<br />
de Mogúncia, na Alemanha.<br />
17. Santo Inácio de Antioquia,<br />
bispo e mártir (†107).<br />
São Ricardo Gwyn, pai de família<br />
e mártir (†1584). Primeiro mártir ga-<br />
26
––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />
lês. Após estudar em Oxford e Cambridge,<br />
converteu-se ao catolicismo.<br />
Contraiu matrimônio e teve seis filhos.<br />
Foi encarcerado sob a acusação<br />
de convencer outras pessoas à conversão.<br />
Durante sua prisão, compôs numerosos<br />
poemas religiosos. Por fim,<br />
foi enforcado e esquartejado ainda vivo,<br />
em Wrexham, no País de Gales.<br />
18. São Lucas, evangelista (†s. I).<br />
Santo Asclepíades, bispo (†218).<br />
Em Antioquia foi um dos memoráveis<br />
confessores da Fé no tempo da perseguição.<br />
19. Beata Inês de Jesus Galand,<br />
virgem (†1634). Nascida no meio de<br />
uma família modesta e cristã, fez-se<br />
religiosa dominicana; devido às suas<br />
qualidades, assumiu o encargo de<br />
mestra de noviças e, ainda muito jovem,<br />
foi eleita prioresa. Distinguiu-se<br />
por seu amor ardente a Jesus Cristo<br />
e pela dedicação à Igreja, como também<br />
por seu profundo interesse pela<br />
reforma do clero e apoio espiritual<br />
prestado a Jean-Jacques Olier, fundador<br />
da Sociedade de São Sulpício.<br />
20. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />
São Caprásio, mártir (†c. 303). Alcançou<br />
a palma do martírio em Agen,<br />
na Aquitânia, França, durante a perseguição<br />
de Diocleciano.<br />
21. São Severino, bispo (†s. V). Originário<br />
das terras do Oriente, foi recebido<br />
com honra por Santo Amando de<br />
Bordeaux, o qual o quis como seu sucessor.<br />
22. Beato Luís Maria de Nossa Senhora<br />
das Mercês (Luís Minguell<br />
Ferrer), presbítero e mártir (†1936).<br />
Pertencia à Ordem dos Carmelitas<br />
Descalços; durante a perseguição religiosa<br />
na Espanha, derramou seu sangue<br />
por Cristo, em Barcelona.<br />
23. Beato João Bom, eremita<br />
(†1249). Ainda jovem, abandonou sua<br />
mãe e vagueou por diversas regiões da<br />
Itália, exercendo a arte de malabarista<br />
e comediante; aos quarenta anos, atingido<br />
por uma grave enfermidade, prometeu<br />
a Deus abandonar o mundo,<br />
para se entregar totalmente a Cristo e<br />
à Igreja no amor e na penitência. Fundou<br />
uma Congregação sob a Regra de<br />
Santo Agostinho.<br />
24. Santo Antônio Maria Claret,<br />
bispo (†1870).<br />
São Proclo, bispo (†446). Proclamou<br />
com firmeza a Bem-aventurada<br />
Virgem Maria como Mãe de Deus,<br />
organizou o regresso do corpo de São<br />
João Crisóstomo, em cortejo triunfal,<br />
do exílio para Constantinopla e, no<br />
Concílio Ecumênico de Calcedônia,<br />
mereceu o epíteto de “Magno”.<br />
25. Santo Antônio de Sant’Ana<br />
Galvão, presbítero (†1822).<br />
Santos Crisanto e Dária, mártires<br />
(†c. 253). Mártires romanos muito venerados<br />
na antiguidade, estiveram sepultados<br />
na pequena igreja do cemitério<br />
de Trasão, na Via Salária Nova, onde se<br />
conservava uma epigrama do papa São<br />
Dâmaso em louvor dos dois santos.<br />
26. Beato Boaventura de Potenza,<br />
presbítero (†1711). Aos quinze anos de<br />
idade, entrou para a Ordem dos Frades<br />
Menores Conventuais, onde se destacou<br />
por sua obediência e caridade.<br />
27. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />
28. São Simão e São Judas Tadeu,<br />
Apóstolos (†s. I).<br />
São Rodrigo Aguilar, presbítero e<br />
mártir (†1927). Durante a perseguição<br />
religiosa, em Ejutla, localidade do<br />
México, foi suspenso em uma árvore<br />
pelos soldados e consumou seu martírio<br />
dando vivas a Cristo Rei e a Nossa<br />
Senhora de Guadalupe.<br />
29. São Feliciano, mártir (†s. III).<br />
São Teodário, abade (†c. 575). Discípulo<br />
de Santo Eusébio de Arles, foi<br />
São Severino<br />
(21 de outubro)<br />
designado pelo bispo presbítero penitenciário<br />
para todo o povo da cidade.<br />
30. Beato João Miguel Langevin,<br />
presbítero e mártir (†1793). Ao negar-<br />
-se a jurar a Constituição Civil do Clero,<br />
foi deposto do cargo na paróquia de<br />
Briollay. Continuou exercendo seu ministério<br />
clandestinamente, porém foi<br />
capturado e encarcerado. Libertado pelos<br />
vandeanos, no caminho decide retornar<br />
ao cárcere, onde é condenado à<br />
morte, sendo guilhotinado em Angers.<br />
31. São Felano, presbítero e abade<br />
