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Masked Guy (Hunters and preys Livro 1)

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Copyright © 2024 F. FORTUNATO

Todos os direitos reservados.

Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas,

nomes e situações da vida real é mera coincidência.

A reprodução não autorizada desta publicação, total ou parcial,

constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.160/98). Com a exceção de

trechos destinados a divulgação e resenhas da obra.

Revisão: Camila Brinck e Beatriz Faria Capa e Diagramação: Igor

Lordas Ilustração: Avallone Vaults


Notas da Autora

Dedicatória

A casa é o reflexo da mente.

Atormentado e paranoico.

Não tão solitário

Arrumando a bagunça.

Admirador secreto.

Como foi a minha semana

Apenas um passo

Querido Peter Reid.

Dia de sol.

Almas solitárias tendem a se encontrar.

Não se deve tocar no que não lhe pertence.

A primeira pista.

Algumas cicatrizes marcam a alma

Por trás da máscara assustadora e atitudes questionáveis

Não sabia o que esperar.

A ausência de som significa calmaria.

Somos apenas números

Um novo começo

Uma faísca é o suficiente para causar uma explosão


Epílogo


Masked Guy é um dark romance +18 e o primeiro livro da série Hunters

and Preys. A autora não concorda com algumas atitudes e posicionamentos dos

personagens que compõem esse romance disfuncional. Além disso, apesar de

alguns fetiches presentes na história fazerem parte da cena BDSM, Masked

Guy e Peter Reid não são praticantes de BDSM.

A história contém assuntos que podem ser considerados gatilhos, como:

Suicídio, abuso de substâncias, burnout, ansiedade, violência doméstica e

assédio moral.


Aos leitores, tampem as câmeras de suas webcams.



A casa é o reflexo da mente. Sempre que ouvia essa frase da minha mãe

falando da bagunça do meu quarto não levava a sério, claro, era um

adolescente e, adolescentes, são bagunceiros e caóticos. É a natureza dessa

fase. Agora, depois de adulto, comecei a considerar que a teoria dela estava

certa, a casa realmente é o reflexo da mente e a minha estava muito

bagunçada naqueles dias.

Minha vida estava agitada demais para o meu ritmo, eu não conseguia

acompanhar, me sentia sempre correndo e ficando para trás, o que gerava a

frustração, e esse sentimento de não ter controle sobre a própria vida se

apossou de mim. Tudo que me restou foi me deixar levar, como se não

existisse mais Peter Reid, apenas um corpo que realizava as coisas no

automático, enquanto o verdadeiro eu, assistia tudo à distância.

Os dias pareciam cada vez mais iguais, como num looping, o que me

fez, por diversas vezes, desejar estar morto. Me recusava a viver o mesmo

dia, todos os dias, até o último suspiro. Mas, por mais tentador que fosse me

jogar de um prédio ou entrar na frente de um ônibus, a vontade ficava

apenas nos meus pensamentos intrusivos, e então eu tentava abafar as vozes

autodestrutivas com coisas que me trouxessem uma faísca rápida de

felicidade, prazer ou medo. Minha relação com o medo se tornou mais

estreita nos últimos meses, porque o medo me fazia sentir desperto, elétrico,

e tudo, absolutamente tudo, que me tirasse do estado de apatia merecia a

minha atenção.

Eu gastava o que não tinha, para comprar o que sequer precisava,

apenas para preencher o vazio.


O que gerou uma fatura de cartão de crédito cheia de coisas de loja de

conveniência, muitos chocolates, e itens de sex shops. Não tinha parceiros,

então tentava inovar no sexo comigo mesmo a fim de sentir algo, já que

assisti a quase todos os vídeos que havia nos catálogos dos sites pornôs, que

nem via mais com o propósito de aliviar o tesão e sim a fim de afastar o

tédio.

Creio que a maioria dos conteúdos nos sites não me surpreendia,

porque na minha cabeça as minhas fantasias iam além do que eu assistia. E

ter pensamentos como aqueles me fazia sentir diferente, como se houvesse

algo de errado.

Quero dizer, porra, estou relatando pra vocês a minha rotina de merda,

pacata e triste, é claro que havia algo de errado!

Enfim, naquela noite, enquanto subia os degraus da entrada da minha

casa depois de um longo dia de trabalho, ouvi uma voz me chamar.

— Pete! Pete!

Ao olhar para trás, era meu vizinho, Harry. Não nos falávamos muito,

nossas conversas se limitavam a troca de encomendas quando entregavam

na casa errada ou quando recebíamos um pelo outro. Fazia um tempo,

inclusive, que eu não precisava entregar nada para ele, mas como eu

comprava bastante online, dei-lhe muito trabalho.

Harry Spencer era o tipo de cara que eu me interessava, com músculos

que se sobressaíam em sua camiseta meia manga, que sempre cobria até os

antebraços, cabelos curtos e penteados para o lado com gel, típico dos

trabalhadores de Wall Street, e olhos esverdeados.

Por mais que me despertasse sensações, jamais me permiti demonstrar

interesse por ele. Acreditava que Harry deveria ser hétero, e ainda que fosse

gay ou bissexual, dificilmente pegaria um magricela pálido, míope, jogador

de League of Legends, de cabelos cacheados usualmente bagunçados por

falta de corte.

— E aí, Harry! Boa noite! — Estremeci de nervoso com a mínima

possibilidade de iniciarmos uma conversa mais longa que trinta segundos.

Interações sociais sempre me causavam uma sensação terrível.

O meu vizinho estava com um meio-sorriso no rosto e mãos para trás

das costas.

— Recebi algo seu...

— Poxa, eu sempre te dando esse trabalho... obrigado por pegar a

encomenda.


— De nada.

Quando ele afastou a mão das costas e revelou o que havia pegado, eu

juro que quase desmaiei no mesmo segundo de tanta vergonha. A merda do

site dizia que a embalagem era discreta, mas enviaram o dildo de vinte e

tantos centímetros apenas embalado no saco preto, cheio de fitas, que

deixou claro o que havia ali.

Harry prendeu o lábio entre os dentes e suas bochechas se inflaram, ele

segurava o riso. Óbvio.

— I-Isso não é meu. — Arregalei os olhos e desviei a atenção do rosto

dele.

Droga, ele deve me achar um tarado.

— Acho que é... tem seu nome aqui embaixo. — Harry olhou a etiqueta

na base da piroca de plástico embalada de forma tão descuidada que

chegava a ser indecente.

Senti o coração bater mais rápido e a respiração saiu do ritmo, estava

tão tenso e constrangido, que só quis entrar em casa o quanto antes. Desci

os degraus rapidamente, puxei a encomenda de suas mãos e saí correndo

para dentro de casa.

Só ao bater a porta consegui gritar um ‘’obrigado!’’.

Encostei na madeira, ofegante, e olhei para o saco. Comecei a rasgar a

embalagem, e a cada pedaço de plástico que puxava, pensava no quão

grosseira seria a minha resenha de avaliação no site.

Meus olhos se tornaram ainda maiores ao ver o produto.

— Onde eu estava com a cabeça quando comprei isso aqui? — Arqueei

as sobrancelhas. A grossura era a do meu pulso e o tamanho se equiparava

ao meu antebraço. Respirei profundamente enquanto observava aquelas

veias saltadas, a cogitação veio, mas foi embora na mesma velocidade. —

Não, não. Eu me odeio, mas não a esse ponto.

Larguei o brinquedo no canto do chão do corredor e assim que cheguei

na sala, joguei a mochila em cima do sofá repleto de roupas e deixei que

meu corpo recaísse sobre a bagunça. No meu campo de visão entraram a

televisão, que ficava apoiada no hack junto de uns vasinhos de plantas de

plástico e logo ao seu lado meu peixe dourado, que eu não sabia exatamente

o sexo, mas coloquei o nome de Vi.

Peguei o controle que estava abaixo do meu corpo e liguei a TV. O

jornal começou com as notícias do dia, as mesmas coisas de sempre:


futilidades de celebridades, a queda na bolsa de valores e a violência na

cidade. Desliguei, virei de barriga para cima e encarei o teto.

De repente, sinto um vibrar na barriga e o som do meu corpo

implorando por comida. Até havia na geladeira algo para cozinhar, mas a

exaustão não me permitia levantar para gastar minutos preparando qualquer

coisa. Tirei o celular do bolso e olhei a hora, depois minha conta bancária.

Pedir para entregarem comida também estava fora de cogitação, o dinheiro

estava curto e a comida de delivery em Nova York custava muito caro.

Soltei o ar devagar e esfreguei a mão pela cara. Levantei do sofá e

caminhei até o aquário, agachei até que ficasse à altura de Vi.

— Como foi seu dia? — Aos poucos, um sorriso se formou em meu

rosto. Os olhos enormes do peixe me encararam e eu fixei os meus nos dele.

— Pois é, o meu foi o mesmo de sempre. Carter continua sendo um babaca

na empresa, e acho que ele vai ganhar uma promoção. — Ergui os ombros

— Talvez valha a pena ser um puxa-saco, acho que começarei a fazer isso

também, o que acha? — Peguei o vidro de comida e joguei um pouco dos

flocos para o meu dourado. — Quem sabe assim conseguirei um salário

maior... daí vai dar pra comprar outro aquário, com outros peixinhos para te

fazer companhia, Vi.

Novamente o meu estômago roncou. Apesar do cansaço, não

conseguiria dormir com fome, então recorri ao armário da cozinha para

comer um pacote de salgadinho de milho que comprei em uma dessas lojas

de conveniência. Depois de enganar a barriga, fui para o banho a fim de

encerrar a noite.

Mesmo com o corpo fadigado, minha mente não me permitia pregar os

olhos quando deitei na cama. Os pensamentos divagavam sobre tudo,

principalmente a respeito da vida em que levava no interior de Virgínia,

antes de me mudar para Nova York pelo trabalho. Minha antiga cidade era

simples, mas me sentia acolhido e amado, tinha a família sempre por perto e

a sensação de pertencer a um lugar.

Imaginei como seria se voltasse para lá. Nunca poderia fazer isso, seria

uma decepção. E a grana que recebia, ainda que curta, me possibilitava

ajudar meus pais.

Sentei na cama, peguei o notebook e o abri. Pretendia assistir algum

vídeo bobo no Youtube ou conversar com outros caras em um fórum.

Primeiro, entrei na aba de recomendações dos vídeos, nada de interessante,


então, abri o fórum do Reddit que costumava interagir de vez em quando,

como forma de me sentir menos sozinho.

O assunto do dia eram fetiches. Os caras falavam abertamente sobre

seus desejos mais insanos e reprimidos, alguns muito deploráveis, outros

que me fizeram arquear as sobrancelhas por me enxergar na mesma

situação. Resolvi entrar na discussão.

Loo.ser (você): Às vezes eu me sinto podre, diferente, devido às

fantasias que tenho.

Baby_boy19: Tipo o quê, @Loo.ser?

Loo.ser (você): As únicas coisas que me excitam atualmente são as

que me fazem sentir uma sensação diferente do tesão, em geral, o medo.

Isso desperta a minha adrenalina e me faz querer testar meus limites,

já que não tenho nada a perder. Fantasio em ser contido dos meus

movimentos e dominado por alguém que me ameace, ser perseguido ou

ter a casa invadida, que o invasor faça o que quiser comigo. Quero ser

uma presa e provar do meu próprio sangue.

Chad.dude: Cara, vai se tratar!

Baby_boy19: E eu achando que tinha problemas. Tenso. Haha.

Masked_guy22: E o que te impede de realizá-los?

Loo.ser (você): Ter alguém pra isso. Faz anos que não me relaciono

com ninguém, sei lá, não tenho mais jeito pra flertes.

Masked_guy22: Posso tornar isso realidade, o que acha?

Loo.ser (você): Cara, 22 anos? Você é muito novo pra estar nesse

tipo de fórum, ainda mais fazendo essa proposta para estranhos. Haha.

Masked_guy22: O 22 não é a minha idade. É o tamanho do meu

pau.

Baby_boy19: Eu quero! @Masked_guy22, me manda mensagem!

[Masked_guy22 te enviou uma mensagem]

[Mensagem aceita]

Masked_guy22: E aí, vai querer brincar ou não?

Loo.ser (você): Tá, acho que sim...

Masked_guy22: Certo. Além dos seus desejos, quero saber dos seus

termos, quais são seus limites, o que não quer que eu faça?

Aquilo me fez parar de digitar por um segundo para refletir. Eu não

tinha limites, não sabia exatamente o que gostava ou não que fizessem

comigo pelo fato de que nunca cheguei a experimentar nada diferente do


convencional. Todas as relações que tive foram comuns e com durações

menores que vinte minutos.

Loo.ser (você): Acho que não tenho limites... Nunca fiz nada do que

falei na discussão.

Masked_guy22: Ok.

[Masked_guy22 enviou para você um arquivo]

Coloquei para abrir e era praticamente um contrato. A cada passada de

olho pelas palavras, minhas pálpebras se retraíam mais e os globos quase

saltavam das órbitas, era um pedido de autorização com descrição explícita

de tudo que ele pretendia fazer comigo: amarrar, vendar, cortes, sexo com

uso de faca, exibicionismo, terror psicológico, ameaça, marcar o corpo em

áreas aparentes, marcar o corpo em áreas não aparentes, perseguição... tudo

isso com o prazo de duração de quanto tempo eu gostaria que aquilo

acontecesse e a determinação de uma palavra de segurança caso eu quisesse

que ele parasse.

Abacaxi... eu nem gosto dessa fruta, como irei lembrar dela em um

momento de desespero? Na real, isso é loucura. O cara nem sabe meu rosto

ou onde moro.

Loo.ser (você): Hahaha, engraçadinho! Achei que a gente ia fazer

um websexo, sei lá, e tu me vem com esse termo, você nem me conhece.

Vou sair aqui, depois a gente se fala, valeu!

Quando fechei o site do fórum, senti o estômago se revirar novamente.

Olhei para a barriga e suspirei, me recusava a levantar da cama para comer

algo, principalmente à meia-noite e pouca.

— Merda, preciso dormir logo pra acordar cedo amanhã.

Como último recurso para fazer o sono bater, abri um dos sites pornô

que visitava com frequência e não procurei muito, cliquei em um dos

primeiros que me foi sugerido que tinha pouco tempo de duração.

Afastei o notebook do colo e o coloquei de frente para mim, aumentei o

vídeo na tela, conectei os fones sem fio, ajeitei o travesseiro na cabeceira da

cama e dei o play.

Eu não sabia quanto tempo iria durar, esperava que pouco, mas por

precaução coloquei pra repetir após o fim. Prendi o lábio entre os dentes e

aos poucos fui deslizando a mão pelo abdômen até que chegasse à minha

ereção.

Arfei ao me tocar e por mais que tentasse me concentrar no que

acontecia no vídeo, fechei os olhos permitindo que os gemidos e o som dos


corpos se chocando elevasse a minha fantasia, imaginei que aquele que

choramingava era eu.

Coloquei uma das mãos no pescoço, pressionando bem as laterais. O ar

se tornou escasso, a pressão aumentou em meu rosto e meu pau latejou com

mais intensidade, me permiti soltar um gemido engasgado.

Pressionei as pálpebras fortemente, abri mais as pernas e meus dedos

dos pés se recolheram. Eu estava chegando ao meu limite, revirei os olhos

quando senti a pulsação aumentar e então os respingos quentes vieram

sobre a minha barriga.

Deixei de tentar me enforcar para normalizar a respiração ofegante. Um

arrependimento sempre me atordoava após a punheta, era engraçado,

porque eu nunca sentia isso quando fazia sexo com alguém, mas o ato

solitário vinha junto de um peso moral.

Levantei da cama e meu estômago vibrou novamente. Ignorei a fome,

estava cansado e relaxado demais para conseguir dormir sem comer, então

segui até o banheiro, me limpei e voltei para o quarto. Deixei os óculos em

cima da bancada ao lado da cama e puxei os lençóis. Assim adormeci.

Despertei na manhã seguinte com meu celular tocando alto em baixo do

travesseiro. Meio desnorteado, desliguei o toque e tateei a mesinha perto de

mim a fim de pegar os óculos, sentei, esfreguei o rosto e então notei que a

tela do meu notebook estava acesa.

Havia um novo email.

Alguém do trabalho ou propaganda? Arqueei a sobrancelha e

engatinhei pela cama até ele, então abri a mensagem, aquilo foi enviado

uma e pouca da manhã.

Um mal súbito tomou conta de mim naquele momento. Senti o coração

acelerado, as palmas das mãos suavam frio e o corpo estremeceu da cabeça

aos pés, até mesmo a faringe ressecou e a saliva escorreu com dificuldade.

Não pude acreditar no que estava na tela, o olho encheu-se de lágrima

com o choque e eu permaneci estático por segundos digerindo o que tinha

acabado de ver.

Em anexo, duas fotos minhas, tiradas da minha webcam, uma onde eu

estava com as pernas abertas e me enforcando enquanto me masturbava e a

outra adormecido. Abaixo, a mensagem:

Acha mesmo que eu não te conheço?


A minha manhã começou conturbada.

Eu me senti atormentado, paranoico, cheguei a questionar minha

sanidade, que eu sabia que não estava das melhores, porém não estava

louco o bastante para ver aquele tipo de coisa.

Enquanto tomava banho, refletia sobre a conversa que tive na noite

anterior com um estranho que se denominava Masked Guy.

Aquele cara realmente me conhece? Ou a mensagem foi por conta de

estar me observando pela webcam? Se for a segunda opção, por quanto

tempo ele está me vendo? Acho que eu deveria perguntar para ele...

Ei! Mas que merda eu tô pensando? Qualquer pessoa sensata

procuraria a polícia! E é isso que eu vou fazer...

Ou que deveria fazer.

Deixei o chuveiro, peguei os óculos apoiados na bancada da pia, enrolei

a toalha na cintura e fui para a sala. Observei atentamente as coisas

dispostas em cada lugar. O sofá cinza e velho permanecia de frente para a

TV, cheio de roupas jogadas em cima, o pacote de biscoito que esqueci de

jogar fora ainda estava sobre o tapete vermelho... direcionei a atenção para

as paredes brancas e estreitei os olhos a fim de procurar qualquer coisa que

parecesse uma câmera escondida.

— Mas que burrice eu tô cometendo? Ninguém esteve na minha casa...

Então vi a enorme janela da minha sala, que era um prato cheio para

espectadores tarados ou inquilinos exibicionistas. O vidro era alto e largo,

permitindo que quem estivesse do lado de fora conseguisse enxergar o meu

sofá, a televisão, o aquário e a porta do quarto. As cortinas verdes que


comprei foram justamente para me dar mais privacidade, contudo, nos

últimos dias, estive tão alheio da minha própria vida, que sequer percebi

que as deixei entreabertas.

Caminhei lentamente até a claridade que transpassava os vidros e

aproximei o rosto entre as cortinas. Meus olhos zanzaram para todos os

lados a fim de ver algo suspeito. Nada. Ninguém.

Quer dizer, até apareceu um velho sem camisa correndo do outro lado

da rua, mas ele sequer sabia da minha existência e deveria ser confuso

demais com a tecnologia pra conseguir me hackear.

— Vi, acho que estou perdendo a cabeça com essa história... — Fechei

as cortinas e encarei de canto meu peixe — Acho melhor eu me arrumar,

né? Senão posso acabar me atrasando e não tô a fim de ouvir esporro do

Wilhem.

Fui até o quarto para vestir a típica roupa social da empresa. Blusa

branca de manga comprida por dentro da calça preta, gravata vermelha, e o

tênis era a única coisa que aquela merda de escritório permitia liberdade.

Calcei meu all star, me recusava a pôr aqueles sapatos bicudos, que

pareciam muito desconfortáveis.

Peguei a mochila jogada no sofá e resolvi enfrentar o dia. Estreitei os

olhos assim que saí por aquela porta, chequei mais uma vez os arredores

antes de descer o primeiro degrau, dos quatro, que distanciavam

discretamente minha casa do chão.

Durante o caminho até o ponto de ônibus olhei meu celular e abri as

minhas redes sociais quase abandonadas a fim de ver se o hacker postou

algo. Nada. Abri a conta bancária... não que ele tivesse muito o que fazer lá

com aquele saldo ridículo e cartões estourados, mas sempre era bom checar.

Nada de diferente. Repassei pelos sistemas de segurança de todas as minhas

contas e dados... nada.

Tudo bem, talvez eu esteja exagerando, ele deve ser só um tarado que

quis me ver pela webcam. Só isso.

Assim que embarquei no ônibus, procurei um lugar disponível perto da

janela e encostei a cabeça. Eram sete e pouca da manhã e as ruas já estavam

cheias e agitadas, realmente, Nova York é a cidade que nunca dorme, e todo

aquele movimento e barulheira eram irritantes pra mim. Por isso, quando a

empresa me deu a opção de moradia preferi morar num bairro mais distante

do centro.


Era uma hora de percurso, às vezes mais, até o trabalho, porém, ao

menos tinha paz na rua.

Quando me mudei do interior de Virgínia para a ‘’Big Apple’’, para a

vaga de emprego na área de programação na Dermaceuticals, uma

multinacional, parecia um sonho, mas que em pouco tempo se tornou um

pesadelo.

A empresa custeou a passagem e moradia, em compensação fiquei

preso em um contrato abusivo de um ano, que caso eu me demitisse antes

do prazo, deveria pagar uma multa pra ressarcir os gastos que tiveram

comigo, e o valor era bem alto. Além disso, o salário que me foi prometido

se reduziu devido a vários descontos, ou seja, não havia escapatória.

Nova York era diferente do que imaginei, e estar longe da família e

poucos amigos numa cidade estranha era solitário. Por conta do trabalho, e

sentimento melancólico, me isolei, até mesmo virtualmente, daqueles que

me amavam.

A única pessoa que ainda mantinha contato de vez em quando era

minha mãe, que insistia em ligar. Fora isso, era apenas eu comigo.

Quando o ônibus passou por um departamento de polícia que ficava um

pouco antes da empresa em que eu trabalhava, dei o sinal. Desci em frente

ao prédio e respirei profundamente enquanto encarava os oficiais que

entravam e saíam por aquele edifício.

Dei um passo à frente.

— Tudo bem, filho? — perguntou um policial cujo bigode grosso

escondia seus lábios e as rugas marcavam o rosto.

Pisquei algumas vezes ao encará-lo e demorei mais que o normal para

responder.

— Sim. Eu só... estava olhando o prédio. Só isso. Tenha um bom dia,

senhor.

Virei as costas para o homem e apressei o passo.

Meu coração batia tão forte, que senti como se quisesse fugir do peito,

as mãos suavam e precisei apertá-las firmemente a fim de conter os

tremores dos dedos. Eu sabia que o certo seria tomar coragem e denunciar o

crime, não era normal alguém invadir sua privacidade daquela forma,

principalmente com uma mensagem de tom muito ameaçador.

Mas não consegui. Me sentia desconfortável só em pensar de ter que

contar o início da história toda, desde o fórum onde me expus até talvez

mostrar as fotos. Preferi ignorar o caso, abafá-lo, o primeiro passo eu já


havia tomado pela manhã quando tampei a webcam, e caso ele insistisse em

me importunar, eu tentaria resolver a situação sozinho.

A caminho do trabalho, passei pela cafeteria que ficava perto da

empresa a fim de pedir o de sempre: café expresso sem açúcar e um bolinho

ou cookie. A cafeteria com tema de gatos era bem fofa, agradável e

pequena, se destacava por ser algo diferente, que não pertencia a nenhuma

franquia.

Acho que justamente por ser uma cafeteria pequena que os produtos

eram tão bons. Pareciam ser feitos com carinho, cuidado e bons produtos, já

que fidelizar a clientela naquela selva de pedra era algo essencial.

Logo que passei pela porta cor de rosa, fui direto para a bancada

branca, pintada com patinhas em tons pasteis e sorri para a atendente a fim

de pedir o de sempre. Ela me via todo dia, só confirmava se seria cookie ou

bolinho como acompanhamento.

— Hoje quero algo diferente... um croissant por favor.

— Vai demorar um pouco para esquentar...

— Tipo quanto tempo?

— 3 minutos.

— Tudo bem, sem problemas.

Paguei meu pedido e caminhei até a mesa rosa-claro a fim de aguardar.

O lugar não estava tão movimento àquela hora, apenas alguns engravatados

entravam para pedir seu café de forma impaciente, esperavam perto do

balcão e iam embora.

Quando o pedido ficou pronto, fui até onde estava o barista para pegálo.

Sequer olhei em seu rosto, apenas peguei meu café, o salgado e chequei

as horas no celular.

— Puta merda...— Estava quase atrasado.

Saí às pressas da cafeteria, andando rápido enquanto minha boca

alternava suas atividades entre beber e mastigar. Eu praticamente engoli a

refeição, o que me deu um desconforto de imediato, o estômago se inflou e

revirou, mas tentei não me ater aquilo, não chegar atrasado era mais

importante.

Quando cheguei em frente a escadaria do colossal edifício espelhado de

doze andares, subi os degraus correndo. Sentia a respiração ofegante, o

coração bater forte e o suor se formar por debaixo dos meus cabelos. Peguei

o cartão de identificação no bolso da mochila, passei pela catraca e apertei o


botão do elevador nervosamente, como se a minha pressa fosse fazê-lo

chegar mais rápido.

Assim que o elevador chegou, tive o azar de que ele foi pedido em seis

andares até que chegasse o meu, e a cada parada meu peito se comprimia,

acreditei que teria um infarto ou mal súbito antes mesmo de chegar ao nono

andar.

Passei pelo corredor branco de pisos bem encerados, andando rápido,

mas com cuidado para não cair, cumprimentei a secretária e abri as portas

do inferno. O meu setor já estava na ativa naquela hora, com diversos

funcionários falando ao telefone, andando para lá e para cá com papéis...

entrei pé ante pé e caminhei até meu boxe com discrição para passar

despercebido com os meus quinze minutos de atraso.

— Peter Reid! — o meu gerente gritou.

Cheguei a prender a respiração e arregalei os olhos, meu corpo se

enrijeceu por inteiro, sequer tive coragem de olhar para trás. Quando os

passos pesados do Wilhem seguiram na minha direção, abaixei as pálpebras

com força, pressionando-as firmemente.

Merda, merda, merda.

— Onde você estava com a cabeça?! Atrasou meia hora! Olhe para

mim.

Soltei o ar lentamente e virei devagar para o homem baixinho, bravo e

calvo à minha frente.

— Bem, na verdade foram quinze...

— Cala a boca! Graças a sua incompetência, os clientes estão sem

conseguir acessar o nosso site desde de cedo por conta dos seus erros nos

códigos de ontem. — Colocou as mãos na cintura, a cada palavra dita por

ele, sua feição se enrugava mais.

— Erro nos códigos? — Empurrei os óculos para cima dos olhos. —

Mas até ontem estava funcionando, alguém deve ter mexido.

— Não empurre para os outros a sua incompetência!

— Mas, senhor...

— Calado! Vá para o trabalho, você já está mais que atrasado. — Deu

as costas para mim antes mesmo que eu pudesse me defender de qualquer

afirmação.

Meu corpo ferveu de raiva, senti como se o sangue borbulhasse e a

minha vontade foi de acertar o rosto daquele imbecil engravatado. Não

aguentava mais ouvir seus gritos por motivos mínimos. Contudo, precisava


me manter firme naquele emprego, não conseguiria arcar com a dívida da

quebra de contrato, além de ficar com o currículo manchado caso me

demitisse da Dermaceuticals.

A saliva desceu arranhando pela garganta, meu rosto doía de tanto que

pressionei os dentes para não expressar reação alguma. Em silêncio, fechei

os punhos e fui de cabeça baixa até o meu cubículo que tinha apenas uma

mesa, um computador e uma planta de plástico. Apoiei a mochila na

cadeira, tirei dali meu carregador, pen drive e garrafa de água, então sentei.

Enquanto abria o programa no computador, notei, pela visão lateral,

alguns olhares sobre mim. Um deles era do Carter Elordi, um cara super

irritante que não fazia porra nenhuma, tentava se mostrar o melhor do setor,

me excluía dos happy hours e sempre puxava o tapete de qualquer um em

seu caminho. Inclusive, acho que foi esse babaca que alterou os meus

códigos.

O outro olhar era do Steve Dix. Nós não nos falávamos muito, ele era

alguém distante de mim e de todos, mas suas íris de vez em quando se

encontravam com as minhas, como se a qualquer momento aquele homem

fosse sair do seu cubículo para falar comigo.

O Masked Guy disse me conhecer... e se ele realmente me conhece além

da internet? Será que é o Steve Dix?

Minha mente divagou na possibilidade por um tempo, até que

chacoalhei a cabeça para afastar os pensamentos e voltei a me concentrar

nos números na minha tela. Tinha que adiantar o trabalho, perdi tempo

demais e não queria levar outro grito do Wilhem, eu ardia em ódio só de

lembrar do ocorrido minutos antes.

Peguei o celular e resolvi desabafar no Twitter para os meus sete

seguidores.

@Loo.ser: Odeio esse trabalho, odeio, odeio, odeio! Vai tomar no

cu, gerente de merdaaaaa.

Dito isso, voltei ao trabalho.

O dia se foi de forma que mal pude perceber, trabalhava tão no

automático, que sequer notava o passar das horas, até mesmo no almoço e

nas pausas para o café, meu corpo se erguia sozinho, enquanto a mente

estava distante. Eu via tudo, respondia instantaneamente, concluía o que era

necessário, mas tudo sem a plena consciência do que eu estava fazendo.

Minha alma só retornou para o corpo quando o alarme apitou indicando

o fim do expediente. Eu não pretendia ficar um segundo a mais do que era


pago naquela empresa. E eu não era o único.

A maioria das luzes no fim do corredor já estavam apagadas quando

levantei da cadeira, haviam poucas pessoas circulando por ali, menos o

Carter, que permanecia frente ao computador fingindo fazer qualquer coisa

para receber mais lambidas da gerência.

Eu abri minha mochila, recolhi meus pertences da mesa e a coloquei

sobre o ombro. Estava prestes a dar as costas, quando ouvi um som distante

de alarme de carro e logo algumas pessoas se reuniram frente as enormes

janelas cobertas por insufilm e começaram a cochichar.

Curioso, fui para perto das vidraças ver o que era. Arregalei os olhos e a

cada retração da pálpebra, meu sorriso se alargava. O carro do Wilhem teve

o para-brisas destruído e o capô amassado por um cara de máscara branca e

capuz preto.

Os guardas da Dermaceuticals chegaram para pegar o vândalo, que se

esquivou rapidamente, jogou a madeira neles e correu com muita destreza.

Acompanhei seu percurso atentamente, ele saiu de perto dos arredores da

empresa, virou a rua e subiu em sua moto preta.

Quando o mascarado desapareceu do meu campo de visão, me

concentrei na imagem que me trouxe tremenda satisfação, Wilhem

resmungava e choramingava sobre seu carro depredado. E o choro dele era

motivo da minha gargalhada.

Enquanto os burburinhos aflitos e confusos com o ocorrido preenchiam

o ambiente, me retirei.

Pela primeira vez em muito tempo deixei aquele prédio com a cabeça

erguida, peitoral inflado e sorriso no rosto. Me senti vingado, aquele crápula

que crescia para cima de quem estava abaixo dele não merecia nada além

do pior.

Quem fez aquilo com certeza estava com muita raiva do gerente... será

que foi o Steve Dix? Ou outro funcionário? Talvez tenha sido apenas um

doido...ah, nem quero saber também. Mas se encontrasse pessoalmente

quem fez aquilo, agradeceria.

Na volta para casa passei em uma lanchonete de comida chinesa para

levar algo pra jantar. As comidas eram boas e baratas, e muito bem

temperadas. Eu chegava exausto demais para conseguir preparar qualquer

coisa, no máximo ia para a cozinha aos fins de semana, fora isso, ou

comprava comida ou dormia com fome.


Quando entrei na rua, percebi meu vizinho, Harry, fechando sua

garagem. Diferentemente das suas camisas sociais brancas, ele estava de

blusa de manga comprida preta.

Será que ele era o cara?

Não, nunca que aquele engomadinho de Wall Street faria uma coisa

daquelas.

Depois da vergonha que paguei no dia anterior, preferi passar

despercebido por ele. Abaixei a cabeça e acelerei os passos pela calçada

rumo aos degraus da minha casa.

— E ae, Pete! Tudo bem?

Merda.

Me arrepiei por inteiro com aquela voz e parei no terceiro degrau. Olhei

para trás, soltei o ar devagar e fingi que ele nunca me viu comprar um dildo

gigante.

— Oi, Harry! Boa noite!

Fui educado, mas não dei mais brechas para conversas, virei para a

porta, subi e entrei em casa. Encostei as costas na madeira e suspirei com os

olhos fechados, por um segundo desejei voltar no tempo e nunca ter

comprado aquele troço, porque graças aquela desgraça eu teria que me

esquivar do meu vizinho por semanas até que nós dois esquecêssemos ou a

situação se tornasse uma memória tão distante que seria menos absurda.

Tirei os sapatos, coloquei a comida embalada sobre o sofá e fui

alimentar meu peixe.

— Vi, você não sabe o que rolou hoje! O idiota do Wilhem se deu

muito mal, alguém estragou o carro dele todinho! — Soltei uma risada

enquanto fofocava com minha única companhia.

Lavei as mãos e me joguei no sofá para comer. Enquanto abria aquela

embalagem, meu estômago se estremecia, implorando por alimento, e o

cheiro enfeitiçador fez com que minha boca salivasse por aquele macarrão.

Quando terminei de comer, tomei um banho e fui para o quarto me

deitar. Assim que meu corpo recaiu sobre o colchão, minha atenção se

concentrou no que estava no canto da cama. Fiquei um tempo encarando

aquele notebook fechado, com a pulsação acelerada e as mãos frias, era só

um aparelho eletrônico, mas naquele momento o enxergava feito um bichopapão.

Sentia calafrios ao me recordar das imagens que vi pela manhã, e

apesar de ter tampado a câmera, ainda estava receoso.


Contudo, minha vida estava ali. Todos os streamings que gostava de

assistir, os documentos do trabalho, meu jogo preferido...

— Não posso deixar o medo me dominar... não posso!

Inspirei o ar profundamente e o soltei devagar a fim de acalmar o

coração. Arrastei o corpo para perto do notebook e o puxei pra o meu colo,

quando abri a tela, mais um email. Aquela notificação me causou calafrios.

A mensagem era do mesmo desconhecido e o título mais sugestivo

ainda ‘’Um presente pra você!’’. Pensei em apagar e bloquear para encerrar

a história, mas minha curiosidade falou mais alto.

Quando abri o email tinha um vídeo e, nele, a imagem do carro do

Wilhem antes e, depois, a filmagem em primeira pessoa de parte da

destruição do veículo. Abaixo, a mensagem ‘’Você também não concorda

que é isso que esses babacas merecem?’’.

Sem querer me peguei sorrindo, e no meu momento de mais pura

insanidade respondi:

‘’Por que você fez isso?’’

A resposta foi imediata.

‘’Porque seu gerente foi um idiota com você.’’

‘’Não, por que fez isso por mim? Quem é você, Masked Guy?’’

A resposta seguinte demorou mais que o normal, até que veio.

‘’Quem sou eu? Você irá descobrir se permitir minha presença em sua

vida. E é por isso que fiz aquilo, porque quero que me deixe entrar.’’

E abaixo da mensagem, o anexo. O mesmo termo que ele havia me

enviado no chat do fórum na noite anterior.

Nesse momento vocês podem me chamar de louco, sim, porque a

decisão que tomei não era de alguém com as rédeas da sua consciência, mas

confesso que àquela altura eu já havia perdido a sanidade há muito tempo.

A adrenalina dos acontecimentos deixou de ser atormentadora para se

tornar intrigante. Eu poderia estar me envolvendo em uma situação

perigosa, contudo, aquela seria a única forma de descobrir quem era aquele

homem. Não tinha nada a perder.

‘’Se é isso que você quer, eu permito. Estou ciente da proposta e aceito

os termos.’’ Digitei cada palavra devagar, sinalizei o quadrado de aceite no

final...

E enviei.


Aquela noite consegui ter um bom descanso. Ainda que tivesse

cometido a insanidade de aceitar um termo de um desconhecido na internet,

minha mente me deixou em paz em saber que ele não planejava nada além

de um joguinho sexual, que eu estava um pouco descrente de que realmente

sairia do âmbito da internet.

Deixei o chuveiro em meio aos vapores no ar, parei em frente ao

espelho e usei a mão para desembaçar minha imagem. Me apoiei na pia e

encarei fixamente meu rosto, as olheiras avermelhadas ao redor dos olhos,

os lábios rachados e mordiscados, a face pálida com a pele desprovida de

viço. Inspirei profundamente e soltei o ar devagar.

— Mais um dia, menos um dia.

Abri a porta do banheiro com a toalha enrolada e fui alimentar a Vi. Era

como se eu estivesse vivendo o mesmo dia de novo, voltado para o looping.

O que me fez relembrar do dia anterior, que ainda que tivesse me deixado

aflito, rompeu com a monotonia da minha vida.

E como um masoquista, senti falta do problema, com vontade de

reviver o trauma e sentir meu coração acelerado e a respiração ofegante.

Observei a minha sala, as coisas continuavam jogadas, algumas

permaneciam no mesmo lugar há semanas.

Vesti o uniforme, peguei a mochila com as minhas coisas e deixei a

casa. Por me sentir sozinho e caído no vazio tirei os fones do bolso e

sincronizei com o meu celular, coloquei “Change” do Deftones, minha

banda favorita, para tocar e era como se meus passos fossem ritmados à

melodia.


Entrei no ônibus e passei dentre algumas pessoas em pé até os fundos,

onde encontrei uma cadeira vaga próxima à janela. Encostei a cabeça no

vidro e fiquei a olhar pelo caminho as pessoas saindo para seus empregos e

lojas abrindo. Por um momento, minha cabeça devaneou, como se eu não

estivesse ali e a música de fundo me levou por outros ares.

Voltei ao corpo quando a canção foi interrompida devido a uma ligação,

meus lábios se ergueram discretamente ao ver o nome na tela.

Atendi.

— Oi, mãe, como vai você e o pai? — Mudei a entonação da voz. Não

queria que ela pensasse que eu estava triste, ainda que essa fosse a

realidade.

— Bom-dia, querido. Muito obrigada pela transferência que fez no

começo da semana, ajudou bastante! Seu pai andou tendo as crises de

asma com mais frequência esses dias, mas está melhorando, estamos bem.

E você?

— Bem também. Fico aliviado de saber que ele está melhor.

— Alguma novidade?

Quando ela perguntou aquilo, minha mente refez os fatos do dia

anterior. A foto recebida, a sensação de perseguição, o carro do gerente

sendo quebrado e eu assinando um termo com um estranho da internet.

Sim, eram muitas novidades.

— Eu acho que fiz um novo amigo.

Aquilo foi tudo que consegui dizer.

