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Um-Plano-Irreversivel-Maria-Isabel-Mello

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Copyright © 2024 Maria Isabel Mello

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer meio eletrônico, mecânico e processo xerográfico, sem a permissão

da autora. (Lei 9,610/98)

Esta é uma obra literária de ficção. Todos os nomes, lugares e acontecimentos retratados aqui são frutos da imaginação da autora.

Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real é mera coincidência.

Autora: Maria Isabel Mello

Revisão de texto: Camille Gomes

Capa: Jaque Summer

Ilustração: Anamin Dario

Diagramação: Vitória Mendes

Leitura Crítica: Ana Ferreira


SUMÁRIO

NOTAS DA AUTORA

SINOPSE

PLAYLIST

PRÓLOGO

CAPÍTULO 01

CAPÍTULO 02

CAPÍTULO 03

CAPÍTULO 04

CAPÍTULO 05

CAPÍTULO 06

CAPÍTULO 07

CAPÍTULO 08

CAPÍTULO 09

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30


CAPÚTULO 31

CAPÍTULO 32

EPÍLOGO

COLUNA DA VERENA

AGRADECIMENTOS


Sejam bem-vindos ao universo de Um Plano Irreversível!

Antes de dar início à leitura deste livro, preciso que saiba de algumas coisinhas. UPI é

uma comédia romântica que surgiu na minha cabeça há mais um menos um ano, mas foi sendo

adaptada com o passar dos meses. Antes de finalmente chegar à Verena e Asher, o enredo deste

livro passou por outros personagens e até mesmo chegou a ser uma história sobre basquete, mas

nunca tinha se encaixado tanto quanto nesse universo. Escrever e trabalhar em cada mínima parte

de UPI foi um presente. E espero que esses personagens possam levar leveza para as suas vidas e

arrancar sorrisos fáceis dos seus lábios, assim como fizeram comigo.

E que, acima de tudo, eles te façam bem.

Um Plano Irreversível é uma comédia romântica leve, inspirada no filme Como Perder

um Homem em 10 Dias, mas, ainda assim, aborda alguns temas sensíveis, como: Uso de álcool,

drogas lícitas, problemas familiares, violência doméstica, alcoolismo e luto.

Preserve o seu bem-estar. Em caso de desconforto, pare a leitura imediatamente.

Sem mais, espero que aproveite muito o livro, que se apaixone por esse casal caótico,

suas ideias estúpidas e pela cidade de Toronto, onde eles vivem. Ah, e se depois desse livro

sentir vontade de acompanhar hóquei e a NHL, não esquece de torcer para o Maple Leafs!

Caso queira ver as postagens e ilustrações do livro, meu Instagram é @belautora.

Vai lá dar uma olhada e aproveite para me seguir :)

Beijos,

Bel.


FAKE DATING | IRMÃO DA MELHOR AMIGA | NEW ADULT

UNIVERSITÁRIO | FOUND FAMILY | ENEMIES TO LOVERS

E se você fosse obrigada a fingir estar apaixonada pelo cara que passou a vida toda

odiando, para não perder a vaga de estágio em uma das maiores revistas do país?

Verena Vance se encontrava sem saída. Com problemas para ter ideias boas o suficiente

para agradar sua chefe, a estudante de jornalismo se viu perdida. E então, após um longo período

de bloqueio criativo, finalmente pensou na ideia de coluna perfeita: 15 motivos para não

namorar com um jogador universitário.

Parece fácil, não é? Considerando que quase todos eles são galinhas prepotentes e andam

por aí como se fossem os reis do mundo...

Asher Hartford foi o alvo escolhido. Com 22 anos, cabelos castanhos e um longo

histórico de ódio e brigas com Verena, ele é o capitão do time de hóquei da universidade, irmão

da sua melhor amiga e o pior cara com quem uma mulher poderia se envolver.

O que de início não passava de uma ideia estúpida para salvar o seu trabalho, acabou

transformando a vida de Verena no mais profundo caos.

E a fazendo se apaixonar por ele: O inimigo.


Ouça a playlist do livro no Spotify através do código acima, ou clique aqui.


Para os intensos e exagerados.

Vocês tornam a vida mais interessante.




Quando comecei essa coluna, queria

cometer alguns erros idiotas.

O que não percebi foi que cometi o maior

erro da minha vida.

— COMO PERDER UM HOMEM EM 10 DIAS.


Queria poder dizer que essa história é como um conto de fadas, com amor à primeira

vista, um enredo bem dramático e um casal que teve o coração ardendo em paixão um pelo outro

desde o início… mas ela é bem diferente disso.

É uma história um tanto engraçada, para falar a verdade.

Asher Hartford e eu passamos a vida nos odiando. Mas então, quando estávamos prestes

a assistir nossos sonhos escorrendo pelo ralo, tivemos duas ideias estúpidas.

E foi aí que a gente se apaixonou.


Algum dia, só Deus sabe quando…

Algum dia, será o meu dia.

— VESTIDA PARA CASAR

Eu poderia muito bem dar um grito agora.

Não só poderia, como sinto que é o que vou acabar fazendo se a expressão de desgosto

que toma cada mínima parte do rosto meticulosamente hidratado da invejável Samantha Swat

não mudar nos próximos cinco segundos. É isso. Vou acabar gritando. E depois, com certeza,

vou invadir a casa dela e roubar todos os seus cremes caros.

Eu não perderia nada, de qualquer forma. Já teria sido demitida mesmo.

Mas é sério. Como alguém pode ter uma pele tão boa? Ainda mais com essa idade.

— Isso está horrível! — É o que a voz irritada de Samantha fala, soltando a pequena

pilha de papéis com força sobre a mesa de reunião à sua frente. Meu corpo estremece no mesmo

instante. — Horroroso! É a pior ideia de coluna que já vi na vida.

E pela primeira vez — depois de ouvir a mesma coisa sobre minhas seis ideias anteriores

—, não sinto como se uma adaga tivesse acabado de ser enfiada no meu coração.

Acho que estou me acostumando com o fracasso, no fim das contas.

— Meu Deus, Verena... — A editora-chefe, dona e fundadora da revista bufa enquanto

esfrega o rosto. Cada mínima parte do seu corpo grita desespero. E uma leve vontadezinha de me

matar. — O que é que está acontecendo com você?

Separo os lábios, prestes a responder que não faço ideia, mas desisto no instante em que


sinto uma mão pousar em um dos meus joelhos, por baixo da mesa.

Ava Johnson me lança um olhar fulminante, daqueles que diz: Cale a boca e deixa que eu

resolvo isso.

E então é o que eu faço.

— Olha, Samantha... — minha supervisora começa, voltando seus olhos para a nossa

chefe e uma das mulheres que eu mais admiro no mundo. — Nós duas sentimos muito. E sei que

já estamos te levando ao limite com todo esse bloqueio criativo e ideias rasas, mas a Verena já

está aqui há um ano. Ela é boa. É a melhor estagiária que a empresa já teve em todos esses

quinze anos de revista. Sabe disso. Você até confiou trabalhos a ela que não deveriam ser

entregues para uma simples estagiária.

Samantha solta um suspiro pesado, trazendo seus olhos verdes até mim.

Engulo em seco, reprimindo a gigantesca vontade que sinto de me encolher na cadeira até

o chão se abrir e me engolir.

— Só te pedimos mais uma chance — Ava continua, e graças a Deus Samantha volta a

olhar para ela. — Tenho certeza de que Verena se esforçará mais. Ficarei no pé dela a cada

minuto do dia, acompanhando seu trabalho de perto. Eu dou a minha palavra.

Samantha não responde nada.

Uma enxurrada de ansiedade chega e atinge meu corpo sem o menor sinal de piedade

enquanto permaneço a encarando no mais completo silêncio, desesperada para que abra a

maldita boca e diga sua decisão.

Atualmente, a Samantha’s Magazine é uma das maiores revistas femininas de todo o

Canadá. E ter conseguido o meu primeiro estágio em uma empresa tão grande assim foi a

realização de um sonho. É sério, que estudante de jornalismo não idealiza isso? Ainda mais

estando no primeiro ano da universidade, como foi o meu caso?

Acontece que quando li sobre a vaga, enlouqueci. Passei noites em claro, me preparando

para trazer o melhor material possível para a entrevista. E consegui, já que depois que Ava me

conheceu, dispensou os outros candidatos sem ao menos entrevistá-los antes.

Ela sempre depositou muita expectativa em mim. E sendo bem sincera, isso nunca me

espantou muito. Sei que sou boa e penso fora da caixinha. Cresci ouvindo que era criativa demais

e quando cheguei na pré-adolescência e vi todas as minhas amigas começarem a ficar

preocupadas em dar o primeiro beijo, tudo o que eu conseguia pensar era em arquitetar títulos,

histórias e desfechos chamativos o suficiente para alugarem um triplex na cabeça de todos que os

lessem.

Mas depois de ter brilhado na revista durante o meu primeiro ano, eu travei. E não faço

ideia do que aconteceu. Eu só... não consigo mais.

Parece que simplesmente deixei de ser boa. Sem nenhuma explicação.

Mas não posso perder esse emprego. Não posso mesmo.

Por isso, sinto meu corpo todo relaxar quando, ainda parecendo estar um pouco dividida

em sua decisão, Samantha Swat esfrega o seu cabelo loiro raspado quase no zero, expira


demoradamente, e declara:

— Tudo bem. Mas essa é a última chance.

— Tem certeza de que não quer vir para cá? Os meninos vão sair hoje. — É o que

insiste a voz de Alexa Hartford, minha melhor amiga, pela oitava vez.

Segurando o celular com uma das mãos e o mantendo em minha orelha, atravesso a

pesada porta metálica do elevador do prédio onde moro. Levo meu indicador até a fileira de

botões, acionando o andar da cobertura, e me encosto na parede quando a subida se inicia.

— Mesmo se quisesse, eu não poderia, Ali — digo, sendo completamente sincera. —

Ainda estou quebrando a cabeça com a situação no estágio.

— A nova ideia também foi recusada? — Preocupação transborda em seu tom de voz.

— Sim, e a Samantha fez questão de deixar claro que a odiou. — Fecho os olhos por um

instante, respirando fundo. — Estou começando a achar que talvez isso não seja para mim.

O grito incrédulo de Alexa me assusta, e afasto o celular do ouvido por um tempinho.

— O quê?! Você enlouqueceu? — ela berra. — É óbvio que é para você, sua idiota! É o

seu sonho desde a infância, e se você conseguiu esse estágio, significa que é merecedora dele.

— É, mas agora eu estou perto de perdê-lo — retruco.

Ouço quando Alexa respira fundo, tentando se manter calma primeiro para, só então, me

acalmar.

— Olha só, Verena, você não vai perder nada. Tenho certeza de que é questão de tempo

até uma ideia incrível surgir na sua cabeça estranhamente maluca. Mas isso só vai acontecer se

você relaxar. Sua criatividade não vai funcionar sob toda essa cobrança.

— Não consigo relaxar — afirmo.

Já tentei de tudo. Até aqueles ASMRS do Youtube, que prometem fazer cócegas no

cérebro e coisa assim.

Nada funciona.

— Ainda acho que deveria vir para cá. Pelo menos hoje — insiste Alexa. — Seríamos

apenas nós duas. Seb e Joey vão para uma festa e provavelmente vão passar a noite toda fora, e

o Asher vai para o tão aguardado jantar com o meu pai.

Uma careta toma meu rosto no mesmo instante.

Tinha me esquecido disso.

— Isso quer dizer que hoje ele finalmente vai ficar sabendo da novidade?

— Sim, e provavelmente vai chegar furioso em casa. Mais um motivo para você vir para


cá. Não quero ter que aguentar ele sozinha.

Uma risadinha escapa pelos meus lábios.

— É sério mesmo que você acha que essa sua frase pode me convencer a ir? Prefiro a

morte do que ter que conviver com o seu irmão.

Eu nasci, cresci e passei quase todos os dias da minha vida ao lado de Alexa e Asher

Hartford. E na mesma medida em que sempre me dei bem com Alexa, sempre tive uma relação

extremamente difícil com Asher. E levando em conta que ela é a minha melhor amiga desde que

eu me entendo por gente, isso faz dele o meu pior inimigo da vida.

Acontece que nossos pais são sócios e fundadores da Hartford Vance, a maior rede de

advocacia do Canadá. E pelo fato de sempre terem trabalhado juntos, minha vida, a de Alexa e a

de Asher esteve conectada durante os meus 20 anos de existência.

Para a minha felicidade e, ao mesmo tempo, extrema infelicidade.

Mesmo berçário.

Mesma escola.

Mesmas viagens de fim de ano.

Mesmos grupos de amigos.

Mesmas festas em que nos deixavam ir.

Mesmas festas em que tínhamos que fugir para ir.

E, por fim, mesma universidade.

Parece que o destino gosta de nos manter colados, já que todos nós fomos aceitos na

Universidade de Toronto, uma das melhores do país.

Desde que pisou no campus pela primeira vez, Alexa mora uma república com Asher e

outros dois caras do time de hóquei da Toronto, os Blue Dragons. Joey e Sebastian são bem

legais e ótimos colegas de casa, mas nunca vou entender como ela pode ter ido dormir e

acordado com a presença insuportável do seu irmão todos os dias, durante a vida toda, e escolher

continuar fazendo isso. Ou melhor, como pode ainda não ter colapsado?

linha.

Eu não conseguiria nem se tivesse dinheiro em jogo.

Sou fisgada para longe dos meus pensamentos quando ouço Alexa bufar, do outro lado da

— Certo. Mas, caso mude de ideia, estarei aqui.

O elevador finalmente chega ao último andar, e me despeço de Alexa antes mesmo de ver

a porta se abrir, encerrando a ligação logo em seguida. Sou preenchida por uma sensação amarga

e estranha ao entrar no corredor e encontrar o Sr. Gibson, o porteiro, parado em frente à única

porta da cobertura. Em frente à porta do meu apartamento.

E ela está aberta.

Minha testa se franze à medida em que me aproximo dele, já pensando nas piores teorias

possíveis.


— Sr. Gibson?

O porteiro gira nos calcanhares, finalmente notando minha presença.

— Ah, oi, Verena! — Ele sorri trêmulo, transbordando nervosismo. E em seguida,

esfrega o cabelo grisalho com uma das mãos.

Cada um dos seus movimentos indica que algo ruim aconteceu. E pelo desespero que

circula em seus olhos, sei que ele não teve culpa de nada, seja lá o que quer que tenha sido.

— Está tudo bem? — sondo, mesmo já sabendo a resposta.

Voltando a atenção para dentro do apartamento escuro, Gibson bufa, sua postura

murchando.

— Infelizmente, não, Senhorita Verena. — É sincero, me encontrando com o olhar

novamente. — Um cano estourou há algumas horas e houve uma infiltração no seu apartamento.

Como não havia ninguém em casa, demoramos para perceber. Foi o vizinho do andar de baixo

que ligou, dizendo que achava ter algo estranho, pois havia água invadindo a casa dele. Eu vim

correndo e usei a chave reserva que temos, mas... quando cheguei, o estrago já estava feito. Dava

para ver a água dentro do teto, das paredes, e tive que desligar a caixa do disjuntor, porque ele

estava encharcado e fiquei com medo de pegar fogo.

Cada uma de suas palavras me atinge como um soco no estômago, um mais forte do que

o outro.

Puta merda, quando foi que me tornei a pessoa mais azarada do mundo?

— Em resumo, você vai passar alguns dias sem água e eletricidade. — Sr. Gibson franze

os lábios, deixando claro que está odiando ter que me dar essa notícia. — O prédio vai arcar com

a reforma. Chamamos um eletricista aqui para ele analisar se há problema em ligarmos a energia

de novo, mas ele só poderá vir amanhã. Quanto a água... Bom, isso vai demorar mais um

pouquinho.

Passo alguns segundos em transe, tentando processar tudo o que acabei de ouvir.

— Certo... — respondo, sem saber ao certo o que dizer, desesperada para ligar para o

meu pai o quanto antes, em busca de apoio. — Obrigada, Sr. Gibson. Vou pensar no que fazer a

partir daqui.

Ele sorri, apesar de continuar me encarando com pena.

— Você não pode ir para a casa dos seus pais?

Quando me mudei para este prédio no ano passado, foi Gibson quem nos ajudou com a

mudança. Ele e meu pai tagarelaram durante todo o tempo em que passamos desencaixotando as

coisas e acabaram se tornando amigos.

— Não dá — revelo. — Meus pais e meu irmão foram para os Estados Unidos, cuidar da

parte da empresa de lá. Mas vou dar um jeito de ir para algum lugar.

Gibson assente, mostrando que entende.

— De qualquer forma, boa sorte. Te mando mensagem quando o eletricista analisar tudo.

Agradeço, assistindo enquanto ele se afasta, a caminho do elevador. E antes mesmo de


entrar em casa, suspiro pesadamente, pego o meu celular e volto atrás, recorrendo à única opção

que eu tenho ao abrir na minha conversa com a Alexa e começar a digitar.

Eu: Fui obrigada a mudar de ideia.

Estou indo para a sua casa.

E levando uma mala comigo.


Você me diz quando eu sou um filho da puta arrogante

E eu te digo quando você é pentelha. E você é, 99% do tempo.

— DIÁRIO DE UMA PAIXÃO

— Eu vou me casar.

Essa foi a última coisa que ouvi antes de me engasgar ao engolir um cubo de gelo quase

inteiro, ficar todo vermelho, sem ar e fazer um escândalo ao levantar os braços pedindo por

socorro e chamar a atenção de todos os garçons e clientes de um dos restaurantes mais caros do

Bloor West Village.

Puta que pariu!

Bebendo água após me recuperar, uso uma das mãos para fazer um sinal para o garçom

preocupado parado ao lado da minha mesa, o dizendo de forma silenciosa que estou bem. Ele

não demora para se afastar, provavelmente morrendo de alívio por não ter presenciado uma

morte durante o seu expediente.

— Você não vai dizer nada? — pergunta o meu pai, sua voz grossa transbordando

impaciência, como o habitual.

Ergo os olhos, o encarando sem acreditar.

— Será que você pode esperar eu desengasgar primeiro?

Do outro lado da mesa, ele suspira, cruzando os braços e se recostando no encosto da

cadeira. Em seu rosto, as rugas transparecem uma mistura de tédio e irritação.

A mesma expressão que ele faz todas as vezes que está prestes a discutir comigo.


— Por que é que você sempre precisa fazer um show, Asher? — questiona, me fazendo

franzir a testa. Ok, agora aparentemente me engasgar e quase morrer significa fazer um show.

Ótimo. Podem me aplaudir! — Por que simplesmente não pode me parabenizar e dizer que está

feliz por mim, como alguém normal?

— Porque não é tão fácil assim — respondo no mesmo instante, minha voz saindo mais

áspera do que o planejado. Me encolho na cadeira, odiando essa conversa. Odiando cada maldito

segundo deste jantar, para ser mais exato. — Você poderia ter esperado mais um pouco. Sabe,

por respeito à minha mãe.

O imbatível Jared Hartford não diz nada. Ele apenas continua me encarando, sem deixar

que nenhum traço da sua expressão mude. Sem deixar que qualquer sinal de que ele é um ser

humano com outros sentimentos além de raiva, tédio e impaciência escape.

Travo a mandíbula, tentando me conter. Não sei ao certo se para não começar a chorar ou

xingar.

— Enfim, caso esteja se perguntando, contei para a sua irmã na semana passada. — Ele

pigarreia, endireitando a postura e levando uma das mãos até sua taça de vinho. E sei que esse é

o seu jeito estranho de tentar contornar as coisas e deixar a conversa mais leve. Desde quando

Alexa e eu éramos apenas crianças, nunca ouvimos um pedido de desculpas ou fomos instruídos

a manter a calma. Ao invés disso, Jared sempre pigarreava e continuava com a mesma frieza de

sempre, agindo como se nada tivesse acontecido. Exatamente como agora. — Sabe o que eu

digo. Um grande homem precisa de uma grande mulher para se manter grande.

Sinto meu peito borbulhar em raiva quando ele bebe o maldito vinho, como se não tivesse

dito a maior merda que já ouvi na vida.

Essa é uma frase clássica do meu pai. A escuto desde pequeno. Mas levando em conta

toda a situação atual, ela não se encaixa. Porra, ela está muito longe de se encaixar.

Minha mãe era a grande mulher da sua história. Sempre foi. E é sério que ele acha

mesmo que Daisy Killerton, sendo dezoito anos mais nova e tendo acabado de entrar na bosta do

caminho dele, pode mesmo ocupar o lugar dela?

Faz só seis meses desde que minha mãe morreu, cacete!

— Não sabia que você considerava as mulheres que conhece em clubes como grandes —

solto a frase mais machista de toda a minha vida, sem conseguir me conter.

E se fosse em outro contexto, eu com certeza me arrependeria de tê-la dito no mesmo

instante. Mas quando meu pai afasta a taça dos lábios e me fuzila com seus olhos em chamas,

repletos de raiva, tudo o que consigo sentir é felicidade por tê-lo tirado do sério.

— Eu não sou um largado como você, Asher! — solta ele, a voz grossa saindo mais alta

do que o costume, mas não alta o suficiente para atrair a atenção de todos para a nossa mesa. —

Daisy é uma mulher boa, de família boa. Mas você não deve saber o que é isso, levando em

consideração todas as pessoas que você anda...

Chacoalhando a cabeça, solto uma risadinha fraca, sem acreditar que estou ouvindo toda

essa merda.

— Você sabe muito bem que eu não sou um largado.


— Será mesmo? — Meu pai arqueia uma sobrancelha. Ótimo. Já entendi. Esqueça todo

aquele papo de se manter frio para contornar a situação. Jared Hartford quer brigar. — Desde que

você era apenas um garoto, eu tinha esperanças de que seria alguém na vida. De que seria um

homem sério, que se preservaria, cuidaria dos negócios e seria comprometido com uma mulher

de família boa, como a Verena...

Faço uma careta no instante em que ouço o nome da melhor amiga de infância da minha

irmã — e o meu pior pesadelo — saindo pela boca do meu pai.

— Mas tudo o que você me mostrou até agora foi que só sabe ser inútil, ocupando sua

vida com essa palhaçada de hóquei, festas e mais mulheres por semana do que eu poderia contar

nos dedos das mãos. — Engulo em seco no instante em que escuto a palavra hóquei sendo dita

por ele. Esse sempre é um assunto delicado entre nós. Na realidade, recentemente, tudo tem sido

delicado entre nós. — Meu secretário me disse que você não está atendendo as ligações dele. E

eu não sou tolo. Sei que está evitando porque não está dando a mínima para todas as vagas de

estágio na Hartford Vance que ele está tentando te oferecer, devido à ordem que dei. Sei que está

desinteressado no futuro que te espera como um grande advogado, graças ao hóquei. Mas, pelo

amor de Deus, Asher, já chegou na hora de parar de esperar e focar no que verdadeiramente

importa!

Digamos que os planos que o meu pai traçou para a minha vida são completamente

diferentes dos meus. Jared sonha em me ver no comando da empresa, para seguir com todo o seu

legado e trabalho duro após a sua aposentadoria, e é por isso que estou sendo obrigado a cursar

direito, mas eu odeio toda essa área. É zero a minha cara. Prefiro a morte a passar a vida toda

sendo infeliz, com meus ternos caros e infinitas idas a tribunais.

Quanto ao hóquei... Bom, ele sempre foi o meu sonho, desde que eu era só um garotinho.

E sei que não é uma carreira segura. Sei muito bem que é um esporte onde as coisas dão errado o

tempo todo. Sei que é extremamente difícil. Desde o draft, até a liga profissional. Uma lesão, um

escândalo ou um acidente e toda a sua carreira e anos de treinamento, esforço e dedicação vão

para o ralo.

Mas eu sou bom. Sei que sou. E é exatamente por isso que não desisti ainda. Porque algo

em mim sente muito forte de que esse é exatamente o caminho que tenho que seguir. Quer dizer,

eu sou o capitão de um dos maiores times universitários da América do Norte e ganhador da

última temporada. Isso já diz muita coisa sobre o meu potencial.

É triste ter que continuar fingindo para o meu pai que tudo isso não passa de um hobby

temporário, quando se trata do meu mundo inteiro.

Mas Jared jamais me apoiaria.

— Eu estou levando o direito a sério — falo, depois de um tempo. — Minhas notas estão

ótimas.

E é verdade. Tenho me esforçado para estudar mais, e os resultados têm sido bons. É

claro que com todas as minhas tarefas de capitão do time, minha rotina acaba sendo mais corrida

do que os outros jogadores, mas deixar os estudos de lado completamente foi uma coisa que

nunca passou pela minha cabeça.

Meu pai não diz nada, apenas me encara em um completo silêncio. Sustento o seu olhar,

decidido em não ceder. Se ele acha que vai conseguir me pressionar e me fazer voltar atrás, pedir


desculpas e dizer que estou feliz pelo seu lindo casamento vazio e completamente sem amor, está

muito enganado.

Mas então, Jared me confunde ao soltar uma risadinha repleta do mais profundo escárnio.

— Você não pode estar falando sério.

Franzo o espaço entre as sobrancelhas.

— Como assim?

Meu pai chacoalha a cabeça, e sei, apenas pelo modo como se comporta, que está prestes

a explodir de novo.

— Acha mesmo que suas notas estariam boas, mesmo com todos os seus esforços sendo

colocados naquela porcaria de time, Asher?

O vinco em minha testa se intensifica.

— Sim, eu tenho acompanhado o portal da universidade e...

— Faz dois meses que eu estou pagando os seus professores para impedir que você repita

o semestre, Asher! — A confissão me atinge como uma bigorna sendo jogada por cima dos meus

ombros. Minhas costas afundam no encosto da cadeira e de repente posso jurar que sinto o

sangue correr mais rápido por cada uma das veias do meu corpo, me queimando de dentro para

fora, me machucando por inteiro. — É sempre assim, afinal. Desde quando você estava no

ensino médio. Você sempre fica a um fio de reprovar, e sou sempre eu que tenho que salvar a sua

pele.

— Eu... eu não fazia ideia — confessa a minha voz fraca, sendo completamente sincera.

Realmente achava que estava indo bem por mérito dessa vez.

— Pois é. — Meu pai afasta seus olhos de mim, virando a taça de vinho com uma rapidez

fora do comum, como se tivesse acabado de decidir que este jantar terminou. — E é por isso que

eu cansei. Ou você entra nos trilhos, melhora suas notas sozinho e me prova que tomou jeito, ou

juro que faço de tudo para te tirar do time de hóquei. É uma escolha sua.

Cada uma das suas palavras me atropela. Me mata. Me dilacera.

Porque dessa vez, sinto que Jared chegou mesmo ao seu limite comigo. E jamais

duvidarei da sua capacidade de mover mundos para conseguir o que quer, mesmo que isso

signifique destruir todos os meus planos para construir os seus.

— Garçom, a conta, por favor! — É o modo que ele escolhe para dar um fim à nossa

terrível noite.

O silêncio me acompanha quando chego em casa, minutos depois. Todas as luzes estão

acesas, mas não há uma alma viva sequer no primeiro andar.


Sebastian e Joey estão em uma festa do time de basquete, e pelas fotos que estão

mandando no nosso grupo, tenho certeza de que não voltarão tão cedo.

Talvez seja melhor assim, no fim das contas. Não estou muito feliz com a minha irmã, e

por mais que meus melhores amigos já estejam acostumados a ocupar os papéis de

telespectadores oficiais das nossas brigas, essa não deve ser uma tarefa muito confortável.

Ainda sendo corroído por toda a raiva que a conversa com meu pai me causou, subo a

escada até o segundo andar em passos largos e pesados, pulando o máximo de degraus possíveis,

indo direto para o quarto da minha irmã. Não penso duas vezes antes de girar a maçaneta e abrir

a porta de supetão, pronto para xingar Alexa por ter guardado segredo sobre o maldito

casamento, mas sou surpreendido quando não é ela quem encontro deitada em sua cama.

Uma cabeça que abriga uma confusão de cachos ruivos e bagunçados se levanta, e olhos

azuis cinzentos são apontados em minha direção.

Olhos que expressam claramente que não estão nada felizes em me encontrar.

Ótimo. É um sentimento recíproco.

— Ah, era só o que me faltava! — exclamo, sentindo toda a minha raiva triplicar. Ter

Verena Vance na minha frente era literalmente a única maneira possível de tornar essa noite

insuportável em um inferno completo. — O que caralhos você está fazendo aqui?

A melhor amiga de Alexa revira os olhos, bufando ao se sentar na cama.

— Acredite em mim, estrelinha, estar na sua casa era tudo o que eu menos queria para o

dia de hoje. — Sua voz esbanja desdém ao dizer o apelido ridículo que me deu, ainda na

infância. — Meu apartamento está sem água e sem energia por tempo indeterminado. Não tive

escolha.

Separo os lábios, pronto para dizer a ela para que encontre outra opção e suma daqui,

quando ouço a porta do banheiro se abrir. Alexa surge no meu campo de visão, sua atenção

vindo diretamente para mim.

Ela não é nenhuma idiota. Sabe que o jantar foi uma catástrofe. A preocupação que

circula seus olhos é a prova viva disso.

Tomo uma respiração profunda antes de ir direto ao ponto, evitando rodeios:

— Por que você não me disse?

A testa da minha irmã se franze conforme ela anda em minha direção.

— Disse o quê?

— Por que não disse que o Jared vai se casar? — questiono, minha voz saindo mais

alterada do que o habitual. Alexa para de andar de repente. Seus pés se cravam no chão, ainda a

uma considerável distância de mim, e ela pisca várias vezes, sendo pega de surpresa. — Ele me

disse que te contou na semana passada.

Pelo canto do olho, percebo Verena mexendo em seu celular, fingindo que não está

prestando atenção no caos que se instaurou à sua frente.

— Eu... Eu prometi que guardaria segredo.


Rio com escárnio, sem sequer me preocupar em me conter.

— Ah, que ótimo! E por acaso ele também te pediu para manter segredo sobre o fato de

que ele vem pagando os professores para que eu não tenha que repetir todo o semestre?

Alexa não responde. Desespero toma a sua expressão quando ela engole em seco,

desviando os olhos para Verena, ainda sentada sobre a cama, como se buscasse por apoio.

Meu sangue ferve assim que me dou conta do que está subentendido em seu

comportamento.

— Espera aí... Vocês duas sabiam disso? — questiono, observando Verena continuar

fingindo que nada está acontecendo ao seu redor. Ninguém responde, então volto meu foco para

Alexa, sem conseguir acreditar em toda essa palhaçada. — Você contou um segredo sobre a

minha vida para a sua melhor amiga, mas continuou o escondendo de mim?

Buscando se defender, ela dá mais dois passos em minha direção.

— Asher, pelo amor de Deus, se coloque no meu lugar. Como eu te diria isso? Você

surtaria!

— Ele ameaçou me tirar do time! — Exclamo de volta, gritando desta vez.

A informação cai sobre o quarto como um baque silencioso. Alexa congela, ficando

boquiaberta. E pela primeira vez, Verena deixa de fingir estar alheia a tudo, seus olhos

arregalados se cravando em mim.

Estou tremendo quando continuo:

— Se eu soubesse de toda essa merda das notas antes, teria dado um jeito de ter

melhorado tudo. Teria estudado mais, me dedicado mais... Porra, eu teria consertado toda essa

bagunça!

Não dou a chance de Alexa me responder, muito menos fico para continuar sendo o alvo

dos olhares impressionados da duplinha inseparável. Ao invés disso, dou as costas, batendo a

porta com força atrás de mim.

Entro no meu quarto como um furacão, indo direto para o banheiro. E segundos depois,

quando entro no chuveiro, fecho os olhos e sinto o jato forte de água caindo em minhas costas

desnudas, as palavras do meu pai retornam à minha mente como uma voz distante.

Sei que está desinteressado no futuro como um grande advogado que te espera, graças

ao hóquei.

Acha mesmo que suas notas estariam boas, mesmo com todos os seus esforços sendo

colocados naquela porcaria de time?

Eu não sou um largado como você, Asher!

Desde que você era apenas um garoto, eu tinha esperanças de que você seria alguém na

vida. De que seria um homem sério, que se preservaria, cuidaria dos negócios e seria

comprometido com uma mulher de família boa, como a Verena... Mas tudo o que você me

mostrou até agora foi que só sabe ser inútil, ocupando sua vida com essa palhaçada de hóquei,

festas e mais mulheres por semana do que eu poderia contar nos dedos das mãos.


Aperto os olhos com o máximo de força que consigo, desejando poder pensar em

qualquer outra coisa. Desejando deixar de reviver todas as merdas que escutei.

Mas falho, continuando a ser bombardeado por cada mínima coisa que ouvi.

Bombardeado por visões do meu futuro, onde decepcionei todo mundo, fui obrigado a me afastar

do time e vi todos os meus planos e sonhos serem despejados pelo ralo. Um futuro em que estou

coberto de ternos, gravatas, pilhas e mais pilhas de casos para estudar e carregando uma empresa

que jamais desejei nas costas. O futuro que não quero de jeito nenhum, mas que é o que terei, se

não mostrar para o meu pai que eu posso, sim, deixar de ser quem sou e me tornar o fantoche que

ele tanto deseja.

O fantoche que preciso me tornar.

Sabe o que eu digo. Um grande homem precisa de uma grande mulher para se manter

grande.

E o primeiro passo para isso eu já sei qual é.

Tenho que encontrar uma namorada.


Bem, nós nos olhamos e ele sorriu

E eu senti que minha vida nunca mais seria a mesma.

— ENQUANTO VOCÊ DORMIA

Isso não pode acontecer.

É a frase que toma a minha mente enquanto ocupo a cozinha da república e frito

panquecas, na manhã seguinte.

Não pode mesmo acontecer.

Seria horrível. Exatamente como se alguém tivesse impedido Caden Prescott de seguir

com a carreira.

Jared não pode fazer isso.

Asher pode ser o cara mais insuportável, vaidoso e impossível de se conviver em todo o

mundo, mas, ainda assim, ele é um ótimo jogador. E digo isso mesmo o odiando com toda a

força. Porque é algo que não dá para negar.

Ele foi o responsável por manter todo o time unido e trazer a última temporada para casa.

Foi ele quem conseguiu marcar nos últimos cinco segundos do jogo mais difícil que a Toronto já

jogou contra a Universidade de Montreal. E quando tudo parecia perdido quando alguns dos

melhores jogadores do time se formaram e Sebastian, nosso melhor goleiro, sofreu uma lesão,

ele passou horas e horas no rinque, treinando os calouros e o goleiro reserva.

Se hoje alguém é a grande aposta da universidade, esse alguém é Asher Hartford.

— Verena? — Ouço uma voz me chamar.


Giro nos calcanhares, encontrando Joey e Sebastian descendo as escadas. Seus cabelos

estão bagunçados, suas camisetas amarrotadas e suas expressões gritam para todos ouvirem que

os dois estão de ressaca.

— Não sabíamos que estava aqui — diz Joey, bocejando logo em seguida.

Sorrio quando eles puxam os bancos do balcão da ilha da cozinha, se sentando.

— Teve uma infiltração no meu apartamento — esclareço. — Vou passar alguns dias no

quarto de hóspedes.

Diferente de Asher, seus amigos primeiro lamentam, e em seguida reagem de maneira

positiva à notícia. Seb e Joey são incríveis e nós nos damos muito bem. Nem sei como

conseguem ser melhores amigos daquele bananão.

Era de madrugada quando eu desci para pegar um copo de água e encontrei Joey e

Sebastian entrando em casa aos tropeços, completamente bêbados. A sala estava escura, então

eles não me viram.

E graças a Deus que isso aconteceu, porque assim não precisei inventar uma desculpa

esfarrapada para o motivo da minha insônia.

Jamais poderei confessar que foi porque não conseguia parar de pensar no cara que mais

odeio no mundo todo sofrendo ao ter o seu sonho destruído pelo seu pai.

Até porque eu não me importo com o Asher. Nenhum pouco. Foi só... uma reação

comum, que qualquer pessoa teria, diante de uma injustiça.

Apenas isso.

— Asher está em casa? — Seb questiona, quase como se pudesse ler a linha dos meus

pensamentos.

Nego com a cabeça, voltando a dar atenção à panqueca na frigideira.

— Não. Ele saiu para correr há mais ou menos uma hora.

— E a Alexa? — Agora é a vez de Joey perguntar.

— No mercado — esclareço, desligando o fogo. Coloco a última panqueca na pilha antes

de despejar o máximo de Maple Syrup sobre elas. Todo mundo sabe que essa é a melhor parte de

comer panquecas no café da manhã. Seguro o prato nas mãos, o colocando sobre o mármore da

ilha onde Joey e Seb estão. — Ela foi comprar frutas, iogurte e todas essas coisas saudáveis. Não

tinha nada disso aqui, o que explica o nosso cardápio desta manhã.

Sebastian ri, se levantando. Ele anda até os armários no alto da cozinha, sem sequer se

dar ao trabalho de ficar na ponta dos pés para alcançar os pratos e copos que vamos usar, graças

aos seus quase 1,95 de altura.

Joey vai logo atrás, abrindo a gaveta para pegar os talheres.

— E o que é toda aquela bagunça na sala? — questiona ele, seus olhos apontando para a

dezena de revistas, jornais e papéis espalhados pelo sofá, ao lado do meu notebook.

— Não é nada. Só estou fazendo uma pesquisa para o estágio — digo, omitindo toda a

parte catastrófica. Sabe, a parte de que estou desesperada, quase perdendo a vaga, sem ideia


nenhuma, prestes a ser assassinada pela minha chefe e tudo mais.

Chacoalho a cabeça, mandando para longe todos os pensamentos ansiosos que passam a

me atingir como tiros de uma metralhadora.

Eu vou dar conta. Sempre dou.

— Então, como foi a festa ontem? — pergunto, buscando desesperadamente mudar de

assunto para me distrair.

Talvez Alexa tenha razão. Talvez eu precise relaxar, para só então as engrenagens da

minha cabeça voltarem a funcionar.

— Ótima — responde Seb, enfiando um pedaço gigantesco de panqueca na boca. Seus

olhos verdes se focam em mim quando ele aponta para Joey com o garfo. — Joey terminou um

namoro de quase seis meses.

Franzo o cenho no mesmo instante, confusão me invadindo.

— O quê? Como assim? Desde quando você namorava?

O defensor do Blue Dragons sorri, espetando um pedaço da panqueca em seu prato antes

de trazer sua atenção para mim.

— Não namorava — diz ele. — Mas Kaio Kourtney sim. Bom, pelo menos até ontem.

Meu queixo cai, a choque tomando meu corpo por inteiro.

— Joseph Fisher! — o repreendo, arrancando uma risadinha dos seus lábios. — O que foi

que você fez?

Ele solta o garfo, levantando a palma das mãos, como se estivesse se rendendo.

— Eu? Nada. Não tenho culpa se Victoria Walter deu em cima de mim primeiro — tenta

se defender, dando de ombros logo em seguida. — Ela é gata. Beeeem gata. E como tudo partiu

dela, pensei que estivesse solteira.

— E descobriu que não depois de se agarrar com ela no corredor do segundo andar da

república do time de basquete. Sua ficha caiu quando Kaio ficou sabendo e tentou partir para

cima dele, mas foi impedido pelos caras do seu próprio time — continua Seb.

— O babaca do Kaio queria nos expulsar, mas todo mundo daquele lugar ama a gente. —

Joseph dá de ombros mais uma vez. — E com razão, porque somos incríveis.

Falho ao tentar segurar uma risada.

Aqui vai uma coisa que aprendi sobre jogadores de hóquei: eles se acham. Todos. Sem

exceção.

É claro que existem níveis — e que Asher extrapola todos eles —, mas todo o time da

Toronto tem o costume de andar, falar e se comportar como se fossem os reis da universidade.

Eles têm fama pelo campus e sabem muito bem disso. São conhecidos e aclamados por todos,

incluindo os professores.

Joseph Fisher é um exemplo vivo disso. Com seus 21 anos, 1,85 de altura, cabelo escuro

raspado, olhos castanhos e a pele negra clara, Joey foi o melhor defensor que o Blue Dragons já


teve nas últimas duas décadas. E mesmo que tenha uma quantidade significativa de neurônios

faltantes em seu cérebro, todos o adoram.

Bom, todos menos Kaio Kourtney, com certeza.

— Preciso de um banho. — É o que o ladrão de namoradas diz, assim que terminamos de

devorar nossas panquecas.

Seu banco range contra o chão quando ele se levanta.

— Eu também. Vou aproveitar que Asher não está e usar o banheiro dele — diz Seb,

fazendo o mesmo. O loiro engole metade de um copo de água em alguns goles antes de pousá-lo

de volta no mármore e apontar um dedo em minha direção. — Valeu pelas panquecas, Vance. Te

devo uma.

Franzo os lábios, em um jeito silencioso de dizer que não foi nada demais.

— Pode deixar tudo aí, que a gente volta para arrumar e lavar depois do banho! — É o

que Sebastian grita, já ao longe, enquanto segue Joey pela escada, rumo ao andar de cima.

Por isso, apenas empilho todos os pratos e talheres sujos antes de lavar as mãos e sair da

cozinha, retornando à árdua missão de impedir a minha própria demissão.

Antes de Joey e Seb acordarem, passei cerca de duas horas encarando todas as revistas,

jornais e papéis que trouxe comigo ontem à noite, além de usar o notebook para pesquisar

diversas reportagens e notícias no Google, em busca de qualquer menor sinal de inspiração. Mas,

mais uma vez, nada aconteceu.

E para alguém que sempre teve a cabeça trabalhando vinte e quatro horas ininterruptas

por dia, sem nunca calar a boca, e que precisa que ela faça isso para o seu próprio trabalho, isso

é um desastre e tanto.

Não faço ideia de como fazê-la voltar a funcionar. Não faço ideia mesmo.

Me sento por cima das minhas próprias pernas no sofá, voltando a folhear uma revista

enquanto o mais profundo e completo vazio insiste em habitar em minha mente. É uma revista

focada em esportes, por isso quase tudo é desinteressante e inútil para o meu trabalho. Tudo,

exceto uma pesquisa com mais de trezentas estudantes da Universidade de Yale, em New Haven,

Connecticut, que aponta que pelo menos 94% das garotas entrevistadas têm ou já tiveram algum

envolvimento, por menor que seja, com algum atleta da universidade.

Algo estala em meu cérebro, e me apresso ao pegar a próxima edição, folheando a mesma

até me deparar com uma matéria sobre a vida dos jogadores universitários, regadas a festas, mas

também à ordem e disciplina.

“Cerca de 89% dos atletas universitários que foram draftados por times de ligas

profissionais após a formatura, chegaram ao final da universidade solteiros. Será essa uma

escolha deles, ou será que se envolver com um atleta que busca construir uma carreira grande é

tão ruim assim?”, é o que está escrito em um dos parágrafos, bem no meio do texto.

Não hesito antes de pegar um dos vários marcadores de texto dentro do meu estojo,

grifando todo o parágrafo em seguida.

Lentamente, sinto as engrenagens que vivem em minha mente voltarem a se mexer.


Escolho a próxima revista, e penso em soltá-la no instante em que vejo que seu foco

central se baseia em livros e filmes. Mas, por ironia do destino, uma resenha positiva de um

filme de hóquei dos anos 2000 estampa a primeira página que abro, logo ao lado de uma de um

dos meus filmes favoritos.

“Como perder um homem em 10 dias, a maior comédia romântica de todos os tempos,

exibida pela primeira vez em 2003.”

Um filme que trata sobre uma jornalista que por conta de uma matéria, arma um plano

para infernizar a vida de um publicitário mulherengo e faz de tudo para perdê-lo em dez dias,

apenas para escrever para a revista em que trabalha e dar dicas sobre o que não fazer em um

relacionamento.

É genial. Simplesmente perfeito.

Fitando o texto sobre o filme, franzo a testa ao sentir minha cabeça girar, várias ideias

sendo criadas, tecidas umas nas outras como uma teia de aranha, de pouco em pouco.

E quando penso que a linha que meus pensamentos estão tomando é simplesmente

ridícula, o universo me manda um sinal contrário. Ouço o som da porta principal da república se

abrir atrás de mim e me viro, movendo os olhos até a figura alta e com os cabelos castanhos

escuros suados que passa por ela, voltando da sua corrida matinal.

Asher Hartford faz uma careta assim que percebe ter a minha atenção.

— Sei que sou bonito, ruiva, mas não precisa ficar me encarando assim — diz ele, com

toda a arrogância e prepotência existente no mundo.

E então, como em um estalar de dedos, minha próxima coluna ganha um tema.

— Isso é... — Os olhos de Samantha se movem de um lado para o outro enquanto ela lê o

que escrevi nos papéis em suas mãos, horas mais tarde. — Incrível!

Uma onda de alívio me invade por inteira, e só então solto o ar que nem percebi que

estava segurando.

— 15 motivos para não namorar com um jogador universitário? — de pé, parada do

outro lado da mesa de reunião, minha chefe lê o tema em voz alta, abrindo um sorriso de orelha a

orelha ao me encarar. — Simplesmente perfeito!

Sinto como se tivesse tomado uma poção da felicidade ao olhar para Ava, sentada ao meu

lado, e perceber que não, isso não é um sonho. É real. Pela primeira vez depois de sete tentativas,

não estou ouvindo Samantha fazer caretas e me olhar desapontada.

A editora-chefe dá meia-volta na mesa, parando ao meu lado. Me levanto quando ela

estende a pequena pilha de papel na minha direção, pegando-a logo em seguida.

— Pode começar a trabalhar na coluna após completar a vivência — diz.

— Ah, pode deixar! Com certeza eu... — Franzo o cenho. — Espera aí... vivência?


Samantha dá as costas, andando até a porta da sala enquanto continua falando comigo.

Não hesito antes de ir atrás dela, seguindo cada um dos seus passos. Ava faz o mesmo.

— É claro! — exclama a editora-chefe, nos guiando pelos corredores da revista. — Essa

coluna exige pesquisa. Vamos nos comunicar com o público da sua idade, e quero que você

tenha completa propriedade para falar sobre o tema. Pode ser por um período curto. Um mês,

talvez.

Troco um olhar com Ava, que parece tão confusa quanto eu.

— E isso significa que... — Tento conseguir mais informações.

Samantha para de repente, nos obrigando a parar também. Ela gira nos próprios

calcanhares, se virando para mim. E então, com um sorriso no rosto, me dá a missão mais

absurda de toda a minha carreira:

— Significa que sua tarefa, a partir de agora, é encontrar o pior jogador possível, fazê-lo

se apaixonar por você, viver péssimas experiências e então arrasar na criação da coluna.

De repente sinto todo o ar deixar os meus pulmões.

Meu corpo congela. Paralisa. Entra em um estado de desespero, mas sou bem-sucedida ao

impedir que tudo isso se estampe em minha expressão.

E em minha cabeça, só um nome aparece. Em negrito, sublinhado e escrito em letras

garrafais, ele pisca em luzes de Natal, destacado de toda e qualquer forma existente.

Asher Hartford.

A porra do Asher Hartford.

Meu Deus, que maluquice toda é essa? Não posso mesmo estar cogitando essa ideia.

Algo assim só daria certo nos filmes. E essa aqui é a vida real. Se não fosse, ficar prestes a

perder minha vaga na revista jamais teria feito parte do roteiro.

— Posso contar com você, Verena? — sonda Samantha, arqueando uma sobrancelha em

minha direção.

E penso que devo estar ficando louca quando, temendo ser demitida caso diga não,

endireito a postura, abro o sorriso mais largo e falso que consigo e digo com uma confiança

completamente fingida:

— É claro, Samantha. Totalmente. Já tenho até um nome em mente.


O amor é paciente, o amor é gentil

O amor significa enlouquecer lentamente.

— VESTIDA PARA CASAR

Edward Mack decidiu tirar o dia para colocar o ataque do time para sofrer.

Faz mais de cinquenta minutos desde que o apito soou, dando um fim oficial ao nosso

treino de hoje. Quer dizer, dando um fim ao treino de alguns de nós, já que o treinador Mack

resolveu segurar toda a equipe de ataque e o pobrezinho do Sebastian no gelo pelo que parece ser

uma eternidade.

Segundo ele, nós estamos “desleixados demais, para quem tem um jogo importante se

aproximando”. Principalmente eu. E sei disso. Sei muito bem quando meu desempenho cai. Mas

é difícil me concentrar completamente no gelo, quando penso que talvez sejam meus últimos

dias patinando sobre ele.

— De novo, Asher! — o treinador berra, sua voz medonha alcançando meus ouvidos com

um volume absurdo, levando em conta a grande distância que nos separa. — Sai do mundo da

Lua e foca no puck!

Dou meia-volta, arrastando as lâminas dos meus patins contra o gelo com mais força,

aumentando a minha velocidade. Paro o disco com o taco quando Nathan Sawyer o lança em

minha direção e, mantendo o domínio completo do puck, deslizo sobre o gelo feito um raio, me

aproximando do gol, onde Seb já se posiciona, atento ao me marcar.

Sebastian Porter é, sem dúvida nenhuma, o melhor goleiro com quem já joguei na vida.

Com seus quase dois metros de altura, cabelos loiros e olhos verdes, o cara é quase um muro.


Sua simples existência na frente de um gol dificulta as chances de qualquer um em no mínimo

98%. Até as minhas.

Mas já estou exausto para caralho, e se quero que Edward nos dispense logo, preciso

acertar.

Me aproximo da rede, triplicando minha atenção. E então, mantendo o completo controle

sobre o disco, disparo para o gol, enchendo a rede no canto direito.

Mack.

No momento exato em que marco, escuto, finalmente, o som ardido do apito do treinador

— Ótimo treino, garotos! — ele nos elogia, batendo palmas preguiçosas, ainda ao longe.

— Asher e Sebastian, estão liberados! Nos vemos amanhã, no mesmo horário. O resto, venham

aqui antes de saírem.

Os caras se dividem entre bufar, xingar baixinho e reclamar, mas obedecem.

Completamente exausto, me arrasto para fora do gelo, a caminho do vestiário. Sebastian

vem logo atrás de mim.

— Quando quiser conversar, sou todo ouvidos — diz ele, tirando o capacete ao chegar ao

meu lado.

Franzo o cenho.

— Como assim?

— Te conheço, Asher. Moramos juntos, esqueceu? Sei quando algo está errado —

esclarece. — Todo mundo percebeu que você estava aéreo no treino de hoje. E nada tira o seu

foco. Isso só acontece quando está com um problema dos grandes.

Respiro fundo assim que atravessamos o túnel, nos aproximando da porta do vestiário.

— É, talvez seja um problema dos grandes.

— Quem está com problemas? — Levo um susto ao ouvir uma terceira voz se metendo

na conversa.

Sentado em um dos bancos do vestiário quase vazio, agora vestido com suas roupas

casuais, Joey traz seus olhos castanhos até nós. Ele é da defesa e foi liberado há quase uma hora,

mas, ao que parece, optou por nos esperar.

— Eu — revelo, tirando minhas luvas, começando a me livrar dos equipamentos. Bufo,

sentindo meu corpo todo ser coberto de tensão de repente. — Por onde querem que eu comece?

Pela grande notícia de que meu pai vai se casar, pelo fato de que ele está pagando meus

professores para aumentarem as minhas notas em segredo, ou pela sua maravilhosa ameaça de

me tirar do time, caso eu não passe a estudar mais, encontre uma namorada que ele considere

aceitável e pare de ser “um largado”?

Quando olho para Sebastian e Joey, seus rostos foram paralisados pelo horror.

— Espera aí... o quê? — pergunta Seb, franzindo a testa ao tentar processar toda a

catástrofe na qual minha vida se tornou.

— É exatamente o que vocês ouviram. — Solto um longo suspiro, me encostando na


parede de armários.

E então conto tudo. Todos os mínimos detalhes. Desde quando me engasguei em meio ao

jantar com meu pai quando fiquei sabendo sobre o casamento, até suas últimas palavras naquela

noite, que carregavam o peso de todo o meu futuro. Digo que estou desesperado, perdido e

extremamente assustado. Revelo não duvidar dele, tendo certeza de que, se Jared decidir mesmo

me tirar do time, ele assim fará. Mesmo que tenha que mover mundos para isso. Mesmo que eu

passe meses, ou até mesmo anos, sem falar com ele. Porra, mesmo que eu já seja maior de idade

e dono do meu próprio nariz. Ele não está nem aí. Poderia facilmente inventar algo e acabar com

a minha história no time em questão de segundos.

Meu pai é capaz de tudo.

Os olhos dos meus melhores amigos vão se arregalando mais e mais à medida em que

conto a história. Choque toma suas expressões, e tenho certeza de que estão se perguntando

como é possível que um pai faça isso com um filho.

Mas esse é quem Jared é. Quem ele sempre foi.

Até o fim dos tempos, sempre serão as suas vontades que importarão.

E ele tem muitas delas para a minha vida. Muito mais do que para a da minha irmã.

— Cacete, eu sinto muito, cara — lamenta Seb, assim que chego ao fim da história.

— O que você está pensando em fazer a partir de agora? — questiona Joey. — Não

podemos te perder. Temos quase a temporada toda pela frente ainda.

Dou de ombros, voltando a tirar meus equipamentos.

— Não tenho escolha a não ser virar um fantoche — digo. — Se eu quiser continuar no

time, tenho que ser o filho que Jared quer. Caso contrário, sei que ele vai inventar alguma coisa

para me fazer perder o cargo de capitão e causar a minha expulsão.

— Você acha mesmo que seu pai seria capaz disso? — Seb questiona.

Ergo a cabeça, o encarando nos olhos. E sem sequer hesitar, concordo.

— Ele é capaz de muita coisa. — É a última coisa que digo antes de ir para a área dos

chuveiros e tomar a ducha mais gelada e rápida de toda a minha vida.

O caminho entre o nosso rinque e o prédio de direito, onde minhas aulas acontecem, não

é longo, mas se dependesse de mim, seria pelo menos umas cinco vezes mais curto.

Não sou do tipo de cara que se atrasa. Muito pelo contrário. Sempre fui meio chato com

horários, e depois que virei capitão passei a tratar a pontualidade ainda mais a sério. Por isso,

sinto uma inquietude gigantesca dominar meu corpo quando vejo, ainda ao longe, que terei que

parar em um semáforo fechado.

Geralmente tenho um longo intervalo entre o fim dos treinos e o começo das aulas, mas

hoje não. Graças ao treinador Mack e toda a sequência de tacadas que fomos obrigados a repetir


no mínimo umas trezentas vezes.

Pisando no freio, paro em frente ao sinal vermelho. E impaciente, arrumo a armação

redonda dos meus óculos sobre a ponte do nariz, tamborilando os dedos no volante em seguida.

É bizarro pensar que até há alguns dias, minha vida estava completamente organizada, e

agora tudo está de pernas para o ar. E mais doido ainda pensar que fiz uma lista mental para

arrumar toda essa bagunça.

Passo um: Prestar o máximo de atenção em todas as aulas, como se eu fosse um

universitário feliz e apaixonado pelo meu lindo curso dos sonhos.

Passo dois: Dobrar a quantidade de horas que estudo por semana e conseguir, mesmo

assim, me dedicar da mesma forma às minhas funções como capitão do time.

Passo três: Conquistar meus professores até fazer com que eles gostem de mim pelo

menos um pouco.

Quatro: Tentar ao máximo ficar longe de problemas.

Cinco: Começar a namorar com alguém que tenho certeza de que Jared vai gostar.

E por último, mas não menos importante: Mostrar para o meu pai que consegui fazer tudo

isso, o convencendo de que sou o filho perfeito que ele sempre sonhou, trazendo uma falsa

harmonia para nossas vidas e garantindo minha permanência no time.

Por incrível que pareça, de todos esses tópicos, a parte da namorada será a mais difícil.

Sou um cara popular no campus, não é novidade para ninguém que quase todo mundo me

conhece. E não preciso fazer muito esforço para conquistar uma garota. Tenho um charme

natural, além do fato de que ser atleta me ajuda a ganhar alguns pontinhos. Encontrar alguém é

fácil. A parte difícil é encontrar alguém de quem o meu pai gosta.

Desde que você era apenas um garoto, eu tinha esperanças de que você seria alguém na

vida. De que seria um homem sério, que se preservaria, cuidaria dos negócios e seria

comprometido com uma mulher de família boa, como a Verena...

Até porque, convenhamos, o fato de ele aprovar a mulher que mais odeio no mundo todo

já diz muito sobre nossos gostos serem absolutamente diferentes em tudo.

Como a Verena...

Faço uma careta assim que meu cérebro desesperado chega a cogitar a ideia por meio

segundo. Chacoalhando a cabeça, tento colocar as peças da minha mente de volta no lugar.

Não, Asher! Nem fodendo! Namorar com a Verena seria uma tortura, e tenho certeza de

que no final, um de nós seria encontrado morto, com uma faca enfiada no pescoço, e o outro

seria internado em um manicômio, depois de perder toda a sanidade mental.

Mas o meu pai ficaria bem feliz se eu e a filha dos seus sócios ficássemos juntos... Ele

sempre gostou dela.

Aperto os olhos com força, querendo desesperadamente fazer com que meu cérebro

estúpido cale a boca. Mas então, quando os abro, sou surpreendido com um sinal do destino.

Um Mini Cooper amarelo para ao meu lado, também esperando o semáforo abrir. Não


demoro para reconhecer o carro. É o mesmo Mini Cooper que passou a ocupar uma das vagas na

garagem da minha casa nos últimos dias. O Mini Cooper dela: o meu maior e pior pesadelo.

Verena Vance.

Ótimo.

Antes de sequer me dar conta do que estou fazendo, desço o meu vidro, encarando a

garota por trás do volante do carro vizinho. E por algum motivo idiota para caralho, buzino.

Verena se assusta, trazendo seus olhos confusos até mim. Uma expressão raivosa toma

seu semblante assim que ela assimila minha presença. Sua janela se abre, e já estou preparado

para ouvi-la me xingando quando, por alguma razão estranha, a ruiva me pega de surpresa ao

abrir um sorrisinho em seus lábios.

Franzo a testa, paralisando em confusão quando ela acena para mim, seus olhos azuis

acinzentados me encarando de um jeito doce. Um jeito que nunca vi antes.

Então, sem me xingar, fazer careta ou revirar os olhos, Verena Vance arranca com o carro

no exato instante em que o semáforo abre, me deixando para trás.

E eu permaneço estático, meu cérebro tentando processar a situação que acabou de

acontecer.

Acho que em todos esses vinte anos em que nos conhecemos, essa foi a nossa única

interação pacífica.

E ela foi estranha para caralho.


— Como posso ter te visto antes e não saber quem você é agora?

— Talvez estivesse olhando, mas sem prestar atenção.

— A NOVA CINDERELA

Eu vou enlouquecer.

É quase dez horas da noite e estou sentada no sofá da república. Minha mão está dentro

de um grande pote de pipoca e um dos romances mais melosos que já vi em toda a minha vida

está passando na televisão, o volume baixinho invadindo meus ouvidos desatentos. Desatentos

porque são incapazes de absorver tudo o que escuto. Já meus olhos, permanecem bem focados.