(†c. 655). Nascido na Irlanda, foi<br />
irmão e companheiro de São Furseu.<br />
Fundou dois mosteiros – em Fosses e<br />
em Nivelles – um para monges e outro<br />
para monjas. Um dia, no caminho<br />
entre os dois mosteiros, foi assassinado<br />
por salteadores. Nesse local os premonstratenses<br />
edificaram uma abadia,<br />
Le Roeulx, em sua honra.<br />
Beato Leão Nowakowski, presbítero<br />
e mártir (†1939). Durante a ocupação<br />
militar da Polônia, sua pátria, por<br />
defender com energia sua Fé perante<br />
um regime hostil a Deus, foi fuzilado.<br />
Flávio Lourenço<br />
27
Flávio Lourenço<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Coroação de Nossa Senhora<br />
Museu Pierre de Luxemburgo,<br />
Villeneuve les Avignon, França<br />
Humildade, condição necessária<br />
para o supremo heroísmo<br />
Para ser verdadeiro herói, o homem deve levar a humildade<br />
até o último ponto. Não basta aspirar a coisas grandiosas,<br />
é preciso aceitar o que Deus manda, com alegria.<br />
No Céu se é muito mais feliz<br />
do que na Terra, por<br />
isso as pessoas deveriam<br />
ter mais desejo de ir logo para lá.<br />
Ora, o homem tem um tal apego<br />
à vida, que tem vontade de dizer<br />
a Deus: “Espere eu gozar um pouco<br />
a vida nesta Terra, depois vou para<br />
o Céu.” Não é algo racional, mas<br />
está no nosso instinto de conservação.<br />
Entretanto, com as almas que<br />
sabem viver de confiança, a Providência<br />
tem um trato misterioso pelo<br />
qual com frequência intuem qual<br />
é o desígnio de Deus sobre elas: se é<br />
viver no Reino de Maria ou ir para o<br />
Céu antes que ele se instaure.<br />
Havendo um desejo intenso de<br />
uma ou de outra coisa, a alma deve<br />
confiar de que é o desígnio de Deus<br />
que se realiza.<br />
Um passaporte para o Céu<br />
Durante a vida, o homem precisa<br />
ter a confiança de que Nossa Senhora<br />
vai preservá-lo de maneira a estar<br />
inteiramente limpo de qualquer<br />
pecado, porque não é difícil prevaricar<br />
durante o combate. Entretanto,<br />
quando alguém morre como um<br />
mártir, derramando o sangue pela<br />
Fé Católica Apostólica Romana, sobe<br />
direto para o Céu.<br />
A pessoa tem, então, vontade de<br />
dar glória a Deus lutando contra os<br />
adversários d’Ele e de Nossa Senhora,<br />
para a vitória da causa d’Eles na<br />
Terra e, ao mesmo tempo, a esperança<br />
de que, espadagando bem, direi-<br />
28
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
to, lançando-se para a frente podendo<br />
ser morto no primeiro tiro, ele<br />
pode encontrar o passaporte para<br />
o Céu. É um sistema de pensamento<br />
que forma heróis, porque dá uma<br />
motivação para o heroísmo.<br />
É preciso lutar – se se trata de<br />
uma guerra religiosa – contra os<br />
inimigos da Religião, mas batalhar<br />
com ódio à heresia, não ao herege.<br />
Se, por exemplo, um herege vier<br />
por cima de um guerreiro e, ao invés<br />
de matá-lo porque está atacando<br />
a Igreja, matá-lo pensando: “Este<br />
desgraçado está querendo me matar,<br />
antes mato eu a ele!”, matou por<br />
ódio pessoal e a ação não é santa. É<br />
preciso ser batalhador e matar por<br />
amor à Igreja, mas nunca por um ato<br />
de vingança pessoal.<br />
Nunca recuar<br />
Havia soldados que faziam votos<br />
terríveis por ocasião do combate.<br />
Houve uma Ordem religiosa cuja<br />
regra foi redigida pelo grande São<br />
Bernardo de Claraval. Depois ela<br />
degenerou, mas, enquanto esteve no<br />
seu apogeu, foi esplêndida:<br />
era a dos cavaleiros chamados<br />
Templários. Eles tinham<br />
um voto tremendo:<br />
nunca recuar na batalha!<br />
Se recuassem, cometiam<br />
pecado mortal; cometendo-<br />
-o, podiam não ter ao seu<br />
alcance um padre para dar<br />
absolvição. O cavaleiro batalhava<br />
e, se não tivesse arrependimento,<br />
a espadagada<br />
ou o golpe de lança podia<br />
ser o passaporte para o<br />
Inferno. É terrível! É preciso<br />
confiar em Nossa Senhora<br />
e saber dizer “Salve Regina,<br />
Mater misericordiæ” para<br />
não nos encontrarmos<br />
nessa situação.<br />
Às vezes o batalhador<br />
era ferido – para falar em<br />
termos de guerra medieval<br />
– e atirado do cavalo ao<br />
chão, permanecendo ali horas e horas<br />
antes de morrer, sem nenhum<br />
socorro. A cavalaria do adversário<br />
podia passar por cima dele, deixando-o<br />