— Ah, ótimo, querido! Que ótimo! E quando vem nos visitar? Sentimos

saudades.

— Também sinto, mãe. Muita. E não sei quando vou conseguir sair de

Nova York, já que as contas estão um pouco altas pra custear a viagem e

não faço ideia de quando entrarei de férias.

— Uma pena. Mas tudo bem, iremos aguardar. Te amo.

Senti um nó na garganta e engoli em seco. Os olhos arderam e o

coração descompensou sutilmente. Te amo, como senti saudades de ouvir

aquilo.

— Saudades. Também te amo, mãe.

Quando me aproximei da cafeteria, que era perto da empresa, me

despedi da minha mãe e desliguei o celular. Guardei os fones, dei o sinal e

saltei no ponto, meu estômago se revirou por comida quando estive de

frente para a fachada rosa-claro com enfeites de gatinhos.


Tomar café da manhã na rua era a melhor parte do meu dia. Além de

me poupar tempo e correr menos risco de me atrasar, ainda evitava a fadiga

em acordar mais cedo para preparar a refeição, e as comidas eram

maravilhosas.

Antes de entrar, chequei o celular e vi que o horário não estava tão

apertado quanto no dia anterior, contudo, preferi ser breve para que Wilhem

não me perturbasse mais... se bem que depois de ter o carro quebrado,

acreditei que ele seria menos escroto.

Entrei rapidamente e pedi o mesmo de todos os dias. Sempre na

correria.

Se não fosse tão distante da minha casa, com certeza eu iria naquele

lugar mais vezes, fora do horário de trabalho, só para que pudesse apreciar

o ambiente e provar mais dos doces e salgados disponíveis.

Andei um pouco mais e atravessei a rua até o enorme prédio espelhado

da empresa. Subi aquele lance quase infinito de escadas, que pareciam ter

sido construídas só para aumentar a atmosfera opressora daquele lugar,

enquanto engolia o café e o bolinho. Antes de entrar no edifício, parei em

frente as catracas e olhei para os carros parados no estacionamento, nenhum

com vidro quebrado ou lataria amassada.

Nada de Wilhem por hoje?

Um sorriso lento se formou em meus lábios só de cogitar aquela

questão. Se fosse o caso, a ausência de Wilhem seria algo diferente, e

qualquer coisa diferente naquele looping me era interessante.

Puxei o cartão de identificação do bolso e passei pela catraca com o

queixo ligeiramente erguido. Assim que entrei no elevador e apertei o

botão, ouvi um ‘’segura!’’ vindo do lado de fora.

Arregalei os olhos e coloquei a mão entre a brecha das portas para que

elas não se fechassem, e então ele apareceu. Steve Dix, aquela foi uma das

poucas vezes que ouvi sua voz. Os olhos estavam fundos e seus cabelos

castanhos escuros fixados com gel para trás o deixava com a feição ainda

mais rígida, era impressionante como a maioria dos trabalhadores daquela

empresa pareciam ter sua vitalidade sugada pelo lugar, principalmente os da

área de T.I.

Nós dois ficamos a sós naquele cubículo e notei como sua expressão

tensa se manteve direcionada para frente, quieto e inexpressivo.

Minhas mãos se agitaram, senti-me nervoso em estar sozinho com ele

ali dentro e em completo silêncio, foi como se precisasse falar algo,


qualquer coisa para amenizar o clima estranho que se formava.

E sempre que precisava interagir, meu coração se acelerava, como se

cada passo ou fala minha fosse julgada. Principalmente quando tinha que

falar com homens.

Em especial os que achava bonitos.

Ou atraentes.

Ou ameaçadores.

Enfim, vocês entenderam.

— Você viu o que aconteceu com o carro do Wilhem ontem?

Mas que merda de assunto eu resolvi introduzir.

Recebi de Steve sua típica olhada de canto, a mesma que ele me

lançava quando estávamos em nossos cubículos.

— Não. O que aconteceu?

— V-você não estava na empresa quando rolou? Tipo... alguém veio e

destruiu o carro do gerente todinho e fugiu em uma moto.

Steve finalmente desfez a cara de paisagem e arqueou as sobrancelhas à

medida que os cantos dos seus lábios se ergueram, mesmo que ele se

esforçasse muito para não deixar um sorriso, ainda que discreto, aparecesse.

— Mesmo? Eu não vi. Não, não estava mais na empresa.

Recebi uma última olhadela de sua parte quando as portas se abriram e

ele disparou na frente. Aquilo fez com que eu ficasse parado dentro da

cabine por alguns instantes e meu queixo caiu com a hipótese que minha

mente levantou.

Steve Dix é o Masked Guy?

Quando percebi a porta começar a se fechar, atirei meu corpo contra a

entrada para sair no andar e fui em passos apressados até o corredor do meu

setor. Olhei em volta e alguns cubículos ainda estavam vazios, puxei o

celular do bolso e vi que estava adiantado, poucos minutos, mas estava.

Calmamente, tomei meu lugar e arrumei as coisas para o trabalho. No

box à frente, recebi algumas olhadelas de Steve, aquilo arrepiou os pelos da

minha nuca e tive que prender a vontade impulsiva de ir até ele perguntar se

era o homem mascarado... ou perguntar para o próprio Masked Guy se ele

era Steve Dix.

Que idiotice a minha, óbvio que ele não vai afirmar nada, senão já

teria me dito. Terei que tentar descobrir por conta própria.

Antes do expediente começar, abri no celular meu email e enviei uma

mensagem para Masked.


‘’Por que você não começa seus jogos hoje e aparece para mim?’’

Guardei o aparelho no bolso e olhei para frente a fim de ver se Steve

Dix se moveria para ler. Mas não, da mesma forma que ele estava,

digitando em seu computador, continuou.

E então minha jornada investigativa encerrou com o soar do alarme

indicando o horário em que o expediente começou. Preferi não enrolar, abri

o programa para checar o sistema da empresa a fim de verificar se não

havia nada de errado e monitorar as experiências dos usuários perante as

atualizações.

Fiquei focado o tempo todo esperando que alguém fosse aparecer para

espiar o que eu estava fazendo, mas ninguém veio, apenas a subgerente

passava pelas mesas para entregar alguns papéis as vezes.

Minha atenção então foi desviada da tela pra o ambiente e os ouvidos

ficaram atentos nos cochichos. E a fofoca alheia me trouxe profunda alegria

em saber que Wilhem não foi trabalhar naquele dia.

O motivo? Não se sabia. Pode ter sido o carro? Talvez.

Eu acreditei que aquele dia seria mais um em que minha alma estaria

fora do corpo, e que viveria em modo automático, mas não. Naquele dia

estava completamente consciente, pois meus pensamentos ficaram em alerta

com as possibilidades de tudo.

Teorizar sobre o que aconteceu com Wilhem, quem era Masked Guy e

qual a possibilidade de ele ser Steve Dix me trouxeram para a superfície.

Quando o expediente estava para acabar, senti o celular vibrar no bolso,

então olhei em volta a fim de ver se estava sendo observado, como não

haviam olhos sobre mim, puxei o aparelho e espiei a tela.

Eu mandei a provocação por email, mas a resposta veio por SMS.

[Número desconhecido]: Mais tarde.

[Você]: Mais tarde o quê?

E então passei o resto da tarde esperando outra mensagem, que não

chegou.

Quando tocou o sinal da liberdade, levantei da cadeira e abri a mochila

para guardar as minhas coisas. Direcionei a atenção para o cubículo de

Steve, ele não estava lá, e boa parte dos outros empregados também não.

O ambiente era tão denso e a atmosfera esmagadora, que a maioria dos

trabalhadores entrava na exata hora e saíam no mesmo segundo em que o

sinal tocava. Nem um minuto a mais, nem a menos.


Naquele dia, enquanto caminhava pelo setor em meio à penumbra, foi o

dia em que estive mais desperto, que, em muito tempo, me senti dentro do

próprio corpo e com controle dele.

Assim que deixei a cabine do elevador, um sorriso se formou em meus

lábios. Eu não pretendia sair dali e ser engolido pelo cansaço a ponto de

conseguir apenas comer e dormir, muito menos me masturbaria pelo tédio

para forçar qualquer gota de serotonina no meu corpo. Não.

Me senti motivado a me divertir. O pequeno enigma que me dediquei a

resolver me trouxe um propósito, algo que me movia, que ouriçava os pelos

do meu corpo e fazia o coração descompensar, era pura adrenalina.

Antes de pegar o ônibus de volta para casa, passei em uma loja de

conveniência e comprei alguns salgadinhos, chocolates e um pack de

cerveja, que terminaram de comprometer meu orçamento do mês. Eu não

me importei. Iria retomar um hobby que perdi a motivação de continuar há

um tempo: jogar.

Viraria a noite jogando League of Legends, ainda que no dia seguinte

fosse trabalhar na merda. Era o meu momento, e momentos como aqueles

não aconteciam sempre.

Quando saltei do ônibus, caminhei meio desengonçado pela vizinhança

com a mochila e as sacolas. Subi dois degraus e parei em frente à porta,

então olhei para a casa grande e amarelo-claro ao lado, todas as luzes

estavam apagadas.

Arqueei a sobrancelha, era estranho Harry não estar em casa àquela

hora, ele sempre chegava bem antes, inclusive era por isso que pegava as

minhas encomendas.

Inspirei devagar e o ar passou pelos meus lábios na mesma velocidade.

Uma certa tensão maior tomou conta de mim. Eu estava falando há dois

dias com um cara que hackeou meu computador, encontrou minhas redes

sociais e quebrou o carro do gerente da empresa que eu trabalhava... sabiase

lá o que mais ele seria capaz de fazer.

Masked Guy era misterioso, não sabia seu rosto ou origem, e não só

isso, ele era perigoso. Poderia ser um assassino, um lunático, e eu estava,

propositalmente, entrando em sua mira... porque, por incrível que pareça, o

risco de morte me trouxe a vida.

Às vezes ele só foi para um happy hour depois do expediente... Harry

deve ter amigos, diferente de você, Peter.


Balancei a cabeça em negação e voltei minha atenção para a porta de

casa. Terminei de subir os degraus e entrei, acendi as luzes, cambaleei até o

sofá e joguei a mochila junto das sacolas de compras sobre o sofá.

Andei até a Vi e apoiei as mãos sobre os joelhos para abaixar os olhos

ao seu nível antes de alimentá-la.

— Wilhem não foi hoje, acredita? Acho que foi por conta do carro... —

Suspirei, permitindo que meus lábios se erguessem. — O dia foi até mais

leve, sabe? Quer dizer... mais ou menos. Aconteceram algumas coisas meio

tenebrosas, mas isso é assunto pra outra hora, por agora vou deixar rolar.

Peguei o potinho de comida e joguei os flocos para o peixinho dourado.

Antes de sentar para jogar e comer salgadinhos, desfiz o nó da gravata e

abri os botões da blusa, andei a caminho do banheiro, aos poucos, me

desfazendo da roupa da empresa, até que ouvi um barulho. Pareceu algo

pesado caindo em casa.

Meu corpo gelou, foi como se todo o sangue tivesse saído das

extremidades. O coração chegou a acelerar as batidas e eu recolhi os lábios

para me manter no mais completo silêncio a fim de conseguir diferenciar se

o que ouvi era real.

Não houve mais som algum.

Dei meia-volta e retornei para a sala, meus olhos vasculharam a

bagunça... tudo parecia no seu devido lugar. Soltei o ar com os lábios

trêmulos e andei em passos leves e lentos até a janela.

Meus olhos quase saltaram das órbitas ao notar que a deixei aberta.

Levei a mão ao lábio e olhei para trás a fim de ver se tinha alguém.

Você tá imaginando coisas, Peter. Não há ninguém aqui, ninguém.

Para provar a minha sanidade, decidi vasculhar a casa, ainda que

minhas pernas tremessem tanto que duvidava que me aguentaria em pé por

mais tempo. Porém, precisava me certificar de que estava tudo bem.

E então eu, da forma mais patética do mundo, andei com o olhar

paranoico, só de cueca, até o cômodo ao lado. A cozinha, que era pequena e

sem nenhum lugar para se esconder, estava da mesma forma. Não havia

nada, nem ninguém.

— Certo. Ninguém no banheiro, ninguém na sala, nada na cozinha... tá

tudo bem... tudo bem — disse em voz alta para tentar soar mais convincente

para mim mesmo.

Só faltava um lugar.


Cheguei a me apoiar nos móveis enquanto andava em direção ao quarto

e a respiração estava tão acelerada que pude ouvi-la, o coração batia no

pescoço e o suor frio escorria pela espinha, foi como se meu corpo

precedesse o que estava por vir.

Abri a porta lentamente, até mesmo seu ranger me arrepiou.

Dei o primeiro passo para dentro, em meio à escuridão. Acendi a

pequena luz do abajur que ficava próxima à cama e caminhei pela

penumbra em silêncio a fim de ver alguém antes de ser visto.

De repente, uma mão cobriu meus lábios e senti seu corpo grudar no

meu pelas costas. O frio da lâmina em meu abdômen me fez arregalar os

olhos e o grito de desespero saiu abafado. Todos os pelos na pele se

ouriçaram.

— Ouse gritar de novo pra ver o que farei com você.

A mão que me calava aos poucos deslizou pelo meu rosto até chegar à

frente da garganta. Seus dedos se aprofundaram na minha pele, e mesmo em

meio à escassez de oxigênio, consegui falar.

— O- o que você quer? — gaguejei, trêmulo.

— Vim tomar o que é meu. Não foi para isso que você assinou o termo?

Prendi a respiração e o coração se acelerou de medo.

A ponta da faca se inclinou em minha barriga, trilhando lentamente um

corte. A cada milímetro que se rasgava, uma sensação confusa se apropriava

de mim e o meu gemido denunciou que não era apenas dor que estava

sentindo.

— Eu não sei se estou gostando disso...

A partir dali, o frio já não me era presente. Aquele homem me levou ao

inferno em poucos segundos, onde o calor me consumiu e a pulsação

aumentou. Sua lâmina escorregou pelo meu abdômen até a virilha e rasgou

o único tecido que me cobria.

Ouvi sua risada baixa em meio à minha exposição.

— Não está gostando? Pra mim seu pau não deixa dúvidas.

O braço que prendia nossos corpos me segurou ainda mais firme, e o

roçar de seu quadril contra o meu permitiu que eu percebesse o quanto ele

também estava duro. A faca afundou firmemente abaixo da minha cintura e

rasgou a pele com a inicial ‘’M’’. Arregalei os olhos e comecei a me mexer

para desprender de seus braços.

— Para! Para! — gritei.


— Shiu! — Ele rebateu enquanto a lâmina me cortava para escrever um

‘’G’’.

Cheguei a ficar na ponta dos pés e prendi o lábio entre os dentes para

que não lhe desse o prazer de me ouvir gemer mais uma vez. Retraí as

pálpebras e meus olhos se direcionaram para o lado tentando, sem sucesso,

ver como era o homem atrás de mim.

Aquilo era insanidade, eu estava me permitindo ser domado e marcado

feito um gado por um louco que invadiu a minha casa. Ao ter uma luz de

consciência, reagi, dei-lhe uma cotovelada tão forte que fez com que me

soltasse, então fugi.

Joguei a cômoda perto da cama no chão numa tentativa de atrasá-lo

enquanto corria para fora do quarto. Meu coração bateu ainda mais forte e a

respiração estava tão curta que acreditei que desmaiaria antes mesmo de

alcançar a porta.

Seus passos eram pesados, rápidos e pareciam cada vez mais perto.

Quando olhei para trás, meus olhos se tornaram maiores ao ver a máscara

de caveira, calça preta e o corpo tatuado. A última coisa que enxerguei foi a

palma de sua mão que me segurou pelos cabelos e jogou de frente para a

parede.

O mascarado imobilizou um dos meus braços contra minhas costas e

segurou o outro pelo pulso, ainda mantendo a faca entre os dedos. Seu

joelho se fincou entre as minhas pernas, afastando-as.

— Você não deveria ter feito isso — A voz baixa e grave saiu em tom

de ameaça. — Se você tentar se mover de novo, o próximo golpe não será

apenas um corte. Entendeu?

Ainda que dissesse atrocidades, seu timbre era calmo e as frases saíam

perfeitamente arquitetadas.

Merda. Eu realmente estou gostando disso.

Optei por ceder ao jogo, assenti obedientemente.

A mão que segurava meu pulso com a faca entre os dedos deixou de me

apertar e a outra que me imobilizava largou meu braço para repousar sobre

a cintura. Fui pressionado ainda mais forte contra a parede.

A ponta da lâmina deslizou com precisão e sutileza pela linha da minha

vértebra, fazendo com que meus pelos se erguessem e eu voltasse a me

excitar.

Seus dedos escorregaram da minha cintura para o abdômen e desceu

mais... e mais... até que agarrou minha ereção e começou a me masturbar.


Apoiei a testa na parede e deixei escapar uma arfada intensa.

De repente, sinto algo úmido recaindo sobre a minha lombar, e

escorrendo até o meio das nádegas. Era saliva.

Enquanto uma de suas mãos me estimulava, a outra se afundou em meu

traseiro, roçando a ponta dos dedos contra a minha entrada. Ele penetrou

devagar.

Prendi o lábio entre os dentes, então o senti me lubrificar um pouco

mais. O mascarado afastou os dedos para enfiar outra coisa. Era rígido,

totalmente inflexível e dolorido.

Arregalei os olhos e com discrição virei o rosto de lado para ver. Ele

estava me fodendo com o cabo de sua faca, que entrava e saía com pressão

enquanto machucava seus dedos. Aquele absurdo elevou o meu tesão, todo

o corpo se contraiu, pressionei firmemente as pálpebras e deixei que um

gemido baixo escapasse.

Ele largou a faca e apoiou as duas mãos na minha cintura. Me afastou

da parede e me guiou até o sofá, onde fui jogado sobre o apoio do móvel, de

costas para ele.

— Empine o rabo — ordenou. A voz abafada saiu mais alta, e então

percebi que não conhecia aquele timbre de lugar nenhum.

Olhei para trás a fim de ver se ele ergueria a máscara, até que o homem

agarrou meus cabelos, virou minha cabeça para frente e afundou meu rosto

contra o sofá com força.

— Obedeça!

Deslizei apenas o tronco para a parte mais baixa do sofá, permitindo

que meu traseiro ficasse numa posição alta e virei a cabeça de lado. Ouvi o

som do zíper de sua calça descer e vi um pacotinho de lubrificante rasgado

ser jogado no chão.

Senti seu pau roçar contra a minha entrada, havia algo gélido nele. Ele

permaneceu esfregando e apenas ameaçando me invadir, aumentando o meu

desejo.

Mexi os quadris, jogando-os sutilmente para trás. O mascarado não se

moveu. Ele claramente desejava que eu implorasse para que me fodesse.

— Me foda... — a voz saiu em tom choroso. Meu corpo estava quente,

rígido e o sangue borbulhava de tesão. — Me foda, por favor... por favor —

insisti, sem encará-lo.

Ele começou a forçar para entrar, e então um gemido alto escapou pela

garganta ao tê-lo inteiramente dentro, latejando em mim.


O mascarado se debruçou sobre meu corpo e levou uma das mãos à

minha garganta, afastando meu tronco do sofá, enquanto a outra foi para o

meu pau, me estimulando novamente.

Seu movimento era rápido, forte e intenso. Os dedos se apertavam

contra minha pele, me enforcando durante as estocadas.

Eu estava no meu limite, o coração bateu mais rápido e o ar se tornou

escasso. Me derramei em sua mão ao passo que meus músculos

espasmavam de prazer.

Fui colocado de frente para ele e as costas repousaram sobre a parte

mais baixa do sofá enquanto o quadril continuava elevado. Só então pude

reparar em seus detalhes... a máscara era branca com desenho preto de um

tipo de caveira sorridente, os cabelos eram curtos e loiros escuros, os olhos

marcantes e amedrontadores e o corpo definido, grande e pálido carregava

tatuagens, uma cobra em um braço, teia no cotovelo, caveira, dentre outras

artes e uma rosa na lateral do pescoço.

O homem segurou na parte detrás das minhas coxas e fez com que eu

dobrasse os joelhos. Ao descer o olhar, reparei no que estava por vir. Seu

pau era longo, robusto e rosado, com veias saltadas e um piercing logo

abaixo da cabeça.

Ele entrou devagar e se apoiou nas minhas pernas. Aos poucos mexia

os quadris mais rapidamente, fazendo com que o som de nossos corpos se

chocando ecoasse pela sala.

Prendi o lábio entre os dentes para evitar gemer mais alto, meus olhos

chegaram a se revirar discretamente.

Não parecia se cansar, cheguei a sentir arder.

Quando ele enfim estava perto de seu ápice, se afastou sutilmente e se

masturbou sobre mim, deixando que os jatos quentes parassem sobre o meu

abdômen. Encarei-o, tentando ver os olhos por detrás da máscara.

Estava ofegante, dolorido e com o corpo em êxtase.

— Essa foi a melhor foda que já tive em tempos. — Um sorriso lento se

abriu em meu rosto. — Eu... posso ver você?

O mascarado subiu sua calça e se debruçou em cima de mim, onde seus

dedos tocaram minha face. Ele acariciou minha bochecha com o polegar, o

que me fez fechar os olhos com o carinho, até que me deu um tapa no rosto.

Ergui as pálpebras rapidamente.

O homem se afastou, levou o dedo frente a máscara em sinal de silêncio

e deu as costas. Então saiu pelo mesmo lugar que entrou, a janela.


Parece insanidade, quero dizer, é insanidade, mas naquele momento eu

desejei vê-lo de novo.


O corpo inteiro doía, principalmente a bunda e as cicatrizes dos cortes,

em especial o que estava próximo a minha virilha com as iniciais M.G.

Naquela manhã levantei mais cedo e pela primeira vez em semanas

arrumei a bagunça que estava na sala. Guardei as compras da conveniência,

joguei as embalagens vazias no lixo, ajeitei os móveis e juntei as roupas que

estavam espalhadas para pôr no armário, mas durante a arrumação, senti

falta de uma peça.

— Ué... não tinha uma blusa azul aqui? — Arqueei a sobrancelha. —

Onde ela foi parar? — Sacudi a cabeça. — Ah, deixa pra lá. Eu devo ter

colocado em outro lugar, depois encontro.

Terminei a organização e alimentei a Vi, que infelizmente presenciou a

minha foda no sofá. No momento em que me aproximei da entrada cozinha,

vi a faca jogada no chão da sala. Aquilo ali foi a única coisa que não tive

coragem de pegar, onde estava eu deixei que ficasse.

Fui preparar um café, não pretendia passar na cafeteria de gato daquela

vez, porque o dinheiro estava curto e tive muitos gastos com besteiras de

loja de conveniência na noite anterior, que sequer cheguei a comer. Então

aquilo seria o meu desjejum.

Tomei um banho e me apressei para me arrumar para o trabalho. Antes

de sair, fiz questão de checar se a janela e a porta estavam bem trancadas.

Durante o caminho até o ônibus meus pensamentos retomavam para a

noite anterior, tentando recapitular todos os detalhes que consegui

memorizar a fim de ver se descobriria quem era o Masked Guy.


As minhas suspeitas caíram por terra, Harry não tinha tatuagens e Steve

Dix não era loiro... muito menos dono de uma voz daquelas. Eu não fazia

ideia de quem aquele homem poderia ser, ainda que ele dissesse que me

conhecia.

Quando subi no ônibus, passei lentamente pelo corredor, me ative a

cada olhar estranho, todos os rostos... qualquer um poderia ser suspeito.

Principalmente alguém do ônibus, já que os passageiros sempre pegavam o

mesmo destino nos mesmos horários.

Para a minha infelicidade, ninguém se assemelhava aquele homem.

Eu estava aos poucos me tornando obcecado com a situação, e não

sabia se era pela diversão de brincar de detetive ou porque queria

novamente vê-lo e me engasgar com aquele pau com piercing.

Talvez um pouco dos dois.

Saltei do ônibus numa parada posterior a que eu costumava descer e

caminhei até a avenida em que ficava o prédio da empresa. Enquanto

atravessava a rua, meu celular vibrou e então vi o SMS.

[Número desconhecido]: Por que mudou de rota hoje?

[Você]: Como sabe o caminho que eu faço?

De repente, ouço um buzinar alto que me fez arregalar os olhos. Um

carro freou rapidamente e desviou de mim, seguido por um xingamento.

Meu coração bateu acelerado e a respiração ofegou sem que eu saísse

do lugar. Terminei de atravessar a rua correndo e cheguei em frente ao

edifício da empresa.

[Número desconhecido]: Eu disse que te conheço, Peter Reid.

Olhei para trás, receoso, a fim de verificar se estava sendo seguido, não

enxerguei nada além de pessoas passando para trabalhar com pressa,

falando ao celular ou carregando copos de café.

Soltei o ar audivelmente. Bloqueei o celular e o guardei no bolso de

novo antes de passar pela catraca da empresa. Aquela mensagem me fez

refletir se eu estava certo de levar adiante aquela situação por puro tesão ou

curiosidade.

Eu não devo alimentar isso... esse cara invadiu a minha casa, marcou

meu corpo e sabe por onde ando. E se eu não quiser mais essa relação? O

que ele seria capaz de fazer?

A sensação de perigo iminente trouxe à tona a minha consciência. Eu

estava me colocando em uma armadilha, feito um rato que deseja tanto o

queijo que esquece da ratoeira em volta.


Masked Guy está me entregando justamente o que eu desejava, tudo

que expus no fórum para um bando de desconhecidos pervertidos..., mas

quais são realmente as suas intenções?

Quando cheguei no meu andar, vi Wilhem andando pelos corredores

com o nariz em pé e pescoço esticado, de vez em quando checava o horário

em seu relógio, pronto para atazanar a vida dos funcionários atrasados

assim que o sinal batesse.

Aparentemente ele não estava ferido, o que me aliviou. Ainda que eu

detestasse meu gerente, sentiria profunda culpa se o Masked Guy tivesse o

agredido ou feito coisa pior com ele apenas para me defender...

Sobre o carro quebrado, zero ressentimentos, ele tinha dinheiro

suficiente para comprar outro.

Assim que sentei no meu cubículo e arrumei minhas coisas sobre a

mesa, o sinal tocou indicando o início do expediente. E a primeira coisa que

Wilhem fez foi passar pela minha sala com um olhar de canto a fim de

checar se eu estava presente.

Aquele dia foi diferente, não era como se eu estivesse ausente do

próprio corpo, pelo contrário, tive noção de tudo que acontecia. Sentia o

frio do ar condicionado, ouvia os murmúrios de fofoca ao redor e me

angustiava com o som do telefone tocando a cada segundo, até mesmo o

toque dos meus dedos contra as teclas do computador estava mais apurado.

Minha mente estava em alerta.

O celular vibrou novamente e então olhei para os lados a fim de checar

se alguém estava me observando. Nenhuma atenção sobre mim.

[Número desconhecido]: Quer repetir hoje o que aconteceu ontem?

Com apenas uma mensagem as batidas em meu peito se intensificaram.

Meus dedos chegaram a digitar e apagaram, escrevi e apaguei de novo.

Não sabia exatamente o que responder, pois meus desejos e a minha

consciência estavam em conflito naquele momento.

Ao mesmo tempo em que queria aceitar, também sabia que precisava

negar. Eu necessitava de um prazo para raciocinar melhor e saber o que

faria em relação a ele.

Estiquei discretamente o pescoço e inclinei o rosto para fora do meu

cubículo para ver se captava algum cara que eu ainda não havia notado

digitando ao celular.

Ninguém.

[Você]: Hoje não.


[Número desconhecido]: Por quê?

Soltei o ar devagar enquanto pensava na desculpa que daria.

[Você]: Tenho alguns trabalhos para entregar hoje à noite e meu

corpo ainda está dolorido de ontem. Não aguentaria de novo.

Esperei uma réplica de insistência, que não veio.

— Peter! — O grito do gerente fez com que eu saltasse da cadeira.

Arregalei os olhos e segurei firme o celular que quase escorregou da

minha mão pelo susto. Engoli em seco.

Que merda.

— Não pode mexer no celular durante o expediente! Quer levar uma

advertência?

— Eu estava vendo se a minha mãe doente...

— Não me interessa. Veja depois. A empresa não tem nada a ver com

os seus problemas, aqui você deve produzir. Entendeu?!

Mesmo que a minha desculpa não fosse verdade, aquela frase fez com

que meu corpo ardesse em ódio. Pressionei os dentes com tamanha força

que senti o rosto doer.

— Certo, senhor — respondi com tanto contragosto que desejava mais

do que nunca engolir aquelas palavras e simplesmente pegar as minhas

coisas e ir embora.

Retiro o que disse anteriormente. Eu não sentiria tanto remorso assim

se o mascarado desse alguns golpes na cara daquele porco de gravata.

Perto do fim do expediente, notei uma movimentação pelos corredores

do meu setor, Carter não só chamava a atenção de todos para si, do jeito que

sempre fazia, como convidava certos funcionários para um happy hour.

E como sempre eu fui um dos que ele sequer dirigiu a palavra, nem eu,

nem Steve Dix.

Quando o sinal tocou, todos arrumaram suas coisas e a maioria foi para

o bar. Já eu, apoiei a mochila sobre o ombro e tomei meu rumo em direção

à minha casa, naquela noite sim jogaria League of Legends.

Assim que entrei no elevador, ouvi um grito distante com um

‘’segura!’’. Coloquei a mão entre as portas e vi Steve Dix dando uma breve

corrida em direção à cabine.

— Obrigado — falou.

Estar dentro do elevador, sozinho com aquele homem, em silêncio, me

trouxe profunda angústia. Senti as mãos tremerem sutilmente e a sensação

era como se eu devesse dizer alguma coisa.


— Por nada. — Franzi os lábios e encarei o painel que indicava o

número dos andares. — Você... vai no happy hour?

— Não. Não fui convidado. — Respirou audivelmente. — Você vai?

— Não. — Ri. — Também não fui convidado.

Logo que as portas do elevador se abriram, Steve assentiu com a

cabeça.

— Somos privilegiados por isso. Aquele pessoal é um porre.

E saiu com a cabeça baixa e passos apressados. Não sabia que tanta

pressa ele tinha para ir pra casa. Se havia alguém que odiasse mais aquela

empresa do que eu, provavelmente era ele, que não aguentava ficar um

segundo além de seu tempo ali.

Assim que deixei o prédio, comecei a andar pela rua em direção ao

ônibus. Não recebi mais mensagens do número desconhecido, muito menos

notei algo de diferente.

Dentro do transporte, enquanto ouvia música a caminho de casa e

vislumbrava a paisagem, minha mente voltou a sair do corpo. Fiquei

distante, como se retornasse para o looping que estava preso.

Ao desembarcar, coloquei as mãos nos bolsos da calça durante o

percurso e andei tranquilamente, até que notei uma presença, ainda que

distante, atrás de mim. À noite, com postes mal iluminados, prejudicava a

minha visibilidade de reconhecer quem era, eu só conseguia notar a roupa

completamente preta e um capuz que fazia sombra sobre o rosto.

Acelerei o passo.

Tentei fingir que não estava preocupado com a pessoa encapuzada

claramente me seguindo, mas isso se tornou impossível com as minhas

diversas olhadas para trás.

Quando cheguei na minha rua, faltando pouco para entrar em casa,

deixei que o medo assumisse o controle, saí correndo em direção à porta e

até tropecei nos degraus. Minhas mãos tremiam enquanto tentava colocar a

chave dentro da fechadura, deixei que o chaveiro caísse no chão e assim

que me agachei para pegar ouvi uma voz atrás de mim.

— Pete!

Era Harry.

Soltei o ar devagar e olhei para ele, ainda agachado. Meu corpo estava

tão contraído de pavor, que até mesmo meu vizinho notou.

— Tá tudo bem?


Ele me olhava de olhos bem abertos com uma embalagem em mãos,

vestindo sua típica roupa social de Wall Street. Peguei as chaves, levantei e

observei em volta a fim de ver se notava alguma presença estranha, mas o

homem encapuzado sumiu.

— Sim... está tudo bem, e você?

Harry arqueou a sobrancelha.

Não estava nada bem, minha palidez e rosto suado deveriam deixar

claro isso, mas ele preferiu fingir que não percebeu.

— Ah, que bom. Estou bem.

— Esse pacote é pra mim? — perguntei, direcionando a atenção para a

caixa em suas mãos.

— Não, não. — Ele balançou a embalagem.— Esse aqui eu acabei de

receber. Foi bom te ver, Peter.

— Ta-também. Tchau!

Abri a porta e entrei rapidamente. Encostei na madeira sentindo meu

coração pulsar no pescoço e estava tão ofegante que o ar chegou a me faltar.

Escorreguei até o chão e me sentei nele tentando retomar o controle da

respiração.

Olhei para frente e vi a faca, que permanecia no mesmo lugar.

Num momento de desespero, puxei o celular do bolso e mandei

mensagem para o Masked Guy.

[Você]: Eu acabei de sofrer uma perseguição! Você tem algo a ver

com isso?

A resposta demorou, mas chegou.

[Número desconhecido]: Apenas para checar que você chegaria

bem em casa.

Rangi os dentes e voltei a tremer, contudo daquela vez não foi de medo.

Foi de raiva.

Não posso mais prolongar essa situação! Estou perdendo a cabeça!

[Você]: Você é maluco! Eu quase morri do coração!

[Número desconhecido]: Desculpe, não queria te assustar... se bem

que você gosta disso. Não é?

Digitei minha última mensagem e olhei para a tela por alguns segundos

refletindo se realmente deveria enviar.

Sei que a opção mais sensata seria terminar com o jogo de uma vez,

mas me apeguei a emoção enérgica da situação, então ao invés de acabar

com tudo, deletei o texto e larguei o celular no canto da sala.


Eu me vi em meio aos troncos de árvores úmidas e folhagens escuras,

meu corpo estava gélido, eu tremia, não apenas pelo frio, mas de medo.

Rondei os olhos pelo espaço pouco iluminado e comecei a correr em busca

de uma saída, a floresta pareceu não ter um fim.

Estava sozinho e perdido, até que os passos rígidos contra as folhagens

secas no chão me fizeram perceber que eu não era o único ali. Ao vigiar as

minhas costas, notei um homem de roupa preta com capuz, máscara de

caveira e machado na mão, vindo em minha direção.

Meu coração disparou, tentei fugir, mas pareceu que minhas pernas

travaram e eu mal conseguia sair do lugar enquanto ele, calmamente, me

perseguia.

— Corra! — gargalhou. – Corra, ratinho!

Por mais que eu me esforçasse para escapar, meu perseguidor me

alcançou pelos cabelos, puxando os fios tão forte que gritei de dor, fui

jogado ao chão, então ele montou sobre minha barriga e ergueu o machado.

No momento em que o golpe viria em meu pescoço, abri os olhos e os

arregalei com a puxada de ar.

Levei a mão à testa para secar o suor que se formou, e meus músculos

ainda estremeciam de medo enquanto o coração balançava no mesmo ritmo

acelerado.

Masked Guy mexeu tanto comigo, que me apavorou até mesmo nos

meus sonhos, tornando-se meu bicho-papão. Sentei na cama, esfreguei os

olhos e peguei os óculos que estavam apoiados na bancadinha.


Levantei meio desnorteado, cambaleei pela sala me apoiando nas

paredes e me joguei no sofá. Liguei a TV e deixei que minha mente ficasse

alheia enquanto tentava me recuperar da noite mal dormida devido ao

pesadelo.

As notícias não diziam nada demais, o mesmo de sempre, até que uma

em específico me chamou a atenção. A repórter falava de um homem em

Manhattan que foi assassinado da mesma forma que outro cara, e a polícia

estava tentando juntar as provas a fim de ver se o autor do caso era a mesma

pessoa.

— Serial killer? — murmurei e uma sobrancelha se ergueu. — E se...

Masked Guy for um serial killer? E está brincando comigo, sua futura

vítima? — Olhei para os lados, teorizando a possibilidade. — Meu Deus, eu

só posso estar enlouquecendo... — Levei as mãos aos cabelos, entremeio os

dedos nos cachos e os puxei.

Desliguei a televisão e levantei do sofá para alimentar a Vi.

Aproveitando que acordei antes do despertador tocar, fui tomar banho com

calma para me preparar para o trabalho, não queria começar o dia com os

gritos do Wilhem.

O que era para ser um momento relaxante, só me trouxe raiva. O sabão

estava tão nas últimas, que tive que esmagá-lo para conseguir fazer espuma

para me limpar e assim que saí do chuveiro para escovar os dentes, notei

que a pasta de dentes também estava acabando, com muita força consegui

espremer a última gota.

— Ah, que merda! Logo agora no fim do mês as coisas resolvem

acabar... não podiam esperar até eu receber, hein? — Joguei a embalagem

vazia na lixeira com raiva.

Eu estava com o dinheiro contado para tomar meu café fora, mas

infelizmente, ele seria destinado ao mercado para comprar sabonetes e pasta

de dente. Por sorte, como havia despertado mais cedo, teria tempo o

bastante para ao menos passar um café em casa antes de sair.

Deixei o banheiro com a toalha enrolada na cintura e fui até o quarto

para me vestir. Enquanto atava o nó da gravata, refleti sobre a noite anterior

e como eu deveria ter acabado com tudo, encerrado qualquer ligação com

um louco como Masked Guy, mas não o fiz por pura ousadia de pagar para

ver o que poderia acontecer.

Quando estive pronto, ouvi a campainha tocar. Fiquei estático e em

silêncio no quarto, fingindo que não havia ninguém, mas a pessoa insistiu,


de novo e de novo... até que perdi a cabeça e gritei.

— Quem é?!

Ninguém respondeu. Um silêncio pairou por instantes, até que a

campainha foi tocada novamente.

Bufei e andei em passos pesados com os punhos duramente fechados

até a porta, destravei e puxei abruptamente com raiva. Não havia ninguém

na entrada.

Meus olhos inspecionaram a vista da minha vizinhança e sequer vi

movimento algum por perto. Olhei para baixo e notei o saquinho do gatocafé

que eu gostava e nele estava preso um bilhete.

Ainda desconfiado, vigiei em volta antes de agachar para pegar. Assim

que peguei, voltei para dentro de casa e tranquei a porta rapidamente. Abri o

saquinho e ali dentro haviam cookies ainda quentes, e o copo de café

fechado.

Apoiei o saquinho sobre o sofá e abri o bilhete, nele estava escrito ‘’Do

seu admirador secreto ;) ‘’. Inspirei profundamente e puxei o celular do

bolso, de imediato enviei uma mensagem para ele.

[Você]: Foi você quem me mandou esse café?

[Número desconhecido]: Você tem outros admiradores secretos

além de mim? Aproveite o café, Pete.

Aquilo me fez expressar um sorrisinho.

Merda, não posso me envolver tanto nisso. Afastei a ideia de achá-lo

cativante, Masked Guy era um lunático que sabia tudo da minha vida e eu

sequer conhecia seu rosto.