Não no filme, mas no culpado por tirar a minha atenção dele.

Na cozinha, Asher Hartford ignora completamente a minha existência enquanto corta

palitos de cenoura. E tenho certeza de que se eu não estivesse na minha situação atual, também

não estaria dando a mínima para ele.

Mas estou. E, meu Deus, como estou.

Afinal, como posso deixar de pensar e prestar atenção no cara que mais odeio, quando

não tenho escolha a não ser encontrar uma forma de fazer com que ele se apaixone por mim e

usá-lo para escrever a coluna que vai me impedir de perder o meu trabalho?

Hartford parece focado demais no que está fazendo, sem desviar os olhos da faca nem por

um segundo, sendo extremamente cuidadoso. De tempos em tempos, seus óculos de grau de

armação redonda escorregam pelo ossinho do nariz, e ele logo os arruma. Está vestindo um

moletom azul escuro, com o símbolo do Blue Dragons, e hoje seus cabelos parecem mais

desgrenhados do que o habitual, as mechas longas e castanhas caindo sobre seus olhos, se

movendo na mesma direção em que ele se move.


Ugh! Asher é bonito na mesma medida em que é um babaca. O que é uma grande desfeita

para a sociedade.

Sabe, eu poderia escolher qualquer outro cara para ser o meu alvo. A Universidade de

Toronto está lotada de atletas babacas. Mas é a minha vaga no estágio que está em jogo. E se

quero mesmo que minha coluna fique boa de verdade, preciso escolher o pior. Samantha foi bem

clara em relação a isso.

E Asher Hartford é, sem dúvida nenhuma, o pior.

Nossa história de ódio começou no exato instante em que eu nasci. Nossas mães eram

melhores amigas e pensaram que seria legal se engravidassem na mesma época. Alexa e eu

nascemos com 3 semanas de diferença. Asher tinha 2 anos. Ele me mordia sempre que tinha a

chance, apenas para me fazer chorar. E todos pensavam que era apenas uma fase, já que ele não

passava de um bebê. Achavam que era por ciúmes, já que agora ele estava dividindo a atenção.

Afinal, é impossível que um bebê inofensivo tenha maldade no coração, certo?

Errado!

Asher sempre teve.

Quando eu tinha quatro anos, ele tinha seis. Nossos pais precisaram trabalhar nos Estados

Unidos e nos levaram com eles, levando também uma legião de babás. Estávamos em Santa

Monica, na Califórnia, brincando em um daqueles parquinhos sobre a areia da praia, quando

Asher pensou que seria engraçado me balançar alto o suficiente para me ver chorar. E depois que

eu já estivesse em prantos, ele julgou que seria ainda mais hilário me empurrar do balanço.

Resultado: me esgoelei ao ralar meus joelhos na areia, ele começou a rir sem parar, Alexa

me viu chorando e começou a chorar também, nossas babás se desesperaram e nunca mais

voltamos para Santa Monica.

Aos oito anos, em uma das várias vezes em que os Hartford foram jantar na casa dos

meus pais, Asher aproveitou que Alexa e eu estávamos brincando no quintal, completamente

distraídas, invadiu o meu quarto e arrancou a cabeça de todas as minhas bonecas caras que

falavam, comiam e faziam xixi. De todas mesmo. Sem exceção.

Nunca vi Aubrey, sua mãe, tão brava quanto naquela noite. Ela parecia um personagem

de desenho animado, quase como se pudesse soltar fumaça pelo nariz e ficar vermelha até sua

cabeça explodir de raiva.

Quando eu tinha dez anos, comecei a gostar de um menino na escola. O nome dele era

Thomas, foi coisa de criança e bem bobo, mas foi a primeira vez que experimentei a sensação de

ter meu coração batendo mais forte só de estar perto de alguém. Quando contei para Alexa,

Asher acabou escutando. E não demorou muito para que ele desse início a mais um dos seus

vários planos de destruir a minha vida, inventando para a escola toda que eu tinha um altar com

várias fotos do Thomas no meu guarda-roupa, que fazia orações para ele ser meu todas as noites

e dormia abraçada a um travesseiro com a cara dele.

Foi humilhante. E depois que Thomas ficou sabendo, nunca mais falou comigo.

A mesma coisa aconteceu durante toda a minha adolescência. Sempre que eu me

interessava e começava a conversar com algum garoto, Asher encontrava um jeito de estragar

tudo. Pelo puro prazer de me ver infeliz.


Por isso estou certa quando digo que Asher se tornou o meu pior pesadelo no momento

em que abri os olhos pela primeira vez, no dia 2 de fevereiro de 2004, quando ele, com apenas

dois anos, entrou na sala da maternidade, acompanhando seus pais e me encontrou nos braços da

minha mãe.

Depois desse dia, Asher Hartford se tornou o meu inferno pessoal.

E agora eu preciso que ele namore comigo.

— Será que dá para parar de ficar me olhando, ruiva? Consigo sentir seus olhos de cobra

em mim. — A voz de Asher invade meus ouvidos, e imediatamente desvio o olhar.

Encho a boca de pipoca, fingindo estar distraída.

— Não estava te olhando.

— Estava, sim — retruca ele, e pela primeira vez nos últimos dez minutos, não tenho

meus olhos cravados em cada um dos seus movimentos.

— Não, não estava.

— Estava.

— Não.

— Sim.

Faço questão de resmungar o mais alto que consigo, me virando no sofá e levando meus

olhos até ele novamente.

— Fala sério, Asher, por qual motivo eu ficaria te olhando? — questiono, sabendo muito

bem que, sim, eu estava o analisando. Não só analisando, como o fuzilando com o olhar.

Ainda atrás do balcão da ilha da cozinha, ele ergue a cabeça, o castanho dos seus olhos

encontrando os meus.

— Não sei. — Asher dá de ombros. — Me diz você.

E de repente, ao ver o sorrisinho mais presunçoso e arrogante do mundo inteiro ganhar

vida em seus lábios, tudo o que mais desejo é roubar a faca que está em suas mãos e usá-la para

arrancá-lo.

— Seu ego é tão grande que está te fazendo alucinar — devolvo, forçando um sorriso

também.

Ele ri, voltando a picar os palitos de cenoura.

— Ah, claro. Se você diz...

Bufo, encerrando o assunto ao deslizar meu olhar em direção à televisão e pegar o

controle remoto, aumentando o volume quase no máximo.

Não acredito que vou mesmo ter que encontrar um jeito de conquistar esse idiota. Será

uma tarefa horrível, praticamente impossível. E Asher com certeza vai achar bizarro quando eu

começar a dar falsos indícios de que estou caidinha por ele.

Até porque nunca, em toda a minha vida, de maneira nenhuma, eu poderia me apaixonar


por Hartford de verdade. Nem se os dinossauros voltassem, as árvores falassem e o céu virasse

chão.

N. U. N. C. A.

Sorrateiramente, me viro em direção a ele mais uma vez. E quando o encontro, seus olhos

já estão em mim, me encarando enquanto uma feição séria e pensativa demais toma seu rosto por

completo.

— Ah-há! — exclamo. — Agora é você que está me olhando!

Quando penso que Asher vai me xingar, revirar os olhos ou me dar mais uma das suas

respostas irritantes de sempre, sou surpreendida ao ver sangue. Ele xinga alto, sua expressão

transparecendo dor. E é só no momento em que ergue a mão, que me dou conta do que

aconteceu.

Há uma linha escarlate escorrendo do seu dedo, descendo por todo o seu braço, até

alcançar o cotovelo.

Asher se cortou. E não foi pouco.

— Cacete, calma — peço, me levantando às pressas.

Corro até a cozinha, agarrando o primeiro pano limpo que encontro. E então, agindo

completamente por impulso, fecho minha mão sobre o pulso de Asher, o trazendo para mim, e

pressiono o pano sobre o seu corte.

Me encarando, ele pisca repetidas vezes, como se tentasse entender o que está

acontecendo.

E de repente eu congelo, como se um balde de água fria tivesse caído sobre mim, meu

cérebro tentando processar a mesma coisa.

— Por que você está fazendo isso? — questiona Asher, igualmente estático.

— Fazendo o quê? — devolvo, apesar de saber muito bem o que caralhos estou fazendo.

Seus olhos piscam mais algumas vezes.

— Isso... Sabe, me ajudando e me tratando como um ser humano.

Separo os lábios, buscando responder, mas travo por completo. Nada sai. Até porque nem

eu sei a razão para eu ter corrido tanto para ajudá-lo. Não foi uma ação pensada propositalmente

para o meu plano de conquistá-lo. Pode ter sido um fruto do meu subconsciente, claro, mas...

acho que não. Acho que foi só bondade mesmo.

A dor toma seu rosto quando, sem querer, aumento a pressão do pano sobre o corte.

Asher faz uma careta, reclamando.

— Desculpa — peço, me dando conta do que fiz. Encaro o castanho dos seus olhos, e

eles me encaram de volta. — Não deve ser um corte muito profundo. Não foi dos mais leves

também, claro, mas deve parar de sangrar em breve.

Asher não diz nada, apenas assente.

Sinto quando uma tensão estranha passa a irradiar do seu corpo, seus olhos ainda


cravados nos meus, resquícios de uma expressão surpresa se fazendo presente em seu rosto.

— Está tudo bem? — pergunto, estranhando sua reação.

Asher engole em seco, sua garganta se movendo.

— Não — responde com a voz rouca.

Franzo o cenho, sem entender.

— Por quê?

— Porque você está perto demais.

E de repente é como se meu corpo todo explodisse. Arregalo os olhos, meu cérebro

entrando em alerta vermelho, sendo preenchido por sirenes, luzes vermelhas, gritos, placas de

aviso e muito, mas muito barulho.

Porque essa poderia muito bem ser uma frase dita por Asher quando se trata de mim. Nós

nos odiamos. Eu não estranharia nenhum pouco. Mas agora foi diferente. Não foi uma

reclamação. Foi quase uma confissão.

Uma confissão de que a nossa proximidade, por algum motivo, mexe com ele.

Que porra está acontecendo aqui, afinal?

Sentindo o nervosismo me corroer da cabeça aos pés, o solto, tentando me afastar, mas

sou surpreendida quando Asher segura meu pulso, me puxando para perto novamente, quase me

chocando contra o seu peitoral. O cheiro amadeirado do seu perfume invade minhas narinas, e

ergo a cabeça para encontrar seu rosto.

— Não pedi para se afastar, ruiva.

E mais uma vez, eu explodo por dentro.

A confissão, somada à voz rouca e somada também à realização de quem é o dono da voz

me enlouquece. E eu permaneço estática. Sem mover um músculo sequer. Apenas o encarando

com meus olhos arregalados, enquanto uma guerra confusa se expande por cada mísera parte do

meu corpo.

Que.

Merda.

É.

Essa?

Ouço o som de uma porta se abrindo. E de repente, antes que possa me dar conta do que

está acontecendo, sou pega de surpresa quando Asher me empurra e me lança para longe,

mandando minha bunda de encontro ao chão.

Cacete! Ele ficou maluco, por acaso?

Estou prestes a lançar meu olhar mais furioso em sua direção, quando a aproximação

repentina de duas figuras chama a minha atenção. Desvio o olhar, vendo Joey e Seb parando ao

meu lado, intercalando seus olhos confusos entre Asher e eu.


— Mas que porra aconteceu aqui? — questiona Joey, com a testa franzida.

Me levanto no mesmo instante, sentindo o sangue ferver em fúria ao voltar minha

atenção para Asher.

— O idiota do amigo de vocês cortou o dedo, eu vim tentar ajudar e ele achou que seria

uma boa ideia me empurrar — revelo, omitindo metade da história. Sabe, a parte em que Asher

me encarava como se pudesse me devorar e todo o resto...

Seb e Joey se espantam ao olhar para o capitão.

— Eu não preciso da ajuda dela! — Asher exclama, como se estivesse se defendendo. Ele

faz uma careta. — Sério, que nojo!

E então, deixando o pano cheio de sangue para trás, ele sai da cozinha batendo o pé,

exatamente como uma criança mimada.

Deslizo meu foco para Joey e Sebastian, flagrando quando eles se entreolham, claramente

julgando nossa discussão inventada na hora como infantil demais.

Sentindo minha bunda doer, bufo, já com toda a minha paciência esgotada.

— Boa noite para vocês. Eu vou deitar — anuncio, dando as costas.

E durante todo o caminho até o quarto de hóspedes, sinto minha pele formigar nas regiões

em que Asher tocou. E me pergunto por que ele estava tão estranho antes de Joey e Seb

chegarem, o obrigando a retornar à sua normalidade.


— Você está louca?

— Provavelmente.

— ANTES DO AMANHECER

— Você só pode estar ficando maluco! — É o que escuto um Joey indignado exclamar

em uma quinta-feira à tarde, enquanto atravessamos as instalações de hóquei da universidade, a

caminho da sala de mídia, onde todo o time marcou de se reunir. — Namorar a Verena, Asher? É

sério mesmo que você jura que essa é uma boa ideia? Quer dizer, ela é linda. Extremamente gata.

Mas aquela garota te odeia!

— Não acredito que vou dizer isso, mas Joey está sendo mais sensato do que você agora

— Sebastian emenda, igualmente impressionado com o que acabei de revelar a eles. — Além de

que tudo isso seria uma babaquice do caralho.

Acontece que ontem à noite, enquanto Verena não parava de me encarar e depois de jurar

que não estava fazendo isso, eu tomei a minha decisão. Ela será o meu alvo. É claro que

conquistá-la não será uma tarefa muito fácil, mas tenho certeza de que ela é a melhor escolha.

E depois da bizarrice que aconteceu ontem à noite, quando resolvi testá-la ao puxá-la

pelo pulso para perto de mim novamente e vi todo o misto de sentimentos que cruzou seus olhos,

descartei a palavra “impossível” do meu vocabulário. Eu levo jeito com as mulheres. E por mais

que minha relação com Verena sempre tenha sido difícil, ela ainda reagiu à minha investida de

maneira positiva.

Ficou chocada, é claro, mas não se afastou.

— Ela jamais vai te dar moral, Asher — fala Joey. — Por que não escolhe outra garota?

Uma que não tenha um histórico de te odiar há vinte anos?


Suspiro, parando de andar. Me viro para eles, que fazem o mesmo e me encaram com

atenção.

— Escutem — começo. — Tem que ser ela. Meu pai a ama e sei que sempre torceu para

que ficássemos juntos. Talvez não seja tão impossível assim. Ou talvez seja, não sei. Mas tenho

que tentar. E se der certo, tenho que conseguir fazer com que isso se estenda pelo menos até o

casamento dele. Até lá, Jared já vai ter ficado feliz o suficiente por me ver “tomando jeito” e vai

descartar a ideia de me tirar do time, tenho certeza.

Joey e Seb se entreolham, claramente me achando um completo maluco. Mas então,

como os melhores amigos topam tudo que são, eles voltam a me encarar. Sebastian suspira, se

rendendo. E Joey diz:

— Tudo bem. Se você acha que isso pode mesmo dar certo, vamos te apoiar. É sua vaga

no time que está em jogo, afinal.

— A única coisa que você não pode fazer, por mais que odeie Verena com toda a sua

alma, é quebrar o coração dela, entendeu? — busca garantir Seb. Ele é o mais certinho de nós

três, e sei que está odiando esse plano com todas as suas forças. — Se isso der certo, quando toda

essa merda chegar ao fim, você não vai agir como um babaca e descartá-la da sua vida sem

explicações. Vai criar um conflito e fazer tudo aos poucos.

— Eu prometo — digo sem pestanejar, sabendo que Seb não vai parar de insistir, caso eu

não concorde.

Sebastian Porter, apesar da sua aparência de galã loiro e babaca de comédia romântica, é

um dos seres humanos com o coração mais lindo que já conheci na vida. Seus pais faleceram

quando ele ainda era criança, após um acidente de carro, e desde então ele passou a vida sendo

criado pelos seus avós. Sua família é dona da Porter’s Bakery, uma padaria que fica localizada na

Yong Street, e às vezes Seb aparece por lá, para ajudar um pouco. Além de ser um goleiro do

caralho, Sebastian também pinta, desenha e assa cookies como ninguém.

Ele faz o tipo de pessoa que qualquer um gostaria de conviver. Diferente de Joey, que é

capaz de esgotar a paciência de todo mundo em apenas alguns segundos sem se esforçar e por

onde passa faz algum estrago.

O único lugar em que Joseph Fisher sabe ser responsável é no gelo. Até porque, se esse

não fosse o caso, eu mesmo já teria ignorado nossa amizade por completo e ajudado o treinador

Mack a chutar a bunda dele para longe do time.

Nosso encontro de hoje não deve demorar muito. Temos dois grupos, onde nos

comunicamos sobre assuntos do time. Em um deles, o treinador está. No outro — que a

propósito ele nem sonha que existe — se contássemos com a sua presença, estaríamos

praticamente pedindo para levar uma bronca, porque, em resumo, é o grupo em que os caras

falam uma merda atrás da outra.

Mais cedo, no grupo em que fingimos ser profissionais, Mack mandou várias mensagens,

solicitando um encontro na sala de mídia após o último horário das aulas. Acontece que temos

um jogo contra a Universidade de Montreal esse final de semana, e ele quer nos mostrar alguns

vídeos com as novas táticas que eles têm adotado durante a temporada.

É um jogo em casa e todo mundo sabe que perder um jogo no nosso próprio rinque é


sinônimo de tortura, então temos que estar bem-preparados para evitar esse desastre.

Mas confio no meu time. Montreal pode ser bom, mas nós somos melhores.

E mais estúpidos também, aparentemente...

— Que merda é essa? — em choque, quase grito assim que passo pela porta da sala de

mídia, vendo meus jogadores sentados em suas respectivas poltronas e...

Um pato parado sobre o assoalho, me encarando.

— Ah, meu Deus! Vocês o trouxeram! — Joey exala felicidade ao passar por mim e ir

em direção ao animal.

Franzo a testa, completamente perdido.

— Você é um fofuchinho, sabia? — Ele não liga de parecer um completo idiota ao afinar

a voz, falando com o pato como se ele fosse um bebê. — Um fofuchinho!

Como era de se esperar, o animal passa a andar mais rápido pela sala, e Joseph não hesita

antes de ir atrás dele, tentando chamar sua atenção como se ele pudesse ser domesticado ou algo

assim. Parado ao meu lado, Sebastian dá risada, mas ela morre em sua garganta quando o lanço

meu olhar mais afiado. Ele ergue as mãos em redenção, como se dissesse que não tem nada a ver

com isso.

Me viro para o time, encontrando todos eles fingindo estar aéreos, como se estivessem

com medo de levar uma bronca.

Ótimo.

Cruzando os braços, pigarreio, chamando a atenção dos idiotas para mim.

— Alguém pode me explicar, resumidamente, o porquê de termos um pato entre nós? —

Uso minha voz mais autoritária.

Sentado na primeira fileira de poltronas, Marvin Ambrose, um dos atacantes, é o primeiro

a se pronunciar.

— É o nosso mais novo mascote. O nome dele é Pato.

Suspirando, esfrego a mão no rosto.

— Vocês deram o nome de Pato para um pato? — questiono. Ao meu redor, dezenas de

cabeças fazem que sim simultaneamente, quase como se tivessem ensaiado. — Cacete, Mack vai

nos matar. Ou melhor, me matar. Porque eu não sei colocar limites em vocês.

— Cara, fica tranquilo — Joey diz, e preciso me controlar muito para não voar na cara

dele ao olhá-lo e ver que ainda está seguindo o maldito animal. O cara mora comigo, vive

comigo quase vinte e quatro horas por dia e mesmo assim não me contou o que ele e o time todo

estavam armando pelas minhas costas. — Nós já pesquisamos o que ele come e já nos

organizamos. Continuaremos sendo ótimos pais de pet, mas agora em dobro.

— Puta merda! — exclamo, esfregando meu rosto mais uma vez, desejando desaparecer

ao me lembrar de um detalhe muito importante.

Acontece que já temos um mascote. No semestre passado, o time todo encheu meu saco


durante dois meses inteiros, até que eu conseguisse convencer o treinador Mack de nos deixar ter

um Golden Retriever. O nome dele é Cão — o que também mostra nossa criatividade na hora de

escolher nomes —, e ele vive intercalando entre nossas casas, já que a única condição para a sua

adoção foi que cada um de nós tomaria conta dele.

— O Cão vai comer o Pato! — exclamo, realmente preocupado com toda a bagunça que

isso vai gerar.

A sala explode em uma gargalhada sincera, todos rindo de como estou parecendo uma

mãe preocupada. E de repente minha vontade de dar um soco na cara de cada um triplica de

tamanho.

Joey desiste de seguir o pato apenas para se aproximar de mim novamente. Ele me lança

um sorrisinho e pousa uma das mãos no meu ombro.

— O Cão não vai comer ninguém, Capitão. Ele é inofensivo.

O encarando com meu olhar mais mortal, não respondo nada, apenas acerto uma

cotovelada em seu braço, o obrigando a se afastar de mim. Joseph resmunga de dor, mas não

deixa de rir.

Babaca.

— É o seguinte — começo, pronto para dar uma bronca em todo o time. Deslizo meus

olhos por eles, não deixando de notar a poltrona de Nathan Sawyer vazia. — Quando o treinador

Mack chegar, quero que todos se expliquem. Quero que digam que eu não tive absolutamente

nada a ver com isso, já que esconderam o pato de mim. E que quem teve essa ideia, não importa

quem seja, assuma a maior parte da culpa.

— Foi o Joey! — Ouço quando Paul grita, no fundo da sala.

Ah, que ótimo! Por que será que não estou surpreso?

Volto a encarar Joseph, que rapidamente olha para cima, como se o fato de fingir estar

alheio ao que acontece ao seu redor fosse livrá-lo da culpa.

— Fisher, quero que se explique para Mack no instante em que ele passar por essa porta

— ordeno, vendo sua postura mudar quando o chamo pelo sobrenome.

Ciente de que estou falando sério, Joey assente, se encolhendo.

E de repente me sinto exausto, como se essa conversa tivesse me tirado dois anos de vida.

Quando aceitei ser capitão, não imaginava que teria que lidar com coisas assim. Mas

acontece com mais frequência do que qualquer um imagina. Pelo menos no meu time, já que

quase todos são idiotas completos.

Talvez seja por isso que minhas notas caíram e meu pai começou a pagar meus

professores em segredo, afinal. Porque no tempo em que eu poderia estar estudando, estava

ocupado demais, tentando impedir que um jogador imprudente se matasse sem querer, colocasse

fogo na casa de alguém ou coisa assim.

Só o básico...

Até o ar da sala de mídia parece mudar no momento em que ouvimos um pigarrear


extremamente conhecido por nós, se tornando pesado. A postura de todo mundo muda, se

enrijecendo. E não preciso ser nenhum vidente para saber quem irei encontrar parado ao lado da

porta no instante em que me virar.

Como era o esperado, Edward Mack se comporta como se pudesse arrancar nossas

cabeças com suas próprias mãos. Seu rosto completamente vermelho deixa explícito toda a raiva

que percorre seu corpo. E é como se seus olhos pudessem soltar laser enquanto ele encara o Pato

fixamente, completamente paralisado.

Só existe uma coisa pior do que um Edward Mack gritando com você, e essa coisa é um

Edward Mack em silêncio.

É horrível. Completamente aterrorizante.

— Treinador, eu…

— Não quero ouvir um piu, Hartford.

— Mas...

Seus olhos se voltam para mim e minha voz morre na garganta.

Certo. Sem um piu.

Mack permanece em silêncio quando entra na sala, indo até o pequeno palco, onde os

aparelhos da mídia se localizam. Todos nós assistimos quando ele se senta em sua poltrona, a

tensão e o nervosismo pré-bronca pairando sobre toda a sala.

— Sentados. — É a única ordem que o treinador dá.

Joey, Seb e eu somos os únicos que ainda não estão acomodados, e nós não hesitamos em

obedecer. Joey é o que mais demora a ir para a sua poltrona, já que consegue, finalmente, pegar o

pato e o levar consigo.

Acho que a tensão no ambiente é tanta, que até o pobrezinho do pato sentiu e pensou que

não seria uma boa ideia continuar correndo por aí.

— Onde está o Nathan? — pergunta o treinador Mack, notando o único lugar vazio.

E então, como se tivesse sido enviado pelo destino, em um timing perfeito, Nathan

Sawyer aparece na porta. Ele bate três vezes antes de empurrá-la, e quando alcança o meu campo

de visão, resmungo ao notar o que, ou melhor, quem, Nathan trouxe consigo.

O Cão exibe sua língua para fora enquanto anda para dentro da sala, preso à coleira nas

mãos de Nathan.

casa.

Ótimo! Para piorar, hoje ainda é o dia em que o Golden Retriever vai para uma outra

O ranger alto e ardido da poltrona do treinador se arrastando pelo chão preenche o

ambiente quando ele se levanta, já de saco cheio. E é quando insiste em manter seu silêncio

ensurdecedor ao começar a ligar os aparelhos, que eu percebo que estou fodido.

E a confirmação vem quando Mack anuncia:

— Não sei como conseguiram esse pato e nem quero saber. — Seus olhos me encontram.


— Hartford, Joey e Sebastian, vocês moram juntos e são em três. Levem o cão e o pato para casa

e tentem não deixar que esse cachorro coma essa ave. Como vão fazer isso, não me importo.

Agora, quero que todos calem a boca e prestem atenção em mim. Vamos ver as jogadas do time

de Montreal.

Me afundo na poltrona, sentindo meu sangue ferver em raiva.

E antes mesmo de Mack terminar de ligar os aparelhos, lanço o meu olhar mais assassino

na direção de Joseph, que já me encarava, como se tivesse apenas esperando por um sermão, e

movo os lábios sem emitir som:

— Você é um homem morto. Espero que saiba disso.


— Posso ficar mais um pouco?

— Fique para sempre.

— UM LUGAR CHAMADO NOTTING HILL

Alexa: MEU DEUS DO CÉU, EU AMO BASQUETE! Talvez até mais do que hóquei,

mas jamais posso deixar meu irmão saber disso.

Solto uma risada enquanto saio do carro, livre para pegar meu celular e ler a mensagem

de Alexa.

Ela e os meninos foram assistir ao jogo de basquete da universidade e eu ainda estava no

estágio quando fui bombardeada por suas milhares de fotos.

Eu: Acabei de chegar na sua casa. Como está o jogo?

Alexa: Estamos ganhando. Joey e Seb estão empolgadíssimos aqui, mas Asher resolveu

em cima da hora que iria ficar em casa, então, para a sua infelicidade, são só vocês dois hoje à

noite até a hora de voltarmos.

Eu: Nossa, que sonho! Por favor, não demora.

Alexa: KKKKKKKK pode deixar. Ah, e cuidado, Joey me disse que agora eles têm um


pato e que ele vai passar um tempo aí em casa. E o Cão também está aí, então temos que ficar

de olho para ele não comer o pato e coisa assim.

Franzo o cenho, destrancando a porta com a chave reserva que Alexa me emprestou. Um

pato? É sério isso?

Quando entro na sala, o silêncio abraça a casa por inteira. Deixo minha bolsa e a chave

do carro sobre o balcão da cozinha ao avistar o Cão, deitado confortavelmente sobre uma das

poltronas. Como se estivesse cansado demais para se mover, ele não se levanta, mas abana o

rabo, se mostrando animado em me ver. Sorrindo, me aproximo, agachando à sua frente para

acariciar seu pelo dourado. O Golden Retriever me surpreende com uma lambida no rosto, me

arrancando uma risadinha.

Essa deve ser a terceira vez em que nos encontramos, já que ele sempre está revezando

entre as casas dos Blue Dragons. Mas, mesmo que nossos encontros nunca tenham sido muito

longos, é nítido que ele gosta de mim.

— Ouvi dizer que não estão te deixando comer um tal pato — comento, rindo quando ele

passa a abanar o rabo com rapidez, como se estivesse me respondendo.

Estalo um beijo sobre o pelo da sua cabeça antes de me levantar, franzindo a testa ao

deslizar meus olhos até a mesinha de centro, em frente à poltrona, e encontrar um envelope já

rasgado sobre ela. Me aproximo, o segurando entre os dedos. E no instante em que tiro o que tem

dentro, me surpreendo com o que encontro.

“O amor nos transforma no melhor que podemos ser.”

Jared Hartford e Daisy Killerton

convidam para a cerimônia de seu casamento.

Cada palavra que leio faz meu coração se apertar.

Sei que não tenho nada a ver com isso, mas às vezes penso no que Aubrey deve estar

pensando, seja lá onde estiver. Ainda que Jared sempre tenha sido uma pessoa difícil de lidar, ela

o amava. Isso era nítido. Mas por mais que tenha certeza de que tudo o que Aubrey e seu lindo

coração mais desejam é ver a família que deixou aqui seguindo em frente e feliz, me pergunto se

ela não acha que Jared está indo rápido demais.

Porque seus filhos acham.

Eu e meus pais também achamos, mesmo que jamais abriremos nossas bocas para opinar

sobre nada.

Passei toda a minha vida ao lado dos Hartford. Sei de muitas coisas e segredos pessoais

sobre a família deles. Minha mãe e Aubrey eram melhores amigas, assim como Alexa e eu. E

como toda família, eles também tinham seus problemas. Alguns maiores do que os outros,

obviamente.


Sempre foi nítido a diferença com que Jared tratava Asher e Alexa. E quando estava viva,

essa era uma coisa que magoava Aubrey profundamente. Minha mãe e ela costumavam ter várias

conversas sobre isso, e Aubrey sempre se mostrava perdida, sem saber o que fazer e muito

menos como resolver.

Asher, além de ser mais velho, também é homem. E isso, por alguma razão que só faz

sentido na cabeça de Jared, faz com que ele seja o mais cobrado. Enquanto Alexa tem livre

arbítrio para estudar o que quiser e seguir seu sonho de cursar moda, Asher foi obrigado a entrar

na faculdade de direito para seguir todas as expectativas que seu pai traçou para o seu futuro. E

enquanto seu pai apoia que Alexa trabalhe em um rinque de patinação no gelo para crianças, ele

ameaça Asher, dizendo que vai tirá-lo do time de hóquei.

Sempre foi assim. E por mais que eu odeie Asher e a sua prepotência com toda a força

existente no meu coração, é impossível negar que sinto pena dele.

Há seis meses, em uma segunda-feira, às 21 horas, Aubrey Hartford teve uma parada

cardíaca enquanto regava as plantas da sacada do seu quarto, em North York. Jared não estava

em casa e Aubrey foi encontrada pelo mordomo, caída no chão, usando seu pijama de cetim corde-rosa.

Quando chegou ao hospital, já não tinha mais o que fazer.

Foi um baque gigantesco para todos nós. Nunca tinha visto Asher chorar tanto quanto

quando minha família e eu chegamos no hospital e o encontramos sentado no chão, encostado

em uma das paredes do corredor, escondendo o rosto no meio das mãos. Minha mãe correu para

abraçá-lo, se esforçando para se manter forte e não desabar. Ele precisava de apoio. Precisava

que alguém o dissesse que tudo ficaria bem, por mais que não parecesse. E mesmo estando

dilacerada por dentro, minha mãe foi esse alguém.

Alexa estava a apenas alguns metros de distância, sentada em um dos assentos da sala de

espera. Nunca vou me esquecer do vazio que vi em seus olhos quando me aproximei. Nas

primeiras duas horas em que passei ao seu lado, minha melhor amiga não chorou. Ela passou o

tempo todo encarando o chão à sua frente, como se seu cérebro estivesse tendo problemas para

processar o que estava acontecendo. E então, de repente, sem que nada mais acontecesse, seus

ombros começaram a tremer quando ela desabou em lágrimas.

Nunca me vi tão perdida quanto naquela noite. Não sabia se a abraçava ou se a deixava

assimilar tudo sozinha, mas acabei optando pela primeira opção, a envolvendo em meus braços

enquanto ela soluçava.

Meu pai e meu irmão ficaram com Jared, do outro lado do corredor. Assim como

aconteceu com Asher, aquela também foi a primeira e única vez em que vi o grande Jared

Hartford chorar.

Relembrar dessa noite faz com que as memórias voltem frescas à minha mente, como se

tudo tivesse acabado de acontecer. Meu peito se aperta, minha respiração parece estar presa,

saindo com dificuldade, e todos os pelos do meu corpo se arrepiam.

Se essa é a sensação que eu tenho, sequer consigo imaginar como Alexa e Asher se

sentem. Ainda mais com tudo isso acontecendo.

Quando ficou sabendo sobre o casamento, Alexa me prometeu que estava bem, mas sei

que é mentira. Ela tenta mostrar ser durona, mas eu a conheço melhor do que ninguém. Sei que,

assim como Asher, minha melhor amiga está devastada.


Estou me perguntando quem será que foi o primeiro a encontrar o convite, quando meus

ouvidos são surpreendidos com os acordes de um violão, vindo de longe, e uma voz que eu não

ouvia cantar há muito tempo, incrivelmente afinada ao cantar o começo de “All I Want”, do

Kodaline.

Meu coração se aperta e um leve sorriso toma meus lábios.

Essa era a música favorita de Aubrey, e, dado às circunstâncias, acho que agora sei quem

encontrou o convite. E quem o abandonou na mesinha da sala, logo em seguida.

Não penso muito antes de sair em direção à escada, levando o envelope comigo. Quando

chego ao segundo andar, ouvindo agora a música mais alta, paro em frente à porta fechada de

onde ela vem.

Asher não deve fazer ideia de que tem mais alguém na casa além dele. Caso contrário,

com certeza não estaria cantando.

Hartford morre de vergonha, apesar de ter uma voz invejável. É o seu talento oculto

desde quando éramos crianças.

Fico parada, esperando a música acabar. E quando isso acontece, ergo meu punho,

acertando três batidinhas leves na porta antes de girar a maçaneta e a abrir.

Olhos castanhos um pouco arregalados por ter sido flagrado correm em minha direção, e

eu deixo que um sorrisinho tome meus lábios, como forma de dizer que ele não precisa se

preocupar. Que sou só eu e que já o ouvi cantar algumas outras vezes, quando éramos mais

novos.

Sentado na ponta da sua cama, Hartford deixa o violão de lado, sobre o colchão, e solta

um pesado suspiro.

— Há quanto tempo está aí?

— O suficiente. — É toda a resposta que dou, me aproximando dele. Estendo o envelope

em sua direção e os olhos de Asher caem sobre ele, mas não se move para pegá-lo. — Você

esqueceu isso aqui lá na sala.

cama.

Hartford trava a mandíbula, subindo os olhos para o meu rosto novamente.

— Não quero esse convite, ruiva. Pode ficar com ele.

Respiro fundo, deixando toda a nossa rivalidade de lado ao me sentar ao seu lado em sua

— A essa altura, o meu já deve ter chegado no meu prédio — revelo.

Hartford não diz nada, seus olhos fixos na porta, mil pensamentos e emoções passando

pelo seu rosto. É quase como se ele estivesse desesperado para falar com alguém e desabafar até

dizer chega, mas se negasse a isso.

— Era a favorita dela — digo, resolvendo quebrar o silêncio.

A atenção de Asher corre até mim.

— O quê?


— A música que você estava tocando. — Sorrio. — Era a favorita da sua mãe.

Lentamente, ele faz que sim com a cabeça, seus olhos perdendo a cor, se entristecendo.

— É, era mesmo.

— Me lembro de quando um cara a chamou para cantar naquela praça, durante uma das

nossas viagens para Los Angeles. Seu pai tentou impedi-la, mas não conseguiu. Todo mundo

parou para assistir. Aubrey tinha uma voz linda, o que explica de onde você herdou o talento.

Algo próximo de um sorriso toma os lábios de Asher assim que ele se recorda desse dia,

mas desaparece no instante em que outro pensamento se sobressai. Ele engole em seco,

desviando os olhos mais uma vez, passando a encarar o chão.

— Nunca vou entender o que minha mãe viu em Jared — revela, a voz baixa demais,

insegura demais. Tudo em seu corpo deixa claro que ele não quer falar sobre isso, muito menos

comigo, mas é como se sentisse que precisa fazer isso agora. Caso contrário, vai acabar

explodindo. — Ela sempre foi... tão viva. O completo oposto do meu pai.

Foco meu olhar em seu rosto, assistindo cada mudança em sua expressão.

— Uma vez minha mãe me disse que não escolhemos por quem vamos nos apaixonar —

solto, atraindo os olhos de Asher para mim. Ele os prende nos meus, me encarando com atenção,

e sinto um arrepio ridículo e completamente fora de hora percorrer meu corpo ao me lembrar de

ontem à noite, quando estávamos tão perto que fui inebriada pelo seu perfume. — Aubrey amava

o seu pai, Asher. E nós dois sabemos que ele também a amava.

Hartford solta uma risadinha sarcástica quase sem força. E sinto meu coração se partir um

pouco.

— Se ele a amava tanto quanto ela, por que vai se casar com uma mulher que mal

conhece?

Continuo encarando seus olhos enquanto penso no que responder, com medo de dizer

alguma besteira. Dou de ombros antes de revelar, sendo completamente sincera:

— Não sei. Ninguém sabe. Só o seu pai entende e conhece os sentimentos dele, então

isso é algo que apenas ele pode responder, mas, se a opinião de uma garota de apenas vinte anos

que passou a vida toda ao lado de vocês importa, essa é a minha. Sei que Jared era louco pela sua

mãe. Dava para perceber isso apenas observando a maneira como ele a olhava, completamente

fascinado, como se Aubrey tivesse pintado cada uma das estrelas do céu.

Dou uma pausa, observando Asher respirar fundo enquanto sente suas emoções

avançarem a milhão.

— Não somos capazes de controlar nosso coração, Asher — sopro, continuando. — Sua

mãe não escolheu se casar com alguém tão difícil como o seu pai, mas aconteceu. E eles viveram

uma história linda. Todo mundo sabe disso. Jared pode estar tomando uma decisão ridícula e

impulsiva agora, mas isso só o tempo vai dizer. Não somos capazes de ler o que se passa na

cabeça dele, e nós dois sabemos muito bem que seu pai é mestre em esconder suas emoções.

Talvez, esse casamento seja apenas uma fuga. E por mais que nenhum de nós concorde com isso,

não temos o poder de fazer nada.

Ele bufa, esfregando o rosto com as mãos.


— Nunca me senti tão impotente em toda a minha vida, ruiva — revela, voltando a me

encarar. — Odeio não conseguir fazer nada para mudar isso. Odeio não poder chacoalhar o meu

pai, gritar na cara dele e dizer para acordar para a vida, até que ele se dê conta de que está prestes

a se casar com alguém que não ama. Porra, será que em nenhum momento ele se perguntou o

que a minha mãe deve estar achando de toda essa merda?

E de repente acontece. Asher finalmente surta. Colocando tudo para fora, ele explode.

Não o interrompo em nenhum momento, deixando que continue a falar. Quase todos os

sentimentos do mundo passam pelo seu rosto quando ele continua:

— Jared é um egoísta. E foda-se se esse casamento é uma fuga ou não. Ele não deveria

estar fazendo essa merda. Nem com a Daisy, nem com a minha mãe, nem comigo e nem com a

Alexa. Com ninguém. Será que ele não pensa, cacete? Será que não entende que só faz seis

meses desde que todo mundo a perdeu? Não entende que essa palhaçada toda vai ser pesada para

todos nós?

Meu peito se aperta até doer assim que noto que ele está tremendo.

É a segunda vez que vejo Asher mostrando estar tão vulnerável assim, e as duas vezes

foram em torno do mesmo motivo: a morte da sua mãe. A diferença é que na primeira vez, em

meio aos corredores do hospital, Asher tinha acabado de perdê-la. E agora está sofrendo porque

seu processo de luto não foi respeitado pelo próprio pai.

Quando Asher para de falar, não sei mais o que dizer, então deixo que o silêncio tome o

quarto. Ele parece concordar que essa é a melhor opção, pois fecha os olhos e respira, buscando

se acalmar.

— Posso te pedir um favor? — pergunta, voltando a me olhar após alguns minutos. Faço

que sim com a cabeça. — Não... Não conta nada para a Alexa, tá legal? Eu sou o mais velho.

Não deveria estar surtando mais do que ela.

Sorrio ao ouvir a preocupação em sua voz.

— Confie em mim, Alexa também está em crise. Ela só não mostra isso para ninguém —

revelo ao me levantar, deixando o convite sobre o colchão. — Mas pode deixar. Eu não vou dizer

nada.

Sinto o olhar de Asher sobre mim quando me viro, seguindo em direção à porta.

— Verena?

Olho para trás, meus olhos o encontrando novamente.

— Valeu. Sabe, pela conversa... — Desconfortável, Asher coça a nuca, como se me

agradecer fosse uma tarefa extremamente difícil para ele.

Um sorrisinho se curva em meus lábios diante do seu nervosismo.

— Não foi nada — garanto. Faço menção de me virar novamente, mas então me lembro

de uma informação importante. — Antes de eu ir embora, só mais uma coisa... É verdade que

agora tem um pato morando aqui?

Pela primeira vez desde que entrei no quarto, vejo o divertimento circulando pelo rosto

de Asher. Ele solta uma risada fraca, concordando com a cabeça em seguida.


— Sim, ele está preso no closet. É o novo mascote do time. O nome dele é Pato.

Levanto sobrancelhas, assimilando a informação.

— Caraca, quanta criatividade!

Asher ri, dando de ombros.

— Meus jogadores são uns idiotas completos, eu sei disso.

— Puxaram o capitão — provoco, arrancando mais um sorriso dos seus lábios.

De repente o ar se torna mais leve, e sinto meu coração se tranquilizar. Estou prestes a

sair pela porta quando a voz de Asher me interrompe novamente.

ir...

— Ruiva?

— Huh?

Ele coça a nuca mais uma vez, completamente sem jeito.

— Tem um jogo amanhã, contra a Universidade de Montreal. Sabe, você bem que podia

Minha testa se franze quando sou pega de surpresa. E estou prestes a dizer que não

consigo e inventar uma desculpa, quando me lembro da coluna e de todo o plano que Samantha

traçou para mim.

Então, ciente de que essa será uma ótima oportunidade para me aproximar de Hartford,

concordo com a cabeça.

— Estarei lá. — É a última coisa que digo antes de sair do quarto e fechar a porta,

deixando Asher para trás.

Quando tudo isso acabar, vou precisar da minha sanidade de volta.


Regra número um:

O amor é um campo de batalha.

— DE REPENTE 30

Motivo número 1 do porquê não namorar jogadores universitários: Eles ficam ainda mais

gostosos quando estão jogando o esporte em que são verdadeiramente bons.

E isso não deveria ser necessariamente um problema, mas é. Porque, assim como você,

todas as garotas ao seu redor acabam notando a mesma coisa.

E elas não só notam, como também comentam.

Faz 10 minutos desde que um grupo de cinco estudantes, sentadas próximas à Alexa e eu,

começou a fofocar sobre Asher, lançando um elogio após o outro enquanto juram que ninguém

ao redor delas está escutando. Comentam desde a aparência dele, até o seu desempenho no gelo.

E completamente apaixonadas, parecem prestes a lançar corações pelos olhos, como em

desenhos animados.

Rio quando Alexa faz uma careta ao ouvir que Asher deve ser muito cheiroso durante

todo o tempo e que deve tratar todas as mulheres muito bem.

Se elas ao menos soubessem... Com certeza ficariam decepcionadas.

Estamos na arena dos Blue Dragons, assistindo enquanto Asher, Joey, Sebastian e o

restante do time detonam a Universidade de Montreal no rinque. De um dos melhores assentos

da primeira fileira, deslizo os olhos por toda a imensidão de azul e branco que ocupa as

arquibancadas e vejo quando bandeiras e cartazes são levantados, no outro lado. O jogo é em

casa, então nossos torcedores são a maioria. O que explica todos os gritos eufóricos que

preenchem a arena por inteira no instante em que Asher rouba o disco de um cara da defesa de


Montreal e sai como um raio em direção ao gol, enchendo a rede no canto direito e marcando

como se aquela fosse a coisa mais fácil que já fez na vida, finalizando o segundo período com

chave de ouro.

Dois para Toronto, um para Montreal.

— Sei que ele é meu irmão e que às vezes tenho vontade de esganá-lo, mas, puta merda,

Asher é um jogador incrível — comenta Alexa, de pé, enquanto bate palma para acompanhar os

gritos.

Ela não poderia estar mais certa. Asher é simplesmente bizarro quando está no gelo. Ele é

diferenciado, e todos percebem isso. É como um raio sobre patins.

Não me considero uma fanática de esportes no geral, mas, mesmo sem ter o costume de ir

a muitos jogos, entendo bastante sobre hóquei. Meu pai e Simon, meu irmão de 13 anos, são

obcecados pelo esporte e esse sempre foi um assunto extremamente presente em casa. Além de

que, a partir do momento em que você mora no Canadá, não dá para fugir muito de ouvir falar

sobre rinques, patins, gelo e discos.

É o esporte mais popular do país. E apesar de atualmente termos apenas 7 times

canadenses na NHL, o hóquei foi fundado aqui.

Faz parte da nossa história. De quem nós somos.

Diferente de mim, Alexa costuma vir com mais frequência aos jogos da universidade,

assistir e prestigiar o seu irmão, Joey e Seb. Ela não gosta muito do esporte em si, já que sempre

disse que acha muito perigoso e até um pouco exagerado, graças aos atritos que acontecem a

todo momento entre os jogadores, mas adora a atmosfera e ama ainda mais o sentimento de

felicidade que sente a cada vitória de Asher.

Sempre achei bonita a relação dos dois. Eles se apoiam. E mesmo que as coisas estejam

complicadas em sua família agora, sei que isso não é algo que vai mudar.

Assim como Simon e eu, Alexa e Asher não sabem viver um sem o outro.

— Temos vinte minutos até o terceiro período começar — comenta Alexa, assim que

voltamos a nos sentar. — Vou comprar um refrigerante zero para mim. Você quer alguma coisa?

Nego com a cabeça, deixando que um sorrisinho tome meus lábios.

— Valeu.

Minha melhor amiga abre sua bolsa, pegando a carteira antes de se levantar novamente,

me dar as costas e se afastar, saindo em busca da sua bebida. Observo o sobrenome de Joey nas

costas da jersey azul que veste, logo acima do número 44. Quando acordamos hoje de manhã,

encontramos Joey e Seb na cozinha e comentamos sobre vir ao jogo hoje. Os garotos ficaram

animados e Joey fez Alexa prometer que viria com o uniforme dele. Sebastian, por outro lado,

ficou quase ofendido quando eu disse que não tinha nenhuma jersey dos Blue Dragons e correu

para o seu quarto, pegando uma que tinha guardada para me emprestar.

Ela estava com um perfume feminino e tenho certeza de que alguma mulher já a vestiu

antes, mas não perguntei nada. Seb é extremamente reservado, e tenho certeza de que, mesmo

que eu perguntasse, ele não me daria muitos detalhes sobre a garota secreta.


Resultado: fui convidada por Asher para vir ao jogo, mas estou usando o uniforme do seu

melhor amigo, com o número 60 bem grande nas costas.

Se estivéssemos em circunstâncias normais, isso não seria algo que eu me importaria,

mas tenho que ser muito cautelosa a cada passo que dou, se quero que meu plano de conquistar

Asher para escrever a coluna dê certo.

Espero que ele nem note.

Ainda não sei ao certo o porquê de ele ter me convidado ontem à noite. Acredito que

possa ter sido porque eu fui legal com ele, ao entrar no seu quarto e ouvi-lo desabafar sobre toda

a situação com o seu pai, mas... Ainda assim, é meio estranho. Quer dizer, até há alguns dias, nós

parecíamos prestes a nos matar a cada conversa que tínhamos, e de repente, bum, estou o

assistindo jogar de um dos melhores assentos, após ter sido convidada por ele e estou torcendo

para que saia com a vitória.

Quando éramos crianças, nossas mães costumavam dizer que Asher só pegava no meu pé

porque ele gostava de mim. Segundo elas, é isso o que os garotos dessa idade fazem. E, sabe,

isso explicaria muita coisa. Principalmente o fato de que até poucos anos atrás, Asher fazia de

tudo para afastar qualquer garoto com quem eu me envolvia, assim como fez com Thomas,

graças a toda história do altar no guarda-roupa e tal. Mas nunca acreditei nisso.

Asher me odeia. Sei que odeia.

Ele mesmo fazia careta todas as vezes que ouvia nossas mães comentarem sobre isso,

antes de soltar um “que nojo!” repleto da mais profunda e genuína repulsa.

A única explicação para Asher estar sendo minimamente legal comigo agora é porque

está passando por uma situação complicada. Tenho certeza disso.

Os miolos do seu cérebro devem estar confusos.

Extremamente e completamente confusos.

Applause, da Lady Gaga, é a música que toca na arena quando Alexa volta a aparecer no

meu campo de visão, trazendo um copo de plástico nas mãos. Ela usa o canudinho para beber seu

refrigerante antes de se sentar, e é só quando escuto os gritos eufóricos do grupinho de fãs do

Asher ao meu lado, que noto que os jogadores já estão de volta ao rinque, prontos para o terceiro

e último período.

Elas gritam ainda mais alto assim que, patinando, Hartford passa à nossa frente. Seus

olhos me encontram através da parede transparente de proteção, e ele não os desvia durante

nenhum momento, a testa franzida, como se estivesse se dando conta de algo.

Fico confusa ao sentir os pelos do meu braço se arrepiarem sem nenhum motivo aparente,

mas então me lembro de que estou em um ambiente frio. É, com certeza foi isso.

O terceiro período começa, e a euforia volta a preencher a arena por inteira.

Montreal se mostra mais forte já nos minutos iniciais. Não sei quais foram as duras

palavras que o treinador do time os disse quando estavam no vestiário, mas elas pareceram

funcionar, já que eles voltaram mais agressivos do que nunca.

Sinto meu coração se encher de expectativa quando Joey se aproxima de um ala de


Montreal, que avança em direção ao gol, mas a sensação morre no instante em que Fisher falha

ao tentar roubar o disco.

— Merda, Joey! — Alexa sussurra ao meu lado, sua voz baixinha sendo o suficiente para

exalar desespero.

O jogador se aproxima do nosso gol, mantendo o domínio completo sobre o puck ao ficar

perigosamente perto de Sebastian, que já se prepara para defender. Nossos defensores se atrasam,

e o ala de Montreal dispara, tentando marcar, mas não consegue.

Sebastian defende uma tacada que tinha de tudo para ser perfeita com uma facilidade

absurda, honrando o título de melhor goleiro que o foi dado, e a torcida imediatamente relaxa, a

tensão deixando os corpos de todos nós.

O vacilo faz o time de Toronto acordar, se sobressaindo mais uma vez. Nosso ataque

ganha força, mas Montreal também. É apenas nos minutos finais, quando todos os jogadores

parecem exaustos, que um tal de Nathan Sawyer marca, ganhando o jogo na nossa própria casa.

A multidão vai à loucura quando o anúncio oficial de fim de jogo é dado. Alexa e eu nos

levantamos, gritando junto à torcida. E no rinque, os Blue Dragons parecem radiantes, se

abraçando e comemorando mais uma vitória.

No instante em que me dou por mim, há um sorriso impossível de ser desfeito tomando

meus lábios.

Três para Toronto, um para Montreal.

Quando deixo o banheiro e volto para o quarto, horas depois, estou quase caindo de sono.

Todo mundo está na república, mas, por algum milagre inexplicável, não tem ninguém gritando

na sala, ninguém brigando com o Pato e o volume insuportavelmente alto do videogame de Joey

não está atravessando todos os cômodos ao reverberar por cada uma das paredes da casa.

Está tudo quieto demais, o que é novidade por aqui. É o clima perfeito para dormir cedo e

colocar todo o meu sono acumulado em dia.

E levando em consideração que até pouco tempo atrás a ansiedade com a nova coluna do

estágio estava me tomando por inteira e que passei inúmeras noites em claro, tenho muitas horas

de sono para colocar em dia.

Muitas mesmo.

Sorrio no instante em que vejo o Cão deitado sobre o lado direito da minha cama, me

aproximando para fazer um carinho em sua cabeça.

— Vai dormir aqui hoje, amigão?

Em resposta, o Golden Retriever apenas abre os olhos, me arrancando uma risadinha.

Ao que parece, nós dois estamos exaustos.

Subo no colchão, sentindo-o se afundar sobre mim e engatinho pela cama, me enfiando


debaixo dos cobertores ao ocupar o lado em que o Cão deixou para mim. Bocejando, apago o

abajur sobre a mesa de cabeceira, trazendo um breu completo para o cômodo. E como faço todas

as noites, pego o meu celular, pronta para dar uma última olhada nas redes sociais antes de cair

no sono.

Sendo pega de surpresa com a notificação que vejo assim que desbloqueio a tela, franzo o

espaço entre as sobrancelhas.

Asher: Onde você está? Te procurei em todo o canto.

Abro o meu bate-papo com Asher, pairando os dedos sobre o teclado, pronta para

responder a mensagem enviada há 5 minutos.

Eu: No meu quarto, deitada para dormir. Estava tomando banho. Por quê? Aconteceu

alguma coisa?

Nem preciso pensar muito para que a preocupação passe a tomar conta de mim. Asher

nunca me escreve. E se fez isso, foi porque algo de ruim deve ter acontecido, ou...

Sou fisgada para longe das minhas teorias ao ouvir três batidinhas na porta.

Completamente confusa, afasto os edredons e me levanto da cama. Acendo o abajur antes

de ir em direção à entrada, agora enxergando o chão por onde piso. E no momento em que giro a

maçaneta e a abro, me deparando com a figura que me espera do outro lado, não prender a

respiração é impossível.

Vestindo uma calça de moletom cinza e uma camiseta preta lisa enquanto se apoia com

uma das mãos no batente da porta, Asher Hartford tem sua mandíbula travada e uma expressão

de poucos amigos. Ele analisa meu pijama cor-de-rosa antes de subir sua atenção, seus olhos

castanhos encontrando os meus, aparentando estarem prestes a faiscar a qualquer instante.

Sei que é normal que Asher guarde seus sentimentos apenas para si, mas neste momento

ele parece estar guardando tantas coisas, que não me surpreenderia se explodisse.

— O que... O que aconteceu? — Demoro um tempo até encontrar minhas palavras, minha

testa levemente franzida.

Hartford não diz nada. Ao invés disso, ele apenas me entrega um novo uniforme dos Blue

Dragons, um com o número 23, e ainda me encarando com uma intensidade que poderia muito

bem colocar fogo em nós dois, solta:

— Da próxima vez, use uma jersey minha. Não a do Sebastian.

E então, simples assim, dá as costas, saindo pelo corredor.

Separo os lábios, buscando dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Mas o choque é tanto,

que não penso em nada. O vinco em minha testa se intensifica à medida em que a cena que

acabei de ver se repassa em minha mente. E quando fecho a porta, estou quase paralisada.

Mas o que foi que acabou de acontecer aqui, afinal?


— Você é sempre antipática assim?

— Na verdade, essa sou eu sendo simpática.

— AMOR E OUTRAS DROGAS

BLUE DRAGONS SEM O MACK

Paul Smith: Alguém sabe me dizer se a TPM do Asher já passou?

Marvin Ambrose: Zona perigosa, Paul.

Joey Fisher: Ela nunca passa.

Nathan Sawyer: O que foi que aconteceu, hein? Ele estava bem puto depois do jogo de

ontem.

Sebastian Porter: Só Deus sabe.

Norton James: Cadê ele?

Sebastian Porter: Só Deus sabe também.


Eu: Será que dá pra vocês calarem a boca? Tô tentando estudar, mas meu celular não

para de vibrar.

Paul Smith: Olha só, a princesa apareceu!

Joey Fisher: Está melhor, nervosinho?

Eu: Estava, até vocês encherem o saco.

Marvin Ambrose: IHHHHH

Joey Fisher: Sabia que eu li que meditação deixa a gente mais calmo? Iria fazer bem pra

você, Hartford.

Nathan Sawyer: Eu apoio.

Marvin Ambrose: Também.

Sebastian Porter: #TodosPeloAsher

vocês.

Eu: Sabe o que também iria fazer bem pra mim? Paz. Mas isso é impossível, graças a

Paul Smith: Pelo visto, a TPM não passou.

Joey Fisher: Já falei, cara. Ela nunca passa. Asher está ficando com a alma daqueles

velhos que se irritam com tudo.

Eu: Fala logo o que você quer, Paul.

Paul Smith: Ontem, depois do jogo, quando você surtou e foi embora, eu e os caras

combinamos de ir ao POP’S hoje à noite. Se você tiver livre, aparece lá.

Eu: Alexa me pediu para buscá-la no trabalho hoje. O carro dela deu um problema, mas

talvez eu vá mais tarde.

Marvin Ambrose: Manda um beijo para ela.


Eu: Cala a boca, Marvin.

Joey Fisher: É, cala a boca, Marvin.

Nunca fui um irmão ciumento, mas odeio quando meus amigos insinuam achar qualquer

coisa sobre a minha irmã. Principalmente Marvin, que deixa extremamente claro para todo

mundo que, se pudesse, já teria ficado com Alexa há muito tempo.

Eles sabem que ela é território proibido. É uma regra do time. Um Blue Dragon não se

envolve com ninguém da família de outro Blue Dragon.

E nós seguimos isso fielmente.

Bloqueio a tela do meu celular antes de colocá-lo sobre a mesa e voltar a me esforçar para

manter os olhos e o cérebro no livro de direito processual. Estou há algumas horas na biblioteca

vazia da universidade, tentando me concentrar no conteúdo de uma prova que terei que fazer em

breve, mas está sendo uma tarefa impossível.

Primeiro que os caras do time não param de enviar mensagens, fazendo a mesa tremer a

cada maldito minuto e atacando a minha ansiedade. Se eu não fosse o capitão, provavelmente

teria silenciado esse grupo, mas não posso. Nunca se sabe quando algum deles vai fazer uma

merda gigantesca e terei que impedir a Terceira Guerra Mundial.

Segundo, minha mente não me dá descanso, insistindo em voltar ao acontecimento de

ontem durante o jogo.

Eu perdi a cabeça. Sei disso.

Senti uma sensação desconfortável subir pela minha espinha quando voltei ao rinque e vi

Verena na primeira fileira de assentos da arquibancada, usando a jersey do Sebastian. Não foi

raiva, foi algo mais profundo do que isso. Algo que me enlouqueceu por completo e me queimou

como se fosse ferro quente.

Quando o terceiro período terminou e voltamos aos vestiários, não consegui sequer ficar

feliz. A imagem de Vance usando um uniforme que não era o meu estava praticamente fixada em

meu cérebro, me impedindo de pensar em qualquer outra coisa.

Não estava no clima para ficar e comemorar com o restante do time, e por isso deixei a

arena logo após tomar uma ducha rápida.

Achei ridículo o que ela fez. Completamente sem noção. Fui eu que a convidei para

assistir ao jogo e mesmo assim ela apareceu com a jersey de outro cara?