esmolambado durante um,<br />
dois dias, sem remédio, sem água<br />
nem nada, agonizando e vendo na<br />
morte a libertação. E ele devia<br />
ter confiança em Nossa Senhora<br />
de que tudo lhe seria recompensado,<br />
então rezava: “Salve<br />
Rainha, Mãe de misericórdia,<br />
vida, doçura e esperança<br />
nossa, salve...” Se até o fim ele<br />
perseverasse, haveria mais um<br />
santo no Céu.<br />
Essa é a confiança.<br />
A hora da maior dor<br />
Qual o papel da humildade<br />
nisso? É fazer a vontade<br />
de Deus. Quando o homem<br />
está pensando que<br />
Deus o queria para esta<br />
Terra, de repente é<br />
ferido, percebe que vai<br />
morrer e diz: “Se Deus<br />
quis isto, está bem. Será<br />
pela punição de meus pecados. Se<br />
eu não tenho pecados, será para obter<br />
o perdão dos pecados dos outros,<br />
para que outras almas se salvem. De<br />
qualquer maneira, Nossa Senhora<br />
quis consentir que eu morresse de<br />
um modo inesperado: Salve Rainha,<br />
Mãe de misericórdia…”<br />
Sei que o momento mais duro, na<br />
hora em que me acontecer como a<br />
Nosso Senhor no alto da Cruz, quando<br />
disse: “Consummatum est”, e inclinando<br />
a cabeça entregou o seu espírito<br />
nas mãos do Padre Eterno, será<br />
a hora da maior dor.<br />
Lembro-me até hoje de uma explicação<br />
que ouvi de um padre jesuíta<br />
do Colégio São Luís, do qual eu<br />
era aluno, quando um colega meu<br />
perguntou, na aula de Religião, se a<br />
morte era realmente uma coisa tão<br />
terrível. O padre explicou: “Imagine<br />
que alguém pegue a sua unha e a arranque<br />
da carne sem anestésico nem<br />
nada; não seria uma dor terrível?” O<br />
menino respondeu evidentemente<br />
que sim. O padre disse: “Se a unha<br />
está tão ligada ao corpo, que arran-<br />
Leonardo S.<br />
São Bernardo de Claraval<br />
(Coleção particular)<br />
29
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Divulgação(CC3.0)<br />
cá-la é terrível, imagine o que é arrancar<br />
do corpo a alma?” Deve ser<br />
uma coisa terrível!<br />
Alegria pelo<br />
oferecimento aceito<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus<br />
Entretanto, quando chega a hora<br />
de morrer, o homem deve se conformar<br />
com a morte e com o tipo de<br />
morte que está tendo. Algumas pessoas<br />
têm uma morte suave; outras,<br />
uma morte tremenda. Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus era muito moça<br />
e, tocada pela graça, ofereceu a<br />
Deus sua vida para expiar os pecados<br />
dos outros. E ela desejava ardentemente<br />
morrer cedo a fim de que<br />
a expiação pelos outros fosse logo.<br />
Uma noite ela percebeu estar lançando<br />
sangue pela boca, e isso era<br />
sinal da grande doença perigosa do<br />
tempo dela: a tuberculose.<br />
Hoje tuberculose é uma doença<br />
combatida e é raro a pessoa morrer<br />
por isso, mas naquele tempo não, os<br />
remédios estavam mais atrasados e<br />
não era assim.<br />
Santa Teresinha ficou tuberculosa,<br />
mas foi tal a alegria de notar que provavelmente<br />
estava tuberculosa, que<br />
ela teve vontade de acender a luz para<br />
ver se era sangue mesmo que tinha<br />
lançado. As carmelitas dormem com<br />
uma espécie de pano sobre o busto e<br />
ela poderia tirá-lo e comprovar. Contudo,<br />
para fazer penitência e temperar<br />
esse desejo da morte, ela dormiu calmamente<br />
e esperou chegar a manhã.<br />
O que eu fazia com o meu presente<br />
de Natal, ela fazia com esse presente<br />
de Deus: o sintoma da morte.<br />
Quando ela acordou e viu o sangue,<br />
foi falar com a superiora. Começaram<br />
a tratar e era a morte que<br />
se aproximava.<br />
Provas terríveis<br />
Na véspera da morte, como o dormitório<br />
ficava perto da cozinha, ouviu<br />
duas freiras trabalhando ali conversarem<br />
e uma disse para a outra: “Nossa<br />
irmã Teresinha do Menino Jesus deve<br />
morrer de um momento para outro.”<br />
Ao morrer uma freira carmelita,<br />
manda-se uma circular para todos<br />
os Carmelos do mundo contando sobre<br />
sua morte e narrando suas virtudes.<br />
Então uma freira disse para a outra:<br />
“Eu não sei verdadeiramente o<br />
que nossa superiora vai escrever na<br />
circular sobre a morte dela, porque<br />
não fez nada de grande ou de extraordinário<br />
na vida.” A freira não sabia<br />
que ela tinha oferecido a vida e estava<br />
morrendo em consequência disso.<br />