[Você]: Obrigado.

[Número desconhecido]: Que tal nos vermos hoje?

Preferi não respondê-lo, bloqueei o celular e fui tomar o café para sair

para o trabalho. Não sentia que estava pronto para rever Masked, porque,

por mais que a foda fosse boa, ele havia ultrapassado alguns limites que me

dava muito medo.

Enquanto andava a caminho do ponto de ônibus, vigiava todos os

cantos. Eu deixei de lado o estado de inércia para adotar a paranoia, e por

mais que aquilo me movesse a saber como seria o dia seguinte, também me

deixava psicologicamente esgotado.

A todo momento sentia que iria morrer, que Masked poderia me matar,

e por mais que em diversas horas essa fosse a minha vontade, não queria

deixar o meu destino nas mãos de outra pessoa.


Naquele dia, consegui chegar mais cedo no trabalho, mas não antes que

Carter, que por mais que não fizesse nada e empurrasse boa parte de suas

tarefas para mim por pura incompetência, era um ótimo ator e conseguia

convencer a todos dos seus feitos no serviço.

Arrumei as coisas no meu cubículo e me sentei.

Bastou que eu tomasse meu lugar, para que Carter arrastasse sua

cadeira de rodinhas para perto de mim.

— Ei, Peter, amigão, queria saber se...

— Não. — Mantive os olhos atentos na minha tela.

— Mas eu nem falei ainda...

— E a resposta já é um não. — Rodei a cadeira em direção a ele,

encarando-o. — Você quase sempre pede por minha ajuda, mas o que quer

não é uma ajuda e sim alguém para fazer o seu trabalho! Eu já tô

sobrecarregado de coisas só de ter que assumir as minhas funções e ainda

resolver os problemas que você foi contratado pra solucionar. Além disso,

não venha com essa de amigão, sequer me chama para os happy hours.

Ele abriu um sorriso lento, que me fez sentir o sangue borbulhar pelas

artérias.

— Então o problema são os happy hours?

— Você ouviu tudo o que eu disse?! — Abri os braços.

Antes que iniciássemos uma discussão, um soco forte foi dado contra a

divisória do meu cubículo, que me fez saltitar da cadeira. Arregalei os olhos

para Wilhem, que vigiava nós dois com uma expressão nada agradável.

— Por que estão gritando?

— Por nada. — Abaixei o olhar e girei minha cabeça para frente do

computador.

— Estávamos só falando alto, chefia. Fica tranquilo — Carter disse.

O gerente não pareceu muito convencido, mas não acrescentou nada.

Apenas se afastou, dando algumas olhadelas para nós dois, ainda que a

distância.

Encarei Carter e ele ergueu os ombros, voltando a digitar em seu

programa. Enquanto eu ainda ligava o monitor, o alarme de início de

expediente tocou.

Tudo que eu conseguia pensar era no quanto abominava aquele lugar e

ansiava pra me ver livre. Odiava as pessoas que trabalhavam ali, detestava o

espaço grande, cheio e de estrutura fordista, tudo era péssimo. Nem mesmo

o salário mixuruca compensava.


Passei o restante do meu dia executando as tarefas dos projetos que me

foram enviados e arrumando os bugs na plataforma, de forma automática e

alheia a tudo ao meu redor.

Quando deu o fim do expediente, me senti cansado só em saber que não

poderia simplesmente ir direto para casa. Teria que passar no mercado para

comprar os produtos de higiene que acabaram.

Guardei os meus pertences com certo desânimo, deixei o setor e peguei

o elevador até o térreo. Daquela vez, Steve Dix havia saído bem antes de

mim, e eu esperei que Carter fosse na frente só para não ficar nenhum

segundo a sós com ele.

Assim que eu saí do prédio, olhei para o céu escuro e suspirei.

— Céus, como eu queria ir para casa...

Puxei o celular do bolso e olhei as notificações, não havia nenhuma

ligação da minha mãe, muito menos mensagem do meu admirador secreto,

um apelido carinhoso para o stalker maluco. Abri o Google e procurei pelo

mercado mais próximo, iria andando até lá para comprar o necessário e

depois pegaria o ônibus até o meu bairro.

Assim que li o endereço, guardei o celular e desci os degraus com as

mãos nos bolsos. Àquela hora a área empresarial ficava muito perigosa,

pois a circulação de pessoas se reduzia drasticamente e a iluminação não

era a das melhores. Tentei andar o mais rápido que consegui, sempre atento

ao caminho.

O supermercado de fachada amarela era enorme, na verdade, quase

tudo em Nova York era exagerado, como se toda a estrutura da cidade fosse

feita para te impressionar. Não precisei percorrer uma distância muito longa

para chegar até ali e pelo que vi no Google, havia um ponto de ônibus atrás

dele, logo depois de seu estacionamento.

Passei pelas portas automáticas sem sequer olhar para os carrinhos,

nem mesmo uma cestinha pegaria para fazer as compras, já que o meu

dinheiro estava contado para apenas o sabão e a pasta de dentes.

Àquela hora da noite e no fim de mês, os corredores do mercado não

estavam cheios, muito menos havia filas para os caixas.

Enquanto caminhava em direção à seção de produtos de higiene, notei

algo passando rápido por trás de mim. Senti um frio percorrer a espinha e os

pelos da minha nuca se levantaram, meu corpo por inteiro se enrijeceu.

Lentamente virei o rosto de lado para tentar enxergar qualquer coisa.

Nada.


Soltei o ar devagar e balancei a cabeça.

Para de ser doido, Peter. Não tem ninguém atrás de você.

Peguei a pasta e sabão mais baratos que tinha. Enquanto andava pelo

corredor, notei novamente um movimento, olhei para trás e consegui ver a

silhueta de alguém de preto, que atravessou para a outra seção ligeiro feito

um vulto.

Isso não é coisa da minha cabeça porra nenhuma.

O coração descompensou.

Acelerei o passo e fui até o caixa para pagar as compras. No instante

em puxava a carteira, foquei a atenção na imagem da tela da câmera de

segurança acima da minha cabeça. Meus olhos se tornaram maiores ao

notar algo escuro ao fundo, feito um homem de capuz.

Quando olhei para trás, não tinha ninguém. Comecei a hiperventilar.

— Está tudo bem, senhor?

Pisquei algumas vezes antes de responder a atendente.

— Sim. — Vigiei o meu redor — Por acaso... você viu um homem de

capuz e roupa preta passar por aqui?

A mulher enrugou a testa, como se eu tivesse acabado de perguntar um

absurdo.

É. Eu devo estar maluco, maluco!

— Tenha uma boa noite. — Paguei o pedido, guardei tudo na mochila e

atravessei o supermercado para ir até o seu estacionamento a fim de cortar

caminho até o ponto de ônibus.

Quando pisei meus pés do lado de fora, prendi o ar. O espaço era

enorme, com alguns carros espalhados e pouquíssimo iluminado, onde as

grades que cercavam o lugar estavam enferrujadas e quebradas.

Senti a saliva descer arranhando pela garganta, mas eu tinha que ir logo

para casa e acreditava que dar a volta e pegar o caminho mais longo seria

ainda pior.

— Não vai acontecer nada — falei em voz alta, tentando me convencer.

Dei o primeiro passo e comecei a andar. Parecia que só havia eu por ali,

até que resolvi olhar para trás e notei o homem de capuz ao fundo. Ele

estava com as mãos nos bolsos do casaco, caminhando lentamente.

Tentei ir ainda mais rápido, e ao vigiar as costas, notei que o cara sacou

uma arma e acelerou seus movimentos.

Arregalei os olhos, fechei os punhos e apertei o passo, tentando não

demonstrar medo, até que ouvi um tiro perto de mim.


Comecei a correr e o fim do estacionamento parecia estar cada vez mais

distante, e então outro tiro. Eu dei um grito e fui para trás de um dos carros

e agachei ali para me esconder. Minhas pernas estremeciam e meu peito

vibrava intensamente.

Eu não sabia se aquele era um assaltante, um louco qualquer ou

Masked Guy tentando me matar por não querer vê-lo.

Os passos pararam. Levei a mão trêmula aos lábios, tampando-os para

abafar qualquer barulho que saísse contra a minha vontade. Ergui

lentamente o rosto para cima do capô do carro vermelho a fim de ver se ele

ainda estava ali.

Ninguém.

Soltei o ar devagar e rastejei para o outro carro, dali pretendia levantar

e correr até o ponto. Esperei por mais alguns segundos, a fim de ver se ele

apareceria novamente.

Devido ao silêncio me levantei rápido para fugir, quando ele saiu de

repente de trás de outro carro e me pegou pelas costas. Um de seus braços

envolveu meu corpo enquanto o outro tampou meus lábios.

Fui arrastado para a área mais escura do estacionamento mal iluminado

e posto sentado contra uma das grades. Arregalei os olhos quando ele

apontou a arma para mim, e então vi a máscara.

Ergui as mãos trêmulas e aos poucos, a minha visão se tornou

marejada.

Ele segurou meu queixo, elevando-o sutilmente e pressionou o cano da

pistola contra meus lábios. Permiti que ele a colocasse, senti o gosto do

metal da língua, o mascarado fez a arma entrar e sair da minha boca, como

se simulasse um sexo oral.

Senti um aperto no peito e uma sensação de sufocamento, logo as

lágrimas que tentei conter escorreram.

Masked Guy afastou pistola da minha boca.

— Por que está chorando, passarinho?

Eu estava tão nervoso, que não consegui responder de imediato, apenas

soluçar. Afastei os óculos dos olhos, colocando-os acima da cabeça e levei

as mãos as pálpebras para secar o rosto.

Ele se agachou para ficar à minha altura e puxou meus pulsos para que

eu o encarasse.

— Por favor, não me mate… não me mat... — não consegui concluir a

última palavra, que saiu falha em meio ao meu desespero.


O ouvi rir baixo.

— Mas eu não quero te matar.

— Você deu dois tiros! — Pressionei os dentes.

— Pra te assustar, não pra pegar em você. — Masked levou a mão ao

meu rosto, mas a afastei.

— Você é maluco! — Levantei do chão, batendo nas roupas.

— Achei que gostasse desse tipo de coisa. Não pediu que alguém te

ameaçasse? Assustasse...

— Eu sei! Eu sei o que pedi! Mas você não é um simples cara que leva

isso pro lado sexual… você invadiu a minha vida além da brincadeira. Sabe

onde eu moro sem eu ter te dado o endereço, tem noção de quem é o meu

chefe, qual a empresa em que trabalho e… e.. .me rastreou! — Recolhi o

corpo. — Sinto medo de você, Masked, não em um bom sentido.

— Desculpe. Não era essa a intenção. Quer refazer as regras?

— Não. Eu quero parar de brincar. — Cruzei os braços. — Quero

acabar com tudo isso e sequer lembro da merda da palavra de segurança...

— Abacaxi.

— Isso! Abacaxi. Nem gosto dessa fruta. — Balancei a cabeça em

negação. — Não quero te ver mais, Masked Guy.

Ele deu um passo para trás.

— Tem certeza disso?

— Tenho. Abacaxi. Abacaxi, abacaxi, abacaxi.

Ele riu e assentiu com a cabeça, então guardou sua arma e se afastou de

mim. Somente ao vê-lo dar as costas que pude respirar propriamente.

Sabia que manda-lo ir embora teria as suas consequências, retornaria

para o estado de inércia e vazio que me consumia dia após dia, mas não

poderia continuar a alimentar a situação da forma que estava, cada vez mais

perigosa.

Naquele momento, acreditei que fiz o que qualquer pessoa sã faria.

Tomei a decisão certa.

Ao menos foi o que eu achava.


“E como foi a sua semana?”

Essa frase ecoou na minha cabeça enquanto meus olhos estavam

vidrados nos carros que passavam em alta velocidade pela avenida. Meu

corpo balançava com os ventos cortantes e o coração pulsava tão

intensamente que pude senti-lo no pescoço.

Eu só precisava dar um passo à frente, somente um para acabar com

tudo.

Recapitulei a semana, que foi tão fora do comum que pareceu durar um

mês, já que aqueles momentos de pavor e curiosidade me despertaram,

trouxeram um propósito…, mas junto dessas emoções veio o perigo.

Meus pais não sabiam de nada do que eu passava em Nova York, eu

preferia ocultar todas as minhas dificuldades para que eles não se

preocupassem e fingir que estava cumprindo bem o meu papel de filho

perfeito.

Eu fui a primeira pessoa da minha família a conseguir ingressar em

uma universidade, e mesmo sendo alguém muito mediano, meus pais

puseram expectativas altas em mim, como se eu tivesse a obrigação de ser

bem-sucedido, de ajudá-los a sair da pobreza.

Quando consegui o emprego numa multinacional em NY, foi motivo de

festa na cidadezinha, parecia que seria o novo bilionário dos Estados

Unidos ou estamparia alguma matéria da New York Times. Até eu, cheguei

a acreditar nisso, até que me deparei com a realidade.

Eu era só mais um dos diversos trabalhadores presos por um contrato

que aceitaram que, por mais que se esforçasse, jamais alcançaria o topo. Na


verdade, todo o meu esforço era apenas para alimentar os que estavam

acima de mim.

Antes, acreditava que faria algo grandioso na vida, depois, percebi que

estava sozinho, em uma cidade enorme, preso num looping, numa rotina

repetitiva e exaustiva que me fazia questionar diversas vezes: “A vida é só

isso?”

E parecia que sim, que seria só isso, todos os dias iguais até meu último

suspiro. Então, se fosse assim, acreditava que interromper a vida antes da

hora não faria diferença, não mudaria nada mesmo, não perderia

literalmente nada, porque a minha perspectiva para o futuro beirava a zero.

— Filho? Como foi a semana?

A voz da minha mãe trouxe minha consciência de volta ao corpo.

Apertei firme o celular, respirei profundamente e dei um passo para

trás, me afastando da beira do asfalto.

— Foi boa. Vou folgar durante a semana, na semana que vem. —

Aquela foi a única novidade que pude contar.

Desde o meu ultimato no mascarado, ele sumiu da minha vista. Há três

dias.

Não esperava que ele fosse realmente acatar o meu pedido, mas

prontamente o fez, respeitou os termos e a minha decisão. Confesso que

apesar de no primeiro dia me trazer paz, com a sensação de retomar a

segurança, os outros dias me deixaram com saudade da emoção que fazia

meu coração bater mais forte, a adrenalina que agitava meus pensamentos

em busca de respostas e afastava a sensação do vazio. Sentir medo era

melhor do que não sentir nada.

— Ah, que ótimo!

— E como está o pai? Ele melhorou das crises de asma?

— Sim, foi só um susto. Sinto tanta saudade sua… estava pensando em

pegarmos um ônibus e ir até aí no próximo feriado, o que acha?

Apesar de eu ansiar sentir o calor do abraço dos meus pais novamente,

sabia que aquela viagem custaria caro, e eles abririam mão de alguma coisa

por mim. Eu estava dando um terço do meu salário para eles afim de que

não passassem dificuldades, não queria ser o motivo de seu aperto.

Meu coração se comprimiu e a pressão da tristeza foi esmagadora em

ter que negar. Mas aquilo era o certo a se fazer, já que eu não tinha

condições de bancar a viagem dos dois, e também não queria vê-los em um

aperto por minha causa.


— Acho melhor não, mãe. A viagem vai sair muito cara… eu prometo

visitá-los assim que estiver de férias, tá bom?

Ouvi seu suspiro do outro lado da linha.

— Tudo bem, meu filho. Vou esperar ansiosa… Te amo!

— Também te amo.

Quando a ligação foi encerrada, terminei de me afastar da beirada da

rua e voltei a caminhar em direção à cafeteria cor de rosa com decoração de

gatinhos. A cada passo minhas pupilas se moviam e a mente divagava.

Eu me sentia preso, preso na rotina, no vazio, prisioneiro do meu

corpo... e em cárcere pelo sistema. A morte para mim não era nada além de

uma solução para tudo, para fugir dos problemas, da situação que me

sufocava..., porém, ir antes da hora afetaria diretamente meus pais. Eles só

tinham a mim.

Por mais que tentasse me agarrar à minha família para me manter

respirando, ainda assim a ideia retornava. Cada vez mais tentadora.

Passei pela porta de vidro, onde o sino anunciou a minha entrada.

Àquela hora da manhã estava cheio, agitado, com diversos entra e sai e

faladeira conjunta que tornava quase todos os sons incompreensíveis para

mim.

Pedi o mesmo de sempre, mas sem o cookie ou bolinho. Fim de mês,

tinha que poupar nas mínimas coisas para conseguir me sustentar até o dia

de pagamento.

— Percebi que o senhor não tem pedido mais os nossos doces, muito

menos provado os salgados. Deixaram de estar ao seu agrado, Peter?

Arregalei os olhos brevemente.

— Como sabe meu nome?

— Hum... porque é o que você dá pra identificação do pedido. — Um

sorriso lento se formou nos lábios da atendente, como se eu tivesse acabado

de falar a maior besteira.

— Ah, sim... — Cocei a cabeça. — É, não, as comidas daqui são

ótimas. É que ando meio apertado de grana, então nesses dias tô preferindo

só o café.

— Entendo.

Por mais que ela forçasse um sorriso simpático, foi perceptível em seus

olhos brilhantes e sobrancelhas discretamente franzidas a pena da minha

situação. Respirei devagar, paguei o café e me afastei do balcão até que meu

pedido ficasse pronto.


Quando o barista colocou o copo com meu nome sobre a bancada, fui

de cabeça baixa rapidamente pegá-lo e dei passos largos em direção à saída,

quando tive o braço segurado por uma mulher baixa, com cabelos escuros

ralos e voz fina.

Meus olhos quase saltaram das órbitas quando me deparei com sua

imagem, até que ela ergueu um saquinho da loja.

— Pediram para te entregar isso.

Com um pouco de receio, peguei de sua mão a embalagem e a abri. Ali

tinha um cookie e um bolinho, ambos dos sabores que eu gostava. Senti um

aquecer no peito e um formigamento tomou meu rosto, principalmente as

bochechas.

— Q-quem mandou isso pra mim? — Sem querer um sorriso se abriu

em meus lábios.

A mulher deu de ombros.

— Eu não posso falar. Me deram dez dólares pra manter o segredo —

Virou as costas e saiu de perto de mim, em direção à mesa onde havia uma

outra moça.

Olhei de novo o saquinho, muito incrédulo. Era algo simples, uma

pequena ação, mas que me deixou menos cético em relação à bondade

alheia.

— Mas quem mand...

Antes que pudesse concluir o questionamento, a hipótese veio à mente.

Masked Guy? Ele sabe do que eu gosto e já me deu café da manhã antes.

Parado próximo à entrada, rondei os olhos pelo ambiente, procurando

por alguém que parecesse suspeito. Mas eram muitos, e todos de terno e

gravata, jamais conseguiria ver tatuagem alguma ali. E as vozes se

misturavam e preenchiam o espaço de tal forma que tornou impossível

reconhecer o timbre de voz dele.

Balancei a cabeça, afastando a ideia.

Ou talvez seja só algum riquinho de Wall Street com pena de um fodido

como eu. Revirei os olhos e deixei a cafeteria, puxei o celular do bolso e

chequei as horas, quando percebi quanto tempo faltava para o início do

expediente, minhas pálpebras se retraíram rapidamente. Tinha que correr.

Por sorte, consegui chegar dentro do horário. O dia passou de forma

imperceptível para mim, me senti no automático, fora do próprio corpo,

como se fosse espectador da minha vida. O único momento marcante foi

quando peguei o bolinho que ganhei para comer após o almoço.


Aquele doce levantou o questionamento em mim sobre quem poderia

ter me dado, mas o pensamento se foi na mesma velocidade que veio, pois

Masked Guy estava distante, não havia mais uma mensagem ou movimento

por parte dele, portanto não fazia sentido ele ter pedido para me entregarem

o bolinho e os cookies.

Quando deixei o prédio à noite, parei em frente a porta de vidro e fiquei

a observar Steve Dix ir embora, com sua mesma pose retraída e olhar

desconfiado. Até acenei quando nossas íris se encontraram assim que ele

vigiou as costas, mas sequer fui correspondido. Não fez diferença. Ele se

tornou muito desinteressante depois que rejeitei a ideia de que ele poderia

ser o mascarado. Na verdade, não só o Steve, tudo voltou a ser

desinteressante após a minha saga com o perseguidor da internet ter tido o

seu fim.

O clima estava frio, com espaçadas e finas gotículas de água caindo do

céu. Coloquei as mãos nos bolsos, pressionei os ombros contra o próprio

corpo e desci a escadaria pé ante pé para que não escorregasse.

Durante o percurso passei em frente às vitrines das lojas de

conveniência ansiando por comprar uma besteira. Cheguei a pegar a carteira

algumas vezes para fazer uma dívida no cartão de crédito, mas guardei

novamente quando me lembrei das outras prioridades de adulto.

Às vezes preferia ser mais inconsequente, fazer as coisas sem pensar no

amanhã. Quem sabe dessa maneira eu veria a vida com outros olhos... ou,

talvez, só me ajudaria a afundar mais.

Assim que cheguei na vizinhança e entrei na rua de casa, avistei de

longe Harry. Ele estava de braços cruzados apoiado em seu muro baixo,

acompanhando com os olhos cada movimento de aproximação meu e seu

rosto estampava um sorriso de lado nada discreto.

— Boa noite... — falei baixo e desviei os olhos dos dele. — Eu não

recebi nenhum pacote seu se quer saber. — Recolhi os lábios.

O sorriso deixou de ficar apenas em um lado de seu rosto e se abriu de

forma que ficasse de orelha a orelha.

— Não tem nada a ver com pacotes. Eu queria te chamar pra dar uma

volta.

Um calor tomou conta do meu rosto, em especial as bochechas, e as

mãos começaram a tremer de tal forma que tive que fechar o punho para

esconder melhor.

— S-sair comigo? — Franzi as sobrancelhas.


Eu não acreditava que aquilo realmente estava acontecendo, que fui

chamado para um encontro, que alguém de fato havia se interessado por

mim, até que ele completou a frase.

— É. Vou num bar hoje com uns caras do trabalho e pensei em te

chamar, já que você não tem ninguém.

Arregalei os olhos.

— Quero dizer... — Levou a mão para trás da cabeça. — Acho que

você não tem ninguém. Amigos. Pelo menos nunca vi... e te achei meio

triste, sei lá... não quis ofender.

Aquilo tirou de mim uma risada baixa.

Meu Deus, como eu sou idiota.

— Não me ofendeu, eu realmente não tenho amigos aqui. Sou de

cidade pequena, então... não me adaptei a lidar com tanta gente

desconhecida assim.

Ele arqueou a sobrancelha.

— Jura? De que cidade você é?

— Fredericksburg, interior de Virgínia.

O sorriso que antes estava em seu rosto foi virado ao contrário, com os

cantos dos lábios para baixo e as duas sobrancelhas subiram.

— Hum... interessante. Tá a fim de ir, então? Conhecer gente nova?

Mordisquei o lábio. Aquela ideia me dava calafrios, detestava estar em

meio a diversas pessoas estranhas, principalmente em ter que interagir com

elas.

— Acho que não vai dar... a grana tá meio curta.

Harry se afastou do muro para vir para perto de mim. Ele apoiou seu

braço firmemente em meu ombro e me chacoalhou.

— Ah, qual é! Você vai curtir... eu te pago uma bebida.

Sabia que provavelmente ele insistiria naquilo até que eu me

convencesse. Aceitei para evitar a fadiga e pretendia inventar uma desculpa

para ir embora o quanto antes. Queria ao menos ter deixado a mochila em

casa, mas era tarde demais, quando percebi estávamos perambulando pela

rua.

— O quão longe fica esse bar? Vamos pegar um carro ou...

— Carro? A gente vai a pé! É só um quarteirão de distância. E lá é bem

legal e tem bebida barata... fica de dica para quando quiser levar alguém. —

Me deu uma cotovela e piscadinha, onde o sorriso de lado ajudou a formar

o semblante malicioso.


Recolhi os ombros, empurrei os óculos para cima do nariz e assenti.

Jamais eu diria para ele que a minha vida amorosa estava quase

inativa... apesar de o meu rosto praticamente estampar isso.

Harry tagarelou durante toda a nossa caminhada, e mesmo que eu me

mantivesse mais atento nas casas de cores e arquiteturas diferentes, que

nunca notei na vizinhança, consegui captar algumas das coisas que ele dizia

para fingir estar interessado na vida dele.

Harry era um homem solteiro de trinta e poucos anos, sua carreira

estava em ascensão no mercado financeiro de Wall Street, em que antes

passou por poucas e boas. Viciado em dinheiro e trabalho, meu vizinho

contou da época em que trabalhava tanto, que fez uso de cocaína para dar

conta das metas. E aquilo foi a sua ruína.

Ele quase perdeu o emprego depois de alguns incidentes no expediente,

o que fez com que ficasse afastado por um tempo. Por não conseguir parar

de se pressionar para voltar a ter trabalho e ser um bom negociador, o

trouxeram de volta para a empresa, mas apenas meio período. Então, os

momentos em que não estava vendendo ações, Harry se dedicava a cuidar

do jardim e encontros casuais em baladas ou com mulheres que conhecia

pela internet.

É, infelizmente Harry era hétero. O que parecia meio óbvio.

E eu caí feito um patinho em sua história de que o bar era pertinho.

Andamos pra cacete!

Quando chegamos em frente ao bar, até que o lugar era bonito. Meio

pequeno, com estética de tijolos nas paredes, luzes piscantes e uma placa de

madeira que carregava o nome super criativo do lugar... The bar.

Por dentro, o lugar tinha uma capacidade maior do que pensei, e estava

bem cheio. Ambientes cheios me deixavam muito desconfortável.

Harry e eu passamos entre as pessoas, esbarrando em alguns corpos que

seguravam seus drinks, riam e conversavam, ele procurava seus amigos em

meio àquela penumbra, que era minimamente iluminada pelas poucas luzes

amarelas espalhadas pelo bar.

Os amigos do meu vizinho eram todos muito parecidos com ele. Os

mesmos cortes de cabelo, blusas sociais de meia-manga iguais, sapato de

bico fino... à distância eu poderia jurar serem a mesma pessoa. Por destoar

do padrão do grupo, tive a atenção toda voltada para mim quando nos

aproximamos.


— E ae, rapaziada! — Harry cumprimentou a todos com um aperto de

mão e bateu sobre meu ombro. — Esse aqui é o meu vizinho Peter. Trouxe

ele pra conhecer o melhor point do bairro.

Se esse é o melhor, imagine o pior.

— Oi! — respondi, erguendo a palma.

— Aí, Peter, o que você bebe? — um dos clones do Harry perguntou.

— Ah, eu tô de boa, não vou be...

Antes que eu pudesse completar a frase, meu vizinho deu dois tapinhas

nas minhas costas e gritou para o garçom trazer duas cervejas. Ele sequer

sabia do que eu gostava, mas pediu a bebida por ter me prometido pagar

algo.

E eu me forcei a aceitar sua gentileza.

Os homens conversavam entre si com os mais variados assuntos e

nenhum deles me interessava. Futebol, mulheres, a queda da bolsa de

valores... eu me sentia cada vez mais deslocado e desconfortável ali no

meio, tudo que queria era ir embora.

Cheguei a pegar o celular algumas vezes, mas Harry apoiava na minha

mão para guardar o aparelho.

— Mas, e aí, Peter, fala alguma coisa! Parece que o gato mordeu sua

língua! — Gargalhou um dos caras. — No que você trabalha?

— Eu fico na área de programação do site e aplicativo de uma empresa

de cosméticos.

— Hum... parece legal.

— É, é sim.

Não, não era porra nenhuma.

— E ganha bem isso aí? Esse negócio de computação tá crescendo,

né...

Afirmei com a cabeça.

— Ganho sim.

Não sei se eu menti bem ou se eles eram ótimos atores, mas

aparentemente acreditaram no que contei... ou só não quiseram deixar a

situação ainda mais constrangedora.

Tudo que eu queria era ir para casa. Esperei Harry se distrair para pegar

no telefone e fingi atender uma ligação.

Quando seus dedos se aproximaram para tomar o celular de mim, ergui

a mão.

— Eu vou lá fora atender e já volto!


Dei as costas sem pensar duas vezes e caminhei devagar dentre as

pessoas, ainda mantendo o aparelho colado ao ouvido e a expressão rígida,

como se fosse algo superimportante. Eu sabia que as intenções do meu

vizinho eram até que boas, mas eu não queria aquilo. Não me sentia bem,

aquele meio não era para mim.

Assim que estive do lado de fora, olhei para os lados e fugi o mais

rápido que pude pelas ruas, com a mochila batendo na bunda.

A desculpa eu daria no dia seguinte, ele demoraria para perceber minha

falta mesmo.

Meu olhar estava atento para todos os lados devido ao horário e a

escuridão das ruas. O coração acelerado, no ritmo da respiração, e as pernas

formigavam durante a corrida, mas tentei manter o fôlego para chegar em

casa sem perder nenhum pertence.

Cheguei às pressas na frente de casa, ofegante e suado, minhas mãos

tremeram para abrir a porta e só ao entrar na sala que consegui inspirar o ar

propriamente.

Comecei a rir, sem nem saber exatamente o porquê.

Acendi as luzes, chequei as janelas e fui alimentar a Vi.

— Vi, você não sabe o que aconteceu, juro... hoje o dia foi meio doido,

mas estou bem cansado, então amanhã te conto tudinho, tá bem? — Sorri

para o peixinho dourado.

Apesar de não me responder, eu gostava de conversar com ela, me

sentia acolhido, pois podia falar absolutamente qualquer coisa sem ser

julgado e qualquer segredo que eu compartilhasse seria guardado a sete

chaves. Vi era a minha confidente.

Afrouxei o nó da gravata, retirei os óculos e fui até o banheiro para

lavar o suor do corpo antes de dormir. Durante o banho, tive a impressão de

ouvir algo em minha casa, o que arrepiou todos os pelos do meu corpo.

Enrolei a toalha na cintura e abri a porta devagar.

A sala parecia a mesma coisa. Andei pé ante pé até a cozinha, com a

pulsação tão intensa que era como se o coração fosse fugir do peito, eu

ofeguei sem nem mesmo me esforçar. Era como se estivesse revivendo a

noite mais marcante da minha vida desde que cheguei em Nova York.

Fui até a gaveta de talheres e observei que ainda estava lá... a faca que

Masked Guy usou para me marcar. Peguei no cabo e apertei com firmeza,

então fui em silêncio até o quarto, com a atenção direcionada para cada

canto.


Nenhuma presença ali também.

— Devo estar ouvindo coisas — disse a mim mesmo, numa tentativa de

me acalmar.

Apoiei o facão sobre o móvel onde havia também o abajur e sentei na

cama. Pressionei os olhos, esfregando-os e inflei os pulmões com lentidão.

Àquela altura eu já não sabia mais se era paranoia ou o intenso desejo de

reviver aquelas emoções fortes.

Talvez um pouco das duas coisas.

Joguei a toalha no chão e deitei na cama. Puxei os lençóis para cima da

cintura e apaguei a luz do abajur. No mesmo segundo em que ficou tudo

escuro, me arrepiei por inteiro ao ver a silhueta de um homem próxima a

porta.

Cocei a vista e fui novamente acender a luzinha.

A imagem sumiu.

— É só coisa da sua cabeça, Pete... É só coisa da sua cabeça.

Suspirei e voltei a repousar a cabeça no travesseiro, e assim adormeci.


Quando o som do despertador atordoou meus ouvidos, abri os olhos e

fiquei a encarar o teto enquanto tateava com uma das mãos a mesinha ao

lado a fim de desativar o som. As pálpebras estavam pesadas, o corpo ainda

cansado, como se eu sequer tivesse dormido.

Sentei e puxei o ar lentamente a fim de oxigenar bem o cérebro para me

preparar pra mais um dia igual a todos os outros. Olhei para o canto da

cama e vi meu notebook fechado, o abri e encarei a tela desligada, então

minha atenção se desviou para o adesivo que tampava meu webcam.

Estiquei meu dedo até ele, rocei as unhas e lentamente retirei a fita, depois

abaixei a tela.

Meu celular de repente fez o som de uma notificação. Arqueei a

sobrancelha e peguei o aparelho. Ao ver do que se tratava, meus olhos

quase saltaram das órbitas, cheguei a prender a respiração e a pulsação se

acelerou.

— Puta merda...

Não pode ser... deve ter sido engano.

Recebi uma transferência de 10 mil dólares!

Eu fiquei tão incrédulo com o recebimento daquele dinheiro, que saí e

entrei no aplicativo do banco diversas vezes para conferir se era verdade.

Tentei ver a transferência e não tinha remetente, foi como se tivessem feito

um boleto com meu nome e pago a conta.

Tanto mistério assim não pode ser coincidência.

Abri o SMS e fui até o último contato que havia enviado mensagem, o

número desconhecido, Masked Guy. Eu estava tão ansioso, nervoso e


eufórico com a situação, que não medi palavras para perguntar o que queria

saber.

[Você]: TÁ ME MANDANDO DINHEIRO?!

O ar saía dos pulmões com dificuldade, minhas mãos tremiam.

[Você]: Masked... só me responde, foi você quem me mandou a

grana?

Olhei a hora e percebi que não podia mais perder tempo, então larguei o

celular no canto do sofá, em meio à bagunça e fui vestir o uniforme da

empresa. Durante todo o tempo em que me arrumava, minha mente não

conseguia parar de pensar no dinheiro e no homem mascarado.

Fiquei angustiado pela resposta que não veio.

Eu estava perdendo a cabeça com aquilo, abri novamente a conta do

banco e vi que o dinheiro continuava lá. Não havia mensagem, e-mail ou

ligação pedindo para que eu devolvesse... aquilo me fez gargalhar.

A risada foi alta, espalhafatosa e me trouxe lágrimas aos olhos. Um

misto de nervosismo e felicidade.

Para algumas pessoas dez mil dólares podia ser pouca coisa, alguns

faziam aquilo em um mês, outros em um dia, horas..., mas para mim era

muito. Eu nunca recebi aquilo de uma vez na vida, jamais consegui juntar

uma quantia dessas para falar a verdade. Parecia surreal demais para mim

que aquilo realmente foi me dado.

Me despedi da Vi e deixei a casa. Durante o caminho, puxava o celular

algumas vezes aguardando por uma notificação... Masked não me

respondeu, ele realmente respeitou o meu pedido de encerrar a nossa

relação ou talvez só queria que eu implorasse por ele.

Eu retirei o adesivo do webcam para que Masked voltasse a me ver,

aquilo já não parecia desespero o bastante? Precisava mesmo verbalizar?

Bem, pelo visto, sim. Precisava. Mas eu não pretendia fazer aquilo naquele

momento, não até ter certeza absoluta do que realmente queria. Até porque

trazer o mascarado de volta para a minha vida teria suas consequências.

Por mais que tentasse forçar os lábios para mantê-los franzidos, eles

alargavam num sorriso solto e indomável. Recebi algumas encaradas e

olhares atravessados enquanto passava pelo corredor do ônibus. Não os

culpo, eu realmente parecia um bobo rindo à toa.

Quando desembarquei próximo a cafeteria de gatinho, resolvi entrar

para pedir o mesmo de sempre.

— Apenas o café? — a atendente perguntou.


— Não, quero o completo. Cookies e bolinhos.

Ela sorriu e colocou o valor na maquininha para que eu pagasse.

— Crédito?

— Débito.

Passei o cartão muito confiante.

— Só aguardar, Peter.

Esperei próximo ao balcão, naquele dia o café estava menos cheio,

talvez fosse o horário, já que cheguei um pouco mais cedo do que

costumava. Puxei o celular para abrir novamente a conta do banco e lá

ainda estava a grana... só que um pouco menos devido ao café e doces.

Quando ouvi o barulho do meu copo sendo posto sobre a bancada, fui

até o barista, ainda com os olhos vidrados na tela e peguei o café e a

sacolinha com os doces.

Saí da cafeteria com o celular em uma mão e o café e o bolinho na

outra. Eu repeti a ação de abrir e fechar o aplicativo do banco diversas

vezes e depois li as mensagens da minha última conversa com Masked...

nada de respostas.

Guardei o celular no bolso e tentei me acalmar tomando o café da

manhã durante o caminho até a empresa.

Quando passei pela catraca, minha emoção se reduziu drasticamente,

como se parte da vitalidade fosse sugada por aquele inferno.

Cheguei dentro do horário, sentei no meu cubículo e arrumei as coisas

para mais um dia de trabalho. Apesar de aquele dia se assemelhar aos

outros, a notícia do dinheiro era algo que me deixou motivado a sobreviver

até o final da tarde. Imaginei as coisas que compraria depois do expediente

e as contas que iria adiantar.

Não sabia exatamente se tinha sido o Masked Guy que enviou, mas

independente de quem fosse, eu só conseguia me sentir agradecido, foi um

alívio, como se enfim foi possível puxar o fôlego durante um afogamento.

Após o almoço percebi meu celular vibrar algumas vezes e ignorei, mas

foi tão insistente, que resolvi olhar para a tela a fim de saber do que se

tratava. Arregalei os olhos ao ler o nome “mãe” na tela, minha respiração

saiu de ritmo.

Ela não costumava insistir em ligações, principalmente durante o meu

horário de trabalho.

Rondei as pupilas pelo ambiente a fim de checar se estava sendo

observado, e felizmente não. Wilhem se manteve muito ocupado rondando


a estagiária nova da empresa, feito um urubu faminto.

Me encolhi dentro daquele cubículo e atendi o celular.

A voz chorosa e trêmula da minha mãe do outro lado da linha partiu

meu coração, foi como se ele se esmagasse no peito e um nó prendesse a

garganta.

— Filho... o seu pai... o... o seu pai...

— Mãe, calma! — disse eu, completamente desesperado. — O que

aconteceu? O que houve?!

— Seu pai passou muito mal da respiração, ele não tava conseguindo

sair da crise, a gente teve que vir pro hospital... ele vai precisar ficar

internado... — Ouvi seus soluços se intensificarem, eu sabia o que estava

por vir. — O tratamento tá muito caro, eu não sei o que fazer, eu não sei...

— a voz falhou na última frase.

Apertei mais forte o celular.

— Mãe... quanto tá o tratamento?

— Não sei o que fazer, filho... não temos dinheiro, está muito caro!

— Mãe... quanto?

— Doze mil dólares!

Naquele momento, a minha voz sumiu por instantes, os olhos arderam e

a garganta secou de tal forma que mal consegui engolir a saliva, descia

queimando. Minhas pupilas não paravam de se mover de um lado para o

outro processando a informação.

Cheguei a me questionar o porquê de Deus me detestar.

Eu estava fodido, completamente quebrado de grana, não recebendo o

suficiente para manter meus gastos em NY e ainda tentando salvar meus

pais, e bem no momento em que consegui uma faísca de felicidade com

ajuda financeira vinda de sabe-se lá onde aquilo aconteceu.