Não tinha como não ficar bravo!

Suspiro quando meu telefone volta a vibrar incessantemente sobre a mesa, fazendo-a

tremer. Levo as mãos até o aparelho, abrindo o grupo para mandá-los calar a porra da boca, mas

sou surpreendido quando dedos com unhas pintadas de branco envolvem meu celular, o

afastando de mim.

Ergo o olhar, encontrando os olhos azuis-acinzentados e cachos ruivos que tanto estou

acostumado a ver.


— Você é burro ou só se faz?

Tombo a cabeça, exibindo meu sorrisinho mais encantador nos lábios.

— Oi para você também, ruiva.

Verena me encara com raiva. Chacoalhando a cabeça levemente em negação e

transbordando desapontamento, ela bufa. E em seguida, me pegando desprevenido e sem se

importar em ser delicada, me dá um tapa na testa.

Devolvo o olhar com indignação, esfregando a parte onde ela acertou.

— Você ficou maluca?

A garota sorri com escárnio, negando com a cabeça.

— Não. Isso quem ficou foi você — diz, passando por trás de mim. Vance puxa a cadeira

ao meu lado, se sentando. Ela pousa sua mochila em cima da mesa antes de voltar a me encarar

com seriedade. — Estudar, Asher! É isso o que você precisa fazer.

— Eu já estou fazendo isso. — Aponto para o livro à minha frente, já pensando que ela

deve ter algum problema de visão.

Ainda com o sorrisinho mais falso do mundo nos lábios, Verena balança meu celular em

frente ao meu rosto.

— Não estava, não.

Cruzo os braços, mantendo meus olhos fixos nos seus.

— Estava, sim.

— Eu te vi digitando, Hartford. Você não estava concentrado. E não dá para estudar

enquanto manda mensagens.

— Eu só estava respondendo os meninos no grupo, pedindo para eles calarem a boca e...

— Minhas palavras morrem no instante em que me dou conta do que está acontecendo. Um

sorriso verdadeiro ganha vida em meu rosto. — Espera aí, ruiva, por que você se importa? Está

preocupada comigo?

A pergunta pega Verena de surpresa. Ela pisca algumas vezes, sua expressão deixando

claro que não sabe o que responder.

— O quê?

— Você ouviu. — Mantenho meus olhos fixos no seu. — Por que se importa comigo se

me odeia tanto?

Observo quando Verena entra em uma discussão interna consigo mesma. Eu a conheço.

Sei que está enfrentando problemas para pensar em uma resposta que não inflará meu ego. Mas

então, após alguns segundos sem conseguir pensar em nada, ela suspira, se dando por vencida ao

confessar:

— Eu te vi jogar, Asher. Você é bom. É ótimo, para ser honesta. E mesmo que seja um

tremendo babaca, merece continuar nesse time mais do que ninguém. — O sorriso em meu rosto

cresce mais e mais a cada palavra que sai pelos seus lábios. Verena limpa a garganta, como se


me elogiar fosse demais para ela. — E eu estudo nessa universidade. Quero que nosso time esteja

bom o suficiente para vencer tudo.

Não digo nada de início. Sabendo que isso a deixará mais irritada, apenas a encaro

enquanto ela espera pelas minhas palavras. Então, arregaçando as mangas do moletom que visto,

eu pisco.

— Quer dizer que me acha bom, ruiva?

Verena não hesita antes de revirar os olhos, arrancando uma risadinha do fundo da minha

garganta.

— Você ouviu muito bem o que eu disse, estrelinha — ela desdenha ao dizer o apelido.

— Não é para ficar se achando. Agora cala a boca e se concentra nos estudos.

A ruiva passa a fingir que eu não existo quando começa a mexer em sua mochila,

pegando o seu notebook. Ela o abre sobre a mesa, e imediatamente o site da Samantha’s

Magazine se acende na tela.

Brincando com uma caneta entre os dedos, eu a observo começar a trabalhar.

— Você vai ficar sentada aqui?

Verena não se dá ao trabalho de me olhar ao retrucar:

— Você quer que eu saia?

Nego com a cabeça, por mais que ela não possa ver.

— Não. A biblioteca é pública.

— Ótimo.

— Ótimo — repito, sem conseguir conter o sorriso em meus lábios.

Meu passatempo favorito sempre foi irritar Verena Vance. Desde que me entendo por

gente. É extremamente divertido assisti-la perder a paciência.

Ela continua fingindo não se importar comigo enquanto continuo a encarando, assistindo

quando sua testa se franze de leve, uma expressão concentrada tomando seu rosto enquanto seus

dedos batem freneticamente contra o teclado, escrevendo alguma coisa.

mais.

É linda. Incrivelmente linda e irritante ao mesmo tempo. E isso só me faz odiá-la ainda

— Para de me olhar e foca no livro, Hartford. — Sua voz sai raivosa.

Desvio minha atenção para o conteúdo da aula do Sr. Hamlet no mesmo instante.

— Não estou te olhando — devolvo, agora invertendo a brincadeira que Verena começou

quando estava fingindo assistir a um romance meloso, há alguns dias.

Sinto quando seus olhos caem sobre mim.

— Estava, sim.

— Não estava.


Ela bufa, agora rosnando ao insistir:

— Estava, sim.

Sorrio, erguendo a cabeça para encontrá-la com o olhar.

— Você deveria se acalmar, ruiva. Joey disse que meditação é uma boa opção. Fica mais

bonita quando não está carrancuda.

Ela franze o espaço entre as sobrancelhas.

— Nunca estou carrancuda.

Não consigo conter a risadinha que me escapa.

— Ah, está sim. Você fica carrancuda sempre que está no mesmo ambiente que eu.

— Porque você é irritante.

— Não mais do que você, com certeza.

Respirando fundo e se esforçando para não explodir em raiva, Verena volta a focar em

seu notebook, decidida a continuar ignorando a minha existência.

— Conseguiu arrumar as coisas no estágio? — pergunto, tentando puxar assunto. Ela não

diz nada enquanto alcança sua garrafinha de água sobre a mesa, a levando até os lábios em

seguida, e resolvo continuar. — Ouvi uma ligação sua com a minha irmã, há algumas semanas.

Estava tendo problemas para ter ideias. Sabe, dizem que eu sou uma fonte sem fim de inspiração.

Olhar para a minha beleza já é o suficiente. Se você quiser me admirar até se inspirar, estou

disposto a te ajudar...

Me olhando pelo canto dos olhos como se eu fosse o maior babaca que já pisou na Terra,

Verena para de beber água apenas para responder:

— Eu já consegui, Asher.

— Ah, é? E sobre o que é a sua coluna?

De repente, ela se engasga, passando a tossir desesperadamente. Penso em me aproximar

para ajudá-la, dando leves tapas em suas costas, mas deixo essa ideia de lado no instante em que

vejo a ruiva se levantar, passando a recolher suas coisas às pressas. Verena me encara enquanto

fecha a mochila e a coloca nas costas, seus olhos completamente vermelhos quando diz:

— Não te interessa, Hartford. Agora vê se cala a boca e estuda. Vou te deixar sozinho

para se concentrar.

E então, simples assim, ela dá as costas, sumindo de forma apressada pelos corredores da

biblioteca.

E eu permaneço aqui, extremamente confuso com o seu comportamento.

Será que disse algo que a tirou do sério, ou será que Verena simplesmente decidiu de

forma gratuita que estava cansada de ficar perto de mim?

Não me surpreenderia com nenhuma das duas opções.


A gente precisa de um clichê.

Tipo, todo grande romance começa com um clichê.

— PLANO IMPERFEITO

— Tem certeza de que está bem? — É o que o meu pai pergunta pela milésima vez.

E assim como todas as outras, minha resposta é a mesma.

— Sim, juro. Não precisa se preocupar.

Estou sentada à minha mesa, no escritório da revista. Ava está ao meu lado, em sua

própria mesa, ocupada o suficiente para não ter me chamado sequer uma única vez nos últimos

trinta minutos. E como estou adiantada no trabalho de hoje, aproveitei para ligar para os meus

pais por chamada de vídeo.

Há aproximadamente dois meses, William e Caroline Vance embarcaram em um avião e

foram para Los Angeles, gerenciar a sede estadunidense da Hartford Vance. Com o plano de

passar um semestre lá, eles preferiram levar o meu irmão também, já que Simon tem apenas 13

anos e é completamente dependente dos cuidados deles.

Sei que para algumas famílias a distância é algo comum, mas não para a nossa. Estamos

separados por quase sessenta dias e a saudade que eu sinto já é tanta, que parece que não nos

vemos há uma eternidade.

Mesmo que estejamos mantendo o máximo de contato possível pelo celular, ainda assim

não é a mesma coisa.

— Tem notícias do apartamento? — pergunta meu pai, segurando o celular bem perto ao

seu rosto, quase cortando minha mãe por inteira.


Nego com a cabeça.

— Ainda não. Gibson disse que entraria em contato, assim que tivesse mais informações

sobre a reforma.

— E você está tranquila em continuar ficando na república dos Hartford? — questiona a

minha mãe, não se importando em ser sútil ao puxar o celular das mãos do meu pai,

centralizando seu próprio rosto na câmera agora. — Quer dizer, sei que ama Alexa, mas também

sei que sua relação com Asher não é das melhores...

bem.

Forço um sorriso leve nos lábios, buscando deixar claro, de todas as formas, que estou

Se ela ao menos soubesse a confusão em que me enfiei...

— Asher e eu estamos nos tolerando — digo. — E estar com Joey e Sebastian, os amigos

dele, tem sido bem divertido até então. Podem ficar tranquilos. Não há nada com o que se

preocupar.

— Esse não é o problema — fala a minha mãe. — Sei que todos são boas pessoas. Minha

única preocupação é que você e Asher acabem se matando por passarem tempo demais juntos.

A seriedade com que ela diz a última frase me faz rir.

— Vou tentar não fazer isso. Sabe, tenho que virar uma jornalista famosa antes de ir para

a cadeia e todas essas coisas...

Minha mãe revira os olhos de forma teatral, rindo em seguida.

— Podem passar milhares de anos, mas vocês dois nunca vão mudar — ela constata. —

Falando nos Hartford, em menos de um mês estamos de volta no Canadá, para o casamento do

Jared. Ele ligou para o seu pai, nos convidando. Estava bem inseguro, quase como se estivesse

com medo de que William brigasse com ele ou coisa assim. Jared sabe muito bem que não está

se casando por amor, e sabe melhor ainda que ninguém está concordando com essa história.

Não consigo sequer ficar feliz com a volta dos meus pais, graças ao evento que está

sendo o motivo dela. Meu pai e Jared sempre foram muito próximos. Eles se conheceram na

faculdade de direito e fundaram a Hartford Vance juntos, construindo uma sociedade forte e uma

amizade mais forte ainda. Apesar de serem completamente diferentes, os dois sempre se

entenderam. Foi graças a eles que minha mãe e Aubrey se conheceram. Então, Jared sabe que

meu pai não apoia a sua nova união. Ele o conhece. Passou anos ao lado dele, afinal.

Estaria mentindo se dissesse que após a morte de Aubrey, a amizade de Jared com meus

pais não sofreu um certo dano, assim como tudo em sua vida. Eles se afastaram um pouco. E não

foi culpa de ninguém. Graças ao luto, Jared ficou ainda mais recluso. E meus pais também

sofreram com a situação. Principalmente a minha mãe, que sentiu como se tivesse perdido uma

irmã.

Não foi fácil. Nada fácil.

Mas apesar de tudo, eles jamais vão conseguir viver longe um do outro. E sempre vão se

respeitar e se apoiar, mesmo que um deles escolha fazer a maior merda do planeta, como é o caso

de Jared e seu casamento sem amor.


Apesar dos pesares, isso é algo que admiro na amizade deles.

Sou obrigada a me despedir dos meus pais assim que ouço a voz de Ava me chamar.

Mando vários beijinhos no ar, prometendo para a minha mãe que vou me cuidar, antes de

encerrar a ligação e pousar meu celular de volta sobre a mesa.

— São quatro da tarde. — Movo meus olhos até Ava, assim que escuto a sua voz.

Vestindo um blazer branco que se contrasta com a sua pele negra, minha supervisora está

absurdamente linda. — Sabe o que isso significa, não é?

Concordo com a cabeça no mesmo instante.

— É hora do megafone.

— É hora do megafone — Ava sussurra de volta.

Não demora muito para que aconteça. De repente, os burburinhos do escritório cessam.

Pessoas que estavam de pé, correm de volta para as suas mesas, desesperadas. O ranger de

cadeiras e mesas sendo arrastadas ecoa por todos os lados.

Tudo isso, graças ao som mais aterrorizante do mundo todo: O eco dos saltos de

Samantha indo de encontro ao chão.

Seus passos nunca são em uma altura normal. É bizarro. Cientificamente inexplicável.

Quase como uma corneta, anunciando a sua chegada.

— Me contem uma novidade! — É o que a editora-chefe diz ao passar na nossa frente,

usando um megafone para que sua voz estridente alcance todas as salas e atravesse todas as

paredes.

Pessoas passam a levantar as mãos, chamando Samantha para contar sobre seus avanços

nas ideias que estão trabalhando. Escuto sobre futuras matérias que criticam dietas com baixo

índice de carboidrato e perfis de blogueiras “fitness” tóxicos, repletos de terrorismo alimentar.

Matérias que retratam as trends em alta no TikTok, as últimas grandes polêmicas nas quais as

celebridades se envolveram, o relacionamento de Taylor Swift e Travis Kelce, entrevistas com

mulheres que alcançaram cargos gigantescos em empresas, moda feminina e outras dezenas de

assuntos interessantes.

E após quase uma hora, quando termina de passar por todas as mesas, Samantha me

surpreende ao se aproximar de mim.

Sem saber como reagir, prendo a respiração e me esforço ao máximo para não arregalar

os olhos.

Como sou apenas uma estagiária, nunca participei da hora do megafone. Samantha gosta

do meu trabalho, mas nunca se importou muito em compartilhar minhas ideias com o restante da

equipe.

Até agora, aparentemente.

— Verena Vance, como todos devem saber, é a nossa melhor estagiária — anuncia ela,

parando ao lado da minha mesa. Todas as cabeças estão viradas em minha direção, e acho que

estou prestes a morrer um pouquinho. — Ela está trabalhando em uma coluna incrível, que com

toda a certeza do mundo merece um espaço na edição do mês que vem da revista.


Samantha sorri ao me olhar e, sentindo como se estivesse prestes a ter um ataque, junto

todas as minhas forças para abrir um sorriso trêmulo, retribuindo-a.

— O tema é: 15 motivos para não namorar com um jogador universitário. Não é o

máximo? Vai se encaixar muito bem com o nosso público mais jovem — conta ela, sua voz

transbordando animação. Rindo, Samantha corre os olhos pela sala. — E sabem o melhor de tudo

isso? Verena realmente está tentando se relacionar com um atleta, para escrever sobre a

experiência com propriedade.

Me obrigo a endireitar a postura, lutando contra uma gigantesca vontade de me encolher.

Samantha me encara, divertimento flutuando em seus olhos. Sei que ela amou a minha

ideia, mas não esperava que estivesse se sentindo tão animada com tudo isso.

— Tenho um presente para você, Vance — agora longe do megafone, a editora-chefe fala

apenas comigo. A assisto tirar dois papéis que parecem ser algum tipo de ingresso do bolso da

calça marrom que veste. E quando Samantha os coloca sobre a minha mesa, meus olhos se

arregalam. — Dois ingressos para um jogo do Toronto Maple Leafs. É o próximo na Scotiabank

Arena. Os lugares são ótimos, e nosso alvo joga hóquei. Ele vai ficar caidinho por você.

Em choque, pisco diversas vezes enquanto tento processar o que está acontecendo.

Samantha está mesmo sendo tão legal assim comigo? Meu Deus do céu!

Não costumo ir a jogos de hóquei, mas meu pai e meu irmão são torcedores fanáticos dos

Leafs. E estou vendo os lugares nos ingressos à minha frente. São alinhados ao meio do rinque,

próximos aos bancos dos jogadores. E na segunda fileira. A essa altura, devem ter sido

extremamente difíceis de conseguir.

voz.

Ergo os olhos para a editora-chefe novamente, me esforçando para encontrar a minha

— Obri... Obrigada, Samantha.

Ela sorri, balançando a cabeça.

— Não foi nada. — Sua mão pousa no meu ombro. — Tudo pelo plano.

Forço um sorrisinho, concordando.

— Claro. Tudo pelo plano.

Ainda sentindo dezenas de olhares sobre mim, repasso todas as últimas péssimas escolhas

que tomei na vida enquanto vejo Samantha se afastar. E de repente penso que, talvez, ter tido a

ideia da coluna me inspirando justamente em Asher possa ter sido a pior dentre todas elas.

Algo me diz que não faço ideia da proporção que toda essa situação vai tomar nas

próximas semanas.


Eu amo os seus olhos.

E o resto do seu rosto também.

— QUESTÃO DE TEMPO

Quando paro o carro no estacionamento vazio do Bella’s Rink, horas mais tarde, o sol já

foi embora, dando espaço para que a lua ocupasse o seu lugar.

Pego o meu celular antes de descer do veículo, mandando uma mensagem para Alexa, a

avisando que já estou aqui. Não quero demorar muito, já que os caras do time combinaram de se

encontrar no POP’S.

Mais cedo, minha irmã me ligou dizendo que teve um problema com o seu carro e teve

que levá-lo ao mecânico. Ela estava completamente atordoada, já que hoje várias novas turmas

começaram, e parecia prestes a enlouquecer no telefone, falando extremamente rápido e sem

parar nem mesmo para respirar. Sua velocidade foi tão rápida, que não entendi nada além de um

“preciso que você vá me buscar, às oito horas”, e antes que eu sequer processasse a informação,

Alexa já tinha desligado.

Ela não é muito boa em lidar com pressão, principalmente quando algo inesperado

acontece. Se jogasse hóquei, estaria perdida.

Não sei ao certo quando Alexa passou a se interessar por ensinar crianças a patinar, muito

menos quando começou a amar fazer isso, mas quando vi, ela já tinha se tornado a melhor

professora de patinação infantil do Bella’s Rink, e seus alunos estavam completamente

apaixonados pelo seu modo de ensinar.

Acho que talvez esse tenha sido um dom que ela herdou da nossa mãe, no fim das contas.

Foi Aubrey quem nos deu os nossos primeiros patins, quando eu tinha somente cinco


anos. Foi ela quem nos ensinou a patinar, quem nos levantou depois de todos os nossos tombos e

quem nos incentivou todas as vezes em que pensamos que aquilo era difícil demais... Foi a

minha mãe que, um dia, em meio ao rinque de patinação da Nathan Phillips Square, quando eu

tinha somente sete anos, olhou no fundo dos meus olhos, inclinou a cabeça, abriu um sorriso

doce e perguntou: “Você é bem rápido. Já pensou em jogar hóquei, Asher?”.

E então, como um passe de mágica, deu um sentido à minha vida.

Sempre que estou no gelo, sinto que estou próximo a ela. Talvez tenha sido por isso que

Alexa decidiu trabalhar aqui, no fim das contas. Porque divide as mesmas memórias que eu.

Porque sabe que a mamãe adorava nos ver patinando. Ela era a nossa maior fã, afinal.

O sino tilinta sobre o meu corpo assim que empurro a porta do Bella’s Rink, me

deparando com o espaço completamente deserto. Quase todas as luzes estão apagadas, e as

cadeiras colocadas sobre as mesas próximas à lanchonete indicam que Alexa já está no processo

de fechar o lugar há um bom tempo.

Não há sinal dela. E não tem ninguém na recepção, para que eu pergunte onde foi que a

minha irmã se meteu.

— Alexa? — a chamo, andando pelo espaço.

Com uma decoração que remete à uma floresta no inverno, o local é bem bonito. Já estive

aqui algumas vezes, mas nunca prestei muita atenção nos detalhes. Ele expressa paz.

Principalmente pela luz roxa que se acende no rinque, decorado por algumas árvores secas

ilustrativas e falsos flocos de neve.

— Alexa? — falo mais alto dessa vez, deslizando os olhos por todo o espaço, buscando

encontrá-la em algum canto.

Nada.

Mais uma vez, ninguém responde.

Ótimo.

Estou prestes a pegar meu celular para ligar para a minha irmã, quando sou surpreendido

ao ouvir o sino da entrada tilintar, anunciando a chegada de alguém. Giro nos calcanhares,

separando os lábios para xingar Alexa por ter sumido, mas sou obrigado a desistir no instante em

que vejo que não se trata dela.

Vestindo uma calça branca, um cropped verde militar e um casaco de lã, Verena Vance

anda de forma distraída pelo local, seus cachos ruivos se movimentando a cada passo que dá. E

quando seus olhos finalmente me encontram, ela paralisa no lugar.

— O que está fazendo aqui? — É a forma que encontra para me dizer “oi”.

— Eu que te pergunto.

Sua testa se franze, irritação a consumindo por completo. Abro um sorriso nos lábios

imediatamente.

Amo o fato de ela ficar nervosinha apenas por estar diante de mim.

— Eu vim buscar a sua irmã. O carro dela quebrou — revela.


Uma onda de confusão me atinge.

— Como assim? Acho que se enganou, ruiva. Alexa me mandou mensagem mais cedo,

me pedindo para vir.

Vance suspira, colocando uma mão na cintura. Ela morde o lábio inferior, pensativa.

— Ela estava tão atordoada, que deve ter pedido para nós dois e nem percebeu.

Concordo com a cabeça.

— É, Alexa parecia prestes a enlouquecer quando me ligou. Do jeito que a conheço, deve

ter vivido o dia inteiro no automático, sem prestar atenção em nada além das crianças e das aulas.

Verena concorda.

— Cadê ela?

— Não faço ideia. — Sou sincero. — Estou tentando encontrá-la desde que cheguei, mas

não consegui.

Me encarando como se eu fosse o homem mais tapado do mundo inteiro, a melhor amiga

da minha irmã não diz nada. Apenas revira os olhos antes de voltar a andar pelo espaço,

chamando pelo nome de Alexa a cada passo que dá.

Cruzo os braços enquanto a assisto abrir todas as portas que encontra pelo caminho,

sabendo que será inútil. Se Alexa estivesse aqui, teria me respondido quando gritei por ela e já

teria aparecido.

Não faço ideia de onde ela se meteu, mas tenho certeza de que saiu, apesar de ter deixado

a porta aberta.

— Ela deve ter ido a algum lugar, ruiva — comento. — Já deve estar chegando.

Verena me ignora, insistindo em procurá-la. E quando finalmente percebe que Alexa não

está aqui, ela suspira, pegando uma cadeira no topo de uma das mesas e a colocando no chão

para se sentar.

— Será que a gente deve se preocupar?

Seus olhos azuis me encontram.

Nego com a cabeça.

— Acho que não. Conhecendo a minha irmã, ela provavelmente esqueceu de comer

durante o dia inteiro e foi comprar alguma coisa — digo. — Se ela não aparecer nos próximos

trinta minutos, aí a gente se desespera.

— Certo — Vance responde, mas pelo seu olhar, sei que já está preocupada.

Tiro o meu celular do bolso da calça, abrindo no meu bate-papo com Alexa, digitando:

Eu: Cadê você??????? Disse que estaria pronta para ir embora às oito horas. Verena

também está aqui.


Para a minha surpresa, ela responde no mesmo instante.

Alexa: Tive que sair rapidinho. Volto daqui a pouco.

Ergo os olhos para Verena, que agora encara um ponto específico no chão, preocupação a

tomando por inteira.

— Ela acabou de responder a minha mensagem — conto, atraindo a atenção da ruiva para

mim. Seus ombros relaxam imediatamente, o alívio a preenchendo. — Disse que teve que sair,

mas que vai chegar daqui a pouco. Pode ir embora, se quiser. Eu fico aqui e levo ela para casa.

Verena nega no mesmo instante.

— Não. Prefiro ficar e ver se ela está bem — diz. — Alexa te disse o porquê de ter saído?

Faço que não com a cabeça.

— Ah — ela fala, parecendo meio desapontada.

O silêncio recai sobre o rinque. Observo quando Verena passa a olhar para as suas

próprias mãos, desconfortável em saber que terá que passar os próximos minutos em um lugar

vazio, apenas comigo. E essa com certeza está bem longe de ser a minha atividade favorita no

mundo, mas sei que é uma ótima oportunidade para colocar meu plano em ação.

Tenho que aproveitar, e já sei exatamente como fazer isso.

Um grande homem precisa de uma grande mulher para se manter grande, afinal.

Olho em volta, procurando pelas prateleiras onde ficam os patins. E no instante em que as

encontro, atrás do balcão da recepção, ando até elas. Sinto os olhos curiosos de Verena me

seguindo a cada passo que dou.

— Qual é o número do seu sapato, ruiva? — questiono, me virando para encará-la.

Ela franze a testa.

— Trinta e sete. Por quê?

Deslizo meus olhos pelas várias numerações de patins, pegando o do seu tamanho. E após

encontrar o meu, me viro de volta para ela, que ainda me encara confusa.

Erguendo os dois pares no alto, abro um sorrisinho e digo:

— Espero que ainda saiba patinar.

Dizer que Verena é ruim seria eufemismo.

Ela é horrível. Completamente péssima. E acho que fazia muito tempo desde que eu não

ria tanto em toda a minha vida.


Sem afastar meus olhos dela, patino de costas enquanto a assisto se agarrar à barra, em

um dos cantos do rinque, morrendo de medo de levar mais um tombo. Já perdi as contas de

quantos foram. E olha que estamos aqui há menos de dez minutos.

— Não me lembrava de você ser horrível assim quando éramos crianças — comento,

minhas palavras transbordando divertimento.

A ruiva me lança um olhar assassino, mas logo gruda seus olhos na barra de novo, como

se desviar a sua atenção por no mínimo cinco segundos fosse capaz de abafar todos os seus

sentidos e, puft, a derrubar no chão de novo.

Rio baixinho.

— Sabe o que seria gentil, Hartford? Se ao invés de ficar rindo de mim, você me ajudasse

— solta, completamente irritada.

Mordo um sorriso, deslizando em sua direção. Parando ao seu lado, arqueio uma

sobrancelha. Verena foca seu olhar no meu.

— Se eu relar em você, vai me morder? — questiono, provocando.

Ela revira os olhos, afastando uma das mãos da barra para me bater. E tudo acontece

muito rápido. Antes mesmo que sua mão se aproxime de mim, Vance perde o equilíbrio por

completo, seus patins escorregando pelo gelo.

Completamente por instinto, levo minhas mãos até a sua cintura, a segurando a tempo de

impedir que seu corpo tente abrir um espacate e ela acabe se quebrando por inteira.

Sem perceber, em meio ao desespero, Verena acaba soltando a barra por completo, e

quase despenca para trás. Envolvo sua cintura com o braço, a estabilizando a tempo.

nela.

E é só quando ela já está segura sob meu toque, que percebo que realmente estou tocando

Não apenas tocando, como envolvendo sua cintura.

Meu Deus.

De repente acho que esqueci como se respira.

Meu coração bate forte dentro do peito, minha pele formiga ao ponto de doer e a

intensidade que sinto emanar dos olhos azuis acinzentados de Verena é tanta, que poderia muito

bem me deixar tonto. Ela me encara sem sequer piscar, seus olhos acesos, sua boca levemente

aberta em surpresa.

É linda. Completamente linda.

— Asher... — A voz dela falha quando tenta formular a frase.

Observo sua garganta oscilar, como se tivesse engolido em seco. Sei que não estou

maluco. Há uma tensão gigantesca entre nossos corpos. Tão gritante, que faz com que uma

guerra se trave dentro de mim, todas as minhas partes querendo ceder ao desejo arrebatador que

me domina.

Quero beijá-la. Porra, quero muito beijá-la.


E isso não faz o menor sentido.

Sob o seu casaco, tendo um contato direto com a sua pele, espalmo minha mão sobre a

sua cintura, a apertando levemente com meus dedos. A puxo para mim, colando nossos corpos

até que não haja mais espaço algum entre nós. Em resposta, a respiração de Verena falha. Luzes

vermelhas de aviso se acendem em minha mente, tentando me alertar de que esse é um território

perigoso, mas as ignoro ao aproximar nossos rostos lentamente.

Não sei o que estou fazendo. Não sei mesmo. Mas no instante em que nossos narizes

quase se tocam e Verena continua parada, sem se afastar, me bater ou xingar, tudo parece certo.

Fecho os olhos, sentindo sua respiração chegar pesada contra a minha pele,

completamente ofegante.

E juro que até penso em parar. Penso em me afastar, esquecer de todo o plano em busca

da aceitação do meu pai e retornar à nossa normalidade, onde nos odiamos profundamente. Mas

não consigo.

Porque neste momento, tudo em mim grita e queima por Verena Vance.

A batida forte do meu coração retumba pelo meu corpo, ensurdecendo todos os

pensamentos que me dizem que não, essa não é uma boa ideia. E não me movo. Simplesmente

não consigo.

antes.

Porque sinto que vou acabar enlouquecendo se não tomar seus lábios nos meus o quanto

Finalmente chego a uma decisão. Meu lado racional, que odeia Vance há vinte anos,

perde completamente para as necessidades do meu corpo. Devagar, inclino ainda mais a cabeça,

nossos narizes finalmente se tocando, a carga elétrica se espalhando por todos os meus membros

apenas diante do contato.

E o que acontece em seguida é rápido demais.

De repente, o tilintar do sino da entrada do Bella’s Rink invade nossos ouvidos.

Arregalando os olhos e espalmando meu peitoral, Verena me empurra abruptamente, me

afastando, com medo de nos flagrarem. Compartilhando do mesmo sentimento, a aproximo da

barra de apoio no mesmo instante, retirando minhas mãos do seu corpo no momento em que suas

duas mãos seguram no ferro.

E completamente atordoado diante do que quase aconteceu entre nós, patino para longe,

minha testa se franzindo levemente enquanto meu cérebro parece finalmente acordar.

— Asher? Verena? — É o que chama a voz de Alexa, se aproximando. — Cheguei!

Meu lado racional ainda está voltando a funcionar quando minha irmã aparece no meu

campo de visão, sorrindo ao nos encontrar, sem fazer ideia do que acabou de interromper.

Verena e eu iríamos nos beijar.

Meus lábios se tocariam aos da garota que, por mais que eu odeie desde sempre, parece

acabar com a minha racionalidade ao me fazer desejá-la como nunca desejei outro alguém.

E ao mesmo tempo em que isso seria completamente estranho, também seria perfeito para

o meu plano.


Porque preciso que ela namore comigo.


— Você já está se apaixonando por mim.

— Vou fazer você desejar estar morto.

— COMO PERDER UM HOMEM EM 10 DIAS

Motivo número 2 do porquê não namorar jogadores universitários: Eles sabem como criar

um clima.

Sabem ser intensos ao te olhar, fazendo com que sinta como se houvesse mãos ao redor

dos seus pulmões, os apertando com força suficiente para te sufocar. São mestres nisso. Quase

profissionais. Afinal, a grande maioria deles já deve ter treinado com mais garotas do que sequer

poderia se lembrar.

Asher é o exemplo vivo disso.

Faz mais de dezesseis horas desde que suas mãos fortes me impediram de levar um

tombo e depois seus lábios quase se chocaram contra os meus, me deixando completamente

estática. Dezesseis horas desde que não paro de sentir minha pele formigar em todos os lugares

que ele tocou e que não consigo deixar de sentir seu perfume ao ser invadida pelas memórias.

Dezesseis horas desde que quase beijei o meu maior inimigo.

Não sei ao certo o que aconteceu comigo. Não sei mesmo. Mas quando me dei por mim,

sentindo seu braço enroscado à minha cintura e sendo praticamente perfurada pela intensidade

dos seus olhos castanhos, tudo o que eu mais queria era que Asher me beijasse.

E para a minha surpresa, foi o que ele quase fez.

Estaria mentindo se dissesse que, no meio do caminho, não pensei no plano de conquistálo

para a coluna. É óbvio que pensei. Mas não foi o plano que gritou mais alto quando a


expectativa por sentir sua boca contra a minha me consumiu. Fui eu. Foi o meu corpo e as

minhas vontades reais.

E isso é estranho para caralho.

Quando a porta dupla e pesada do elevador do prédio onde moro se abre, não hesito em

atravessá-la, entrando no andar da cobertura. Há algumas horas, fui surpreendida por uma

ligação do Sr. Gibson, me dizendo que já tinham resolvido as coisas no apartamento e me

perguntando se eu poderia vir encontrá-lo. Aceitei no mesmo instante, me sentindo grata pela

rapidez com que tudo aconteceu.

De acordo com ele, minhas paredes ainda não estão totalmente livres da infiltração, mas o

apartamento já está com a água e a energia funcionando normalmente.

— Quando veio analisar, o eletricista disse que seria bom esperarmos alguns dias antes

de ligar o disjuntor. — É o que Gibson explica, assim que entramos no apartamento. Ele tateia a

parede, acendendo a luz da sala, que funciona normalmente. — Viu? Tudo certo.

O porteiro sorri para mim, e eu retribuo.

— Obrigada, Sr. Gibson.

— Não foi nada, Senhorita Vance. — Ele gesticula com as mãos. — É o prédio que deve

te pedir desculpas pelo ocorrido. Mas agora já está tudo bem. Pode voltar a ocupar o

apartamento.

E diferente do que eu imaginava, suas palavras não me animam. Não sei exatamente o

porquê, mas o efeito é o completo oposto disso. Por algum motivo, elas me entristecem.

Sei que não faz muito tempo desde que estou morando na república com Alexa, seu

irmão e os meninos, mas só de pensar em voltar a viver sozinha em uma cobertura de dois

quartos, tenho vontade de chorar.

É completamente entediante. E depois que experimentei dividir uma casa com mais

pessoas com idades próximas a minha, percebi que é muito mais divertido.

Talvez eu devesse continuar lá por mais um tempo...

Acho que seria ótimo, até mesmo para o plano de conquistar Asher. Nós continuaríamos

próximos, nos esbarrando em diferentes momentos do dia, e eu continuaria tendo mais

oportunidades para falar com ele.

É isso. Se eu quero que essa coluna saia boa o suficiente para impressionar Samantha,

preciso viver o máximo de péssimas experiências possível. E isso acaba ficando muito mais fácil

quando estou sob o mesmo teto que o meu alvo.

É um plano irreversível. E se eu prometi para a minha chefe que mergulharia de cabeça

nele, tenho que me esforçar ao máximo para ir até o fim.

solto:

Com esse pensamento em mente, me viro para Gibson, abro um sorrisinho nos lábios e o

— Ainda vou passar mais alguns dias fora, mas estarei de volta em breve. Vou apenas

pegar algumas coisas antes de ir.


Ele assente, demonstrando ter entendido. E quando o vejo sumir pelo elevador, após nos

despedirmos, faço exatamente o que falei. Entro em casa, fechando a porta atrás de mim, e vou

até o meu quarto, abrindo o guarda-roupa para pegar algumas peças para os meus próximos dias

na república.

Encho tanto a mala, que preciso pressionar meu joelho sobre ela na hora de fechar o

zíper. E quando estou prestes a colocá-la no chão e ir embora, sinto o celular vibrar no meu

bolso.

O pego, me surpreendendo ao me deparar com uma mensagem de Asher.

Asher: Tem algum compromisso hoje à noite?

Franzo o cenho, completamente confusa ao desbloquear a tela para responder.

Eu: Não. Por quê?

Asher: Me manda o endereço do seu trabalho.

Ignoro o toque incessante do meu celular enquanto tento me conter para não socar a cara

do entregador de comida.

É oito da noite e observo os vários carros passarem na rua em frente ao prédio onde o

escritório da revista se localiza, enquanto tento não ser engolida pela quantidade exorbitante de

pessoas que andam pela calçada, voltando do trabalho. A lua já ocupa o céu, que, quase sem

estrela nenhuma, parece extremamente calmo.

Um contraste perfeito com o sentimento que se intensifica em mim assim que fito o

motoboy que segura o jantar de Ava e Samantha à minha frente, enquanto me esforço para me

lembrar de que violência é crime.

— Só aceitamos dinheiro — repete o idiota, pela milésima vez nos últimos cinco

minutos.

Eu poderia muito bem matá-lo.

— Moço, pelo amor de Deus! Peço comida com vocês quase todos os dias da semana. Só

esqueci o dinheiro lá em cima hoje, mas tenho cartão. Se não aceitar, prometo que te pago

amanhã, quando passar aqui de novo.

Sua expressão não muda com minhas palavras, muito menos com a feição triste que forço

na tentativa de comovê-lo. Muito pelo contrário. Ele enrijece a postura, como em um jeito

silencioso de me dizer que não, não vou conseguir convencê-lo a nada.


Sinto vontade de chorar.

Não sei o que aconteceu, mas hoje tudo parece de ponta-cabeça na revista. Samantha está

enlouquecendo. E quando isso acontece, Ava também surta. E quando Ava surta, toda a sua

equipe surta. E quando toda a equipe surta, a estagiária quase infarta.

E nesse caso, eu sou a estagiária.

E estou mesmo quase infartando.

— Por favor... — Espremo os olhos para ler o nome do entregador no broche preso ao

seu uniforme. — Marcus. É sério. Tenha piedade. Juro que faz bem ajudar os outros às vezes. É

um caso de vida ou morte. Se eu não subir com o jantar das minhas chefes, elas vão me matar.

Estão em um dia horrível. Pense se fosse com você. Se os papéis fossem invertidos. Eu iria te

ajudar!

Falo tudo tão rápido, que sequer me lembro de respirar. E quando termino, estou

completamente ofegante.

Ainda sendo um babaca completamente frio, Marcus sequer se movimenta.

Bufo quando sou atingida por uma onda gigantesca de frustração e desespero. Meu

celular volta a tocar, o nome de Ava se acendendo na tela. E decido fingir não ver, porque prezo

pelo meu emprego e é melhor adiar a bronca que está por vir por pelo menos alguns minutos, se

possível. Meu horário de trabalho já chegou ao fim. Só preciso pegar esse jantar, entregar para

elas e ir embora desse caos.

— É sério, Marcus. É uma questão de vida ou morte — insisto mais uma vez, minha voz

transbordando desespero. Forço um sorriso no rosto ao ter uma ideia. — Eu te pago o triplo

amanhã. Até tiro essa grana do meu próprio salário.

Lentamente, ele nega com a cabeça.

— Só aceito o pagamento hoje e em dinheiro — fala. — Você tem mais dois minutos

para pagar antes do limite de espera acabar. Se isso não acontecer, vou embora.

E mais uma vez, sinto como se tivesse tomado um tiro no peito.

Merda.

Não conseguiria subir até o escritório da revista, pegar dinheiro e voltar para cá em dois

minutos nem se eu fosse o The Flash. A Samantha fica literalmente no último andar de um dos

prédios comerciais mais altos de toda a Toronto.

É impossível.

Dominada pelo desespero, penso em me ajoelhar aos pés de Marcus, agarrar suas pernas

e o chacoalhar enquanto choro. E realmente estou cogitando colocar essa ideia em prática quando

sou surpreendida por uma voz grossa e extremamente conhecida por mim.

— Oi. Quanto é?

Deslizo meus olhos até Asher, os arregalando um pouco no instante em que meu cérebro

processa a sua presença. Mas o que...

— Vinte e nove dólares — responde o entregador, curto e grosso como sempre.


Um sorrisinho se estampa no rosto de Hartford quando ele tira a carteira do bolso de trás

da sua calça, a vasculhando em busca do dinheiro. E assim que entrega as notas ao Marcos, sinto

como se uma bigorna tivesse acabado de ser afastada dos meus ombros, meu corpo todo

relaxando no mesmo instante.

— Tenha uma boa refeição — Marcus deseja, finalmente entregando a sacola em minhas

mãos antes de sair andando, se perdendo em meio à multidão.

Fechando os olhos, suspiro, completamente aliviada.

Minhas pálpebras se separam no momento em que ouço a risadinha de Asher.

— De nada, ruiva — responde ele, mesmo que eu ainda não tenha dito nada, dando dois

tapinhas de leve no meu braço.

— Obrigada — agradeço. — É sério. Eu estava prestes a morrer.

Asher ri mais uma vez, achando graça de toda a situação.

E é então que eu volto a me dar conta do que está acontecendo, meu cérebro

completamente devagar, graças ao caso de vida ou morte. Encarando seu rosto, minha testa se

franze em confusão.

— O que é que você está fazendo aqui?

Os olhos de Asher se acendem quando ele inclina a cabeça, abrindo o sorriso mais

cafajeste que já vi na vida. E é só então, que me lembro da mensagem que ele me mandou mais

cedo.

— Não é óbvio? Vim te buscar para a gente sair.


— O que acontece depois que ele sobe a torre e a salva?

— Ela o salva de volta.

— UMA LINDA MULHER

Eu pesquisei no Google. Parque de diversões são um dos locais mais procurados para um

encontro romântico, perdendo apenas para os cinemas e restaurantes.

O motivo disso? Não faço ideia. Provavelmente é a primeira escolha de pessoas que

ainda não construíram muita intimidade. Sabe, é um local com muitas atividades, o que dificulta

que um silêncio constrangedor domine o encontro e tudo acabe indo ralo abaixo.

Ficou sem assunto? Bora se pegar na roda-gigante!

É uma boa tática.

Ao menos, se sua acompanhante não morrer de medo de altura.

— Acho que minhas mãos estão tremendo. — É o que uma Verena em desespero, solta,

assim que a cabine em que estamos se aproxima aos poucos do topo da roda-gigante, ainda em

sua primeira volta.

— Poderia perceber isso, se elas não estivessem ocupadas demais tentando quebrar meus

dedos — respondo, esperando receber um olhar afiado em troca.

Mas nada acontece.

Sentada ao meu lado e mantendo os olhos fechados enquanto praticamente amassa meus

dedos com os seus, Verena continua aparentando estar prestes a ter um ataque.

Me endireito no assento, me arrependendo no mesmo instante. Meu rápido movimento

faz a cabine balançar um pouco sob nossos pés, e Verena solta um gritinho, se mantendo


completamente imóvel.

Respiro fundo.

— Escuta, ruiva. Estamos seguros. Só esta noite, dezenas de pessoas já estiveram na

mesma cabine que a gente, e todas elas saíram bem e vivas. Não vai acontecer nada.

— Não tem como você ter certeza disso — devolve ela, ainda de olhos fechados.

A pego de surpresa ao me aproximar, deslizando pelo banco. A lateral dos nossos corpos

se colide, e posso jurar perceber Verena prender a respiração.

— Confia em mim, tá legal? — peço.

Ela solta uma risada, outro sentimento sem ser medo atravessando seu semblante pela

primeira vez desde que entramos na cabine.

— Asher, você bateu a cabeça? Sabe que está dizendo isso para mim, não é?

Sorrio, porque ela tem razão.

— Certo, tudo bem, mas pelo menos esta noite confie em mim — reformulo a frase.

Verena não responde, e entendo isso como algo positivo. — Se lembra de quando éramos

crianças e nossos pais costumavam nos levar para Toronto Islands, para assistir ao pôr do sol?

Ela concorda com a cabeça, ainda focada em apertar os olhos o máximo possível, como

se não enxergar nada fosse capaz de diminuir a sensação de medo, mesmo que minimamente.

— Era lindo. Você odiava andar de balsa, mas amava estar lá para assistir as luzes da

cidade se acenderem — recordo, sendo invadido por memórias distantes. — Era um dos nossos

passeios favoritos.

— Sempre achei Toronto perfeita quando escurece — Verena fala o que eu já sei.

Um sorrisinho se abre em meus lábios, nostalgia me consumindo por completo.

— Pois é, ruiva, agora imagina a mesma visão, só que de cima — falo, olhando ao meu

redor, através das paredes de vidro. E como em um timing perfeito, nossa cabine atinge o ponto

mais alto da roda-gigante. — Acredite em mim. É extremamente lindo.

Verena não diz nada de início, como se estivesse processando minhas palavras. De

repente, sinto a pressão com que aperta meus dedos diminuir. E lentamente, após respirar fundo

várias vezes para criar coragem, ela abre os olhos.

E sua reação é linda. Ela é linda.

Fascínio toma sua expressão, e os flashes de luzes coloridas do parque refletem em seu

rosto. Verena se inclina sobre a barra de metal que nos protege, seus olhos azuis se arregalando,

como se fosse uma criança entusiasmada ao conhecer algo novo.

Só percebo que estou sorrindo ao observá-la quando ela se vira para mim, seu olhar me

encontrando.

E quando penso que Verena vai me agradecer por tê-la convencido a apreciar a vista, ela

me surpreende ao soltar:

— A parte boa é que, diferente do que fez em Toronto Islands, quando me jogou na água,


aqui você não pode me empurrar para lugar nenhum.

A gargalhada que escapa da minha garganta é completamente genuína, impossível de ser

contida.

Me lembro como se fosse ontem. Eu tinha nove anos, e Verena e Alexa tinham sete. Era

final de semana e nossas famílias estavam mais grudadas do que nunca. Nossos pais estavam

conversando com um casal de turistas da Austrália, completamente distraídos, quando me

aproximei de Verena por trás e a empurrei no Lago Ontário.

Ela ficou encharcada e chorou durante horas. E mesmo que depois eu tenha recebido um

soco de Alexa e que tenha ouvido minha mãe brigar comigo por horas, valeu a pena.

Irritá-la sempre foi a minha atividade favorita.

— É sério, Asher! — Verena me repreende enquanto rio, sua expressão indo de uma

extremamente feliz, para uma completamente furiosa em questão de segundos. — Você é o pior

ser humano que já existiu na face da Terra.

— Minha nossa, ruiva! — Finjo estar lisonjeado. — Acho que essa é a coisa mais legal

que já me disseram em toda a minha vida.

Verena fecha a cara, me mostrando o dedo do meio.

— Você é um idiota.

Sorrio, sem conseguir me controlar.

— Eu sei. — Levo meus dedos até seu queixo, segurando seu rosto. Sendo pega de

surpresa, ela engole em seco, névoa tomando seu olhar. Deslizo meus olhos até a sua boca, os

prendendo ali. — E mesmo assim, você quase me beijou.

Completamente paralisada, ela pisca várias vezes, demorando alguns segundos até

retornar à normalidade. E quando seu cérebro parece descongelar, me dá um tapa no braço, me

obrigando a afastar meu toque do seu rosto.

— Viu? Um idiota! — exclama, me arrancando uma risadinha.

O restante do passeio é tranquilo. Vance sequer parece se lembrar do medo que estava

sentindo, focada demais em observar tudo ao nosso redor. Desde o parque, que vai mudando de

tamanho abaixo de nós à medida em que giramos, subindo e descendo, até a cidade e as estrelas.

Em determinado momento, quando estamos no topo, ela se encolhe de frio, e não hesito

antes de tirar meu próprio moletom, o entregando a ela. Vi isso em um filme uma vez, e parece

ser uma boa tática, já que seus olhos se arregalam em surpresa, mas ela logo aceita e agradece

antes de desviar o olhar e abrir um sorrisinho bobo que jura que não estou vendo.

Por mais que não estejamos, de fato, dando o nome de encontro à nossa noite, é isso o

que ela é. E nunca tive um desses antes. Nunca me dei ao trabalho de impressionar nenhuma

garota. Elas faziam isso sozinhas. Se apaixonavam por mim sozinhas. Quer dizer, não por mim,

mas pelo meu nome. Pela minha posição no time, pelo dinheiro do meu pai, pela minha fama na

universidade, meu futuro promissor... Nunca pelo Asher de verdade.

E por isso nunca encontrei nenhuma que valesse a pena trazer para uma noite diferente

assim.


Mas como meu plano é conquistar Verena, essa foi uma ótima ideia. E ela parece estar

gostando.

Sequer saímos da roda-gigante direito quando Vance segura a minha mão, passando a me

puxar em direção a uma barraquinha de jogo de dardos. Sua força é tanta, que quase caio no

meio do caminho.

— A Rapunzel, Asher! Eu quero a Rapunzel! — ela exclama, apontando para a princesa

de pelúcia, pendurada no painel de brindes, em uma parte no alto da barraca.

Tentando não me mostrar surpreso diante da sua animação sobre uma pelúcia, tiro a

minha carteira do bolso e ergo meus olhos para o dono da barraca.

— Quanto é?

— Cada par de dardos é cinco dólares — responde o senhor grisalho de

aproximadamente uns cinquenta anos.

— Acho que você é a única pessoa da nossa idade que anda com dinheiro vivo na carteira

— comenta Verena, me fazendo rir ao entregar uma nota de dez ao Senhor.

Ele não demora para nos dar quatro dardos, desejando boa sorte.

— Para conseguir a Rapunzel, é preciso acertar pelo menos dois dos alvos do fundo —

diz, deixando claro que ouviu Verena gritar animada sobre querer a pelúcia.

Acontece que, assim como todas as barraquinhas de jogos, essa também tem como

objetivo principal arrancar dinheiro das pessoas que a jogam, arquitetando uma estrutura

praticamente impossível. Como quase todo mundo sempre fica de olho nos melhores prêmios,

eles dificultam ao máximo a sua conquista, fazendo com que cada pessoa gaste horrores em

dardos, até conseguir e, no fim, lucram bem mais do que deveriam.

São seis fileiras de alvos no total. E posicionados em ordem decrescente, os da frente são

bem maiores que os últimos. Quando digo bem maiores, quero dizer mesmo. A diferença é

gritante.

Chega a ser ridículo.

— Não vou conseguir acertar isso nunca — reclama Verena, se preparando para jogar o

seu primeiro dardo.

Mantendo o cotovelo erguido, ela fecha um dos olhos, se concentrando em um dos três

alvos minúsculos do fundo. E quando joga o dardo, erra completamente. Sua feição murcha no

instante em que ela o assiste se desviar, caindo no chão.

Bato uma palma, exatamente como o Treinador Mack faz quando quer nos incentivar a

continuar de cabeça erguida durante os treinos e jogos.

— Vamos lá, ruiva! — Tentando animá-la, é o que exclamo.

E funciona, porque, sorrindo, Verena me encara rapidamente antes de ir para a sua

segunda tentativa. Como da primeira vez, ela erra o nosso foco. Mas dessa vez, acerta um dos

alvos do meio.

— É impossível — sussurra ao passar ao meu lado, preocupada em não deixar o dono da


barraquinha escutar.

Um sorrisinho se estampa em meus lábios quando paro sobre a marcação no chão, que

limitando a área de onde deve-se jogar os dardos, deixa a brincadeira minimamente mais justa.

Demoro um pouco até calcular a distância de onde estou para os últimos alvos, me preparando

para atirar.

E quando finalmente lanço o primeiro dardo, eu acerto.

Verena grita em surpresa, levando suas duas mãos para tapar a boca imediatamente, se

dando conta do que fez. Algumas pessoas ao nosso redor nos encaram, graças ao grito dela. E

enquanto eu rio, observo a feição surpresa do senhor da barraquinha.

Nunca duvide de um capitão de um time de hóquei universitário, senhor, é o que penso

em dizer.

Nada nunca vai ser mais difícil do que controlar todos aqueles trogloditas que eu chamo

de amigos. Além de que, com o esporte, desenvolvo várias habilidades. E ter noção de força e

distância são algumas das principais.

Me preparo para atirar o próximo dardo, redobrando a atenção. É a minha segunda

chance. E se quero conseguir a Rapunzel para Verena, preciso acertar as duas.

Quase fico surdo no instante em que lanço o dardo e, lentamente, o assisto atingir outro

alvo. Dominada por um pico de animação e surpresa, a atenção de Verena corre para longe de

mim no instante em que o homem de cabelos grisalhos aparece com a Rapunzel de pelúcia. Um

sorriso de orelha a orelha toma seus lábios, e, por alguma razão, sinto o coração se amolecer um

pouco ao vê-la completamente radiante.

Ela sequer hesita antes de se afastar para pegar a pelúcia, me deixando para trás.

Aproveito seu afastamento repentino para sorrir.

— Foi um presente — falo, quando voltamos a andar pelo parque, em meio a algumas

pessoas. Os olhos azuis acinzentados de Verena se focam em mim. — Sabe, como pedido de

desculpa pelo dia que te empurrei no lago, há 13 anos.

Ela levanta as sobrancelhas, divertimento atravessando seu rosto.

— Se for me dar um presente por cada vez que fez algo terrível comigo, vai continuar me

presenteando durante toda a sua vida, Asher — pontua, me obrigando a morder um sorriso.

— Tem razão.

— Mas, se for isso o que você quer, não me importo — brinca. — Sabe, não ligo de

ganhar coisas de graça...

Solto uma risadinha.

— Não sabia que gostava tanto assim desse filme — a observando segurar a Rapunzel,

comento. Dou de ombros. — Eu nunca assisti.

De repente Verena me encara em choque, como se eu tivesse cometido um crime. Em um

piscar de olhos, sua expressão é substituída por um entusiasmo exagerado. E enxergando nos

seus olhos quando uma ideia passa a se formar em sua cabeça, me arrependo da minha última

fala no mesmo instante.


Lá vem...

— A gente precisa assistir! — exclama ela.

Franzo a testa, a encarando como se estivesse completamente maluca.

— Enrolados? Nem morto, ruiva.


— Você é meiga. E sexy.

E está loucamente apaixonada por mim.

— 10 COISAS QUE EU ODEIO EM VOCÊ

Eu estou assistindo Enrolados.

Nunca pensei que isso aconteceria em toda a minha vida, mas aqui estou. E o pior é que

eu estou gostando, por mais que jamais vá admitir isso para ninguém.

Muito menos para Verena, que com os olhos cravados na tela da televisão da nossa sala,

assiste à cena das lanternas flutuantes e se esforça ao máximo para não chorar quando Rapunzel

e José Bezerra soltam as suas próprias lanternas no ar.

Sentado em outro sofá, junto a Sebastian, cruzo os braços e travo o maxilar, me

esforçando ao máximo para manter a pose de quem finge estar odiando a história. Sou Asher

Hartford, afinal. Não me emociono com conto de fadas.

Certo?

É quase cinco da tarde e Alexa foi para o rinque onde trabalha, dizendo que sua chefe, a

Bella, queria conversar, e não faço a menor ideia de onde Joseph se meteu. Ou seja, apenas

Sebastian e eu estamos sendo torturados em frente à televisão.

Acontece que ontem à noite, quando Verena disse para assistirmos o filme, sequer cogitei

a ideia. Estava decidido a jamais aceitar, mesmo sabendo que isso a deixaria feliz e que ganharia

alguns pontinhos com ela, facilitando todo o meu plano. Tudo tem limite, e isso com certeza

estava fora de cogitação.

Mas então, quando Verena tirou um par de ingressos para o jogo de hoje do Toronto

Maple Leafs da sua bolsa e o colocou bem diante do meu rosto, meus olhos brilharam e, em um


passe de mágica, mudei de ideia completamente.

Acho que nesse momento, ganhei o prêmio de “atleta de 22 anos mais ansioso para

assistir um filme de princesa do mundo”.

E não me arrependo nenhum pouco. Os assentos são incríveis. Não sei como Verena

conseguiu ingressos tão bons, ainda mais a essa altura do campeonato, e só um completo maluco

negaria passar por uma tortura encantada, se isso o levasse a alcançar o paraíso.

Era a única alternativa possível.

Sou pego de surpresa quando sinto Sebastian me acertar com uma cotovelada no braço.

Franzindo a testa, o encaro completamente chocado.

— O que foi isso, cacete? — sussurro, sabendo muito bem que Verena me mataria se

minha voz estragasse a música sobre ver enfim a luz brilhar, que agora os personagens do filme

cantam.

Como se buscasse me mostrar alguma coisa, Seb aponta com a cabeça para a ruiva,

sentada em outro sofá. Meus olhos se movem até ela.

— Ela está quase chorando — pontua o meu amigo, sua voz saindo tão baixa quanto a

minha. — Vai lá e resolve isso.

Volto a encará-lo no mesmo instante, confusão me tomando por inteiro.

— O quê?

Me olhando como se eu fosse burro, Sebastian bufa.

— Vai lá e acalma ela.

O vinco que toma minha testa é tão intenso, que não me surpreenderia se minhas

sobrancelhas se colassem permanentemente nas minhas pálpebras.

— E como eu faço isso? — questiono, completamente perdido.

— Com abraços.

— O quê? — Minha voz sai tão aguda, que é impossível manter o tom baixo.

Sebastian não responde. Ao invés disso, como se já estivesse completamente sem

paciência em ter de lidar comigo, ele opta por simplesmente me empurrar para fora do sofá,

quase me derrubando no chão.

O lanço um olhar assassino quando fico de pé, querendo, com todas as minhas forças,

matá-lo.

Ciente de que não tenho outra escolha, endireito a postura antes de encontrar Verena com

os olhos e andar em sua direção.

Ela sequer se movimenta quando me sento ao seu lado, me esforçando para fingir que sei

o que estou fazendo. Seus olhos azuis se mantêm fixos na tela, lacrimejando, e emoção toma

todos os traços do seu rosto.

Completamente sem jeito, deslizo pelo sofá, me aproximando dela cada vez mais. E

quando Verena não faz nada para me impedir, entendo que estou em uma zona segura e resolvo


agir.

Lentamente, passo meu braço em volta dos seus ombros, a puxando para mim. Ela

suspira, se controlando para não chorar ao encostar a cabeça em meu peito.

Estou tão surpreso diante do contato, que posso afirmar que meus olhos nunca se

arregalaram tanto assim em toda a minha vida.

— Essa é uma das cenas mais lindas — Verena diz, suspirando mais uma vez.

Esfrego meu polegar em seu ombro, em um carinho lento.

— Por quê?

— Porque ele afasta o cabelo dela, o colocando atrás da orelha, apenas para olhar para o

seu rosto, quando durante toda a sua vida, as pessoas apenas deram valor ao poder que o cabelo

dela tinha a oferecer.

Lentamente, enquanto assimilo suas palavras, um sorrisinho de canto ganha vida em

meus lábios.

— Acho que quase ninguém acaba reparando nisso. — Olho para baixo, observando os

olhos de Verena brilharem, ainda fixos no filme. — Gosto do seu jeito de pensar.

Ela dá de ombros.

— Eu me atento aos detalhes.

— Seu filho da puta! É por isso que ninguém dá a mínima para você!

Sou obrigado a conter minha risada no instante em que ouço uma Verena completamente

irritada gritar ao meu lado, horas mais tarde. Estamos em meio à Scotiabank Arena, assistindo ao

terceiro e último período do jogo do Toronto Maple Leafs contra o Washington Capitals. No

gelo, um dos jogadores do time de Washington resolveu partir para cima do nosso capitão, dando

início a uma briga. E por mais que no hóquei elas sejam corriqueiras, Verena não parece ter

gostado nenhum pouco.

Travando o maxilar, ela parece furiosa. E no instante em que percebe que há um torcedor

rival próximo a nós a encarando feio, o olha de volta com seus olhos azuis em chamas, quase

como se pudessem faiscar a qualquer instante.