As dores da tuberculose ficaram<br />
tão lancinantes, que Santa Teresinha<br />
teve o seguinte comentário. Ela tinha<br />
ao alcance das mãos o remédio contra<br />
a tuberculose; era um líquido de um<br />
vermelho muito bonito e ela sabia que<br />
aquilo podia, pelo menos, atenuar a<br />
dor, mas, se bebesse muito, morreria.<br />
Ela comentou: “Os moribundos podem<br />
às vezes ter a tentação de se suicidar,<br />
é uma luta para eles. Não se deve<br />
deixar ao alcance deles o remédio que<br />
possa lhes servir para a morte.”<br />
Era um sinal de que ela estava sendo<br />
tentada pelo demônio de se suicidar.<br />
Resistiu heroicamente, nem é<br />
preciso dizer! A morte foi entrando.<br />
Quando afinal chegou o último<br />
momento, ela teve uma visão que<br />
ninguém sabe qual foi. Ela, que estava<br />
tão fraca que quase não podia<br />
se mexer, se endireitou na cama,<br />
maravilhada, e as freiras que estavam<br />
no quarto viram. Antes de expirar,<br />
ela exclamou: “Ó meu Deus, eu<br />
Vos amo!” e caiu. Ela tinha morrido.<br />
Imediatamente um perfume fortíssimo<br />
de violetas, de origem desconhecida,<br />
começou a se espalhar pelo<br />
convento inteiro. A violeta é o símbolo<br />
da humildade. Ela tinha aceitado<br />
com humildade a morte que<br />
Deus quis lhe mandar, na hora que<br />
Ele quis, do modo como quis e, por<br />
esta forma, sua alma entrou no Céu.<br />
É um modo de levar a humildade<br />
até o último ponto. E o guerreiro deve<br />
ser assim também, ou seja, ter a humildade<br />
de aceitar o que Deus mandar.<br />
Uma manifestação<br />
numa praça de Paris<br />
Uma das vezes em que eu estive<br />
em Paris, tive uma impressão tremenda.<br />
Fui andar pela cidade; eu ti-<br />
30
nha pessoas com quem falar, coisas<br />
para tratar. Foi antes do desastre de<br />
automóvel, portanto, eu não usava<br />
cadeira de rodas, andava livremente.<br />
E andei por aquele centro de Paris.<br />
Passando junto à famosa Place<br />
de l’Opéra, onde tem o Opéra de Paris,<br />
um teatro muito rico, muito vistoso,<br />
em certo momento percebi que<br />
estava cheia e eu não tinha prestado<br />
atenção. Ela se encheu de repente<br />
com um público diferente daquele<br />
que estava quando entrei na praça.<br />
Comecei a prestar a atenção e<br />
percebi que era uma manifestação<br />
de feridos da Primeira Guerra Mundial,<br />
os quais tinham participado da<br />
guerra e ficado feridos para o resto<br />
da vida, incapacitados de trabalhar e<br />
vivendo de uma pensão do governo.<br />
Acontece que o governo pagava insuficientemente,<br />
a vida ia subindo e<br />
ele não aumentava a pensão, então<br />
estavam fazendo pressão, com aquela<br />
manifestação, para o governo aumentar<br />
o que eles ganhavam.<br />
Pensei: “Vou ficar um pouco aqui,<br />
quero ver como é essa gente.” Muito<br />
bonito falar de um soldado que foi<br />
para a guerra, mas passam-se cinco,<br />
oito, dez anos de invalidez, como ele<br />
toma a invalidez na qual caiu? Ele se<br />
arrepende? Como fica? Revoltado?<br />
Qual é a mentalidade do sujeito que<br />
foi atingido assim?<br />
Havia duas mulheres atrás, não as<br />
olhei, mas afiei o ouvido para ouvir o<br />
que diziam, e percebi pela conversa<br />
que eram duas casadas com dois inválidos<br />
de guerra; uma delas perguntou:<br />
“O seu marido não veio?” A outra respondeu:<br />
“Não, mas ele está aqui por<br />
perto.” Depois a primeira disse, dando<br />
risada: “Ele trouxe toda a lojinha dele...”<br />
E deu um riso de escárnio.<br />
A “lojinha” eram todas as medalhas<br />
ganhadas durante a guerra, que<br />
ele guardava e pendurava no peito,<br />
para ter uma certa compensação durante<br />
essa manifestação: ele fora um<br />
herói. Na vida comum, a mulher tratava<br />
dando risada e chamando aquilo<br />
de bazarzinho, de “loja”. A outra<br />
deu risada e disse: “Ah, o meu não<br />
tem loja, mas tem uma coisinha que<br />
também pendurou no peito.” Umas<br />
brincadeiras assim.<br />
Quem é o verdadeiro herói?<br />
Veja só! – pensei – quando a tropa<br />
parte, entusiasmo e clarins, todos<br />
vão ser heróis. Chega o momento<br />
de combater, uns morrem. O caso<br />
está encerrado, para os efeitos da<br />
Terra… Para os do Céu, não se sabe.<br />
O Purgatório é muito longo às vezes,<br />
e o Inferno é terrível e eterno!<br />
Se voltam feridos, podem ficar a vida<br />
inteira estropiados e então como fica<br />