— Filho? Alô?

Eu tinha um pouco menos de dez mil dólares na conta... era tudo que eu

tinha, faltaria para mim e ainda deveria dinheiro ao hospital. Naquele

momento eu olhei o meu reflexo na janela insulfilmada, sentado curvado

sobre aquela cadeira de rodinhas, dentro de um espaço pequeno, preso a um

computador e de expressão tão exausta que deixava nítido o meu sofrimento

diário.

Sou realmente merecedor de tudo isso?

Não me vejo como uma pessoa ruim, mas naquele momento eu entrei

em conflito e me considerei um grandessíssimo filho da puta por cogitar


desligar o telefone. Aquela era a minha vontade.

— Eu... eu posso dar nove mil e pouco, tenho quase dez mil. Você

conseguiria pagar o restante, mãe?

Ela desabou em choro do outro lado da linha.

— Você realmente tem esse dinheiro, filho?

— Conseguiria... pagar o restante? — Minha voz saiu engasgada.

— Sim... temos uma reserva de dois mil e pouco.

De repente, sinto uma mão pesada sobre meu ombro, que arrepiou

todos os pelos do meu corpo. Quase saltei da cadeira de susto, com receio,

inclinei os olhos lentamente para cima e vi a carranca de Wilhem.

— Desligue o celular, sabe que não pode mexer em telefone durante o

expediente.

Fingi concordar e abaixei o celular, então assim que ele deu as costas e

se afastou do meu corredor, levei ao ouvido novamente.

— Estarei transferindo... me mantenha informado.

— Muito obrigada, filho, obrigada, obrigada...

Encerrei a ligação.

Minhas mãos tremiam enquanto mexia ao celular, o coração batia tão

rápido que senti um mal-estar. Bastou que transferisse todo o dinheiro para

que essas sensações passassem, e logo veio a melancolia e junto dela o

completo vazio.

Coloquei o celular com a tela virada para baixo sobre a mesa e abri o

programa do computador para tentar prosseguir com o trabalho. Foi muito

difícil. A todo momento eu pensava na grana, em como tive uma faísca de

esperança de algo mudar... e tudo se foi em menos de 24 horas.

Notei o aparelho vibrar algumas vezes e ignorei devido ao gerente

rondar pelo meu corredor com mais frequência, mas a cada notificação eu

me tornava mais inquieto. Não estava só triste pelo que aconteceu a mim,

mas preocupado com a saúde do meu pai.

Assim que o celular vibrou novamente, sequer olhei para os lados,

apenas peguei para atender.

— Filho, deu tudo certo, muito obrigada.

— E como tá o pai?

— O médico disse que está estável, sob sedação.

— Ah, que alívio, mãe...

Antes que ela pudesse me dizer mais alguma coisa, tive o celular

puxado das mãos e então Wilhem encerrou a ligação. Cheguei a tremer,


meu sangue borbulhava, pressionei os dentes com tanta força que escutei

um estalo.

— O que eu falei sobre uso de celular?

— Mas é uma emergência! Meu pai está internado porqu...

— Não interessa.

— Mas a saúde do meu pai...

— Não importa! — Ele bateu meu celular com força contra a mesa e

aproximou o rosto. — Enquanto você estiver aqui dentro, é apenas para

cumprir as suas funções, não interessa a sua vida fora daqui, nessa mesa a

sua atenção deve ser somente para a empresa. Não é isso que diz no seu

contrato?

— É que... se trata de coisa séria! Da minha famí...

— Aqui é coisa séria! — Wilhem gritou de tal forma que as gotículas

de saliva pararam em meu rosto. — É isso aqui que paga as suas contas! É

aqui que te dá dinheiro, então é com isso que você deve se importar, nada

mais. Ficarei com seu celular até o final do expediente. Volte ao trabalho.

Meus músculos inteiros tremiam, e a sensação de impotência era de

sufocamento na garganta. Esperei que ele desse as costas para deixar que

algumas lágrimas solitárias escorressem pelo rosto, logo virei a cadeira de

frente e olhei de canto para o cubículo ao lado, percebendo ter algumas

atenções sobre mim.

Passei os polegares nas pálpebras por debaixo dos óculos a fim de

enxugar o rosto e voltei a olhar fixamente para a tela com os códigos.

O resto da tarde foi com uma impressão de um peso enorme sobre a

minha cabeça, maior do que eu pudesse carregar. Eu estava exausto, só

queria acabar com tudo, sumir, me perder no completo vazio.

Eu estava tão fora de mim, que quando fui pegar meu celular com

Wilhem no final do expediente, notei ele falar alguma coisa, mas sequer

consegui escutar, ainda que talvez fosse um pedido de desculpas pela sua

atitude... o que acho bem difícil, não me interessava mais.

Deixei a empresa e abaixo do céu escuro, em frente as vidraças do

prédio, liguei para a minha mãe.

— E aí, mãe, como meu pai está agora? Desculpa ter desligado de

repente, não posso falar no celular durante o expediente.

— Ele está dormindo agora, mas está bem... os médicos estão

monitorando ele.

— E você? Como você está? Menos nervosa agora?


— Nossa, com certeza... eu tô sem acreditar. Muito obrigada, meu filho.

O canto do meu lábio se ergueu.

— Mãe...

— Sim?

— Eu te amo.

— Também te amo, filho... muito.

Desliguei e guardei o celular. Inspirei fundo o ar fresco e gélido da

noite e desci as escadas com as mãos nos bolsos, diferentemente do

caminho que costumava fazer, fui para outra rua.

Apesar de Nova York ser uma cidade noturna, as ruas próximas as

empresas se esvaziavam de pessoas após o horário comercial. Eu sabia que

o percurso que estava traçando era ainda mais deserto, corria riscos, mas

àquela altura eu não me importava.

Caminhei sem pressa até a rua que ficava em frente a uma das avenidas

mais movimentadas da cidade. Naquela parte não tinha trânsito e o fluxo de

carros era alto e rápido. Parei na calçada e fiquei olhando os veículos

passarem cortando o vento, levando meus cabelos a esvoaçarem.

Larguei a mochila no chão e engoli em seco.

Eu não queria mais pensar em nada, não pretendia refletir sobre coisa

alguma, só desejava acabar com tudo.

Só um passo à frente.

Inspirei lentamente e prendi a respiração, fechei os olhos e dei dois

passos para o meio da pista.

E então a luz forte que cegava a minha visão, ainda de pálpebras

abaixadas, e o som estrondoso da buzina do caminhão.

Dizem que quando se vai morrer, um filme passa frente aos olhos. Bem,

no meu caso, não houve nada disso.

Pressionei firme os pulsos aguardando pelo fim, até que tive o corpo

abruptamente puxado pela gola da camisa e jogado na calçada. Arregalei os

olhos e notei o homem de roupa preta e máscara em cima de mim.

Eu só consegui tremer e a visão se embaçou com as lágrimas. Me

agarrei ao casaco dele e chorei, chorei tanto que senti como se meus

pulmões estivessem esmagados. Os soluços me calaram por instantes.

— Por quê? — Funguei. — Por quê?! — Dei um soco em seu peito. —

Por quê? Por quê? Por quê?! Eu falei que te queria longe! — Insisti em

bater em seu peitoral, até que ele agarrou meus pulsos prendendo-os contra

o concreto, ao lado da minha cabeça.


— E eu fiquei longe... da sua vista. Mas não consegui realmente te

deixar.

— Não consegue me deixar? Pare de bancar o salvador... — Revirei os

olhos e desviei a atenção de sua máscara. — Você nem mesmo me conhece!

Só invadiu a minha vida e satisfez um fetiche. O que mais?

— Eu te acompanho desde as suas primeiras postagens no fórum sobre

solidão, as sensações de vazio, e como o único ser com quem você

consegue conversar de forma sincera em Nova York é o seu peixe. Sei que

adora filmes de terror, que detesta lugares cheios e o seu café da manhã

favorito são bolinhos ou cookies... conheço você mais do que imagina,

Peter Reid.

Encarei suas íris claras através da máscara.

— E você resolveu vir atrás de mim por pena?

— Porque me identifico com você.

O mascarado deixou de apertar meus pulsos e afastou-se sutilmente

saindo de cima de mim. Sentei para olhá-lo e fiquei em silêncio por um

tempo.

— Foi você quem mandou aquele dinheiro? — Franzi as sobrancelhas.

Ele afirmou.

— Por que fez isso?

— Porque não queria mais te ver ir dormir cedo só para não sentir a

fome e beber café puro pelas manhãs, já que contava moedinhas para

sobreviver até o fim do mês.

Puxei os joelhos para o corpo e os abracei. Recolhi os lábios.

— Obrigado.

Masked Guy se aproximou de mim e pôs a mão sob meu queixo e com

delicadeza o empurrou para cima, erguendo o meu rosto a fim de encará-lo.

— Ainda me quer distante?

— Eu gosto das emoções que causa em mim..., mas não quero mais me

sentir aflito sobre você, como se corresse perigo.

— Os jogos podem acontecer de outra forma.

— Não é só isso. Não sei se vou conseguir continuar a me relacionar

com alguém que nunca vi o rosto. Posso saber quem você é?

— Ainda não.

— Por que não? — Quando estendi os dedos para tocar em sua

máscara, ele deu um tapa na minha mão, recusando o toque.

— Porque não me sinto pronto para que me veja.


— E quando vai estar pronto?

— Você vai saber. A cada encontro te darei uma pista de onde me

encontrar. Permita que eu volte para a sua vida.

Respirei profundamente e me ergui do chão, peguei a mochila e

coloquei uma alça sobre o ombro. Masked se pôs de frente para mim, onde

seus olhos de pupilas enormes me encaravam fixamente, aguardando pela

resposta. O silêncio longo entre nós dois era rompido apenas pelo barulho

dos carros que passavam ao lado.

Meu coração ainda batia agitado pelo que aconteceu minutos antes,

minha mente, bagunçada, e o corpo tentando entender como ainda estava

íntegro.

Soltei o ar devagar. Eu não tinha mais nada a perder

— Eu te permito.


Eu sou invisível, quase onisciente e onipresente. Consigo estar em

diversos lugares e saber de tudo sobre todos sem sequer sair do lugar, esse é

o meu superpoder. Mas creio que os meus heróis da infância se

decepcionariam comigo.

No meu celular, as mensagens dos outros Hunters com todas as

informações dos nossos alvos, prints tirados de suas câmeras, contas

bancárias, dados pessoais... tudo que precisávamos para chantagear e

usurpar.

Usávamos o mundo sem fronteiras da internet para conseguirmos o que

quiser. Invadíamos os sistemas, roubávamos informações e gravávamos

tudo que era relevante.

Eu sei, isso não é o certo, mas eu não sou exatamente um vilão.

Aqueles que eram escolhidos mereciam o que tinham e os nossos atos não

lhes afetaria tanto, a maioria dos alvos não passava de políticos hipócritas e

grandes empresários sujos e exploradores. Eles roubavam dos outros, nós só

tomávamos de volta.

A inteligência da polícia poderia até tentar, mas não conseguiriam

chegar até os Hunters, porque como eu disse antes, éramos invisíveis.

Nossos nomes nunca eram os mesmos, os nossos rostos jamais

reconhecidos e os endereços mudavam a todo momento.

Na internet éramos piratas virtuais, na vida real, meros cidadãos que se

camuflavam em meio à multidão.

Eu passava tão despercebido que nem mesmo quem gostaria que me

notasse percebia a minha presença.


— Dean, um cappuccino de chocolate para a Samantha — disse Alyssa,

minha colega do gato-café.

Guardei o celular, puxei a máscara descartável mais para cima do nariz

e fui preparar o pedido. Jamais me imaginei trabalhando num lugar

daqueles, principalmente quando o uniforme era blusa em tom de rosaclaro,

avental branco e boné com orelhas de gato.

Até que eu gostava de ficar meio-expediente na cafeteria, o ambiente

era agradável, conseguia ter mais noção do mundo fora da internet e era ali

que via o meu passarinho todos os dias, ainda que ele nunca tivesse me

notado.

Arrumei um emprego naquela cafeteria somente por conta de Peter, foi

o único espaço que encontrei para tentar me aproximar, já que ele ia apenas

de casa para a cafeteria e da cafeteria para o trabalho. Peter Reid passava

por aquela porta a cada manhã e pedia as mesmas coisas, ele não falava o

pedido, apenas dizia para Alyssa “o mesmo de sempre”. Era cliente assíduo,

ela já sabia qual era.

Mas aquele homem de óculos tão grandes quanto seus olhos

expressivos e uniforme de gravata vermelha estava sempre com pressa ou

distraído demais para erguer sua visão ao meu rosto. Talvez a máscara que

eu usava para tampar a minha cicatriz ajudasse a passar ainda mais

despercebido por ele.

Todas as noites eu entrava no fórum dos solitários para ler os relatos, ali

era um espaço seguro para quem tinha dificuldades de socializar e se

encontrava deslocado do mundo. Pode parecer difícil de acreditar, mas estar

entre estranhos com similaridades era bem acolhedor, e foi ali que conheci

Peter Reid.

Peter, pelo usuário @loo.ser, relatava quase todas as noites como foi

seu dia e parte da sua história. Me identifiquei com ele, e senti pena. Antes

de entrar para o mundo do cibercrime eu também já me submeti a coisas

horrendas por pura necessidade. Apesar de que, hoje, eu tenho amigos, mas

já estive sozinho em uma cidade nova, sei quão assustadora é a experiência.

A cada postagem eu me tornei obcecado em saber mais sobre ele, e

descobri que tínhamos muito em comum. Nós dois gostávamos de League

of Legends, conversávamos segredos com os nossos animais de estimação e

até as bandas ouvidas eram parecidas.

Quando invadi seu computador para ver seu rosto, foi como se o tempo

parasse por segundos e senti uma pressão no lado esquerdo do peito. Os


olhos de Peter eram grandes e claros, usualmente brilhantes, como se

estivesse sempre prestes a chorar. Eu gostava daquilo. O rosto era pálido,

onde o avermelhado de suas bochechas se destacava e os arcos de seus

lábios eram tão bem delimitados, que foi como se Deus tivesse feito à mão.

Os cabelos cacheados terminavam de dar o toque angelical à sua feição. Foi

ali que terminei de me apaixonar e concluí que ele era a minha alma gêmea.

É brega, ultrapassado, eu sei, mas eu acredito nisso, e estava convicto a têlo

para mim.

Contudo, nunca consegui encontrar uma brecha para me aproximar, não

até o dia em que ele expôs os seus fetiches mais obscuros no fórum. E eu

estava completamente disposto a realizá-los, fazer dele a minha presa.

Jamais consegui me relacionar sexualmente com ninguém com a luz

acesa ou sem usar uma máscara. Todos que fodi tinham fetiche nisso ou não

se importavam com o rosto de quem os estava dominando.

Esconder a cicatriz que cruzava a lateral dos meus lábios me trazia

confiança. Dean Hunter não era a mesma pessoa que Masked Guy.

Ouvi o sino da porta tocar anunciando a chegada de um cliente e minha

atenção foi rapidamente direcionada à entrada. Puxei o ar ao vê-lo, Peter

estava com os olhos fundos e rosto cansado, eu vi ontem à noite através de

seu notebook o quanto se mexeu antes de cair no sono.

Seu psicológico estava por um fio, precisávamos conversar para que eu

resolvesse sua situação. Eu o ajudaria, protegeria... seria o seu salvador.

Peter pediu apenas um café e pagou com cartão de crédito. Sua visão

estava distante e o corpo se movia feito um morto-vivo.

Ele precisa de mais dinheiro.

— O mesmo de sempre para o Peter — disse Alyssa.

Prontamente preparei o café dele e escrevi seu nome no copo com um

pequeno coração ao lado. Assim que coloquei a bebida quente sobre a

bancada, o meu passarinho se aproximou, pegou o café, verificou as horas

em seu celular e deu as costas. Peter não subiu sua atenção para os meus

olhos, muito menos percebeu o detalhe em seu copo.

Às 13h o meu expediente se encerrou. Deixei o balcão quando o outro

barista chegou e fui para os fundos da cafeteria a fim de trocar de roupa,

guardei o avental limpo e o boné, retirei a camisa rosa claro e vesti o meu

moletom preto, puxei o capuz para frente do rosto e me despedi de Alyssa

com um aceno antes de sair pela porta da frente.


Caminhei com as mãos nos bolsos do casaco pela calçada que ficava

em frente à empresa de cosméticos da qual Peter trabalhava. Parei por um

segundo e inclinei o rosto para o prédio espelhado, puxei o celular do bolso

e vi as notificações dos Hunters e o horário.

Espiei por alto a conversa, eram muitas ações que teríamos que cometer

naquele dia. Lamentei por talvez não conseguir acompanhar Pete até em

casa depois de seu expediente, mas estaria atento a sua localização quando

desse o seu horário de ir embora.

Segui caminho e fui até a rua ao lado onde estava estacionada a minha

moto preta. Montei e acelerei pelas ruas movimentadas e caóticas de Nova

York até o bairro onde ficava o meu apartamento.

O condomínio se localizava em um bairro mais afastado do centro, já

que à noite a área de comércio e casas de shows de NY era ainda mais

movimentada devido aos hábitos noturnos da cidade e eu preferia silêncio e

pouca iluminação. Passei pelo portão e desci até o estacionamento no

subsolo onde deixei minha moto e subi de elevador.

O meu apartamento ficava na cobertura de um edifício acinzentado de

doze andares. Passei pelo corredor escuro que acendeu as luzes conforme

eu caminhava em direção à minha porta, e assim que a abri, estreitei os

olhos com a claridade.

Admito, fui exagerado em comprar um lugar tão grande para uma só

pessoa. A sacada era espaçosa com uma banheira de hidromassagem grande

e se separava do restante do apartamento apenas pelas quatro portas

insulfilmadas, que deixei abertas para arejar o espaço.

As paredes eram pintadas de preto, onde apenas o piso branco de

porcelana se destacava em meio aos móveis igualmente escuros. Havia um

sofá grande no centro da sala, de frente para a televisão presa à parede,

mesa de jantar para quatro pessoas e o terrário da minha cobra, uma jiboia

chamada Seraphine.

Limpei as botas no tapete e tranquei a porta.

Andei até perto da sacada e fechei as cortinas. Liguei a luz do terrário

de Seraphine e agachei para encará-la.

— Estou ficando preocupado com o Peter. Ele não dormiu bem essa

noite e hoje estava claramente fora de si, mais apático... tenho medo de

perdê-lo novamente — disse, observando a cobra se envolver no galho.

Percebi meu celular vibrando, ao ver as notificações, eram mais mensagens


dos Hunters. Suspirei e mordisquei o lábio. — Tem razão, aquilo não vai

acontecer de novo porque eu não vou deixar.

Levantei e passei pelo corredor até o meu quarto. A cama era grande o

bastante para dois, com tapete macio em todo o chão, estante de livros e

armário em um canto da parede, mini sofá em outro e no centro a

escrivaninha com meu computador e três telas presas ao sistema.

Retirei a máscara descartável que abafava meu rosto, liguei a CPU,

puxei a cadeira e sentei de frente para as telas. Coloquei o headset e me

conectei a conversa com os Hunters.

[Você]: Cheguei, gente. Podem repassar os alvos.

[Shadow]: Caralho, Masked, demorou muito! Tava dando pra quem?

[Zero]: Nada, ele estava no emprego de gatinha que arrumou só pra ver

o cara que nem olha para a cara dele! Haha, muito otário! [figurinha de

cachorro]

[Monster]: Tá zoando que você fez uma porra dessas? Quer dizer que

nem comeu e já tá emocionado assim?

[Você]: Já, já, saio do grupo se continuarem. O próximo que falar do

Peter eu vou bloquear.

[Zero]: Mimimi, vô bloquear.

[Monster]: Manda foto dele aqui pra eu ver se vale a pena esse teu

esforço.

[Shadow]: Tá bom, rapaziada, chega. Vamos ao foco que não temos

muito tempo.

Shadow era o líder do grupo. Ele quem recrutava os hackers que

acreditava ter potencial de cometer crimes maiores, na verdade, quase todas

as coisas que aprendi em cibercrimes foi através dele.

Toda semana nos reuníamos online para definir os alvos e começar o

roubo de dados, limpa de contas bancárias e chantagens para receber ainda

mais benefícios.

Eu fui o primeiro a conhecer o Shadow, justamente em um fórum de

caras solitários, conversamos online quando eu ainda morava em

Washington, e ele foi a minha motivação para mudar pra Nova York, se

tornou o meu primeiro amigo. Na época, éramos uma dupla, apenas, e

Shadow, que na verdade se chama Zachyari Smirnof, achou que meu

sobrenome soava legal para um grupo de hackers, então criamos os

Hunters.


Depois de mim entrou o Monster, que era de Michigan e além de

programação tinha interesse por corridas ilegais, e por último o Zero,

oriundo de NY, que era não só o mais novo no grupo, como também em

idade. Um babaquinha de apenas vinte e dois anos. Nem sei por que

Shadow achou que ele fazia o perfil para ser um membro, já que Zero

destoava totalmente de nós. Ele era festeiro, popular fora da internet e

extrovertido até demais. Extrovertido, não, irritante.

Passamos a tarde invadindo as contas de um homem grande da bolsa de

valores em Wall Street e monitoramos a ação de um senador republicano

que estava prestes a dar o material que precisávamos para arruinar com a

sua vida financeira... ou moral.

Ao término da ação, meus olhos brilharam ao ver os números subindo

na conta. Peguei parte da grana e coloquei na conta de Pete, talvez aquilo

fosse animá-lo. Não demorou muito para que a mensagem dele chegasse ao

meu celular.

[Passarinho]: Não precisava disso...

[Você]: Para te animar um pouco. Pareceu tão abatido hoje.

[Passarinho]: Não tive uma boa noite de sono. Nem vou perguntar

como me viu abatido porque a resposta eu já sei.

[Você]: Eu te conheço, Peter Reid.

Um sorriso bobo se formou em meu rosto.

[Passarinho]: Eu sei. Muito obrigado, Masked... de verdade.

Verifiquei a hora e notei que Peter já havia saído do trabalho. Na

terceira tela abri o mapa com o rastreamento de seus passos até em casa,

precisava ter certeza de que ele chegaria bem, que não desviaria do caminho

ou faria qualquer besteira.

Acompanhar cada respiração de Peter Reid deu um novo movimento à

minha vida. Creio que ultrapassou algo considerado como uma simples

paixão avassaladora, tornou-se obsessão. Cada dia mais eu queria explorar

sua vida, sua história, saber cada detalhe dele... e eu quase consegui. A

única coisa que ainda não pude invadir foi sua cabeça, nunca soube

exatamente o que se passava nela.

Quando notei que ele estava quase chegando em seu bairro, acessei as

câmeras que havia inserido em sua casa na noite em que ele estava fora,

justamente quando foi sair com o seu vizinho. Aquele cara não me

convencia que tinha boas intenções, então fiquei ainda mais atento.


Harry era um homem devasso de Wall Street que vivia se envolvendo

com garotas de programa e casas de swing quando estava fora, além de ter

trocado o vício em cocaína por jogos de aposta. Ele não era uma boa

companhia para o Peter.

Observei em uma das telas o momento em que meu passarinho chegou

em sua gaiola. Apelidei-o assim depois de notar o seu comportamento

retido, como se estivesse preso na própria cabeça, feito uma ave enjaulada,

que podia voar, só não sabia como.

Peter estava menos curvado, parecia mais alegre com seu queixo

erguido, ele deixou os sapatos próximos à porta, jogou a mochila no sofá e

foi até seu peixe falar com ele, a forma que Pete gesticulava me fez rir.

Queria ao menos ter ouvido sobre o que se tratava.

Será que falou de mim com a Vi?

Mordisquei o lábio e notei que daquela vez ele não passou direto pelos

pacotes de salgadinhos que estavam espalhados pela sala há dias. Agachou

e recolheu as embalagens, colocou algumas coisas no lugar e depois veio

até o quarto.

Peter desfez do nó de sua gravata, retirou os óculos, se jogou na cama e

puxou o celular do bolso levando-o frente aos olhos.

Senti o aparelho vibrar, era ele.

[Passarinho]: Quando irei te ver de novo?

[Você]: Quer que eu apareça aí hoje?

Ergui o olhar para a tela do computador quando percebi ele se mover

sobre a cama e ir para frente do notebook. Abri a imagem de sua webcam e

ampliei para a minha tela principal, a lentidão com a qual Peter desfazia dos

botões de sua roupa frente a câmera deixou claro que ele sabia que eu

estava olhando.

[Passarinho]: Hoje não, estou um pouco cansado, mas queria

conversar com você.

Ele deitou sobre os travesseiros com a blusa aberta e alisou o abdômen

com a ponta dos dedos. Umedeci o lábio e me ajeitei sobre a cadeira,

abrindo um pouco mais as pernas.

[Você]: Sobre o que quer conversar? Que tal me deixar ouvir sua

voz?

De repente, meu celular começa a vibrar com a ligação. Arrepiei-me

por inteiro ao ver que ele estava tomando uma atitude que jamais esperei.


Peter estava mais que me permitindo entrar em sua vida, ele me desejava

nela. Desejava, não, implorava.

Atendi e arrastei o lábio nos dentes ao ouvir sua respiração abafada do

outro lado da linha.

— Diga, sobre o que quer falar? A minha atenção é exclusivamente sua.

Ele riu.

— Que tal falar sobre o seu dia?

— Sobre o meu dia? Você quer conversar sobre como foi o meu dia? —

Olhei para o teto. — Bem, eu... trabalhei...

— Você trabalha?

Aquilo tirou de mim uma risada.

— Como assim se eu trabalho? De onde você acha que saiu a grana que

te enviei?

— De trabalho que com certeza não foi.

Direcionei a atenção para a tela do computador e notei um sorriso largo

lentamente se abrir em seu rosto.

— Pessoas de muito dinheiro não trabalham.

— Bem, digamos que o que eu faço não é exatamente um trabalho, mas

considero como um, afinal, sou obrigado a fazer isso para financiar meu

estilo de vida. — Dei de ombros. — E o seu dia? Seu gerente já se fodeu

hoje?

— Bem que eu queria. Se você puder matá-lo, por favor.

— Quer que eu o mate? — Ergui o canto do lábio.

— Não! Não! Eu não falei no sentido literal, não faça isso. —

Gargalhou. — Hoje ele estava menos irritante, consegui entregar os

códigos a tempo e resolver alguns bugs da plataforma... foi só mais um dia

semelhante a todos os outros. Queria poder sair e nunca mais voltar para

lá.

— E o que te impede?

— A merda de um contrato. Tenho que cumprir ao menos um ano na

empresa... se eu sair antes desse prazo vou ter que pagar uma multa grande

e ainda vou ficar manchado no ramo, já que a Dermaceuticals é bem

influente.

— Que se foda o contrato, eu pago a multa. Larga esse lixo de empresa,

essa casa e vem morar comigo, você não vai precisar trabalhar com nada

mais e eu faço questão de te dar o que quiser.


Peter se manteve em silêncio por um tempo, uma quietude longa

demais até. Prestei atenção em sua imagem em frente à tela, seus olhos se

moviam de um lado para o outro enquanto o celular estava afastado do

ouvido.

Notei sua respiração abafar a ligação, e enfim ele me respondeu.

— Bem que eu queria, mas não posso. Então, sabe, eu estava

pensando... o que você pretende fazer comigo na próxima vez que me ver?

— Segredo. Se eu te contar, você vai fugir.

Ele passou a língua pelo lábio inferior e abriu o botão de sua calça,

desceu o zíper e puxou um pouco mais para baixo o cós, exibindo a marca

que deixei em sua virilha, deslizou o dedo por ela.

— Na próxima vez que nos encontrarmos... você me deixa te chupar?

Arrastei a boca nos dentes e levei uma das mãos frente a calça enquanto

a outra apertava firme o celular.

— Se você for obediente, sim. Quero sentir meu pau bater fundo contra

sua garganta e encarar seus olhos lacrimejarem enquanto você se sufoca.

O ouvi arfar e vi sua mão percorrer sua pele mais para baixo,

massageou sua ereção ainda sob a roupa íntima. Senti meu pau latejar com

a cena e abri o botão da minha calça.

— Sim, eu quero que você me faça perder o ar, e que só pare de foder a

minha boca depois de gozar nela. Quero engolir tudo enquanto te vejo

gemer de tesão ao me ter assim... tão entregue e obediente a você. Pode

fazer o que quiser comigo. Eu te pertenço.

Eu te pertenço.

Escutar que ele era meu me fez ofegar. Permiti que meus dedos

invadissem minha calça e me toquei, devagar, enquanto apreciava cada

palavra dita por Peter. Aquela voz doce e suavemente rouca deixava tudo

ainda mais intenso, cheguei a revirar os olhos ao me fantasiar com ele.

— Vou te enforcar e sentir a vibração da sua garganta ao gemer meu

nome enquanto me enterro em você e te faço contrair a cada centímetro.

Ouvi-o choramingar baixo. Peter terminou de se desfazer de suas calças

e colocou o celular no travesseiro ao lado de seu rosto, abriu um pouco mais

as pernas para mim enquanto se masturbava e levou dois dedos aos lábios,

chupando-os.

Prendi o lábio entre os dentes e intensifiquei os movimentos da mão.

— Vou explorar cada parte do seu corpo com a boca e marcar sua pele

para que todos vejam que você tem dono.


— Quero que me faça arder, que deixe a marca da sua mão em mim,

que me amarre e bata até minhas pernas estremecerem. — Os dedos de Pete

circundaram sua entrada antes de se penetrar. Ele gemeu um pouco mais

alto e aquilo me fez queimar de prazer.

Permiti que ele me ouvisse também, eu não estava mais conseguindo

segurar, meu pau estava dolorido de tanto tesão e tudo que desejava naquele

momento era afundar o rosto de Peter contra a cama e fodê-lo até que ele

perdesse o ar.

Minha respiração se encurtou e todos os músculos do meu corpo se

contraíram, gozei ouvindo-o choramingar e meus olhos lacrimejaram ao vêlo

arquear as costas na cama e chegar ao seu ápice também.

Jamais imaginei que sentiria tanto prazer com um sexo por ligação.

Recostei o corpo na cadeira e fiquei a observá-lo extasiado em sua cama

enquanto o ar que saía ofegado abafava a ligação. Ele sorriu.

— Eu vou tomar um banho agora... quer jogar algo na internet depois?

— O que você gosta de jogar? — falei, fingindo não saber.

— League of Legends. É um jogo de nerd, eu sei, mas...

Soltei uma risada.

— De nerd? Cara, meu elo no LoL é desafiante.

— Mentira?! — ele gritou.

— Vai lá tomar seu banho pra gente jogar.

— Tá bom... já, já a gente se fala. Beijo, Masked.

Assim que ele desceu da cama, desviei a atenção da tela para mim

mesmo, eu também precisava de um banho. Enruguei o nariz.

— Caralho... — resmunguei ao ver minha roupa toda suja de porra. —

Olha o que você fez, Pete.

O canto do meu lábio se ergueu.


Naquela manhã, ainda que eu desejasse dormir mais, não consegui.

Meu corpo já estava acostumado com o horário do despertador, então

mesmo que eu tivesse descansado poucas horas, por ter passado a

madrugada jogando com Masked Guy, as pálpebras se ergueram sozinhas às

sete e meia da manhã.

Era meu dia de folga durante a semana, levantei da cama e arrumei os

lençóis, coloquei os óculos, fui até a sala e a primeira coisa que reparei foi

na sujeira. Enruguei o nariz.

Geralmente, nas minhas folgas, eu me sentia tão pesado e esgotado que

tudo que fazia era passar o dia deitado jogando, assistindo vídeos, filmes ou

dormindo à tarde, mas aquele dia foi diferente.

— Bom dia, Vi... — cumprimentei o meu peixinho antes de ir até a

cozinha pegar uma vassoura e uma pá.

Comecei a tirar a sujeira do chão e aproveitei para limpar a poeira dos

móveis. Olhei de canto para Vi que me encarava enquanto nadava quase

que em círculos em seu aquário.

— É, eu sei, deve ser estranho me ver arrumar as coisas depois de tanto

tempo. Mas é que... sei lá, essa sujeira começou a me incomodar agora —

falei enquanto passava pano pela televisão. — E pode deixar que não vou

esquecer de você, já, já limparei o seu aquário.

Eu esperava estar com a mente pior depois da minha experiência de

quase-morte, que fosse tentar repetir o que aconteceu ou pensar diversas

vezes naquilo, mas não. Não tentei, na verdade, às vezes em que revivi em

meus pensamentos os segundos que entrei na frente de um caminhão


pareciam distantes, como se não fossem memórias, mas sim um sonho ou

alucinação.

Não quis admitir, mas precisava, Masked Guy teve sim influência

nisso, porque, por mais que ele não pudesse resolver boa parte dos meus

problemas, que envolviam principalmente a empresa da qual eu estava

atrelado, me deu suporte o suficiente para tentar seguir em frente. Não só

financeiramente, o que já era algo enorme, mas emocionalmente.

Masked foi além de me tirar do looping com grandes emoções, ele me

acolheu, permitiu que eu tivesse alguém para conversar além de um peixe, e

tinha interesse em mim... eu me sentia à vontade para ser real com ele, não

um personagem.

Assim que terminei de arrumar a casa, tomei um banho, coloquei uma

camiseta preta, bermuda e chinelos para ir ao mercado. Quando abri a porta,

de imediato estreitei os olhos, o dia estava bem quente e ensolarado.

— Merda... sair de preto não foi uma boa ideia — reclamei, enquanto

caminhava com as mãos nos bolsos. — Mas eu não vou voltar em casa, não

mesmo... e no mercado tem ar-condicionado. Na volta eu venho de taxi.

Durante o caminho, me ative ao redor. Algumas pessoas estavam saindo

às pressas para seus empregos, crianças eram levadas para as escolas e

alguns desocupados estavam correndo pela manhã... ou talvez não fossem

desocupados, só disciplinados mesmo.

O mercado não ficava tão distante da minha rua e apesar daquela casa

ser pequena e meio feinha, valia a pena só pelo fato de o bairro ter muitos

comércios por perto e pontos de ônibus bem acessíveis.

Quando passei por aquelas portas automáticas me senti no paraíso.

Inspirei fundo e sorri ao ver o mundo de possibilidades que enfim teria

acesso, minha geladeira não ficaria mais vazia durante um bom tempo, e eu

tentaria comer menos porcarias, que eram baratas e saciavam o

emocional..., mas nunca a barriga. Quase sempre dormia com fome.

Enquanto passava com o carrinho pelas prateleiras e colocava tudo que

pudesse nas minhas compras, peguei o celular e mandei mensagem para

Masked.

[Você]: Bom dia ☺ . Quer fazer algo hoje?

Depois, abri os meus contatos e liguei para minha mãe, precisava saber

como meu pai estava e se ela passava dificuldades por ter usado todo o seu

dinheiro de emergência.

— Oi, filho, bom dia.


— Oi, mãe, bom dia... Como o pai está?

— Bem melhor. Provavelmente terá alta hoje ou amanhã, o médico

disse que ele está evoluindo muito bem e passou mais algumas medicações

pra ele.

Soltei o ar aliviado. Meus pais tinham somente um ao outro, me

angustiava pensar como minha mãe ficaria caso meu pai se fosse tão

repentinamente, ainda mais comigo distante, sem poder dar um suporte.

— Que bom, mas e você? Como você tá?

— Ah, querido... melhor agora que o susto passou. Infelizmente a gente

teve que mexer na reserva, mas é pra isso que elas servem, né? Graças a

Deus que conseguimos pagar, e você foi um anjo, filho. Muito, muito

obrigada.

— Pode sempre contar comigo, mãe... e vou transferir mais um

dinheiro para ajudar a pagar os remédios novos dele.

— Mas não vai te fazer falta? Você tá trabalhando tanto! Como você

está?

Inspirei profundamente e dei um sorriso discreto.

— Não, não vai fazer falta. Eu meio que... tô recebendo um extra. E

estou bem, mãe, não precisa se preocupar, tá bom?

— Então tudo bem. Está comendo direito?

— Sim. Acabei de colocar três sacos de legumes no carrinho agora —

falei, enquanto uma das mãos tateava os tomates procurando por um que

não parecesse verde ou manchado.

— Ah, que bom! — Ouvi-a gargalhar do outro lado da linha. — Te

amo, querido.

— Eu também te amo, mãe. Manda um beijo no meu pai por mim...

mais tarde a gente se fala. Tchau! — Encerrei a ligação e apoiei os

cotovelos no carrinho, empurrando-o pelos corredores enquanto olhava a

tela do celular.

Masked ainda não tinha respondido a minha mensagem, provavelmente

estava dormindo. Abri a minha conta bancária e arregalei os olhos

sutilmente, era sempre fora do comum para mim lidar com mais dinheiro do

que um dia já tive.

Daquela vez, o mascarado enviou três vezes o valor que mandou antes,

o que me permitiu transferir uma boa quantia para ajudar meus pais. Eu

sabia que aquele dinheiro era sujo, Masked Guy exalava criminalidade, mas


se num mundo injusto os errados eram os que se davam bem, eu não queria

estar certo.

Não que eu não me importasse totalmente com o que acontecia, até

porque com aquelas transferências ele poderia estar me envolvendo em seu

esquema, mas passei tanto tempo preocupado tentando sobreviver, que

escolhi abstrair daqueles questionamentos. Ao menos naquele momento.

Fui até o caixa passar as compras e me surpreendi com a quantidade de

sacolas, não havia condição alguma de levar tudo aquilo a pé. Empurrei o

carrinho para fora do mercado e enquanto meus olhos rondavam o

estacionamento procurando por um táxi disponível, ouvi uma voz distante

me chamar.

— Peter! Peter!

Quando direcionei a atenção para o som, minhas pálpebras se retraíram.

Era Harry, meu vizinho que evitava há dias depois da minha fuga do bar.

Ele se aproximou de mim com uma breve corrida segurando duas sacolas

pequenas das mãos.

— Ei... oi — respondi.

— O que tá fazendo aqui?

— Compras. — Ergui as sobrancelhas.

Ele riu.

— Não, não. O que tá fazendo aqui fora? Esperando alguém?

— Eu tô pra chamar um táxi pra poder levar essas compras...

— Ah, por que você não pega carona comigo? Tô de carro! — Harry se

ofereceu, já colocando as mãos nas minhas sacolas.

Estremeci. Eu me sentia tenso em pegar carona com gente que mal

conhecia, mas o meu vizinho teve uma atitude tão solícita que resolvi ceder,

não queria parecer grosseiro, principalmente depois de ter dado mancada

com ele no dia do bar.

— Certo, obrigado. — Sorri, empurrando o carrinho ao lado dele.

Colocamos as minhas compras no porta-malas, as dele no banco de trás

para separar as sacolas e sentei no banco da frente de sua Tracker branca.