Ele sente a pressão, voltando a manter a atenção no gelo.

E uma risadinha me escapa, porque, meu Deus, quem é essa garota e o que ela fez com

aquela que estava chorando por um filme de princesas nos meus braços, há algumas horas?

— Odeio esse cara. — É o que Verena pontua, no instante em que um dos nossos

jogadores se aproxima da rede dos Capitals e um dos defensores consegue, com uma facilidade

absurda, roubar a posse do disco. — Ele é bom. É absurdamente bom.


Um sorriso se abre em meus lábios.

— O nome dele é Austin Crawford — revelo, atraindo os olhos da ruiva para mim. A

encaro de volta, continuando. — Ele é uma máquina. Um dos melhores defensores da atualidade.

— Aponto para o gelo, e seu olhar me segue sem dificuldade, já que estamos extremamente

próximos ao rinque. — Está vendo aquele cara grandão ali?

— Sim, o Caden Prescott. — Verena me impressiona ao saber. Ela sorri, voltando a me

encarar. — Ele eu conheço.

— Os dois são melhores amigos — esclareço. — Os vejo como figuras paternas.

A ruiva ri diante da minha fala.

— Cuidado para não babar, quando for jogar contra eles daqui a alguns anos. — Seus

olhos me deixam, voltando a se focar no gelo.

E eu continuo encarando seu rosto, sentindo meu coração se derreter um pouco, meus

lábios sendo tomados por um sorrisinho impossível de se controlar.

Gosto de como ela acredita em mim.

E gosto ainda mais de vê-la vestindo uma jersey de hóquei. Mesmo que ainda não seja

uma com o meu sobrenome e número estampados, já que estamos assistindo um jogo da NHL e

ainda estou bem longe de estar aqui, é uma do Toronto Maple Leafs que estava no meu guardaroupa.

E Verena fica absurdamente linda nela.

— Vamos lá, Leafs! Temos mais três minutos! — É o que grita o cara no assento ao meu

lado, apreensão tomando cada uma das suas palavras.

Estamos no final do terceiro período, e posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que fazia

muito tempo que não assistia a um jogo tão acirrado quanto esse. Durante os últimos dezessete

minutos inteiros, ninguém pontuou, deixando que o jogo continuasse no 2 a 2. Se nada acontecer

nos minutos finais, teremos que encarar o overtime, e não sei se tenho coração para isso.

Acontece que em casos de empate, após os três períodos, caso os times estejam com a

mesma quantidade de gols, é dado um acréscimo de cinco minutos. A partida é encerrada quando

algum dos times pontua primeiro.

E geralmente é tudo tenso para caralho.

— Acho que vou colapsar — solta uma Verena extremamente nervosa, roendo as

próprias unhas.

Sorrindo, é então que eu decido que ela é minha companhia preferida para assistir aos

jogos dos Leafs. Sebastian e Joey nunca são tão expressivos assim.

A arena inteira vai à loucura quando, em uma jogada incrível, o Center do time de

Toronto finalmente marca, honrando o fato de quase todo mundo ao meu redor estar usando o

seu número estampado nos uniformes. Inclusive eu. 34 deveria estar nos livros de história, com

toda a certeza do mundo.

3 para os Leafs, 2 para os Capitals.


Quando o apito final soa, oficializando o fim da partida, grito tanto que minha garganta

dói. Verena parece fora de si, completamente radiante ao erguer seus braços, os rodeando em

volta do meu pescoço.

Sou pego de surpresa, meus olhos se arregalando, mas não me afasto.

O que faço é o completo oposto disso.

Ouvindo a animação dos torcedores preencher a Scotiabank Arena por completa,

escorrego minhas mãos até a cintura da minha acompanhante. E deixo que um sorrisinho tome

meus lábios quando Verena fica na ponta dos pés e estala um beijo de leve na minha bochecha.

— Hmm, certo, deixa eu pensar. — Andando ao meu lado enquanto caminhamos pelos

arredores da Arena dos Leafs, a caminho do meu carro, Verena leva a pazinha do seu sorvete de

caramelo até a boca. — Você prefere passar a vida toda com o nariz entupido ou deixar de usar

seus pés para sempre?

Deixando meu sorvete de menta de lado, estalo a língua no céu da boca.

— Passar a vida com o nariz entupido, com toda certeza — afirmo, sem sombra de

dúvidas. — Preciso dos meus pés para patinar.

Verena aponta para mim com a pazinha.

— É, você tem um ponto. — Ela dá de ombros, voltando a comer o seu sorvete. —

Mesmo assim, deve ser horrível.

— Não mais do que não conseguir nunca mais andar — pontuo. — Minha vez. O que

você prefere, ruiva, beijar todos os caras com quem você já saiu na sua vida de novo, ou reagir

com o dobro de intensidade diante de tudo?

Verena ri baixinho, comendo mais um pouco do sorvete.

— A primeira opção, com certeza.

Franzo a testa, meu olhar encontrando o seu.

— Tem certeza? Você já deve ter se envolvido com caras péssimos.

Ela força um sorrisinho, dando de ombros mais uma vez. E pela névoa que cobre seus

olhos de repente, tenho a sensação de que algum pensamento indesejado esteja se abrigando em

sua mente, fazendo morada e a chateando por algum motivo.

— Claro que já, mas ainda assim...

Um grupo de torcedores bêbados passa ao nosso lado, gritando enquanto levantam suas

garrafas no alto. Um deles me cumprimenta, e eu retribuo, o imitando ao erguer meu sorvete. E

assim que volto minha atenção para Verena, a encontro cabisbaixa, todas as linhas do seu rosto

expressando que sua mente está longe, em uma viagem distante.


— Te compro mais um sorvete, se em troca me entregar seus pensamentos — digo

baixinho, atraindo seus olhos de volta para mim.

Algo próximo a um sorriso toma seus lábios.

— Acho que mesmo que eu falasse, você não entenderia.

Levanto as sobrancelhas.

— Está duvidando da minha capacidade de compreensão, Verena Vance?

Ela ri, negando com a cabeça.

— Não é isso. É só que... Sabe, não me imagino tendo uma conversa dessas com você. Te

conheço desde sempre. Sei que não tem nenhuma insegurança. Que é prepotente o suficiente

para achar que não há nada de errado com você...

Franzo a testa, confuso. O que ela disse não está nem perto de ser verdade, mas não é isso

o que importa agora. Opto por ignorar a parte do “prepotente” ao questionar:

— E o que teria de errado com você?

Verena suspira, afastando seus olhos dos meus. Ciente de que não tem muita escolha

além de me falar, ela coloca mais um pouco do seu sorvete na boca antes de, enfim, continuar:

— Muitas coisas. Sabe, falo demais, penso demais, sou criativa demais, sinto demais...

Às vezes acho que tudo que passa por mim acaba se tornando um exagero.

Sorrio, porque ela tem razão. Desde criança, Verena sempre foi uma bomba de

intensidade. Mas isso nunca foi algo negativo. Não faria sentido ser.

— Eu acho isso incrível — comento.

Seus olhos se voltam para mim, agora levemente chocados.

— É sério?

— Uhum.

— E por quê? — Verena questiona, realmente surpresa por me ver elogiando seu jeito de

ser. Logo eu.

— Porque significa que você é verdadeira e vulnerável. E não há nada mais genuíno do

que a vulnerabilidade e se permitir sentir — solto, sendo sincero a cada palavra. Nasci e cresci ao

lado de um homem completamente frio. Meu pai sempre foi terrível em demonstrar seus

sentimentos e odeio ter herdado isso dele. Odeio me comportar exatamente como Jared, em

algumas situações. — Intensidade não é algo ruim, ruiva. Só os tolos acham isso.

Quando chegamos em frente ao meu carro, Verena sequer se move para entrar no veículo.

Ela para de frente para mim, uma expressão pensativa se fazendo presente em cada traço do seu

rosto.

— Acha mesmo?

Concordo com a cabeça, sorrindo ao me lembrar de quando chorou assistindo Enrolados,

há algumas horas, e depois parecia prestes a explodir em raiva na Arena, se transformando em

uma mulher completamente radiante nos minutos seguintes.


— Mesmo. — Sem desviar meus olhos dos seus, abro a porta do passageiro, em um

convite silencioso para que ela entre. Verena finalmente a atravessa e se senta, colocando o cinto

de segurança. Me abaixo, ficando em uma altura que permita com que ela veja meu rosto. — E

você fica linda demais quando está sendo um exagero.

E então, sem ao menos observar sua reação diante da minha fala, bato a porta do carro.


— Eu não estou fugindo.

— Mentira.

— COMO PERDER UM HOMEM EM 10 DIAS

Nunca estive tão confusa em toda a minha vida.

Sentada à minha mesa no escritório da revista, encaro a tela do meu notebook, aberta nos

rascunhos iniciais para a criação da coluna, e falho completamente ao tentar manter meus

pensamentos focados em apenas um ponto. Eles se perdem em uma completa bagunça, me

enlouquecendo sem o menor resquício de piedade.

Não faço ideia do que esteja acontecendo.

Quando Samantha me surpreendeu ao dizer que eu teria que encontrar algum atleta

babaca para vivenciar na pele os 15 motivos para não namorar com um jogador universitário e eu

pensei em Asher, imaginei que seria difícil. Que demandaria tempo, paciência e muito, mas

muito esforço mesmo. Afinal, reverter um profundo ódio que surgiu há 20 anos e apenas cresceu

com o passar do tempo não é nada fácil.

Mas então, do absoluto nada, Asher resolveu se tornar alguém um pouquinho menos

insuportável de se conviver.

Não sei o que aconteceu. Não faço ideia do motivo pelo qual passou a me tratar melhor

nos últimos dias, sem pegar no meu pé, me lembrar do quanto me odeia a cada minuto ou fechar

a cara apenas diante da minha presença.

E por mais que esteja morrendo de vontade de descobrir o que levou essa mudança

repentina a acontecer, tenho medo de perguntar e fazer com que Asher volte aos seus

comportamentos de antes, se dando conta de que está finalmente me tratando como um ser


humano.

Preciso tê-lo por perto. Preciso que tudo continue assim, exatamente do jeito que está.

Preciso que tente me beijar de novo. E preciso, além de tudo, que Asher se apaixone por mim.

Preciso fazer jus a todo o esforço que tive para conseguir esse estágio, e depois para o

esforço que tive para crescer nele. E necessito que Samantha goste de mim. Que goste das

minhas ideias e do meu trabalho o suficiente para querer que eu fique.

Não há negociações.

Tenho que dar continuidade ao plano, pelo menos até completar um mês. Depois desse

período, quando a coluna estiver pronta e finalmente for enviada, tudo voltará a ser do jeito que

tem que ser.

Principalmente o meu relacionamento com Asher.

Não terei mais nenhuma dor de cabeça e muito menos continuarei pensando nele, no seu

perfume, seus sorrisos de lado, suas mãos na minha cintura e em todas as palavras que já disse

para mim na vida durante todos os minutos do meu dia. Sequer vou lembrar de ontem à tarde,

quando me envolveu em seus braços enquanto eu chorava com Enrolados, muito menos da noite,

após o jogo dos Leafs, quando o ouvi dizer que fico linda quando estou sendo um exagero e senti

meu estômago se embrulhar de uma maneira diferente, ficando completamente sem reação.

Odiei o sentimento. Cada segundo dele.

Sou fisgada para longe dos meus pensamentos quando a porta dupla do elevador se abre e

uma movimentação repentina invade o escritório, chamando toda a minha atenção. Rose, a

recepcionista, mantém um sorriso no rosto ao guiar um entregador extremamente alto, de boné

azul e uma caixa de veludo preta nas mãos.

Já estou sentindo meu coração se amolecer ao imaginar que deve ser um presente para

alguma das meninas, enviado por algum pretendente, namorado ou marido. Mas então, Rose dá

meia-volta, passando a caminhar diretamente em minha direção, e eu franzo o cenho, me virando

para trás.

Já é fim de tarde e quase todo mundo já foi embora, restando somente Ava e eu nessa

área do escritório. Depois que foi traída, há quinze anos, Ava jurou que nunca mais se envolveria

com ninguém. E ela aparentava estar firme nessa escolha, agindo como se eu estivesse louca

durante todas as vezes que a disse para dar uma chance ao Robert, o cara do RH.

Meus lábios se curvam em um sorriso, meu corpo todo feliz em saber que finalmente

mudou de ideia quanto a manter seu coração protegido a sete chaves.

Mas não demora muito para que o sorriso morra em meu rosto.

— Senhorita Vance, temos uma encomenda para você. — A voz de Rose invade meus

ouvidos, me fazendo congelar.

Lentamente, enquanto sinto a mais genuína onda de confusão atravessar meu corpo, me

viro, meus olhos encontrando uma Rose sorridente e o entregador parados bem diante da minha

mesa. Uma teoria sobre quem possa ter me enviado a caixa surge em meu cérebro, e Rose não

demora muito para confirmá-la, dizendo:


— Foi o Sr. Asher Hartford que enviou.

E juro que sinto meu coração parar.

Ouço quando a cadeira de Ava se arrasta abruptamente atrás de mim, rangendo contra o

chão, como se minha chefe tivesse se animado ao ouvir o nome do remetente e sentisse a

necessidade de se aproximar às pressas. Ela para ao meu lado, me encarando com seus olhos

completamente arregalados. E quando percebe que estou consumida pelo choque, sem palavras e

incapaz de me mover, resolve agir por mim.

Ava sorri, retirando a caixa das mãos do entregador, ela o agradece, se despedindo. E

assim que Rose e ele se afastam e Ava pousa a caixa de veludo preto sobre a estrutura branca de

madeira da minha mesa, me encarando com seus olhos repletos de expectativa, sinto vontade de

gritar.

— Nosso alvo te mandou um presente — constata ela, dizendo o óbvio.

Suspiro, me recostando na cadeira.

— É, pelo visto sim.

— Que cara é essa? Isso é bom, não é? — questiona Ava, cruzando os braços. Confusão

cruza seus olhos. — Significa que esse tal de Asher já está se rendendo a você. Deveria ficar

feliz com isso.

Suspiro mais uma vez, ciente de que ela tem razão.

— É só que... estou confusa — revelo, finalmente abrindo o jogo. — Asher e eu nos

odiamos desde sempre. Eu o escolhi porque ele é péssimo, e jamais conheci ninguém tão horrível

quanto ele. Não entendo o que está acontecendo entre nós. Pensei que o conquistar seria mais

difícil, mas estamos nos dando bem, porque ele parou de tentar fazer nossa relação ser

insuportável.

Ava franze o cenho, pensativa.

— Certo... E por que exatamente está agindo como se isso fosse algo ruim?

Bufo, sem sequer conseguir me entender.

— Não sei — revelo, finalmente levando as mãos até a caixa de veludo. — Não acho que

é ruim, só que é estranho. Minha cabeça está meio bagunçada.

— Eu entendo. — Os lábios da minha chefe se apertam. — Quer dizer, não, não entendo,

porque nunca passei por nada do tipo. Sabe, nunca tive que fingir gostar de um cara que odeio e

tentar fazer com que ele se apaixonasse por mim para o trabalho, mas imagino que deve ser

estranho. Mas, sabe o que dizem... Temos que enfrentar alguns desafios nesse ramo, se

quisermos ser originais no que criamos.

Concordo com a cabeça, forçando um sorrisinho nos lábios. E então, após tomar uma

respiração profunda, finalmente abro a caixa.

E o que encontro me surpreende por completo.

O longo vestido preto quase me deixa cega, graças a todo o seu brilho exuberante.

Chamativo o suficiente para paralisar todos que o olharem, ele cintila sob a iluminação da sala,


pontinhos pretos e prateados o cobrindo por inteiro.

É lindo. Completamente perfeito.

Sem saber muito bem como reagir, levo meus dedos até um envelope, também dentro da

caixa. O abro, encontrando o recado deixado por Asher.

Para você usar quando formos a um encontro de verdade, depois que eu fizer a minha

prova de quinta-feira.

É meio exagerado e completamente lindo. Perfeito para você.

A.H.

— Será que você pode me ajudar a convencer a mamãe e o papai de me deixarem ter um

coelho? — É o que ouço a voz do meu irmão questionar, assim que chego na república, horas

mais tarde.

Equilibrando o celular no ombro e o colando à minha orelha, tomo o cuidado de segurar a

caixa de veludo com a maior cautela do planeta e bato a porta do carro com o pé, me afastando

dele em seguida.

Durante todo o caminho da revista até aqui, recebi oito ligações de Simon. O trânsito na

cidade estava um caos, e juro que quase bati o carro umas quatro vezes, por estar preocupada

demais com o motivo das suas ligações. Quer dizer, quando seu irmão de treze anos que

geralmente tem como seus únicos assuntos hóquei, carros de corrida e uma completa aversão a

falar no telefone te liga tantas vezes assim, é quase impossível não pensar que algo de ruim

aconteceu.

— É sério que você me ligou quase dez vezes só para falar isso? — pergunto, sem

conseguir acreditar.

— É claro! — Simon exclama, como se essa fosse uma coisa que todo mundo faria. —

Sabe há quanto tempo estou tentando convencer nossos pais de que mereço ter um coelho?

Muito tempo. Não sei mais o que fazer. Tive que apelar para você.

Solto uma risadinha, pousando a caixa de veludo no banco do pequeno jardim, em frente

à porta de entrada da república.

Simon é impossível.

— Certo — falo, agora livre para voltar a segurar o celular. — E o que você quer que eu

faça, exatamente?

ideia.

— Não sei — meu irmão responde. — Você é criativa. Pensei que fosse capaz de ter uma


— Posso pensar em algo — digo. — Mas sabe que vai ficar me devendo uma, não sabe?

— Tipo o quê?

Sorrio, gostando do rumo no qual nossa conversa está tomando.

— A gente fala sobre isso depois, quando chegar no Canadá.

— Tudo bem — responde Simon. — Mas, seja lá o que for, só vou cumprir se você

conseguir o meu coelho. Acordo fechado?

— Acordo fechado.

Ignorando toda a educação que nossos pais o deram, meu irmão desliga a ligação sem

sequer se despedir. Bufo, afastando o aparelho do ouvido. Odeio essa mania dele. Sei que não é

por mal, já que já o vi várias vezes em chamada com seus amigos, enquanto jogavam algum

jogo, eles sempre desligam na cara um do outro. Acho que isso é coisa da idade, no fim das

contas. Deve ser uma nova moda entre os pré-adolescentes que tentam ser rebeldes.

Guardo o celular no bolso de trás da calça, voltando a segurar a caixa de veludo, com o

presente que Asher me deu. Preciso me esforçar um pouco após me aproximar da porta, tentando

destrancá-la sem deixar com que o peso em minhas mãos caia. E assim que finalmente entro na

sala, sou surpreendida ao me deparar com a imagem de Chris Evans estampada na televisão,

enquanto ele interpreta o Colin, protagonista do filme “Qual seu número?”.

Os olhos de Alexa e Joey correm em minha direção assim que notam minha presença.

Sentados juntos no sofá, os dois me recebem com sorrisinhos calorosos antes de voltar a atenção

para o filme. E muito bem aconchegada nos braços de Joseph, Alexa recosta a cabeça em seu

peitoral.

— E aí, Vance? Chegou cedo. — É o que escuto a voz de Sebastian dizer, só então

notando sua presença.

Atrás do balcão da cozinha conjugada à sala, ele sorri para mim, suas grandes mãos

protegidas por luvas verdes de bolinhas brancas.

Devolvo o sorriso, uma fina linha ganhando vida em meus lábios.

— O que está assando? — questiono, já sentindo o aroma doce no ar.

— Cookies. São uma das minhas especialidades — Seb esclarece. — Posso separar

alguns para você, se conseguir fazer isso antes do Joey comer todos escondidos. — Olhando por

cima dos meus ombros, como se buscasse Joseph, seu tom de voz aumenta quando diz a última

parte, e penso que talvez exista uma pequena confusão passada entre eles, envolvendo muitos

cookies e um Joey guloso.

— Ei, eu já pedi desculpas por isso! — devolve Joseph, gritando do sofá. — Foi no ano

passado, cara. Supera, pelo amor de Deus. — Ele se mexe, me encontrando com o olhar. Seu

nariz se enruga. — Ah, e, Vance, espero que não fique brava comigo, mas tive que prender o

Cão no quarto onde você está ficando. O Pato precisava dar uma voltinha. Sabe, tomar um ar e

tal... É importante.

Sem conseguir me controlar, acabo rindo, surpreendendo a todos, inclusive a mim

mesma. Se estivéssemos em outra situação, eu provavelmente ficaria furiosa. Mas isso é


impossível quando literalmente tudo ao meu redor parece um completo alívio cômico. Quer

dizer, quando na minha vida imaginei que chegaria em casa, encontraria um goleiro de quase

dois metros com luvinhas de bolinhas, assando cookies e repreendendo seu amigo como se fosse

uma mãe, e depois ainda teria que ouvir que o pato que temos como bichinho de estimação

precisa dar uma voltinha e tomar um ar?

É simplesmente impossível voltar a enxergar graça na quietude do meu apartamento,

depois de ter experimentado viver com esses garotos.

— Eu amo vocês. — É o que solto, ainda rindo quando chego à escada. — Saibam disso.

— Também te amamos! — devolve Alexa, cantarolando, sua voz estridente me

alcançando enquanto subo os degraus, rumo ao andar de cima.

Sei que aparentemente estou sem quarto por tempo indeterminado, já que Joseph resolveu

que o cômodo onde estou dormindo seria completamente e exclusivamente do Cão, mas tenho

que passar em outro quarto antes, para agradecer Asher pelo presente.

Quando chego ao corredor, meus olhos são fisgados como imãs para o animal deitado

sobre o carpete, que, de olhinhos fechados, descansa. É como se ele não se importasse nenhum

pouco por ter sido azarado o suficiente para ter ido parar nas mãos de um time de hóquei inteiro.

Na ponta dos pés, passo ao lado do Pato, tentando não o acordar enquanto ele — nas

palavras de Joseph —, “toma um ar”. E assim que finalmente paro em frente à porta do quarto de

Asher e a encontro entreaberta, dou duas leves batidinhas, a empurrando logo em seguida.

Sentado em sua cama, rodeado por livros e cadernos abertos e espalhados, Hartford ergue

a cabeça, trazendo seus olhos castanhos até mim. Um sorriso se ilumina em seu rosto, e ele leva

os dedos até a armação redonda dos óculos de grau, a ajeitando sobre a ponte do nariz.

— Oi — o cumprimento, meio sem jeito.

— Oi, ruiva — devolve ele, dando batidinhas no espaço vazio no colchão, logo ao seu

lado, como em um convite silencioso para que eu me aproxime.

Atravesso a porta, entrando oficialmente no cômodo. E levando a caixa do vestido

comigo, me aproximo, me sentando em sua cama.

— Joey me deixou para fora do meu próprio quarto — conto, meus olhos encontrando os

seus. — Ele trancou o Cão lá e soltou o Pato.

Hartford ri.

— Fisher é um idiota — ele fala. — Eu o amo, mas tenho certeza de que há muitos

neurônios faltantes em seu cérebro.

Sorrio de volta, concordando.

— É, isso ninguém pode negar.

O silêncio invade o quarto. Hartford não se move, sequer afasta seus olhos dos meus. Ele

continua me encarando, mesmo que não tenha nada a dizer. E algo em sua expressão me diz que

poderia continuar assim por mais alguns bons minutos, apenas me analisando. Sentindo o peso

do castanho dos seus olhos sobre mim, afasto meu foco, deslizando o olhar para a caixa em meu

colo, e resolvo, finalmente, agradecer pelo presente.


— Eu amei o vestido — revelo, sendo completamente sincera. — É lindo. Mas não

precisava.

Sou pega de surpresa quando o sinto segurar minha mão. Minha boca se abre um pouco,

meus olhos correndo de volta aos seus.

O toque dos seus dedos sobre a minha pele é eletrizante, quase como se pudesse me

queimar. E, merda, odeio a sensação.

Odeio como meu corpo todo responde a ele. Como eu sempre paraliso e me comporto

como uma idiota apenas ao sentir seu toque. Como meus pelos se arrepiam, meu olhar se crava

ao seu, incapaz de se afastar, meu estômago se revira de um modo estranho e como não consigo

sequer me mexer, mesmo que esteja sentindo uma gigantesca vontade de correr e nunca mais

olhar para trás.

ela.

Não sei o que é isso. Essa sensação. Só sei que preciso encontrar um jeito de acabar com

— Falei sério quando disse sobre o encontro de verdade, ruiva — sopra a voz de Asher. E

de repente esse sentimento estranho que me consome, seja ele qual for, ganha ainda mais

intensidade, me sufocando. Seu polegar passa a se mexer, fazendo um carinho preguiçoso em

minha mão. — Quero que saia comigo de novo.

Fico sem ar. Simplesmente não respiro.

Meu coração se acelera e sinais de desespero são enviados para todo o meu corpo. O

cérebro entra em pane, sirenes de aviso sendo ligadas, gritando em minha mente, ensurdecendo

todos os meus sentidos. E durante alguns bons segundos, sequer pisco, chocada demais para

conseguir fazer qualquer coisa.

Mas então, encontro forças para chacoalhar a cabeça, finalmente me libertando do transe

que me consumiu.

Em um pulo, me levanto da cama, me afastando de Asher. Ele franze o cenho, me

encarando em confusão.

E me esforçando ao máximo, abro um sorrisinho completamente forçado em meus lábios,

prometendo de um modo apressado e meio afobado:

— Então use isso como um incentivo para ir bem na prova. Se sua nota for boa, eu saio

com você. Caso contrário, terei que encontrar outra maneira de estrear meu vestido.

Então, simples assim, saio do quarto em passos apressados.

E enquanto pareço prestes a colapsar, deixo um Asher com um sorrisinho bobo para trás.


O amor não é fácil;

é por isso que eles chamam de amor.

— DOENTES DE AMOR

Nunca me senti tão humilhado em toda a minha vida.

Enquanto entro no meu carro, estacionado em frente ao prédio de direito da Toronto

University, afastar a imagem do semblante chocado do Sr. Hamlet do meu cérebro é uma tarefa

impossível. Acontece que quando terminei a prova de direito processual e me levantei, indo até a

mesa dele para entregá-la, fiz questão de olhar no fundo dos seus olhos ao forçar um sorriso e

sussurrar, garantindo que minha voz não chegasse aos ouvidos curiosos dos outros alunos:

trás.

— Eu fui bem, professor. Não vai precisar aceitar dinheiro do meu pai desta vez.

E então, dei as costas e fui embora, deixando Sr. Hamlet e seus olhos arregalados para

Tenho certeza de que fui bem. Certeza absoluta. Não sou um idiota, sei quando meus

esforços valem a pena. E poderia muito bem ter começado a me preocupar em melhorar minhas

notas antes, se ao menos soubesse que estavam ruins. Em outras palavras, se ao menos meu pai

não tivesse se unido aos professores em segredo, para me impedir de refazer o semestre, e tivesse

escondido que a situação das minhas notas não estava nada bem...

Afinal, ninguém pensa que precisa melhorar algo com urgência quando tudo aparenta

estar sob controle.

Afivelo o cinto de segurança antes de dar a partida no carro, levando as mãos ao volante e

manobrando para sair do estacionamento. Temos treino hoje, e mesmo que esteja ciente do

motivo do meu atraso, sei que o treinador Mack deve estar com raiva. Como treinador


universitário, ele é obrigado a tolerar faltas e atrasos gerados por questões acadêmicas, mas não

significa que goste de fazer isso.

Para um cara que tem como sua principal exigência a pontualidade, Mack deve ficar

maluco todas as vezes que nossos cursos tomam um pouco a mais do nosso tempo.

Mesmo em casos como o meu, se tratando de uma prova.

Estou parado em um sinal vermelho, a caminho das instalações de hóquei da

universidade, quando o painel digital do carro se acende. O nome de Verena aparece na tela,

junto à notificação de uma nova mensagem.

Verena: Como foi a prova? Já acabou?

Sorrio, gostando de vê-la preocupada. Em voz alta, mantendo os olhos concentrados na

direção, peço para a assistente virtual respondê-la por mim.

Eu: Fui bem. Isso significa que eu e você temos um encontro.

Verena: Nada disso. Só quando sua nota sair.

Faço uma careta.

Eu: Ah, qual é, ruiva? É sério isso?

Verena: Foi o combinado, Asher. E eu sempre cumpro meus combinados.

Frustrado, peço para a assistente responder apenas com um emoji revirando os olhos,

seguido de um polegar apontado para cima. E durante o restante do percurso até o Centro de

Treinamento dos Blue Dragons, enquanto tento me manter concentrado no volante, deixar de me

sentir ansioso sobre a nota é completamente impossível.

É o meu futuro que está em jogo. Os meus sonhos.

Não posso falhar, muito menos deixar que Jared tenha o gostinho de destruir tudo.

Preciso ter ido mesmo bem.

Se me perguntassem quando foi que meu relacionamento com meu pai se transformou em

uma bagunça completa, não saberia responder. Não me lembro de um período em que tudo não

foi tão difícil. Talvez quando eu ainda era um bebê. Sabe, na única época da minha vida em que

minhas vontades tinham mesmo que ser respeitadas, sem escolha contrária...

Quando elas evoluíram, indo além de apenas dormir, mamar, ter a fralda trocada ou

receber colo, pararam de importar.


Aos olhos do meu pai, o que eu queria parou de importar. E acho que eu também parei, já

que Jared recentemente tem tomado decisões sem sequer pensar se elas me magoariam ou não.

Quando minha mãe estava aqui, era mais fácil de suportar. Não apenas isso, mas todo o

resto. Era ela quem possuía o poder de manter as coisas controladas em casa, na medida do

possível. Quem brigava com o meu pai sempre que ele falava atravessado comigo, sem

necessidade alguma.

Sinto falta dela.

Da sua bondade, dos seus cafunés, dos puxões de orelhas... até mesmo de todas as

sobremesas horríveis que fazia e Alexa e eu fingíamos que estavam ótimas, só para não a deixar

triste.

E daria de tudo para tê-la aqui.

Sendo invadido por uma melancolia indesejada, que se mistura à ansiedade pós-prova e

quase me faz enlouquecer, piso fundo no acelerador, desesperado para chegar à arena, entrar no

gelo e treinar até a exaustão ser o único sentimento a me preencher.

Preciso me distrair.

BLUE DRAGONS SEM O MACK

Joey Fisher: Passando para lembrar que faltam 3 dias, no caso de alguém ter

esquecido...

Norton James: 3 dias para o que mesmo?

Sebastian Porter: Eu esqueci.

Joey Fisher: Cala a boca, Sebastian. Você tá literalmente ao meu lado. E, Norton, são 3

dias para o meu aniversário.

Marvin Ambrose: Isso significa que finalmente teremos uma festa na república do triomaravilha?

A última foi há anos. Parece até que não querem nos receber nunca mais.

Sebastian Porter: É claro, vocês nos traumatizaram.

Joey Fisher: Literalmente derrubaram a televisão no chão e quebraram dois vasos, três


porta-retratos e sete pratos. Eu guardo rancor.

Sebastian Porter: Inclusive, Marvin, você está nos devendo 2 mil dólares.

Marvin Ambrose: Eu já falei que foi sem querer, cara.

Joey Fisher: Ninguém arranca uma televisão da parede e atropela com uma

caminhonete sem querer, seu babaca. Isso não existe.

Paul Smith: Quando vai rolar a festa?

Nathan Sawyer: Nosso amado capitão liberou?

Joey Fisher: Asher não tem que liberar nada. É o meu aniversário.

Eu: Tenho sim. Eu pago as contas da casa.

Joey Fisher: É, tem razão. Meu capitão querido, será que eu posso, por favorzinho, dar

uma festa?

Eu: Só se ninguém arrumar problema.

Joey Fisher: Viu? É por isso que eu te amo!

Sebastian Porter: Escondam as televisões do Marvin!

Marvin Ambrose: HA HA HA muito engraçado.

Nathan Sawyer: Qual vai ser o tema?

Eu: Tema de quê?

Nathan Sawyer: Da festa, ué. Precisamos de um tema.

Joey Fisher: Festa à fantasia, em homenagem ao Asher. Sebastian me contou que ele

amaria ter uma oportunidade para se vestir como um dos personagens do seu mais novo filme


favorito.

Sebastian Porter: Se preparem. Asher vai ficar uma gracinha de Rapunzel.


— O que foi?

— Nada, só estou feliz por ter te conhecido.

— AMIZADE COLORIDA

Após passar mais de uma hora inteira ouvindo o Sr. Vouncher tagarelar sobre a análise de

dados das pesquisas que fizemos para um trabalho, recolhendo opiniões públicas, finalmente me

levanto, assim como os outros alunos da sala. Bocejando, completamente exausta, me alongo

antes de recolher meus materiais e os guardar na mochila.

Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo alto ao sair andando pelo corredor do prédio de

comunicação, me misturando à multidão de alunos enquanto desço as escadas. Quando deixo o

bloco, minha visão é invadida pela claridade ardida do meio-dia, raios fortes de sol apontado

para as árvores e grama do campus, realçando o seu verde.

Me recosto ao corrimão da escada, tirando meu celular do bolso da calça para mandar

uma mensagem para Alexa. Hoje é o único dia da semana em que nossos horários batem, então

sempre nos encontramos para almoçar juntas.

Sei que ela está bem corrida com o trabalho e que ultimamente anda meio sem tempo.

Hoje à noite mesmo, vai ficar até bem mais tarde no Bella’s Rink. Alexa me explicou, dizendo

que uma competição entre as crianças acabou sendo marcada de última hora, ou algo assim...

A sorte dela é que ama o que faz. E que Bella, sua chefe, é bem legal, apesar de estar

abusando muito das suas horas extras de trabalho recentemente.

Mando uma mensagem para a minha melhor amiga, avisando que estou a esperando para

irmos ao Burguer’s, a melhor lanchonete da Toronto University. E sou pega de surpresa no

instante em que uma nova notificação se acende na tela, acompanhada do nome de Asher.


Asher: Oito.

Levo os dedos ao teclado, minha testa se franzindo de leve.

Eu: Oito o quê?

A resposta dele vem logo em seguida.

Asher: É a nota que eu tirei na prova. E também o horário que vou te buscar no estágio,

para irmos ao nosso encontro.

Eu: E quem disse que posso sair com você hoje?

Asher: Eu. Conheço seus horários. Além disso, é uma noite perfeita para jantarmos.

Sebastian vai sair com o time, Joey vai visitar a mãe e Alexa precisa trabalhar. Não teremos que

dar satisfação sobre o nosso sumiço para ninguém, ruiva.

Solto um longo suspiro, meus dedos pairando sobre o teclado enquanto penso em uma

resposta para digitar.

Preciso ir. Mesmo que não queira e mesmo que tudo isso ainda seja confuso para caralho,

sei que preciso.

Ava está certa. Temos que enfrentar alguns desafios nesse ramo, se quisermos ser

originais no que criamos.

Criando coragem, finalmente começo a digitar, mas Asher é mais rápido. Três pontinhos

aparecem na tela, e logo são substituídos por uma nova mensagem.

Asher: Achei que você sempre cumprisse os seus combinados...

Me irrito ao vê-lo usando minhas próprias palavras contra mim.

Eu: Tudo bem. Estarei pronta às oito.

Asher: Ótimo. Não se esqueça de usar o vestido que te dei.

Respirando fundo, me esforço para controlar a ansiedade que me preenche por inteira e se

mistura a um desejo avassalador de fugir.

Você não tem escolha, Verena.


É o seu futuro que está em jogo. A carreira com a qual sonhou desde que era criança.

É tudo ou nada.

— Está pronta? — Me assusto ao ouvir a voz de Alexa.

Ergo a cabeça, a encontrando parada em frente à escada, me esperando com um sorriso

no rosto. E endireitando a postura, me esforço ao máximo para fingir que minha vida não está

uma completa bagunça ao bloquear o celular e descer os últimos degraus, indo ao encontro da

minha melhor amiga.

— Completamente. — O sorriso mais falso do mundo ganha vida em meus lábios.

Entrelaçamos nossos braços, saindo rumo à lanchonete. E enquanto Alexa me conta sobre

o acontecimento hilário que ocorreu em uma de suas aulas esta manhã, finjo rir, como se tudo

estivesse leve e dentro do normal.

Como se eu não tivesse acabado de marcar um encontro com o cara que passei a vida

toda odiando.

irmão.

Como se, daqui a algumas horas, eu não fosse sair para um jantar romântico com o seu

É oito horas em ponto quando o carro de Asher estaciona em frente ao prédio da revista.

Sentindo meu coração bater forte dentro do peito, uso uma das mãos para erguer a barra

do vestido ao sair andando até o veículo, impedindo que a peça se arraste pelo chão sujo da

calçada.

Asher estava certo. O vestido combina comigo. E, somado aos saltos que roubei do

guarda-roupa da minha mãe há pouco mais de um ano, e ao conjunto de brincos e colar que

cintilam em minha pele, ele faz com que eu me sinta verdadeiramente bonita.

Em meio a nossa reunião de hoje, quando contei para Ava e Samantha que teria um

encontro com Asher, as duas se transformaram nas pessoas mais animadas de todo o mundo. É

sério. Nunca havia visto Samantha tão empolgada.

Antes de todo esse plano de conquistar Asher para a criação da coluna, sequer tinha a

visto dar um único sorriso. E agora ela sorri com mais frequência do que poderia pensar ser

possível.

É bizarro.

— Boa noite, Hartford. — É a forma que escolho para dizer “oi”, assim que subo no

banco do passageiro do carro de Asher.

Ele não responde. Muito pelo contrário. Hartford se mantém em silêncio durante todo o

tempo em que afivelo meu cinto de segurança.

Franzindo o cenho diante da sua falta de educação, finalmente me viro para ele,


encarando o seu rosto pela primeira vez esta noite. E me surpreendo ao flagrá-lo petrificado, os

olhos castanhos arregalados e os lábios rosados levemente separados, como se estivesse

completamente sem fôlego.

Como se minha presença tivesse o feito paralisar por completo.

Logo eu.

— Alô? Terra chamando Asher Hartford! — balanço minha mão em frente ao seu rosto,

o fazendo piscar ao finalmente se liberar do transe que havia o consumido por inteiro.

— Desculpe — pede sua voz fraca.

Deslizando os olhos para o volante, Asher dá a partida no carro, e quando finalmente

volta à pista, uma expressão aérea faz morada em seu semblante. Um tanto confusa, observo o

oscilar de sua garganta, assim que ele engole em seco.

Asher está nervoso.

E nunca havia o visto assim antes.

É como se encarar um jantar a sós comigo se igualasse a estar nos minutos finais de um

jogo extremamente importante de final de temporada, quando os dois times estão empatados e

suas vidas dependem de um gol decisivo.

Pigarreando, ainda sem dizer nada, ele leva uma das mãos ao rádio, colocando uma das

suas playlists para tocar. Constellations, da Jade LeMac, invade nossos ouvidos, impedindo que

o silêncio ensurdecedor permaneça dominando o interior do carro, e dou graças a Deus por isso.

Após alguns minutos, quando a música já está chegando ao fim, a voz de Asher

finalmente volta a funcionar. Afasto meus olhos da janela no instante em que ele confessa sem

sequer me encarar, extremamente tenso, como se fosse difícil proferir cada sílaba:

— Está linda, ruiva.

E para a minha surpresa, sinceridade abraça cada uma das suas palavras.

disso.

Não é do feitio de um Hartford economizar na escolha de restaurantes. Sei muito bem

Debruçada sobre a porta do carro, assisto as construções de Yorkville passarem como um

borrão pela janela. É um dos bairros mais caros da cidade, e para mim não é nenhuma surpresa

que Asher tenha escolhido um restaurante justamente nessa área. Costumávamos vir muito aqui,

acompanhando nossos pais quando resolviam unir as duas famílias para jantar fora.

É lindo. E passar por aqui sempre me traz lembranças muito boas.

Asher para o carro em frente ao local escolhido, sorrindo para mim enquanto tira o cinto

de segurança e mantém o carro ligado, facilitando o trabalho do manobrista. Ele sai do veículo às

pressas, correndo ao rodeá-lo e parar ao lado da minha porta, me surpreendendo ao abri-la para


mim.

— Aposto que aquele tal de José nunca abriu uma porta para a Rapunzel — brinca,

oferecendo a mão para me ajudar a saltar para fora do carro. Revirando os olhos, levo minha mão

a sua. E o simples fato de sentir sua pele contra a minha faz com que um arrepio percorra meu

corpo por inteiro, como ondas de choque.

Engulo em seco assim que meus pés atingem o chão, me esforçando ao máximo para

fingir normalidade. Para fingir que um simples segurar de mãos não mexeu comigo, quando sei

muito bem que isso não é verdade.

Tento não pensar demais quando Asher passa a me guiar até a entrada do restaurante. Ele

lança as chaves do carro no ar, agradecendo o manobrista, que a segura com facilidade. E então,

sua mão calejada me surpreende ao se pousar em minhas costas, na parte em que o vestido não

cobre. Minha garganta dá um nó, a onda de eletricidade atravessando meu corpo sem pudor

algum. Asher faz uma leve pressão em minha pele, me incentivando a continuar andando, a

caminho da entrada do restaurante.

— Não precisa prender a respiração toda vez que te toco, ruiva — aproximando os lábios

do meu ouvido, ele sussurra.

E só então percebo que estava mesmo sem respirar.

Merda.

— Estava respirando muito bem — minto descaradamente, o ouvindo soltar uma

risadinha rouca em resposta, ainda atrás de mim. — Quem ficou sem ar foi você, assim que

entrei no seu carro.

Sequer preciso encarar Asher para saber que há um sorrisinho instalado em seus lábios. O

conheço bem o suficiente para saber disso apenas pelo seu tom de voz.

— Digamos que eu tenha escolhido o vestido certo para você... — sopra ele, ainda perto

do meu ouvido. — Não tenho problemas em admitir que te ver usando ele mexeu comigo.

E de repente sinto meu estômago se embrulhar de uma maneira diferente. Exatamente

como aconteceu depois do jogo dos Leafs, quando Asher confessou me achar linda quando estou

sendo um exagero.

É como se várias borboletas ganhassem vida dentro de mim, suas leves e agitadas asas

batendo no meu interior.

Desculpa, corpo. Não é minha culpa. Eu juro. É dele.

— Assim como também não tenho problemas em admitir que sei que você me quer.

Consigo ver nos seus olhos. Noto como seu corpo reage a minha proximidade — continua ele,

assim que finalmente passamos pela entrada do restaurante. A recepcionista sorri para mim, e eu

retribuo, me esforçando para não aparentar estar derretendo diante das palavras que Asher solta

em seguida, sua voz rouca ainda no pé do meu ouvido. — Você me deseja, ruiva. E isso está te

matando.

De repente sinto como se todas as minhas partes explodissem.

Um tanto desesperada, pigarreio, me desvencilhando do toque de Asher ao dar um passo


para frente. E sem sequer olhar para ele, me aproximo da recepcionista, precisando reunir todas

as minhas forças ao dizer:

— Uma mesa para dois, por favor.

— Vocês fizeram reserva? — questiona ela, com sua prancheta nas mãos.

Me viro para trás, meus olhos encontrando Asher pela primeira vez desde que descemos

do carro. Sorrindo como se estivesse se divertindo como nunca, ele concorda com a cabeça.

— Está no nome de Asher Hartford — diz.

A mulher leva alguns segundos até encontrar nossa reserva na lista quilométrica de

nomes em sua prancheta, e é ágil ao nos levar até nossa mesa, logo em seguida. Ela sorri durante

o trajeto para atravessar o restaurante, sendo receptiva e gentil. E quando finalmente chegamos à

mesa, não demoro para me sentar, com medo de que Asher resolva agir como um cavalheiro

mais uma vez, puxando a cadeira para que eu me sente e, de novo, me fazendo congelar, me

arrepiar ou agir como uma idiota apenas diante da sua proximidade.

Não sei o que está acontecendo comigo. Acho que meu cérebro acabou confundindo

tudo, e agora pensa que todo esse plano de conquistar o inimigo precisa me fazer sentir coisas.

Não, não precisa.

Tenho que ser uma rocha diante de Asher, mesmo que ele seja incrivelmente lindo.

Mesmo que saiba exatamente o que dizer, como agir, como segurar a merda da minha cintura ao

me impedir de cair no gelo, e como me deixar sem ar.

Ele é o inimigo, afinal. Apenas estamos nos dando bem momentaneamente, graças ao

meu plano.

Quando tudo isso acabar, vamos voltar a ser a Verena e o Asher de sempre.

Tenho certeza disso.

— O que quer pedir? — pergunta ele, do outro lado da mesa, se escondendo atrás do

cardápio em suas mãos enquanto lê as opções. — Pensei nesse Cordeiro de Canterbury. Aqui diz

ser um prato típico da Nova Zelândia.

Deslizo os olhos pelo meu cardápio, encontrando o prato no qual Asher se referiu.

— É, parece bom — falo, fechando o menu. — Podemos pedir, se você quiser.

Ele assente, levantando um dos dedos no ar e olhando em volta, chamando o garçom. E

enquanto o assisto conversar com ele, pedindo um vinho e o prato principal, me esforço para me

convencer de que nada disso é estranho, em uma tentativa de não enlouquecer.

E daí que estou em um jantar romântico com o cara que eu mais odeio no planeta Terra?

Não é como se fosse o fim do mundo, por mais que às vezes pareça.

É completamente normal.

O garçom recolhe nossos cardápios antes de se afastar, dizendo para nós o chamarmos,

caso precisemos de algo. E voltamos a ficar sozinhos novamente.

Hartford sorri ao me encarar, tombando a cabeça levemente para o lado.


— Só para você saber, temos uma festa no sábado. É aniversário do Joey, e vamos

comemorar quando voltarmos de Windsor, depois de um jogo contra os Lancers — esclarece. —

Já comprei as nossas fantasias.

Me engasgo com a minha própria saliva.

— Espera aí! Nossas fantasias? — Minha voz sai aguda, completamente em choque.

O sorrisinho de Asher dobra de tamanho, seus olhos castanhos brilhando, como se ele

estivesse se divertindo horrores com toda essa situação.

— É. Sebastian até me zoou, dizendo que eu seria uma linda Rapunzel, e realmente

cheguei a cogitar a ideia, mas acho que um vestidinho roxo não combina muito com todos os

meus músculos, sabe? — ele brinca. — Ficará mais bonito em você. E eu sou tão bonito quanto

aquele tal de José, até mais, então...

Tentando processar todas as informações, pisco várias vezes, meu cérebro trabalhando

em lentidão.

— A gente vai para a festa de Rapunzel e Flynn Rider?

Asher faz que sim com a cabeça.

— Vamos.

— Juntos? — indago, a confusão que sinto em meu interior sendo representada em meu

tom de voz, que sai mais agudo do que o habitual.

— Juntos.

— Tipo, para todo mundo ver? — continuo com as perguntas, sem saber muito bem o

que achar de tudo isso.

Asher ri baixinho.

— Sim, ruiva, juntos. Para todo mundo ver.

Puta que pariu.

Entro em desespero. Penso em negar, chamá-lo de maluco e questionar o que caralhos

aconteceu para ter mudado seu comportamento comigo de forma tão drástica, mas mordo a

língua, sentindo que estou prestes a explodir ao guardar todos esses questionamentos e

exclamações apenas para mim.

De repente, a imagem de uma Samantha feliz ao ler a ideia da minha coluna ressurge em

meu cérebro.

“15 motivos para não namorar com um jogador universitário? Simplesmente perfeito!”,

foram suas exatas palavras naquele dia.

E com isso em mente, me endireito na cadeira, me esforçando ao máximo para abrir o

sorriso mais falso que consigo em meu rosto. E então, agindo como se ir a uma festa com Asher

Hartford com fantasias combinando e revelar para todo mundo que nós estamos saindo fosse a

melhor ideia do mundo, solto, surpreendendo tanto a Asher quanto a mim mesma:

— Eu vou adorar. — Cada palavra tem um gosto amargo em minha língua.


Mando o amargor embora alguns minutos depois, quando o garçom nos traz uma garrafa

de vinho e bebo uma taça inteira em uma velocidade impressionante, necessitada de álcool para

não enlouquecer por completo.

seria.

Por incrível que pareça, o restante do jantar não foi tão insuportável quanto pensei que

Nós comemos, bebemos, conversamos e rimos. No início, o clima ainda estava um pouco

pesado. Não estava conseguindo me sentir confortável, e acho que Asher percebeu isso. Mas

então, quando ele começou a contar sobre o dia em que ele e os caras colocaram pó descolorante

no shampoo de Joseph, no vestiário da arena, e o fizeram sair da ducha com o cabelo quase

inteiramente branco, fiquei tão imersa na história, que acabei me soltando.

E depois disso, as coisas foram até... boas.

O prato que escolhemos era incrível e o vinho também. Asher não bebeu quase nada, já

que é ele quem vai dirigir de volta para casa e não quis arriscar. E nossas conversas foram tão

leves, que estava sorrindo sem nem perceber.

É estranho, mas admito que não foi uma noite ruim. Assim como no parque de diversões

e no jogo dos Leafs, foi divertida.

E boa. É, foi boa. Não sei exatamente como, mas foi.

E o mundo parece estar de ponta-cabeça por conta disso.

— Sabe que não precisava ter pagado a conta inteira, não é? — É o que solto, já do lado

de fora do restaurante, enquanto esperamos o manobrista aparecer com o carro de Asher. O vento

frio da noite sopra contra o meu corpo, e me encolho um pouco, congelando. — Eu poderia ter

ajudado. Não me importo com isso.

Me encarando fixamente, Asher tira o seu smoking, uma linha fina se curvando em seus

lábios.

— Eu sei, ruiva, mas dinheiro não é problema. Não esquenta. — Ele me surpreende ao

parar na minha frente e, cuidadosamente, me rodear com seus braços para colocar o casaco preto

do seu traje social em meus ombros.

Seguro a peça, me encolhendo dentro dela para me aquecer.

— Obrigada. — Meus olhos encontram os de Asher, um sorrisinho crescendo em meus

lábios.

Um sorrisinho que não dura muito. Porque, no instante que enxergo o que há do outro

lado da rua, logo atrás de Asher, ele morre. Eu congelo, sendo invadida por uma onda

avassaladora de confusão.

A figura de uma Alexa sorridente anda pela calçada, abraçada a um Joey ainda mais

radiante. Eles conversam, rindo juntos, como se Joseph estivesse contando uma história


extremamente engraçada. E de repente, quando param de andar, ele a puxa pela cintura, seus

lábios se encontrando.

E o choque que sinto é tanto, que meus olhos se arregalam ao ponto de quase pularem

para fora do meu rosto.

Meu Deus... Horas extras no trabalho e visitar a mãe uma porra!

Eles se afastam, ainda rindo. E qualquer resquício de felicidade deixa o rosto da minha

melhor amiga no momento em que ela percebe a minha presença, seus olhos se encontrando com

os meus, desespero a consumindo por completo.

Asher vai matá-los. Joseph é um Blue Dragon, além de morar sob o mesmo teto que o seu

capitão. E todo mundo sabe da regra que eles têm. Um Blue Dragon não se envolve com um

membro da família de outro Blue Dragon. Isso é quase uma lei no campus.

— Puta merda... — sopro, sem saber o que pensar, muito menos como agir.

— O que foi? — Ainda de costas para os dois, Asher faz menção de se virar, sua

curiosidade querendo seguir a direção para onde meus olhos apontam.

Entro em desespero, sendo mais rápida ao segurar seus braços de uma maneira quase

possessiva, o obrigando a permanecer olhando para mim e apenas para mim. Ele franze a testa,

confusão atravessando sua expressão.

— Está tudo bem, ruiva?

Forço um sorriso nos lábios.

— Se está tudo bem? É claro que está! — Uma risada desesperada me escapa. Não

convencido, Hartford tenta se virar mais uma vez, mas fecho minhas mãos com mais força em

seus braços, o impedindo de se movimentar. Ele arqueia uma sobrancelha, desconfiado. Pelo

canto de olho, encontro Alexa, ainda do outro lado da rua. Ela e Joseph agora me encaram

petrificados, sem saber o que fazer. É como se temessem se movimentar e chamar a atenção de

Asher. Lembrando de todas as vezes que Alexa se sacrificou para me ajudar durante a vida,

suspiro, tomando uma decisão que com certeza vou me arrepender depois. Meu olhar se conecta

ao de Asher novamente. — É só que... Você tinha razão. Eu quero você. E isso está me matando.

E então, o puxo para mim, chocando seus lábios nos meus.

A onda de adrenalina que percorre meu corpo chega sem pudor algum, e Asher não

demora para se mexer, levando a mão até a lateral do meu rosto, o polegar calejado se

estendendo até a minha garganta. Aprofundando o beijo, ele invade a minha boca com a língua.

E eu derreto.

Porque nos encaixamos de uma maneira mais do que perfeita. De uma maneira tão

absurda, que deveria ser crime.

Não me lembro de Alexa. Não me lembro das pessoas dentro do restaurante. Não me

lembro do plano. De repente, o mundo paralisa, e tudo o que existe somos Asher, eu e esse beijo.

Durante toda a nossa vida, fomos duas bombas prestes a explodir. E agora, bem nesta

noite, sinto que finalmente explodimos.


Um gemido sufocado escapa pela minha boca quando ele arrasta seus dentes sobre o meu

lábio inferior, o mordendo em seguida. E o som faz Asher perder a linha, aumentando a pressão

da sua mão contra o meu rosto e voltando a me beijar como se sua vida dependesse disso.

Como se eu fosse sua.

O ritmo é perfeito. Nem tão lento, graças a todo o desespero que nos consome, mas longe

de ser rápido e afobado.

É absurdo. Quase como um sonho que nunca pensei em sonhar. E sinto como se pudesse

ficar aqui para sempre.

Mas então, como todo sonho, esse também acaba.

A buzina do carro de Asher alcança nossos ouvidos, nos obrigando a nos separar. Parado

ao lado do veículo, o manobrista parece meio irritado, como se estivesse nos esperando há vários

minutos, mas não tivéssemos percebido.

E gritando um pedido de desculpas, Asher fecha a sua mão na minha, me puxando até o

seu carro, onde continuamos nos beijando por pelo menos mais vinte minutos.


— Então eu decidi que vou confiar em você.

— Decisão horrorosa.

— ENROLADOS

Motivo número 3 do porquê não namorar jogadores universitários: Eles beijam bem.

Muito bem. Tão bem, que vão fazer com que o beijo fique gravado em seu cérebro

durante uma madrugada inteira, te proibindo de dormir ou de pensar em qualquer coisa além

dele.

Eu poderia facilmente escrever isso.

Faz mais de dez horas desde que choquei meus lábios contra os de Asher Hartford,

apenas para impedir que flagrasse sua irmã com o seu melhor amigo e a Terceira Guerra Mundial

se iniciasse. Dez horas desde que não paro de sentir minha boca formigar, necessitada de mais,

um vazio inexplicável se alastrando por todo o meu corpo, com saudade do seu toque.

Dez horas desde o melhor beijo da minha vida.

Não teve ódio. Não teve raiva. Foi um beijo repleto de necessidade. Como se nós dois,

por alguma razão, estivéssemos completamente sedentos por aquilo.

E eu poderia ter parado. Poderia ter me afastado de Asher no instante em que fomos

interrompidos pelo manobrista. Alexa e Joey já tinham ido embora, afinal. Não havia mais

motivos para eu deixar que ele me puxasse para si, após dirigir por cem metros com o carro, se

afastar do restaurante e estacionar em uma rua qualquer. Mas não falei nada quando aconteceu.

Muito menos quando tirei o cinto de segurança e subi em seu colo, permitindo que seus lábios

traçassem uma linha de beijos molhados pelo meu pescoço. Fui completamente consumida pelo

momento, inebriada pelo desejo de tê-lo exatamente daquele jeito, com os olhos castanhos


exalando luxúria ao me encarar.

Como se eu o fizesse enlouquecer, exatamente como ele faz comigo.

E poderia até tentar enganar a mim mesma, dizendo que o único motivo para eu ter

continuado o beijando foi por conta do plano. Mas naquele momento, dentro do carro, enquanto

suas mãos deslizavam por todo o meu corpo, sequer pensei no meu trabalho.

Meu cérebro simplesmente parou de funcionar. Entrou em pane. E no meu mundo,

apenas Asher Hartford e eu passamos a existir.

Estou abrindo a geladeira da cozinha para pegar água quando ouço a voz de Asher, vindo

de longe. Suspirando, fecho os olhos com força, sem ter ideia de como encará-lo esta manhã,

depois de tudo o que aconteceu ontem à noite.

Não chegamos a transar e sequer chegamos às preliminares, mas sei que isso poderia

muito bem ter acontecido, se tivéssemos tido mais alguns minutos.

Sebastian nos interrompeu ao ligar para Hartford, perguntando onde ele estava e estragou

todo o clima.

Graças a Deus.

— Pegaram tudo, não é? Não vou emprestar cueca para ninguém dessa vez — diz Asher,

sua voz ficando mais alta à medida em que desce as escadas.

— Já falei oito vezes que sim — responde Joey.

— Relaxa, cara. — É o que Sebastian emenda.

Os ignorando atrás de mim, pego a garrafa de água gelada na geladeira, batendo a porta

dela em seguida. E mesmo que ainda esteja de costas para eles, sei que todo o emaranhado de

barulho que alcança meus ouvidos é graças às suas malas se arrastando pelo chão.

Os três estão prestes a ir para o aeroporto, encontrar o restante do time e partir para

Windsor, para enfrentar os Lancers ainda esta noite.

— Já podemos pedir o Uber? — Ouço Joey questionar.

Ainda estou desejando ser invisível enquanto despejo a água em meu copo. E sou

surpreendida no instante em que sinto uma figura alta parar bem atrás de mim, sua sombra

cobrindo meu um metro e setenta e dois de altura.

Sei dizer quem é só pelo perfume.

— Bom dia, ruiva — deseja Asher, sua voz rouca me causando arrepios.

Ele estica o braço, abrindo o armário sobre a minha cabeça, pegando um copo para si. E

então, quase colando seu corpo às minhas costas, praticamente me rodeia com a mão livre,

pegando a garrafa de água das minhas mãos.

Congelo, sem saber como me comportar diante de tamanha proximidade.

— Comeram a sua língua? Ainda estou esperando o meu bom dia...

Pouso meu copo sobre o mármore do balcão à minha frente antes de finalmente girar nos

meus próprios calcanhares, me virando para Asher. Ou melhor, para a parede de músculos do seu


peitoral, que é o que está na altura dos meus olhos.

Limpo a garganta, erguendo o queixo para encontrar seu rosto.

E sou preenchida pela irritação no mesmo instante, observando o sorrisinho que molda

seus lábios. Asher sabe que mexe comigo. E sabe muito bem que não sei como agir depois de

tudo o que aconteceu ontem à noite.

Ele está adorando isso.

— Bom dia — digo, finalmente o respondendo.

O sorriso em seu rosto se alarga.