a vida deles? Nisso ninguém pensa<br />
na hora de partir para o combate,<br />
e o verdadeiro herói não é só o homem<br />
que combateu, mas é o que depois<br />
não se arrependeu de ter combatido.<br />
Pensando: “O meu país pelo<br />
menos venceu a guerra.” Ou então:<br />
“Porque muitos como eu lutaram<br />
com coragem, o nosso país sofreu<br />
uma derrota honrosa. Isso me consola.”<br />
Isto é ter têmpera, ter força!<br />
Olhei um pouco aquilo, uns quinze,<br />
vinte minutos. Desci uma avenida<br />
que partia de lá. Estava um dia quente,<br />
eu estava com amigos, passamos<br />
por uma cervejaria. Sentamo-nos, e<br />
logo vejo numa mesa perto uma cena.<br />
Um casal relativamente moço ainda,<br />
o homem teria uns trinta e tantos<br />
anos, a mulher mais ou menos a<br />
mesma idade, ele cego. Ele, com os<br />
olhos fechados não via nada, mas via-<br />
-se que, pelos sons, tinha avidez de viver,<br />
tomava contato com as coisas e<br />
tinha um interesse fabuloso pelo que<br />
ele conseguia captar da vida. Ele estava<br />
se distraindo, apesar de ser cego.<br />
A mulher dele, prematuramente<br />
envelhecida, arranjada com a máxima<br />
negligência que se possa imaginar,<br />
porque, como o marido era cego,<br />
ela não tinha razão para se enfeitar<br />
para ninguém. Era séria, tocava<br />
de qualquer jeito o negócio de vestido,<br />
de penteado, com ar de derrotada,<br />
de cansada, como quem diz: “Estou<br />
associada a esse cego, carregando-o<br />
até o fim da vida...” Faltou-lhe<br />
a garra necessária para tocar a vida.<br />
A humildade levaria essa senhora a<br />
dizer: “Foi a vontade de Deus. Eu<br />
vou carregar esse fardo como Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo carregou a sua<br />
Cruz!” E seguiria em frente. v<br />
Place de l’Opéra na primeira metade do século XX<br />
(Extraído de conferência de<br />
21/12/1991)<br />
Willem van de Poll (CC3.0)<br />
31
Apóstolo do pulchrum<br />
Exercícios de<br />
Fotos: Divulgação (CC3.0)<br />
transcendência<br />
A partir da descrição de um<br />
quadro, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ensina a fazer<br />
um elevado e metódico exercício de<br />
transcendência, encontrando nos<br />
seres criados reflexos das virtudes<br />
e qualidades incriadas de Deus.<br />
Vamos analisar uma fotografia bastante expressiva.<br />
Usei a palavra “expressiva” de propósito,<br />
porque expressivo é aquilo que tem<br />
expressão e, portanto, exprime algo.<br />
Aqui nós estamos ao pé da dificuldade: o que essa cena<br />
exprime? É esta a primeira pergunta para realizarmos o<br />
exercício de transcendência da criatura ao Criador.<br />
Para responder a esta questão, temos uma descrição.<br />
Devemos descrever a coisa para nos dar conta daquilo<br />
que exprime. O método é, antes de tudo, a procura de uma<br />
expressão. Essa procura começa por uma descrição.<br />
Descrevendo um quadro<br />
A descrição, como eu a vejo, apresenta o quadro em três<br />
elementos: um que se destaca enormemente é uma peroba,<br />
que se ergue esguia, com uma agradável flexibilidade;<br />
o tronco dela não é rijo como o de uma palmeira imperial,<br />
mas é elegante, gracioso, porque sobe à maneira de uma<br />
espiral de uma fumaça. Entretanto, sobe retilineamente,<br />
sempre em torno de um eixo invisível que está ali presente.<br />
Mas o que a palmeira imperial tem de muito bonito, como<br />
uma espada ao vento, esta árvore tem por ser um pouco<br />
como uma espiral que sobe; no alto sustenta uma copa<br />
grande, que dá a impressão da espiral de uma fumaça de<br />
um cigarro, por exemplo, que, depois de ser levantada ali<br />
em linha reta, se espraia. E há uma proporção muito bonita<br />
entre a copa e a altura do tronco que a sustenta. De<br />
tal maneira o tronco levanta a copa bem alta que não deixa<br />
a impressão de estar penando para segurá-la, mas dá a<br />
32
impressão de uma obra de arte, uma espécie de obra-prima<br />
de equilíbrio ao conseguir manter a copa tão no alto,<br />
sem se quebrar, nem o tronco nem aquela ramagem toda.<br />
A ramaria, por outro lado, distribui-se de um modo<br />
agradável e leve. Nas pontas dos galhos apenas há tufos<br />
de folhagem, de maneira que são leves. Constituem uma<br />
figura interessante, com três elementos centrais: a copa<br />
bem no alto e dois tufos laterais, formando uma espécie<br />
de simetria agradável. Os antigos diziam que o ímpar<br />