Durante o caminho, agarrei ao banco sentindo o coração bater forte, mal

podia esperar para sair dali.

Me arrependi profundamente de ter aceito a carona.

Harry colocou uma música eletrônica alta e tagarelava sem parar sobre

coisas da vida dele que não me interessavam nem um pouco, eu estava tão


atordoado com o climão, que as únicas palavras que conseguia soltar eram

de afirmação.

Assim que chegamos em frente às nossas casas, quando fui abrir a porta

do carro, ele colocou a mão sobre a minha coxa e a apertou.

— Cara, você ficou meio-esquisito desde aquele dia do bar, não lembro

direito o que rolou, mas, sei lá... eu fiz algo? — Passou a mão pelos cabelos

rígidos de gel, ajeitando-os para trás.

Desviei o olhar de seu rosto.

— Não, você não fez nada. É só que eu não me senti muito bem e quis

ir embora depois de vomitar no banheiro — Consegui articular uma mentira

muito da nojenta, contudo pareceu convincente para mim.

Harry afastou a mão da minha perna.

— Ah, de boa. Sei como é, nossa, pensei que eu ou os meus amigos

tivéssemos falado algo que você não curtiu. Quer dar outra volta um dia

desses?

Não.

— Só a gente? É...

— Eu pensei em ser com os meus amigos também, pra você conhecer

mais a galera.

Os chatos de Wall Street com sapato de bico fino e blusa social que só

sabem falar de finanças? Não mesmo.

Abri a porta do carro e desci, ainda apoiado na lataria, encarei Harry.

— Sabe o que é? É que não vai dar, eu ando bem ocupado com algumas

coisas do trabalho. — Bati a porta e fui até o porta-malas para pegar as

minhas compras.

Meu vizinho desceu do volante para me ajudar a carregar as sacolas até

a entrada da minha casa, com uma expressão de cachorro abandonado e

reflexivo, bem, não sei se cachorros fazem reflexões, mas se fizessem...

Harry teria a cara de um.

Ou o cachorro abandonado reflexivo teria a cara de Harry.

Abri a porta e fui trazendo as sacolas para o meio da sala, o vizinho

veio junto, notei que ele observou cada canto da minha casa assim que

pisou os pés nela. O olhar era analítico e muito, muito crítico.

— Eu só queria que você se enturmasse mais, você vive trancado nesse

lugar aqui, só de casa pro trabalho e encomendando...

Estava a ponto de perder a paciência com tanta insistência. Sentia meu

coração acelerado e as palavras estavam presas, até que deixei de segurá-


las.

— Brinquedos eróticos? É! Foi o que andei encomendando para me

satisfazer. — Bati o pé e o encarei, no mesmo segundo, sua face se

empalideceu e os olhos se tornaram maiores. — Imagino que você tenha

boas intenções, mas não estou no clima pra conhecer ninguém ou sair por

aí.

Harry colocou a mão na parede ao lado do meu rosto.

Arregalei os olhos e senti as extremidades gelarem. Minha respiração

ofegou sem sequer fazer esforço.

— Então, beleza, pode só me conhecer melhor. Quer? Eu não curto

homem, mas você parece diferente... tô afim de experimentar coisas novas.

Harry aproximou seus lábios dos meus, porém consegui virar o rosto a

tempo e coloquei a mão em seu peito. A saliva escorreu arranhando pela

garganta. Apesar do corpo gélido, minha face parecia em chamas.

— S-sai daqui — gaguejei, estremecendo. — Sai da minha casa.

Ele não se moveu.

— Agora! — gritei e o empurrei.

Meu vizinho puxou o ar e me encarou com os olhos esbugalhados,

creio que não esperava uma atitude daquelas da minha parte. Em silêncio

deu dois passos para trás e virou as costas. Assim que ele saiu, fechei a

porta e tranquei.

Meu coração estava acelerado com a situação, me apoiei na madeira e

inspirei o ar devagar, fui escorregando até o chão à medida que tentava me

acalmar. De repente, o celular vibrou, desbloqueei a tela para ver a

notificação e era uma mensagem do Masked.

[Número desconhecido]: Bom dia, passarinho. Hoje tenho um

trabalho a cumprir durante o dia, mas acredito que consigo estar

completamente disponível pra você à noite.

Passarinho. Não foi a primeira vez que ele me apelidou daquela forma

e nunca cheguei a questionar o porquê de me chamar assim, entretanto,

achava carinhoso Masked se referir a mim daquele jeito.

[Você]: Podemos sair só à noite mesmo, sem problemas. Hoje o dia

está quente demais pra andar debaixo desse sol.

[Número desconhecido]: E você conhece algum lugar que eu possa

entrar com a minha máscara?

Naquele momento, desanimei do encontro. Fiquei tanto tempo

conversando online com Masked Guy, que me esqueci daquela limitação da


nossa relação. Eu não sabia do seu rosto e ele não se sentia pronto para me

deixar conhece-lo por completo, o que me gerou uma certa frustração.

Respirei profundamente.

[Você]: Podemos assistir um filme juntos aqui em casa.

[Número desconhecido]: Marcado. Apareço às 20h. Agora tenho

que ir, mais tarde falo com você. Beijo.

[Você]: Beijo, Masked.

Bloqueei a tela do celular e encostei a cabeça na porta. Fechei os olhos

por alguns instantes e aproximei os joelhos do peito para abraça-los.

Desejava ir além das conversas e encontros sexuais com ele, queria passear,

ter uma companhia e poder beijá-lo.

O que você tanto esconde por trás dessa máscara?


Almas solitárias tendem a se encontrar, assim foi com Pete. E com

Shadow, o meu primeiro e melhor amigo. Geralmente, as quintas-feiras

tornavam as ruas de Nova York mais vazias durante as manhãs, a agitação

da vida noturna na cidade sequer esperava a sexta-feira chegar.

Eu cortava as ruas em direção ao ponto mais afastado de Manhattan,

minha Kawasaki preta estremecia ao passo que o ponteiro do velocímetro

trepidava a cada acelerada. As mãos desprotegidas sentiam a força dos

ventos, tão intensos que faziam a pele se repuxar.

Zack morava isolado, em meio à zona de mata daquela selva de pedra

que era Nova York, e sempre que eu ia visitá-lo levava uma mochila cheia

de porcarias para que ele comesse e mais alguns itens, já que fazia meses

que Shadow não via a luz do sol.

Inclusive, eu quem dei a ele esse apelido, já que Zachiary não gosta de

sair de casa e vive escondido em meio às sombras e a escuridão... acho que

combinou bastante, mais do que o user @rich.eater. Shadow gostou e

adotou o nome.

Quando estive perto de onde ele morava, tive que deixar a moto

próxima à uma árvore e seguir o restante do percurso a pé, com o mapa

aberto no meu celular a fim de que não caísse em nenhuma armadilha.

As copas altas das árvores bloqueavam a luz e deixavam a umidade

maior, retirei o capacete e a jaqueta devido as gotículas de suor que se


formavam e andei atento, pisando com calma nas folhas secas.

Tinha que fazer o mínimo de barulho possível por conta dos animais

que rondavam a floresta, até mesmo para não os atrair sem querer para as

armadilhas que Shadow espalhou até a sua casa. E por incrível que pareça,

ele não as colocou para pegar bichos, e sim seres humanos.

Zack sempre foi preocupado com a sua integridade devido ao que fazia,

fugiu da Rússia por mexer com gente muito grande e veio para a América

onde continuou com as atividades que ameaçavam a sua vida.

Pessoas ricas são perigosas, principalmente aquelas que estão em meio

à política, então aos poucos, Shadow afundou cada vez mais em delírio,

tornando-se paranoico e obcecado em destruir o que ele chamava de câncer

social. E eu estava junto... primeiro por querer fazer parte da mudança,

doar, ajudar e vingar os menos privilegiados, mas depois que a realidade

bateu, fiquei apenas pela grana, já que a pior notícia eu não queria contar a

ele: é impossível fazer cair aqueles que estão no topo.

O sistema foi criado por eles e para eles, nossas ações contra suas

riquezas e propriedades eram uma cosquinha em seus pés e no máximo uma

dor de cabeça que passava no dia seguinte.

Os pássaros sobrevoavam minha cabeça e cantavam entre os galhos.

Quando passei da pedra que marcava a última armadilha, avistei ao fundo a

casa de dois andares de madeira, com aspecto quadrado e telhado inclinado,

cujo andar de cima tinha as paredes formadas apenas por vidro, espesso e

escuro, onde Zack conseguia ver tudo e todos, sem ser visto, de longe ele

deve ter percebido a minha presença.

Não demorou muito para eu ser recebido em sua porta. Ele estava sem

camisa, mostrando seu corpo esguio e tatuagem de lobo no abdômen,

vestindo apenas uma calça preta e... porra, sua pele estava muito branquela,

aquela palidez só ressaltava suas olheiras arroxeadas, além disso, os cabelos

dele cresceram, estavam ondulados acima dos ombros e o que antes eram

loiros, tornaram-se azuis.

— Que merda de cabelo é esse? — perguntei, erguendo sutilmente o

lábio.

Shadow riu.

— Sei lá, estava com tédio.

— Você estava com tédio e resolveu pintar o cabelo?

Abri os braços, segurando o capacete e então Zack deixou a entrada da

sua casa descalço para me abraçar forte, com sua típica erguida de


calcanhar a fim de tentar parecer um pouco mais alto perto de mim, mas era

impossível. Eu tinha 1,90m, ele era dez centímetros menor que eu.

— É, eu... tava sem o que fazer, então usei o que tinha em casa pra

mexer no cabelo. O azul de metileno deu uma cor legal e não desbota tão

fácil.

Dei uma risada breve.

— Se estava entediado, fosse... sei lá, dar uma volta ou então bater

uma, não mexer no cabelo. Agora só ficando careca para tirar isso daí. —

Levei a mão à testa, preocupado com ele.

— Não estou muito disposto pra sair e os vídeos pornôs estão chatos...

acho que já vi todos. — Colocou a mão para trás da cabeça. — Acredito que

consigo me acostumar com o azul.

Inspirei fundo e soltei o ar devagar.

— Cara, você precisa foder.

Shadow gargalhou, como se eu tivesse acabado de contar uma piada,

sendo que falava mais que sério, não estava fazendo nada bem pra ele ficar

isolado no meio de um matagal cheio de armadilhas e as únicas interações

que tinha fossem virtuais.

— Estou falando sério. Precisa sair além da floresta, conhecer alguém,

sabe? — Tirei a mochila das costas e entreguei para ele.

Zack pegou a bolsa e abriu um sorriso tão largo que cruzava seu rosto,

colocou a alça sobre o ombro e virou-se para entrar na casa. Segui-o para

dentro dela, e apesar de eu esperar um odor desagradável, estava limpa e

arrumada.

Ele tinha poucos móveis, a casa internamente de madeira no andar

debaixo só tinha uma sala com lareira, televisão sobre uma bancada e sofá

reclinável; banheiro pequeno no canto; armário com livros e, próximo da

cozinha, que era o único lugar em tons de branco em sua casa, uma mesa de

quatro lugares e os móveis marrom-escuros que comportavam seus diversos

eletrodomésticos prateados que iam desde batedeira, que ele certamente não

usava, até micro-ondas e liquidificador.

Shadow colocou a minha mochila sobre a bancada e a abriu para tirar o

que trouxe para ele. Levei comida, guloseimas, remédios e alguns itens de

higiene a seu pedido.

— Obrigado pelas compras, Dean — respondeu, enquanto guardava os

produtos em seus devidos lugares na cozinha. — E agradeço a preocupação,

mas estou bem. E muito ocupado, tenho muito trabalho a fazer e...


— Ei, ei! — Peguei em seus cabelos e os puxei, fazendo-o arregalar os

olhos para mim, suas íris muito escuras, se mantiveram atentas nas minhas.

— Você não está bem. Vamos sair hoje, encontrar com os outros Hunters e

curtir um pouco. Ninguém conhece os nossos rostos. Zack, não precisa ter

medo.

Ele suspirou.

— Não estou com medo. Eu só... não consigo confiar em ninguém além

de nós agora, então não sei se vou conseguir comer alguém, com

preocupação na cabeça o tempo todo.

— Tá, esquece isso de comer alguém. Só saia com a gente. Você vai

estar protegido, eu cuido de você, Zack. — Apoiei as costas na bancada e

cruzei os braços.

Shadow riu baixo, balançou a cabeça em negação e continuou a guardar

os produtos.

Eu me senti um idiota em ter dito aquilo, já que Zachiary era o mais

precavido dos Hunters, ele serviu no exército russo por três anos quando

completou a maior idade e lá aprendeu diversas estratégias de ataque e mil e

uma formas de matar. Inclusive, era o único a manter um arsenal de armas

em casa.

— Tudo bem, tudo bem! Eu aceito sair hoje. — Zack fechou a porta

dos armários, encostou em seu fogão e uniu as mãos frente ao corpo. — O

que você sugere?

— Bem, lembra do cara que eu falei que não gostava, o vizinho do

Peter? — Rangi os dentes.

— O babaca de Wall Street? Sei. O que aconteceu?

— Ele tentou beijar o Peter... eu vi pelas câmeras que botei na casa

dele. — Bufei. — Daí descobri que o Harry vai para uma boate hoje que

fica numa casa de swing, algo assim, com tema de baile de máscaras. Ali é

escuro, há diversas pessoas... o ambiente perfeito para o que pretendo fazer.

Shadow arregalou os olhos e ergueu o canto da boca.

— Quer que eu te ajude a esconder o corpo depois? Acho que ainda

tenho o ácido.

— Não, não posso matar esse cara, senão pode dar merda pro Pete. Mas

sei de uma forma de demonstrar para ele que o Peter já tem dono. —

Arrastei o lábio nos dentes. — Então, como preciso estar lá, acho que dá

para tentar nos divertir um pouco. Talvez convidar o Zero e o Monster

também.


A sobrancelha dele se levantou e os olhos se estreitaram, Shadow

demorou um tempo maior do que o normal para me responder.

— Cara... você tá planejando algo pervertido que envolva o Monster e

o Zero? Assim, não sei se estou a fim de participar disso.

— Porra, claro que não! Só vou convidar para me fazerem companhia

na festa. Odeio lugares barulhentos, mas terei que suportar até o Harry

chegar na boate... e acho que vou chamar o Peter também. Ele quer sair

comigo, mas não há lugares que eu consiga ir de máscara sem atrair a

atenção e lá será um baile de máscaras, então vou conseguir fazer a vontade

dele sem me expor.

Zack balançou a cabeça e se desapoiou de seu fogão para abrir a

geladeira, de lá tirou um energético de lata preta e deu um gole.

— Beleza, eu topo. — Passou por mim em direção à sua sala e eu o

segui. — Você realmente tá caidinho por esse cara, não é? — Jogou-se no

sofá de frente para a TV e aproximou a latinha dos lábios.

Puxei a máscara de pano mais para cima do nariz.

— Diria que somos almas gêmeas.

— Que romântico. — Shadow rodou os olhos pelo teto e me encarou de

canto.— Você se tornou obcecado por ele por que realmente se identifica

com quem ele é... ou por que acha que deve salvá-lo?

Fechei mais o punho, pressionando forte a borda do capacete e apertei

os dentes. Eu não sabia responder aquela pergunta.

Tinha gostos e hábitos em comum com Pete, além disso, ele possuía

muitos atributos que eu admirava, Peter Reid era gentil, instigante,

silencioso e dono de um senso de humor um tanto... peculiar, para não dizer

trágico. Gostava dele, mas Shadow conhecia a minha história, aquele

comentário não foi à toa. Sabia disso.

Meu pai foi embora de casa muito cedo, quando eu ainda tinha uns

quatro anos, acho. Não me lembro muito bem de seu rosto, é um grande

borrão, muito menos tenho memórias de nós dois, porém carrego até hoje as

recordações do quão dura foi a época em que ele desapareceu.

Minha mãe precisou me criar sozinha, trabalhar mais de um turno e me

deixava na casa da vizinha em uma sala cheia de crianças. Daquilo eu me

lembro, lá era o caos. Os barulhos, a agitação, os gritos da mulher e a

comida grotesca.

Conforme eu cresci, as memórias se tornaram ainda mais marcantes,

quando tinha uns oito anos, por aí, lembro que gostava de ficar na escola,


em especial na biblioteca. Ali era silencioso, calmo e as histórias me

levavam para uma realidade além da que eu vivia. Quando chegava em

casa, um peso caía sobre minha cabeça.

Minha mãe estava sempre tão estressada ou fadigada do excesso de

trabalho, que só conseguia encontrá-la de duas formas: dopada de remédios

para conseguir dormir, caída no sofá, ou agitada pelo uso de cocaína.

Dos oito até os doze anos, foram os piores anos, porque ela se afundava

cada vez mais e eu tinha que mentir para os outros para que não me

tomassem dela. Ela era tudo que eu tinha. Depois, aos treze, arrumei alguns

bicos fazendo entrega de bicicleta para tentar ajudar em casa e não deixar

minha mãe sobrecarregada.

Durante alguns anos foram apenas eu e ela, minha mãe dizia que eu era

o herói, o homem da casa, até que começaram a aparecer os namorados. E

nem todos foram bons com ela. Muito menos comigo. Jamais deveria ter

deixado aqueles homens entrarem, porém eu nunca conseguia impedi-los,

ela escolheu eles a mim.

Então eu quem tive que sair.

Não me perdoo até hoje por essa decisão, por ter sido mais um a deixála,

como o meu pai fez... falhei em tentar salvá-la.

Inspirei profundamente e soltei o ar devagar.

— Eu tenho que ir. Te vejo mais tarde na festa?

Shadow ergueu a latinha de energético e piscou.

— Pode contar comigo.

Enquanto eu deixava a casa de Shadow, abri o celular para conversar

com o Peter. Não havia tocado no assunto de Harry um segundo sequer, na

verdade, fingi que não tinha visto nada, afinal, não queria assustá-lo, ele

não sabia das câmeras.

Passamos duas noites juntos, uma jogando online e a outra assistindo

filmes de terror em sua casa, que eram seus favoritos. Eu gostava mais de

suspense, aprendia muito com eles.

[Você]: Vai fazer algo hoje à noite?

[Passarinho]: Acho que não, quando sair do trabalho pretendo

assistir uns filmes... quer ver comigo? Estou com vontade de te ver de

novo.

[Você]: Que tal sairmos hoje? Pensei em nos encontrarmos em um

lugar diferente, e no final deixo uma pista sobre a minha identidade.

[Passarinho]: Sério?! Onde e que horas?


Desviei os olhos da tela para me ater ao caminho de volta pela trilha

segura e encarei a mata enquanto pensava numa forma de combinar com ele

para chegar apenas quando eu já tivesse me resolvido com Harry.

[Você]: Fique pronto a partir das 21h. Mandarei um carro te

buscar.

Bloqueei o celular e rondei a visão pelos pontos de luz que

ultrapassavam as folhagens das árvores altas, onde as únicas presenças ali

além de mim eram os pássaros e alguns esquilos. Apesar de ser isolado de

tudo, Shadow morava em um lugar realmente bonito.

Encontrei minha moto próxima à árvore e subi nela mais leve sem a

mochila, coloquei a jaqueta, que estava apoiada sobre o ombro, e o

capacete, porém antes de partir enviei uma mensagem no grupo para que

Monster e Zero estivessem a par da situação. Sem pensar duas vezes, ambos

toparam.


Passei metade da tarde online com os Hunters e a outra treinando para

me manter em forma.

Com o cair da noite, no quarto escuro, abri na tela do meu computador

a localização de Peter e as imagens de sua casa, no celular rastreei os passos

de Harry online, invadi seu celular para saber se ele iria acompanhado ou se

faltaria o evento do qual confirmou que iria.

Harry estava mais que confirmado, ele comentou via SMS com um de

seus colegas de Wall Street que passaria na loja de conveniência do posto de

gasolina para beber antes de ir, provavelmente, estaria acompanhado dele.

Tirei os olhos do celular e os estreitei para as três telas à minha frente,

minhas pupilas iam de um lado para o outro captando cada informação, a

sala ainda vazia, mas o GPS informava que Peter estava passando pela

última rua que dava acesso à sua casa. Em poucos minutos chegaria em

segurança.

No grupo dos Hunters, as mensagens eram disparadas, principalmente

de Monster e Zero que estavam empolgados com a ideia.

[Zero]: Festa no puteirooooo! Eu já, já tô partindo, valeu?

[Shadow]: Posso faltar essa?

[Monster]: Você deu sua palavra pro Masked e agora vai ter que ir! Sai

do buraco, Shadow! Vou sair de casa logo.


[Zero]: Vai sim, Shadow. Para comemorar a sua saída do cativeiro vou

bancar uma bebida pra você. ;)

[Você]: Não quero ninguém faltando hoje! E, Shadow, você me deve

uma.

[Shadow]: Ok, estarei lá.

Fechei a conversa e fui me arrumar. Eu pretendia passar o mais

despercebido possível, separei a roupa preta, calças com diversos bolsos,

cinto de couro escuro, blusa lisa, jaqueta, um pano que usaria sobre os

lábios para entrar na festa e a máscara de caveira para usar dentro da boate.

Harry não sabia o quão favorável criou o ambiente para mim quando

optou por ir na casa noturna justamente em dia temático.

Por último, coloquei sobre as roupas um canivete que se disfarçava de

chaveiro para conseguir entrar com alguma arma na festa.

Tirei a bermuda que vestia e fui até o chuveiro para uma ducha gelada a

fim de que meu corpo ficasse ainda mais desperto, meus músculos

espasmavam com a sensação de adrenalina, e ao sair do banho, me apoiei

sobre o mármore frio da pia e encarei o reflexo no espelho.

Os respingos da água dos cabelos caíam sobre a testa e escorriam por

meu rosto, o que me fez dar atenção ao que tanto ignorava, a maldita

cicatriz que atravessava os meus lábios. A pior parte daquele corte no rosto

era que ele me recordava do que desejava esquecer, e quando eu abstraía de

sua existência, a curiosidade alheia fazia questão de me relembrar.

Por isso, a melhor decisão que tomei foi esconder.

Abri o armário que prendia o espelho para pegar a escova de dentes e o

pente de cabelo, quando terminei de me aprontar, deixei o banheiro e vesti a

roupa no quarto, junto dos pertences que levaria para a festa.

Antes de sair de casa, acendi a luz do terrário da Seraphine, a cobra se

arrastou com sutileza e envolveu a ponta de sua cauda na madeira.

— É, mais um dia que irei encontrar com o Peter... espero que em breve

consiga trazê-lo aqui para que você conheça. Vai gostar dele, Phine. — Ri e

apertei mais o lenço preto que cobria metade do meu rosto antes de deixar o

apartamento.

Minha visão se ofuscava com as diversas luzes neon dos painéis e

letreiros do centro de NY. Enquanto minha Kawasaki cortava as ruas em

sua maior potência para chegar até a festa, meu celular não parava de vibrar.

Eu sequer precisava olhar para saber que deveria ser mensagem dos

Hunters.


Mas para a minha surpresa, assim que deixei a moto no estacionamento

e desbloqueei a tela, a primeira notificação era de Peter.

[Passarinho]: Ansioso para o nosso encontro. Não me sinto tão

confortável em lugares cheios, mas acho que junto de você vai ser

divertido.

Senti um frio subir pelo abdômen com aquela mensagem e meus lábios

estremeceram, abrindo um sorriso sem que eu percebesse. Inspirei fundo e

soltei o ar devagar tentando aquietar as batidas em meu peito.

Abri as outras notificações, Shadow já estava na festa e desesperado,

ansioso para ir embora, principalmente por estar sozinho. Segui pela rua

lateral do estacionamento meio-escuro até a entrada extremamente

luminosa em tons de roxo da boate, o que trazia muita atenção para uma

estrutura pequena e discreta do prédio, cujas paredes externas eram pintadas

de preto.

Logo na porta havia diversas pessoas com máscaras, a maioria delas

cobriam apenas a parte dos olhos, principalmente as das mulheres, que eram

decoradas, onde os adornos em volta das órbitas traziam um olhar sexy e

misterioso.

Entrei na fila até que conseguisse passar pela revista e ir à bilheteria.

Passei ileso pela revista com meu canivete disfarçado de chaveiro.

Assim que estive na área interna sob as luzes baixas e vermelhas do

ambiente cheio e agitado, me arrependi da ideia. Era barulhento e irritante,

o som fazia meu corpo vibrar com as batidas, tão alto, que as pessoas

falavam quase gritando umas com as outras para que conseguissem ser

ouvidas.

Rondei os olhos pela boate procurando por Shadow. Certamente ele não

estava entre as pessoas dançando na pista, então atravessei aquele espaço

em direção ao bar, que ficava nos fundos, a única área mais iluminada dali,

que havia pouca gente sentada no balcão. Enviei uma mensagem para ele, e

a resposta foi “olhe para trás.”

Quando virei a cabeça, encontrei com Zack sentado em um dos sofás

vermelhos da área de fumantes, sozinho, de pernas abertas e soltando

lentamente a fumaça de seu vape, trajando uma máscara preta que cobria

apenas ao redor dos olhos. A má vontade de vir foi tanta, que ele sequer se

esforçou em procurar um acessório melhor.

Levei a mão ao bolso, caminhei até Shadow devagar e me coloquei ao

seu lado, de imediato ele me ofereceu o cigarro eletrônico, mas eu apenas


ergui a mão em recusa. Detestava cigarros, álcool, qualquer droga assim.

Por ter visto minha mãe por muito tempo se afundar no vício, preferi passar

longe desses hábitos.

— Você não ia encontrar com o seu dono aqui? — Zack inspecionou o

espaço com os olhos e me encarou de canto.

— Estou esperando o Harry chegar primeiro. — Puxei o celular e olhei

para a tela, abri a aba onde mostrava a localização do maldito. Ainda

bebendo na loja de conveniência do posto.

— E o que pretende fazer? Esfaquear o vizinho do seu parceiro na

frente dele? — Os olhos por trás da máscara se estreitaram e o canto de seu

lábio subiu.

— Só se eu quiser que Peter suma da minha vida pra sempre. Ele não

pode saber que sei que Harry tentou algo. — Coloquei o celular no bolso e

cruzei os braços, inspirei e soltei o ar devagar, observando a movimentação

no bar. — Pretendo mostrar do que sou capaz de fazer caso encoste um

dedo em Pete novamente.

— Bom, se precisar de mim para dar aquela ajuda... — Zack levantou a

borda de sua camisa preta, mostrando parte da arma que carregava na

cintura, me encarando. — Estou aqui pra isso.

Arregalei os olhos e minha testa se enrugou.

— Como você conseguiu entrar armado?

— Não usei a porta da frente. — Ergueu os ombros.

Quando Shadow iria levar o vape em seus lábios, o cigarro foi puxado

de sua mão, mas ele segurou o pulso do indivíduo rapidamente. Os estreitos

olhos enfurecidos tornaram-se maiores ao perceber quem tentou roubá-lo.

Zero, o mais novo dos Hunters, estava com uma máscara preta com

orelhas de coelho que cobria apenas a parte superior de seu rosto, o que

deixou exposto o sorriso travesso. Os cabelos escuros estavam para trás

com gel e a blusa branca de botão estava com as mangas arregaçadas e

aberta até a metade do abdômen, dando enfoque às suas tatuagens, em

especial a de cobra que havia no meio do peitoral.

Apesar de ter vinte e dois anos, a genética coreana dava a Zero uma

aparência ainda mais jovial, o que combinava muito com suas atitudes

ridículas de adolescente.

— Quanto tempo, Shadow. Fico feliz que decidiu sair da toca hoje. —

Assim que os dedos de Zack se afrouxaram do pulso de Taehyun, ele tragou

o vape e soltou a fumaça sem pressa, encarando-o.


— Tive que retribuir um favor ao Dean. — Desviou os olhos de Zero

para mim. — Agora só falta o Monster.

Tae colocou a mão na cintura, virou-se de lado e inclinou a cabeça

sutilmente em direção ao bar. Monster estava sob as luzes do balcão, de

costas, com roupas pretas largas e corrente de ouro fina no pescoço, o

reconheci pela tatuagem de aranha na nuca. Os cabelos estavam diferentes,

geralmente o crespo era mais alto no topo da cabeça e curto nas laterais,

mas daquela vez estavam raspados formando um degradê.

Quando virou de frente com dois copos de bebida nas mãos, abriu um

sorriso largo. Suas bochechas infladas deram destaque às sardas que

decoravam seu rosto em meio a pele escura. Ele veio dançando com os

drinks e Zero também se balançou apontando para o amigo.

Monster era tão novo quanto Zero, apenas dois anos mais velho, e os

dois se entendiam muito bem, ambos gostavam de festas e eram sociáveis,

sequer pareciam uns nerds criminosos. Logan, além de hacker, também

tinha paixão por corridas ilegais. Inclusive, ele já foi piloto de fuga de uma

gangue de seu antigo bairro e quase foi fichado por isso uma vez.

— Vocês vieram pra festa pra ficar com essas caras aí? — Aumentou o

tom de voz tentando competir com a música alta e entregou uma das

bebidas para Tae.

Ergui os ombros.

— Eu vim pra cá com outro propósito, mas achei legal sairmos juntos...

principalmente pro Shadow tentar ver o mundo além do buraco que ele

vive.

Zack levantou o dedo médio pra mim e se inclinou do sofá para pegar

seu vape de volta das mãos de Zero.

— Vocês sabem que não curto festas e lugares cheios. — Deu um trago

e expirou devagar a fumaça por suas narinas. — E por que você veio sem

máscara, Monster?

— Como vou pegar alguém com a cara tampada? — Abriu os braços.

Ri.

— Vamos dançar? — Tae sugeriu para Logan e deu uma olhada de

canto para mim e Shadow. — Vocês também vêm?

— Não posso, tenho que ficar de olho na chegada de Harry. — Puxei o

celular do bolso para ver a localização, o ponto no GPS começou a se

mover em direção à rua da balada.


— E você, Shadow, qual é a sua desculpa? — Zero levou o canudo da

bebida aos lábios enquanto encarava Zack.

Shadow cruzou os braços e soltou o ar forte. Ele estava a ponto de

revirar os olhos, os pés inquietos batendo contra o chão demonstravam o

quão incomodado ele estava ali, provavelmente ansioso para ir para casa.

— Não sei dançar.

Logan riu.

— Cara, é só balançar o corpo no ritmo da música. Sabe como

desmaiar alguém com os dedos, invadir bancos, mas não consegue ter um

gingado? Que isso!

Shadow ergueu os ombros e guardou seu vape no bolso.

— Fazer o quê, né?

Zero umedeceu o lábio e o canto de sua boca se esticou. A forma com a

qual ele olhava para Zack de vez em quando não era a mesma que ele

encarava a mim ou Monster, eu sabia disso, na verdade, quando Logan me

olhou de lado ele também deve ter percebido.

Pobre Taehyun White, ele não tinha ideia do problema que estava

tentando trazer para si mesmo.

— Então apenas observe, Shadow. — Deu as costas e seus passos eram

curtos e coordenados em direção à pista de dança que ficava após o bar.

Zero se movia de forma devagar e hipnótica, controlando o balançar dos

quadris conforme a música.

Até mesmo Monster ficou observando-o, até que decidiu acompanhá-lo

e deu uma breve corrida para conseguir alcançá-lo.

Em meio à multidão, foi como se uma luz não visível destacasse os

dois. Zero se apoiou no ombro de Logan e jogou uma das pernas para

frente, colocando no meio das dele, de forma que os dois conseguissem

roçar as coxas conforme a música.

Monster colocou uma de suas mãos na cintura de Tae enquanto a outra

se prendia firmemente ao seu copo de vodka com alguma coisa. O mais

novo fechou os olhos e deixou que seu pescoço e ombros se balançassem

com leveza e sensualidade.

Shadow estava no mais completo silêncio ao meu lado e ao ouvi-lo

respirar, quase que num suspiro, o encarei de canto. Os olhos escuros se

mantinham bem abertos e vidrados na cena, nem mesmo seus cílios se

encontravam. A mandíbula estava intensamente marcada e quando desci a


visão para suas mãos fechadas, que se encontravam próximas a coxa,

desviei a atenção de imediato.

Seu tesão marcava a calça.

— Acho que o Zero tá a fim de você — falei e dei um empurrão leve

em seu ombro, tentando descontrair a situação.

Seu pomo de adão subiu e desceu, ele recolheu os lábios e virou a

cabeça devagar para mim.

— Aquele pirralho está apenas tentando brincar comigo.

— E você caindo na brincadeira.

Desci os olhos para sua ereção e ergui a sobrancelha. De imediato

Shadow colocou o braço em cima a fim de tentar disfarçar e notei seu rosto

pouco a pouco ser tomado por uma coloração rósea.

Ele suspirou e deixou que uma risada baixa escapasse.

— Ah, cara... desculpa. Eu não pretendia....

— Relaxa, Shadow. — Abri os braços sobre o apoio do sofá. — Você tá

sem foder há meses, é normal acumular tesão e acho que nesse caso aqui...

tem a oportunidade perfeita pra aliviar isso. — Inclinei o queixo para frente

a fim de chamar a atenção dele para a pista de dança.

Zack lentamente direcionou os olhos para Zero e Monster que

começaram a se mexer separados, Taehyun continuava a rebolar sem

desviar a atenção de seu alvo, prendeu o lábio entre os dentes e levou uma

das mãos ao pescoço durante sua dança.

— Vai lá!

— Não, cara, não.

— Vai logo! — Coloquei a mão em suas costas e fiz força para

empurrá-lo.

Shadow se levantou, bateu nas roupas, respirou profundamente e me

encarou de lado antes de andar. Ele caminhava retraído e inseguro em

direção à pista, com as mãos nos bolsos e ombros próximos demais do

corpo, quando perto, foi puxado por Zero que pegou em suas mãos e as

colocou na cintura para usá-lo de apoio durante a dança.

Com o tempo, Zack ia se soltando, permitindo que seu corpo

balançasse junto de seu par e assim que seus rostos se aproximaram,

Shadow o puxou com rispidez para si, colando seus peitorais e deixou os

lábios se arrastarem.

Tae usou a ponta da língua para erguer com sutileza o lábio superior de

Zack, como último ato de provocação antes do beijo.


O canto da minha boca se esticou e desviei a atenção dos dois para o

meu celular, Harry havia acabado de entrar na festa, notei pela sua

localização e a foto nos stories do Instagram dentro da balada.

Afastei meus olhos da tela e me ative ao ambiente. Rondei as pupilas

com cautela, observando cada canto e pessoa ali presentes, buscando apenas

pelo meu alvo, pressionei os dentes e senti a respiração se tornar cada vez

mais audível.

Harry apareceu no meu campo de visão, por sorte, ele estava sozinho

próximo ao bar, com o celular encostado no ouvido, distraído e gritando

enquanto gesticulava para o barman sobre qual drink ele queria.

Monster se afastou da pista de dança e veio até mim, ao notar sua

aproximação deixei de encarar o meu alvo para olhar para ele que estava

com os lábios entreabertos e sobrancelhas próximas a linha dos cabelos.

— Meu Deus, Zero e Shadow estão quase se comendo na pista de

dança! O russinho tá cheio de fogo.

— Deixa eles se divertirem. Zero estava desde o começo da festa

provocando o Shadow. — Levantei do sofá e olhei sobre o ombro do

Monster para prestar atenção nos movimentos de Harry. — Aí, posso te

pedir um favor? — Encarei-o.

— Manda.

— Pode buscar o Peter e trazer ele pra festa? Não fale nada dos Hunters

ou coisa assim.

— Até posso..., mas por que você não vai buscar? Eu não sei onde ele

mora.

Coloquei a mão no ombro dele e o apertei.

— Porque você é o mais rápido. Eu te passo o endereço por mensagem,

além do mais... — Desviei o olhar dele quando notei o imbecil de Wall

Street andando em direção ao banheiro. Era ali que o pegaria. — Tenho

algo pra resolver agora. Pode fazer esse favor pra mim?

— Tranquilo, você quem manda. — Deu dois tapas nas minhas costas.

— Obrigado. — Passei a mão em seus cabelos raspados e me afastei.

Enquanto andava em direção ao banheiro, enviei para Monster o

endereço de Peter e aproveitei para abrir a conversa com meu Passarinho

para deixá-lo ciente de que alguém estava indo buscá-lo, do jeito que

combinei.

Puxei do bolso da jaqueta a máscara que estava dobrada e troquei o

lenço que cobria apenas meu nariz e boca por ela, deixando meu rosto


completamente escondido, exceto pelos olhos. Mas aquilo eu não fazia

questão de esconder, o olhar era capaz de transmitir o sentimento que os

lábios não conseguiam pôr em palavras.

Queria que Harry soubesse o que eu sentia. E que temesse por isso.

Entrei logo depois da minha vítima no banheiro, que não estava muito

cheio, mas todos os três mictórios daquele espaço apertado, fedido e sujo,

estavam ocupados, o que fez com que ele fosse usar a cabine.

Harry entrou e eu fui logo atrás.

— Cara, acho que você...

Antes que ele pudesse completar a frase, puxei o canivete e tampei seus

lábios. O coloquei de costas para mim contra a parede e pressionei

firmemente a lâmina em seu pescoço, acima da sua artéria, a senti inchar e

latejar com intensidade.

— Você já deveria saber que não se deve tocar no que não lhe pertence

— falei em seu ouvido, notando-o choramingar. — Agora eu vou afastar a

mão da sua boca... e se você gritar, eu te mato sem pensar duas vezes. —

Harry concordou, obedientemente. Agarrei em seus cabelos e pressionei seu

rosto contra os ladrilhos, então o virei de frente para mim, para que me

encarasse.

— Desculpe, desculpe, desculpe... — Notei seus olhos avermelhados e

cheios de lágrimas por detrás da simples máscara preta. — O que você

quer? O que eu fiz?

— Você nunca mais vai mexer com Peter Reid. Ele me pertence. —

Pressionei ainda mais a lâmina, o que cortou a camada superficial de sua

pele.

— Tá bom, tá bom! E-e-eu não sabia que ele tinha namorado, desculpa!

Não farei mais! — Ergueu as mãos trêmulas em rendição. — Sequer vou

olhar pra ele a partir de agora.

— Não, você vai se afastar, mas vai fingir que essa conversa aqui nunca

aconteceu. Então não pegue mais as encomendas dele, não o chame para

sair com você, se mantenha afastado do gramado de Peter, porém quando o

vir... sorria e acene. À distância.

— Ok, tranquilo, tranquilo, e-eu vou fazer isso... vou fazer isso!

— É claro que você vai.

Com a ponta do coturno, levantei a tampa do vaso, puxei Harry pela

gola da camisa e com força bati sua testa contra a porcelana do vaso, antes

de enfiar seu na água. Usei o sapato para abaixar a válvula da descarga e


apoiei meu peso com as duas mãos em seu corpo para mantê-lo afogado

enquanto ele se debatia.