— Muito bem, ruiva. Sei que seus pais te ensinaram bons modos, então coloque eles em

prática — o idiota diz, bebendo toda a água que colocou em seu copo em questão de segundos.

E o observando, é só então que percebo que os fios castanhos do seu cabelo estão mais

bagunçados do que o normal, o deixando mil vezes mais atraente.

Mordo a língua, saindo da sua frente sem sequer ter bebido água ainda.

Minha boca está tão seca, que poderia facilmente ser comparada ao deserto do Saara.

— Bom dia, Vance — diz Sebastian, sentado no sofá.

— Bom dia, Seb — devolvo, lançando um sorrisinho em sua direção. Deslizo meus olhos

até Joey, que, parado em meio à sala, me encara um tanto petrificado. Não sei dizer se é porque

está preocupado que eu conte a Asher o que vi na noite passada, ou se está chocado pelo que ele

mesmo viu. — Oi, Fisher.

— Oi — solta de volta, forçando um sorriso nos lábios.

É muita coisa para processar, Joseph, eu sei...

— Seguinte. — Pulo de susto quando Asher bate uma palma ardida, o som forte ecoando

pela cozinha. O encaro, observando quando aponta para os meninos, ditando o que precisam

fazer, como o bom capitão que é. — Joey, chame o Uber. Sebastian, mande uma mensagem no

grupo em que o treinador está, avisando que já estamos a caminho.

Franzo o cenho.

— Espera aí! Vocês têm um grupo sem o treinador?

Asher me encara, concordando com a cabeça.

— É pela proteção das nossas próprias vidas, acredite em mim — diz ele. Em seguida,

faz menção de se virar para sair da cozinha, mas desiste, voltando seus olhos para mim, sua

expressão revelando que acabou de se lembrar de algo. — Ah, e, Vance, preciso que você e a

minha irmã fiquem de olho no Pato e no Cão. O Cão está solto, em algum canto da casa, e o Pato

está preso no quarto do Joey. Já avisei Alexa. Acha que pode fazer isso?

Sem muitas opções, assinto.

— Pode deixar comigo.

— Ótimo. — Ele sorri, me surpreendendo ao se aproximar de mim. E assim que se


inclina para estalar um beijo na minha bochecha, meus olhos se arregalam, logo correndo para

Seb e Joey, checando se eles nos viram. Agradeço mentalmente quando encontro os dois

ocupados demais em seus celulares. Sorrindo, Asher se afasta de mim. — Te vejo amanhã, ruiva.

E quando os três deixam a república, fechando a porta em seguida, eu ainda estou

paralisada, minha bochecha formigando na região em que os lábios de Asher tocaram.

— Vamos continuar o caminho todo sem conversar, ou você finalmente vai começar a

explicar o porquê de ter enfiado a língua na boca do meu irmão, ontem à noite? — Me esforço

para não bater o carro no instante em que ouço Alexa questionar, sua voz quebrando a quietude

que passou a preencher o espaço entre nossos bancos desde o momento em que saímos de casa.

É fim de tarde, e assim como havíamos combinado ontem, em meio ao nosso almoço,

estamos indo à caça de vestidos de gala, iniciando o plano “encontrar um vestido perfeito para o

casamento sem amor de Jared Hartford”.

É um nome deprimente, mas foi Alexa quem o escolheu, não me dando opções que não

sejam aceitá-lo.

— O que você quer que eu diga, exatamente? — Aperto as mãos ao redor do volante,

mantendo meus olhos focados nas ruas agitadas à minha frente. — Que Asher e eu saímos para

jantar, ou que tive que o beijar contra a minha vontade, para impedir que ele te flagrasse com

Joey?

Se mexendo no banco do passageiro para me encarar, Alexa ri.

— Contra a sua vontade? É sério? — questiona, com um tom repleto de sarcasmo. — Eu

estava lá, sua idiota. Vi quando começaram a se pegar. Parecia que você estava em outra órbita.

Se fosse mesmo só para livrar a minha barra, o beijo teria durado bem menos. Você teria se

afastado segundos depois, pensando que já estivéssemos seguros e que Joseph e eu já tivéssemos

ido embora. Mas, não... Você ficou lá, beijando o meu irmão por váááários minutos, se

separando dele apenas no instante em que o manobrista buzinou e acabou com o clima.

Franzo a testa, processando cada uma das suas palavras.

— Como sabe que durou tanto tempo assim? — questiono. — Pensei que tivesse ido

embora no instante em que passei a distrair Asher.

A observo dar de ombros.

— E fui, mas fiquei na esquina observando vocês dois — esclarece. — Sabe, não é todo

dia que flagro a minha melhor amiga e o meu irmão que se odeiam desde que se entendem por

gente se agarrando em meio à calçada, após um jantar secreto.

Sorrio, pensando que Alexa não faz a menor ideia do que aconteceu depois disso. Se ela

acha que nosso primeiro beijo foi longo, é porque não imagina o que aconteceu quando entramos

no carro de Asher.


— E não é todo dia que preciso beijar o irmão da minha melhor amiga, para que ele não a

veja com um cara que, a propósito, ela escondeu de mim que está saindo — devolvo, encarando

Alexa pelo canto do olho.

Ela cruza os braços.

— E daí que eu não te contei? Você também não falou nada sobre estar se pegando com o

meu irmão!

Faço uma careta.

— Asher e eu não estamos nos pegando, está bem? — me obrigo a garantir. — Ontem foi

a primeira vez que aconteceu.

— Não me importo com quantas vezes tenha rolado — responde Alexa. — Só não

entendo como isso pode ter acontecido, se até alguns dias atrás vocês estavam gritando um com o

outro e se xingando a cada vez que se encontravam.

Solto um longo suspiro, sem fazer ideia por onde começar a responder. A verdade é que

eu não sei. Não faço ideia do que levou Asher a me tratar bem, ignorando todo o restante das

nossas vidas, onde nos odiamos em todos os malditos dias. E não posso contar a verdade para

Alexa.

Não posso dizer que minha vida estava prestes a desmoronar e que, para não perder o

meu trabalho e deixar de construir o caminho dos meus sonhos, prometi para a minha chefe que

conquistaria Asher, usando todas as minhas experiências com ele para depois escrever uma

coluna o detonando por completo.

E não apenas me sinto uma péssima amiga por estar fazendo isso, mas tenho certeza de

que sou mesmo uma pessoa horrível.

Estou sendo uma completa babaca.

— Eu não sei como aconteceu — respondo após alguns segundos de silêncio, respirando

fundo em seguida. Mantendo meus olhos focados na rua à minha frente, nem sequer encaro

Alexa, mesmo que rapidamente. É mais fácil assim. — Não sei mesmo. Quando vi, Asher já

havia me chamado para jantar. E eu já tinha aceitado, por algum motivo.

— Sabe de uma coisa? — minha melhor amiga pergunta, e pelo seu tom de voz, sei que

está sorrindo. — Se lembra de quando éramos mais novas e nossas mães viviam dizendo que

Asher apenas te irritava porque gostava de você? — Ela solta uma risadinha. — Bom, acho que

você também devia gostar dele.

Uma expressão de nojo toma meu semblante no mesmo instante. Faço a última curva,

entrando na rua da primeira loja que vamos visitar. E é só quando estaciono o carro, que me

permito lançar um olhar indignado para Alexa.

— Isso é maluquice! Eu nunca vou gostar do seu irmão!

O sorrisinho em seus lábios dobra de tamanho, sua sobrancelha se arqueando.

— Tem certeza disso? Porque não foi o que pareceu ontem.

Reviro os olhos, sem acreditar que estamos mesmo tendo essa conversa.


— E quanto a Joey? — Inverto o assunto. — Gosta dele?

Alexa dá de ombros, se encolhendo no banco em seguida. Ela respira fundo, analisando

seus próprios sentimentos, pensando no que responder.

— Gosto — confessa em um suspiro, focando seus olhos castanhos nos meus. Às vezes

me impressiono com o quanto Alexa e Asher são parecidos fisicamente. Mesma exata cor dos

olhos, mesma cor de cabelo, alguns mesmos traços faciais... A semelhança é absurda. — Mas sei

que não deveria. Asher vai ficar furioso quando descobrir. Com o Joey, principalmente. Tenho

medo disso. Sabe, os dois sempre foram muito grudados... Não quero ser a responsável por

causar uma discórdia.

— Se você gosta mesmo dele, seu irmão não tem escolha a não ser entender e respeitar

— digo, mesmo sabendo que essas geralmente são tarefas difíceis para Asher e toda a sua

prepotência e teimosia. Enxergando preocupação em seus olhos, seguro a mão de Alexa, abrindo

um sorrisinho em meus lábios. — Vai ficar tudo bem. Você vai ver.

Ela sorri de volta, falhando ao tentar me convencer de que acredita mesmo nas minhas

últimas palavras.

E quando sua atenção passa a ser entregue à fachada da loja de vestidos em frente ao meu

carro, o sorriso falso morre em seu rosto. Um misto de emoções atravessa o semblante de Alexa,

a fazendo murchar.

É só então que tenho a confirmação de que por mais que esteja se esforçando para parecer

estar bem diante de toda essa situação com o casamento do seu pai, Alexa está tão abalada

quanto Asher. Ela só é bem melhor em esconder isso, o que me surpreende, já que seu irmão

sempre teve mais dificuldade em expressar suas emoções.

— Está tudo bem? — questiono, cautela abraçando cada uma das minhas palavras. Minha

melhor amiga me encara, mentindo descaradamente ao concordar com a cabeça. Notando quando

seus olhos ficam marejados, aperto sua mão. — Se quiser, podemos voltar aqui outro dia. Não

precisamos fazer isso hoje. Ainda temos umas duas semanas até o casamento.

Alexa nega com a cabeça, afastando sua mão da minha, levando o dorso até os olhos,

enxugando as lágrimas teimosas antes mesmo que se formem. E endireitando a postura, minha

melhor amiga força o sorriso mais falso do mundo todo em seu rosto.

— Nada disso. — Ela abre a porta ao seu lado, pronta para saltar para fora do meu carro.

— Já estamos aqui, então não vamos perder tempo.

Enquanto a assisto deixar o veículo, batendo a porta com força em seguida, sinto o

coração se estilhaçar completamente dentro do peito. E indo atrás dela, torço para que tanto

Alexa, quanto seu irmão, não sofram tanto pelas escolhas do seu pai, mesmo sabendo que isso é

impossível.

Se pudesse desejar que uma única coisa fosse diferente, não pensaria duas vezes antes de

pedir para que Aubrey voltasse.


— Gostei da sua risada.

— Gostei de ter me feito rir.

— COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ

— Deixa eu ver se entendi... Então vocês se beijaram? Tipo, para valer? — É o que

questiona um Sebastian incrédulo, horas mais tarde, em meio ao bar do hotel onde vamos passar

a noite em Windsor.

Focado demais em acabar com a bebida em meu copo, concordo com a cabeça antes de

virar os últimos goles do uísque.

O jogo contra os Lancers foi uma merda. Perdemos de lavada e sequer consegui pontuar

todos os nossos erros. O clima que passou a tomar conta do time foi pesado, quase como se todos

nós estivéssemos indo para o enterro de um parente próximo. E o treinador Mack ficou tão

irritado, que foi direto para o seu quarto assim que chegamos ao hotel, sem sequer nos desejar

boa noite.

O restante do time se espalhou pelo prédio. Há caras no saguão, na piscina, em seus

quartos, na sauna e, claro, Joey, Seb e eu, que somos os únicos a ocupar uma mesa no bar.

— E foi ela que tomou a iniciativa? — Seb continua com as perguntas, choque tomando

cada uma das linhas de expressão em seu rosto.

Sorrio, concordando com a cabeça mais uma vez.

— Eu também fiquei bem surpreso com isso — revelo, me sentindo grato pela situação

atual da minha vida amorosa ser um tópico interessante o suficiente para nos impedir de sofrer

após a derrota.

Até agora não entendi muito bem o que aconteceu entre Verena e eu, na noite de ontem.


Estávamos esperando o manobrista trazer o meu carro, após o jantar, quando ela pareceu ver

alguma coisa atrás de mim, arregalando os olhos. Curioso, tentei me virar, mas fui surpreendido

com suas mãos prendendo meus braços, me impedindo de me mover, e com seus lábios se

chocando contra os meus, me enfeitiçando por completo.

Foi incrível. Completamente perfeito.

E não vejo a hora de beijá-la de novo.

— Verena deve ter batido a cabeça — solta Seb, seus olhos deslizando em direção a Joey,

que sequer abriu a boca desde que nos sentamos aqui e o nome de Vance veio à tona. Sebastian

arqueia uma sobrancelha. — Ela com certeza estava fora de si, não acha?

De início, Joseph sequer se move. Mas então, piscando várias vezes, seu cérebro

finalmente parece voltar a funcionar, sua voz gaguejando ao dizer:

— Sim... Claro... E-Ela devia estar muuuuito doida.

Franzo a testa, estranhando seu comportamento.

Mas resolvo ignorar, pedindo outra bebida ao barman.

Talvez Joseph esteja estranho por conta da derrota que sofremos hoje.

É, com certeza é isso.

Segurando meu celular em uma das mãos, torço para Verena atender a chamada de vídeo

enquanto termino de escovar os dentes. Cuspo toda a espuma na pia, limpando a boca e a

secando com a toalhinha branca do hotel.

Já cansado de esperar, bufo, prestes a desistir e encerrar a ligação, mas Verena é mais

rápida, me surpreendendo ao finalmente atender. De volta ao quarto, me jogo na cama e me

recosto na cabeceira estofada, franzindo o cenho ao observar a câmera de Verena se

movimentando em um ritmo frenético, como se ela estivesse correndo.

— Por Deus, Pato, para de ser teimoso e volta aqui! — grita a sua voz, um tanto

desesperada. Seu celular cai no chão, a câmera apontando para o teto da república. — Alexa,

agora! Prende o Cão!

Ouço o som de uma porta batendo com força, ao longe, e em seguida Verena suspira,

aliviada.

Não preciso ser muito inteligente para ligar os pontos e perceber o que acabou de

acontecer, mesmo que eu não tenha visto nada. A correria, os gritos e o barulho já deixam bem

claro que minha irmã e sua melhor amiga, por mais espertas que sejam, estavam tendo problemas

com o Cão e o Pato.

— Odeio vocês por terem inventado essa confusão — me diz uma Verena completamente

ofegante, alguns segundos depois, envolvendo o celular com as mãos e o afastando do chão.


Indo até o seu quarto, ela finalmente aparece na tela. O rosto está livre de maquiagem, e o

cabelo ruivo está solto, emoldurando seu rosto.

Está linda para cacete.

— Alexa deixou o Cão escapar sem querer e quase deixamos o Pato morrer — solta,

fechando a porta atrás de si, ficando sozinha no cômodo onde tem dormido. Ela olha para a tela

após se sentar em sua cama, resquícios de uma expressão desesperada e preocupada se fazendo

presente em seu semblante. — É sério, Asher. Eu quase tive um infarto.

tomar.

Sorrio, me divertindo ao assistir a todo esse caos.

— O Pato quase é assassinado, e é você que morre?

Verena fecha os olhos, respirando fundo enquanto se recupera do susto que acabou de

— Sim. — Ela volta a me encarar, sua testa se franzindo de leve. — É sério, o que deu

em vocês? Como podem mesmo ter pensado que manter esses dois animais sob o mesmo teto

seria mesmo uma boa ideia?

— Não pensamos, esse é o problema — esclareço, sendo sincero. — Eu não tive nada a

ver com isso, mas Joey deu a ideia estúpida, o restante do time concordou e eles adotaram o Pato

sei lá onde, mantendo tudo em segredo de mim e do treinador. Só descobri no dia em que o Pato

apareceu na sala de mídia da arena. O treinador ficou furioso e disse para Joey, Seb e eu nos

virarmos, já que moramos juntos. — Dou de ombros. — Mas daqui a pouco, eles vão embora.

Sempre revezamos nossos cuidados com o Cão, e com o Pato não será diferente. Vamos ser mais

espertos e mandá-los para casas diferentes dessa vez.

— É a decisão mais inteligente — concorda Verena. Ela ri baixinho, como se apenas

agora estivesse se dando conta do quão ridículo e aleatório foi o que acabou de acontecer.

Quer dizer, não é sempre que temos que correr atrás de um pato adotado por jogadores de

hóquei inconsequentes, na tentativa de impedir que ele morra na boca e patas de um Golden

Retriever.

É uma situação bizarra. O que deixou de me impressionar há um bom tempo, levando em

conta os amigos que tenho. Principalmente Joseph. Ele é uma caixinha de surpresas estúpidas e

péssimas decisões.

— Vi sobre a derrota de hoje no portal da universidade — solta Verena, sua expressão se

transformando no mesmo instante, murchando por completo. — Sinto muito.

Dou de ombros, uma fina linha ganhando vida em meus lábios.

— É uma droga, mas faz parte. É impossível ganhar sempre, por melhor que sejamos —

digo, aumentando meu sorriso logo em seguida. — Mas me conta sobre o seu dia. Quero te ouvir

falar.

Consigo ver em seus olhos que ela não esperava que eu falasse nada parecido, uma

expressão surpresa quase imperceptível se fazendo presente em seu semblante. Quando se

conhece uma pessoa há anos, prestar atenção nela e conhecer seus trejeitos acaba sendo uma

tarefa involuntária e automática. E eu literalmente estive ao lado de Verena desde o dia em que

nasceu. Mesmo nossa relação tendo sido conturbada durante anos, sou alguém que a conhece


muito bem.

Suspirando, Vance se deita na cama, os cachos ruivos do seu cabelo se espalhando pelo

travesseiro.

— Meu dia foi normal — esclarece, simplista. E apenas pelo seu tom de voz, sei que algo

a mais aconteceu. — Sabe, tirando a parte em que saí com Alexa para comprar os vestidos para o

casamento e ela praticamente me encurralou, dizendo ter visto a gente se beijando ontem, na

saída do restaurante.

Demoro um tempo para processar suas palavras, tentando entender o que Alexa estava

fazendo em Yorkville, se estava trabalhando no Bella’s Rink até tarde e o caminho de volta para

casa é completamente contrário.

— Foi por isso que ela estava completamente estranha comigo, hoje de manhã — digo,

juntando os pontos.

Antes de Joey, Seb e eu descermos as escadas e chamarmos o Uber, rumo ao aeroporto de

Toronto, onde nos encontramos com o restante do time, passei no quarto da minha irmã e para

me despedir. Disse que seria uma viagem rápida e a pedi para ficar de olho no Cão e no Pato,

impedindo que o que quase acabou de acontecer se tornasse uma realidade. E quando dei um

beijo em sua testa, Alexa cruzou os braços, seus olhos castanhos me encarando furiosos, e soltou

uma frase bizarra sobre eu não confiar nela, dando a entender que sabia de algo que eu não

contei.

E agora sei exatamente o que quis dizer.

— Estou de volta amanhã de manhã, ruiva — digo. — Pode deixar que eu converso com

a minha irmã depois, antes da festa do Joey. Ela ficou chateada pelo ocorrido, ou só pelo fato de

termos escondido?

— A segunda opção — revela Verena, me tranquilizando.

Suspiro, me sentindo grato por isso. Tenho tanta coisa na cabeça agora, que lidar com

uma Alexa ciumenta poderia muito bem me fazer explodir.

— Certo. — Sorrio. — Tenho que ir agora, porque nosso voo de volta sai amanhã bem

cedo, mas adorei falar com você, ruiva.

Verena não expressa nada ao ouvir minhas palavras. Sequer abre um único sorrisinho.

E penso que se existisse um prêmio para a mulher mais complicada do mundo, ele já teria

sido entregue a ela há muito tempo.

— Boa noite, Asher. — É o que me responde, alguns segundos depois, sua voz tão seca

quanto qualquer deserto.

— Boa noite, Rapunzel — devolvo, sorrindo ao dizer o apelido. Verena revira os olhos,

falhando ao tentar impedir a fina linha que se curva em seus lábios. E de repente me sinto feliz

por saber que consegui arrancar um sorriso dela hoje, por mais imperceptível que ele seja. —

Mal posso esperar para ser o seu Flynn Rider amanhã.


— Dança comigo?

— Você não dança.

— Era parte do meu disfarce, querida.

— SR. E SRA. SMITH

A música explode pelos dois andares da república, animando toda a multidão, que dança,

canta e bebe por todos os cantos. Em todos os lugares que olho, há casais se pegando, e já flagrei

ao menos cinco deles descendo as escadas frustrados, após falhas tentativas de invadir qualquer

um dos quartos para se agarrar em camas que não são suas.

Acontece que quando você passa toda a sua adolescência indo a algumas festas e fazendo

outras quando seus pais não estão em casa, acaba aprendendo alguns truques para impedir que

desastres aconteçam. E o principal deles é trancar todos os quartos, para que ninguém os use para

transar na cama onde você e seus amigos vão dormir mais tarde.

A festa começou há aproximadamente duas horas, quando Joseph abriu a porta da

república e a multidão desesperada de universitários se espremeu ao passar por ela. E mesmo que

tudo já esteja acontecendo há um bom tempo, as pessoas não param de chegar. Toda vez que

pisco e olho os arredores, noto a casa cada vez mais cheia.

Consume, do Chase Alantic, é a música que explode pelos aparelhos do DJ que

contratamos. E sentado em um dos sofás que arrastamos para o canto da sala, junto a um Seb

fantasiado de gênio da lâmpada e um Joey vestido de coringa, com spray verde em seu cabelo,

sou incapaz de afastar meus olhos de Verena, que dança em meio à multidão, acompanhada da

minha irmã.

Vance está linda. Absurdamente perfeita.

A fantasia lilás da Rapunzel que aluguei ficou ótima em seu corpo, realçando suas curvas.


E seu cabelo ruivo está completamente cacheado, emoldurando seu rosto.

Há mais pessoas do que eu poderia contar aqui esta noite. Uma neblina causada pela

fumaça dos cigarros toma o ar onde há maior concentração de universitários. Exatamente onde

Verena está. Porém, para mim, só existe ela ali.

E meus olhos a encontrariam em qualquer lugar da casa, hipnotizados demais para perdêla

de vista.

— Cuidado para não babar. — É o que Joey solta, sentado ao meu lado.

O acerto uma cotovelada, escutando quando ri baixinho.

— Por que ainda não foi lá falar com ela, seu idiota? — questiona Seb, a expressão em

seu rosto me chamando de lerdo em mil línguas diferentes.

Dou de ombros, sem saber o que responder.

A verdade é que estou nervoso pra caralho, por mais que nunca vá admitir isso. Sou

Asher Hartford. Não tenho problemas em me aproximar de mulheres, soltar meu charme e as

conquistar.

Sempre fiz isso muito bem. Durante todos os meus 22 anos de vida.

Então, por que caralhos agora é diferente? Por que parece que minha bunda está colada

com cola instantânea na almofada desse sofá, e que afastá-la daqui para me levantar e me

aproximar de Verena parece ser quase impossível?

Não faz sentido.

— Se você não for, vou chamá-la aqui — ameaça Joey, bufando. — Porra, vocês estão

até de fantasias combinando! Achei que fosse corajoso o suficiente para levar esse plano adiante.

O encaro indignado, minha testa se franzindo em um vinco profundo.

— Acha que eu não estou sendo corajoso, Fisher? — questiono, apontando para a minha

roupa. — Sugeri vestir uma fantasia da Disney em público, mesmo sabendo que o time todo iria

rir e que minha reputação se sujaria, só porque queria que Verena ficasse feliz. Olha para mim!

Eu sou o José Bezerra, porra! Tem alguma outra coisa mais corajosa do que isso?

— Sim — Sebastian responde do meu outro lado. Me viro para ele, sendo invadido pela

indignação quando o goleiro me acerta um peteleco na testa. Meu Deus! Neste momento, odeio

meus melhores amigos. — Sabe o que é mais corajoso? Ir lá e falar com ela! É simples.

— Ela está com a minha irmã — respondo, como se a desculpa esfarrapada fosse o

suficiente para justificar minha covardia, ciente de que isso tudo é completamente ridículo. O

que caralhos está acontecendo comigo, afinal? — Não posso simplesmente chegar lá, cortar a

vibe delas e...

— Alexa foi embora — Joey me interrompe.

— O quê?

Ele sorri, se virando para mim.

— Sua irmã se afastou. A barra está livre — esclarece. — Vai logo lá pedir para a sua


Rapunzel jogar os cabelos ruivos!

O xingo quando Joey me empurra, me forçando a me levantar. E completamente irritado,

o lanço um olhar assassino quando Sebastian e ele passam a rir, me encarando como se meu

estado atual fosse a melhor coisa que já viram na vida.

— Odeio vocês — rosno.

O sorrisinho nos lábios do desgraçado do Joey dobra de tamanho.

— Não, não odeia. — Ele aponta com a cabeça para a direção onde Verena está. —

Agora, vai logo, antes que outro cara vá primeiro.

E isso é todo o incentivo que preciso. Sentindo um amargor estranho tomar minha língua

apenas em imaginar Verena dançando com outro cara, giro nos calcanhares, saindo pela sala em

direção a ela, me perdendo em meio ao mar de estudantes chapados e alcoolizados, que me

engole. Preciso pedir passagem para algumas pessoas, que estão distraídas demais para notar a

minha presença.

Até que finalmente chego a ela.

Em um timing perfeito, a música acaba, e You´re So Vain, da Carly Simon, passa a sair

pelos aparelhos do DJ, transformando a festa por completo. Os olhos de Verena caem sobre mim,

e um sorrisinho se abre em seus lábios. Lendo a expressão confusa diante da mudança drástica de

estilo do DJ em meu rosto, ela explica:

— Foi Alexa quem pediu. — Uma risadinha escapa dos seus lábios. — É a música tema

de um dos nossos filmes favoritos.

— Eu sei — devolvo, mais do que ciente disso. Como Perder um Homem em 10 Dias é

um clássico. — Lembro quando vocês roubavam a televisão da sala dos meus pais para assistir, e

eu ficava sem conseguir jogar videogame durante a tarde inteira. Minha mãe sempre defendia

vocês duas quando eu a procurava para reclamar.

Ela ri mais uma vez, as memórias voltando à sua mente. E então, me surpreende ao dar

um passo em minha direção, cortando a curta distância que nos separava, e grudar o seu

indicador no meu peito, apontando para mim enquanto canta sobre um homem vaidoso, que anda

por uma festa como se fosse o rei do mundo e é o sonho de todas as garotas.

Seus olhos azuis se cravam nos meus, uma raiva nítida faiscando por eles. E ciente de que

Verena está usando a letra da música para soltar indiretas para mim sem sequer tentar esconder,

resolvo entrar na onda. Levo minhas mãos à sua cintura, abrindo o meu sorrisinho mais cínico

enquanto ela continua a cantar, me detonando a cada palavra.

E por algum motivo, acho isso completamente excitante.

Percebo e até mesmo sinto olhares curiosos de pessoas ao nosso redor, apontados

diretamente em nossa direção. Estão confusos, com certeza. Por diversas razões.

A primeira: Eu, Asher Hartford, o cara que nunca namorou, estou usando fantasia

combinando com uma mulher, e sou a porra de um mocinho da Disney.

A segunda: Essa mulher é Verena Vance, a melhor amiga da minha irmã.

Terceira: Nós nos odiamos completamente, desde... sempre.


Quarta: Estamos juntos esta noite, mas ela está me encarando com tanta raiva enquanto

canta, que suas pupilas poderiam facilmente explodir.

E a quinta: Eu não me afasto, permitindo que continue. Como se estivesse gostando.

O que eu realmente estou, mas não tem como as pessoas terem certeza disso.

A verdade é que às vezes nem eu entendo a nossa dinâmica.

— Pensei que Asher Hartford não dançasse. — É o que Verena solta em um determinado

momento, assim que meu corpo passa a se mover e acompanhar o ritmo do seu, os olhos azuis

ainda cravados nos meus, fitando até o fundo da minha alma.

Um sorrisinho de lado toma meus lábios.

— Com você, ruiva, eu faço qualquer coisa.

Prendo a respiração assim que uma garota desconhecida faz questão se assoprar a fumaça

do seu cigarro bem na minha cara. E após pedir licença para um grupo de caras do time de vôlei

que bloqueavam a cozinha, finalmente entro no cômodo, à procura de uma bebida para Verena e

eu.

Apesar de ter dois andares, cinco suítes e um tamanho bom o suficiente para um pato se

perder e demorar três horas até ser encontrado, nossa casa não é espaçosa o suficiente para

abrigar a quantidade de pessoas que estão aqui esta noite. O que, com toda a certeza, explica a

dificuldade que estou tendo para me locomover, tendo que me apertar entre corpos suados e

dançantes a cada passo que dou.

Deslizo os olhos pelos balcões, fazendo uma careta ao encontrar centenas de garrafas de

bebida vazias e copos vermelhos de plástico sobre eles. Vamos ter um trabalhão para arrumar

tudo isso depois. Me aproximo da geladeira, tirando a chave de um dos bolsos da minha fantasia,

destrancando o cadeado preso a ela logo em seguida.

Outro truque: Tranque a sua geladeira. Desse jeito, ninguém vai assaltá-la em meio à

festa e roubar todas as suas comidas e bebidas geladas.

Pego duas long necks, fechando o cadeado novamente antes de me virar, pronto para ir ao

encontro de Verena. E bufo ao me deparar com Marvin Ambrose e Nathan Sawyer parados em

meio à cozinha, rindo juntos enquanto apontam a câmera dos seus celulares em minha direção.

— Adorei a fantasia, capitão — diz Nathan.

— Como está se sentindo, príncipe Asher? — emenda Marvin, em meio a risos.

Segurando as duas garrafas apenas em uma mão, mostro o dedo do meio da outra para

eles, não demorando antes de voltar a andar.

— Vão se foder. Vou falar com o treinador na segunda-feira, dizendo que estou achando

os dois desconcentrados e sugerir para ele pegar pesado com vocês durante o treino. — É o que


solto ao passar pelos meus colegas de time, um sorrisinho satisfeito tomando meu rosto no

instante em que as risadas cessam e os celulares são abaixados.

Volto a me enfiar em meio à multidão, tomando o cuidado necessário para não derrubar

as garrafas de cerveja. E após pedir licença e me chocar contra vários corpos no meio do

caminho, quase tropeçando por mais vezes do que poderia contar, meus olhos finalmente

encontram Verena.

E eu queimo.

Congelo no lugar. Minha mandíbula se trava, a raiva se alastrando por todas as veias do

meu corpo, me fazendo arder de dentro para fora.

Porque Vance não está sozinha.

Kaio Kourtney está à sua frente, sussurrando algo em seu ouvido, sendo engraçado o

suficiente para fazê-la rir. Seus rostos estão próximos, bem próximos. E no momento em que o

jogador de basquete pousa a mão no braço dela, a tocando como se tivessem uma intimidade que

claramente não têm, eu explodo.

Fora de mim, volto a atravessar a multidão em passos largos e pesados, sequer me

importando em pedir licença para quem está no meu caminho desta vez. Minha respiração se

torna mais rápida à medida em que me aproximo deles, me dando a sensação de que meu coração

vai pular pela boca.

O sentimento é igual ao que me invadiu quando vi Verena vestindo a jersey de Sebastian,

em meio às arquibancadas do jogo contra Montreal. Hoje em dia, sei que é ciúmes, mesmo que

ainda não tenha parado para pensar de onde ele vem. E odeio a sensação.

Mas agora, odeio Kaio Kourtney ainda mais.

Odeio tanto, que poderia muito bem arrancar a cabeça dele e usá-la como bola de

basquete.

Os olhos de Verena me encontram assim que paro ao lado deles, o sorriso que marcava

seu rosto morrendo lentamente. Kaio se vira, seguindo o olhar da ruiva. E quando percebe a

minha presença e nota minha feição de poucos amigos, sua testa se franze. Ele desliza a atenção

pela minha fantasia, ligando os pontos ao observar a de Verena. E então, se desespera.

— Desculpa, Asher, eu... Eu não sabia que estavam juntos. — É a única coisa que diz

antes de se afastar, sumindo do meu campo de visão enquanto morre de medo de mim.

Covarde.

— O que foi... — Verena parece ter dificuldade em encontrar sua voz, um vinco leve se

fazendo presente no espaço entre suas sobrancelhas enquanto me encara. Ela chacoalha a cabeça

lentamente, como se estivesse desapontada e até um pouco chocada. — O que foi isso, Hartford?

Não respondo à sua pergunta. Em vez disso, bufo, a entregando uma das long necks de

maneira pouco sutil, quase chocando o vidro contra o seu peito.

— Me diz você, ruiva. O que foi isso?

Sua testa se franze ainda mais quando ela segura a garrafa, sem quebrar o contato visual,

seus dedos roçando nos meus ao envolver a cerveja.


E sentindo como se fosse enlouquecer a qualquer momento, não digo mais nada antes de

dar as costas, me enfiando na multidão rumo à escada para o andar de cima. Verena vem logo

atrás de mim, sua voz me chamando inúmeras vezes.

Não a encaro. Continuo em frente, sem me virar. Porque não posso. Todos veriam. Todo

mundo veria que estou enlouquecendo. Ficando completamente maluco por ela, sem poder

nenhum sobre minhas ações, como se estivesse caindo da porra de um precipício.

Acelero meus passos ao chegar ao segundo andar, agradecendo mentalmente ao encontrálo

vazio. Trancar todas as portas acaba espantando as pessoas daqui, afinal. E ao parar em frente

ao meu quarto, tiro a chave do bolso, destrancando a fechadura e entrando no cômodo sem

hesitar.

Uma mão empurra a porta, me impedindo de fechá-la. E sabendo de que se trata de

Verena e que poderia facilmente machucá-la, se usasse força para impedi-la de entrar, afasto meu

toque da porta, deixando que a ruiva a escancare.

— Que porra foi essa, Asher? — Ela invade o quarto feito um furacão, seus olhos azuis

irritados voltando a se cravar nos meus, quase como se pudessem faiscar.

Ótimo. Somos dois alterados agora.

— Que porra foi essa? — devolvo sua própria pergunta, uma risada sem qualquer

resquício de humor e repleta de indignação subindo pela minha garganta. — É sério que não

sabe?

Verena nega com a cabeça, batendo a porta com força atrás de si.

Respiro fundo, tentando me controlar.

— Kaio estava dando em cima de você! — E falho completamente ao exclamar.

Parada à minha frente, a apenas alguns passos de distância, ela cruza os braços, me

encarando como se eu estivesse completamente maluco.

— Ele não estava, não.

Outra risada me escapa.

Inacreditável.

— Ele estava, ruiva. Sei o que vi — garanto, esfregando minhas mãos no rosto, sentindo

meu corpo todo entrar em combustão, prestes a explodir. — Odeio esse cara.

A vejo franzir o cenho quando volto a encará-la.

— Desde quando?

— Desde agora — afirmo logo em seguida, mais irritado do que nunca. Cravando meu

olhar no seu, sinto o sangue se acelerar em minhas veias. Aperto os dentes com força, travando a

mandíbula até doer, e dou dois passos em sua direção, me aproximando. — Desde o momento

em que ele tocou em você.

Minha fala a pega de surpresa, seus lábios se separando e fechando logo em seguida,

como se quisesse dizer algo, mas não soubesse como começar. Ou como se não conseguisse

dizer nada.


Dou mais alguns passos em sua direção, continuando:

— Desde o momento em que os olhos dele te encontraram e ele pensou que podia fazer

isso. Que podia te ter, mesmo que só por essa noite. Que os lábios dele poderiam tocar os seus,

assim como os meus tocaram, e que as mãos dele poderiam passear pelo seu corpo, assim como

as minhas fizeram dentro daquele maldito carro.

De repente a distância que me separava de Verena acaba. E estamos perto... muito perto.

Próximos o suficiente para eu sentir sua respiração ofegante batendo contra meu rosto e observar

a imensidão azul que se abriga em seus olhos arregalados.

Minha cabeça gira, meu corpo todo esquentando. Sedento.

Deslizo o olhar até seus lábios, o prendendo ali.

Uma guerra se trava dentro de mim. E eu me esforço. Juro que me esforço para

permanecer quieto, sem tomar nenhuma atitude. Mas falho completamente.

— Foda-se. — É o que sopro antes de agarrar sua cintura com as mãos, empurrando seu

corpo contra a parede enquanto tomo seus lábios nos meus.

Verena é pega de surpresa, ficando sem reação por alguns segundos, mas não demora

para retribuir, focando em ter a boca na minha. O beijo é intenso, urgente demais. Ela apoia seus

braços em meus ombros e enfia os dedos em meus cabelos, arrancando um ruído grave e rouco

do fundo da minha garganta.

Afasto meus lábios dos seus, escorregando até o seu pescoço, onde traço um caminho de

beijos molhados com a boca parcialmente aberta, descendo até sua clavícula. Ainda com as mãos

em sua cintura, belisco sua pele por cima do vestido justo, ouvindo Verena ofegar.

— Vamos nos livrar disso, huh? — sopro, a ajudando a tirar a fantasia antes de voltar a

devorar seus lábios, o baque seco da peça atingindo o chão invadindo meus ouvidos.

E logo em seguida, me livro de todas as minhas roupas, ficando só com a boxer branca.

Agora com a passagem livre, subo minhas mãos pelo seu quadril, tateando de leve a parte

de baixo dos seus seios, ainda cobertos pelo sutiã. Um gemido sufocado escapa de Verena, e me

afasto um pouquinho para olhá-la, mordendo o lábio inferior.

Sua garganta oscila assim que ela engole em seco, sentindo o peso do meu olhar sobre si.

— Hartford...

— Cama?

— Cama. — Sua voz sai em um sopro, fraca demais.

Completamente desesperados, nos esbarramos em alguns móveis no meio do caminho,

ocupados demais nos beijando para prestar atenção em qualquer outra coisa. No instante em que

caio no colchão, o escalando até minhas costas encontrarem a cabeceira, Verena me surpreende

ao ficar por cima, me rodeando com seus joelhos. Sorrio, varrendo uma mecha teimosa do seu

cabelo ruivo para trás da sua orelha antes de levar minha mão ao seu pescoço, fechando meus

dedos por ali e a puxando até que seus lábios estejam nos meus novamente, nossas línguas se

entrelaçando em uma dança perfeita. Um gemido baixo sobe pela minha garganta quando seu

corpo escorrega um pouco, sua bunda se posicionando em cima da minha ereção, ainda


escondida dentro da cueca.

Sinto qualquer controle restante em mim evaporar quando Verena remexe seus quadris,

me provocando. Aperto a mão levemente ao redor do seu pescoço, deslizando a outra até a sua

bunda, espalmando o toque por sua pele antes de beliscá-la.

— Vamos mesmo fazer isso? — ela questiona, completamente ofegante, afastando sua

boca da minha.

A encarando, com nossos rostos ainda extremamente perto um do outro, quase colados,

arqueio uma sobrancelha.

— Você quer?

Vance faz que sim, sorrindo antes de voltar a me beijar.

— Quero.

Deslizo minha mão para a frente do seu corpo, até o meio das suas pernas. E afastando

sua calcinha para o lado com os dedos, arranco um gemido surpresa dos seus lábios. Ela afasta o

rosto do meu, elevando um pouco o corpo sobre mim ao morder o lábio inferior quando esfrego

seu clitóris com a ponta do dedo. Verena fecha os olhos, me impedindo de assistir todas as

sensações que circulam pela imensidão de azul que abriga neles.

Sensações essas, causadas graças a mim.

Sua respiração se torna ofegante quando meu polegar passa a trabalhar mais rápido.

Deslizo meu anelar e o dedo médio pela sua entrada, e, em resposta, o corpo de Vance escorrega

ainda mais sobre o meu, quase se deitando.

Porra. Essa mulher vai me matar.

Inclino minha cabeça, lambendo seu pescoço, minha mão ainda focada em apertar sua

garganta. Um raio de calor atravessa meu corpo quando ela começa a se esfregar sobre meu

toque, completamente necessitada, e cada som que sai pelos seus lábios é como música para

meus ouvidos.

Cacete. Ela por inteira é uma obra de arte.

E neste momento é minha. Completamente minha.

Nos tocamos sem parar, desesperados por contato. Vance agarra meus cabelos, seus

dedos se afundando em meio aos fios castanhos, os segurando como se sua vida dependesse

disso, enquanto continua se remexendo sobre minha mão. E eu aperto seu pescoço ainda mais,

viciado em ter seu corpo sobre o meu.

Ela é um vício. O meu vício.

Em um movimento rápido, inverto as posições, ouvindo a reclamação baixinha que

escapa pelos lábios de Verena assim que suas costas se chocam contra o colchão. Me posiciono

em cima dela, voltando a mover minha boca contra a sua, com uma intensidade que acaba com o

fôlego dos meus pulmões.

Ainda sobre o sutiã, toco seus seios, os apertando devagar. Verena ofega, arqueando as

costas, me dando liberdade para levar meus dedos até o fecho da peça e a arrancar. E não hesito


sequer um único segundo antes de fazer isso, meus ébrios olhos hipnotizados ao observar seu

corpo, o desespero me preenchendo por inteiro.

Preciso de mais.

Raspo a ponta calejada dos meus dedos em seus mamilos enrijecidos. E então desço

minha boca, os chupando.

Com a respiração descompassada, continuo o meu caminho, depositando alguns beijinhos

em sua barriga, descendo um pouco mais. Chego ao meio das suas pernas, beijando suas duas

coxas antes de deslizar sua calcinha para baixo, me livrando dela, e de separar Verena lentamente

com a língua. Ela se agarra ao lençol, se esforçando para parar de se contorcer. Um grito alto a

escapa quando minha língua corre pelo meu ponto mais sensível, e um sorrisinho impossível de

ser controlado ganha vida em meus lábios.

Vance e eu. Jamais pensei que um dia nós dois estaríamos aqui...

É divertido.

Agarro suas coxas, a obrigando a ficar parada até que minha língua pare de trabalhar. Ela

geme em decepção quando me afasto, e vejo o momento exato em que seus olhos se abrem, puro

prazer circulando por suas pupilas.

A peço para esperar enquanto ando até a cômoda, abrindo a gaveta com pressa, pegando

a primeira camisinha que encontro. Me livrando da minha cueca com a ajuda de uma das mãos,

rasgo a embalagem da camisinha com os dentes, voltando para a cama. E de joelhos no colchão,

coloco o preservativo.

Assistindo a cena, Verena morde os lábios. E a visão de tê-la assim, na minha cama, com

os olhos exalando luxúria e os cabelos ruivos espalhados pelo meu travesseiro enquanto espera

para me ter dentro dela é absurda.

Simplesmente como um sonho.

Levo a boca para junto da dela, a beijando com urgência, completamente desesperado. E

ela retribui, me beijando, tocando e arfando como se este fosse o fim do mundo.

Finalmente entro nela, e um gemido alto a escapa, subindo pela sua garganta. Verena leva

as duas mãos à boca, a tapando. E agarro seus pulsos, afastando-as no mesmo instante, focando

meus olhos nos seus.

A troca exala intensidade.

— Não faça isso, ruiva. Quero te ouvir.

Ela geme mais alto quando passo a ir mais forte, deslizando suas unhas pelo meu

abdômen, deixando sua marca em mim ao arranhar minha pele. Suas pernas envolvem meus

quadris, se entrelaçando sobre mim, mudando um pouco o ângulo, me permitindo ir mais fundo.

Permaneço o tempo todo de olhos abertos, hipnotizado por cada uma das expressões que

tomam seu rosto e gritos que escapam da sua garganta. Verena é perfeita. E fica ainda mais linda

assim: inteiramente consumida por mim.

Com nossos corpos sincronizados, chegamos ao clímax quase ao mesmo tempo. Meus

dedos apertam sua cintura com força, meu corpo todo estremecendo.


— Caralho… — sopro, ofegante, minha voz completamente rouca quando despenco em

cima de Verena, deixando o queixo cair em seu ombro. Ergo a cabeça para encará-la, a

encontrando com um sorrisinho no rosto, seu peito subindo e descendo enquanto ela tenta

recuperar o fôlego. Arqueio uma sobrancelha. — O que foi?

A linha feliz em seus lábios ganha ainda mais força.

— Nada. É só que... Uau.

Rio baixinho, entendendo muito bem o que quis dizer, mesmo que de maneira rasa.

— Pois é, ruiva, uau.

E diferente de todas as outras vezes que transei com alguém, dessa vez finalizo com um

selinho.


Esse filme termina como todas as comédias românticas:

A garota conquista o cara, e é isso o que finalmente a faz feliz.

— MEGARROMÂNTICO

— Promete que vai sempre me dar os ingressos nos melhores assentos, quando assinar o

contrato com os Leafs? — Franzo o cenho ao ouvir uma voz extremamente conhecida por mim.

No banheiro de Asher, fecho a torneira, erguendo a cabeça e franzindo o cenho ao

analisar meu próprio reflexo no espelho, meu cérebro processando se estou ficando maluca ou se,

de fato, acabei de ouvir meu irmão falar. Ajeito a camiseta preta que roubei de Asher em meu

corpo antes de dar as costas, abrindo a porta do banheiro para voltar ao quarto dele.

E me surpreendo com a cena que vejo.

— Pode deixar, amigão. Vou conseguir te levar a todos os jogos. Sem exceção —

promete Hartford, deitado na cama enquanto encara a tela do meu celular e o segura nas mãos.

Seus olhos correm em minha direção, um sorrisinho se curvando em seus lábios. — Simon te

ligou, e eu atendi. Estamos conversando.

Levanto as sobrancelhas, soltando uma risadinha enquanto me aproximo dele.

— É, eu percebi — solto, subindo no colchão, que se afunda um pouco sob meu corpo.

Encosto a cabeça no travesseiro de Asher, deitado ao lado dele, e aceno para Simon, que parece

ter acabado de ver um fantasma, de tão chocado. — Bom dia, pirralho.

Ele não responde. Ao invés disso, separa e fecha os lábios várias vezes, como se não

soubesse nem por onde começar, seus olhos completamente arregalados.

— Bom... Bom dia — gagueja, após um tempo. Sua testa se franze, suas sobrancelhas


quase se colando às pálpebras. — Por que é que vocês estão juntos? E por que não estão

rosnando um para o outro e se odiando como dois animais?

Suas perguntas fazem Asher rir.

Ele se vira para mim, seus olhos encontrando os meus. E estamos perto. Perto demais,

dividindo o mesmo travesseiro.

E, meu Deus, nunca senti tanta vontade de beijar alguém durante toda a minha vida.

— Agora a gente se gosta, Simon — responde Asher, um leve sorriso ladeando sua boca,

seu olhar fixo ao meu.

— Vocês se gostam? — devolve meu irmão, sua voz saindo aguda, completamente

chocada.

— A gente se gosta? — questiono, tão surpresa quanto Simon.

Asher pisca para mim.

— Me diz você — sopra, aproximando nossos rostos ainda mais, sequer se importando

com Simon assistindo de camarote. — Gosta de mim, ruiva?

Asher e eu.

Parece loucura.

É bizarro pensar em como tudo foi rápido. E fácil. Bem mais fácil do que eu poderia

imaginar.

Talvez nossas mães estivessem mesmo certas, no fim das contas. Talvez Hartford sempre

tenha tido uma queda secreta por mim, e só revelou ou se deu conta disso agora, quando comecei

a ser legal com ele, graças ao meu plano de conquistá-lo.

Estou descendo as escadas da república, ainda usando sua camiseta preta. Asher disse

que viria assim que terminasse de tomar uma ducha. E ele até insistiu para que eu o

acompanhasse, tentando me convencer com vários selinhos, uma mão na minha cintura e todos

aqueles sorrisinhos capazes de molhar qualquer calcinha, mas neguei no mesmo instante. Estou

faminta. E não sei o que Sebastian está assando, mas o aroma que circula pela casa está

maravilhoso, fazendo minha barriga roncar com ainda mais força.

Em minhas mãos, meu celular vibra assim que chego na metade da escada. Paro no

instante em que leio o nome de Samantha aparecer na tela, junto a uma nova notificação de

mensagem. E suspirando, desbloqueio o aparelho.

Samantha: Bom dia, Vance! Como anda o seu processo criativo? Está tudo certo?

Animada para ver o resultado final!


Levo os dedos ao teclado, pensando no que responder. E então, pela primeira vez desde

que tudo isso começou, me sinto uma babaca. Lembranças de ontem à noite voltam à minha

mente como um filme em câmera lenta.

Asher dançando comigo.

Suas mãos na minha cintura, me acompanhando no ritmo da música.

Seus olhos flamejando ao me flagrar com Kaio.

O ciúme possessivo que tomou seu corpo quando ele subiu as escadas.

A discussão em seu quarto e todas as confissões.

O “foda-se” que saiu abafado pela sua boca antes de seus lábios se chocarem contra os

meus, desesperados, suas mãos me empurrando até a parede.

Sua língua, seu toque, a firmeza com que segurou a minha garganta, seu beijo... Cada

um deles.

Tudo foi perfeito. Caótico, representando muito bem a nossa relação durante todos os

vinte anos em que nos conhecemos. Mas incrível. Explosivo.

Delicioso.

E me sinto uma filha da puta por saber que todas as ações que me levaram a esse

momento partiram de uma farsa.

Respiro fundo, sentindo um peso estranho se alastrar pelo meu corpo enquanto coloco as

engrenagens do meu cérebro para trabalhar, pensando no que responder para Samantha.

Faltam duas semanas para o casamento de Jared. E preciso enviar a coluna para

aprovação apenas alguns dias antes, quando toda essa loucura completar um mês.

Sei que não será um momento bom. E não faço ideia de como vou agir quando tudo isso

acabar, assim que finalmente chegar a hora de me afastar de Asher.

A vida dele estará uma loucura, graças à chegada do casamento. E não quero ser babaca.

Ao menos, não mais do que já estou sendo.

Suspirando mais uma vez, finalmente tomo uma iniciativa, respondendo Samantha.

Eu: Bom dia, Sra. Swat! Até agora, tenho tudo sob controle. O alvo e eu estamos nos

dando bem, e já estou adiantada na criação do rascunho inicial da coluna. Acho que vai gostar.

Estou trabalhando duro para dar o meu melhor.

E me sentindo a pior pessoa do mundo, bloqueio o celular logo em seguida, forçando um

sorriso no rosto ao voltar a descer os últimos degraus da escada.

Por incrível que pareça, a sala já está completamente arrumada, todo o caos gerado

durante a festa de ontem guardado em sacos de lixo, acumulados em um dos cantos. Não sei que

horas Alexa, Joey e Seb acordaram, mas fizeram um ótimo trabalho.

— Bom dia — desejo, entrando na sala. Alexa e Joseph estão deitados juntos, se


abraçando em um dos sofás. Seus olhos correm em minha direção, e pesco uma almofada em

uma das poltronas, a atirando em direção a eles, que me encaram impressionados com a minha

audácia. — Asher está descendo daqui a pouco, seus idiotas.

Joey entra em desespero no instante em que escuta minhas palavras. Na velocidade da

luz, ele tenta se levantar, mas acaba caindo no chão, arrancando uma risadinha dos meus lábios.

— Cuidado, Fisher! — exclama Alexa, o ajudando a se levantar.

Os deixo para trás ao dar meia-volta, indo ao encontro de Seb, na cozinha. Ele sorri ao

notar minha presença, as mesmas luvas verdes com bolinhas brancas de sempre protegendo suas

mãos da temperatura ardente do forno.

Uma vez, Alexa comentou que os avós de Sebastian têm uma padaria, e que essa era a

explicação por trás de toda essa sua obsessão com assar coisas. Ele costuma ajudá-los lá, quando

tem a chance.

E é extremamente bom nisso. Os cookies que fez outro dia estavam deliciosos.

— O que está fazendo? — questiono, puxando um dos banquinhos do balcão para me

sentar.

— Pão — conta ele, se animando no mesmo instante, como se cozinhar fosse uma das

suas paixões. Sorrio, achando fofinho. — É a receita da minha vó. Sei que quase todos são

iguais, mas, acredite em mim, esse vai ser o melhor pão que já comeu na vida.

— Aposto que sim.

A verdade é que nunca vai deixar de ser engraçado vê-lo em frente ao forno, usando suas

luvinhas. Sebastian é gigante. É literalmente uma parede de músculos de 1,90 de altura. Asher e

Joey são fortes, extremamente fortes, mas Seb ainda os supera.

Me pergunto quantas horas por semana ele passa na academia.

— Bom dia — diz a nova voz, apressada ao entrar no cômodo. Olho para trás,

encontrando um Asher pós-ducha descendo as escadas, seus cabelos castanhos molhados, a

franja caindo pela sua testa. Está lindo. — Já olharam o grupo?

Ele para atrás de mim, intercalando seus olhos entre Seb e Joey, que agora se mantém

longe de Alexa, sentado na poltrona.

Os dois negam no mesmo instante.

— Qual grupo? — questiona Joseph.

— O com o Mack — Asher esclarece, suas mãos se pousando em meus ombros, me

surpreendendo ao iniciar uma massagem lenta, porém firme. Ergo o queixo, meus olhos

encontrando seu rosto. — O treinador quer conversar com a gente hoje à tarde, na sala de mídia.

Disse que temos que acabar com as pontas soltas antes do jogo de amanhã, contra a Universidade

de Western. De acordo com ele, o jogo contra os Lancers foi um desastre porque nossa defesa

não agiu o suficiente e “nos escondemos atrás dos nossos tacos”.

Ele afasta seu toque de mim apenas para fazer aspas com as mãos, retornando à

massagem logo depois.


— Mack tem razão — solta Seb, abrindo a portinha do forno para verificar o pão, sem se

mostrar desconfiado diante do fato de que Asher está me tocando.

Diferente de Alexa e Joey, ele não nos flagrou naquela noite, em frente ao restaurante,

mas com certeza deve saber que dormimos juntos ontem, apesar de não ter dito nada. Estou

vestindo a camiseta de Asher, afinal. Sequer estamos tentando esconder.

É como se houvesse um adesivo em minha testa, escrito em letras garrafais: EU

TRANSEI COM ASHER HARTFORD.

— Sei que ele tem razão — comenta Asher. — Foi um jogo horrível. E não estou

nenhum pouco a fim de perder de novo amanhã, então quero que me ajudem a cobrar todo

mundo, mandando o time todo ir para a reunião de hoje. Mesmo que seja domingo e que, com

certeza, metade dos caras esteja de ressaca. Não me importo. Compromisso é compromisso.

— Pode deixar — responde Joey, ainda da poltrona, pegando seu celular para mandar

mensagens, obedecendo ao seu capitão.

As mãos de Asher se afastam dos meus ombros quando ele para ao meu lado, levando os

dedos ao meu queixo. Ele ergue a minha cabeça, se inclinando um pouco para me dar um

selinho, sem sequer se importar com a plateia.

E algo dentro de mim derrete, gostando disso.

— Vai amanhã, não é? — questiona ele, seus olhos focados nos meus. — Tem uma

jersey para estrear.

Um sorrisinho impossível de se controlar ganha vida em meus lábios. E concordo com a

cabeça, o roubando mais um selinho.

— Vou, sim.


— Está caidinha por mim.

— Você é muito convencido. Alguém já te disse isso?

— Eu digo isso para mim mesmo todo dia.

— 10 COISAS QUE EU ODEIO EM VOCÊ

É impressionante o que um belo puxão de orelha feito por um treinador tem o poder de

fazer em um time.

Principalmente se esse treinador for Edward Mack. E se o time for o nosso.

Porque não sei o que aconteceu com os Blue Dragons depois da reunião de ontem,

quando Mack listou todos os nossos erros no jogo contra os Lancers, mas ela, com certeza, abriu

nossos olhos.

Porque nunca vi o nosso ataque e a nossa defesa tão agressivos quanto hoje. E olha que

geralmente a agressividade tende a ser um dos nossos pontos fortes.

Sem tirar os olhos do puck, aumento minha velocidade sobre o gelo, me posicionando,

caso Nathan Sawyer precise o lançar em minha direção. Ele avança em direção ao gol, seu corpo

desviando da marcação de um cara do time da Universidade de Western, e em uma tacada

perfeita, marca, enchendo o canto direito da rede com o disco.

Podem falar o que for de Nathan, mas ele é bom para caralho. E amo jogar com esse cara.

A torcida vai à loucura. O mar azul e branco de torcedores na arquibancada ganha vida.

Pessoas se levantam, assobiam e erguem seus cartazes no alto, euforia preenchendo seus corpos.

Essa é a melhor parte de jogar na nossa arena, no fim das contas. Aqui estamos rodeados

pelos nossos. Somos aclamados e incentivados por pessoas que realmente torcem pela gente.

Que gastam seu tempo, em que poderiam estar fazendo qualquer outra coisa, para vir nos assistir


apenas porque gostam disso.

E a sensação de realização que me invade é absurda.

Em todas as vezes. Cada uma delas.

Porque o gol pode não ter sido marcado por mim dessa vez, mas sei que tive uma grande

participação nele. E, porra, eu amo esse esporte para caralho.

O hóquei é a minha vida. Simplesmente não me vejo fazendo outra coisa.

Meu coração acelera só de me imaginar em uma arena maior um dia, jogando por uma

franquia profissional. A sensação de ser ovacionado por toda aquela multidão de pessoas, de

olhar em volta e as ver felizes, com os olhinhos brilhando por conta de algo que você fez, com

certeza não tem preço.

Deslizo os olhos pela torcida, os prendendo em um assento específico. O assento em que

ela está. Guardei sua localização na memória desde o início do jogo. E mesmo se não soubesse

que estaria ali, tenho certeza de que a encontraria.

Verena possui um imã que parece me sugar para ela, afinal. Como se fosse uma linha

invisível.

De pé, ao lado da minha irmã, a ruiva bate palmas, um sorriso gigantesco se fazendo

presente em seu rosto enquanto ela comemora o gol. E sinto meu coração se afundar dentro do

peito, a observando com a minha jersey.

Está linda. Mais linda do que nunca.

tarde.

Os universitários vão à loucura quando passamos pelas portas do POP’S, horas mais

Cumprimento alguns estudantes com high fives, as palmas de nossas mãos se chocando

enquanto eu os agradeço após me parabenizarem. Vestindo a jaqueta dos Blue Dragons como se

fosse meu uniforme, ando pelo local com orgulho, e sequer sou capaz de contar quantos

“mandou bem, cara”, “esse é o meu capitão” ou quantos “bom trabalho, Asher” acabo

recebendo.

Não sei exatamente quando aconteceu e nem mesmo como, mas o POP’S, de alguma

forma, acabou recebendo o título e se tornando o bar oficial dos estudantes da Toronto

University. Alguns de nós sempre estão aqui. Não importa que dia seja ou o horário.

Lembro de quase morar aqui, durante os meus primeiros meses como calouro. Era o mais

novo da formação do time de hóquei na época, e os mais velhos gostaram tanto de mim, que me

arrastavam para cá quase todas as noites.

Foram bons tempos.