era amigo das musas. Nesta árvore vemos algo de poético<br />
no número “três”. Os três tufos que constituem um<br />
uno dão uma certa unidade à ramagem.<br />
Isso tudo se levanta sozinho sobre uma paisagem<br />
muito baixa.<br />
Quanto aos outros elementos, vemos uma vegetação<br />
muito baixa. O que sobe um pouco mais é uma vegetação<br />
desordenada e irrelevante, que o olhar tende a esquecer, essa<br />
massa escura da qual se desprende essa grande árvore.<br />
Firmamento belo que tende ao borrascoso<br />
Merece um comentário especial o céu que está por detrás.<br />
Há muitas nuvens, mas o Sol incide sobre elas de<br />
modo que não servem tanto para o velar quanto para o revelar,<br />
porque elas refletem o Sol sobre a terra. E, ao menos<br />
para meu olhar, certas nuvens dão a impressão de<br />
uma seda magnífica que reflete o Sol em meio a escuridões<br />
que ainda aumentam o brilho desta parte onde ele<br />
bate. Mais para cima há, entretanto, nuvens pesadas. A<br />
impressão de conjunto é de um firmamento belo, mas que<br />
tende com uma certa indecisão para o borrascoso. Quer<br />
dizer, um céu assim facilmente pode caminhar para a borrasca<br />
que vai se desencadear sobre esta árvore. Dir-se-ia<br />
que ela enfrenta, quase provoca, a borrasca que cairá.<br />
Esse céu com as nuvens assim dispostas cria na vista<br />
a ilusão agradável de que a árvore chega até as nuvens, e<br />
que é uma árvore amiga, familiar das nuvens, de tão alta<br />
que é, o que aumenta a impressão do seu esguio, e constitui<br />
para esta um lindo fundo de quadro.<br />
A árvore é a nota dominante, o eixo do quadro. Em<br />
função dela o fotógrafo concebeu o panorama. É em função<br />
da árvore que devemos analisar tanto a vegetação escura<br />
que lhe serve de pedestal, como o céu.<br />
Descrito o quadro, devemos nos perguntar o que ele<br />
exprime. Daqui a pouco direi o que ele exprime, porque<br />
será a outra parte do método.<br />
A descrição metódica conduz<br />
a uma expressão<br />
Eu fiz uma descrição. Qual foi o método adotado? Eu<br />
desmembrei o quadro nos seus vários elementos. Analisei<br />
o elemento principal, que é a árvore, depois analisei os<br />
dois outros elementos; em seguida fiz uma relação entre<br />
os três elementos, para mostrar como, de fato – voltando<br />
à tese inicial –, a árvore é o elemento principal. Foi, portanto,<br />
uma descrição analítica. Não foi uma mera descrição,<br />
mas foi uma análise da estrutura interna do quadro e<br />
de seus predicados, tomada nas relações com suas partes.<br />
Essa é a descrição desse panorama como eu o senti.<br />
Portanto, é uma descrição inteiramente metódica. Eu<br />
mostrei como se fazem os vários pontos da descrição. Essa<br />
descrição metódica conduz a uma expressão. Sob que<br />
forma psicológica essa expressão aflora no meu espírito?<br />
Sob a forma de uma exclamação interior. Eu diria do<br />
conjunto do quadro: “Ó elegância altaneira e leve!”<br />
A árvore é elegante, ela é altaneira, mas há algo que<br />
está contido no conceito de elegância e que eu quero ressaltar:<br />
ela é leve. A elegância dela consiste na altaneria<br />
com leveza. Esta é a exclamação interior, esta é a expressão<br />
que a árvore sugere à alma.<br />
A palavra elegância nunca obteve uma definição inteiramente<br />
satisfatória. Mas, no seu sentido próprio, no<br />
seu sentido adequado, ela inclui as ideias de uma superioridade<br />
que mais se deve ao espírito do que à matéria,<br />
mais se deve à qualidade do que à quantidade e, por<br />
causa disso mesmo, é uma superioridade leve, elegante,<br />
aristocrática, que atrai.<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
Essa árvore não é mais bonita do que muitas árvores<br />
que se encontram por aí. Eu não disse nenhuma vez que<br />
ela é muito bonita, porque o bonito está excluído daí. Ela<br />
tem a verdadeira e módica beleza de uma porção de coisas<br />
que nos cercam e cuja beleza só percebemos na sua modicidade<br />
quando se analisa bem. Aí há mil coisas bonitas,<br />
dependendo muito de análise, e não são graus de belezas<br />
relevantes. É uma beleza autêntica, porém não relevante.<br />
Sobretudo isso não é uma procura da beleza; é a procura<br />
da expressão. Uma pessoa pode ser feia, mas ter uma<br />
expressão bonita. Por exemplo, a fisionomia dos profetas<br />
do Aleijadinho: quase todos são feios, mas têm lindas expressões.<br />
Um objeto também pode ter uma bonita expressão<br />