Deixei que ele erguesse a cabeça apenas para que pegasse ar e o afundei

de novo. Daquela vez Harry não se manteve quieto, tentava reagir e seus

gritos borbulhavam em meio à água, repeti o ato até que ele se cansasse e

parasse de se mover.

Larguei-o sentado, encostado na parede da cabine, com seu corpo

trêmulo e a blusa molhada, ele direcionou os olhos para mim com as

sobrancelhas franzidas e recolheu os lábios. Não disse mais nada.

— Temos um acordo? — perguntei.

Em silêncio, concordou com a ideia, afirmando com a cabeça.

Harry não conseguia ver, mas meus lábios se esticaram por debaixo da

máscara, num sorriso muito satisfatório. Abri a porta da cabine e saí, na

hora em que deixei o banheiro percebi a vibração no meu celular.

Monster enviou uma foto sorrindo, no espelho do retrovisor, onde

aparecia atrás dele o rosto de Peter, que estava distraído com a cabeça baixa

e olhos atentos em seu celular. Abaixo dessa notificação, a mensagem do

meu Passarinho com um: ‘’O motorista já veio, estou a caminho.’’

Aquelas mensagens faziam alguns minutos, provavelmente eles já

estavam chegando.

Caminhei dentre as pessoas na boate, atravessando a pista de dança. Eu

esbarrava nos corpos que se mexiam ao som da música alta que fazia meus

músculos vibrarem e irritava os meus ouvidos.

Zero e Shadow não estavam mais por ali.

Cheguei na área de recepção da balada e uni as mãos esperando por

Peter, senti um frio na barriga e esfregava os polegares para tentar aliviar a

sensação elétrica que percorria minha pele com a expectativa.

Monster chegou primeiro e piscou para mim antes de voltar para a pista

de dança.

Quando Peter passou por aquela porta, foi como se um holofote se

colocasse sobre ele. Soltei o ar devagar e aos poucos os cantos dos meus

lábios se esticavam. Pete vestia uma camisa grande preta com a logo da

banda Deftones, calças jeans e All star, não muito adequado para um lugar

daqueles, mas bonito o bastante pra mim.

Os óculos grandes não me atrapalharam de ver aquelas pupilas maiores

de curiosidade em meio ao azul de suas íris que vasculhavam cada canto do


ambiente. A boca estava entreaberta e as sobrancelhas franzidas, até que ao

se deparar comigo em seu campo de visão, sorriu.

— Por que não me contou que era uma festa de máscaras? — falou alto

devido à distância que estava de mim e assim que chegou perto, peguei em

sua mão.

— Porque é quase um crime tentar esconder sua beleza de alguma

forma.

Peter riu baixo e desviou os olhos de mim.

— Será que essa noite vou conseguir ver seu rosto? — Encarou-me de

canto.

Balancei a cabeça em negação e senti seus dedos apertarem ainda mais

forte minha mão.

— Foi apenas por conta disso que você veio?

— Não, claro que não! Eu só... quis saber. — Mordiscou o próprio

lábio.

Apoiei a mão na cintura dele para guiá-lo em direção à área interna da

festa. Enquanto caminhávamos, notei o quão rígido estavam seus

movimentos, e o olhar era de desconfiança para os outros, estava

claramente incomodado.

— Algo de errado? — perguntei assim que paramos no meio da pista de

dança, de frente para ele.

— Nada. É só que não me sinto confortável em ambientes com tanta

gente. — Analisou as próprias roupas e me encarou.

Observei em volta e nenhuma atenção estava em nós.

— O problema são os outros?

Peter afirmou.

Cheguei mais perto dele e levei a mão ao seu rosto, acariciei sua

bochecha com o polegar.

— Olhe apenas para mim, está bem? Ninguém vai julgar você aqui,

Peter, sequer estão vendo nós dois. Mas, se quiser, podemos ir embora, não

quero passar o nosso encontro inteiro causando desconforto em você.

Eu não gostava de festas igualmente, em especial por conta do som

alto, barulhos me remetiam ao caos que vivi na infância, portanto, os

evitava sempre que possível. Mas com Peter era como se qualquer ruído se

reduzisse, porque meu foco ficava inteiramente nele.

— Não vamos embora. — Peter engoliu em seco e apoiou uma das

mãos na minha cintura. — Somos invisíveis aqui, não somos?


— Sim... somos.

Ele sorriu e balançou, timidamente, o corpo ao ritmo lento e sensual da

melodia que tocava ao fundo. Coloquei a mão em seu quadril e o puxei

mais para perto, permitindo que nossos peitorais roçassem durante a dança.

Os movimentos dele estavam cada vez mais soltos e eu igualmente em

sintonia. Na minha cabeça, não havia mais ninguém ali.

Peter levou a mão à minha máscara e encarou meus olhos por detrás

dela.

— Masked... eu queria poder te beijar.

— O quanto quer?

Ele se apoiou em mim.

— Muito.

Puxei da jaqueta o lenço que havia usado para entrar na festa.

— Guarde os óculos.

Peter retirou os óculos, os colocou em seu bolso com cuidado e abaixou

as pálpebras. Dobrei o pano, o levei até seus olhos e amarrei atrás da

cabeça, vendando-o.

Ergui a minha máscara e encarei seus lábios avermelhados entreabertos.

Senti o coração bater mais forte e a respiração ofegar, aos poucos me

aproximei mais dele, sem pressa, para aproveitar cada segundo.

Nossas bocas se encostaram e pude sentir a maciez de seu lábio e o ar

quente e mentolado sair com intervalos cada vez mais curtos. Nos beijamos.

Minha pulsação aumentou e pude sentir a pele quente conforme o roçar

de sua língua na minha. Deixei que minha mão deslizasse por sua cintura

mais para baixo e agarrei em sua bunda.

Peter arfou entre o beijo e colocou a mão na minha nuca, apertando-a.

Conforme as nossas virilhas se esfregavam, eu me sentia latejar, e notei

o quão excitado ele também estava. Os dedos de Peter exploraram meu

pescoço e vieram ao meu peito, então desceram, percorrendo todo meu

abdômen até chegar à minha ereção.

Discretamente ele me apalpou, o que me fez prender o lábio entre os

dentes.

— Vamos para o banheiro? — ele perguntou, com a voz baixa, contida

e trêmula.

— Podemos ir para um lugar ainda melhor aqui. Eu te guio. — Abaixei

a máscara e peguei em sua mão para levá-lo até os fundos da festa, onde

havia uma redroom, o melhor lugar para os exibicionistas.


A sala era depois das caixas de som, atrás de uma porta preta com a

placa vermelha, ao abri-la me deparei com o espaço. Era um salão grande,

onde haviam espalhados alguns apoios para o corpo e correntes de

suspensão, a música ali era distante, dando espaço aos gemidos baixos dos

que trocavam prazer em meio à pouca censura da intensa luz avermelhada.

— Estamos seguros aqui? — ele questionou.

— Com certeza.

Levei Peter até o meio do salão, bem onde havia uma mesa de apoio e

voltei a beijá-lo.

Nossos corpos se esfregavam com menos sutileza e eu pulsava tanto

que chegava a doer. Peter tateou meu cinto e o desatou, para que

conseguisse invadir a minha calça, logo que senti seus dedos na minha pele,

deixei que um gemido baixo escapasse.

Ele me masturbou lento e intenso.

— Me faça sufocar... — Ajoelhou-se diante de mim. — Por favor.

Agarrei em seus cabelos e com a outra mão expus minha ereção. Peter

estava com ambas as mãos apoiadas sobre o colo, completamente submisso

ao que eu quisesse fazer. Dei duas batidas com o cacete em seu rosto.

— Abra a boca — ordenei, e assim ele o fez.

Arrastei o pau por sua língua e a sensibilidade do piercing me fez

estremecer.

— Chupa. — Entremeio ainda mais as mãos em seus fios, puxando-os.

Os lábios de Peter se fecharam ao meu redor e ele usava bem a língua

para me estimular. Mexi os quadris devagar para foder sua boca, primeiro

ele se engasgou, depois, deixou que eu fosse cada vez mais fundo.

Inclinei a cabeça para trás e pressionei seu rosto contra meu pau a fim

de senti-lo bater em sua garganta, engoli-lo por inteiro.

Peter abriu sua calça e começou a se masturbar enquanto me chupava.

Caralho.

As vibrações de seus gemidos contidos me faziam ferver de tesão.

Comecei a suar, e em um dos movimentos puxei a cabeça dele para perto e

a deixei colada contra minha virilha, sufocando-o.

Soltei-o apenas quando ele começou a se tornar inquieto, afastou a boca

deixando que um fio de saliva escorresse, tossiu com o engasgo e depois

sorriu.

— Me dê sua mão — falei, estendendo os dedos para ele.


Ajudei-o a se levantar e o guiei até a mesa que havia de apoio, coloquei

seu corpo de costas para mim e assim que ele sentiu a madeira contra o

abdômen, ajeitou-se sobre ela e desencostou os calcanhares do chão,

tomando uma pose empinada.

Terminei de tirar suas calças e deixei que minha mão recaísse sobre sua

bunda, num estalo. O tapa foi tão forte que ficou a marca dos meus dedos,

então dei outro e mais outro, depois me agachei atrás dele, afastei suas

nádegas e dei uma lambida até o períneo.

Ele estremeceu.

Passei minha língua em sua entrada e o senti contrair com o estímulo.

Continuei a chupá-lo ali, enquanto Peter usava uma das mãos para se tocar.

Dei duas cuspidas e coloquei dois dedos devagar a fim de que ele se

preparasse para mim. Me levantei e me coloquei atrás dele, rocei apenas a

cabeça, ansiando para comê-lo.

Observei em volta e notei que recebemos alguns olhares, uns eram

discretos em encarar, outros, nem tanto, os voyeurs se mantiveram bem

atentos em cada movimento nosso.

Invadi Peter devagar e ouvi seu gemido menos tímido. Apoiei ambas as

mãos em sua cintura e comecei a fodê-lo, deixando que o som do choque

entre os nossos quadris fosse escutado. Eu estava com tanto tesão, que tive

que me conter para não terminar antes.

Me afastei para virar Pete de frente para mim e o peguei no colo a fim

de deitá-lo em cima da mesa. Ele segurou as pernas e dobrou os joelhos

para que eu entrasse, voltei a penetrá-lo com mais força.

Debrucei meu corpo sobre o dele para beijá-lo enquanto intensificava

as estocadas, e seus gemidos não o permitiram movimentar a língua.

Comecei a masturbá-lo enquanto o fodia, notei suas pernas estremecerem e

a coluna desapoiar discretamente da madeira.

Peter chegou ao seu ápice, com os respingos sobre a barriga. Retomei o

beijo e ele envolveu minha cintura com as pernas, me prendendo nele,

como se quisesse me impedir de escapar.

Senti a respiração ainda mais intensa e os músculos espasmaram.

Não vou aguentar mais.

Peter não permitiu que eu me afastasse, ele implorava por mais e mais

de mim. Cheguei ao meu clímax e o ouvi gemer baixo ao sentir a minha

porra dentro.


Afrouxou as pernas ao redor da minha cintura ao ter o que queria.

Encostei meu peito no dele e deixei que nossos lábios se tocassem mais

uma vez, seguido por um sorriso depois do beijo.

— Vamos embora? — ele pediu.

Ri baixo.

— Vamos, vamos sim.

Nós vestimos nossas roupas, abaixei a máscara e removi a venda de

seus olhos assim que saímos da redroom. Andamos pela festa de mãos

dadas e com os passos apressados para irmos embora o quanto antes.

Assim que saímos da festa, avistei Harry, que estava na entrada da

balada com dois caras, a blusa era outra, não mais a molhada com água de

vaso sanitário, mas o inchaço na testa permaneceu. Ele arregalou os olhos

para Peter assim que o viu e me encarou.

— Oi, Harry. — Pete apertou mais meus dedos. — O... o que houve

com seu rosto?

O babaca de Wall Street demorou um tempo longo até demais para

responder, provavelmente pensando se deveria mesmo cumprimentá-lo ou

não, então a voz saiu baixa.

— Oi, Peter. Eu... meio que escorreguei no banheiro. — Coçou a

cabeça. — Bom te ver.

Harry voltou a dar atenção aos dois homens que estavam com ele, sem

muita brecha para assuntos com o meu homem. Peter seguiu caminho ao

meu lado com as sobrancelhas franzidas, cabeça baixa e olhar distante.

— Você conhece ele? — perguntei.

— Ah, é o meu vizinho. — Ergueu o rosto.

— Esse cara fez algo com você? Esse encontro pareceu meio-estranho.

— Não, não ... — Balançou a cabeça e me encarou. — Não aconteceu

nada. Ele só deve ter estranhado em me ver numa festa. Só isso — voltou a

olhar para o percurso — nada demais.

Quando chegamos no estacionamento, subi na moto e dei duas batidas

na garupa. Peter ficou encarando a Kawasaki com certo receio, até que

subiu atrás de mim, passou os braços ao redor da minha cintura e apertou

firme.

Àquela hora, eram duas da manhã, e apesar da vida noturna do centro,

as ruas estavam mais vazias, os movimentos eram apenas próximos às

baladas e lojas de conveniência.


Não estávamos de capacete, então tentei pilotar devagar, mas ainda

assim foi possível sentir os ventos frescos da noite balançarem os cabelos.

Cheguei rápido na rua em que Peter morava. Logo que parei em frente

à sua casa, ele desembarcou e me encarou com as mãos unidas frente ao

corpo, com a expressão tímida, mas sorridente.

— A gente se fala amanhã?

— Mas é claro. — Coloquei a mão no bolso do casaco e tirei de lá um

papel pequeno e dobrado, entreguei a ele.

Peter arqueou a sobrancelha e ergueu os olhos desconfiados para mim.

— O que é isso?

— É a sua primeira pista, lembra?

Assim que seus dedos começaram a desenrolar o papel, coloquei a mão

sobre a dele para impedi-lo de olhar na hora.

— Não abra agora. Apenas amanhã.

— Certo. — Fechou o punho com o bilhete dentro. — Boa noite,

Masked.

— Boa noite, passarinho.

Ainda olhando para mim, Peter deu dois passos para trás e acenou,

virou as costas e caminhou em direção a entrada de sua casa, contudo antes

de abrir a porta me encarou pela última vez naquela noite. Somente ao vê-lo

entrar que acelerei a moto de volta para casa.


Abri os olhos com um certo desânimo, coloquei as mãos sobre a

barriga, inspirei profundamente e soltei o ar devagar enquanto observava o

teto branco, que nos cantos haviam algumas teias de aranha e poucas

manchas do tempo. Não queria ir trabalhar.

Minha mente divagou sobre o que aconteceu na noite anterior, como

Masked conseguiu me tranquilizar em um ambiente fora da minha zona de

conforto, que, por algumas horas, não me importei com quem estava ao

meu redor, não me tornei ansioso, porque mesmo que eu escutasse a

presença alheia, a minha atenção estava inteiramente para ele.

Foi a primeira vez que nos beijamos, que enfim pude sentir seus

lábios... e notar algo neles. O mascarado possuía uma cicatriz, que pegava

tanto parte de seu lábio superior quanto o inferior de um lado da boca.

Aquilo me deixou reflexivo, cogitei que talvez ele não mostrasse o rosto,

não somente pelo fetiche ou para fazer mistério, mas sim por conta da

marca que possuía em sua face.

Tomei coragem de me levantar e sentei na cama, olhei para o bilhete

que me foi entregue na noite passada, dobrado sobre o móvel que apoiava o

abajur. Desenrolei o papel, nele estava escrito a primeira pista: “Você me vê

quase todos os dias.”. Somente. Ergui o canto do lábio, guardei na

gavetinha e deixei a cama.

Todos os dias que precisava ir para aquele inferno em forma de

empresa, era como se um peso se fincasse em meus ombros, como se minha

noção de tempo se alterasse e a realidade fosse outra. Eu detestava aquele


lugar, toda vez que passava por aquelas portas na saída, desejava que não

precisasse voltar nunca mais.

Felizmente parte dos meus problemas foram resolvidos devido a grana

suja que recebi de Masked Guy, porém, com muito pesar, eu ainda tinha um

contrato a cumprir.

A sala estava menos bagunçada, mas continuava com algumas coisas

jogadas em seus cantos. Olhei de lado para Vi e fui alimentá-la, daquela

vez, em silêncio, não tinha muitas coisas para contar, já que conversava

com Masked todas as noites.

Quando encostei no pote de ração para peixe, o vidrinho caiu e rolou

para o meio do móvel, bem para a parte que ficava os vasos de decoração, e

então, quando fui pegá-lo, notei um pontinho escuro com uma esfera de

vidro entre a decoração. Tão bem escondido, que se a ração não tivesse

caído, jamais teria notado.

Senti as extremidades do corpo gelarem no mesmo momento em que o

coração bateu mais forte, meus lábios se entreabriram e a respiração

encurtou. Fiquei catatônico, por mais que eu quisesse me mover, meus

músculos não seguiam os comandos.

Masked Guy não é apenas um fetichista.

— Uma câmera?

Ele é louco e obcecado.

Suspirei e pisquei algumas vezes. Quando meu corpo saiu do estado de

choque, peguei o pote de ração, o abri e alimentei Vi, deixei a câmera e os

vasos no exato lugar, como se nunca tivesse visto nada de diferente e fui

tomar banho para me arrumar.

Eu andava em uma corda bamba, a minha mente estava tão perturbada

com a rotina insalubre da qual vivi por tanto tempo, que me colocar na mira

de um psicótico que me enxergava como uma presa a ser capturada parecia

uma boa ideia, uma benção.

Cada dia mais me envolvia com o homem que sequer vi o rosto, um

criminoso, potencialmente perigoso, que poderia contar mentiras tão bem

arquitetadas, que acreditaria em todas elas. Mas eu estava disposto, corria o

risco e pretendia continuar. Masked Guy era um vilão para o mundo, mas

para mim, um herói.

Apesar da adrenalina da nossa relação manter minha mente desperta,

aquela emoção já não era mais o bastante para mim, porque a cada


conversa, cada ação de cuidado... meu coração se incendiava e eu sentia as

malditas borboletas no estômago.

Estava me apaixonando por ele.

Por ter dinheiro nos últimos dias, consegui comprar mais comida para

casa, e tomei café da manhã tantas vezes na lanchonete de gatinho, que

enjoei. Naquele dia preferi não passar lá, fiz meu próprio café e comi um

waffle antes de sair de casa.

Estava dentro do horário, coloquei os fones no ouvido e caminhei sem

pressa em direção ao ponto de ônibus com as mãos nos bolsos. Minha

palma formigava para enviar uma mensagem a Masked, não para questionar

sobre a câmera, mas para ao menos dar um ‘’bom dia’’, porém acreditava

que ele era ocupado demais para que eu ficasse importunando.

E numa transmissão de pensamento meu celular vibrou e ao olhar a

notificação era ele.

Não mais um número desconhecido.

[Masked Guy]: Bom dia. O que achou da primeira pista?

O canto do meu lábio subiu ao ver a mensagem. Voltei a prestar atenção

no caminho e assim que embarquei no ônibus, andei no corredor

observando cada rosto ali presente e então tomei meu lugar nos fundos,

próximo a janela.

Semanas antes eu estaria empolgado com a pista, porém àquela altura

havia me cansado de bancar o detetive, queria Masked ao meu lado, algo

que fosse além dos jogos.

[Você]: Bom dia. A pista é boa, acho que tenho uma ideia de quem

você seja... Dormiu bem?

[Masked Guy]: Vamos ver se você descobre. Dormi sim, e você?

Como está hoje?

[Você]: A noite foi boa, mas hoje estou com o desânimo de sempre.

Não queria ir para a Dermaceuticals, odeio essa empresa, meu sonho é

não pisar lá nunca mais.

[Masked Guy]: Posso ver um jeito de resolver isso.

[Você]: Obrigado, mas não tem como. O contrato envolve tantas

coisas.

[Masked Guy]: Sempre há uma maneira. Quer jogar League of

Legends hoje ou assistir mais um filme de terror online?

Olhei para a tela por alguns segundos, cheguei a digitar um “queria te

encontrar de novo hoje...”, mas meus dedos travaram, não consegui ter


coragem para enviar a mensagem, logo apaguei.

[Você]: Podemos assistir algo. Vai ser legal.

Afastei minha visão do celular para prestar atenção ao ambiente, estava

próximo do meu ponto. Levantei e puxei o sinal para descer na parada que

ficava antes da empresa, assim que desembarquei olhei a hora, estava

adiantado.

Nada de Wilhem gritando comigo hoje. Espero.

Quando ia passar pela cafeteria cor de rosa, desacelerei o passo para ver

o movimento por detrás da vidraçaria, estava cheio, principalmente de

homens de terno e gravata. Agradeci mentalmente por não ter ido lá naquele

dia.

Assim que cheguei em frente aquele prédio colossal e espelhado,

inspirei profundamente e soltei o ar devagar. Meu estômago sempre

queimava quando tinha que entrar ali, a cada degrau que eu subia,

suspirava.

Mais um dia aqui, menos um dia no contrato.

Passei pela catraca e peguei o elevador até o meu andar. A maioria dos

cubículos ainda estava vazio, faltavam dez minutos para o expediente se

iniciar, e acredito que as pessoas detestavam tanto aquele lugar, assim como

eu, que não queriam gastar um minuto a mais ali. Entravam na hora certa e

saíam no exato segundo do fim de expediente.

Com calma coloquei meus pertences na minha mesa e sentei de frente

para o computador com a tela desligada, só pretendia iniciá-lo quando desse

a minha hora.

Conforme o passe do ponteiro do relógio preso à parede branca do

setor, aos poucos os corredores eram preenchidos, e então, assim que o sinal

tocou indicando o começo do expediente, liguei a tela.

Às nove em ponto, Wilhem olhou por cima da divisória dos cubículos

para ver se eu estava presente. Aquilo era pessoal, aquele maldito me

escolheu como sua vítima, não sabia o porquê, já que eu era um bom

funcionário. Sempre resolvia os problemas, nunca faltava e sempre acatava

os pedidos alheios.

Durante todo o expediente dissociei do meu corpo, mantive a mente

longe do ambiente, enquanto apenas meus dedos trabalhavam e os códigos

saíam quase que automáticos, eu só queria ir para casa.

Quando faltava pouco tempo para acabar, prestei atenção a algo que eu

não havia notado antes. Carter, aquele inútil puxa-saco, não estava presente


no cubículo ao lado.

Aquilo era estranho, porque ele, apesar de imprestável, também não

faltava.

E com apenas dez minutos para o fim, a notícia veio em alto e bom som

da boca grande e fedorenta de Wilhem, que parou no meio do corredor do

setor para anunciar:

— Quero apresentar a vocês o nosso mais novo supervisor, Carter

Elordi!

Esse filho da puta foi promovido?

E numa desagradável surpresa, Carter abriu a portinha que havia ao

lado do corredor e saiu dela com o crachá pendurado, peitoral inflado e seu

sorriso malicioso nos lábios. Os outros funcionários aplaudiram, apesar da

expressão de desgosto, e eu estava tão perplexo, que nem mesmo consegui

fingir.

Poderia apostar que ninguém presente seria capaz de explicar como

aquele cara foi parar ali.

Mas, eu tinha a explicação: Carter Elordi não ganhou uma promoção

por mérito, ele ganhou por lamber as bolas de Wilhem e de outros

superiores. O inútil que se apoiava no meu trabalho durante todos esses

meses iria receber um salário maior, mais dias de folga e outros benefícios

às minhas custas. Era eu quem deveria estar naquela posição.

Senti a respiração fora de ritmo, as mãos estremeciam e o coração batia

tão forte que chegava a doer, eu estava quente e com os músculos rígidos, a

cada passo de Carter pelo corredor para receber as felicitações ao lado do

gerente, meu punho se fechava cada vez mais.

Ao chegar ao lado da minha mesa, os cantos de seus lábios se esticaram

tanto, que o sorriso maldoso se assemelhava ao gato de Alice no país das

maravilhas. Ele queria me provocar, eu sabia disso.

Tentei engolir a saliva antes das felicitações, mas a boca estava

extremamente seca.

— Parabéns, Carter — falei.

— Obrigado, Peter. — Colocou a mão sobre o meu ombro, o que me

fez apertar bem o punho. — Continue se esforçando que em breve você vai

conseguir uma promoção também... é um bom funcionário.

E naquele momento, eu dei um soco no meio do rosto dele.

Tudo bem, vou ser honesto com vocês, essa última coisa não aconteceu.

Mas eu queria que tivesse rolado, ele merecia.


— Fico feliz por você. — Olhei para Wilhem, que se apoiava em

Carter. — Já que o Elordi foi promovido, quem vai dividir as tarefas da área

comigo agora?

O gerente arqueou as sobrancelhas como se eu tivesse acabado de

perguntar um absurdo.

— Como assim? A partir de agora você vai lidar com as tarefas

sozinho.

Carter riu baixo e se afastou.

— O quê?! Por que eu vou fazer tudo sozinho? Isso é muita coisa pra

um só programador! — Sem querer aumentei o tom de voz e a minha

tremedeira saiu até mesmo no timbre.

— Precisamos fazer uma contenção de gastos e sei que você é muito

bom no que faz, Peter. — Wilhem deu duas batidinhas em meu ombro. —

Vai saber lidar com isso sozinho.

Ele deu as costas para mim e foi em direção a saída sem acrescentar

mais nada, era aquilo e ponto. Fechei os olhos e inflei os pulmões, meu

corpo por inteiro estremecia e eu não me aguentei em dar um soco sobre a

mesa.

Soltei o ar ofegante, eu bufava de ódio e os olhos ardiam em resposta

ao sentimento que ficou tão grande, que estava prestes a transbordar.

Porém, ainda que o setor estivesse se esvaziado com o horário de saída, eu

não queria que ninguém ali presente me visse chorar.

Guardei as minhas coisas, levantei da cadeira e andei com o rosto

rígido, tentando manter a expressão de paisagem até conseguir abrir a porta

do banheiro e entrar em uma das cabines.

O misto de sentimentos era tanto que eu precisava descontar em algo, e

assim que vi o rolo de papel higiênico, comecei a puxar as folhas e rasgar,

deixando diversos picotes pelo chão, bati os pés, coloquei a mão sobre os

lábios e abafei o meu grito.

Então, como um bom perdedor, sentei sobre a tampa do vaso e permiti

que as lágrimas escorressem. Eu chorei, chorei tanto que cheguei a soluçar

e minha cabeça doía por não aguentar mais.

Preciso falar com alguém.

Puxei o celular do bolso e sem checar duas vezes liguei para Masked.

Ele não demorou muito para me atender.

— Pete, Pete o que está acontecendo? O que fizeram com você?! — O

mascarado pareceu desesperado apenas ao ouvir os meus soluços do outro


lado da linha.

— Conversar, eu preciso, fala comigo, por favor...

— O que aconteceu? Quer que eu vá te buscar?

Inspirei profundamente e soltei o ar devagar tentando me acalmar para

que conseguisse formar uma frase direito.

— Pode me encontrar? — Levei a mão aos olhos ardidos sob os óculos

para secar a vista. — Eu tô precisando muito conversar com alguém, não

vou saber como aguentar mais isso...

— Claro, posso... posso sim.

— E pode ser sem a máscara?

— Pete...

— Vou ser sincero com você, Masked... eu, eu estou gostando de você,

muito, e queria que a gente pudesse... não sei, levar adiante, sabe? Mas não

consigo fazer isso sem saber quem você é, sem nunca ter visto o seu rosto.

— Eu também estou gostando de você, Peter. Gostando, não,

apaixonado.

— Então faça isso por mim, por favor...

O ouvi suspirar do outro lado da linha.

— Tudo bem. Quer me encontrar sem a máscara? Vá até a cafeteria de

gato que fica próxima ao seu trabalho e me espere lá, eu irei te ver.

— Certo.

Desliguei.

Quando consegui aliviar o sentimento, respirei devagar, catei os

papeizinhos para jogar no lixo e deixei a cabine. Passei a mão pelo rosto

enquanto andava pelos corredores escuros em direção a saída, tentando

aliviar a vermelhidão.

Assim que saí do prédio, olhei para o céu. Minha pulsação se mantinha

acelerada, mas daquela vez por outro motivo.

Ainda que eu descesse os degraus o mais rápido que podia, era como se

o tempo retardasse, minhas pernas estavam pesadas durante a corrida, a

respiração tão densa quanto o ar da noite e os pensamentos, diferentemente

do corpo, velozes com tanta informação. Foi o momento mais esperado por

mim há semanas.

Passei pela porta da cafeteria e fiquei parado frente à entrada. Poucas

mesas estavam ocupadas, as que haviam pessoas, sequer me deram um

segundo de sua atenção. Ele ainda não estava ali.


Aliviei os pulmões e peguei uma mesa. Direcionei minha visão para o

caixa e a atendente nem ao menos era a mesma que me atendia pelas

manhãs, na verdade, até o público era outro, mais adolescentes e jovens

alternativos.

Meus dedos inquietos batucavam a mesa e as pupilas não paravam de

balançar de um lado para o outro. Puxei o celular e mandei mensagem para

ele.

[Você]: Cadê você? Estou aqui já.

Mordisquei o lábio e a partir daquele momento não eram apenas as

mãos que se tornaram inquietas, meus pés também batiam no chão. Desviei

a atenção da tela para o ambiente e ninguém mais entrou ali.

— Oi! O senhor quer fazer o pedido? — A atendente falou alto para

mim, mantendo um sorriso simpático no rosto.

— Ah, não, não! Eu meio que... estou esperando alguém antes de pedir!

Guardei o celular no bolso esperando que ele me notificasse da resposta

e me mantive atento nas coisas que aconteciam ao meu redor. No cheiro do

café recém-moído, os salgados frescos, as fofocas dos adolescentes e

assuntos desinteressantes do casal ao lado que tentava, um impressionar o

outro.

Muitos minutos se passaram e então o desespero bateu. Alternei meus

olhos entre a tela do celular e a cafeteria. Pedi um café para que

permanecesse por mais tempo ali, sem parecer estranho.

E então eu esperei.

Esperei mais.

E a cada minuto o estabelecimento se tornava menos movimentado e o

café esfriava. Até que se tornou completamente vazio e parte das luzes se

apagaram.

— Senhor, preciso que saia, iremos fechar.

Masked não apareceu.


Eu não deveria ter ferido o Pete daquele jeito, tinha que ter passado por

aquela porta, enfrentado meu receio de mostrar o rosto sem a máscara, mas

não consegui, meu corpo travou, meus pés não me permitiram atravessar a

rua.

O mais doloroso para mim foi observar através do vidro a mudança de

expressão em seu rosto a cada minuto que se passava, antes, ele estava com

os olhos bem abertos, agitado, esperançoso... depois, seu corpo aos poucos

se envergou, recolheu os ombros e os cantos dos lábios se voltaram para

baixo. Ele sabia que eu não apareceria.

Eu sempre tive audácia, para tudo, entretanto naquele momento... não

passei de um covarde. Sequer criei coragem de mandar mensagens no dia

seguinte, porque tinha noção de que seria ignorado, e com razão. Em

algumas horas arruinei tudo, mas ele não se livraria de mim, resolveria a

situação, porque éramos destinados a ficar juntos. Peter Reid me pertencia.

Me apoiei sobre o mármore da pia e encarei o espelho, o topo dos

cabelos estavam mais altos e as laterais, que antes estavam raspadas,

também cresceram, as olheiras arroxeadas se tornaram evidentes... e o rosto

visivelmente cansado. Nos últimos dias os Hunters arrumaram um

problema que tomou uma proporção maior do que deveria.

Mexemos com o bilionário que fez um esquema grande de tráfico

sexual e exploração infantil. E a questão que piorava tudo ainda mais, era


que outras pessoas influentes estavam envolvidas, o que fez com que

Shadow não se sentisse satisfeito apenas em reter e doar a grana, ele expôs

absolutamente tudo.

O caso tomou uma proporção tão estratosférica, que a polícia se

envolveu, alguns famosos morreram misteriosamente por overdose ou

suicídio e o efeito dominó chegou até nós, colocando o grupo fora das

sombras da internet.

Apesar do sentimento de angústia, não podia ter raiva do Shadow por

isso, porque ainda que ele tivesse chutado o balde, aceitar apenas o dinheiro

sujo daquele ricaço para fechar os olhos diante da questão, seria colaborar

com o problema.

Sequei o rosto e esfreguei os cabelos com a toalha para tirar a umidade

antes de vestir as roupas para sair. Iríamos nos reunir na casa do Zero para

conversar sobre o que faríamos, porque a linha se estreitava cada vez mais,

e com a inteligência da polícia na nossa cola, as barreiras para chegarem até

nós eram quebradas com uma velocidade cada vez maior.

Coloquei uma blusa branca por debaixo da jaqueta preta, calças escuras

e coturno, quando fui pegar o pano para amarrar no rosto a fim de cobrir a

cicatriz, parei por alguns instantes. Levei os dedos à marca sobre meus

lábios, muitas vezes eu me questionava quando iria superar, passaram-se

mais de treze anos desde o ocorrido, mas algumas cicatrizes marcam a

alma.

Não havia um dia que não recordasse da noite em que ganhei o corte no

rosto, todas as vezes que me olhava no espelho as memórias vinham à tona.

Foi a noite em que fui embora, a mesma que abri mão da minha mãe.

Ela e o namorado estavam bebendo na sala, criando algazarra, quando

voltei das entregas, e eu pretendia subir para o meu quarto e trancar a porta

a fim de evitar o barulho, até que ouvi o homem falar sobre alguns

comprimidos que ele trouxe para ela.

O maldito estava mantendo minha mãe viciada para que ficasse

dependente, ou que o corpo se tornasse tão indefeso, que ele se apropriasse

como quisesse. Não podia permitir mais aquilo, não de novo, então reagi.

Tinha apenas quatorze anos quando dei meu primeiro soco em um

homem adulto, que sequer saiu do lugar, ele me empurrou, quebrou a

garrafa de bebida e usou o caco para me ameaçar. Minha mãe pegou o vidro

das mãos dele e eu acreditei que seria para me defender, que pela primeira


vez retribuiria minha proteção, porém quando tentei ir para cima do homem

de novo, tomei um golpe dela no rosto.

As gotas vermelhas e espessas sujaram o tapete, mas o sangue estava

tão quente que eu não senti arder, queimar, nada. Na verdade, sequer

acreditei que aquilo tinha acabado de acontecer. Fiquei parado, sem

conseguir falar ou me afastar diante dos seus gritos mandando que eu fosse

para o quarto.

Ao invés de obedecê-la, saí para o banheiro e a primeira coisa que fiz

ao trancar a porta foi me olhar no espelho. Lembro até hoje da dor

esmagadora que senti ao ver o meu reflexo, os pulmões queimavam com o

sentimento e as lágrimas desceram sem permissão. Eu me entreguei ao

choro, não pela marca em si, mas por quem a fez. Daí vi que aquele

ambiente não era para mim, eu não tinha mais espaço.

Tive que sair, não conseguiria salvá-la. E se tentasse mais, eu quem

morreria.

Antes de deixar o apartamento, fechei as janelas e as cortinas, acendi a

luz do terrário e alimentei a Seraphine, então saí no corredor e desci até a

garagem para subir na moto rumo ao condomínio de casas onde Zero

morava.

De todos nós, Taehyun era o que mais levava uma vida comum fora da

internet. Morava com a mãe em uma casa simples de dois andares em um

bairro tranquilo, saía todas as sextas-feiras para festas, ia em encontros e

mentia para a mãe dizendo que sua renda vinha do trabalho em home office

que ele conseguiu pelo LinkedIn. Ela não questionava, obviamente, afinal, a

grana era boa... e Zero tomava todo cuidado para não ostentar de forma que

parecesse suspeita.

Não morávamos tão distantes, assim como o meu, o bairro de Tae era

afastado do centro de Manhattan. Durante a viagem, fiquei atento no celular

a fim de perceber se receberia alguma mensagem, e a cada vibração eu me

sentia ansioso para saber de quem era.

Esperei parar em um sinal fechado para olhar as notificações e todas

eram apenas dos Hunters, nada de Peter, nem mesmo um texto agressivo

dizendo que não queria me ver mais ou uma exigência de justificativas, era

o mais profundo silêncio.

Abri o aplicativo que mostrava a imagem das câmeras que instalei em

sua casa, era final de semana e ele estava deitado de lado no sofá assistindo

algo que passava em sua televisão, com a pura expressão de tédio.


Ao ouvir uma buzinada, que me alertou do sinal aberto, guardei o

celular e segui caminho. Assim que cheguei em frente à casa de Zero, notei

que o Porsche de Monster estava ali, assim como a moto de Shadow.

Fui o último a chegar. Parei a minha Kawasaki próxima da moto de

Zack, retirei o capacete e caminhei pelo pequeno jardim de flores amarelas

que havia ao lado do portão de garagem, em direção a entrada daquela casa

branca de janelas largas.

Toquei a campainha e mesmo do lado de fora ouvi uma falação.

Ninguém me atendeu, então apertei firme no botão, apitando sem parar até

escutar um grito de “estou indo!” que foi bem grave e apressado.

Não demorou muito, fui recepcionado pelo anfitrião. Zero estava de

bermuda preta, descalço e sem camisa... eu achei uma péssima escolha ele

optar por deixar o tronco à mostra, já que seus ombros estavam com

mordidas e próximo dos mamilos haviam alguns chupões. Não consegui

deixar de reparar.

— Shadow quem fez isso?

Tae riu.

— Cala a boca e entra logo, você tá atrasado. — Ele se afastou da

porta, me dando passagem.

Entrei olhando para os cantos da casa e arqueei a sobrancelha ao ouvir

Logan falando alto sobre a corrida da noite passada e como conseguiu

despistar a polícia depois do racha.

— Sua mãe não está em casa? — perguntei.

Zero ergueu os ombros e os cantos de seus lábios se repuxaram para

baixo.

— Não, ela saiu pra um evento da igreja, mas ao menos deixou alguns

sanduíches prontos.

A decoração da casa de Taehyun era tão simples quanto o exterior, as

paredes eram claras, os pisos de madeira escura e os móveis eram poucos,

as cores combinavam com o chão e seguia uma estética mais minimalista,

exceto as paredes que se enfeitavam com diversos retratos de Tae quando

criança, dele com sua mãe e algumas fotos em família, principalmente com

os avós.

Ao chegar na sala, encontrei com Monster sentado de pernas abertas na

poltrona bege gesticulando exageradamente enquanto contava da sua insana

noite e Shadow de costas para mim no sofá, ouvindo atentamente, ou quase

isso... petiscando os pequenos sanduíches que estavam na mesa à frente.


Quando Logan desviou sua atenção para mim, Zack virou o rosto de

lado para me ver, arqueou as sobrancelhas e entreabriu os lábios por

segundos antes de falar.

— Demorou muito, sendo que você mora aqui do lado!

— É porque eu não dormi aqui que nem você, Shadow — falei, seguido

por um sorriso e recebi um dedo do meio erguido como resposta.