— Asher! — Don, o proprietário do bar, abre um sorriso gigante ao me ver. Atrás do


balcão, ele aponta com o indicador em minha direção, dando uma piscadinha. — Deixa eu

adivinhar... Venceram o jogo de hoje?

A felicidade dele aumenta quando faço que sim com a cabeça, sem deixar de sorrir.

— Quatro a um. — O orgulho é audível em minhas palavras.

— Ah, que ótimo! — Don bate uma palma, antes de voltar a apontar para mim. Essa é

uma coisa dele. É seu jeito silencioso de dizer “bom trabalho” ou de simplesmente avisar que

está prestando atenção em você. — Quer dizer que hoje é noite de drinks pela metade do preço

para o time?

— Ah, pode apostar! — exclama Joey, logo atrás de mim. Há um sorriso gigantesco em

seu rosto e assim como o resto de nós, Fisher também veste nossa jaqueta azul e branca. Seu

braço está enroscado em volta do pescoço da minha irmã, que ergue a cabeça para encará-lo,

graças a diferença de altura. — E na cerveja também, se o seu coração mandar.

Don aponta para ele.

— Aproveite que estou de bom humor hoje, Joseph.

Joey ri, seguindo o restante dos caras até uma das mesas redondas que sempre ocupamos.

Don se vira, indo até o freezer para pegar algumas cervejas. Ele chama Layla, sua garçonete mais

nova, para ajudá-lo, mas o olhar da loira se perde em mim por um momento, antes de seu corpo

finalmente se virar e ir trabalhar.

— Ah, que ótimo. — Sou pego de surpresa ao ouvir a voz de Verena dizer, em um tom

repleto de sarcasmo.

Me viro, a encontrando de pé ao meu lado. Uma expressão não muito feliz se faz presente

em seu rosto.

Quando o jogo acabou e voltamos ao vestiário, já sabia que o pós-jogo no POP’S

aconteceria. E enquanto os caras se enfiavam nos chuveiros para tomar suas duchas, peguei meu

celular, enviando uma mensagem para Verena e Alexa, dizendo: “POP’S depois daqui. Não

aceito um não como resposta”.

Então, elas meio que não tiveram escolha a não ser nos acompanhar.

— O que foi? — pergunto para a ruiva, após alguns segundos.

Seus olhos correm em minha direção quando ela dá de ombros.

— Nada.

Arqueio uma sobrancelha, tendo a completa consciência de que Verena está mentindo.

É sério. Como as mulheres podem ser tão difíceis? Quer dizer, quando algo as deixa

infeliz, deveria ser obrigatório que se expressassem de verdade, ao invés de fingir que tudo está

bem, só para serem realmente sinceras na segunda vez em que um cara perguntar.

— Tem certeza? — questiono, sabendo muito bem o que acontecerá em seguida.

Verena arruma a postura, uma faísca nova ganhando vida em seu olhar.

— Eu só acho engraçado que... — Viu? Eu disse. — Você pareceu bem interessado em


encarar a garçonete.

Franzo o cenho, confuso.

— A Layla?

Vance ri com escárnio, cruzando os braços. Ela suspira, seu pé tremelicando contra o

chão, como se estivesse impaciente.

— Ah, então você sabe até o nome dela? São íntimos ou algo assim?

Lentamente, conforme meu cérebro processa o que está acontecendo, um sorrisinho

ganha vida em meus lábios. E resolvo brincar.

— Sim. A gente já ficou algumas vezes — minto descaradamente, me esforçando ao

máximo para manter um tom de voz sério, buscando garantir que essa é uma verdade absoluta.

Verena para de se mexer. Ela me encara em silêncio por alguns segundos, assimilando

minhas palavras. E então, explode sem ao menos dizer nada. Seus olhos pegam fogo e ela se

vira, pronta para ir embora.

Rio, segurando seu braço, a puxando de volta para mim antes mesmo que possa se

afastar. Seu corpo se choca contra o meu em um baque e ela ergue o queixo, encontrando meus

olhos.

Sua mandíbula está travada e tudo em seu rosto grita que está furiosa. Mas diferente das

milhões de vezes em que me encarou assim durante nossas vidas, desta vez é diferente.

Porque não é raiva. É ciúme.

E Verena fica uma gracinha assim.

— É brincadeira, ruiva — revelo, mais uma risadinha saindo pelos meus lábios. Seus

ombros relaxam no mesmo instante, mas o olhar furioso não deixa sua expressão. — Não me

interesso pela Layla.

— Que novidade — Verena solta, ácida como sempre foi. — Pelo menos uma escapou

das suas garras de gavião.

Explodo em uma risada, sem conseguir me conter. E isso parece irritá-la ainda mais.

Bufando, ela tenta se desvencilhar do meu toque, mas não permito, apertando minha mão contra

o seu braço com mais força, porém não o suficiente para machucá-la.

— Garras de gavião? — Levanto as sobrancelhas. — É sério?

Verena não responde.

Suspiro, resolvendo continuar, ainda me divertindo diante de toda a situação. Um sorriso

de lado ganha vida em meu rosto.

— Você fica adorável quando está com ciúme, sabia?

Ela franze o cenho.

— Não estou com ciúme — responde, prontamente.

Sorrio ainda mais.


— Está, sim.

— Não estou, não.

— Está.

Vance bufa, agora rosnando ao insistir:

— Não, Asher. Não estou. Primeiro que eu não sinto isso. Segundo que não faria sentido

eu sentir ciúmes de você.

— Tem certeza? — questiono, me inclinando um pouco, diminuindo a diferença de altura

apenas para sussurrar no seu ouvido. — Porque, sabe, não a julgaria. Eu estive entre as suas

pernas. Tudo bem me querer só para você.

Ela estremece, se arrepiando.

Amo a forma como seu corpo reage a mim.

Me afasto, voltando a encarar seus olhos. A raiva deixou seu rosto, permitindo que uma

expressão mais tranquila ocupasse seu lugar.

— Pombinhos, vocês podem se comer com o olhar outra hora! — Ao longe, escuto

Joseph gritar. — Esqueceram? Bebidas pela metade do preço! É hora de aproveitar!

Sorrio, soltando seu braço. Verena gira nos calcanhares, se virando para seguir em

direção à mesa onde Joseph, Seb e Alexa estão. Dou um passo à frente, parando ao lado dela. E

sem sequer pedir permissão, passo meu braço ao redor do seu pescoço.

— Odeio você — Verena rosna, enquanto nos aproximamos dos nossos amigos.

— Não, não odeia — devolvo, amando cada segundo dessa nossa dinâmica. — Você

gosta de mim, ruiva. E até o seu irmão sabe disso agora.

Bufando, ela revira os olhos.

E penso que é a nervosinha mais linda do mundo.


— Você me dá contrações ventriculares prematuras.

— Isso é bom?

— Você faz o meu coração palpitar.

— SEXO SEM COMPROMISSO

CASA DO BARULHO

Joey Fisher criou o grupo CASA DO BARULHO.

Joey Fisher adicionou Alexa, Verena e Sebastian Porter

Joey Fisher adicionou você.

Joey Fisher: É o seguinte. Temos um problema e eu estou quase explodindo.

Verena: O que você fez?????

Joey Fisher: Quase deixei o Pato virar ração de cachorro.

Sebastian Porter: Puta que pariu.


Verena: Como? E por que você está quase explodindo?

Joey Fisher: Vocês não estão escutando os latidos, seus idiotas? Desci do meu quarto

para vir para a cozinha pegar uma bebida e deixei o Cão escapar sem querer. O Pato estava no

andar de baixo e eu literalmente tive que tirar ele DA BOCA DAQUELE GOLDEN RETRIEVER

QUE DE FOFO NÃO TEM NADA. Me prendi com o Pato na lavanderia, o Cão está esperando

do lado de fora para nos matar e eu preciso muito fazer xixi.

Verena: Joey, eu te desafio a ficar cinco segundos sem fazer nada estúpido. Valendo!

Eu: Ele não consegue.

Joey Fisher: É claro que consigo.

Eu: Estou vendo mesmo.

Alexa: Será que alguém pode descer e ajudar o Joseph???? @Verena @SebastianPorter

Joey Fisher: Sabe, seria uma boa, ao invés de só me julgarem…

Eu: Foi você que teve a brilhante ideia de ter um pato e um cachorro como mascotes ao

mesmo tempo. Merece sofrer um pouquinho.

Joey Fisher: Já falei que te odeio hoje, Asher? Porque eu te odeio.

Eu: É recíproco :)

Joey Fisher: EU VOU FAZER XIXI NA CALÇAAAAAAAA!!!!

Sebastian Porter: Estou indo.

— Joey é um idiota. — Bloqueio o celular, rindo baixinho.

Mas qualquer sinal de felicidade morre em meu rosto assim que olho para o lado,

encontrando minha irmã completamente apreensiva, com a testa franzida e ombros dominados

pela tensão.

A ficha do que estamos prestes a fazer volta a cair sobre mim, após o curto intervalo que


Joey e o seu lado estúpido nos proporcionou.

Estamos nos bancos de trás de um dos carros da Hartford Vance, a caminho de uma das

casas do meu pai. O ar que circula pela parte interna do veículo é tão pesado, que até mesmo o

motorista deve sentir.

Acontece que quando Jared Hartford resolve marcar um jantar com os filhos, não temos

outra opção que não seja comparecer. Até porque ele sempre manda um carro nos buscar na

república, como se pensasse que, dessa forma, fica mais difícil o enganarmos ao não aparecer.

E meu pai não é idiota. É muito espertinho, para falar a verdade. Sabe muito bem que se

dependesse de Alexa e eu, esse jantar não aconteceria. Ainda mais agora, com o dia do seu

casamento chegando. Estamos com raiva e Jared sabe disso.

porta.

— Obrigada, Alfred — minha irmã agradece, descendo do carro após o motorista abrir a

Saio logo em seguida. A brisa fria que passa pelo grande e escuro jardim da casa de Jared

Hartford atinge meu rosto, empurrando a franja do meu cabelo para trás. E quando encaro a

construção de três andares, avaliada em alguns milhões de dólares, o arrepio que atravessa meu

corpo é instantâneo.

Odeio esse lugar. É grande demais, rústico demais e sempre que estou aqui me sinto

prestes a entrar em uma daquelas mansões medonhas de famílias ricas assassinadas dos filmes de

terror.

Minha mãe também odiava ficar aqui. Foi por isso que, além de todas as outras casas

espalhadas pelo país que meu pai tem, ele também comprou um pequeno apartamento no bairro

de North York.

Aubrey passava mais tempo lá do que em qualquer outro lugar.

— O Sr. Hartford já está esperando vocês — esclarece Alfred. Sua voz é gentil e há um

sorriso em seu rosto, mas sei que esse, na verdade, foi o modo menos agressivo que encontrou

para nos apressar e dizer “ei, vocês dois, parem de ficar encarando essa casa como se estivessem

petrificados e andem logo!”.

Troco um breve olhar com Alexa antes de finalmente sair em direção à entrada da casa.

Minha irmã respira fundo, vindo atrás de mim.

— Vai ser uma longa noite — sopra ela, assim que nos aproximamos da entrada.

— Nem me fale — respondo, mordendo a língua ao pensar em concluir com um “se para

você será difícil, imagina só como vai ser para mim...”.

Ergo o punho no ar, hesitando por alguns instantes. Minha cabeça gira, gritando para que

eu dê logo o fora daqui, minta estar doente e veja meu pai somente no seu casamento, mas sei

que ele não me deixará em paz até lá. E como prefiro sofrer por algumas horas, não dias, suspiro,

finalmente batendo na porta.

O suor passa a sair pelas palmas das minhas mãos de forma instantânea, um nervosismo

sobrenatural me consumindo por inteiro.

Odeio isso. Sabe, um filho não deveria se sentir assim antes de encontrar o próprio pai...


É horrível.

A maçaneta gira. Lentamente, a porta se abre. E só de imaginar que pode ser Jared nos

recepcionando, meu coração parece parar de bater.

— Boa noite, queridos! — exclama Lucy, uma das senhoras que cuidam da limpeza da

casa, sorrindo para Alexa e eu.

O alívio me atinge como um balde de água fria.

Depois da morte da minha mãe, em todas as vezes que Jared resolveu chamar Alexa e eu

para jantarmos, ele estava nos esperando sentado à mesa. E sempre foi muito mais fácil dessa

forma, porque nenhum de nós precisa cumprimentá-lo com beijos no rosto ou abraços. Apenas

nos sentamos, comemos e tentamos lidar com o jantar da melhor maneira possível, nos

esforçando para não enlouquecer.

Não sei o que faria se fosse ele a pessoa a nos receber na porta. Quer dizer, eu o

abraçaria? O cumprimentaria com um aperto de mão ou um beijo na bochecha? Sei que ele é

meu pai, mas toda essa situação é estranha para caralho.

E é triste que essa dúvida exista dentro de mim.

Apesar da minha relação com Jared ter piorado nos últimos meses, sinto que nunca soube

exatamente como é um bom relacionamento entre pais e filhos. Quer dizer, eu via a forma como

meus amigos e seus pais se relacionavam e até mesmo notava a diferença de tratamento de Jared

diante de Alexa, mas penso que nunca sabemos realmente como uma coisa é, até a sentirmos na

pele.

Jared sempre esteve presente em corpo, mas nunca em alma. Nunca se importou em se

conectar comigo, muito menos em conhecer minhas vontades e objetivos. O plano que traçou

para a minha vida sempre foi o mesmo. E por mais que pense que assumir seu posto na Hartford

Vance e ser o dono de todas as suas casas luxuosas, carros, helicópteros, apartamentos e ostentar

todo o seu dinheiro seja o melhor plano para a minha vida, eu não concordo com isso.

Aos olhos de algumas pessoas, talvez, isso pareça como um sonho. Mas para mim, que

cresci cercado por um pai que me dava todas essas coisas, menos o principal, isso tudo não é

nada.

Não preenche vazio nenhum. Traz uma felicidade momentânea, é claro, mas está bem

longe de ser o mais importante. E prefiro muito mais conquistar minhas coisas sozinho, fazendo

algo que realmente amo, como jogar profissionalmente, do que herdar o reino de Jared Hartford

e viver daquilo que para ele sempre foi mais importante do que os próprios filhos.

Às vezes me questiono se toda essa pressão que coloca sobre mim, para que eu assuma o

seu posto na empresa e seja, além de advogado, um dos chefes de tudo, é mais pela preocupação

de não morrer assistindo todo o império que construiu indo ralo abaixo, do que porque realmente

se preocupa em garantir o meu futuro.

Afinal, Jared Hartford já provou amar mais o seu trabalho do que os próprios filhos por

mais vezes do que eu poderia contar.

Assim como o seu status, já que está prestes a se casar com uma mulher que não ama

apenas por acreditar que “um grande homem precisa de uma grande mulher para se manter


grande”.

Isso tudo é ridículo!

— Sintam-se à vontade! — diz Lucy, assim que chegamos à sala de jantar, onde a mesa

está montada e meu pai já ocupa a mesma cadeira de sempre: a da ponta.

Forço um sorriso para Lucy, agradecendo quando ela pega meu casaco e o de Alexa e se

afasta para pendurá-los nos ganchos.

E respirando fundo, finalmente me viro na direção de Jared, seguindo minha irmã assim

que ela passa a se aproximar da mesa.

Meu pai não esboça expressão alguma diante da nossa aproximação. Um silêncio

ensurdecedor preenche a sala por completo, mas é quebrado no instante em que minha irmã e eu

puxamos nossas cadeiras para nos sentarmos, o ranger ardido ecoando por todos os cantos.

— Boa noite, pai — sopra Alexa, meio contida.

— Boa noite — responde Jared, lacônico, a voz sem nenhum sentimento.

Ele se levanta, estendendo o braço para começar a se servir.

E sou invadido por uma melancolia estranha, acompanhada de uma vontade de chorar.

Será uma longa noite.

— Sr. Hartford, a Sra. Daisy Killerton está no telefone, dizendo que deseja falar com o

senhor sobre o almoço de amanhã. — É o que diz Lucy, minutos mais tarde, aparecendo no

cômodo e quebrando o silêncio que insiste em fazer morada. Há um telefone fixo sem fio em sua

mão, e uma expressão um pouco perdida se faz presente em seu rosto, como se ela não soubesse

exatamente o que fazer.

Meu pai termina de mastigar seu macarrão antes de falar:

— Diga a ela que estou ocupado. — Ele dá um gole no seu copo de água. — E que a

avisei que estaria jantando com meus filhos esta noite.

E é preciso que eu reúna todas as forças existentes em mim para não acabar revirando os

olhos. Ele está em silêncio há tanto tempo, que não me importaria se atendesse a chamada de sua

noiva. Pelo menos, assim, Jared seria obrigado a falar alguma coisa.

E não mudaria nada, já que ele sequer está conversando com Alexa e eu. Tudo

continuaria exatamente como está.

— Eu falei, mas ela está insistindo muito, senhor — revela Lucy, atraindo nossa atenção.

— Falou que precisa saber o horário em que vão almoçar, pois precisa se programar.

Meu pai fecha os olhos, respirando fundo, como se estivesse buscando se acalmar. Como

se Daisy o estivesse enlouquecendo.


Ótimo.

— Por favor, Lucy, diga a ela que eu irei retornar mais tarde — ele pede. — Se Daisy

insistir, desligue o telefone.

Lucy parece meio surpresa diante da ordem.

— Tem certeza?

— Absoluta — responde Jared, dando um fim ao assunto.

Lucy se afasta, sua voz doce dando novamente o recado à Daisy, assim como meu pai

pediu. E ao longe, quando a ouço soltar um “me desculpe, Sra. Killerton”, imagino que a

conversa não deve estar sendo muito agradável. Daisy não deve ter reagido bem ao fato do meu

pai tê-la ignorado.

Pobre Lucy.

— Então, como estão as coisas? — questiona Jared, pegando Alexa e eu de surpresa.

Nossas cabeças se erguem no mesmo instante, nossos olhos indo em direção à Jared, que

nos encara de volta, esperando por uma resposta.

— Estão bem — Alexa é a primeira a se pronunciar. — Quer dizer, nada de muito novo

aconteceu. Estamos estudando, eu estou trabalhando no rinque e Asher está se saindo muito bem

no time.

Preciso brigar contra a vontade tremenda que me atinge, meu corpo todo querendo se

encolher na cadeira ao ouvir a última parte.

A feição de Jared permanece impassível quando ele leva mais uma garfada do macarrão à

boca, concordando com a cabeça. Engulo em seco assim que seus olhos vêm até mim.

— Soube da sua nota em direito processual.

Meu corpo todo paralisa, como se um raio congelante o atravessasse.

Separo e fecho os lábios várias vezes, parecendo um idiota ao pensar no que dizer.

Percebendo minha falta de palavras, meu pai resolve continuar:

— O Sr. Hamlet me ligou, para me contar.

— Asher foi muito bem, não foi? — comenta Alexa, ao meu lado.

E pela primeira vez em muito tempo, penso que estou prestes a ouvir Jared me

parabenizando pelo meu esforço e dedicação. Penso que, por algum milagre, irei enxergar um

pequeno brilho de orgulho, por menor que seja, cintilar dos olhos do meu pai. Logo ele, que fez

um grande discurso dizendo que estava completamente desapontado comigo, na última vez que

nos vimos, quando me chamou de largado e disse que minhas prioridades eram fúteis e que não

me levariam a lugar nenhum.

Dessa vez, penso que será diferente. Tenho certeza disso.

O problema é que eu não poderia estar mais enganado.

Uma risada ácida escapa pelos lábios do meu pai. Ele limpa a boca com um guardanapo

de pano, balançando a cabeça lentamente em negação antes de soltar:


— Uma nota oito não é nada.

E estraçalhar meu coração por completo.

Pobre Asher Hartford, o homem de 22 anos que luta para receber a aprovação do pai...

É uma situação patética.

Eu sou patético.

Sinto quando a mão de Alexa alcança a minha, sob a mesa. Ela a aperta, como se dissesse

um silencioso “não liga para ele”. E eu gostaria muito de ser capaz de ignorar tudo isso. Gostaria

mesmo. Mas não consigo.

Porque para Jared, quando estou sendo eu mesmo, sou falho. E quando me esforço para

ser quem ele quer que eu seja, paro de ir para festas todos os finais de semana, aumento minha

nota por esforço próprio e tento fazer de tudo para prová-lo que posso ser quem ele quer que eu

seja, continuo não sendo o suficiente.

Acho que nunca serei. Essa é a verdade.

— Sr. Hartford. — A voz de Lucy volta a preencher o cômodo, atraindo o olhar do meu

pai. — A Sra. Killerton está de novo no telefone. Ela disse que é urgente e que precisa falar com

você sobre qual traje deve usar no jogo de golfe, amanhã.

Jared bufa. Ele espalma as mãos na mesa, se levantando de supetão, fazendo com que sua

cadeira se arraste com força sobre o chão, rangendo alto.

E então, murmurando um palavrão e completamente sem paciência, anda até Lucy em

passos pesados, pegando o telefone das suas mãos.

— O que foi, Daisy? Eu estou ocupado! — É o que diz ao atender a ligação, sumindo do

meu campo de visão ao passar pela porta dupla de vidro que leva até uma das sacadas.

Um tanto trêmulo, fecho os olhos, me obrigando a respirar fundo. Os dedos de Alexa

passam a fazer um carinho leve em minha mão, ainda a segurando. Sinto seus olhos preocupados

sobre mim. E enquanto me esforço ao máximo para não explodir, ouço a voz baixinha do meu

pai discutindo com Daisy, ao longe.

E me obrigo a permanecer forte, por mais que tudo em mim grite para que eu seja

completamente patético e comece a chorar.

Não sei exatamente o que me leva ao quarto de Verena, mas é para lá que eu vou quando

chego à república, duas horas mais tarde.

Já é quase de madrugada e a casa toda está em um completo silêncio, com todas as luzes

apagadas, menos a do corredor. Seb e Joey já foram dormir e Alexa está no andar de baixo,

bebendo água antes de se recolher também.

Com cuidado, giro a maçaneta da porta do quarto de Verena. E quando a empurro, me


esforçando ao máximo para fazer o menor barulho possível, a claridade do corredor ilumina um

pouco o quarto, o invadindo.

E me surpreendo no instante em que Vance se move no colchão, ainda acordada. Ela se

senta, seus olhos correndo em minha direção.

Uma expressão confusa toma seu rosto.

— Oi — sopra, meio sonolenta, como se já estivesse quase dormindo. — Está tudo bem?

Lentamente, nego com a cabeça, ainda parado na porta.

— Não — sinto um nó se entalar em minha garganta ao confessar, a voz saindo pesada,

completamente embargada. — Será que... Será que eu posso dormir aqui hoje?

Verena franze o cenho, sendo pega de surpresa. Em silêncio, ela não se move, como se

estivesse processando minhas palavras. Me sinto ridículo. Arrependido, estou prestes a dizer para

deixar para lá, quando ela me surpreende ao segurar o cobertor, o levantando ao seu lado, como

em um pedido silencioso para que eu me aproxime.

Não penso duas vezes antes de fazer isso.

Com cuidado, fecho a porta atrás de mim. A escuridão volta a dominar o cômodo, meus

olhos se acostumando aos poucos com ela. Tiro os sapatos, os deixando em um dos cantos do

quarto, e na ponta dos pés, me aproximo da cama de Verena, sentindo o colchão afundar sob meu

corpo assim que subo em cima dele, logo me enfiando sob o cobertor.

Verena sabe sobre o jantar. Sabe que Alexa e eu estávamos com o meu pai e entende

melhor do que ninguém como a nossa relação é conturbada. Afinal, esteve ao lado da minha

família durante a vida toda, presenciou mais momentos do que qualquer outra pessoa. Por isso,

deve imaginar que o jantar tenha sido um fiasco.

E para não me deixar ainda pior, resolveu se manter em silêncio.

Deitada ao meu lado, ela segura em um dos meus braços, o colocando em cima do seu

corpo. Sorrio ao perceber que quer que eu a envolva, e assim faço, a puxando para mim, colando

seu corpo ao meu. Seu xampu doce invade minhas narinas, e como em um passe de mágica, tudo

em meu interior se acalma.

— Boa noite, estrelinha — deseja ela, usando o apelido que me deu há anos.

Sorrio, a ouvindo bocejar.

— Boa noite, ruiva.

E minutos depois, quando Verena cai no sono, sua respiração se torna pesada e sinto seu

peito subir e descer sob meu toque, ainda estou muito bem acordado.

E pela primeira vez desde que todo esse meu plano de a conquistar começou, me

arrependo, repensando se tudo isso foi mesmo uma boa ideia.

Porque não sei ao certo como ou quando aconteceu, mas acho que talvez exista uma

chance de eu ter me apaixonado de verdade por Verena. Pela minha maior inimiga e melhor

amiga da minha irmã.

E levando em consideração a maneira como nossa história se iniciou, com minhas


mentiras e farsas, sei que ter um futuro ao lado dela é praticamente impossível.

Porque eu sempre estrago tudo.

Talvez meu pai tenha razão, no fim das contas. Talvez eu seja mesmo um caso perdido.

Fazendo um carinho lento no braço de Verena enquanto ela dorme, desejo continuar

assim, com ela, abraçados e nessa cama para sempre.

livre.

Mas a promessa que faço a mim mesmo em seguida se contradiz a esse pensamento.

É só até o casamento do meu pai, penso. Depois disso, me afastarei dela e a deixarei

Antes que eu acabe com a sua vida, assim como faço com a minha todos os dias.


— Eu não consigo não querer você.

— MINHA VIDA COM A FAMÍLIA WALTER

Mais um motivo do porquê não namorar jogadores universitários: Eles vão te abraçar

enquanto dormem e te farão sentir extremamente confortável em seus braços, como se fossem

casa.

E quando estiverem tristes, seu coração vai doer tanto, que sua vontade vai ser de ir até a

casa de um homem de 58 anos e se meter em um assunto que não te diz respeito, apenas para

gritar com ele e tentar trazê-lo de volta à realidade, até que ele deixe de ser um pau no cu e

perceba a gravidade das suas ações.

Se eu levasse mesmo ao pé da letra a ideia de Samantha e escrevesse sobre minhas

vivências, esse seria, sem dúvida nenhuma, um dos motivos a serem adicionados à minha lista.

Mas apesar da editora-chefe ter dito que todo esse plano seria bom para que eu vivesse

tudo na pele e relatasse com propriedade sobre cada tópico, não é uma coluna inteiramente

minha. Tenho que pensar no que pode acontecer com as leitoras. Ou melhor, o que elas deveriam

impedir que aconteça. Porque, afinal, estou escrevendo sobre não namorar com um atleta

universitário.

Mesmo que eles sejam extremamente tentadores.

Mesmo que tenham o poder de fazer seu coração se acelerar, suas pernas ficarem bambas,

que saibam dizer a coisa certa na hora certa e que às vezes pareçam tão perfeitos, que te fazem

esquecer dos motivos que te levaram a odiá-lo durante toda a sua vida.

Mesmo que eles se pareçam com o Asher.


Quer dizer, principalmente se isso acontecer.

Porque não sei exatamente como isso aconteceu, mas quando me dei por mim, Asher

Hartford já havia alugado um espaço gigantesco em minha mente apenas para si. Cada um dos

meus pensamentos acabava ligado a ele, de alguma forma. E quando não estávamos juntos, eu

sentia sua falta.

De alguma maneira, meu coração se conectou ao seu. E após vinte anos, o ódio que sentia

por ele se transformou em outra coisa.

Algo estranho o suficiente para me fazer sentir vazia quando acordei hoje de manhã, rolei

na cama e percebi que Asher não estava mais ao meu lado. Ou quando notei que, na realidade,

ele já não estava mais em lugar nenhum.

Havia um bilhete com a sua letra sobre o balcão da cozinha, dizendo:

Saí para correr. Não esperem por mim para o café da manhã.

Joey e Seb, vejo vocês no treino.

A.H

Não faço ideia do que aconteceu, mas enquanto lia o recado, fui preenchida por uma

sensação ruim, como se algo não estivesse certo.

Não sei exatamente o que ocorreu com Asher após o jantar de ontem à noite, com Jared e

Alexa, mas, com certeza, seu pai teve alguma fala infeliz que o magoou profundamente.

— Vance? — Ouço Ava me chamar.

Sendo fisgada para longe dos meus pensamentos, chacoalho a cabeça, acordando para a

realidade, e só então percebo que estive estática durante todo esse tempo, encarando a tela do

meu computador.

Giro na cadeira, encontrando minha chefe com o olhar. Sentada à sua mesa, Ava me

encara com preocupação, sua testa franzida e desconfiança cintilando em seus olhos.

— Está tudo bem? — questiona. — Você parecia meio longe... Meio desligada.

Faço que sim com a cabeça, apesar de não ter certeza disso.

— Estou — busco garantir, forçando um sorrisinho no rosto. Ava não parece se

convencer disso, então sorrio ainda mais, endireitando a postura. — É sério. Estou ótima!

Minha expressão muda no instante em que sinto algo vibrar sobre minha mesa, o som

incessante fazendo a estrutura de madeira chacoalhar por completo. Movo meus olhos até o meu

celular sem hesitar, franzindo o cenho ao segurá-lo nas mãos e me deparar com diversas

mensagens de Alexa.

No instante em que desbloqueio a tela e leio o que minha melhor amiga enviou, meu

corpo todo é preenchido pelo desespero.


Alexa: Onde você está?????

Alexa: Por favor, me diz que pode sair daí e ir para casa agora.

Alexa: Asher se meteu em uma briga com um cara da Western.

Alexa: Estou presa no rinque. Tenho uma aula para dar daqui a cinco minutos e

ninguém pode assumir o meu lugar.

Alexa: Você consegue ir ver como ele está??? Joey disse que eles estão a caminho da

república agora, mas que meu irmão não quer falar com nenhum deles.

Alexa: Asher não está nada bem, graças a toda essa situação com o meu pai e eu

realmente não sei mais o que fazer.

Alexa: Vi quando ele entrou no seu quarto, ontem à noite. Se Asher vai falar com alguém

além de mim, esse alguém é você.

Eu: Estou indo.

Me levanto da cadeira de supetão, ficando de pé e a mandando para longe, suas rodinhas

deslizando pelo chão atrás de mim. Ergo o olhar, encontrando Ava ainda me encarando.

— Não está tudo bem — revelo, pegando minhas coisas às pressas sobre a mesa.

Gaguejo, sem saber ao certo como pedir isso à minha supervisora. — Será que... Será que eu...

— Pode ir embora? — Ava levanta as sobrancelhas, completando a frase por mim. Ela

concorda com a cabeça. — Pode. Sei que deve ser algo urgente.

Sou invadida por uma enxurrada de alívio no mesmo instante.

— Obrigada. — É o que solto, pegando minha bolsa e começando a me afastar. —

Obrigada mesmo.

E então, atravesso o escritório da Samantha’s Magazine em uma velocidade

impressionante, sequer me importando com todos os olhares julgadores e curiosos que são

lançados em minha direção.

Estaciono meu Mini Cooper da maneira mais torta possível na garagem, antes de descer


do veículo às pressas e sair correndo em direção à entrada da república.

O carro de Asher e a caminhonete de Sebastian estão estacionados em frente à casa, o que

significa que eles já chegaram.

Graças a Deus.

Giro a maçaneta, me surpreendendo ao encontrar a porta destrancada. E sentados no sofá,

dois pares de olhos correm em minha direção, feições um pouco perdidas e ao mesmo tempo

irritadas se fazendo presente nos rostos de Seb e Joey.

— O que aconteceu? — É a primeira coisa que pergunto ao entrar na casa. — Vocês

estão bem?

Como em um gesto ensaiado, os dois fazem que sim com a cabeça.

— Estávamos saindo do treino quando vimos três jogadores da Universidade de Western

no estacionamento riscando o carro do Asher com chaves — começa Joey. — Seb e eu ficamos

putos para caralho e já estávamos indo atrás deles, mas Hartford perdeu a cabeça e foi primeiro.

— A gente não ia partir para a agressão — explica Seb, emendando sua fala a do amigo.

Meus olhos se focam nele. — Tentaríamos conversar, dar um susto neles ou algo assim... Mas

Asher sequer hesitou antes de chegar por trás, virar Louis LeBlanc, um atacante deles, pelo braço

e desferir um soco no seu rosto, atingindo o seu maxilar.

— A boca dele começou a sangrar na mesma hora — fala Joey, chamando a minha

atenção para si novamente. — E Louis não pensou duas vezes antes de revidar, retribuindo o

soco, mas agora acertando bem ao lado do olho de Asher.

— Foi bem feio — Seb continua. — Quando vimos, Asher e LeBlanc já estavam no

chão, repletos de raiva. Joey e eu os separamos no mesmo instante. Até mesmo os caras da

Western se assustaram e interviram, mesmo ciente de que toda aquela merda tinha sido culpa

deles.

— Não era para eles estarem em Toronto ainda — Joey esclarece. — Muito menos para

terem tentado arrumar confusão com um time adversário só porque não sabem perder. Podem se

ferrar muito por isso, se descobrirem. Somos dois times grandes na liga.

— E a gente até poderia pedir para o treinador Mack tentar falar com alguém, se Asher

não tivesse partido pra porrada... — solta Seb, um pesado suspiro escapando pelos seus lábios.

— Mas depois do que fez, Hartford pode se ferrar também. E isso não pode acontecer.

Principalmente agora, que...

As palavras morrem em sua garganta.

— Que Jared quer tirá-lo do time — completo. Os olhos dos dois correm em minha

direção, confusão cintilando por eles, como se estivessem se perguntando como eu sei disso.

Resolvo esclarecer. — Ouvi quando Asher contou para Alexa, há algumas semanas. Eu soube do

rolê das notas e imaginei que Asher se esforçaria para se manter ao máximo longe de problemas,

mas...

— Ele explodiu, Vance — fala Seb. — Ao que parece, o jantar de ontem não foi nada

bom. E Asher vem guardando tanta coisa apenas para si, que... Simplesmente não conseguiu se

controlar e acabou descontando todos os seus problemas em LeBlanc. Tenho certeza de que a


impulsividade na hora do soco não foi apenas porque flagrou o babaca do Louis riscando o seu

carro. Asher colocou tudo para fora ali.

Assinto.

Porque sei disso. Esse sempre foi o grande problema de Asher, ele não conversa. Não

coloca para fora o que sente, e por mais que sei que odeia admitir isso, esse foi um traço que

herdou de Jared. Porque são muito parecidos quando se trata de se expressar.

Ou melhor, de não fazer isso.

Mas Hartford vinha mudando. Pelo menos comigo, ele estava passando a se abrir.

Como quando o ouvi tocar a música favorita da sua mãe e fui até o seu quarto, no dia em

que encontrei o convite de casamento do seu pai. Ou até mesmo ontem, quando entrou no meu

quarto e se permitiu ser vulnerável ao pedir para dormir comigo.

A verdade é que por trás de toda essa máscara de capitão do time de hóquei que coloca

medo em todo mundo, Hartford não passa de um garoto perdido e até mesmo assustado. Um

garoto que só precisa de amor. De amor paterno.

E que não sabe lidar muito bem diante do fato de que é um ser humano com sentimentos,

assim como todos os outros. Que não consegue ser forte como uma rocha diante de uma situação

tão complicada assim, apesar de ser o que ele tenta transmitir a todo mundo.

andar.

É triste pensar que Alexa também passou a fazer a mesma coisa.

— Onde Asher está? — pergunto, após um tempo.

— No banheiro. — Joey aponta com o polegar para a porta do único lavabo no primeiro

Não hesito antes de ir até ela, percebendo os olhares de Joey e Seb me acompanhando em

silêncio. Meus dedos se fecham na maçaneta fria e respiro fundo, tomando coragem.

É instantâneo.

No momento em que a giro, entrando no cômodo, os olhos de Asher correm em minha

direção, se arregalando de forma quase imperceptível. Parado em frente à pia, ele segura uma

gaze próxima a um corte na lateral do olho direito, a vermelhidão e sangue seco se fazendo

presentes por ali.

— Eu... — Seus lábios se separam e voltam a se fechar várias vezes, uma mistura de

confusão, arrependimento e desespero se fazendo presente em seu rosto, tudo ao mesmo tempo.

Ele não queria que eu o visse assim. Isso está claro em seu olhar.

— Soube do que aconteceu — revelo, fechando a porta atrás de mim. Mantenho a voz

baixa, na tentativa de dizer que não estou irritada e muito menos desapontada com ele. Não é

disso que Asher precisa agora. Ele não precisa de mais julgamentos. Foco meu olhar no seu, me

aproximando. — Você está bem?

Uma risadinha fraca e sem o menor resquício de humor escapa pelos seus lábios.

— Eu pareço bem? — Asher devolve, a voz saindo mais ríspida do que o habitual. Ele

fecha os olhos, se arrependendo no mesmo instante. E após respirar fundo, volta atrás. —


Desculpa. Fui um babaca. Você não tem culpa de nada e eu não quero e nem tenho o direito de

descontar nada em você. É só que... tudo está uma bagunça.

Seguro uma gaze nova, deixada sobre o balcão da pia, a umedeço com soro fisiológico,

me virando para Asher logo em seguida.

— Acredite em mim, eu sei disso — solto, aproximando minha mão do seu rosto. Ele

volta a fechar os olhos no momento em que sente meu toque, e geme baixinho, com dor, quando

posiciono a gaze sobre a ferida, o ajudando a limpá-la. O suspiro que escapa pelos seus lábios sai

exausto, completamente carregado. — E sinto muito.

Asher abre os olhos, me permitindo enxergar a imensidão de castanho que os habita. Ele

engole em seco, seu olhar fixo ao meu, nossa troca emanando uma carga elétrica intensa o

suficiente para desconcertar a nós dois.

isso.

— Amanhã faz sete meses — seus lábios sopram, a voz fraca, sem força alguma.

E não preciso ser nenhuma espécie de gênia para entender o que está querendo dizer com

Sete meses desde a morte de Aubrey.

Assim como os Hartford, minha família e eu também estamos contando.

— Dizem que a dor diminui, conforme os meses passam — ele continua. Seus olhos

ficam marejados, e sinto meu coração se quebrar em diversos caquinhos. Uma risadinha ácida

escapa pelos seus lábios, saindo fraca demais. — Mas então acho que estou quebrado, porque

não é isso o que está acontecendo comigo. Tudo parece ficar mais insuportável a cada dia que

passa. E agora estou aqui, dentro de um banheiro, após levar um soco, quase chorando na sua

frente. É patético.

Mantendo meu olhar cravado ao seu, paro meus movimentos no mesmo instante,

começando a afastar meu toque. Asher me impede, seus dedos calejados se fechando ao redor do

meu pulso, me segurando para me manter perto.

Suspiro.

— Não é patético — sopro, me esforçando para manter a voz séria, sem deixar barreiras

para que ele pense que estou o enganando só porque sinto pena dele. — Você não é uma rocha,

Asher, apesar de ser isso o que deseja. Tem sentimentos, assim como todo mundo, e está

passando por uma situação difícil. Está tudo bem ser vulnerável. É completamente normal.

Lentamente, ele faz que sim com a cabeça. E o conheço o suficiente para afirmar que

minhas palavras ainda não fizeram sentido em sua mente, então resolvo continuar.

— Não há nada mais genuíno do que a vulnerabilidade e se permitir sentir — repito o

que Asher me disse, na noite em que fomos ao jogo dos Leafs. — Se lembra disso? Essa frase é

sua, então não deveria fazer sentido apenas quando se trata de mim.

Ele sorri. Uma linha fina, mas verdadeira.

— Às vezes desejo ser mais como você, ruiva — revela baixinho, me pegando de

surpresa. — Admiro a forma como expressa seus sentimentos.

Franzo o cenho.


— Admira? É sério? Sou literalmente uma bomba relógio — devolvo. — Sabe qual foi a

reação que tive quando Alexa me mandou mensagem, perguntando se eu podia ver como você

estava? Simplesmente entrei em desespero, empurrei minha cadeira para longe e sai correndo

pelo andar da revista. Todo mundo me encarou como se eu fosse maluca.

Asher ri. E de repente me sinto feliz, apenas por ver a tristeza deixando sua expressão.

— Então quer dizer que se importa comigo ao ponto de passar vergonha no seu precioso

estágio? — ele pergunta, o tom de voz irritante de sempre voltando à tona.

Reviro os olhos, incapaz de impedir o sorriso que toma meus lábios.

— É, talvez... Mas não é para ficar se achando.

Outra risadinha escapa pela sua garganta.

Com os olhos brilhando, Asher me puxa ainda mais para si, seus dedos ainda ao redor do

meu pulso. Nossos corpos se chocam, me fazendo arrepiar, e ergo o queixo, encontrando seu

olhar, graças à diferença entre nossas alturas.

— Obrigado, ruiva — ele sopra, sendo verdadeiro. — Sabe, não apenas por se importar,

por ter vindo aqui ou por ter deixado que eu dormisse com você, na noite passada. Acho que te

devo agradecimentos pela minha vida toda, na realidade. Porque você e sua família sempre

estiveram aqui pela minha, mesmo quando eu era um babaca completo com você.

Sinto meu coração se amolecer completamente.

— É, você era mesmo um babaca... — É o que respondo, arrancando mais uma risadinha

dos lábios de Asher. — Às vezes ainda é.

Ele força uma expressão indignada.

— Ah, sou, é?

— Sim. Totalmente.

Asher sorri, se inclinando para aproximar nossos rostos. Sem sequer me mover, fecho os

olhos, esperando que me beije. Querendo que me beije.

A ponta dos nossos narizes se tocam, nossas respirações se misturam, e sinto que meu

corpo vai explodir, repleto de expectativa.

— Nesse caso, eu sou o seu babaca — Asher sopra contra meus lábios, me pegando de

surpresa. — E você é o meu exagero.

Então, simples assim, ele me beija.

E acho que meu corpo realmente chega a explodir.


Você não caminha para o amor, você esbarra nele.

Esbarra com tudo.

— IDAS E VINDAS DO AMOR

É o sétimo mês.

E ainda não parece real.

Ainda sinto como se estivesse sonhando. Como se tudo isso fosse um pesadelo. Sinto que

em breve, meus olhos se abrirão e minha mãe estará parada à minha frente. Ou até mesmo que

será ela a pessoa a me chacoalhar, me acordar e sussurrar “está tudo bem, Asher... Foi apenas um

sonho ruim. Estamos a salvo”, e então me envolver com seus braços até que seu perfume volte a

ser vivo em minha mente.

Ou até que eu me lembre com clareza do som da sua voz.

Porque não sei exatamente quando ele passou a se desfazer aos poucos em minha

memória, mas aconteceu.

E essa é uma das coisas mais tristes que já aconteceram comigo. Porque é mais uma

prova. É como um banho de água fria, que me pega de surpresa e me faz acordar completamente,

me lembrando de que ela se foi e não voltará mais.

volta.

Que minha mãe morreu mesmo. De verdade. Para sempre. E que não há como trazê-la de

Sinto um nó se entalar em minha garganta no instante em que paro em frente à porta de

entrada do apartamento em North York, onde Aubrey esteve com vida pela última vez, há sete

meses. E quando aproximo meu dedo do leitor pregado a ela, que lê minha digital, e a vejo se

destrancar automaticamente, engulo em seco, falhando ao tentar mandar o desconforto embora.


A porta se abre devagar, aos poucos me dando a visão do interior abandonado do apartamento, e

sinto meu coração se apertar.

Desde que minha mãe foi encontrada sem vida na sacada, meu pai decidiu que iria parar

de vir ao apartamento. Ele não colocou o imóvel à venda e nem mesmo tentou alugá-lo para

alguém, apenas contratou uma equipe de mudança para que se livrassem dos móveis e

encaixotassem tudo, mas deixassem as caixas empilhadas dentro do apartamento mesmo.

Meu pai e Alexa não pisam os pés aqui faz tempo.

Já eu, faço uma visita a cada mês que se completa e não conto para ninguém.

Acho que esse foi o jeito que encontrei de me sentir próximo a minha mãe, de certa

forma. Porque ela amava esse apartamento. E sempre que piso aqui, sou invadido por memórias

boas, de quando a visitava no meio da tarde, a encontrava assistindo a algum filme extremamente

clichê no sofá da sala, regando as plantas ou até mesmo se desafiando na cozinha.

Aubrey nunca foi uma cozinheira muito boa. Quando conheceu Sebastian, inclusive,

brincou, dizendo que adoraria que ele a ensinasse a receita dos seus cookies, mas que também

ficasse ao lado dela enquanto fazia, já que, nas suas palavras, era péssima.

Aubrey estava certa, apesar de que se eu falasse isso para ela na época, provavelmente

levaria uma bronca.

Andando pelo apartamento, observo os arredores, enxergando os fantasmas da minha

mãe em cada um dos cômodos. O ambiente está intocado, como sempre. As caixas permanecem

empilhadas umas sobre as outras, encostadas nas paredes. Tudo está exatamente igual ao mês

passado, exceto...

Exceto pelo grosso caderno de capa preta aberto, sobre uma pilha de caixas.

Franzo o cenho no mesmo instante em que o vejo, uma enxurrada de confusão me

invadindo. Meus pés se cravam no chão, meu corpo todo congelando.

E por algum motivo estranho, como se tudo em mim previsse que algo está prestes a

acontecer, meu coração passa a bater mais forte.

Respiro fundo, tomando a coragem necessária para me aproximar do objeto. E no

momento em que o seguro nas mãos, o flagro aberto na primeira página e deslizo os olhos pela

caligrafia do meu pai, sinto o peito se afundar.

03 de outubro de 2001.

Querida Aubrey,

É um menino.

Ainda estou surpreso, assim como você. Simplesmente não parece real.

Desde muito jovem, venho idealizando este momento. E durante muito tempo, me

questionei o que sentiria quando ele chegasse.


Você conhece a minha história. Sabe de todos os problemas que tive com o meu pai na

infância. E já conversamos sobre isso. Sei que entende que estou inseguro quanto à paternidade,

pois não sei muito bem o que fazer ou como ser.

Te peço desculpas por isso, inclusive.

Nunca tive um exemplo de um bom pai. Sequer sei por onde começar. Mas te prometo,

com todo o meu coração, que vou me esforçar para não falhar.

Tenho certeza de que será uma ótima mãe. Você é a mulher mais doce que conheço. É

perfeita em tudo o que faz.

Decidimos que o nome dele será Asher. E posso não ter nenhuma bola de cristal para

enxergar o futuro, mas sei que ele será um garoto sortudo por te ter.

Te amo mais do que tudo,

Jared Hartford.

Cada palavra que leio me surpreende de maneira estranha.

Nunca imaginei que meu pai, com toda a sua frieza, escreveria cartas de amor para a

minha mãe. Muito menos que contasse a história deles através de um caderninho.

Me pergunto se um dia ela chegou a lê-lo, ou se Jared nunca teve coragem o suficiente

para mostrá-la.

Torço pela primeira opção.


02 de agosto de 2002.

Querida Aubrey,

Somos pais.

Quer dizer, é claro que já éramos antes, há um mês, quando Asher ainda estava na sua

barriga, mas... Agora é diferente. Agora fazemos “coisas de pais”, como ficar ao lado do berço

o vendo dormir, chacoalhá-lo no colo até pegar no sono, apontar para tudo que é novidade para

ele e dizer “olha só”, enquanto fingimos que aquilo é a coisa mais interessante do mundo,

apesar de não ser nada novo para nós dois.

Por exemplo: Peixes.

Asher ama observar os peixes dentro de aquários. Mesmo sendo muito novo, ele fica

hipnotizado.

Ele viu um aquário pela primeira vez na semana passada, quando fomos ao apartamento

dos Vance. Quase não piscou.

É uma gracinha.

Estou feliz. Sabe, agora temos uma família. Temos um filho.

E diferente do que aconteceu comigo na infância, somos pais com condições para dar

uma vida boa a ele.

Sei que sua família não é como a minha. Sei que nunca passaram dificuldades, diferente

da minha mãe e eu. E não tenho dúvidas de que, caso um dia seja preciso, seus pais nos

ajudarão financeiramente. Mas para mim, é um alívio pensar que não precisamos disso ainda.

As coisas entre William Vance e eu estão indo muito bem. Nosso projeto de criar a

Hartford Vance já está dando frutos, apesar de ainda ser uma empresa pequena.

Estou ansioso pelo futuro dela. Sabe, tenho um bom pressentimento.

Acho que vai acabar se tornando algo bem maior do que imaginamos.

E vou conseguir te dar a vida de rainha que tanto merece.

Com amor,

Jared Hartford.


21 de maio de maio de 2003.

Querida Aubrey,

Quando era criança, costumava ouvir meu pai dizer que “um grande homem precisa de

uma grande mulher para se manter grande”.

Nunca entendi essa frase direito. Frank Hartford nunca foi um grande homem aos meus

olhos. Ele não passava de um alcoólatra, que não procurava emprego, vivia sob as custas da

esposa e ainda batia nela ao chegar bêbado em casa.

Meu pai era um pesadelo. Um tão grande, que sequer me lembro de ficar triste quando

tinha 16 anos e recebi a notícia que ele havia levado um tiro em meio a uma confusão em um

bar, perdendo a vida.

Diferente do que aconteceria com a maioria dos jovens, senti alívio quando ouvi sobre o

ocorrido.

E até hoje me culpo um pouco por isso. Afinal, ele era o meu pai.

Sei que não tinha muitos motivos para ficar triste, já que Frank acabava sendo mais um

peso para mim, do que uma figura paterna. Quer dizer, nenhum garoto que chega em casa após

dar a vida na escola e no trabalho, fica feliz ao encontrar o pai largado no sofá, cercado por

mais garrafas de cerveja do que poderia contar, descansando de barriga para cima depois de

não ter feito nada durante o dia inteiro, e ainda sorri quando ele passa a bater na sua mãe,

apenas porque ela estava com dor e não lavou a louça.

aqui.

Mas ainda assim, Frank era o meu pai.

E não sou grato por nada do que ele fez, mas é por conta da sua existência que eu estou

E que Asher está aqui. Do jeitinho que ele é.

Hoje eu entendo a frase do meu pai. Nunca o considerei um homem grande e jamais vou

enxergar sentido em ligar essa citação a ele, mas hoje eu a entendo.

Porque você, Aubrey, é a minha grande mulher. E ao seu lado, me sinto ainda maior.

Te amo para sempre,

Jared Hartford.


24 de fevereiro de 2004.

Querida Aubrey,

Agora somos quatro.

Inacreditável, não é?

Alexa nasceu ontem, três semanas após o nascimento de Verena, a filha de William e

Caroline. Você e Carol combinaram de tentar engravidar juntas sem nos contar, e William e eu

quase caímos duros quando entraram no escritório e nos deram a notícia.

Alexa é linda, como você. Cabelos castanhos, olhos castanhos, extremamente delicada...

Já a Verena, é exatamente como a Caroline. Cabelos de fogo e olhos azuis intensos.

Gostaria de dizer que William e eu sabemos fazer filhos bonitos, mas não posso, porque

todos eles são a cara das nossas esposas.

Do seu amado, pai de dois,

Jared Hartford.


02 de fevereiro de 2006.

Querida Aubrey,

É quase meia-noite e estou sentado à mesa da cozinha, observando você, Asher e Alexa

dormindo no sofá, enquanto tento não morrer de amores.

Hoje fomos à festa de dois anos da filha dos Vance. Alexa a ama. Já Asher, por outro

lado, não parece gostar muito dela...

Acho que ele tem ciúmes.

Resolvi pegar o caderninho para escrever sobre uma novidade. Você ainda não sabe,

mas nós vamos mudar de casa.

William e eu fechamos uma parceria com uma empresa de cosméticos milionária, e

vamos receber extremamente bem para defendê-los nas causas.

Finalmente a Hartford Vance está recebendo o reconhecimento que merece, e em breve

vamos poder aumentar a nossa equipe e expandir a empresa para outras cidades.

Somos uma família composta por 4 pessoas agora. Precisamos de um lugar maior.

Com amor,

Jared.


24 de abril de 2010.

Querida Aubrey,

Faz muito tempo que não te escrevo, então aqui vai uma breve atualização:

Estamos ricos.

A Hartford Vance passou a atuar nos Estados Unidos há dois anos.

Asher está com 8, e Alexa está com 6.

E tenho trabalhado duro para mostrar a Asher o máximo possível sobre a empresa, para

que crie gosto pela coisa desde jovem e seja um homem trabalhador no futuro.

Minha vida mudou completamente. Quero que meu filho viva da mesma forma.

Te amo,

Jared Hartford.


Passo para a próxima página, me surpreendendo ao vê-la em branco. A sensação de vazio

que me preenche chega sem pedir licença, uma lufada um tanto frustrada de ar escapando por

entre meus lábios.

Quero mais. Preciso de mais.

Meu pai nunca me contou sobre a história da sua família. Minha avó morreu quando eu

tinha 10 anos e a visitávamos sempre que podíamos, mas ela também nunca fez o tipo de avó que

mostrava fotos antigas e contava animada sobre o seu passado.

Agora entendo o porquê.

Meu avô, Frank Hartford, devia ser um bosta completo. E não deve haver muitas histórias

felizes para serem lembradas.

Tampouco deve valer a pena tentar recordá-las.

É triste. Sei que Jared tem milhares de defeitos e que recentemente não tem sido um pai

muito empático, mas ele sempre foi um marido incrível. Nesse campo da sua vida, Jared

gabaritou. E mesmo que eu esteja puto pra caralho com ele agora, com o seu novo casamento

cada vez mais próximo, e que não entenda suas decisões recentes, sei que ele amava a minha

mãe mais do que tudo. Tive minhas dúvidas nos últimos tempos, é claro, mas...

Admito que Verena estava certa quando disse que dava para perceber que ele a amava

apenas observando a maneira como a olhava, completamente fascinado, como se Aubrey tivesse

pintado cada uma das estrelas do céu.

Era verdade. Tão verdade, que às vezes meu pai estava completamente irritado com o

trabalho, mas qualquer resquício de sentimento negativo deixava seu rosto no momento em que

minha mãe passava pela porta, sorrindo ao trazer felicidade para um Jared Hartford carrancudo.

Ela era a luz do sol, e ele a chuva da meia-noite.

Eram completos opostos, mas loucos um pelo outro.

Até que ela se foi. E a vida do meu pai virou de cabeça para baixo.

Saber da existência desse caderninho me deixa feliz. Quer dizer, Jared nunca foi bom em

expressar seus sentimentos, e é legal saber que pelo menos por um tempo, encontrou uma

maneira em que se sentisse seguro para fazer isso.

Estou sentindo um turbilhão de sentimentos percorrendo meu corpo, em um emaranhado

confuso, quando resolvo folhear o restante das páginas em branco, apenas para ter certeza de que

não há mais nada aqui. O caderninho estava fora das caixas, afinal. Alguém deve ter vindo aqui e

o encontrado recentemente.

Franzo o cenho no momento em que passo rapidamente por uma página riscada,

enxergando algumas palavras escritas nela. Após perdê-la, minhas mãos folheiam o caderno na

direção contrária, voltando as várias folhas que já passaram.

E no instante em que a encontro, não é necessário muito tempo para que eu reconheça a

caligrafia. É a mesma de todas as outras cartas escritas aqui, afinal.


2024.

Querida Aubrey,

Não sei o que estou fazendo.

Nem agora, neste apartamento, com uma caneta e esse caderno nas mãos, nem em todos

os outros momentos de todos os outros dias.

Não sei como seguir em frente sem você aqui.

Não era isso o que havíamos combinado. Te disse que queria que ficasse ao meu lado até

o fim, se lembra disso? Você prometeu que seria assim.

Te disse que precisava que fizesse isso, para me impedir de estragar tudo.

Mas não aconteceu.

E agora nossos filhos me odeiam. Até eu me odeio.

Alexa está distante, sem falar comigo. E Asher também tenta me evitar a todo custo.

Sei que não tenho sido exatamente compreensivo com ele. Sei que o pressiono desde

muito novo, para que se dê bem na vida e tenha um futuro decente. E me perdoe, porque eu

tenho certeza de que você, seja lá onde estiver, está extremamente furiosa comigo pelo ultimato

que dei a ele, o dizendo que encontraria uma forma de tirá-lo do time, se ele não tomasse jeito,

mas... Não sei fazer as coisas de outra forma.

E estou completamente errado por isso. Eu sei. Não quero que me entenda. Seria

egoísmo da minha parte esperar que qualquer um entendesse.

Mas a verdade é que eu tenho medo. Fico apavorado só de imaginar meu próprio filho

escolhendo qualquer outro caminho que não seja um caminho seguro. Apavorado só de cogitar

a ideia de vê-lo acabando como o meu pai.

Sei que Asher tem potencial. Não consigo dizer isso a ele, e não sei exatamente o porquê

de ser tão difícil para mim me expressar, mas acredito nele. Só não quero que invista todos os

seus esforços em algo que não vai levá-lo a lugar nenhum.

Por isso o pressiono tanto, para que termine a faculdade e trabalhe comigo, até estar

treinado o suficiente para assumir os negócios.

Ele é o meu filho. O meu primeiro filho. Meu garotinho.

Quero que se dê bem no futuro.

Preciso que se dê bem.

Caso contrário, todos os meus esforços serão em vão.

E a mesma coisa acontece com Alexa. O casamento com Daisy é mais por ela, do que

por qualquer outro.

Sei que não entende isso ainda. Mas é para o seu bem. Alexa precisa de um exemplo

feminino. Um exemplo próximo. E sei que temos a Caroline e que ela trata Alexa com o maior


carinho do mundo, mas não é a mesma coisa.

Eu apenas... Fico apavorado em imaginar meus filhos sem um norte para seguir. Sem

algo que já esteja construído para se espelharem.

Preciso que eles me vejam. Preciso que Alexa veja a forma como tratei você e vou tratar

Daisy. Preciso que enxergue que jamais cometerei os mesmos erros que meu pai, para que saiba

como merece verdadeiramente ser tratada quando encontrar alguém para a sua vida.

E preciso que Asher me enxergue e se espelhe em mim. Porque não sei se suportaria ver

meu próprio filho se arriscando a perder tudo, depois de todos os meus esforços para sair da

situação da minha infância e construir um futuro digno para todos nós.

Será que sou egoísta por isso? Acho que você diria que sim.

Sinto a sua falta. Todos os dias. Todos os instantes.

E faria de tudo para te trazer de volta.

Me desculpe,

Jared Hartford.

Chego ao último ponto final do texto, e uma lágrima teimosa me escapa, deslizando até a

minha bochecha. Fungando, a enxugo com o dorso da mão, erguendo a cabeça e respirando

fundo ao encarar o teto, impedindo que outras como ela se formem e eu me descontrole, caindo

no choro.

Sempre soube que Jared Hartford era uma pessoa complicada e difícil de entender, mas

nunca havia pensado nos motivos que o levaram a isso. Acho que é uma reação humana, afinal.

É mais fácil se virar contra os que acreditamos estarem errados, ao invés de entender o que os

levaram a ter determinados pensamentos ou tomar tais decisões.