sendo feio ou comum. E eu não fiz aqui uma procura<br />
da beleza em nenhum momento. Eu fiz a procura de uma<br />
expressão. Desde o início concordamos em que a árvore é<br />
expressiva e eu procurei ver o que ela exprime.<br />
A elegância não vai sem algum charme. Não se confunde<br />
com o charme, mas sem algum charme não vai. E, no meu<br />
modo de entender, algum charme módico essa árvore tem.<br />
Também não há elegância sem uma certa superioridade,<br />
pois é um dos seus elementos. Comparada com uma<br />
palmeira imperial, por exemplo, o que essa árvore tem,<br />
um pouquinho aqui – um pouquinho até perigosamente<br />
– e que a palmeira não tem e que é um discreto charme<br />
não muito saudável, é que ela é meio lânguida.<br />
Uma pessoa que suspendesse o braço como está a galharia<br />
dessa árvore, faria um gesto lânguido. Não é como<br />
o da palmeira imperial, que é de um soldado segurando<br />
uma espada para apresentar armas.<br />
A exclamação interior leva à transcendência<br />
Então, da primeira parte do método, ou seja, a descrição,<br />
nós passamos para a segunda parte do método, que<br />
é uma exclamação interior.<br />
O que essa árvore é? É elegante, com essa elegância<br />
como eu a defini.<br />
O que é essa exclamação interior? É a projeção dentro<br />
de mim da impressão causada pela árvore. Quer dizer, a<br />
expressão da árvore é esta, ela exprime isto.<br />
Qual é a transcendência? Se esta árvore tem essa forma<br />
de elegância altaneira e leve, se ela comunica essa<br />
expressão, então nós devemos entender, considerar, que<br />
altaneria é uma qualidade e leveza é outra qualidade,<br />
e que altaneria e leveza como qualidades que são, cada<br />
uma se exprime a seu modo. A leveza é uma qualidade<br />
mais própria à matéria e a altaneira é uma qualidade<br />
mais própria ao espírito. Cada uma dessas qualidades<br />
existe a seu modo em Deus. Porque se todas as coisas foram<br />
criadas à imagem e semelhança de Deus, aqui há<br />
qualidades que são semelhantes com Deus.<br />
Altaneria de Deus<br />
O que é Deus em função disso? Em que sentido se pode<br />
dizer que Deus é altaneiro?<br />
Não sei se existe em castelhano a palavra altaneiro<br />
exatamente no sentido que existe em português. É uma<br />
altura que se compara, que toma conhecimento de que<br />
é mais alta, que sente e faz sentir que é mais alta, mas<br />
com garbo, com distinção. Isso é o sentido da palavra altaneiro.<br />
Deus é infinitamente superior a todas as coisas. E<br />
quando nós imaginamos Deus, terminada a criação,<br />
comprazendo-Se nela, e procuramos imaginar o quadro<br />
de conjunto de Deus e da criação, Ele está infinitamente<br />
acima da criação, com uma elevação incomensurável,<br />
da qual são imagens criadas todas as coisas que se projetam<br />
muito acima das outras.<br />
E esta árvore, portanto, é uma semelhança criada da<br />
altaneria incriada de Deus. Mesmo porque a altaneria<br />
34
de Deus não é a mesma de um sargentão,<br />
mas é a altaneria espiritual do<br />
Rei Divino, e, portanto, com este<br />
predicado que eu estou falando,<br />
embora a força também esteja<br />
presente nela.<br />
Quanto mais<br />
nobre e elevado,<br />
tanto mais leve<br />
Leveza. Deus é leve? Nós<br />
notamos, na ordem da criação,<br />
da pura criação, uma<br />
coisa curiosa. Quanto mais<br />
elevadas e quintessenciadas são<br />
as coisas, mais elas dão ao homem<br />
uma impressão de leveza. Por<br />
exemplo, qual é a autoridade mais leve:<br />
a do rei ou a do diretor de trânsito? O diretor<br />
de trem, com seu bastão, é uma autoridade<br />
mais pesada do que a do rei, que paira quase como uma<br />
espuma sobre o reino. Ele quase inspira mais o reino do<br />
que propriamente o governa a duros golpes.<br />
Tomemos a autoridade, por exemplo, de um diretor de<br />
colégio e do vigilante do colégio, que põe os meninos na fila<br />
e os castiga. O diretor do colégio apenas passa e olha;<br />
às vezes até finge que não vê, mas esse fingimento castiga.<br />
Os castigos do diretor de colégio são levíssimos, muito<br />
mais eficazes do que o castigo abrutalhado do vigilante.<br />
Cada um desses castigos tem sua razão de ser no<br />
mundo do castigo. Mas, quanto mais se sobe, tanto mais<br />
é leve aquela repreensão como a autoridade que a exerce.<br />
A superioridade da inteligência sobre a matéria –<br />
portanto, do homem inteligente sobre quem não o é – é<br />