Me joguei no sofá ao lado dele e Zero sentou na outra poltrona,

próxima de Monster e de frente para nós.

— Não acham melhor irmos para um local mais reservado pra

conversar sobre isso? — Shadow levantou ambas as sobrancelhas e rondou

os olhos pelos cantos da casa. Abaixou ainda mais o tom de voz. — Talvez

no porão, quarto ou escritório?

Zero revirou os olhos e soltou o ar devagar.

— Relaxa, ninguém vai ouvir a gente, o condomínio fica mais vazio

aos finais de semana e se falarmos sem gritar, não dá pra escutar nada do

que é conversado aqui dentro.

Zack olhou de canto para mim.

Ergui os ombros.

— Acho que não é para tanto, podemos conversar aqui, só que um

pouco mais baixo.

— É, Shadow, relaxa — Monster reafirmou.

— Tudo bem, a questão é a seguinte... — Zack colocou seu celular

sobre a mesa, onde haviam algumas fotos de pessoas em formato de

mosaico. — Precisamos parar as ações por um tempo, isso porque a

inteligência da polícia está a ponto de conseguir rastrear os nossos IP’s,

além disso, estamos também sendo procurados por uma equipe contratada

por Spencer.

— O cara pode fazer isso estando na cadeia? — Zero levantou a

sobrancelha.

— Spencer é um bilionário, quase tudo ele pode fazer. — Cruzei os

braços. — Esse é o maior problema.

— A gente tá fodido... — comentou Logan.

— Mas eu sei uma forma de conseguirmos retomar a ativa e criar novas

barreiras virtuais que protejam as nossas identidades, só preciso de um

pouco mais de tempo.

— Tipo, quanto tempo, Shadow? — perguntei.

— Uns três dias, talvez uma semana no máximo.


Ouvi a respiração de alívio de Monster e Zero. E apesar de não ter

demonstrado, eu também senti como se um peso estivesse saindo das

minhas costas, jamais poderia ficar um tempo longo sem as extorsões,

principalmente depois que me propus a ajudar Peter com o dinheiro.

— Agora, outro ponto que eu queria conversar é o seguinte...

Shadow começou a expor as outras formas para lidarmos com a

investigação e sobre o rumo dos alvos que estavam envolvidos nela,

estarmos nos holofotes não foi algo inesperado por ele, Zachiary sabia

exatamente o que estava fazendo quando revelou a merda toda.

Passamos boa parte da tarde refazendo estratégias, porém no meio do

assunto comecei a divagar. Meus pensamentos se alternavam entre o

presente, do que estava acontecendo, e na noite anterior, em que falhei com

Peter.

Olhei algumas vezes discretamente para o celular a fim de ver se teria

alguma notificação dele, porém não havia nada e quando abria as imagens

das câmeras de sua casa, ele continuava zanzando por ela, indo do sofá para

a sala e da sala para a cama.

— Dean... tá tudo bem? — Zack perguntou, bem no momento em que

eu estava com a cabeça baixa para o lado espiando a tela.

Levantei o rosto rapidamente num susto e arregalei os olhos.

— Tá, está sim.

— Não, tá não. — Monster cruzou os braços. — Está estampado nos

seus olhos a preocupação... você é mais expressivo do que pensa. O que tá

pegando? É o nerdinho?

— IIIh, tá apaixonadinho!— Zero falou alto.

Fiquei em silêncio, até que Shadow me deu uma cotovelada de leve na

costela.

— Fala logo o que teu passarinho fez.

Soltei o ar devagar e encostei o pescoço no apoio do sofá.

— Na verdade eu quem fiz merda. Peter está apaixonado por mim e eu

por ele, só que... ele não quer levar adiante a relação enquanto mantiver

meu rosto escondido.

— Porra, mais do que justo, né? Como que se namora com alguém que

você nunca viu a cara? — Tae questionou.

— É, ele está certo sobre isso, mas... a questão é que combinei de vê-lo

ontem na cafeteria em que trabalho, afirmando que revelaria a minha


identidade. Só que tive medo. Não consegui ir falar com ele. — Abaixei o

rosto e encarei os três.

Logan foi o mais expressivo deles, entreabriu os lábios e seus olhos

estavam tão saltados que foi como se estivessem prestes a cair do rosto.

— Puta merda, você deu um bolo nele?!

— Sim. Eu não apareci.

— Não vou conseguir te defender nessa, Dean. — Zack encostou no

sofá e colocou os dois braços sobre os apoios. — O que te deu medo?

— Tenho receio de que Peter tenha expectativas frustradas sobre mim

quando descobrir a minha identidade, ele conhece o Masked Guy, não o

Dean Hunter. Além do mais, com certeza vai comentar sobre a cicatriz. —

Respirei audivelmente.

— Sendo sincero, se o Peter realmente está apaixonado por você, não

vai dar para trás ao te conhecer de verdade, e não estou falando só de

aparência, até porque você é bem bonito, mas sim no sentido de que você é

o Masked Guy. Não são duas pessoas diferentes, Dean... ele também tem

um pouco de você. E aposto que enquanto falava com Peter, durante os

momentos que esteve perto dele, deixou transparecer quem estava por

detrás da máscara — Logan disse.

— Concordo. E sobre a cicatriz... ela tem mais a ver com você do que

com ele — Zack reforçou.

Fiquei reflexivo por um momento, aquilo fazia sentido. Peter sabia dos

meus gostos, de algumas das minhas inseguranças e motivações... eu

entreguei, mesmo sem querer, parte de mim para ele.

E Peter não queria apenas uma metade, ele me desejava por inteiro.

— Mas agora não sei o que fazer, arruinei tudo.

— Ele disse o que quando você mandou mensagem no dia seguinte? —

Taehyun questionou.

— Não mandei mensagem.

— Meu Deus, e o que você tá fazendo ainda sentado aqui? Vá atrás

dele! — Logan se levantou da poltrona e apontou para a porta. — Aproveita

que não mandou mensagem pra ir falar pessoalmente.

Arqueei as sobrancelhas e olhei para Zero, que fez bico e então ao dar

atenção ao rosto de Shadow, ele franziu a testa, ergueu os ombros e disse:

— Sai logo daqui.

— É, vou fazer isso. — Deixei o sofá e me afastei até a porta. Olhei-os

pela última vez, que estavam atentos em mim. — A gente se fala depois.


— Vá reconquistar o seu homem! — Zero gritou.

Uma risada baixa escapou de mim antes do adeus.

Saí da casa com certa pressa, os passos estavam tão acelerados quanto

as minhas batidas. Montei na moto, coloquei o capacete e parti em direção

ao Peter. O ponteiro do velocímetro não parava de trepidar, quase que se

equiparando ao ritmo do ar que saía e entrava em meus pulmões. A emoção

de ansiedade se misturava ao medo.

Não sabia o que esperar e não pretendia pensar mais sobre para não

falhar de novo.

Quando deixei o bairro de Zero o sol ainda estava presente, mas

conforme eu me aproximava do destino o céu alaranjado aos poucos se

escureceu e quando cheguei na rua de Peter, já estava noite.

Harry, que estava do lado de fora pegando suas encomendas na

caixinha de correios, deu as costas e uma breve corrida para a garagem

quando me viu estacionar a moto bem em frente à casa ao lado.

Retirei o capacete e o deixei pendurado no guidão, ajeitei a jaqueta,

respirei fundo e atravessei o gramado, subi os degraus e bati em sua porta.

Primeiro, dei apenas um toque, que pareceu não ter sido ouvido, então bati

mais três vezes e esperei.

Demorou tanto que acreditei que ele sabia que era eu, ou que talvez

estava fingindo que não havia ninguém em casa só para não ter nenhuma

importunação, mas Peter atendeu.

Seus olhos estavam arregalados e brilhantes, os lábios se mantiveram

afastados após puxar o ar e as sobrancelhas se franziram ao se deparar

comigo.

— Meu nome é Dean... Dean Hunter.

Sem dizer uma palavra, Peter deu dois passos para trás, permitindo que

eu entrasse, enquanto ainda mantinha o olhar incrédulo sobre mim. Fechei a

porta e encarei suas íris claras, que aos poucos se alagavam com lágrimas

que ele não deixou serem derramadas.

— Eu sou um hacker extorsionário, mas durante as manhãs trabalho em

um gato-café. Um emprego de meio-período que arrumei apenas para tentar

me aproximar do cara de blusa branca e gravata vermelha que aparece lá

quase todas as manhãs... — Senti um aperto no peito e a visão marejada. —

Mas que nunca olhou no meu rosto por estar sempre com pressa ou

aprisionado dentro da própria cabeça.


— Por quê?... Por que você não apareceu ontem? — Aproximou-se de

mim. — Eu esperei a noite toda e...

— Porque não queria que se afastasse ao descobrir quem é a pessoa por

trás de Masked Guy. — Levei as mãos para a posterior da cabeça, meus

dedos tremulavam enquanto desatava o nó do tecido que cobria parte do

meu rosto. Ao deixá-lo cair, Peter direcionou os olhos para a cicatriz. — Por

favor, não pergunte sobre isso.

Ele deu mais dois passos para perto.

— Eu não vou.

Ergueu os calcanhares do chão e inclinou o rosto. Com sutileza

encostou seus lábios na minha marca. Eu não queria demonstrar fragilidade,

gostava de parecer sempre forte para protegê-lo, contudo naquele momento,

apenas com um beijo, Peter Reid me desarmou e me permitiu derramar uma

lágrima.

Fui abraçado, seu rosto encostou em meu peito e eu o envolvi em meus

braços.

Em silêncio, me senti acolhido.

Peter levantou o rosto para me beijar e ao tocar meus lábios nos dele, o

coração voltou a bater mais forte.

— Como ficaremos agora? — ele perguntou, alternando sua atenção

entre meus olhos e a boca.

— Você tem ambas as partes de mim, ficaremos da forma que quiser.

— Abri um sorriso lento e Peter expressou o mesmo.

— Então... eu posso ter um encontro com o Dean Hunter?

Afirmei.

— Terá o que quiser.


Eu conheci a identidade de Masked Guy. Jamais imaginei que fosse o

barista do gato café, do qual nunca reparei por estar sempre desnorteado

com os horários perto da empresa.

Por trás da máscara assustadora e atitudes moralmente questionáveis

havia Dean Hunter, um homem gentil, carinhoso e romântico, que apesar de

tentar esconder suas fragilidades, demonstrou ser alguém vulnerável, o que

o tornou ainda mais interessante para mim.

Na noite em que Dean me mostrou sua face, ficamos por um tempo

conversando cara a cara, eu estava curioso, queria saber mais dele, porém,

algumas coisas me foram poupadas, como o seu passado e, principalmente,

sobre os crimes que ele cometia. Fora isso, Dean não possuía ensino

superior, era um homem de poucos amigos, que tinha uma cobra de

estimação e, como hobbies, malhar e jogar League of Legends.

Inclusive, eu já falei pra vocês que ele é melhor que eu no LoL?

E naquele final de semana sairíamos pela primeira vez em um encontro.

Não fazia ideia do que ele planejava, mas prometeu que seria legal.

Meu coração batia forte, a mente estava acelerada e eu sentia um frio na

barriga. Vesti diversas combinações de roupas várias e várias vezes,

nenhuma parecia estar boa, na verdade, não sabia o que vestir. Já que não

tinha noção de para onde iríamos, deveria estar pronto para tudo.

Eram 15:30h quando a notificação chegou ao meu celular, e eu ainda

estava apenas de cueca preta observando o amontoado de roupas emboladas


sobre a cama. Levei o polegar entre os dentes e apoiei a outra mão na

cintura. Estava a ponto de cancelar tudo.

O celular vibrou novamente com outra mensagem. Caminhei até a

bancada onde ele estava apoiado e toquei na tela.

[Masked Guy]: Já tá pronto? Estamos quase na hora.

Há quinze minutos.

[Masked Guy]: Estou indo aí te buscar.

Entrei em pânico.

— Meu Deus, eu já estou estragando tudo! — Peguei uma blusa de

meia manga canelada e cinza e calças jeans. Não era lá aquelas coisas, mas

achei que deveria servir, só esperava que Masked não me levasse para

nenhum lugar de luxo vestido daquele jeito.

Calcei os tênis, guardei nos bolsos o celular, carteira e fui até a sala

verificar se estava tudo fechado. Olhei de canto para Vi, que já estava

alimentada e feliz em seu aquário, nadando de um canto para o outro.

— Eu tô muito nervoso, Vi. Vai ser a primeira vez que vou sair com ele.

Se Dean me levar para algum lugar chique vou querer vir embora, já que

com certeza vão me julgar por estar vestido assim... — Olhei para as

minhas próprias vestimentas e soltei um suspiro longo.

A relação que construí com Dean me deixava num limite perigoso da

sanidade. Ao mesmo tempo em que me apeguei a ele por vê-lo como uma

fuga da rotina, a quebra no looping, também era algo que, se desse errado,

me levaria ao declínio numa velocidade maior que antes.

Creio que meus pais também notaram que eu andava melhor, não só por

conseguir enviar mais grana, mas porque tinha outras novidades para contar

pra minha mãe. Eu não apenas mentia que fiz amizades, contava

experiências. A saída para a festa, as noites de filmes de terror, as risadas

nos jogos online... tudo com ele, Masked Guy.

Ouvi as buzinas na parte da frente de casa e então corri para a janela e

abri uma pequena brecha nas cortinas para espiar. Dean estava com sua

moto estacionada na minha calçada, com um capacete sobre a cabeça e

outro apoiado no guidão. A roupa era diferente do usual, calças de

alfaiataria preta com cinto, blusa branca lisa por dentro da calça e um colar

de prata discreto.

— Merda, ele parece social demais... — Soltei o ar audivelmente.

Olhei para trás cogitando em trocar de roupa, até que ele buzinou de

novo e de novo, chamando a minha atenção e pegou no celular. Naquele


momento, fechei as cortinas e me afastei da janela, daí veio a notificação.

[Masked Guy]: Te darei 30 segundos para sair.

Inflei o peitoral e prendi a respiração por alguns segundos, expirei,

balancei os ombros e saí. Do lado de fora, acenei para ele, com o cotovelo

junto ao corpo e franzi as sobrancelhas, tentando forçar um sorriso.

Desci os degraus e me aproximei, Dean estendeu a mão com o capacete

para mim.

— O que houve? — ele perguntou.

— É que, sei lá, tô meio nervoso de esse ser o nosso primeiro encontro.

Além disso, eu não gostei muito da roupa que escolhi.

Dean ergueu a viseira de seu capacete e elevou as sobrancelhas

enquanto seus olhos me inspecionaram desde o fio levantado de frizz do

cabelo até a ponta suja do tênis mal lavado.

— Está lindo como sempre. E essa é a sua melhor camisa.

Juntei o cenho.

— Como assim a minha melhor camisa se eu nunca usei ela? — Ri.

Ele apenas ergueu os ombros e inclinou novamente o capacete para que

eu pegasse, sem dizer uma palavra a mais.

Que idiota fui em perguntar isso, a resposta é óbvia.

Coloquei o capacete e subi em sua garupa, envolvi meus braços em sua

cintura e o apertei firme. Assim que a moto deu partida, colei meu rosto nas

costas dele e fechei os olhos durante a viagem.

As principais ruas de Manhattan aos domingos ficavam vazias,

principalmente em fim de tarde. O que fez com que Dean seguisse pelas

vias acelerando sem se preocupar com o trânsito, o que me levou a sentir o

corpo gélido todas as vezes em que ele ultrapassava um sinal vermelho ou

passava rápido por alguma curva sinuosa demais.

Apesar de eu apertar forte seu corpo pelo medo, ao mesmo tempo

gostava da sensação, me sentia vivo com a brisa batendo em meus braços e

o aquecer do sol em minha pele. Estava completamente viciado na

adrenalina.

Conforme nos aproximávamos do destino, a velocidade diminuía, até

que chegamos em frente ao Central Park. Ele estacionou a moto, desceu

dela e me entregou sua mão para que me ajudasse a descer, ainda que não

precisasse.

Ele removeu seu capacete, exibindo o rosto coberto por uma máscara

cirúrgica e me ajudou a tirar o meu também, colocando os dois presos à


moto. Eu não sabia o que ocasionou aquela cicatriz em Dean, prometi não

perguntar, mas pude afirmar que foi algo muito traumático para ele,

principalmente porque a marca em um lado de seus lábios não era algo que

afetasse sua beleza, decerto não era puramente estético.

Assim que passamos pelos portões do parque, senti a ponta de seu

indicador encostando timidamente no meu, não recuei a mão, permiti que

ele a segurasse, entrelaçando os nossos dedos.

O rosto ficou quente e um frio subiu a barriga, direcionei os olhos para

ele que estreitou seu olhar para mim, como se sorrisse sem precisar mostrar

os lábios.

Acho que seus olhos eram o que mais havia de chamativo no rosto dele,

e não estou me referindo ao tom esverdeado, não, mas sim porque Dean

conseguia se expressar perfeitamente com eles, sem requerer uma palavra.

Até hoje me lembro de sua visão compenetrada na minha por detrás da

máscara, quando o encontrei pela primeira vez, e como conseguiu me fazer

sentir intimidado e ameaçado apenas com isso.

Caminhamos de mãos dadas dentre as árvores naquele fim de tarde,

tinham poucas pessoas por ali àquela hora, o que deixava os animais que

moravam no parque ainda mais à vontade para aparecerem, então vi alguns

esquilos perto dos troncos e pássaros voando de um galho para o outro.

Seguimos um longo percurso em silêncio, até que chegamos perto da

Bow Bridge, a ponte que ficava acima do lago artificial do Central Park e

assim que alcançamos o meio da ponte, Dean parou e virou para mim.

— Você não disse nada desde o momento em que chegamos.

— Desculpe. — Abaixei o rosto, mas ele apoiou a mão sob meu queixo

para erguer meu olhar em sua direção.

— Pelo quê?

— Por não dizer nada. É que... eu penso tanto, que na hora de falar as

vezes não consigo escolher bem as palavras. Estou meio nervoso.

— Não tem porque se desculpar por isso, não desgostei, foi apenas um

comentário, passarinho. — Ergui a sobrancelha com o apelido. — Você é

silencioso, e eu aprecio a quietude. É o que me traz paz.

Lentamente um sorriso apareceu em meu rosto.

— Dean... por que me chama de passarinho?

Ele deu uma risada curta e discreta.

— Porque, pra mim, assim como um pássaro na gaiola, você está preso.

Preso em sua casa, ao seu trabalho, e, principalmente, na sua cabeça. E tudo


que precisa é de uma chance de escapar para lembrar que sabe voar.

Entreabri os lábios.

Apesar da analogia que poderia ser aplicada a outros animais, fazia

sentido. Era exatamente assim que eu me sentia na maior parte do tempo.

Preso. Encarcerado pela rotina e refém de um contrato.

— E por que não peixinho? Peixes também estão presos, só que em

aquários.

— Eu gosto mais de pássaros.

Sorri sutilmente e notei seus olhos se estreitarem.

Dean afagou meus cabelos, depois apoiou o cotovelo na borda da ponte

e encostou as costas. Me coloquei ao seu lado para a admirar as águas

esverdeadas do lago. Uma brisa suave e abafada de fim de tarde passou por

nós.

Aquele lugar realmente era bem bonito, e me deixou menos tenso sobre

o encontro.

— Naquele dia em que me ligou... o que aconteceu na empresa? —

Voltou os olhos para mim.

Suspirei, mantendo a atenção nas águas.

— Não foi nada.

— Peter, você não conseguirá mentir pra mim por muito tempo. Eu

consigo saber de cada passo seu.

Movi minhas íris em direção as dele, encarando-o.

— É que não quero que tome uma atitude perante ao que vou dizer,

Dean. — Apertei os dedos e tentei manter minha atenção em seus olhos

para demonstrar firmeza, por mais que a vontade fosse de desviar. — A

atitude que você tomou quando quebrou o carro do Wilhem foi até boa, mas

algo além disso pode me afetar de alguma forma. Então promete que não

vai fazer nada com os envolvidos se eu contar?

Sua sobrancelha subiu.

— Então tem a ver com o Wilhem?

— Não! Quer dizer, sim, mas você me promete que não fará nada? Que

vai apenas me ouvir? Porque às vezes tudo que eu quero é desabafar.

Consegui escutar sua respiração pesada.

— Tudo bem.

— É que eu já estou no meu limite com aquela empresa. No meu setor

eu dividia as tarefas de correção de bugs e modificações na área do cliente

com um outro cara, mas que ele não fazia nada além de empurrar boa parte


do seu trabalho com a barriga e puxar o saco do gerente. Daí, descobri que

foi promovido. — Ergui os ombros e olhei para frente. — Carter vai receber

um salário melhor, mais dias livres... tudo às minhas custas, e ainda ficarei

sozinho com os serviços que eram divididos por dois.

Dean levou a mão à minha nuca e a acariciou, o que fez com que todos

os pelos do meu corpo se erguessem e eu retomasse a atenção para ele.

— Como funciona esse contrato que te prende?

— Ele só serve pra essa unidade da Dermaceuticals, mas basicamente

tenho que cumprir um ano inteiro lá para conseguir sair sem perder os

direitos, sem problemas jurídicos ou ficar manchado para outras empresas,

já que a Derma é bem influente e...— Enquanto eu falava, notei que em um

certo momento Dean parou de me encarar para se ater ao celular.

Me calei, acreditando que ele não estava dando a mínima, até que disse:

— A Dermaceuticals pertence ao grupo de S’kin do bilionário Jeremy

O’Bryan, que engloba o controle de outras seis multinacionais. Por isso os

contratos são tão abusivos e amarram seus servidores até os pés, porque

criou um monopólio que não te permite escapatória. — Seu dedo tocou na

tela.

— É... exato.

— Mas... se o seu contrato vale apenas para aquela unidade... —

Guardou o celular no bolso e voltou os olhos aos meus, estreitando-os. — O

que acontece caso ocorra algo com aquele prédio?

Mordi o lábio inferior, reflexivo.

— O que está sugerindo?

— Nada, apenas querendo saber se você sabe o que acontece.

— Eu... eu não sei o que acontece, não me lembro dessa parte do

contrato.

— Creio que dê para resolvermos isso. — Dean desapoiou as costas da

borda da ponte e estendeu a mão para mim. — Agora vem, está quase na

hora.

Segurei em sua mão, sentindo a palma quente e entrelacei os dedos nos

dele, voltamos a caminhar pelo parque.

— Não preciso que você resolva todos os meus problemas, Dean.

Acredito que já deva ter preocupações demais com o que você faz. Só de ter

alguém para me ouvir já ajuda muito. — Sorri e notei seus olhos brilhantes

se estreitarem com o inflar das bochechas. — Estamos quase na hora de

quê?


— Você vai ver. — Ele colocou a mão livre dentro do bolso.

Andamos juntos pelo gramado do Central Park e paramos no meio para

observar o pôr do sol. Apesar de eu estar vislumbrado com o céu em tons de

roxo e laranja, como se fosse a primeira vez que assistia o deitar do sol,

notei pela visão lateral que Dean prestava mais atenção em mim do que no

espetáculo da natureza.

Pode parecer bobo eu ter me impressionado com algo que acontecia

todos os dias, mas passei tanto tempo preso em casa ou na empesa que

sequer enxergava as mudanças do céu, mal sentia o clima ou conseguia me

ater ao que acontecia ao meu redor.

Assim que saímos do parque, com o cair da noite, percebi que

andávamos até uma rua que era cheia de restaurantes badalados. Senti o

peito se apertar.

— Para onde estamos indo?

— Para o restaurante italiano do chef...

— Dean, não! Não podemos ir em uma lanchonete ou lugar mais

simples? Eu te disse que não vim arrumado pra esse tipo de ocasião! —

Puxei a mão dele para trás, mas ele foi mais forte e me trouxe para frente,

deixou de segurar na minha mão para agarrar a cintura e terminar de me

guiar pelo caminho.

— Não precisa se importar com o tipo de roupa que vai para o

restaurante.

— Mas é claro que preciso. Sempre terá alguém pra julgar,

principalmente nesses lugares mais refinados.

Dean riu, como se eu tivesse acabado de dizer algo engraçado.

— Não precisa se preocupar porque não terá ninguém além de nós lá.

— Seu olhar de canto se prendeu ao meu. — Eu sei que você se sente

incomodado em lugares muito cheios, então reservei o restaurante somente

para a gente.

Senti um vento gélido subir pelo abdômen e meus olhos pareceram

querer saltar das órbitas, puxei o ar, completamente incrédulo. Eu sabia a

qual restaurante italiano ele se referia, era um dos melhores da cidade, com

três estrelas Michelin, cujos pratos eram tão caros que eu me contentava em

apenas ver os vídeos no Instagram, jamais imaginei que pisaria lá.

— Você fez o quê?

— Reservei todo o espaço para dar privacidade a nós dois. Não quero

que nada estrague o nosso primeiro encontro.


— Isso deve ter custado muito...

— Não que isso importe. Você merece o melhor, Peter, apenas aceite.

Os cantos dos meus lábios se esticaram e franzi as sobrancelhas ao

olhá-lo.

— Obrigado, Dean.

O restaurante não ficava tão distante do Central Park, em poucos

minutos andando pela rua bem iluminada e repleta de prédios gigantescos,

chegamos em frente à entrada do restaurante que era discreta, se localizava

em um edifício cinza com vidraçaria enorme escura e na porta havia a logo

do restaurante com o nome do chef, feito de metal em tons de dourado.

Um homem de terno e luvas brancas estava em frente, então Masked —

acabei me desacostumando de chamá-lo assim — entregou ao senhor um

papel com um código, o que fez com que ele abrisse as portas para

passarmos.

A entrada era longa até a recepção, traçamos um caminho por um tapete

vermelho até a bancada de mármore branco, onde a mulher de vestido preto

e coque bem alinhado com gel sorriu.

— Sejam bem-vindos, senhores Hunter e Reid. Acompanhem-me, por

favor.

A mulher virou para descer uma escadaria e nós fomos atrás, Dean

afastou a mão da minha cintura para apenas apoiar seus dedos no fim das

minhas costas enquanto andávamos dentre os lugares daquele restaurante

repleto de cerâmicas brancas, do piso ao teto. As toalhas das mesas eram de

tecido de seda, decorados com pequenos detalhes dourados e ali dentro a

luz era amarela, quente, criando uma atmosfera intimista, que se tornava

ainda mais romântica com o pianista que tocava uma melodia suave ao

fundo.

Dean e eu sentamos na mesa indicada, um garçom se prontificou para

nos atender. Abrimos o cardápio para escolher as nossas entradas, pratos

principais e sobremesas.

— O que você vai beber? Eu pensei em talvez pedir um vinho — falei.

— Pode pedir o que quiser para você, não bebo álcool.

Fechei o cardápio e direcionei a atenção ao garçom.

— Por favor, eu vou querer de entrada bruschetta, prato principal

rigatoni ao pomodoro, como bebida um suco de laranja e de sobremesa

ainda vou pensar. — Inclinei a cabeça sutilmente para Dean.


— Eu vou querer o mesmo de entrada, mas como prato principal

tagliolini na manteiga, de bebida prefiro um suco de abacaxi.

— Certo... — disse o homem com o lápis em mãos. — Algo mais?

— Isso é tudo — respondeu ele.

Assim que o garçom se afastou, abaixei o tom de voz para conversar

com Dean, achei curioso que ele não bebesse álcool.

— Posso te fazer uma pergunta? Não será sobre a cicatriz. — Franzi as

sobrancelhas, assim que ele assentiu com a cabeça, continuei. — Por que

você não bebe? Meio que... enjoou ou...

— Porque passei parte da infância vendo a minha mãe beber muito, daí

isso se tornou algo negativo pra mim. Não sei, pode ser que futuramente eu

supere, até porque vinho parecer ser bem gostoso.

— Entendo... sua família é daqui também?

Dean colocou os cotovelos sobre a mesa, retirou a máscara cirúrgica

que cobria seu rosto e a guardou no bolso.

— Eu não tenho família, me viro sozinho desde os meus quatorze anos.

Mas não, não sou daqui, me mudei por conta de um amigo e até que

comecei a gostar de Nova York. — O canto de seu lábio se esticou

discretamente. — E você? Sente saudades de Fredericksburg?

— Como você sab... — Deixei que uma risada curta escapasse. —

Quero dizer, bem, eu sinto muita saudade de Fredericksburg. Sabe como é,

cidade de interior, então tudo era bem pequeno e familiar, eu conhecia os

vizinhos e tinha meus pais por perto. Agora, nessa cidade, me sinto

incomodado com o ritmo, é agitada e cheia demais, e apesar de ser

abarrotada de gente, fui pego pela solidão.

— E a solidão fez com que você comprasse um dildo de vinte e quatro

centímetros? — Arqueou a sobrancelha.

Aquilo fez com que eu soltasse uma gargalhada.

— Não sei onde eu estava com a cabeça quando comprei aquilo...—

Levei a mão para abaixo dos cabelos a fim de coçar a nuca. — Pior que a

compra, só a forma que foi entregue. Nada discreto.

Ele sorriu de forma adorável, onde seus olhos reluzentes se reduziram e

as bochechas se tornaram discretamente róseas.

Deus, como eu queria poder ver essa expressão mais vezes.

— Tem que se detestar muito para usar um troço daqueles.

— Pois é, por isso que sequer cheguei a testar, joguei fora. Até porque

agora não preciso mais dessas coisas, quando tenho você.


Dean riu baixo e estendeu a mão sobre a mesa para que eu a segurasse,

deslizei os dedos por sua palma até unir nossas mãos.

Quando o garçom chegou com os nossos pratos, deixamos de ficar de

mãos dadas para observá-lo pôr a mesa, eu estava faminto, minha boca

encheu d’água e o estômago estremeceu ao ver a apresentação do prato,

parecia delicioso, o problema era apenas estar em pouca quantidade.

Enquanto enrolava o macarrão no garfo e Dean mastigava, em minhas

memórias veio a imagem da câmera que encontrei escondida entre a

decoração da minha casa dias antes. Ele sabia quase tudo sobre mim, até

mesmo as coisas não contadas, e não fazia questão de esconder que

descobriu essas informações, porém, nunca comentou sobre as câmeras.

— Dean... quantas vezes invadiu a minha casa? — Ergui os olhos para

ele, que sequer parou de tintilar os talheres no prato. Não me encarou de

volta.

— Só da primeira vez em que transamos.

Eu poderia aceitar aquela resposta para manter o clima agradável, mas

meu peito palpitava em querer saber mais.

— Não minta pra mim. Eu encontrei uma de suas câmeras.

Suas íris subiram até meu rosto e os lábios se franziram.

— Duas... quero dizer, três. Eu invadi a sua casa três vezes.

— E por que mentiu? — Elevei a sobrancelha.

— Porque não quero assustar você, não fora das nossas brincadeiras.

Inspirei profundamente e soltei o ar devagar, enquanto alisava uma das

têmporas.

— Não queria me assustar? — Soltei uma risada curta. — Você é

muito, muito doido. Por que fez isso? Fetiche?

Dean repousou seus talheres ao lado do prato vazio.

— Porque eu penso em você vinte e quatro horas por dia, me preocupo.

Preciso ter o controle total de cada passo seu para saber se está bem ou

quando necessita de mim. — Colocou um dos cotovelos sobre a mesa. — E,

por favor, não me peça para parar com isso. Não queria abrir mão de te

observar.

Meus músculos se contraíram e um choque passou pela minha espinha.

Pisquei algumas vezes processando a informação e, em silêncio, assenti

com a cabeça, concordando.

Eu sabia no que estava me metendo quando o permiti entrar na minha

vida, fui eu quem me coloquei na mira do caçador.


Apesar do senso moral querer reprimir o sentimento por saber que não

era o certo, eu gostava daquilo. A forma subversiva de amar tomou conta de

mim.

— Entendo — falei.

— Você... quer que eu remova as câmeras?

— Não. Eu gosto da ideia de ter um homem louco por mim. — Abri um

sorriso lento e ele espelhou a minha expressão.

Rimos baixo com o tom dramático do pianista ao fundo. Creio que

Dean Hunter não era o único desajustado daquela relação, eu era tão

quebrado quanto ele, e acho que aquilo foi o que nos fez nos dar tão bem.

Senti meu estômago se estremecer mais uma vez com a fome e olhei

para um dos três garçons que estava de prontidão para nos atender. Pedi

mais um prato e Dean escolheu outro.

Seguimos o resto da noite comendo e conversando, apesar de Masked

Guy ser um homem sério, Dean Hunter até que era bem engraçadinho, ele

me fazia rir, e eu tentava retribuir as piadas para vê-lo sorrir mais vezes.

Ao fim da noite, antes de sairmos do restaurante, ele me fez a proposta.

— Quer ir para a minha casa hoje?

— Eu trabalho amanhã. — Recolhi os lábios.

— Dorme lá em casa, eu te levo no dia seguinte. Também tenho que

sustentar meu emprego de barista por alguns dias. — Ele ergueu os ombros.

— Não posso deixar a Alyssa na mão tão de repente.

— Não pretende mais trabalhar no gato-café?

— Agora que você sabe quem sou eu? Não.

Senti o rosto aquecido e os cantos da minha boca se esticaram.

— Tudo bem, vamos para a sua casa.


Eram onze e meia da noite quando cheguei ao condomínio em que

Dean morava. Assim que saí de cima da moto, envolvi meu próprio corpo

com os braços, o estacionamento ficava no subsolo, que era frio e pouco

movimentado, apesar da grande quantidade de veículos parados.

Eu não consegui distinguir se a sensação de arrepio que percorria

minha pele era oriunda do clima gélido do subsolo ou do receio em ir visitar

o apartamento dele pela primeira vez. Afinal, não sabia o que esperar.

Dean envolveu seu braço em torno da minha cintura para me guiar até a

porta de vidro que dava acesso à área interna do prédio em que havia o

elevador. Entramos juntos e assim que a porta se fechou, ele apertou o botão

até o último andar e abaixou a máscara até o queixo para que pudesse me

beijar.

Quando sua língua invadiu minha boca, deixei de apertar meu próprio

corpo para colocar as minhas mãos nele, uma em seu traseiro e a outra na

nuca, arrastei os dedos pela base de seus cabelos discretamente raspados e

os subi até o topo, onde haviam mechas maiores. Puxei seus fios enquanto

sentia a pele se aquecer.

O coração acelerou as batidas e perdi o controle da respiração. Dean

deixou meus lábios para repousar sua boca no meu pescoço, o lambeu e

chupou enquanto suas mãos firmes desceram da minha cintura para a

bunda, onde ele a apertou forte, o que me fez arfar de tesão.

Sem deixar de beijar minha pele, Dean encostou minhas costas contra o

espelho do elevador e colou nossos corpos. Senti o volume em sua calça


esfregar na minha virilha, aquilo fez meu pau pulsar com mais intensidade.

Chegamos ao último andar e a porta se abriu, então sem sequer olhar

para o painel, ele estendeu o braço para trás e apertou de volta para o

subsolo. O ar quente que saía de sua boca era rápido e intenso, a respiração

dele estava tão ofegante quanto a minha.

Fui virado de costas e Dean pegou minhas mãos e as colocou contra o

espelho. Encarei meu reflexo, com o rosto completamente avermelhado,

olhos maiores e um suor começando a se formar. Eu estava em chamas.

— Dean... e se alguém entrar?

— É quase meia-noite de um domingo, ninguém vai entrar. — Sua voz

saiu abafada contra minha nuca enquanto os dedos abriam o botão da minha

calça.

— Mas... tem câmera aqui.

— Logo você se importando com a câmera? — Arrastou os lábios pela

minha pele até a orelha, e suavemente sussurrou: — Eu sei que você é uma

puta que sente tesão em ser assistido. — Desceu meu zíper.

Prendi o lábio entre os dentes, e assim que sua mão invadiu minha

calça, me permiti gemer e desviei os olhos do meu reflexo para a câmera

que ficava quase acima da minha cabeça. Dean passou o polegar apenas na

ponta, sentindo o quão molhado de tesão eu estava, e aos poucos começou a

me masturbar, usando meu próprio pré-gozo como lubrificação.

Enquanto uma de suas mãos estava dentro da minha roupa, a outra

segurou meu queixo para desviar meu rosto em direção ao espelho, tentei

afastar a face do reflexo, mas ele apertou minhas bochechas ainda mais

forte para me manter olhando.

Fechei os olhos de vergonha e gemi baixo ao senti-lo me tocar mais

rápido.

— Abra os olhos — Dean ordenou.— Quero que se veja. Que perceba

que só o seu homem pode te deixar assim.

Ergui as pálpebras e me concentrei na minha própria imagem, nas

sobrancelhas franzidas, os lábios avermelhados entreabertos e o rosto

completamente rubro. Apoiei a testa sobre o espelho e fechei as mãos

quando me senti latejar intensamente.

Estava perto do meu ápice.

As pernas se estremeceram, a respiração encurtou e a sensação de

formigamento tomou conta do meu corpo. Cheguei ao clímax. Pressionei as

pálpebras enquanto me derramava em seus dedos com um gemido alto.


A porta do elevador abriu de novo e Dean soltou meu rosto para apertar

o botão para o último andar mais uma vez.

Assim que a cabine voltou a subir, ele abaixou minha calça e ouvi o

som de seu zíper. Abri um pouco mais as pernas e me inclinei sobre o

espelho. Dean esfregou seu pau rígido e pulsante contra minha bunda, sentir

seu piercing arrastar na minha entrada me fez contrair.

Eu não sabia se aquilo, naquele momento, daria certo. Mas quis

arriscar, meu sangue borbulhava e o desejo falava mais alto.

De repente, o elevador travou e uma sirene tocou. Era um alerta de

segurança, provavelmente.

— Puta que pariu! — Dean se afastou e subiu as calças.

E então, o segurança falou pelo interfone da cabine.

”Proibido sexo no elevador! Morador do apartamento 1202, você será

multado.”

Terminei de colocar a roupa debaixo rapidamente e arregalei os olhos

para Dean. Sabíamos que estávamos correndo aquele risco, na verdade,

demorou tempo demais até para que alguém nos expulsasse dali.

Quando a porta se abriu no último andar, Dean encarou a câmera e

ergueu o dedo médio, eu deixei a cabine às pressas e o puxei para fora.

Corremos pelo corredor gargalhando da situação e ele tomou a frente para

me guiar até seu apartamento.

Assim que paramos em frente ao 1202, limpei as lágrimas da risada e o

olhei, Dean retribuiu o olhar com um sorriso e destravou a fechadura para

entrarmos.

Logo que pisei em sua sala e as luzes foram acesas, suspirei. O

apartamento dele era gigantesco, na cobertura, com decoração minimalista e

muito bem arrumado, mas o que me chamou a atenção mesmo foi a cobra

enorme que estava dentro de um terrário no canto da sua sala.

Dei alguns passos até ela e entreabri os lábios ao vê-la se arrastar

lentamente pelo galho. Inclinei a cabeça de lado.