Realmente acredito que meu pai não seja uma pessoa ruim. Ele só não sabe lidar com

algumas coisas. E agora eu entendo. Entendo que tudo o que tem feito, é porque teme que minha

irmã e eu um dia acabemos em uma situação parecida com a sua e a da sua família na infância.

Mas não é assim que a vida funciona. Somos pessoas diferentes. E se Jared ao menos

tentasse me conhecer de verdade, saberia disso.

Por mais que não concorde com os meios que tem escolhido para tentar mudar o ciclo, e

muito menos ache que Alexa e eu acabaríamos assim, não consigo continuar o culpando

totalmente.

Porque Jared, no fundo, ainda continua aquele antigo garotinho traumatizado, mesmo aos

58 anos. E como posso odiá-lo por não saber como ser um bom pai, quando ele mesmo não teve

um?


— Acho que sei qual é o meu negócio inacabado.

— Qual é?

— Você.

— E SE FOSSE VERDADE

Alexa se esforça ao máximo para não vomitar.

Joey se agacha ao lado dela, tocando seu braço e a pedindo para erguer a cabeça enquanto

tenta acalmá-la. Preocupação toma o seu semblante, assim como o tom da sua voz.

É fim de tarde e Sebastian, Alexa, Joey, Asher e eu estamos em uma balsa lotada de

pessoas, navegando pelo Lago Ontário, rumo à Toronto Island. Em uma das extremidades do

barco, observamos Toronto se tornando cada vez menor, à medida que nos afastamos.

É uma vista linda, apesar de o sol ter começado a se pôr há pouco tempo.

Às vezes duvido se essa cidade é mesmo real. E olha que nasci e morei aqui durante toda

a minha vida.

Estou perdida, observando a água, quando me surpreendo ao sentir duas mãos segurarem

minha cintura e um corpo parando atrás de mim, uma respiração atingindo o meu pescoço.

— Acho que é a primeira vez que fazemos esse percurso sem brigar — comenta Asher,

rua voz rouca bem no pé do meu ouvido me fazendo arrepiar.

Uma risadinha me escapa.

— Pois é. Espero que dessa vez não me jogue no lago, assim como fez quando éramos

crianças.

Ergo a cabeça, flagrando o momento em que um sorrisinho toma seus lábios.


— Talvez eu jogue — ele brinca, piscando para mim.

Me viro, ainda sentindo suas mãos na minha cintura. E de frente para ele, mostro o dedo

do meio. Asher ri, o segurando. Resmungo quando ele leva as costas da minha mão à boca,

plantando um beijo no ossinho dos meus dedos, antes de se inclinar e me dar um selinho rápido.

— Prometo nunca mais te jogar no lago, ruiva. — Ele estende o mindinho em minha

direção.

Sorrio, entrelaçando nossos dedos.

— Ótimo. Agora posso te odiar um pouco menos.

Asher levanta as sobrancelhas, divertimento atravessando seu semblante. E algo em mim

se acalma ao vê-lo assim.

Ontem completou sete meses desde que Aubrey se foi. Asher esteve estranho desde

então. Ele não falou quase nada, mas não o forçamos. Todo mundo sabia sobre a data e respeitar

o seu tempo foi a escolha mais empática.

E a única, para ser sincera.

— Já conversamos sobre isso — ele diz, o mesmo sorrisinho de lado de sempre se

fazendo presente em seus lábios. O sorriso que hoje entendo o porquê de sempre ter sido capaz

de conquistar tantas garotas. — Você não me odeia mais. Levantamos nossas bandeiras brancas.

— Eu ter dito que gosto um pouco de você não significa que parei de te odiar totalmente.

Asher ri mais uma vez, rodeando seus braços em minha cintura.

— Ah, não? Porque tenho certeza de que meu dicionário diz que são dois termos

completamente opostos.

Dou de ombros.

— Talvez seu dicionário esteja errado.

— Ou talvez você só não consiga admitir que está completamente caidinha por mim.

O encaro como se esse fosse o maior absurdo que já ouvi na vida.

— Eu? Caidinha pelo cara que me empurrou no lago e arrancou a cabeça de todas as

minhas bonecas? Nunca!

Asher me puxa para ele, chocando nossos corpos. E quando se inclina, pronto para me

beijar, estou com um sorriso gigante no rosto.

— Desculpa pelo lance das bonecas também — ele pede, rindo contra meus lábios. —

Poderia dizer que foi sem querer, mas nós dois sabemos que isso não é verdade.

Nossas bocas se chocam, finalmente. Fecho os olhos, sentindo como se todos os sons e

pessoas ao nosso redor desaparecessem.

Neste momento, só existe Asher e eu. E nos encaixamos de um jeito mágico. Um jeito

que nunca me encaixei com mais ninguém.

É... Talvez eu esteja mesmo caidinha por ele, no fim das contas.


O que significa que tenho um problema. Um bem grande.

Sentada em uma cadeira de madeira, arrasto meus pés descalços na areia, sentindo os

grãos entre os dedos. Meus olhos permanecem hipnotizados na cidade à minha frente, do outro

lado do lago.

O céu já escureceu e todas as luzes de Toronto se acenderam. Há turistas ao nosso redor e

permanecemos juntos, sentados lado a lado enquanto apreciamos a vista que com certeza se

encaixa entre uma das mais bonitas do mundo.

— Sou um péssimo morador local — solta Seb, ocupando a cadeira entre as de Asher e

eu e as de Alexa e Joey. Nossos olhos correm em direção a ele. — Nunca tinha vindo aqui antes.

É absurdo.

— Bota absurdo nisso... — diz Joseph.

Sorrio, sendo bombardeada pelas memórias da primeira vez em que estive aqui. Era

muito nova, e minha mãe teve que me acalmar durante todo o percurso da balsa, enquanto eu

repetia para todo mundo ouvir que iríamos afundar. Enquanto isso, Asher sempre ria de mim. E

Aubrey também tinha que controlar Alexa, já que ela costumava ficar enjoada.

O que, aparentemente, não mudou.

Ouvindo quando Seb, Joey e Alexa se perdem em uma conversa sobre estar frio demais

por aqui, me viro para Asher, encontrando seu olhar já apontado para mim. Sentado ao meu lado,

ele sorri.

— Seus olhos ainda brilham, exatamente como acontecia há anos.

Suas palavras me pegam de surpresa. Dou de ombros, sem saber muito bem como reagir.

— Amo essa vista.

— Eu sei — devolve, se levantando e erguendo sua cadeira de madeira avermelhada, a

aproximando ainda mais da minha. Asher volta a se sentar, agora colado a mim. — Te conheço

há 20 anos, ruiva. Sei quase tudo sobre você.

Sorrio.

— E eu sei quase tudo sobre você. Até sobre o hobby que não conta para ninguém.

Ele se inclina em minha direção, sussurrando:

— Qual deles?

Franzo o cenho.

— Ué... — Minha voz sai no mesmo volume que a sua. — Tem algum outro talento

secreto além de tocar violão e cantar?

Um sorrisinho se abre em seus lábios quando ele dá de ombros.


— Não sei. Talvez um dia você descubra.

Finjo estar ofendida.

— Ah, então é assim? Quer dizer que você tem segredos agora?

— Sempre tive — ele sopra, rindo antes de se inclinar ainda mais, apenas para me dar um

selinho rápido.

E quando se afasta, faz isso minimamente. Seu rosto continua próximo ao meu, sua

respiração ainda sendo sentida em minha pele. Seus olhos fitam os meus, próximos demais. E a

carga elétrica que circula entre nós dois é tanta, que não me surpreenderia se alguém de fora a

sentisse também.

Observo a garganta de Asher oscilar, assim que ele engole em seco.

— Se você quiser, ruiva, a partir de hoje todos os meus pores do sol são seus — ele solta,

sua voz séria e baixinha. Como se fosse uma promessa. Uma promessa dita para ser ouvida

apenas por mim.

Arqueio uma sobrancelha, sem afastar nossos rostos.

— Todos, é?

— Por completo — Asher responde. — Inteiramente seus.

Rio baixinho, levando minha mão até a lateral do seu rosto, o puxando para mais um

selinho.

— Você é um idiota.

Ele sorri contra os meus lábios, me beijando mais uma vez.

— E você é perfeita para cacete.

Suas palavras fazem as borboletas dorminhocas em meu estômago voltarem a voar, suas

leves e agitadas asas batendo dentro de mim, me causando uma sensação que até então nunca

aparecia, mas que passou a sempre estar presente, à medida em que me aproximei de Hartford. E

sei que deveria estar feliz. Na realidade, eu me sinto assim. Me sinto mesmo. Mas apesar de

querer muito isso, esse não é um sentimento que dura.

Porque sempre me lembro do que me levou a me sentir dessa forma. De toda a mentira,

da farsa e do plano.

Como pode uma coisa parecer tão certa, mas tão errada ao mesmo tempo?

Ainda estou tentando lutar contra toda a confusão que preenche meu corpo quando Asher

se vira para falar com Sebastian e sinto meu celular vibrar. Pego o aparelho nas mãos,

diminuindo o brilho da tela ao notar ser uma mensagem de Samantha.

E no instante em que leio o que ela enviou, é como se meu coração se estilhaçasse dentro

do peito.

Samantha: Tudo certo com a coluna? O prazo de entrega é amanhã, até 23:59.


Uma dor jamais sentida se alastra por todo o meu corpo, atingindo cada mínima parte de

mim. E eu penso. Juro que penso em ignorá-la, jogar tudo para o alto e dizer que não posso

continuar com nada disso, porque sei que é a decisão correta. Apesar de já ter levado toda essa

situação longe demais e de não saber exatamente como arrumar as coisas a partir daqui, sei que,

ainda assim, seria melhor se eu fosse sincera com Asher e aceitasse que Samantha me demitisse.

Dessa forma, não estaria enganando mais ninguém.

Mas não posso.

É a minha carreira dos sonhos que está em jogo. O que tenho buscado desde muito nova.

Sentindo um amargor tomar minha língua, lanço um rápido olhar para Asher, observando

quando ele ri de algo que foi dito por Seb. E ciente de que estou sendo uma babaca completa e o

ser humano mais egoísta de todo o planeta Terra, volto a minha atenção ao aparelho em minhas

mãos, me sentindo sufocar ao digitar uma resposta para Samantha.

Eu: Tudo certo. Enviarei dentro do prazo.

É isso. Esse é o fim. É exatamente assim que vamos terminar.


Você só precisa ter a coragem de seguir seu coração.

— CARTAS PARA JULIETA

Sebastian e eu invertemos nossos papéis, e agora é ele que usa sua voz autoritária para

me dar ordens, enquanto simplesmente abaixo minhas orelhas e o obedeço.

Acontece que tenho a capacidade para mandar em um time de hóquei inteiro e impedir

que jogadores inconsequentes façam uma merda atrás da outra, mas quando se trata de estar na

cozinha, sou um fiasco gigantesco e preciso que alguém me diga exatamente o que fazer. Ou,

neste caso, como tirar o macarrão da panela sem me causar uma queimadura de segundo grau.

— Está vendo isso? — Seb para ao meu lado. Me encarando como se fosse burro, ele

ergue um objeto com furinhos no ar. — É um escorredor. Você vai tirar a água quente com ele.

— E como eu faço isso? — Nunca me esforcei para aprender muitas coisas sobre

culinária. Quer dizer, minhas únicas especialidades na cozinha são sanduíches e ovos. Os fritos e

mexidos.

Linhas aparecem na testa de Sebastian quando ele me encara repleto de indignação.

— Às vezes esqueço que você é rico. — Suspira, pegando a panela quente e pesada das

minhas mãos.

Parado atrás dele, a alguns passos de distância, o observo trabalhar. Seb se aproxima da

pia, despejando tudo o que há na panela no escorredor, separando, finalmente, a água e a massa

do nosso almoço.

Ele se vira de volta para mim, levantando as sobrancelhas.

— Viu? Mágica! — Ironia respinga da sua voz.


Forço um sorriso em sua direção quando ele volta a me entregar o macarrão, se afastando

para dar atenção à sobremesa, seja lá qual seja ela. Me aproximo do balcão, pronto para

continuar seguindo a ordem da longa lista que Seb me passou, mas uma aproximação repentina

fisga meus olhos como se fosse um imã, afastando qualquer sinal de concentração do meu corpo.

Vestindo um cropped branco e uma calça moletom cinza, Verena entra na cozinha. Seus

olhos azuis me encontram e ela sorri. Um sorriso um tanto contido, mas ainda assim um sorriso.

Retribuo, apesar de saber que há algo errado.

Verena está estranha desde ontem à noite, quando entramos na balsa para deixar Toronto

Island. Ela foi o percurso todo em silêncio, debruçada sobre uma das extremidades do barco. E

quando tentei puxar assunto e até mesmo fazer gracinha, não recebi uma resposta à altura. Eram

sempre resmungos, risadinhas falsas ou meio-sorrisos.

O que foi extremamente estranho, pois estávamos bem.

Quer dizer, eu tinha acabado de confiar todos os meus pores do sol a ela e tinha agido

como um tremendo bobão romântico.

Nunca me imaginei fazendo isso um dia, ainda mais justamente para Verena, em

específico, mas aconteceu. E eu super falaria de novo, então acho que não me arrependo.

Digamos que ela tenha um poder estranho sobre mim. Um poder capaz de me fazer agir

de um jeito bobo e apaixonado, exatamente como o Sebastian agiria.

Não que eu esteja apaixonado. Até porque não posso, por conta de toda a história do

plano, mas é que...

Minha linha de raciocínio voa como fumaça pelos ares assim que Verena me surpreende

ao colar nossos lábios.

— Bom dia, capitão — ela sopra, se afastando.

E é impossível de conter o sorriso que toma meu rosto.

— Bom dia, ruiva. — Me viro, observando quando Verena se aproxima de um dos

armários do alto, o abrindo para pegar um copo vazio. E levando em consideração que,

aparentemente, ela voltou ao seu estado normal, tomo a coragem necessária para dizer o que

pensei durante a noite de ontem. — Está ocupada hoje à noite, depois do trabalho?

Enchendo seu copo com a água do filtro, ela se vira um pouquinho, seus olhos vindo ao

meu encontro.

— Não. Por quê?

O sorriso em meus lábios ganha ainda mais vida.

— Quero te mostrar uma coisa. — Vance franze a testa, várias dúvidas atravessando sua

expressão. Resolvo continuar. — Sabe, quero que saiba sobre o lance do meu segundo hobby

secreto...

Ela se anima no mesmo instante.

— Estou livre! — exclama, me arrancando uma risadinha.


Separo os lábios, prestes a dizer que vou buscá-la às sete, quando ouço o meu celular

apitar. Deslizo os olhos para o aparelho, deixado sobre o balcão à minha frente, e o pego no

instante em que vejo o nome de Nathan brilhar na tela, junto à notificação de uma nova

mensagem.

Nathan Sawyer: Seu pesadelo acabou, capitão. Marvin e eu estamos indo para a

Universidade, buscar nossos animais. Passa esse Pato para cá!

Sou atingido por uma avalanche de alívio no mesmo instante.

— Seb, vou ter que sair — aviso ao loiro, que apenas meneia levemente a cabeça, sequer

se importando com a minha presença na cozinha.

Acho que talvez eu esteja mais atrapalhando do que, de fato, ajudando.

Pelo menos agora sei o que é um escorredor.

Lançando um olhar para a sala, encontro um Joey esparramado pelo sofá, com o controle

da televisão nas mãos, enquanto aperta o botão e muda de canal repetidas vezes. O Golden

Retriever que temos como mascote está deitado bem aos seus pés.

— Joseph, chegou a hora. Levanta essa bunda do sofá e vem me ajudar!

Ele se senta, se virando para me encarar.

— Nathan já te avisou que estão indo?

Concordando com a cabeça, seco minhas mãos em um pano de prato. E ao pegar minhas

chaves sobre o balcão, sinto os olhos confusos de Verena me acompanharem.

— Ajudar com o quê? — a ruiva pergunta.

— É, eu também quero saber. — A voz de Alexa invade o cômodo. A procuro, a

encontrando descendo as escadas.

— O Pato vai para a casa do Nathan, um cara do nosso time — Joey explica, se

levantando.

— E o Cão para a casa do Marvin — complemento, atraindo todos os olhares para mim.

Menos o de Sebastian, que parece estar abduzido, focado demais em dar atenção à sua querida

sobremesa. — Chegamos à conclusão de que separá-los é a melhor decisão.

Assisto o momento em que Joseph se afasta, cruzando com Alexa ao subir as escadas,

dando início à caça do Pato no andar de cima. Girando a chave do carro em um dos dedos, paro

ao lado de Verena, a dando um último selinho antes de sair.

— Eca. — Minha irmã reclama, se aproximando. Me viro para encará-la, vendo quando

enruga o nariz em desaprovação. — Não consigo me acostumar com isso.

— Pois então redobre os seus esforços, maninha. — Sorrindo, deixo a cozinha. E ao

passar pela Alexa, faço questão de bagunçar seus cabelos castanhos, recebendo um olhar afiado e

xingamentos baixinhos em troca. Intercalo meu olhar entre ela e Verena, as avisando. — Joey e

eu vamos passar em uma loja de equipamentos depois, então não se preocupem em nos esperar


para almoçar.

Quase em um gesto ensaiado, as duas concordam com a cabeça.

Pego a coleira do Cão, pendurada em um dos ganchos próximos à porta. E é só me ver

com ela, que o Golden Retriever se anima, levantando em um pulo e se aproximando de mim,

abanando o rabo.

Me agacho, fazendo um carinho no topo da cabeça dele antes de prender seu corpo à

coleira.

— Ah, e, ruiva — chamo Verena ao voltar a ficar de pé, seus olhos correndo em minha

direção. Um sorrisinho ganha vida em meus lábios. — Passo na revista para te buscar às sete

horas. Esteja pronta.

— É sério que todo esse suspense é mesmo necessário? — É o que uma Verena vendada

questiona, horas mais tarde.

Parado atrás dela, rio baixinho, observando o helicóptero cinza escuro, com a logo da

Hartford Vance estacionado bem à nossa frente.

— Confie em mim — sopro, próximo ao seu ouvido. — Se visse para onde estamos indo,

me impediria de te levar.

O corpo de Verena fica tenso de repente.

— Nossa, que reconfortante.

Estamos no topo de um dos maiores prédios da Hartford Vance, em frente às

demarcações do heliponto. A venda que cobre seus olhos foi a melhor ideia que tive. Estou

ciente de que Verena tem medo de altura e tenho certeza de que teria entrado em desespero só de

entrar no elevador e subir até aqui.

Sei que ela mora na cobertura, mas seu prédio não tem muitos andares. Ouvi sua

conversa com Alexa, quando estava prestes a alugar o apartamento. Verena disse que ele era

perfeito exatamente por esse motivo.

— Está pronta? — questiono, finalmente levando minhas mãos ao nó da venda, na parte

de trás da sua cabeça. Respirando fundo, ela não responde nada. E torço para que já seja tarde

demais. Para que Verena não tente voltar atrás, assim que seus olhos capturarem o que há à sua

frente. — Promete que não vai surtar?

Ela inspira e expira mais uma vez.

— Sabe que está me assustando, não sabe? — questiona, me arrancando outra risadinha.

Com calma, meus dedos passam a trabalhar. E em questão de poucos segundos, o nó se

desfaz em minhas mãos, a venda se afrouxando ao redor do rosto de Verena.

— Pronta?


— Se me perguntar mais uma vez, Asher, vou te chutar! — ela devolve, calma como

sempre.

Finalmente afasto a venda por completo, permitindo que enxergue o que nos espera.

Piscando repetidas vezes, Verena demora alguns segundos até se acostumar com a claridade das

luzes que nos cercam. E é instantâneo. No momento em que se dá conta do helicóptero parado à

nossa frente, seu corpo todo congela, como se um balde de gelo fosse virado sobre sua cabeça.

Tudo em mim passa a torcer para que ela não queira voltar atrás.

— Asher, eu... — Tenta falar, mas as palavras morrem em sua garganta. O desespero é

nítido em seu tom de voz quando ela continua. — Nunca voei nesse negócio antes, eu nem

mesmo gosto de andar de avião. Tenho que me dopar de remédio para dormir sempre que piso

em um. Eu...

— Tem medo de altura. Eu sei — completo por ela, segurando com cuidado em seus

braços antes de virá-la para mim. Seus olhos arregalados encontram os meus e abro um

sorrisinho, em uma tentativa silenciosa de garantir a ela que está tudo bem. — Mas pode confiar

em mim, ruiva. Assim como aconteceu na roda-gigante, você vai gostar. A vista é linda e

estaremos seguros, eu prometo.

Verena me encara em silêncio, processando minhas palavras. Dúvida atravessa seus

olhos, e quando pensa na resposta, ela os fecha, suspirando antes de voltar a me olhar

novamente.

— Se eu pedir para descer...

— A gente pousa sem hesitar — completo novamente, sabendo onde quer chegar.

Devagar, Verena assente, se decidindo.

— Certo. Então podemos ir.

O sorriso que toma meu rosto aparece no mesmo instante.

Com a mão em suas costas, a guio até uma das portas do helicóptero, onde, parado de pé,

o piloto nos espera. Verena entra, se sentando. A ajudo a colocar seu cinto, garantindo que esteja

em segurança.

Quando me afasto, sorrio para o piloto.

— Bom voo, Sr. Hartford — deseja ele, meneando a cabeça antes de dar as costas e se

afastar, indo embora.

— Obrigado, Norris.

No instante em que seguro na porta, pronto para fechá-la, Verena estica o braço, me

impedindo. Ergo a cabeça, encontrando seu rosto. Sua testa está franzida e confusão é o

sentimento que toma o seu semblante.

— Espera aí... Quem vai pilotar?

Meus lábios se curvam.

— Conheça o meu segundo hobby secreto, Verena Vance. — É a última coisa que digo

antes de finalmente bater a porta, a fechando lá dentro e a assistindo arregalar os olhos, através


do vidro.

Rio baixinho, dando meia-volta na aeronave, pronto para ocupar o meu lugar. Verena

permanece em choque enquanto afivelo meu cinto de segurança e dou início aos procedimentos,

sentindo seu olhar amedrontado sobre mim em todos os instantes.

— Coloque isso. — A entrego um dos headphones, e ela obedece sem hesitar. Me

equipando com o meu, aproximo o microfone da boca. — Controle Toronto, boa noite. Aqui é o

Charlie Hotel November Victor Papa, com um plano de sobrevoo visual sobre a cidade de

Toronto.

A resposta vem logo em seguida.

— Charlie Hotel November Victor Papa, sobrevoo autorizado.

E é então que, após lançar uma piscadela na direção de Verena, eu decolo.

Pelo canto do olho, vejo quando ela agarra o assento com as mãos, como se segurar em

algo fosse capaz de protegê-la. Seu corpo todo se estica, completamente tenso. E no instante em

que a preocupação me atinge, preciso usar todas as minhas forças para permanecer focado no que

há à minha frente, sem encará-la a cada segundo que passa.

— Está tudo bem? — pergunto no microfone à medida que subimos, agora me

comunicando com Verena.

— Na medida do possível — ela responde, me arrancando uma risadinha.

— Se lembre do acordo. Se quiser pousar, é só pedir.

A encaro rapidamente, encontrando seus olhos já em mim. Vance sorri, assentindo.

— Vou me acostumar.

Depois de quase duas horas, estamos finalmente de volta ao chão.

Assim como imaginei, Verena amou o passeio. Ela demorou um pouco até se acostumar e

até cheguei a ficar preocupado, me perguntando se estava mesmo bem, mas todos os resquícios

de dúvida que poderiam sobrar em mim evaporaram no instante em que a flagrei com os

olhinhos brilhando, após tomar a coragem necessária para observar a cidade abaixo de nós pela

janela.

É até um pouco engraçado que uma garota que tem tanto medo de altura, seja tão

apaixonada por observar as coisas do alto.

E ainda mais hilário que alguém que a odiou durante a vida inteira, ame tanto a observar

fazendo isso. Porque, meu Deus do céu, não sei exatamente o que acontece comigo, mas me

torno um verdadeiro bobo quando encontro Verena com uma expressão encantada no rosto.

É sempre assim. Foi desse jeito na roda-gigante, em Toronto Island e agora também.


Meu coração derrete por inteiro. Fica completamente mole. E eu sorrio como um idiota.

— Desde quando isso acontece? — É o que Verena pergunta minutos depois, quando já

estamos em uma das grandes salas do edifício. É um dos escritórios do pai dela, mas, diferente

do meu pai, ele permite que a filha tenha a senha de acesso da porta. Verena pega a xícara de chá

das minhas mãos quando a ofereço. — Quer dizer, desde quando você pilota?

Me sento ao seu lado no sofá de couro, encolhendo um pouco o meu corpo. Estava muito

frio lá fora, quando descemos do helicóptero.

— Desde os dezesseis — confesso, atraindo seus olhos chocados até mim. Solto uma

risada fraca, pegando o controle na mesinha ao meu lado e ligando o aquecedor. — Comecei a

tirar o PPH [1] com essa idade. Sabe, diferente de você, que pelo visto fugia sempre, cresci voando

nos helicópteros da empresa, com o meu pai. Jared sempre falava que tinha o sonho de pilotar, e

minha mãe odiava a ideia. Ela costumava fazer uma tempestade em copo d’água, dizendo que era

perigoso demais e que não gostaria que meu pai tomasse esse caminho.

Dou uma pausa, deslizando meus olhos até Verena. Sentada sobre as próprias pernas e

dando um gole na sua xícara de chá recém-preparado, ela permanece me encarando com atenção,

interessada na história.

— Em uma noite, quando estávamos apenas ele, o piloto e eu voltando dos Estados

Unidos, meu pai me contou que tinha tomado a decisão de tirar o PPH. Eu tinha quinze anos na

época e implorei para que ele me esperasse. Quando fiz dezesseis, nós dois começamos o

processo. Foi em segredo, já que minha mãe teria feito um alarde da situação e jamais ficaria

tranquila com isso — conto, sendo invadido por memórias que me levam de volta a essa época.

— É o nosso segredo. A única coisa que diz respeito apenas a nós dois e que nos mantêm

conectados, apesar de todas as dificuldades existentes em nossa relação de pai e filho.

Suspiro, sentindo uma tensão estranha preencher meu corpo de repente. Afastando meu

olhar, passo a encarar o chão, pronto para compartilhar o que há de sensível em mim. Para

revelar o que existe bem no fundo, em uma parte em que quase ninguém tem acesso.

— É algo tão nosso, que nessa época até cheguei a pensar que o segredo faria maravilhas

na nossa relação. Quer dizer, meu pai nunca foi uma pessoa fácil de lidar e sempre foi fechado

demais, mas como estávamos passando mais tempo juntos e nos divertindo ao fazer algo que

gostamos, fui inocente ao ponto de pensar que as coisas melhorariam a partir dali. — Cada frase

cai como um peso sobre meus ombros, fazendo com que eu me sinta afundar. Uma risadinha

ácida sobe pela minha garganta, que parece entalada. — Não poderia estar mais enganado.

Ainda sentado, arrasto um dos meus pés sobre o carpete, sem conseguir olhar para

Verena enquanto me abro.

Geralmente, fazer isso é impossível para mim. Mas com ela, não. Com ela é só difícil.

O que é muito estranho.

Engulo em seco, na tentativa de mandar o desconforto embora. Reunindo todas as forças

existentes dentro de mim, ergo a cabeça, voltando a levar meus olhos aos de Verena, que

continua me encarando.

A expressão em seu rosto é séria. Um vinco leve toma sua testa, seu olhar transborda

empatia e tudo nela grita que se importa.


Que se importa comigo.

O que me faz sentir ainda pior, porque, meu Deus, como posso estar sendo capaz de

enganar essa garota?

— Depois do jogo dos Leafs, quando saímos da arena e você me contou sobre as suas

inseguranças de ser demais, disse que sabia que eu não tinha nenhuma — solto, encarando o

fundo dos seus olhos. A intensidade que o azul preso neles emana é tanta, que poderia facilmente

tirar meu ar. — Você afirmou, como se fosse um fato. Como se não houvesse dúvidas.

Verena meneia a cabeça, em um jeito silencioso de dizer que se lembra disso.

— Bom, ruiva, estava terrivelmente errada — confesso em um sopro, engolindo em seco

novamente. A saliva desce pela minha garganta como um peso, e sinto vontade de chorar. Como

pode o simples fato de me expressar ser tão difícil? — Eu sou um inseguro do caralho, para ser

sincero. Talvez seja o cara mais inseguro que você conhece. Porque, por mais que me esforce

para demonstrar o contrário, sou um tremendo covarde.

Verena nega com a cabeça no mesmo instante, separando os lábios para me contrariar,

mas sou mais rápido.

— Eu morro de medo de decepcionar todo mundo, ruiva — revelo de uma vez, minha

voz saindo completamente embargada. Lágrimas indesejadas passam a brotar em meus olhos, e

logo as enxugo com o dorso da mão, impedindo que caiam. — O que não faz o menor sentido

porque parece que, quanto mais esse meu medo cresce, mais eu acabo decepcionando as pessoas.

Mordo a língua, me odiando ao pensar que Verena é a próxima a quem vou decepcionar

completamente. Porque sei que em breve irei partir seu coração, ao revelar toda a verdade. E que

depois disso, ela não vai querer me ver nunca mais.

Não posso continuar mentindo para ela. Seria completamente egoísta. Já fiz muita coisa

errada até aqui, e por mais que saiba que tenho a opção de ser sincero agora e revelar tudo,

aproveitando o embalo da minha coragem para me expressar, não posso.

Sou incapaz disso.

Preciso ir até o fim. Preciso saber se minhas ações, por mais que egoístas e idiotas, fariam

Jared se orgulhar de mim. E sei que estou desesperado por isso. Sei que é ridículo toda essa

pressão que sinto para impressionar o meu pai, mas não sei como ser de outra maneira.

Acho que depois de todos esses anos temendo falhar e falhando sem parar aos olhos de

Jared, enxergar orgulho em seu rosto e saber que fui eu quem o causei passou a ser o meu

objetivo.

Ele é o meu pai, afinal. Preciso conhecer e saber como é a sensação de deixá-lo feliz por

algo que partiu de mim pelo menos uma vez.

E se Jared diz que um grande homem precisa estar ao lado de uma grande mulher, acertei

em cheio. Porque Verena é incrível. E não seria capaz de merecê-la nem em um bilhão de anos.

— Asher... — ela me chama, estendendo a mão até encontrar a minha. Há uma

preocupação infinita em seus olhos, o que me parte ainda mais por dentro. Sou terrível. — Você

não é covarde. Muito menos uma decepção.


Mentira.

— Para ser sincera, nunca pensei que diria isso algum dia, mas você é uma pessoa

maravilhosa — uma linha fina toma seus lábios quando ela confessa. Sua mão passa a fazer um

carinho lento sobre a minha, na tentativa de demonstrar apoio e me tranquilizar. — Sei que disse

o contrário disso durante todos esses anos, mas agora te conheço de verdade. Porque depois de

tanto tempo fingindo ser insuportável, você se permitiu me mostrar quem realmente é. E é

alguém maravilhoso. Deveria ser você mesmo com as pessoas. Sabe, deveria ser o cara gentil,

que ganha pelúcias da Rapunzel para elas, que as leva na roda-gigante, compra vestidos, as ajuda

a perder o medo de altura ao levá-las para voar em um helicóptero, dança com elas e se veste de

Flynn Rider nas festas.

Sou incapaz de conter o leve sorriso que toma meus lábios ao ser bombardeado pelas

memórias de todos esses momentos. Verena ri baixinho, ainda me encarando com uma

intensidade capaz de ler minha alma.

— Sei que ser um pouquinho insuportável está no seu sangue, mas, sabe, você não

precisa fingir ser assim o tempo inteiro — ela diz a verdade em tom de brincadeira, me

arrancando uma risadinha. Seriedade volta a tomar o seu semblante. — Não precisa ser O-

Temido-Capitão-do-Time-de-Hóquei-Asher-Hartford. Pode ser apenas... o Asher. O cara que tem

um coração grande, possui sentimentos e é vulnerável, assim como todo mundo, mas que

também consegue ser sério e amedrontar quem chega perto da garota dele em uma festa, assim

como fez com o pobrezinho do Kaio Kourtney, naquela noite.

O sorriso que toma meus lábios é gigantesco. Levanto as sobrancelhas.

— Quer dizer que agora você é a “minha garota”, huh? — pergunto, sem conseguir

deixar essa passar.

Como se só então se desse conta do que disse, Verena fica completamente vermelha. Ela

gagueja, me fazendo rir. O clima pesado que até então nos cercava é substituído por um

completamente leve, e sinto como se tivesse voltado a respirar.

— Eu não disse isso — devolve após um tempo, mentindo descaradamente.

— Disse, sim.

— Não disse.

Reviro os olhos de maneira teatral, suspirando.

— Sim, ruiva, você disse.

Ela sorri, insistindo na mentira.

— Acho que você ouviu errado.

— Meus ouvidos funcionam muito bem.

— Asher?

— O quê?

— Cala a boca!

Então, simples assim, Verena me segura pela gola da camiseta e me puxa para chocar


seus lábios aos meus, me calando por completo.

E decido passar os próximos dez minutos sem falar nada, com a boca muito ocupada.


A verdade faz todo o resto parecer uma mentira.

— IDAS E VINDAS DO AMOR

Sou uma pessoa horrível.

A respiração de um Asher sonolento é pesada contra meu pescoço. Estamos no meu

quarto, e deitado ao meu lado, afundando seu rosto em minha nuca, ele me rodeia com meus

braços, mantendo meu corpo colado ao seu.

Diferente dele, que tem os olhos fechados, eu mantenho os meus bem abertos, sem

conseguir afastá-los da mesa de cabeceira à minha frente, onde há um relógio fazendo um tic-tac

silencioso para os outros, mas ensurdecedor para mim.

Tic-tac.

Tic-tac.

Tic-tac.

São 23:50, Verena Vance.

É hora de ser uma tremenda filha da puta.

Respiro fundo, segurando em seus braços, ainda ao meu redor. E fechando os olhos com

força, me esforço ao máximo para gravar a sensação de ter Asher bem assim, ao meu lado, me

abraçando fortemente, como se não quisesse me soltar nunca mais. Como se, comigo, ele se

sentisse seguro o suficiente para pegar no sono.

Como se eu fosse um porto seguro. Um porto seguro para quem ele conta seus segredos,

revela suas inseguranças, medos e com quem encontra uma facilidade maior para se abrir.


Mas a verdade é que eu não passo de uma grande mentirosa.

Nossos momentos foram reais. Cada um deles. Todos os sorrisos fáceis que ele arrancou

dos meus lábios foram sinceros. Todas as vezes em que confiei nele, fiz isso porque algo em

mim dizia que era correto, e não porque sentia que precisava, para que o plano desse certo.

Todos os momentos em que o ouvi contar sobre seus problemas e fui consumida pela empatia...

Isso aconteceu porque me importo com Asher de verdade.

Porque gosto dele.

Gosto tanto, que tomar a decisão de enviar a coluna para Samantha avaliar me dói

absurdamente. E sei que sou egoísta por isso. Sei o quão errado é e, com certeza, se fosse uma

situação contrária e Asher estivesse me usando, eu ficaria extremamente triste e irritada com ele.

Por isso, sei que é injusto.

Porque enquanto ele foi verdadeiro desde o início, eu menti, o usei e o enganei.

E não posso continuar ao seu lado. Por mais que queira muito, por mais que esteja feliz

assim e por mais que cada mínima parte de mim esteja dilacerada com essa decisão.

Não seria justo.

Asher merece mais. Bem mais.

Abrindo os olhos, volto a encarar o relógio na cabeceira.

23:55.

Inspiro profundamente e solto o ar com calma antes de me desvencilhar do toque do

atleta que me rodeia, afastando seus braços com cuidado, os tirando de cima de mim. Quase

dormindo, Asher resmunga em desaprovação.

olhos.

— Fica, ruiva — ele balbucia, consumido pelo sono, sem forças para sequer abrir os

Meu coração se parte em vários cacos.

— Eu já volto, está bem? — sussurro, engolindo em seco em seguida. As palavras saem

engasgadas pelos meus lábios.

Ainda de olhos fechados, Asher concorda com a cabeça. Ele boceja, se virando na cama,

ficando de costas para mim ao trocar de posição.

Enquanto o observo, me obrigo a reunir todas as minhas forças, impedindo a mim mesma

de voltar atrás. Meu cérebro e meu coração entram em guerra. Meu lado racional grita, me dando

a ordem de ir até o meu computador e acabar com isso o quanto antes, mas meu lado sentimental

implora para que eu desista, ouça a voz de Asher, volte para a cama, para os seus braços, e

depois minta para Samantha, dizendo que perdi o horário.

Escolho ouvir o lado racional.

Não porque é o que eu quero, mas porque é que deve acontecer.

O nome de Asher não estará na coluna. E ao menos que um de nós conte, ninguém saberá

que o que escrevi foi sobre ele, ou que comecei a ficar com ele somente para agradar a minha

chefe.


Mas quando a revista for publicada, ele saberá. Alexa é a minha fã número um, afinal.

Ela, com certeza, vai comprar a edição, assim como faz com todas as outras, e ver meu trabalho

sozinho em uma das páginas pela primeira vez, em destaque. Depois disso, vai se animar, gritar

sobre a novidade para todos ouvirem, e Asher vai aparecer, pegar a revista das suas mãos e ligar

os pontos.

Seu coração só não vai se despedaçar completamente, porque eu já terei saído da sua

vida. E parte dele já vai ter se quebrado quando isso acontecer.

Minhas malas estão quase prontas, afinal.

Tic-tac.

Tic-tac.

23:57.

Três minutos até ser outro dia.

Dois minutos até o prazo dado por Samantha se encerrar.

Parada em frente à escrivaninha do quarto em que passei a habitar, encaro o meu

notebook aberto. O turbilhão de sentimentos que se alastra em desespero pelo meu corpo alcança

a minha garganta, e de repente me sinto entalada. Até mesmo respirar se torna difícil.

Estou fazendo a coisa certa, é o que me obrigo a pensar, dando os últimos passos até me

aproximar do notebook.

As últimas horas foram agitadas. E hoje, antes mesmo de deixar o escritório da revista

para sair com Asher e conhecer o seu “segundo hobby secreto”, me organizei e deixei tudo

pronto. O e-mail já está escrito e aberto na tela do Google, pronto para ser enviado.

Tudo o que preciso fazer é apertar um único botão.

Tic-tac.

Tic-tac.

23:58.

E é o que eu faço.

Cada mínima parte de mim congela no momento em que a palavra “ENVIADO” aparece

na tela. Fico completamente imóvel. Meus olhos se arregalam, o entendimento da proporção do

que finalmente acabei de fazer caindo sobre mim como um balde de água fria.

Acabou.

É isso.

Parabéns, Verena Vance. Você conseguiu.

Sei que deveria estar feliz. Afinal, essa coluna é extremamente esperada pela minha

chefe. Samantha está empolgada. Pela primeira vez, está colocando expectativas reais em mim,

ignorando o fato de que ainda sou uma estagiária.

Essa ideia fez ela me ver. Me ver de verdade.


Mesmo assim, não consigo dar um único sorriso.

— Ruiva? — Me assusto ao ouvir a voz de Asher me chamar. Ele se vira na cama mais

uma vez, resmungando novamente. — O que está fazendo? Apaga a luz e vem deitar.

Ainda estática, separo os lábios, buscando palavras para respondê-lo. Mas não as

encontro, e minha boca se fecha logo em seguida.

Sinto como se o ar deixasse meus pulmões. Sufocada, entro em desespero.

Preciso sair daqui.

Deixo o quarto em passos apressados, sem olhar para trás. Consumido pelo sono, Asher

sequer percebe quando fecho a porta, chegando ao corredor. Ando até a escada, na expectativa de

ir até a cozinha beber água, buscando me acalmar.

E no momento em que meu pé pisa no primeiro degrau, a voz que escuto me faz voltar a

congelar.

— O que acha que Asher vai fazer agora? — questiona Joey, do andar de baixo. — Quer

dizer, está na cara que ele gosta da Verena de verdade. Dá para ver nos olhos dele. Será que vai

mesmo seguir com o plano e se afastar dela, assim que o casamento de Jared passar?

— Não faço ideia — responde a voz de Seb. — Depois do casamento, ele já terá

conseguido o que planejou. Tem se esforçado bastante, parou de fazer tanta merda, está indo bem

na faculdade e ainda conseguiu mesmo conquistar o coração de Verena. Acho que vai conseguir

fazer com que Jared desista de tirá-lo do time e pare de pegar tanto no seu pé.

Franzo o cenho, processando cada uma das palavras que ouvi. Uma onda de confusão me

invade, e me esforço para organizar meus pensamentos.

— É o que espero... — devolve Joey. — Sabe, foi um plano muito bem pensado. Tem

que dar certo.

Um plano?

Eu fui um plano para Asher durante esse tempo todo?

Isso não... Isso não pode estar mesmo acontecendo.

O sangue se acelera em minhas veias, queimando, me fazendo arder de dentro para fora.

Minha cabeça gira, sendo invadida por uma raiva sem fim. E decidida a tirar isso a limpo, dou

meia-volta, saindo em disparada pelo corredor, rumo ao quarto de hóspedes.

Escancaro a porta sem pensar duas vezes, meus pés se cravando no lugar assim que meus

olhos se conectam a um Asher agora de pé, parado em frente à escrivaninha, onde deixei meu

computador aberto.

Merda.

— O que é isso? — questiona ele, o castanho dos seus olhos me encontrando,

desapontamento preenchendo seu corpo por inteiro.

— Não mexa nisso — dou a ordem prontamente.

Asher solta uma risada ácida.


— Não perguntei se posso ou não mexer, perguntei o que é isso — ele devolve, com a

voz ríspida. Dor cintila em seus olhos.

E é nesse instante em que percebo que é tarde demais.

Asher já leu o e-mail que mandei à Samantha. O mesmo e-mail que repetia seu nome e a

palavra “plano” pelo menos dez vezes cada.

Ótimo.

Ele me encara em silêncio, negando várias vezes com a cabeça, como se não acreditasse

em nada do que acabou de ver.

Não acredito que fui burra ao ponto de deixar a aba do Google aberta.

— Você me usou, Vance — sopra depois de um tempo, suas palavras saindo sufocadas.

Asher parece atordoado. Outra risadinha sem qualquer resquício de humor o escapa. — Porra,

eu acabei de te contar coisas que nunca havia falado para ninguém e você simplesmente enfiou

uma adaga nas minhas costas. Simplesmente... mentiu para mim durante todo esse tempo.

— Ah, e você não? — devolvo, completamente alterada. Não vou ficar escutando-o agir

como se eu fosse a única errada nessa história toda. Asher franze o cenho. E exatamente como

ele fez, rio com escárnio, voltando a ficar séria logo em seguida. — Ouvi Joseph e Sebastian

conversando na cozinha. Sei que sou parte do seu plano de parar de decepcionar o seu pai.

Sua postura é corrigida no mesmo instante, como se um choque de realidade caísse sobre

o seu corpo. Como se, só então, ele se desse conta de que é tão baixo quanto eu.

De que também foi um completo filho da puta desde o começo, exatamente como eu.

Cruzo os braços, respirando fundo. Meus olhos permanecem cravados aos seus, os

sustentando sem vacilar.

A tensão existente entre nossos corpos é tanta, que poderíamos simplesmente explodir o

cômodo.

— Espero que consiga o que tanto quer — sopro, me esforçando para me manter forte,

por mais que minha vontade agora seja de sair correndo e chorar até acabar com toda a água do

meu corpo. — Espero que seu papai não te expulse do time, quando contar a ele que você, o

filho perfeito, conseguiu parar de agir como um babaca e me conquistar.

A garganta de Asher oscila quando ele engole em seco, seu olhar ainda cravado no meu.

Sua mandíbula se trava com força, os olhos em chamas, o queixo tremendo.

— Então é isso. Esse é o fim. Voltamos à estaca zero.

Mordendo a língua na tentativa de controlar as lágrimas que tentam se formar em mim,

reúno todas as minhas forças para negar com a cabeça lentamente.

— Não precisamos voltar a nada, Hartford. Nunca deixei de te odiar. — A mentira faz

meu peito se apertar ao sair dos meus lábios. Asher vacila, dando um passo para trás, como se

minhas palavras tivessem o acertado como um baque. Sentindo a garganta se fechar

completamente, me deixando sem ar, forço o sorriso mais falso do mundo nos lábios. — Foi uma

armação. Sou uma ótima atriz.


— Ótimo — ele responde entredentes.

— Ótimo — repito, erguendo o queixo, mantendo o tom de voz na altura do seu.

Foi um plano irreversível.

A mesma ideia estúpida que o fez se apaixonar por mim, foi a responsável por quebrar

seu coração.

E poderia estar me sentindo muito pior por isso agora, se Asher não tivesse feito

exatamente a mesma coisa comigo.

Onde foi que estávamos com a cabeça, afinal?

Nós nunca daríamos certo. Nem em um bilhão de anos.

Porque sempre fomos como bombas prestes a explodir. E acho que, neste momento,

finalmente explodimos.

— Boa sorte com a sua coluna. — É o que Asher rosna ao passar por mim, chocando a

lateral do seu corpo com força contra a do meu.

Não digo nada. O quarto fica vazio, em um completo silêncio. Ouço quando uma porta

bate, no corredor.

E não espero um segundo sequer antes de entrar para valer no cômodo e guardar o

restante das minhas coisas nas malas, pronta para deixar a república sem sequer olhar para trás.

No andar de baixo, Joey e Seb chamam meu nome várias vezes, assim que passo por eles

em disparada, mas os ignoro por completo, saindo da casa e entrando no meu carro.

É apenas quando estou a duas quadras de distância, que finalmente permito que as

lágrimas ardentes em meus olhos caiam. E sobre o volante, eu desabo.


— É só um jogo. E eu odeio perder. Está livre.

— Obrigada.

— GOSSIP GIRL

— Mais uma vez, Hartford! — A voz estridente chega aos meus ouvidos como um

zumbido irritante.

Não consigo me concentrar.

Encaro o puck sobre o gelo à minha frente, minha visão completamente turva e

embaçada, como se estivesse bêbado. O engraçado é que não ingeri sequer uma única gota de

álcool nas últimas horas.

Só tive a porra do meu coração partido.

E ao que parece, quando isso acontece com um ser humano pela primeira vez, nós nos

transformamos em mortos-vivos. Porque é como se todos os meus sentidos parassem de

funcionar, e a dor dentro do meu peito fosse a única a ser sentida com clareza pelo meu corpo.

Não tenho noção de espaço.

Perco a audição.

Meus olhos não se focam no que existe à minha frente.

Tudo dói.

— Hartford, porra! Eu disse para bater mais uma vez! — o treinador Mack repete, ainda

gritando.

Parado sobre o gelo, segurando meu taco em uma das mãos, ergo a cabeça, encontrando


os meus colegas de time ao meu redor. Estamos em nosso horário de treino e eles me encaram

com expressões confusas em seus rostos, como se estivessem se perguntando o que está

acontecendo comigo e o porquê eu simplesmente não me mexo.

Bom, também não sei ao certo. Apenas sei que é culpa de uma garota ruiva de olhos

azuis, 1,72 de altura e do plano que criou para se aproveitar de mim ao escrever uma coluna de

merda, me destruindo por completo.

Mas também sei que é minha culpa. Porque poderia acusá-la de ser uma tremenda filha

da puta, se eu não tivesse feito a mesma coisa com ela.

Que hipocrisia, Asher Hartford...

— Asher! — Edward Mack berra novamente, tentando me acordar.

Permaneço congelado.

Deslizo meus olhos até Sebastian, parado em frente ao gol, apenas esperando para que eu

resolva agir. Confusão o toma por completo, consigo ver suas sobrancelhas franzidas através das

grades do seu capacete de alta proteção.

Alexa, Seb e Joey não sabem o que aconteceu entre Vance e eu. Meus amigos a viram

saindo às pressas da república ontem à noite e passaram a manhã toda me perguntando se nós

brigamos, mas não respondi.

Fui incapaz disso.

— Não consigo — sopro, por mais que ninguém possa ouvir.

Solto meu taco no chão, ouvindo quando ele atinge o gelo em um baque oco. Me viro de

costas, encontrando o treinador Mack com o olhar. Ele parece impaciente, mas preocupado ao

mesmo tempo.

— Não consigo, treinador — repito mais alto dessa vez, para todos escutarem. — Sei que

isso nunca aconteceu antes, e sinto muito, mas preciso de um tempo. Não... Não estou bem.

Preciso... Preciso sair daqui.

Covarde, é o que diz a voz dentro da minha cabeça. Todos estão te olhando, Asher. Que

patético! Como quer que te respeitem se é tão fraco assim?

Engulo em seco, sentindo o peito arder.

Não há nada mais genuíno do que a vulnerabilidade e se permitir sentir, a voz de Verena

é lembrada por mim, dizendo minhas próprias palavras.

Fecho os olhos, tentando me agarrar a elas.

Nunca perdi o controle em meio a um treino antes. Mas hoje, é como se até o simples fato

de ficar de pé sobre meus próprios patins fosse impossível.

— Tudo bem, garoto — responde Mack, para a minha surpresa. Abro os olhos, o

encontrando em frente à caixa de penalidade do rinque, me encarando com seriedade e pena,

como se me entendesse, apesar de não fazer ideia do que de fato aconteceu comigo. — Pode ir

para o vestiário. Se cuide, está bem?

Concordo com a cabeça, me sentindo grato por sempre ter sido um capitão responsável o


bastante e comprometido com os treinos e jogos.

Mack me conhece. Sabe que eu não pediria para sair, se não fosse um caso grave.

— Obrigado, treinador.

Patino pelo gelo, rumo ao túnel de saída do rinque. Os caras abrem espaço assim que

passo por eles. E ao tirar meu capacete, flagro Joey sem saber muito bem o que fazer, como se

estivesse tão preocupado comigo, que não soubesse ao certo se deveria me deixar sozinho ou me

seguir.

Agradeço mentalmente quando ele escolhe a primeira opção.

Ao chegar no vestiário, não penso duas vezes antes de sentar em um dos bancos e

começar a tirar todo o meu equipamento, ansioso para me ver livre do peso que ele tem sobre o

meu corpo.

Neste momento, é apenas uma coisa a mais para me sufocar.

Até agora não sei exatamente o que me levou a me levantar da cama e ver o que havia no

computador de Verena, ontem à noite.

Ela estava estranha, isso é fato. Quando a chamei e a perguntei sobre o que estava

fazendo, Verena sequer me respondeu. Eu estava, sim, morrendo de sono, mas não sou nenhum

idiota. Captei que havia algo errado no momento em que deu as costas e saiu apressada do

quarto, quase como se estivesse fugindo de algo.

Da culpa, talvez.

Ou de mim.

Deixei minha curiosidade e preocupação falar mais alto quando me levantei da cama e

me aproximei da escrivaninha, onde seu computador estava. Um e-mail havia acabado de ser

enviado a uma tal de Samantha Swat. Nele, Verena confessava ter me usado para escrever a

coluna que estava no documento em anexo.

Foi instantâneo.

Meu peito se partiu, meu coração sangrou, minhas mãos começaram a tremer, fui

consumido pela raiva e me senti um completo idiota.

Não cheguei a ler a coluna. Não tive tempo.

E mesmo que tivesse, não sei se conseguiria.

O tema da coluna era 15 motivos para não namorar com um jogador universitário, afinal.

Não seria forte o suficiente para ler a garota para quem estava começando a entregar meu

coração me detonar através de palavras.

Sei que não sou santo. Sei que nessa história, também posso ser considerado o vilão. E

entendo que errei em muitos pontos, assim como Verena, mas isso não ameniza a minha raiva e

muito menos a minha dor.

E tenho certeza de que para ela, também não.

Conheço Verena desde o dia em que nasceu. Mesmo se nada do que aconteceu tivesse


feito parte do nosso roteiro, eu ainda seria capaz de ler o que há implícito em cada uma das suas

expressões.

Sei que ela não falou sério quando disse que nunca deixou de me odiar. Vance se

esforçou para esconder sua mentira, abrindo um sorriso, na tentativa de demonstrar que nada

daquilo a afetava, mas havia dor cintilando em seus olhos.

Estava dilacerada, assim como eu.

É exatamente esse o problema.

— O que aconteceu, cara? — Ergo a cabeça ao ouvir a voz de Joseph. Agora sem seus

capacetes, Sebastian e ele entram no vestiário com semblantes que gritam que estão preocupados.

— Você está bem?

Penso em mentir. Penso em dizer que sim, me levantar, abrir um sorriso gigante no rosto

e fingir para meus dois melhores amigos, assim como faço diante do meu pai e de todo mundo ao

meu redor.

Penso em continuar sendo a farsa que sou ao esconder minhas emoções mais uma vez.

Mas, reunindo todas as forças existentes dentro de mim, escolho outro caminho.

Porque não sei se aguento continuar lidando com todas as merdas que passaram a

infernizar a minha vida sozinho.

— Não, não estou bem. — Minha voz sai fraca demais, embargada demais. Seb e Joey se

aproximam, me encarando com cautela, esperando pelo desenrolar da minha fala. Há surpresa

em seus olhos. Nunca me viram assim, afinal. O choro parece ficar preso em minha garganta. —

Verena descobriu tudo. Acabou.

Os dois são pegos de surpresa, se entreolhando, como se não soubessem exatamente o

que falar ou fazer.

Sou mais rápido, os cortando antes mesmo de dizerem qualquer coisa. E me sentindo

completamente péssimo, como se tivessem tirado o meu coração de dentro do peito e o amassado

com as mãos antes de colocá-lo de volta, conto tudo, desde o começo. Conto sobre nossas

conversas, sobre nossos momentos mágicos e explico que não sei quando, mas que em algum

momento a convivência com Verena deixou de ser apenas um plano para mim, porque passei a

gostar dela de verdade. Conto que me senti culpado, como se não a merecesse.

Depois, falo sobre a minha mais recente descoberta. Falo sobre o que encontrei no seu

notebook, ontem à noite. Conto sobre ela ter me enganado de volta, durante todo esse tempo,

sobre a nossa briga, sobre sua mentira de nunca ter deixado de me odiar e sobre o fato de ter me

quebrado por inteiro ao ir embora da república.

Cada palavra sai com dificuldade pelos meus lábios. Tão difícil, que me sinto sufocar.

— Meu Deus, Asher... — Joey é o primeiro a se pronunciar após ouvir tudo o que tinha a

dizer. Uma empatia genuína atravessa seus olhos. — Você a ama de verdade, não ama?

Sendo pego de surpresa diante da pergunta, engulo em seco, pensando no que responder.

Navego por todos os meus sentimentos e pensamentos, em busca de uma conclusão.

E quando finalmente encontro uma resposta, é como se todas as peças de um quebra-


cabeça se encaixassem bem diante dos meus olhos.

— Amo — sopro baixinho, assumindo o que é fato. — Acho que sempre a amei. Desde

toda a minha maldita vida. Desde quando éramos dois pirralhos, e minha diversão girava em

torno de implicar com ela. Desde quando comecei a encontrar maneiras de afastar todos os caras

que entravam em seu caminho, por puro ciúme. — Ergo o queixo, sustentando o olhar dos meus

melhores amigos. Suspiro, finalmente me dando conta de tudo. Me dando conta de que nossas

mães estavam certas durante todo esse tempo. — É uma pena que precisei ser um idiota para

perceber isso. E Verena também.

No fim, essa é a prova de que nunca daríamos certo juntos.

Nós não funcionamos.

E se, para o nosso próprio bem, eu tiver que passar o resto da minha vida fingindo que

não tenho sentimentos por ela, além do mais profundo ódio, é isso o que farei.

Porque não posso amá-la. Juntos, somos como explosivos, carregados demais e sempre

prestes a dar início a uma catástrofe.

Nunca deixaríamos de nos magoar.

Foi assim durante a vida inteira, afinal.


Porque você não pode perder o que nunca teve.

— COMO PERDER UM HOMEM EM 10 DIAS

Alexa: É sério mesmo que não vai responder nenhuma das minhas mensagens? Sei que

está no seu apartamento, mas estou preocupada. Quero saber o que aconteceu, e tenho certeza

de que foi algo com Asher, porque ele também está péssimo.

Bloqueio a tela do celular após ler a mensagem de Alexa pela barra de notificação, sem

sequer dar a ela uma resposta.

então.

Faz dois dias desde que tudo aconteceu, e venho ignorando minha melhor amiga desde

Não sei como respondê-la. Sou incapaz de encontrar uma maneira delicada de contar tudo

o que aconteceu e dizer “então, eu fui uma babaca e enganei o seu irmão, mas ele também foi um

filho da puta e esteve mentindo para mim durante esse tempo todo”.

Alexa ficaria dividida, além de extremamente chateada conosco. Não seria justo com ela.

— Então espera aí... Deixe-me ver se entendi. — Ergo a cabeça, encontrando minha mãe

com os olhos. Ela, meu pai e Simon chegaram ao Canadá há algumas horas, e agora estão

espalhados pela sala do meu apartamento. Nós duas estamos no sofá, meu pai está na poltrona e

Simon ocupa a mesa da sala, junto ao Sr. Cenoura, o seu novo coelho de estimação. — Você

fingiu estar apaixonada por Asher por conta de uma coluna para a Samantha’s Magazine?

Suspirando, concordo com a cabeça. Expressões chocadas, mas longe de julgadoras,

tomam os rostos dos meus pais. Sinto minha mãe segurar minha mão, fazendo um carinho de

leve no dorso dela. Engulo em seco, sendo invadida pela gratidão de tê-los de volta ao país, para


o casamento de Jared.

Pelo menos assim, não fico sozinha.

— Ah, filha... — minha mãe sopra, me encarando com pena, como se não soubesse ao

certo o que me dizer.

Ela sabe que estou arrependida. Contei toda a história a eles, afinal. Disse que estava

começando a me apaixonar por Asher de verdade, mas que não podia, porque me culpava por

tudo o que estava fazendo com ele e pensava que Hartford merecesse mais. Abri um coração aos

meus pais, revelando tudo o que senti quando descobri que Asher estava me enganando de volta.

— Eu não podia perder o meu emprego — repito o que já disse antes, agora sentindo as

lágrimas indesejadas se formando em meus olhos. — Não sei o que estava acontecendo comigo,

mas Samantha estava odiando todas as minhas ideias. Até que essa veio, ela amou, me fez ter

esperança, disse que teria que vivenciar tudo, para escrever com propriedade, e me amarrou a

esse plano com Asher...

Digo a última parte tão rápido, que fico sem ar.

— Não queria magoá-lo. E quando percebi isso, quando notei que estava gostando dele e

me dei conta do quão egoísta estava sendo, já era tarde demais.

Minha mãe respira fundo. Em seus olhos, vejo um leve desapontamento cintilar. Caroline

está decepcionada com minhas escolhas e atitudes. Quer dizer, que mãe não estaria? Ela sempre

me ensinou a nunca usar ninguém para alcançar o topo, e mesmo assim fiz o que fiz.