uma superioridade muito mais leve do que a do homem<br />
forte sobre quem não o é.<br />
Chega um campeão de boxe e diz para um outro: “Ou<br />
você faz tal coisa ou eu te esmurro.” Ora, um homem inteligente<br />
diz para um outro que não o é: “Eu vou persuadi-lo<br />
e, se você não seguir, isso trará muitos inconvenientes.”<br />
Qual dos dois exerceu uma autoridade mais leve?<br />
Evidentemente aquele que exerce uma autoridade de um<br />
modo mais nobre, mais elevado; no caso concreto é a do<br />
homem intelectual. Assim por diante. Debaixo de certo<br />
ponto de vista, quanto mais as coisas são nobres e quintessenciadas<br />
tanto mais elas são leves.<br />
Leveza da autoridade de Deus<br />
A leveza, portanto, é própria daquilo que é altíssimo.<br />
E assim nós imaginamos Deus pairando no Céu com<br />
Pai Eterno - Museu do Petit<br />
Palais, Avinhão, França<br />
uma leveza de puro espírito incriado, da<br />
qual nem sequer podemos ter uma<br />
ideia. E por isso a iconografia católica,<br />
quando apresenta de vez<br />
em quando o Padre Eterno pairando<br />
sobre as nuvens, nunca<br />
o faz à maneira de um gigante.<br />
Eu não conheço uma<br />
reprodução do Padre Eterno<br />
à maneira de um gigante;<br />
Flávio Lourenço<br />
não conheço uma representação<br />
de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo que dê a ideia de estar<br />
exercendo uma força atlética<br />
contra qualquer coisa. Mas sobretudo<br />
com o Padre Eterno é<br />
característico. É um ancião que<br />
paira no meio de nuvens, as quais<br />
são seu único suporte, e que parece não<br />
pesar sobre elas, que parecem carregá-Lo<br />
sem esforço. Tudo é leve.<br />
Imaginemos a impressão que teríamos ao ver um Padre<br />
Eterno enorme, esmagando o homem com sua simples<br />
presença e sobre um maço de nuvens rachadas debaixo<br />
do peso dele. Alguém dirá: “Não, isso não é o Padre<br />
Eterno. Essa representação está malfeita, manda<br />
destruir!”<br />
Ele deve ter, até na sua Majestade infinita, uma certa<br />
leveza própria daquilo que é excelso. Essa leveza, essa<br />
sobranceria, essa elegância são, portanto, imagens, semelhanças<br />
criadas de Deus Nosso Senhor que tem isso<br />
de um modo absoluto.<br />
Transcender dos reflexos<br />
criados para o Criador<br />
Isso quer dizer que Deus é parecido com uma árvore?<br />
De nenhum modo. Quem conhece um relógio, tem uma<br />
certa ideia de como é o relojoeiro, mas não se pode dizer<br />
que ele tenha cara de relógio. É uma coisa completamente<br />
diferente.<br />
Há uma transposição, e aí é a transcendência que nos<br />
leva até Deus. Como se faz a transposição? Eu fiz a exclamação<br />
elegante, altaneira e leve. Desta exclamação eu<br />
passei para a seguinte consideração: a altaneria, a leveza,<br />
a elegância incriadas; altaneria, leveza e elegância<br />
absolutas, em relação às quais todas as formas de elegância,<br />
de altaneria e de leveza existentes na Terra não<br />
são senão reflexos criados e, já desde aí, estão para o incriado<br />
como o relógio para o relojoeiro. v<br />
(Extraído de conferência de 27/12/1974)<br />
35
Flávio Lourenço<br />
Coroação da<br />
Santíssima Virgem<br />
Museu do Petit Palais,<br />
Avinhão, França<br />
A verdadeira humildade<br />
da Sede da Sabedoria<br />
N<br />
inguém poderia ser mais humilde do que Nossa Senhora, porque se a humildade é uma virtude,<br />
Ela a teve em grau superexcelente e insondável, inconcebível por nós.<br />
Na sua vida, a Santíssima Virgem deu várias provas dessa virtude. Entretanto, sua humildade<br />
não consistia somente em colocar-Se abaixo de todos, mas também em ver sua grandeza excelsa de<br />
Mãe de Deus e agradecer-Lhe os dons incomparáveis que a Ela tinha feito.<br />
Havia, portanto, uma humildade sumamente equilibrada, serena, virginal, de um espírito que, por<br />
ser Ela a Sede da Sabedoria, era todo voltado a ver a verdade.<br />
Devemos pedir a Nossa Senhora a graça de vermos, a nosso respeito, toda a verdade; de conhecermos<br />
os nossos defeitos com objetividade, probidade e a fundo, olhando para eles de frente.<br />
Mas, também, que Ela Se digne expungir de nossas almas todo resíduo do conceito “heresia branca”<br />
de humildade, com pescoço torto, que é a caricatura da autêntica virtude e que a expulsa das almas,<br />
pois essa falsa humildade é uma forma requintada de orgulho.<br />
(Extraído de conferência de 12/5/1967)