Mas não é só isso que brilha em seu olhar. Ela também está com pena. Com pena porque,

no fim, minhas escolhas estúpidas me fizeram estragar tudo.

— Posso ver a lista dos 15 motivos? — Caroline pergunta.

Não hesito antes de fazer que sim com a cabeça, destravando meu celular e o entregando

para ela. Meu pai se levanta da sua poltrona, se aproximando para ler o que escrevi também.

quê?

E enquanto os observo, penso que sou incrivelmente sortuda por tê-los.

A base do nosso relacionamento é confiança. E isso é algo raro hoje em dia.

— Sua chefe aprovou isso? — questiona meu pai, franzindo a testa.

Concordo com a cabeça.

— Sim. Recebi a resposta ontem à tarde — revelo, ficando confusa de repente. — Por

Eles se entreolham antes de voltarem a me encarar.

— Você leu a coluna que escreveu, Verena? — questiona minha mãe, agora com um

sorrisinho rasgando seus lábios.

— Claro que sim — respondo prontamente. — Passei um mês inteiro trabalhando nisso.

Revisei cada palavra no mínimo setenta vezes.

Meu pai pega o celular das mãos da minha mãe. Ele endireita a postura, pigarreando. E

então, começa a ler.


— 15 motivos para não namorar com um jogador universitário, uma coluna escrita por

Verena Vance. — Sua voz forçada de locutor de rádio me faz sorrir, apesar da situação. —

Motivo número 1: Eles ficam ainda mais gostosos quando estão jogando o esporte em que são

verdadeiramente bons. E isso não deveria ser necessariamente um problema, mas é. Porque,

assim como você, todas as garotas ao seu redor acabam notando a mesma coisa. E elas não só

notam, como também comentam. Motivo número 2: Eles sabem como criar um clima. Sabem ser

intensos ao te olhar, fazendo com que sinta como se houvesse mãos ao redor dos seus pulmões,

os apertando com força suficiente para te sufocar. São mestres nisso. Quase profissionais.

Afinal, a grande maioria deles já deve ter treinado com mais garotas do que sequer poderia se

lembrar.

William faz uma pausa, me encontrando com o olhar. Há um sorriso em seus lábios, e

parece que minha mãe e ele perceberam algo em comum. Algo que ainda não sei o que é, mas

que os diverte.

— Motivo número 3: Eles beijam bem. Muito bem. Tão bem, que vão fazer com que o

beijo fique gravado em seu cérebro durante uma madrugada inteira, te proibindo de dormir ou

de pensar em qualquer coisa além dele — meu pai continua.

Ele lê sem parar. E quando chega ao oitavo motivo, ainda estou completamente perdida,

sem entender onde quer chegar com tudo isso.

Enxergando pura confusão em meus olhos, William, resolvendo, finalmente, explicar

porque de repente minha coluna passou a ser algo tão engraçado, quando toda a história por trás

dela é extremamente caótica.

— Você percebeu que só escreveu coisas boas sobre o filho do Jared, não percebeu? —

questiona ele. Franzo o cenho assim que solta uma risadinha. — Todos os motivos começaram

com um elogio diferente, mas logo em seguida você encontrava uma razão para problematizar a

situação e transformar uma qualidade em algo ruim.

— Por exemplo, o motivo 10 — emenda a minha mãe, atraindo minha atenção para si. —

Você diz que “eles” sabem exatamente o que dizer e fazem isso na hora certa, não importa a

situação. E depois, acrescenta que esse é um tremendo ponto negativo. Porque, tipo, com quantas

mulheres tiveram que treinar para se tornarem tão bons?

Me sinto uma idiota ao ouvi-los. No fundo, meus pais têm razão. No fim das contas,

todos os motivos ruins sobre Asher eram, na verdade, bons. Eu só... me senti tanto na

necessidade de taxá-lo como um babaca para a coluna, que dei um jeito de fazer isso e sequer

percebi.

E sei que também fiz isso por mim e pelo que eu queria acreditar. Admitir para mim

mesma que estive errada sobre Asher Hartford durante todos esses anos é difícil.

— Fala a verdade, filha. — Meu pai arqueia uma sobrancelha, me encarando com

seriedade. — Ter passado tanto tempo com Asher, ao embarcar nesse plano, foi mesmo tão ruim

assim?

Não respondo de imediato. Ponderando sobre tudo o que acabei de ouvir, me esforço para

decifrar todo o turbilhão de sentimentos que percorre meu corpo.

Não, não foi. Sei disso. Esse último mês ao lado de Hartford foi tudo, menos ruim. Me


apeguei a Asher. E não sei exatamente como, mas aconteceu.

Engulo em seco, me preparando para confessar a verdade em voz alta pela primeira vez.

Me preparando para colocar para fora o que venho sentindo em silêncio. Separo os lábios,

prestes a falar, mas então, a voz que escuto é mais rápida.

— Você o ama, sua idiota! — exclama o meu irmão, no canto do cômodo. Sendo pega de

surpresa, movo meus olhos até ele. Sem paciência, Simon espalma suas mãos sobre a mesa ao

ficar de pé. O Sr. Cenoura continua estático, parado sobre a estrutura de vidro à sua frente. —

Meu Deus! É sério mesmo que é tão burra assim e que ainda não percebeu isso?

Um tanto irritado, Simon bufa. Ele esfrega o rosto com as duas mãos, e por um instante

sinto medo do meu irmão explodir. Seus olhos vão ao encontro dos meus pais, e seu indicador se

aponta para mim.

— Minha irmã ama o Hartford! — afirma como se fosse um fato. Consumida pelo

choque, pisco algumas vezes. — Eu liguei para ela em uma manhã, e foi ele quem atendeu.

Estavam deitados juntos. E até aí, tudo bem, sabe, esses universitários de hoje em dia estão

sempre com os hormônios à flor da pele... Mas eu vi o modo como ela o olhou. Verena o ama. E

é uma completa idiota por não ter percebido isso até agora.

— Ei! — exclamo, me sentindo ofendida diante do xingamento.

Simon me mostra a língua, e como se tivesse cinco anos de idade, eu retribuo. Meus pais

riem, julgando toda essa situação como algo hilário.

E seria mesmo, se o fato de Simon ter razão não me apavorasse tanto.

— Não escolhemos por quem nos apaixonamos. — É o que minha mãe diz, após as

risadas cessarem. Seu tom de voz é sério, e atrai toda a minha atenção.

Caroline já havia me dito isso antes. Por algum motivo, essa frase sempre esteve vívida

na minha cabeça. Tão viva, que já até cheguei a dizê-la para Asher, quando estávamos falando

sobre o casamento do seu pai, há quase um mês.

Aquela foi a nossa primeira conversa pacífica, e me lembro de ter estranhado cada

segundo dela.

Por mais que faça pouco tempo, parece que tudo aconteceu há uma eternidade.

O modo como minha mãe me encara agora, como se pudesse ler o que há em minha

alma, me faz arrepiar. Suspiro profundamente, fechando os olhos.

— Certo. Tudo bem. Nós não escolhemos, e eu amo mesmo o Asher — confesso de uma

vez, sentindo as palavras rasgarem minha garganta como se fossem cacos de vidro. Por que é

que tudo isso precisa ser tão difícil? Abro os olhos. — Sei que não deveria amá-lo, mas amo.

Aconteceu. Nunca senti nada assim antes, vocês sabem disso. Nunca me permiti conhecer muitos

caras, porque sempre fui meio maluca pelo meu trabalho e me dediquei a ele durante toda a

minha vida, mas... As coisas com Asher foram diferentes do que com qualquer outro. O que é

extremamente bizarro, porque eu cresci o odiando com todas as minhas forças.

Não sei exatamente o porquê, mas meus pais estão sorrindo quando termino de falar.

Estão radiantes. Quase como se estivessem torcendo há anos para esse momento acontecer.


— Sabe que precisa dizer tudo isso a ele, não sabe? — pergunta meu pai.

Respirando fundo, nego com a cabeça.

— Não posso. — É o que sopro em resposta, a voz sôfrega. Endireito a postura,

desviando meu olhar, sentindo tudo em meu corpo doer assim que as palavras seguintes escapam

por entre meus lábios. — Porque podemos não escolher por quem nos apaixonamos, mas

escolhemos quem vamos magoar. E Asher e eu optamos por fazer isso durante a vida inteira.

Nada foi diferente dessa vez. Por que seria, afinal?

Não tem mais volta.

Fizemos nossas escolhas, e agora o que nos resta é lidar com as consequências geradas

por elas.

Um coração com buraquinhos não é nada. Vai passar em breve, tenho certeza disso.

Porque o amor não é para doer. E isso é algo impossível quando se trata de Asher e eu.


— Você nem sempre precisa ser o que

esperam que você seja, sabia?

— 10 COISAS QUE EU ODEIO EM VOCÊ

Duas horas.

Duas horas até o casamento de Jared Hartford começar. Duas horas até um “sim”

definitivo ser dito no altar. Duas horas até o início de um pesadelo infinito.

Enquanto caminho pelo jardim onde a cerimônia acontecerá, com uma Alexa entediada e

uma cerimonialista inconveniente ao meu encalço, sinto minha gravata me deixar sem ar. Levo

os dedos até ela, a afrouxando, mas a sensação não vai embora. É como se mãos estivessem ao

redor da minha garganta, me sufocando. E no fundo, sei que não é culpa da gravata. Poderia

arrancá-la do meu pescoço, e continuaria me sentindo assim.

É tudo por conta da situação atual, de todas as palavras que adoraria gritar para o meu

pai, entaladas em minha garganta, de todos os pensamentos que consomem meu cérebro e de

todos os malditos garçons, que andam pelo espaço à minha frente como se estivessem

organizando as coisas para mais um casamento normal, e não para o casamento de um homem

que perdeu a mulher que amava há sete meses e que não sente absolutamente nada pela sua atual

noiva.

Não para essa farsa fantasiada de cerimônia.

— Você está bem? — É o que a minha irmã pergunta, me fisgando para longe dos meus

pensamentos.

Usando um vestido azul turquesa e com os cabelos castanhos emoldurando o rosto como

cascatas, Alexa está linda. Ainda não passou maquiagem, mas já está perfeita.


— Ótimo — respondo, sequer me esforçando para esconder o tom de ironia.

Um sorrisinho triste toma os lábios da minha irmã, pena cintilando em seus olhos.

— Vai ficar tudo bem, Asher... — ela solta. E por mais que Alexa não faça ideia do

motivo que levou Verena e eu a entrarmos em crise, algo me diz que sua fala não foi apenas

relacionada ao casamento, mas a essa situação também.

Ela me conhece. Entende que não é nada fácil para mim expressar o que sinto. Por isso,

quando começou a questionar sobre os motivos que tinham levado Verena a sair da nossa casa às

pressas, naquela madrugada, e viu que eu não estava disposto a falar, resolveu deixar para lá.

Sei que sou uma pessoa difícil. Alexa é minha irmã e está preocupada comigo, mas

simplesmente não consigo abrir a minha maldita boca para explicar tudo o que aconteceu. Sou

incapaz de contar a ela que sua melhor amiga e eu nos machucamos profundamente, mas que

ainda a amo.

Incapaz de dizer a ela que faz poucos dias desde que Verena e eu nos falamos pela última

vez, mas que já sinto como se estivesse enlouquecendo. Que sinto saudade dela. Do seu sorriso,

do azul dos seus olhos, da sua voz, da maneira como inclinava a cabeça para trás quando ria de

algo estúpido que saia pelos meus lábios, dos seus beijos, abraços, toques e até mesmo de tudo o

que aconteceu antes disso. Sinto saudade de falar com ela, mesmo que para discutir, como

fazíamos antes, e ouvi-la me chamando de babaca, arrogante, idiota ou todos os outros adjetivos

ruins e difíceis da sua lista interminável de garota inteligente.

Não consigo dizer nada disso à minha irmã, por mais que queira muito. Porque se eu

disser, Alexa vai saber que estou incrivelmente fodido.

E que não faço a menor ideia do que fazer a partir daqui.

Os olhos da minha irmã se afastam de mim no instante em que a cerimonialista que nos

segue se aproxima, a chamando. Bufo, completamente irritado diante da presença dela. Descobri,

graças ao crachá pregado à sua blusa, que seu nome é Zaya. E sei que ela não tem culpa de nada

e que está apenas fazendo o seu trabalho, mas está nos acompanhando com um sorriso

gigantesco no rosto desde que descemos de um dos carros da Hartford Vance, há alguns minutos.

Jared não reagiu muito bem quando Alexa e eu dissemos que chegaríamos junto aos

convidados, e enviou um motorista para a república sem sequer nos avisar.

Alfred foi instruído a ser insistente, apertando a campainha incansáveis vezes. Alexa e eu

fomos pegos de surpresa, e quando nossos ouvidos já estavam explodindo, optamos por ceder,

nos arrumando às pressas antes de sair de casa e encontrar com Alfred em frente à porta.

Foi por esse motivo que minha irmã não conseguiu se maquiar. E porque Alfred passou o

caminho todo nos pedindo desculpas e dizendo que “eram ordens do meu pai”.

— Disseram que você pode se maquiar no camarim, com a noiva — fala a cerimonialista,

com sua prancheta nas mãos enquanto espera por uma resposta positiva da minha irmã.

Resposta essa que, obviamente, não vem.

— Ah. — É o que Alexa solta, sem animo algum. Ela me encara, um pedido silencioso

de socorro em seus olhos. — Certo.


Alexa sequer tenta relutar. Afinal, essa deve ser só mais uma das várias ordens do meu

pai. Não adiantaria nada.

As duas se afastam, me deixando sozinho. Respiro fundo, encarando a multidão de

garçons que atravessa o espaço, organizando todas as mesas redondas e brancas.

Ainda não vi sequer um único sinal de Jared. Sei que Daisy Killerton está no camarim,

terminando de se arrumar, mas não sabia que também era função do noivo se esconder de tudo e

todos, até chegar o grande momento.

Parado em meio ao jardim, tento pensar em uma maneira para fazer com que as próximas

horas passem mais rápido e se tornem menos insuportáveis.

Bebida. Preciso de uma bebida.

Saio em direção ao balcão do bar, onde ainda estão terminando de expor todas as garrafas

nas prateleiras, montando os últimos detalhes. Se eu fosse mesmo um babaca completo, usaria

hoje para me embebedar até acabar a noite em coma-alcoólico. Mas tenho noção. Posso estar

puto pra caralho e odiar toda essa merda, mas não vou estragar tudo, por mais que essa seja, sim,

a minha vontade.

Acabaria piorando as coisas ainda mais. E tenho certeza de que minha mãe ficaria furiosa

comigo, seja lá onde estiver.

Além disso, sou o fantoche de Jared Hartford. Ainda estou sob sua ameaça de encontrar

uma maneira de me afastar do hóquei, e não posso me esquecer disso.

Meu plano pode não ter dado certo por completo, já que Verena não está aqui comigo

hoje, mas, ainda assim, me esforcei para mudar muitas coisas. Parei de exagerar nas festas,

maneirei na bebida, melhorei minhas notas, me dediquei mais aos estudos e parei de me envolver

em confusão.

Tudo bem que teve o pequeno episódio com os caras da Western, mas ninguém

descobriu, então não conta.

Me esforcei de verdade. E se Jared não for capaz de ver isso, não sei o que farei.

Já estou exausto de tentar agradá-lo. Essa é a minha vida, não a do meu pai.

Não deveria ser tão difícil assim.

Viro o primeiro copo de whisky com gelo em alguns goles antes de pousá-lo sobre o

balcão e pedir para o barman enchê-lo novamente. Ele acena com a cabeça, entornando a garrafa

com o bico dosador, me servindo mais uma vez.

— Obrigado — agradeço, assim que se afasta.

Levo o copo até os lábios, prestes a dar mais um gole, mas congelo antes mesmo de

prosseguir. Ao longe, avisto a figura de Jared Hartford andando pelo jardim, com um objeto

preto nas mãos. Meu pai já está vestindo o terno para a cerimônia, e parece um tanto apressado

enquanto caminha na direção contrária de onde estou, rumo a uma casinha branca.

Meu cenho se franze assim que percebo que a apenas alguns metros de distância dele, há

um carro da Hartford Vance. O motorista que o dirige bate uma das portas do banco de trás, a

fechando, como se alguém tivesse acabado de sair por ela.


Como se meu pai estivesse naquele carro.

Sou invadido por uma onda de confusão ao perceber que Jared não estava aqui até agora,

apesar de ter dado a ordem para Alfred, o dizendo para buscar Alexa e eu na república.

Onde foi que ele se meteu, afinal?

Sem desviar meus olhos dele, me afasto do balcão, levando o copo de whisky comigo

enquanto atravesso o extenso jardim. Jared some do meu campo de visão ao passar pela porta da

casa branca, entrando sozinho no espaço. Sequer reluto, decidido em continuar o seguindo.

A decoração ao meu redor me irrita. Não é feia, só deprimente. Cadeiras brancas, flores

brancas, tapete branco, mesas brancas... Se não fosse pelo verde da grama e das árvores no

jardim, tudo seria extremamente sem graça.

Dou o último gole na minha bebida assim que finalmente chego em frente à pequena casa

branca. Pouso meu copo sobre a estrutura de madeira da janela, fazendo uma nota mental para

voltar e pegá-lo depois.

Então, após tomar uma respiração profunda, finalmente empurro e passo pela porta. O

silêncio abraça o interior da casa. É antiga, bem antiga. E como sei que os proprietários deste

espaço apenas o alugam para festas e casamentos, penso que deva ser uma área para os noivos e

famílias ficarem, antes da cerimônia começar. Exatamente como o camarim, onde Alexa e Daisy

estão, em algum lugar do jardim.

Confuso sobre qual direção seguir, olho para os dois lados, à procura de uma luz. A

encontro no momento em que percebo uma porta entreaberta, no final do corredor. Me

esforçando para fazer o menor barulho possível sobre o assoalho escuro, que estala baixinho sob

meus pés, sigo em direção a ela, encaixando meu olho na pequena abertura.

À espreita, meus olhos se cravam em meu pai, sentado à uma mesa, no que me parece ser

uma espécie de quartinho. Além da mesa, há espelhos, guarda-roupas e várias poltronas

espalhadas. Aperto os olhos assim que Jared pousa um objeto sobre a estrutura de madeira à sua

frente. E quando percebo do que se trata, o choque me invade como em uma forte onda, e preciso

me conter ao máximo para não soltar nenhum som surpresa.

É o caderninho. Meu pai trouxe o diário em que escrevia cartas à minha mãe, para o dia

do seu casamento com outra mulher.

Franzo a testa, tentando entender a razão para ter feito isso. Algo próximo à esperança

ganha vida em meu peito assim que penso na possibilidade de Jared estar repensando suas

escolhas. Ele ainda tem tempo para voltar atrás. Se for tomar alguma atitude, a hora é essa e...

Meus pensamentos somem como fumaça pelos ares no instante em que Jared abre o

caderninho e se surpreende ao ver um envelope cair de dentro dele. Meu pai o abre com os

dedos, pegando a carta que havia dentro da embalagem de papel. E de repente, enquanto o

assisto começar a ler a carta que eu escrevi, no dia em que fui ao apartamento onde minha mãe

morreu e descobri sobre o diário, sinto meu coração bater mais forte do que nunca dentro do

peito.

Toda a coragem que senti naquele dia, ao escrever cada palavra, deixa meu corpo. E

penso que foi uma coragem bem covarde, para falar a verdade. Quando estava colocando tudo

para fora naquela folha, não tinha certeza se Jared chegaria a lê-la algum dia. Não dava para


saber se ele faria outra visita ao apartamento, muito menos se encontraria o caderno.

Mas ele encontrou, o trouxe até aqui, e foi surpreendido com as confissões que habitam

em meu coração. Pela primeira vez, Jared Hartford terá acesso à bagunça que passei tanto tempo

guardando dentro de mim.

Espero que ele não a empurre para baixo do tapete.

2024, sétimo mês de falecimento de Aubrey Hartford.

Pai,

Sinto muito por esse caderno ter parado em minhas mãos. Acho que não era o que você

queria, mas aconteceu. Ninguém sabe, mas tenho visitado o apartamento durante todo esse

tempo, a cada novo mês que se completa, e o encontrei sobre uma pilha de caixas.

Li as páginas que escreveu, e não sei ao certo o porquê de estar com essa caneta nas

mãos agora, te dando uma resposta pela qual você nem mesmo espera, mas aconteceu. Por

alguma razão, tomei essa atitude. Mesmo sem saber quando você voltará ao apartamento e

encontrará o que escrevi. Mesmo sem saber se voltará.

Acontece que, assim como você, também tenho muita dificuldade em me expressar.

Acredito que seja algo que herdei, no fim das contas. E sei que não é nada bom. Sofro com isso

todos os dias, e imagino que você também deva sofrer.

Mas lendo seus relatos, percebi que, para você, escrever o que sente é muito mais fácil

do que falar, e resolvi tentar. Então, lá vai:

Nunca te falei isso antes, mas te admiro, Jared Hartford.

Nossa relação é complicada, nunca nos entendemos e sempre acabo magoado, mas,

ainda assim, te admiro. Meu amor de filho por você é infinito, por mais que nesses últimos

tempos ele tenha sofrido alguns balanços. E sei que me ama também, mesmo que não diga isso

com frequência. Mesmo que sequer me lembre quando foi a última vez em que te ouvi dizer.

Não vou mentir. Sinto falta de te ter ao meu lado, como era na infância. Sinto falta de ser

apenas um garotinho que amava observar os peixes e que não possuía toda essa pressão sobre

os ombros, se questionando se um dia será bom o bastante para você. Sinto falta de apenas ser

“Asher Hartford, o seu filho”, e não “Asher Hartford, o seu projeto”.

Às vezes me pego pensando se um dia as coisas vão voltar a ser como antes. Se um dia,

vai voltar a me enxergar com olhos de amor, como relatou que fazia quando eu era apenas um

garoto, e não com um olhar de cobrança.


Não sou você. Não tenho as mesmas vontades, muito menos passei por tudo o que você

passou. Sinto muito por todas as coisas que teve que enfrentar, e admiro a forma como superou

tudo, mas minha vida não é a mesma que a sua, pai. Nem a minha, nem a da Alexa. Somos

pessoas diferentes, em corpos diferentes, com vontades, sonhos e histórias diferentes.

Preciso que me deixe seguir o meu caminho. Preciso que me deixe tentar. E se eu falhar,

que me deixe quebrar a cara e aprender sozinho como me reerguer.

Posso até me formar em direito, mas não é nessa área que quero atuar. Quero ser

draftado por uma franquia grande, fechar contrato com um time profissional e passar o restante

da minha vida fazendo o que mais amo no mundo todo. E conheço o meu potencial. Sei que ele

existe, e que é muito. Se você ao menos me desse uma chance de te levar a um dos meus jogos,

veria com os próprios olhos.

Meu treinador diz que sou a maior aposta que pisou na universidade nos últimos 30

anos, sabia? Por enquanto, pode ser algo incerto, mas existe uma força maior no meu coração.

Uma força que grita para mim todos os dias, dizendo que tudo vai dar certo.

Sinto muito por não querer seguir o mesmo caminho que você. Sinto muito mesmo. Mas

não quero passar o resto da vida atrás de mesas, treinando advogados, lidando com todos os

problemas de uma empresa enorme e muito menos comparecendo a tribunais.

Alexa e eu somos muito gratos pela vida que nos dá. De verdade. Mas isso não significa

que nos sentimos na obrigação de dar continuidade ao legado.

E se te decepciono por isso, não há muita coisa que possa fazer. Não posso abrir mão do

meu sonho, só porque ele não é o seu.

Te peço apenas um voto de confiança.

Confie em mim, pai. Te prometo que vai se surpreender.

A verdade é que sou um tremendo covarde e só estou te pedindo todas essas coisas,

porque não sei se um dia chegará a lê-las. Não ter garantia disso me dá coragem, mesmo que

ainda pouca. Coragem de te dizer que quero te dar orgulho pelo que sou, e que não precisa se

colocar no papel em que está se colocando.

Não precisa se casar com uma mulher que não ama, apenas por pensar que sua futura

família deve ser um exemplo para Alexa e eu. Nós já temos o nosso exemplo.

Temos você, e a mamãe. E teremos para sempre, mesmo que ela não esteja mais aqui.

Porque uma vez, uma pessoa bem importante me disse que você, Jared Hartford, olhava

para Aubrey de uma maneira completamente fascinada, como se ela tivesse pintado cada uma

das estrelas do céu. E não há nada mais lindo do que isso. Nenhum amor é mais puro.

Quero ter o que vocês dois tiveram, no futuro.

Tenho certeza de que Alexa também.

Vocês são nossos exemplos de amor verdadeiro.

Por isso, se acabar mesmo lendo essa carta e ainda houver tempo, eu te peço: Não se

case com a Daisy, pai. Esse não é um pedido para não se casar nunca mais, apenas para que

guarde seu coração, caso ele se apaixone por outra pessoa, no futuro.


Guarde para alguém que valha a pena de verdade. E mesmo que por ora, ainda não

consiga se imaginar amando mais ninguém, confie em mim, o destino é uma caixinha de

surpresas.

E se um dia um novo amor te fisgar, você saberá.

Eu soube.

Do seu filho,

Asher Hartford.


Ela não era a garota que ele sempre sonhou. Ele nunca foi o garoto que ela imaginou para ela. Nenhum dos dois era um

exemplo a seguir.

Mas, por um acaso do destino, eles se tornaram perfeitos um para o outro.

— UM AMOR PARA RECORDAR

— Onde é que você estava? — É o que Alexa questiona, uma hora mais tarde, me

puxando pelo braço assim que volto à área principal do jardim. Por cima da sua cabeça, observo

as mesas começarem a lotar, todos os convidados já chegando. Minha irmã faz pressão sobre

meu braço, chamando a minha atenção. — Asher?

— O que foi? — retruco, abaixando meus olhos para encontrar o seus. Maquiagem cobre

seu rosto, e sua expressão se divide em um misto perfeito de preocupação e raiva. — Estava

apenas dando uma volta.

Suas sobrancelhas se levantam, os sérios olhos castanhos presos nos meus.

— Não fez nada errado, não é?

Abro um sorrisinho nos lábios, negando com a cabeça.

— Nadinha de nada. Até maneirei na bebida.

Ela suspira, seus ombros relaxando no mesmo instante.

Imaginei que minha irmã fosse ficar de olho em mim durante a cerimônia toda. Como eu

disse, poderia muito bem estragar tudo na noite de hoje, mas não valeria a pena. Não mudaria

nada, afinal. Todos me veriam apenas como um garoto revoltado, que se esforça para tumultuar a

vida do pai.

Não impediria Jared de dizer o seu “sim” sobre o altar. Meu pai é um homem decidido. E

se nem mesmo minha carta o fez mudar de ideia, não há chances de uma atitude rebelde


conseguir.

Ignorando Alexa, ainda parada à minha frente, deslizo o olhar pelos convidados,

procurando por um rosto específico. Quando o encontro, deixar de engolir em seco é uma tarefa

impossível.

Porque Verena está tão linda, que me desconcerta por inteiro.

Usando um vestido amarelo e com os cabelos soltos emoldurando seu rosto, ela ri ao

puxar uma cadeira para se sentar à mesa, junto à sua família. Seus cachos ruivos brilham, e de

repente sinto o cheiro doce do seu xampu, minha mente sendo invadida por memórias que

confundem meus sentidos.

dias.

Sinto falta desse aroma. Sinto falta dela.

Tanta falta, que poderia muito bem morrer. E olha que tudo aconteceu há apenas alguns

Meu Deus. Preciso de outra bebida.

Faço menção de me virar, mas sou impedido por Alexa, que agarra meu braço mais uma

vez, me impedindo de me mover. Confuso, franzo o cenho ao encará-la. Com o maxilar travado,

como se estivesse completamente sem paciência, minha irmã me olha com o seu típico olhar de

“vou te matar, Asher Hartford”.

É estranho que eu seja o mais velho e o mais alto, mas ela e seus quase vinte centímetros

a menos de altura se comportam como se mandassem em mim.

— Você é idiota? — É o que Alexa pergunta, me ofendendo sem motivo aparente.

O vinco em minha testa se intensifica.

— O quê?

Ela suspira, tentando se conter. Não sei exatamente de onde toda essa raiva de mim

surgiu, mas minha irmã está tão brava, que poderia muito bem me esganar agora.

— Qual é a merda do seu problema, Asher? — dispara, me deixando ainda mais confuso.

Sua mão se aperta ao redor do meu braço, mas seus dedinhos são tão delicados, que sequer dói.

Solto uma risada abafada diante do pensamento, o que a deixa ainda mais puta. — Por que é que

você está se privando de ser feliz? Sabe, estou cansada! Ninguém nunca me conta nada que

acontece, e eu sempre preciso continuar fingindo que não sei, mas sei de tudo!

Coberto de confusão, não a respondo. Não faço ideia do que Alexa está falando, então

não sei o que dizer.

Ela respira fundo, se dando conta disso ao continuar:

— Eu sei sobre sua discussão com a Verena, seu idiota!

Sendo pego de surpresa, paraliso. Meus olhos se arregalam um pouco, uma linha infinita

de perguntas sendo traçadas em meu cérebro.

Não pensei que Verena fosse contar a ela sobre tudo o que aconteceu. Sabe, Alexa, por

mais que seja sua melhor amiga, também é minha irmã. Não seria confortável para Verena

confessar a ela que me enganou durante todo esse tempo, mesmo que eu também tenha feito a


mesma coisa.

Revirando os olhos, Alexa finalmente solta meu braço.

— Sei sobre as ideias estúpidas que tiveram. Sei sobre os motivos que os levaram a isso.

Sei sobre absolutamente tudo! Verena te usou para uma matéria, para deixar sua chefe feliz, e

você a usou para tentar deixar o papai feliz, o fazendo desistir da ideia de te tirar do time.

Acharam que estavam arrasando, mas se apaixonaram e tiveram seus corações destroçados ao

descobrir a verdade. Você, pelo e-mail que leu no notebook dela. Ela, pela conversa entre Joey e

Sebastian que ouviu. São dois idiotas!

nada.

Minha irmã diz tudo tão rápido, que fica sem ar. E eu permaneço parado, sem entender

— Como... Como você ficou sabendo de tudo isso? — questiono, finalmente. — Verena

te contou?

De forma inesperada, a postura de Alexa muda. Seus ombros caem, como se derretesse.

Um sorrisinho bobo toma seus lábios. Ela levanta a mão direita, me mostrando a aliança prateada

que cintila e contorna seu dedo anelar.

— Sabe como é... Não há segredos entre namorados. E Joey e eu somos isso agora.

De repente eu engasgo.

Passo a tossir desesperadamente, levando a mão ao meu próprio peito, me preocupando

com o fato de sofrer uma parada cardíaca aqui e agora.

Mas que merda é essa?

— Como é que é? — questiono após me recuperar, a voz saindo aguda, repleta da mais

pura indignação.

Minha irmã continua com um sorriso no rosto, agora analisando a própria aliança com os

olhinhos brilhando, como se estivesse perdidamente apaixonada.

Apaixonada pelo Joseph.

Meu Deus, eu vou vomitar!

— É isso mesmo que você ouviu. — Ela ergue a cabeça, voltando a me encarar. Em

seguida dá de ombros, como se o fato de ela estar namorando o meu melhor amigo não fosse

nada demais. Como se não existisse a merda de uma regra entre os Blue Dragons, que diz que

isso é extremamente proibido. — Aconteceu. Estamos apaixonados.

Meus olhos se arregalam tanto, que chegam a doer. O choque toma meu corpo por

inteiro, meu cérebro ainda tentando processar os absurdos que estou ouvindo.

Porra, Joey só pode ter ficado maluco!

— Vou matá-lo — sopro depois de um tempo, decidido. Tento me afastar, mas Alexa me

impede mais uma vez, voltando a segurar meu braço como se fosse minha dona ou mandasse em

mim.

— Não vai, não — ela diz, a expressão de antes voltando a tomar seu semblante. Seus

olhos castanhos se cravam nos meus, consumidos pela seriedade. — Pode fazer isso depois, mas


agora vai ficar bem quietinho aqui, porque eu ainda não terminei de gritar com você.

Levanto as sobrancelhas, soltando uma risadinha diante do que escuto.

— Ah, você vai gritar comigo?

— Vou.

— E por quê? Eu sou a pessoa que deveria fazer um escândalo. Cacete, você está com o

meu melhor amigo!

Alexa respira fundo pela milésima vez desde que me encontrou. E então, como se

estivesse guardando centenas de coisas em seu interior há anos, minha irmã explode.

— Você é problemático, Asher! — solta, se esforçando ao máximo para manter o tom de

voz controlado e não gerar um escândalo, atraindo a atenção de todos os convidados que nos

cercam. Franzo o cenho, sem entender o porquê de tamanha agressividade. — Esquece Joey e eu

e foca no que importa agora. Foca no fato de que está aumentando a merda da situação, mesmo

quando Verena já deve estar fazendo isso por vocês dois.

— Como assim “aumentando”? — questiono.

— É uma coisa simples, e vocês dois complicam — minha irmã tenta esclarecer. — Você

a ama, ela te ama, todo mundo se ama. É só ir atrás dela, pedir desculpas, dizer que sabe que foi

um cretino, mas que estava desesperado. Depois disso, ouvi-la falar tudo de volta. Então, você se

ajoelha na porra do chão e grita para o mundo que seu coração é dela. — A forma como Alexa

diz tudo, faz mesmo parecer ser algo simples. Mas não é. Sei disso. Ela inspira profundamente,

soltando meu braço. — Não cometa o mesmo erro que o papai, Asher. Não seja impulsivo e

orgulhoso em suas decisões e estrague a sua família, ou, nesse caso, a sua própria felicidade. Vai

atrás da sua garota!

Meu corpo entra em guerra. Parte de mim, é arrebatada pelo desejo de sair às pressas

entre os convidados, em busca de Verena. Já a outra parte, a metade mais racional dentre as duas,

grita que isso não seria uma boa ideia e me xinga por apenas cogitar a ideia, me lembrando de

que minha vida não é uma comédia romântica, por mais que esteja parecendo muito.

— Asher... — Alexa me chama, atraindo minha atenção para si novamente. — Você tem

trinta minutos até a cerimônia começar.

De repente, me desespero. Penso em todos os motivos que me dizem para não seguir as

palavras de Alexa. Penso na forma como Verena e eu começamos errado desde o início, penso

nas mentiras, na briga e na promessa que fiz a mim mesmo, me dizendo que fingiria que meu

amor por ela é inexistente.

Mas então, logo em seguida, penso nos momentos. Em cada um deles. Nos abraços, nos

beijos, nas conversas profundas... Penso em como foi bem mais fácil para mim me abrir para ela,

do que para qualquer outro. Penso que vou sentir saudade disso.

E ainda estou pensando quando me afasto de Alexa, que dessa vez não me impede. Ainda

estou processando tudo quando atravesso a multidão de convidados, rumo à mesa da família

Vance. Continuo pensando quando passo por Joey, o lançando um olhar furioso e decidindo que

lidarei com ele depois. E quando finalmente me aproximo de onde Verena está, parando a apenas

alguns passos de distância, ainda estou tentando me decidir.


Não sei o que fazer. Não sei mesmo.

— Quer saber? Foda-se — sopro baixinho, falando comigo mesmo. Na tentativa de criar

coragem, tomo uma respiração profunda antes de finalmente acabar com a curta distância que

nos separa.

William Vance é o primeiro a notar minha presença se aproximando. Seus olhos verdes

me encontram, e ele sorri. Um sorriso largo, que reflete sua felicidade ao me ver.

— Asher, quanto tempo! — exclama, fazendo com que sua família siga seu olhar, todos

me encontrando. Até mesmo ela.

O simples fato de sentir o peso dos seus olhos sobre mim, me balança por inteiro.

Consumido pela tensão, engulo em seco, forçando um sorriso no rosto ao embarcar na curta

conversa de William, que me pergunta como estão as coisas, e eu minto ao responder que está

“tudo ótimo”.

Como se soubesse o verdadeiro motivo que me trouxe até aqui, sua esposa, Caroline,

pousa a sua mão delicadamente sobre a dele, em cima da mesa. Eles trocam olhares, e William se

cala de repente. Me perguntando se Verena chegou a contar aos seus pais sobre o que aconteceu

entre a gente, eu a encaro.

E franzo o cenho ao perceber a roupa que o seu irmão está vestido, sentado ao seu lado.

— O que... — começo, mas Simon logo me corta, revirando os olhos.

— Verena conseguiu que eu ganhasse um coelho — o garoto comenta, apontando para a

blusa que usa. Blusa essa que tem como estampa uma foto gigantesca de Verena, ao lado de uma

linha que diz “eu tenho a melhor irmã do mundo”.

Encarando o seu irmão, Verena solta uma risadinha. Seus olhos voltam a me encontrar, e

sinto um alívio me invadir ao perceber que não há um sinal de raiva sequer cintilando no

castanho preso a eles.

— Fizemos um acordo — ela tenta explicar, abrindo um sorrisinho. — É uma longa

história.

Sorrio de volta, me sentindo um idiota por não saber exatamente como agir. Quer dizer,

há apenas algumas noites, estávamos gritando um com o outro, e agora estamos aqui, frente a

frente, em meio à mesa da sua família, no casamento sem amor do meu pai.

Seria cômico se não fosse trágico.

— Será que... Será que a gente pode conversar? — Vou direito ao ponto, minha voz

gaguejando.

Verena não responde de imediato.

Em silêncio, ela troca um olhar com a mãe, sentada do outro lado da mesa, como se

buscasse por ajuda. Como se não soubesse o que fazer, e precisasse que alguém desse uma

resposta a ela.

Sendo inundado pela ansiedade, afrouxo a gravata ainda mais ao redor do pescoço, me

sentindo sufocado. E quando Verena volta a me olhar e se levanta sem dizer nada, arrastando sua

cadeira com cuidado pelo chão, é como se o ar voltasse aos meus pulmões.


Ela sai à minha frente, e me despeço rapidamente dos Vance antes de segui-la. Sem trocar

uma única palavra, nos afastamos de todos os convidados, caminhando pelo jardim, tomando o

cuidado necessário para não tropeçar em toda a decoração espalhafatosamente branca que Daisy

escolheu.

— Você está bem? — É o que Verena pergunta após um tempo, cortando o silêncio que

nos rodeava. Seu tom de voz transborda pena, e de repente penso que, talvez, ela só tenha

aceitado falar comigo porque sabia que hoje era um dia difícil para mim.

— Por que se importa? — devolvo baixinho, minha voz fraca atraindo seus olhos

confusos. Dou de ombros, abrindo um sorrisinho triste nos lábios. — Se me odeia tanto, isso

deveria ser indiferente para você.

Fechando os olhos, ela suspira profundamente. E quando os abre, já não estão mais

apontados para mim.

— Eu não te odeio, Asher — sopra, mantendo o mesmo tom de voz baixo usado por

mim. — Só disse aquilo porque não sabia qual outra coisa falar. Estava com raiva, confusa,

arrependida e...

— Eu sei — a corto, trazendo sua atenção para mim novamente. — Também senti tudo

isso, ruiva.

Meneando a cabeça, Verena sustenta meu olhar enquanto parece um tanto distante, como

se sua mente estivesse fazendo uma viagem a todos os acontecimentos daquela noite. Da noite

que começou como um sonho, mas terminou com nossos dois corações estilhaçados no chão

daquele quarto.

— Olha, eu... Não sei exatamente por onde começar. — Paro de andar de repente,

segurando em seus ombros, a fazendo parar também. Suspirando, a solto. E em meio a uma área

afastada do jardim, onde há apenas um chafariz soltando água atrás de nós, adornado por anjos,

ficamos frente a frente. E perto. Bem perto. Tão perto, que preciso reunir todas as minhas forças

para negar as necessidades do meu corpo, que, repleto de saudade, pensa em puxá-la para mim

aqui e agora. — Para ser sincero, só te procurei esta noite porque Alexa gritou comigo, me

chamando de problemático.

Verena solta uma risada fraca, o que alivia um pouco o clima.

— Ela e Joey estão namorando e ele contou tudo o que aconteceu entre nós dois para ela,

mas... Esse não é o ponto. — Tento me concentrar no que verdadeiramente importa. — A

verdade é que só deixei minha irmã me convencer a ir atrás de você porque sabia que, após o dia

de hoje, se esforçaria ao máximo para me evitar. Te conheço e sei que se dependesse das suas

decisões, só nos veríamos de novo ao nos esbarrarmos em algum lugar por acidente. E eu não

quero isso.

Verena não responde de imediato. Pensativa, ela morde o lábio inferior, me encarando

com atenção. Vejo algo novo brilhar em seus olhos, e sei que está se esforçando para impedir

que lágrimas se formem e caiam por eles.

— Eu também não quero Asher, mas o problema não é esse. O problema é eu saber que

não vai dar certo. É saber que não fomos feitos para ficar juntos, porque sempre conseguimos

nos magoar. — Seu tom de voz embargado faz meu coração se apertar.


Seus lábios tremem e Verena desvia o olhar, como se continuar me encarando fosse

demais para ela. Sequer percebo o que estou fazendo quando dou um passo em sua direção e levo

minha mão ao seu queixo, direcionando sua atenção para mim novamente.

Ela respira fundo.

— Nós dois mentimos — sopra, o olhar carregado de sentimentos.

— Mentimos — concordo, engolindo em seco.

— E usamos um ao outro.

— Usamos.

— E eu me apaixonei no meio do caminho.

— Eu também.

Meu peito se aperta até doer, como se mãos o esmagassem. Respiro fundo, sentindo todo

o peso do azul nos olhos de Verena, agora triste e escurecido.

— Mas não me arrependo — confesso, em um sopro. Deslizo meu dedo até a lateral do

seu rosto, espalmando minha mão por ali, fazendo um carinho leve. A intensidade em nossa troca

de olhares é tanta, que poderíamos levar até mesmo um choque. — Sei que erramos. Que

erramos muito. E entendo que isso pode ser algo inadmissível para alguns casais, mas que bom

que aconteceu com a gente, no fim das contas. Porque sem nossas ideias e planos estúpidos, não

teríamos nos aproximado de verdade. Não teríamos descoberto que somos loucos um pelo outro.

E eu me apaixonei por você antes mesmo de perceber o que estava, de fato, acontecendo.

Quando me dei por mim, já era tarde demais. Meu coração já era seu por inteiro, e não queria

que me devolvesse.

Verena fecha os olhos momentaneamente, sentindo o peso das minhas palavras sobre si.

Quando os abre, uma lágrima cai. E não hesito antes de enxugá-la com meus dedos.

— Não vai ser fácil, sei disso. Nada nunca foi fácil entre a gente — continuo, antes de

perder a coragem. Uma coragem que sequer sei de onde veio. Acho que do desespero, talvez. O

medo de perder Verena para sempre faz com que seja fácil me abrir. E nunca pensei que isso

fosse acontecer um dia, mas, eu, Asher Hartford, estou mesmo me declarando agora. — Somos

impacientes, teimosos, impulsivos, e tenho certeza de que, se pudéssemos escolher, não

escolheríamos sentir nada disso, mas sentimos. Aconteceu. E agora temos que tomar uma

decisão. Se disser que não me perdoa, te deixarei ir. Se disser que acha mesmo que, assim, será

melhor para nós dois, não vou hesitar antes de te soltar e te deixar partir. Mas não nego que

ficarei despedaçado se fizer isso.

Engulo em seco, minha voz agora trêmula.

— Porque eu te amo, Verena Vance — confesso, enfim. — E sinto muito por ter

precisado de um plano estúpido para perceber isso. Mas quero que fique, ruiva. Que fique

comigo. Porque ainda não terminei de me apaixonar por você.

Me pegando completamente de surpresa, ela afasta minha mão do seu rosto, a

empurrando antes de me rodear com seus braços, os entrelaçando atrás do meu pescoço. Sua

testa se cola à minha, seu peito subindo e descendo em uma velocidade frenética, a respiração

completamente descompassada.


— Asher?

— O quê?

— E se estragarmos tudo de novo?

— A gente arruma um jeito de consertar.

— E se não der certo?

— A gente tenta até conseguir — devolvo, sem hesitar. — E vamos conseguir. Todas as

vezes que forem necessárias.

Suspirando, Verena descola nossas testas. Ainda de perto, ela me encara, o azul dos seus

olhos transbordando intensidade.

— Eu também te amo, Asher Hartford. — É a última coisa que solta antes de me

surpreender ao chocar nossas bocas.

peito.

O beijo é salgado, mas tem gosto de saudade. Uma saudade tão profunda, que dilacera o

Mas também tem gosto de amor. Do nosso amor.

Porque nunca pensei que fosse dizer isso um dia, mas eu amo Verena Vance. Amo a

garota idiota, que passei a vida toda irritando. Amo a menina que um dia empurrei no lago, que

derrubei do balanço, fiz chorar inúmeras vezes e a garota da qual arranquei a cabeça de todas as

bonecas.

Amo a jornalista tagarela na qual ela se tornou. E sou completamente maluco pelo poço

de intensidade que abriga no seu interior. Maluco por cada mínima parte dela, para falar a

verdade.

— Promete nunca mais escrever coisas sobre mim? — É o que pergunto, assim que

nossos rostos se afastam um pouco, repleto de alívio e felicidade.

Um sorrisinho toma os lábios de Verena, nossos narizes ainda se tocando.

— Só se forem boas. — Sua sobrancelha se levanta. — Promete nunca mais ser um

idiota?

Rio baixinho, dando de ombros.

— Posso tentar, mas nós dois sabemos que isso não vai acontecer.

Verena solta uma risadinha, aproximando nossos lábios mais uma vez em seguida.

De repente, tudo parece certo. Como se estivéssemos onde deveríamos estar. Como se,

depois de todos esses anos, finalmente tivéssemos deixado nossas teimosias de lado e permitido

que o destino nos levasse para onde gostaria que estivéssemos.

Juntos. Onde é o nosso lar.

Onde sempre foi o nosso lugar.

— Asher? — Verena se afasta, os olhinhos brilhando em emoção.

Estalo um beijo em sua testa.


— Huh?

— Acho que você é o idiota perfeito para mim — ela confessa, arrancando um sorriso

dos meus lábios.

— E você é o exagero perfeito para mim — devolvo, sentindo meu coração explodir em

alegria.

Uma alegria tão grande, que me surpreende ao aumentar, alguns minutos depois, quando

voltamos à área principal do jardim e ouvimos a cerimonialista dizer que não haverá mais

casamento algum.

Porque nesta noite, meu pai também deixou tudo de lado, respeitou seus sentimentos e

tomou uma decisão importante. A decisão de escolher a si mesmo.


Meses depois...

De todos os motivos para não namorar Asher escritos em minha coluna, o número 1 é,

com certeza, o meu favorito.

Quer dizer, Hartford é um gostoso em literalmente todos os momentos, mas quando está

no gelo, ele fica absurdo. Deveria ser um crime tamanha beleza e sex appeal em um único ser

humano.

Se fosse, tenho certeza de que haveria helicópteros, carros e até mesmo navios da polícia

atrás dele, o procurando para levá-lo em prisão perpétua.

Sentada em um dos melhores assentos da arena dos Blue Dragons, meus olhos o seguem

no instante em que patina sobre o gelo como um verdadeiro raio, rumo ao gol adversário.

Jogadores da defesa de Universidade de Ottawa o marcam, bloqueando seu alcance à rede, e

Asher fica sem escolha, sendo obrigado a lançar o disco para Nathan Sawyer, que já o esperava,

em posição.

Nathan tenta marcar, mas o puck é bloqueado pelo taco de um jogador, voltando em

direção a ele. É nesse momento em que Asher consegue se livrar da marcação, recebendo o disco

de volta. E em uma tacada perfeita, ele marca.

A multidão vai à loucura. Tomada por uma mistura perfeita de azul e branco, as

arquibancadas ganham vida quando os torcedores se levantam, gritando e comemorando.

Vestindo a jersey com o sobrenome e o número de Asher, fico de pé em um pulo,

erguendo os braços no alto, dominada pela felicidade. Posso assistir a quantos jogos forem

possíveis, mas jamais vou me cansar de vê-lo no rinque. Sempre que pisa em um, Hartford ganha

um brilho novo, como se ali fosse o seu lugar.


Ao meu lado, meu pai, Simon, Alexa e Jared Hartford gritam, consumidos pela euforia de

ver Asher marcando. E enquanto observo o seu pai, simplesmente radiante após ter escolhido dar

uma chance à paixão do filho, um sorriso enorme rasga meu rosto.

— Meu Deus, ele é incrível! — exclama Jared, batendo palmas, sem conseguir afastar a

atenção de Asher, que agora comemora sobre o gelo.

— Você ainda não viu nada... — devolve o meu pai.

— Ele já me prometeu que vai me dar ingressos de graça, quando estiver jogando pelos

Leafs — comenta o meu irmão, fazendo todos nós rirmos.

Não tenho dúvidas de que Asher vai chegar lá. E que, assim como Simon, também terei

um assento especial na Scotiabank Arena, para assisti-lo bem de pertinho.

Quando ganhar a sua primeira Stanley Cup e erguer o troféu no alto, estarei bem ali,

vibrando por ele.

O casamento cancelado de Jared aconteceu há dois meses. Depois daquela noite, muita

coisa mudou. Todas elas de forma positiva, por algum milagre.

Jared se desculpou com Asher e Alexa, se mostrando vulnerável para os seus filhos e

confessando o que sentia de verdade. Asher me disse que tudo aconteceu porque ele encontrou

um caderninho antigo, onde o seu pai escrevia cartas para a sua mãe, mas não entendi direito e

optei por não fazer muitas perguntas. Sei que nossas famílias são coladas desde que me entendo

por gente, mas esse era um momento deles e um assunto que diz respeito apenas aos três.

A reconciliação dos Hartford e todo o esforço que Jared começou a fazer, para tentar

entender os motivos que levam Asher a ser tão apaixonado pelo hóquei, foi de longe o melhor

acontecimento recente, apesar de ainda termos uma longa lista.

Depois de quase matar Joseph, Asher finalmente cedeu e parou de implicar com o

relacionamento do seu melhor amigo com Alexa. O amor existente entre os dois é nítido, e

merecem ser felizes juntos.

Meus pais resolveram que vão passar uma temporada em Toronto, para matar a saudade

de casa. O que foi incrível, porque agora nossos encontros semanais com os Hartford voltaram

com tudo e estamos recordando os velhos tempos.

A única diferença é que agora meu namorado não é mais o meu maior inimigo, muito

menos arranca a cabeça das minhas bonecas em meio a jantares.

Mesmo depois da minha conversa com Asher, no dia do casamento, não voltei para a

república. Resolvi continuar no meu apartamento, por ora, mas decidi que não quero ficar

sozinha e já estou em busca de uma nova colega de quarto. Encontrei algumas garotas

interessadas, mas nenhuma que tenha gostado logo de cara.

Sobre o meu trabalho na revista: A coluna foi mesmo publicada. E foi um sucesso.

Depois da minha conversa com meus pais, fiquei confusa sobre o fato de Samantha ter

aprovado tudo o que tinha escrito. Afinal, meu pai estava certo. No fim, a coluna acabou mesmo

dizendo apenas coisas positivas sobre Asher. Eu sequer percebi. Para mim, todos aqueles pontos

eram red flags enormes, e hoje vejo que era porque estava em negação.


Porque estava gostando de quem Asher estava me mostrando ser, e isso era algo que não

fazia sentido em minha cabeça. Ele era o inimigo, afinal. E ninguém em sã consciência se

apaixona de verdade pelo inimigo.

Bom, ninguém, exceto eu.

Semanas após a publicação da coluna, Samantha me revelou que apenas permitiu que ela

fosse ao ar, porque achou extremamente engraçado toda essa reviravolta que nosso plano sofreu,

e tinha certeza de que nossas leitoras notariam que havia algo errado. Sendo a editora-chefe

visionária que é, sabia que minha história com Asher poderia acabar me trazendo outros

trabalhos.

Todos bons, como prometi a ele.

Samantha estava certa. Milhares de garotas espalhadas pelo Canadá amaram quando a

minha próxima coluna foi ao ar, com o título: “Jogadores universitários: O que fazem, por onde

andam, o que comem? Será mesmo que todos são babacas? Porque, oops, acabei me

apaixonando por um.”

E quando escrevi sobre a minha história e de Asher, explicando todos os motivos que nos

levaram a tomar péssimas escolhas e nos apaixonar, recebi milhares de mensagens no direct do

Instagram, de garotas se declarando nossas fãs.

Não conseguimos mais postar uma foto juntos sem que ela passe de trinta mil curtidas.

Um sorrisinho bobo toma meus lábios assim que Asher se aproxima de onde estou, me

encarando através da parede de proteção transparente. Segurando seu taco, ele usa a mão livre

para me mandar um beijo no ar.

— Eu te amo, ruiva. — É o que seus lábios dizem sem emitir som, seu corpo se afastando

em seguida, pronto para continuar o segundo período após marcar.

Sentindo minhas bochechas esquentarem feito uma verdadeira boba, penso que, no fim,

me sinto extremamente grata às ideias estúpidas que tivemos. Porque elas nos trouxeram até

aqui.

E se depender de mim, é aqui que vamos ficar. Para sempre.


Motivo número 1: Eles ficam ainda mais gostosos quando estão jogando o esporte em

que são verdadeiramente bons.

E isso não deveria ser necessariamente um problema, mas é. Porque, assim como você,

todas as garotas ao seu redor acabam notando a mesma coisa.

E elas não só notam, como também comentam.

Motivo número 2: Eles sabem como criar um clima.

Sabem ser intensos ao te olhar, fazendo com que sinta como se houvesse mãos ao redor

dos seus pulmões, os apertando com força suficiente para te sufocar. São mestres nisso. Quase

profissionais. Afinal, a grande maioria deles já deve ter treinado com mais garotas do que sequer

poderia se lembrar.

Motivo número 3: Eles beijam bem.

Muito bem. Tão bem, que vão fazer com que o beijo fique gravado em seu cérebro

durante uma madrugada inteira, te proibindo de dormir ou de pensar em qualquer coisa além

dele.

Motivo número 4: Eles ficam com ciúmes facilmente. E ficam lindos assim. Tão lindos,

que te fazem esquecer de todos os motivos pelos quais você não deveria achá-los lindos.

Motivo número 5: Podem facilmente te fazer esquecer do quanto são perigosos ao

jogarem seu charme, abrindo a porta do carro para você, ou sussurrando no seu ouvido.

Motivo número 6: Sabem ser a conchinha maior melhor do que ninguém. (Tipo, com

quantas mulheres já tiveram que dormir abraçados até aprenderem a ser tão bons???)

Motivo número 7: São capazes de fazer sacrifícios, como assistir a um filme da Disney

apenas para te deixar feliz, mas todo mundo sabe que só fazem isso porque querem te levar para

a cama.

Motivo número 8: São grandes demais, fortes demais, e colocam medo em qualquer um

que ousar se aproximar de você. É algo sexy? Com toda a certeza! Mas temos que nos atentar a

esse ponto.


Motivo número 9: Geralmente são tão bonitos, que podem até mesmo te causar

inseguranças, te fazendo se questionar sobre o que viram em você.

Motivo número 10: Sabem exatamente o que dizer e dizem na hora certa, não importa a

situação. (De novo, com quantas mulheres tiveram que treinar para chegarem a esse ponto???

Inúmeras, com certeza!)

Motivo número 11: AS MÃOS GRANDES!!!! Pelo amor de Deus, que mãos gigantes

são essas que esses caras têm? Elas são basicamente um alerta de “PERIGO! Você vai se

apaixonar pela mão do cara e se esquecer de todo o resto!”.

Motivo número 12: São extremamente pontuais, graças a todos os compromissos com

seus times. Quer dizer, isso é algo bom, mas nunca se sabe quando ficará chato...

Motivo número 13: A voz. Fique atenta à voz. Principalmente se o cara for capitão e

tiver um tom grosso, mandão e autoritário. É sexy, eu sei, mas pode facilmente acabar se

tornando uma red flag em algum momento.

Motivo número 14: Se empenham muito no que fazem. Isso pode muito bem se tornar

um problema no futuro, assim como a pontualidade. Sabe, e se um dia eu estiver cansada demais

para me esforçar para algo? Nós vamos brigar?

Motivo número 15: Os músculos. Com certeza, a parede de músculos é a pior parte.

Porque é como se você batesse com a cabeça contra ela, perdendo toda a sua racionalidade. E

quando vê, oops, já está sem calcinha.


Escrever sobre Asher e Verena foi como respirar ar fresco depois de muito tempo.

Foi como me reencontrar, após me perder.

Meu coração bateu forte de novo, meus olhos voltaram a brilhar, e tudo em mim lembrou

o quanto sou apaixonada pela escrita e por dar vida às vozes que vivem na minha cabeça.

Por isso, quero começar agradecendo primeiramente a Deus, que foi o responsável por

me pegar no colo e sussurrar e tudo ficaria bem. E depois, a mim, por ter sido capaz de acreditar

nisso.

UPI veio para me mostrar que, às vezes, a vida não nos entrega o que esperamos, mas sim

o que é o melhor para nós. O que vai fazer sentido naquele momento. E que, muitas vezes,

pensamos que estamos no controle de determinada situação, mas a realidade é que não

controlamos porcaria nenhuma.

E que tá tudo bem. Tá tudo bem se sentir perdida e até meio desesperada. A única coisa

que não podemos fazer é desistir de encontrar um caminho.

O que é para ser nosso, chega até nós. Sempre.

Agradeço também à minha família, por todo o apoio surreal que sempre me dão. Se sou

quem sou hoje, é por vocês.

Camille, meu amoreco, minha revisora e assessora. Obrigada por ter mergulhado de

cabeça nesse projeto comigo.

À Ana Ferreira, minha leitora crítica, e a todos os ilustradores que trabalharam comigo.

Vocês foram necessários para deixar essa história mais humana e real possível. Agradeço por

isso.

Às minhas únicas amigas leitoras que chegariam até aqui, vocês sabem quem são.

Obrigada por me apoiarem quando essa ideia surgiu, por se mostrarem tão animadas e por terem

me dado diversas ideias (cof cof, Ticiana). Sou grata ao meio literário por ter cruzado nossos

caminhos. Amo vocês.

E por último, mas longe de ser menos importante, a vocês: meus leitores. Obrigada por

não desistirem de mim, mesmo depois de todo esse tempo de espera. Vocês me permitem viver


meu sonho todos os dias, e não existem palavras capazes de expressar minha gratidão.

Vejo vocês em breve. Prometo.

Com todo o meu amor, Bel.


— E se não acontecer da maneira que eu pensei que fosse?

— Vai ser.

— E se for, e daí? O que eu faço depois?

— Acho que essa é a parte boa. Vai ter que encontrar outro sonho.

— ENROLADOS.


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[1] Curso de Piloto Privado de Helicópteros. É a etapa inicial para se tornar um piloto de helicópteros.

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