— Então você realmente tem uma cobra... e conversa mesmo com ela?

— Olhei para ele, que retirava os sapatos.

— Todos os dias. — Dean colocou as mãos nos bolsos e veio para perto

de mim, observando também seu animal de estimação.

— E como se chama?

— Seraphine.

Interrompi minha própria risada levando a mão aos lábios e o olhei.


— Que coisa de nerd, nomear uma cobra com um nome de uma campeã

de League of Legends.

Ele sorriu e me deu um empurrãozinho no ombro.

— Disse o que nomeou o próprio peixe como Vi. Que, por

coincidência, também é campeã no LoL, não é mesmo? — Arqueou a

sobrancelha.

Concordei com a cabeça, rindo baixo.

Dei alguns passos para perto dos vidros da varanda e abri as cortinas.

Na área externa tinha uma hidromassagem redonda e um banquinho de

frente para a vista. Aquele prédio era tão alto, que sequer dava para

enxergar outra coisa além do céu da distância que eu estava. Dean se

aproximou de mim e deixou um beijo no meu pescoço.

— Sinta-se à vontade. Quer comer algo? Ou... — passou a ponta da

língua pelo meu lóbulo — continuar o que fazíamos no elevador?

— Ainda estou cheio do restaurante. — Coloquei as mãos nos bolsos e

me virei para ele. — Inclusive, acho que isso pode ser um problema pra

gente transar hoje, apesar de eu estar morto de vontade.

Dean ergueu os ombros.

— A gente pode fazer de outro jeito e garanto que vai ser igualmente

gostoso. Quer conhecer meu quarto? — Virou a palma da mão para que eu a

segurasse.

Fui guiado por ele pelo pequeno corredor que havia depois da sala, com

três portas até chegar na última, a que ficava o seu quarto. Quando ele abriu

a porta e acendeu a luz, notei que era muito escuro, as paredes eram pretas,

em frente havia um computador grande com três telas, no canto uma estante

com livros, um armário e do outro lado um sofazinho e sua cama king size.

Todo o apartamento de Dean Hunter era decorado em tons de preto,

branco e marrom escuro. De vez em quando ainda tinha algo cinza no meio.

Ele colou seus lábios nos meus novamente, com um beijo voraz e

lascivo que me fazia perder o fôlego. Nossas mãos, naquela hora estavam

mais ansiosas do que antes, tateávamos um ao outro com certa urgência.

Dean se afastou sutilmente para retirar a blusa e me ajudou a desfazer

da minha também, então tirei os sapatos, os óculos, e quando menos esperei

estava sem resquício de vestimenta alguma.

Fui pego no colo e colocado sobre o pequeno sofá ao lado de sua cama,

ele subiu em mim e voltou seus lábios aos meus, enquanto sua mão me

tocava. Gemi baixo e pulsei mais forte sob seus estímulos.


O pau rígido de Dean roçava sobre meu abdômen e senti-lo tão

excitado quanto eu, me fez ferver de tesão. Levei a mão aos seus cabelos

para puxá-los durante o nosso beijo, até que ele se afastou e ficou de pé ao

lado do sofá.

Seu olhar luxurioso percorreu todo meu corpo e o lábio inferior parou

entre os dentes. Estava expresso em seu rosto o pensamento perverso, do

qual ele externalizou de repente.

— Quero amarrar você...

Aquilo me fez arregalar os olhos.

— Posso?

Parei para refletir por um segundo. Ser privado dos meus movimentos

me deixaria completamente vulnerável a ele, mas apesar do risco, eu

confiava em Dean, portanto aceitei.

— Faça o que quiser comigo.

Seu sorriso malicioso preencheu o rosto, ele se afastou de mim para ir

até seu armário do outro lado do quarto, e enquanto mexia nas coisas,

admirei sua bunda e a marcação dos músculos nas costas.

Dean tirou de sua caixinha de surpresas duas coisas: sua máscara e uma

corda. Juntou os itens e voltou na minha direção, colocou a máscara sobre o

canto do sofá e estirou parte do rolo da corda em suas mãos.

— Levante-se.

Segui sua ordem ficando de pé para ele, até que deu outro comando.

— Vire de costas, abra as pernas e relaxe os braços.

Dean colocou a corda com o nó primeiramente atrás do meu pescoço,

logo veio para frente e fez cinco nós distribuídos pelo meu corpo, passou a

corda por debaixo das minhas pernas e terminou de envolver todo o meu

tronco.

Meu pau pulsou conforme a pressão em minha pele se aumentava, por

último ele colocou meus braços dobrados para trás e os amarrou, me

deixando completamente preso.

A ideia de ficar indefeso perante qualquer coisa que ele faria me

excitava. Dean me pôs sobre o sofá, virado de barriga para cima e me

beijou, daquela vez, mais lento, porém com a mesma intensidade.

Sua boca tocou meu pescoço e desceu para o mamilo. Ele expôs a

língua e somente com a ponta, o lambeu e estimulou.

Gemi baixo e recolhi os dedos, Dean sorriu e mordiscou meu peito

enquanto sua mão continuava a me masturbar. A pressão das cordas pareceu


deixar a circulação mais intensa em certas áreas, o que fez minha pele prurir

perante seus toques.

Sua boca beijou meu abdômen e desceu até a virilha. Dean passou a

língua por toda a extensão do meu pau antes de chupá-lo, e assim que

envolveu seus lábios ao redor, senti meu corpo se arrepiar por inteiro.

Sua boca quente e úmida me fez pressionar as pálpebras mais

fortemente e me permitir gemer de forma ainda menos indiscreta. Dean não

hesitava em me engolir por inteiro, a ponto de eu perceber o toque em sua

garganta.

Ele salivava tanto, que tornava o deslize fácil pela língua e não se

engasgou nem por um segundo.

Meus músculos estremeceram e a sensibilidade se elevou. Eu queria

colocar as mãos em seus cabelos, mas estava amarrado.

— Dean, eu vou gozar... — anunciei.

Então ele parou.

Arregalei os olhos.

— Você não vai gozar agora — disse em um tom recheado de sadismo.

Meu pau pulsava tanto de tesão que chegava a doer. Comecei a tremer e

suar com a sensação. Dean se sentou ao meu lado e apoiou a mão no sofá

para me observar lacrimejar.

— Por favor, não faça isso, por favor... — choraminguei.

Ele riu e apoiou a mão abaixo do queixo, em silêncio. Seus olhos

analisavam cada detalhe do meu corpo, com calma e controle, e, então,

quando comecei a perder a ereção, sua mão voltou a me tocar, e quando eu

estava perto do clímax, Dean interrompia.

Comecei a sentir algumas áreas dormentes, enquanto outras

formigavam. Aquilo era tão prazeroso quanto doloroso, até que em seu

último momento de maldade, ele passou a ponta da língua pelo meu pau e

ordenou.

— Implore.

— Me deixe gozar, Dean, por favor. — Meus olhos se encheram de

lágrimas enquanto o corpo estremecia cada vez mais. — Por favor...

O canto de seu lábio se ergueu e ele levou apenas um dedo à ponta da

cabeça e a circundou.

— Quero que goze na minha boca, desejo sentir o seu gosto — ele

respondeu e voltou sua boca ao meu pau, chupando-o com certa pressão.


Àquela altura já não conseguia segurar mais, a respiração estava curta,

as batidas aceleradas... jorrei em sua garganta e mesmo com a sensibilidade,

Dean não parou de me chupar.

— Chega, tá doendo! Tá doendo! Por favor!

Ele interrompeu o ato e usou o dorso da mão para limpar o canto da

boca. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto a medida que um sorriso se

abriu, o alívio foi tão grande que me trouxe um prazer imensurável, jamais

tinha sentido algo assim.

Dean foi até a cama, pegou sua máscara e a colocou no rosto, abriu uma

gaveta da cômoda ao lado da cama e tirou dali uma venda.

— Agora é a minha vez.

Me tirou do sofá e fui colocado ajoelhado de frente para ele, que se

sentou com as pernas abertas e trouxe a venda até os meus olhos, tampando

a minha visão.

— Eu não vou conseguir te tocar — falei.

— Não quero que me toque... — Dean trouxe minha cabeça para perto

da sua virilha e bateu com seu pau em meu rosto. — Quero que chupe.

Concordei, abrindo a boca e expondo a língua. Comecei a estimulá-lo

bem na região de seu piercing e pude ouvi-lo gemer com menos pudor,

então o circulei e o coloquei na boca.

Masked Guy era grande e robusto, o que tornava difícil de engoli-lo por

inteiro. Senti sua mão sobre meus cabelos e os fios foram puxados

fortemente pela raiz, e aos poucos seus quadris se moviam para se fazer

entrar.

Quando o senti tocar na garganta, pressionei as pálpebras e controlei a

respiração para não engasgar. Dean começou lentamente a foder a minha

boca, a ponto de me sufocar com seu pau algumas vezes.

Meu rosto começou a doer de ficar tanto tempo ali, até que o senti

pulsar sobre a língua e antes de chegar ao seu ápice, ele se afastou para

gozar no meu rosto. Me mantive de lábios entreabertos.

A visão me foi retomada e as cordas desamarradas. Eu estava

completamente marcado, tanto por seus chupões quanto pelos nós.

— Vamos tomar um banho antes de deitar — ele disse, me ajudando a

levantar do chão, apoiando meu braço em seu ombro.

Minhas pernas estavam bambas e os joelhos vermelhos.

— Juntos?

— É... — Sorriu. — Juntos.


Ao abrir os olhos encontrei com o rosto de Dean. O sol iluminava parte

de seu rosto, dando destaque aos cílios dourados, a expressão estava serena,

a respiração lenta e os lábios entreabertos.

Sorri enquanto o admirava e toquei a sua pele, meu polegar deslizou

levemente sobre sua bochecha, e então desci um pouco a mão até seu

queixo e passei o dedo na cicatriz presente em sua boca.

Quando me aproximei para beijá-lo, os cantos de seus lábios se

ergueram devagar e a mão que segurava minha perna, que estava apoiada

em cima dele, pressionou mais forte minha coxa.

Deixei que nossas bocas se encostassem e voltei a alisar a marca em

seu rosto. Aquilo me intrigava.

— Bom dia — ele disse, subindo as pálpebras para me encarar. —

Dormiu bem?

— Bom dia... sim. Muito.

Dean virou o rosto para beijar a palma da minha mão e levou seu olhar

em direção ao meu.

— Você quer saber como eu ganhei essa cicatriz?

— Apenas se quiser contar. — Recolhi os dedos e meus lábios se

comprimiram.


Suas íris se mantiveram compenetradas nas minhas, brilhantes e com a

visão distante enquanto um silêncio preenchia o ambiente antes de ser

revelada a história.

Acredito que talvez ele não quisesse realmente contar, mas devido ao

caminho que nossa relação estava seguindo, tornou-se necessário dividir

todas as coisas um com o outro.

— Quem me deu essa cicatriz foi a minha mãe. Ela me feriu no dia em

que tentei impedir outro homem de machucá-la, de alimentar seu vício para

se aproveitar dela. — Suspirou. — E me dói até hoje porque eu sinto que

falhei com a minha mãe em ter ido embora naquele dia e jamais retornado.

— Notei sua voz embargada no fim da frase.

Por um momento fiquei sem saber o que dizer, mas senti que precisava

me esforçar para falar algo, para acolhê-lo, já que Dean se abriu para mim

sobre um assunto delicado.

— Quantos... quantos anos você tinha quando isso aconteceu?

— Quatorze.

Levei a mão ao seu rosto e o acariciei com a ponta dos dedos.

— Você não falhou em nada. Era apenas uma criança, e crianças não

cuidam dos pais. Ela quem deveria te proteger, olhar por você, mas como

não teve ninguém... o pequeno Dean teve que fazer isso por si só. — Senti o

peito se comprimir conforme seus olhos se tornavam marejados. — Foi

autopreservação, não covardia.

Ele deglutiu em seco e concordou com a cabeça, chegou mais perto de

mim e se aconchegou em meu peito. O abracei forte e beijei o topo de seus

cabelos, seu corpo estava quente e a respiração discretamente acelerada.

Ficamos ali, na quietude, por um tempo. Dean gostava muito do

silêncio, e eu acho que entendi o porquê. Sua infância deve ter sido muito

conturbada e a ausência de som significava calmaria, paz, que era o que lhe

faltava.

Eu também gostava do silêncio, minha cabeça já tinha barulhos demais.

— Peter... — Ele afastou o rosto do meu corpo para me encarar. —

Acho que não estou apenas obcecado por você, eu... eu acho que...

Sorri sutilmente.

— Eu também te amo, Dean.

Senti seus dedos se arrastarem pelo colchão para perto dos meus, suas

unhas roçaram nas minhas. Entrelacei os nossos dedos.

— Eu te amo, Peter.


Seus lábios se repousaram nos meus, suaves e com ternura, que não

provocou fortes emoções, mas me fez sentir um frio na barriga, e acho que

aquilo significou muita coisa. Aquele beijo atou o laço de cumplicidade

entre nós dois.

— Agora vamos nos adiantar que não posso me atrasar, já tenho

problemas demais naquela empresa — falei, pegando os óculos na cômoda

ao lado da cama, retirei os lençóis de cima das pernas e saí nu, da mesma

forma em que deitei na noite anterior.

— O que você quer tomar de café da manhã? — Dean perguntou,

passando por mim.

— Eu geralmente não tomo café em casa.

Ele virou para mim, encostou no batente da entrada de sua cozinha e

cruzou os braços, seus olhos se estreitaram e os lábios se contraíram em um

bico.

— Quer mesmo tomar café na cafeteria? — Arqueou a sobrancelha.

Puxei a cadeira da mesa de sua sala e me sentei de lado nela para olhálo

durante o momento em que pensava no que comer. Eu me alimentava das

mesmas coisas quase todos os dias, e abrir a possibilidade de comer algo

diferente do usual me deixava inicialmente perdido.

A repetição havia tirado parte da minha autonomia.

— Eu... eu não sei o que quero comer.

— Pode escolher o que quiser.

Desci a visão pelo seu corpo nu e parei a atenção bem na bolinha de seu

piercing. Arregalei os olhos discretamente.

— Você vai cozinhar pelado? — Voltei as íris em direção as dele.

Dean riu baixo.

— Eu coloco uma cueca antes, se faz questão.

— Não, não! — Ergui as mãos. — Só foi uma pergunta, não me

incomodo com você cozinhando sem roupa. — Sorri. — Ah, pode fazer pra

mim o que você for comer. Estou aberto a possibilidades.

— Certo. — Piscou, antes de dar as costas para mim e sumir pela

cozinha.

Ele era um ótimo barista, então não preciso dizer que seu café diferente

com algo de caramelo estava delicioso, além das panquecas, ovos e bacon.

Dean e eu comemos na mesma mesa, e apesar do horário apertado, eu não

estava mais com tanta pressa, na verdade, a minha vontade era de sequer

aparecer novamente naquele lugar.


Estar com Masked em ambas das suas versões me trazia uma sensação

de liberdade e abafava o vazio, suas atitudes insanas me recordavam de

estar vivo, mas pisar na Dermaceuticals me fazia lembrar que ainda possuía

amarras, que sempre que eu tentava fugir, era puxado, como se meu destino

fosse ficar imerso no looping, preso no eco.

Não é esse o destino da maioria das pessoas?

Quando terminamos a refeição, tentamos aproveitar um pouco sua

hidromassagem e em seguida tomamos outro banho antes de partir.

Eu não estava com o uniforme ali, mas Dean me emprestou a sua

menor camisa branca para que eu vestisse, claro que Wilhem chamaria a

minha atenção por estar sem a gravata ou com a blusa adequada, mas

àquela altura eu já não me importava mais.

Até porque não importava o quanto na linha eu andasse, nunca era

reconhecido. E sabia que jamais me mandariam ir embora, porque teriam

que encontrar outro louco pra prender no meu lugar.

Com imensa tristeza deixamos seu apartamento.

Dean percorreu as ruas e cruzou os carros na mais alta velocidade com

sua moto, o que fazia meu coração bater no pescoço com os momentos de

quase morte que passei pelo caminho.

Cheguei em frente ao enorme prédio espelhado com o corpo gélido,

suor frio, mas um sorriso no rosto que se desfez no exato segundo em que

meus pés tocaram a calçada e precisei retirar o capacete.

— A gente se fala mais tarde? — Dean perguntou, sem erguer a viseira.

— Sim. — Estiquei a mão para ele, que a segurou e acariciou com o

polegar.

— Qualquer coisa que acontecer, pode me mandar mensagem. Eu

invado essa porra de prédio se for preciso.

Os cantos dos meus lábios se ergueram.

— Até mais, Dean.

Ele trouxe minha mão até perto do seu capacete, como se tivesse

acabado de beijá-la e levou seus dedos aos meus cabelos, afofando os

cachos antes de partir. Então, sua moto se foi, sem grandes barulhos ou

rapidez, já que trabalhávamos próximos.

Assim que o vi sumir de vista, virei de frente para a empresa e minha

visão percorreu todos os andares, o brilho espelhado me fez estreitar os

olhos. Inspirei o ar profundamente, empurrei os óculos mais para cima e

soltei a respiração devagar enquanto subia mais um degrau.


Eu fui completamente despreparado para o trabalho naquele dia, nem

mesmo os meus pertences havia levado, tive que pedir pra liberarem a

catraca. Passei pelas portas de olhos fechados e ouvi a agitação ao redor,

peguei o elevador cheio de gente, que aos poucos se esvaziava até o andar

do meu setor.

Assim que a porta da cabine se abriu, senti um arrepio.

Minha mãe sempre dizia que não tínhamos apenas cinco sentidos, mas

seis, sendo esse último a intuição. E, naquele momento, pareceu que tudo

estava pior, eu senti que não seria um bom dia.

Caminhei até o meu cubículo e espiei em volta para ver se Wilhem

estava por ali para me perturbar. Para o meu azar, o porco estava bem atrás

de mim, sua voz saiu alta, o que chamou a atenção para onde eu estava e me

fez dar um pulo.

— Peter!

— Eu sei, eu sei... a roupa.

Suas narinas se abriram e a boca curvada para baixo quase se juntou à

glabela na expressão enrugada que deixava seu rosto ainda mais vermelho.

Ele colocou as mãos na cintura.

— Se você já sabia, por que ainda assim insistiu em vir vestido dessa

maneira? Sabe das regras da empresa.

Ergui os ombros.

— Vocês só dão um uniforme para a gente e o meu está lavando... não

pude vir com ele hoje. — Elaborei uma mentira rápida.

O homem calvo estreitou os olhos e o canto de sua boca se elevou,

parecendo avaliar a veracidade do que eu disse. E sem mais a acrescentar,

deu as costas para voltar a andar pelo corredor.

Tomei meu lugar no cubículo e assim que o sinal tocou indicando o

começo do expediente, abri o programa com os códigos. Eu pretendia

terminar o serviço que havia começado na última semana, mas de repente

um e-mail chega da sala da diretoria, e mais outro, e outro... diversos e-

mails chegaram.

Abri a caixinha para ver do que se trava e meus olhos se arregalaram de

tal forma, que por pouco não pularam do rosto. Meio que já esperava, mas

ter a confirmação daquilo me fez fervilhar.

Não pode ser...

Eram diversos projetos, mais e mais serviços, principalmente os que

estavam inacabados por conta de Carter, o desgraçado que estava recebendo


um salário maior apenas para tomar café e prejudicar a vida dos outros

funcionários.

Comecei a tremer e o ar por um momento se tornou escasso, retirei os

óculos e os coloquei sobre a minha mesa. Esfreguei as mãos no rosto

diversas vezes, a minha vontade era de gritar ou de destruir tudo.

Olhei para frente e vi Steve Dix passar as mãos pelos cabelos

igualmente, ele os empurrava para longe da testa, como se estivesse

disposto a arrancá-los pela raiz a qualquer momento.

Pelo visto o acúmulo de funções é geral.

Coloquei os óculos de volta e respirei devagar, desviei a atenção de

Steve quando ele se levantou de sua cadeira. Encarei a tela à minha frente e

abri o primeiro e-mail para ler por completo.

A tarde foi absurda, eu estava sobrecarregado de trabalho e me sentia

cada vez mais pressionado a ir além dos meus limites. Parei por um

momento para arejar a mente e desviei o olhar dos códigos para a janela.

Meu Deus, eu quero sair daqui. Refleti enquanto encarava meu reflexo,

com o rosto menos cansado até, mas com a expressão igualmente infeliz, eu

estava exausto e ainda faltava uma hora para o término do expediente.

Minha atenção se deslocou da minha própria imagem para fora quando

algo grande passou rápido diante dos meus olhos, e então os gritos

histéricos vindos da rua. Retraí as pálpebras e me levantei de forma ágil.

Não fui o único curioso, outros funcionários também saíram de seus

lugares para se aproximar da janela a fim de olhar.

Levei a mão aos lábios para abafar um grito e o ácido do estômago veio

na garganta, eu tremi e meu coração bateu tão forte perante a imagem que

senti que perderia as forças.

Era sangue esparramado pelo chão e o corpo estatelado, cujos braços e

pernas estavam tortos e o rosto pareceu ter sido desfigurado. A camisa

branca da empresa aos poucos se tornava vermelha e em questão de

segundos um público aparecia para ver, alguns filmavam e tiravam fotos

até.

Steve Dix cometeu suicídio, e sua morte se tornou um espetáculo.

Wilhem apareceu batendo palmas no corredor e gritando a fim de

chamar a atenção dos que estavam próximos da janela.

— Ei! Não estamos em intervalo! Voltem para os seus lugares! —

gritou.


Meu pescoço travou em tentar virar para trás, tive que de pouco a

pouco direcionar o corpo para ele e fechei as mãos, pressionando tão forte

quanto o nó formado em minha garganta para dar a notícia.

— O Steve acabou de se jogar do prédio da empresa — falei.

— Sentem-se! Ainda falta uma hora para o expediente acabar! Vamos!

— O gerente continuava a bater palmas e, feito cães adestrados, os outros

obedeciam tomando seus lugares como se nada tivesse acabado de

acontecer.

Observei em volta, sentindo uma pressão no peito e meus olhos

estavam tão grandes que pareciam cair das órbitas. Ao fundo ouvi, bem

baixinho, as sirenes dos veículos que se aproximavam.

Wilhem veio para perto de mim, estalando os dedos.

— Está em pé por que, Peter? Você ainda tem muito trabalho a fazer!

— Você não ouviu o que eu disse? — A voz saiu presa entre os dentes.

— Steve Dix acabou de cometer suicídio em frente a empresa!

— Sim, mas e o que você pode fazer por ele? O que todos nós podemos

fazer, hein?! — Ele abriu os braços e chegou ainda mais perto do meu rosto,

então o ar quente de sua respiração tocou minha pele. — Nada.

Pressionei os dentes e apertei fortemente o punho.

— Você é realmente uma pessoa? Tem ainda alguma humanidade ou só

pensa em dinheiro?

Wilhem levou a frase como piada.

— Não ache ruim comigo, moleque. Olhe para aquilo ali... — Apontou

para as câmeras que estavam nos cantos do setor. — Aqueles são os olhos

que tudo veem, e por ali os nossos superiores mandam e desmandam. Só

estou cumprindo o meu trabalho. Humanidade não paga as minhas contas.

Agora sente no seu lugar e termine o que tem que fazer até o fim do

expediente. — Deu dois tapinhas em meu ombro.

Eu sabia que deveria apenas fechar o computador e ir embora, tinha que

ter feito isso, mas ao invés de tomar uma atitude, fui submisso, feito um cão

adestrado, assim como os outros.

Andei até o meu cubículo e sentei, não parei de pensar um segundo

na imagem que vi.

E então minha mente voltou a deixar meu corpo para aguentar a dor

em ainda estar ali.


No dia anterior descumpri a promessa de conversar com Dean, o

ignorei durante o resto da noite, na verdade, deixei de lado todos os meus

afazeres. Permiti que a casa voltasse a ficar bagunçada, o uniforme sequer

foi passado, não comi nada e quase esqueci de alimentar meu peixe. Estava

em um estado tão catatônico, que foi como se perdesse as rédeas da vida,

não tinha controle de mim mesmo mais.

A imagem da queda se repetia em meus pensamentos diversas vezes e a

figura estatelada no chão tomou um espaço permanente na minha cabeça,

eu vivia um pesadelo lúcido.

Não era como se sofresse exatamente por Steve Dix, não éramos tão

próximos assim, mas sua morte significou muita coisa para mim. A forma

com a qual ele interrompeu sua vida me deixou em choque, e pior, pareceu

que só eu estava ciente da gravidade do ocorrido.

Aquele poderia ter sido eu. Na verdade, quase fui eu, quando entrei na

frente de um caminhão semanas antes. E ninguém se importaria, seria

apenas mais um.

Quando ergui as pálpebras devido ao som irritante do despertador, senti

os olhos arderem e o corpo estava dolorido, meus músculos se contraíram

tanto de tensão, que foi como se tivessem sido esmagados.

Escutei minha própria respiração e encarei o teto por um tempo longo

até demais. A queda, o sangue, as fotos... minha visão, já não tão boa, se

embaçou mais com as lágrimas que se formaram. Não queria chorar, porque

sabia que aquilo abriria brecha para que viessem mais e mais lágrimas,

porém, não consegui segurar. Desabei.


O soluço pressionava meus pulmões e a garganta queimava, senti a

respiração ocluída enquanto me desmanchava sobre a cama, sozinho. Virei

de lado e recolhi as pernas, abraçando os joelhos para que me sentisse

acolhido, sofri em silêncio porque não conseguia, ao menos não naquele

momento, falar com ninguém, nem mesmo Dean.

Ouvi o som do despertador novamente, que me recordou que precisava

sair da cama e ir trabalhar, cumprir com as minhas responsabilidades como

se nada estivesse acontecendo, porque os lucros da empresa deveriam ser a

prioridade da minha vida.

Sentei na cama e esfreguei o rosto, passei os dedos sobre os olhos e

coloquei os óculos. As pálpebras estavam pesadas, até mesmo piscar exigia

uma grande energia, pisei devagar no chão e me apoiei na cômoda para

conseguir ficar de pé.

Suspirei, peguei o celular e desliguei o alarme, depois segui até o

banheiro. Durante o caminho, olhei para as notificações, eram ligações da

minha mãe e mensagem de Dean. Abri a conversa.

[Masked Guy]: O que aconteceu que te deixou assim?

[Você]: Desculpe te ignorar ontem, não consegui fazer nada. Nos

falamos hoje na cafeteria?

Passaram-se poucos minutos até a resposta.

[Masked Guy]: Certo. Estou preocupado.

[Você]: Não fique.

Joguei o celular sobre o sofá e fui em direção ao banheiro a fim de

tomar uma ducha, que esperava que lavasse não só o meu corpo, mas que a

água retirasse parte da sensação terrível encrostada em mim.

Eu precisava ligar de volta para a minha mãe, mas não queria falar ao

telefone com a voz que denunciasse que algo de errado estava acontecendo,

ela e meu pai tinham problemas demais para se preocuparem, não queria ser

mais um.

Enquanto vestia o uniforme da empresa e dava o nó na gravata, meu

estômago roncou. Antes de sair, costumava a conversar com Vi, contudo

naquele dia preferi deixar a casa sem dizer uma palavra.

Meu peixinho não merecia saber sobre aquilo, imagine invadir a sua

paz no aquário para falar sobre a desgraça humana?

Quando pisei o pé fora de casa, encontrei com Harry pegando um

pacote em seu correio, os olhos dele pararam sobre mim e fui


cumprimentado apenas com um aceno, a distância. Retribuí o gesto, e ele

pegou sua encomenda e saiu do meu campo de visão em silêncio.

Desci os degraus e optei por caminhar até o ponto de ônibus para o

trabalho. Tentei usar a paisagem do caminho para me distrair, porém eu não

conseguia, sempre minha mente recapitulava os fatos.

Subi no transporte e andei até o último banco, sentei próximo a janela e

abri as redes sociais no celular para ver se alguém estava comentando do

assunto. Nada. Foi como se nunca tivesse acontecido.

Retornei a ligação para a minha mãe a fim de saber do que se tratava.

Não eram grandes coisas, apenas para falar sobre como ela e meu pai

estavam bem e perguntar da minha vida, já que não liguei para ela há uns

dias.

Apesar dos meus pensamentos embolarem as palavras, tentei organizálas

falando poucas coisas, apenas mantive a mentira de que tudo continuava

normal, minha saúde em dia e que fiz mais amigos.

Quando o ônibus se aproximou do ponto que ficava perto da empresa,

saltei e fui em direção a cafeteria em tons de rosa em que Dean ainda

trabalhava, apenas para que desse tempo de arrumarem outro pra ocupar seu

lugar.

Assim que abri a porta, o cheiro do café recém-coado e os bolinhos

assados fez meu estômago roncar. Eu não ingeri nada há mais de doze

horas, mas ainda que meu corpo implorasse diversas vezes por comida, não

sentia fome.

Ao invés de ir para o caixa pedir o de sempre, andei até uma das mesas

que ficava em frente ao barista e me sentei. Ergui os olhos para Dean, que

estava com seu avental em tons de rosa pastel, boné com orelhas de gato e

máscara descartável cobrindo seus lábios e nariz.

Ele ainda não tinha me visto, estava ocupado preparando a bebida de

uma cliente, mas assim que ela saiu de sua frente, os olhos dele se

depararam comigo na mesa e, mesmo sem ver sua boca, notei o sorriso.

Como eu nunca reparei nesse homem antes?

Dean continuou a servir mais cafés, até que, quando o movimento se

reduziu, ele encontrou uma brecha para sair detrás do balcão e vir até mim.

Puxou a cadeira à minha frente e sentou.

As mãos dele pararam sobre meus pulsos que estavam apoiados em

cima da mesa e as sobrancelhas se franziram ao reparar na expressão

calejada do meu rosto.


— Não quer comer algo? Vi pelas câmeras que você não jantou ontem,

sequer petiscou qualquer coisa.

— Não estou com fome.

Meu estômago se contraindo me denunciou.

— Você precisa comer. — Virou-se para sua colega de trabalho: —

Alyssa, põe na minha conta um bolinho e um cookie, por favor.

A garota ergueu o polegar e piscou. Dean voltou a atenção para mim.

— O que aconteceu? — perguntou.

Não tinha como florear ou ser sutil com um acontecimento tão brutal.

— Um funcionário da empresa se jogou do prédio. — Quando disse

isso, notei os olhos dele se tornarem maiores. — E sabe o que aconteceu? O

absoluto nada. Tivemos que voltar a trabalhar pra finalizar o expediente,

ninguém comentou sobre, ninguém fez nada!

— Canalhas... — Dean rosnou. Assim que a atendente trouxe o prato

com o de sempre e colocou no meio da mesa, ele empurrou o prato para

mim e estreitou o olhar, como se ordenasse que eu me alimentasse.

Estremeci a mão e peguei no bolinho, quando levei o açúcar até os

lábios, minha boca se encheu d’água e a sensação foi tão boa, que era como

se o meu corpo agradecesse. Mastiguei devagar.

— Eu não aguento mais aquele lugar.

— Sei que não. E, então... eu li o contrato da Dermaceuticals ontem, e

sabe o que eu descobri? — Arqueou a sobrancelha e abaixou o tom de voz.

— Que ele é rompido apenas em dois casos, quando a empresa não quer

mais aquele funcionário ou em caso de encerramento das atividades naquela

unidade.

Juntei as sobrancelhas.

— E como vou fazer para me demitirem sem que tomem tudo de mim?

— Eu não falei sobre você induzir uma demissão.

— Não estou entendendo, onde quer chegar? — Dei mais uma mordida

no bolinho.

— O que quero dizer é... que podemos forçar a unidade a ser fechada.

— Como?

Dean olhou em volta e percebeu a entrada de um cliente, logo retomou

a atenção para mim e sussurrou:

— Estou sugerindo que destruamos aquele lugar.

Prendi a respiração por um segundo, e por mais tentadora que fosse a

proposta, não pretendia chegar a níveis extremos assim.


— Não acho que seja necessário fazer isso — falei.

Ele ergueu os ombros, e então a atendente gritou por ele para que

retornasse ao balcão para fazer os pedidos.

— Você quem sabe. Antes de ir, venha até o balcão pegar o seu café. —

Arrastou a cadeira para trás e voltou para o seu lugar.

Terminei de comer e chequei o horário no celular, o prazo estava

apertado, com certeza chegaria atrasado, no mínimo, cinco minutos, mas

àquela altura eu já não me importava mais. Tudo de mais absurdo que

poderia ouvir de Wilhem já me foi dito, não havia nada que me abalasse

mais do que o ocorrido no dia anterior.

Levantei da mesa, peguei o café e acenei para Dean antes de sair. Eu

não queria ir, não queria mais ser carregado até aquele lugar, contudo

minhas pernas já caminhavam sozinhas pela obrigação.

Quando parei em frente à escadaria e inclinei o pescoço até o último

andar, que mal conseguia enxergar, o flash da queda passando diante dos

meus olhos ocasionou um choque na espinha e todos os pelos do meu corpo

se levantaram.

Naquela hora, os pés se tornaram pesados e cada degrau que eu subia,

sentia como se carregasse um pedaço de chumbo, que aumentava a carga

passo a passo até que eu chegasse no topo.

E então, próximo a entrada, olhei para o chão. Não havia mais marcas

de sangue nos ladrilhos, porém os coágulos continuavam incrustados na

divisão entre um piso e outro.

Soltei o ar devagar e encarei a porta, tomando coragem para entrar. Os

outros trabalhadores que passavam por mim me julgavam com os olhos,

não sabia se pela expressão perturbada ou pelas vestimentas amarrotadas.

Passei pela entrada e fui direto ao elevador. Assim que cheguei ao nono

andar, rondei os olhos pelo espaço e tudo continuava da mesma maneira,

tudo igual, como se nada daquilo tivesse acontecido.

Cheguei a me questionar se eu estava louco, se tudo o que aconteceu

não foi fruto da minha cabeça.

Fui até meu cubículo e quando vi Wilhem se aproximar de mim,

encolhi os ombros e arregalei os olhos. Ele passou direto, então virei a

cabeça para acompanhar seus passos.

O gerente foi até um homem jovem, tímido e de óculos que estava no

canto do setor, colocou a mão sobre seu ombro e começou a guiá-lo pelo

corredor, gesticulando como se apresentasse o lugar.


Sentei, organizei as minhas coisas sobre a mesa e abri o computador.

Diversas tarefas acumuladas, era tanta coisa, que eu teria que levar o

trabalho para casa e virar noites para terminar a tempo.

Olhei para a janela e vi um vulto passar, me arrepiei por inteiro e

pisquei algumas vezes. Retomei a atenção para a tela repleta de códigos, era

muita coisa para entregar, e por mais que a pressão fosse grande, não

conseguia me concentrar.

Alternei minha visão entre a tela e o relógio, querendo que os ponteiros

girassem de pressa, porém parecia que o tempo se recusava a seguir seu

curso normal, estava mais lento.

A saída do ar ficou curta, afrouxei o nó da gravata e fechei os olhos

tentando respirar melhor, mas a sensação que tinha era de sufocamento.

Ergui as pálpebras e me concentrei na hora novamente.

A tarde foi quase toda assim, andando pelos limites da angústia, até

que, faltando duas horas para o fim do expediente, inclinei os olhos na

direção do cubículo onde Steve se sentava e senti o sangue congelar.

O rapaz novo que estava com Wilhem tomou o lugar dele.

Comecei a sentir as mãos estremecerem. Não havia nem 24 horas que

Steve tirou a própria vida e já tomaram seu lugar, o substituíram, feito nada.

Não houve homenagens, não teve nota, nada, ele era apenas mais um.

Somos apenas números, é assim que nos veem. Como números feitos

para produzir mais e mais números.

As horas passaram e eu não consegui finalizar nada, pelo contrário,

acumulei mais tarefas. Até tentei compensar faltando poucos minutos para

as luzes se apagarem, contudo, o setor se esvaziava e eu não progredia.

E então, quando menos notei, fiquei só. Um ponto de luz azul da tela do

computador em meio à escuridão. Meus olhos recapitulavam tudo o que me

aconteceu, a morte, a negligência, os absurdos que já me foram ditos... e os

dedos que antes apenas digitavam, começaram a bater no teclado.

Fechei os punhos e dei o primeiro soco em cima das letras, e outro, e

mais outro... até que as lágrimas se manifestaram novamente na minha

visão. Sem encerrar nada, apenas levantei da cadeira e deixei o cubículo.

Um silêncio preenchia o ambiente, que àquela hora da noite estava

ocupado apenas pelas pessoas da limpeza e os seguranças, que faziam a

manutenção do espaço sem sequer olharem uns para os outros.

Peguei o elevador que parou em todos os andares até chegar ao térreo.


Eu estava no meu limite. Não queria voltar para lá, não queria ficar

preso no looping, me recusava a continuar a entregar a minha saúde para

um lugar que me trocaria no dia seguinte caso eu morresse.

E então, em frente ao prédio vazio, a lua testemunhou a ligação que

mudaria aquilo para sempre.

— Dean... vamos explodir esse lugar.


A mente de Peter colapsou, ele estava diferente. A morte de um de seus

colegas de trabalho foi o estopim para que sua vida mudasse de rumo, que

reagisse verdadeiramente contra aquilo que o prendia.

E não estou me referindo apenas a empresa.

Meu passarinho continuava a ser um homem doce e silencioso, mas

suas atitudes estavam mais desprendidas, ele pensava menos antes de agir,

como se nada mais importasse.

Deixaram a gaiola aberta e esqueceram de que aquele pássaro não tinha

as asas cortadas.

Na noite em que Peter decidiu que levaríamos o prédio ao chão, eu já

estava de prontidão perto da empresa, porque sabia que naquela manhã em

que me encontrou, algo aconteceria.

Passamos em sua casa a fim de pegar algumas roupas, alimentar o

peixe e o trouxe para o meu apartamento para cuidar dele. Na manhã

seguinte, assim que seu despertador tocou, ele desligou o alarme, colocou o

celular em modo avião e voltou a recostar a cabeça em meu peito.

Espiei-o por debaixo dos cílios e levei a mão para o meio de seus

cachos, acariciando-o. Peter não estava dormindo, mas sua respiração

permanecia tranquila e os olhos fechados.

— Não vai à empresa hoje? — perguntei.

Sem mover o rosto, ele apenas levantou as pálpebras e sua visão se

concentrou na minha.

— Não.


— Mas, com você sumindo e a empresa explodindo na noite seguinte te

fará suspeito, não acha? — Arqueei a sobrancelha.

— Amanhã eu apareço para executar o plano e digo que fiquei doente,

sofri um acidente, sei lá. Eles vão engolir, nunca se importam com o que

acontece conosco mesmo.

— Mais suspeito ainda.

O canto de seu lábio se estirou em um sorriso maldoso.

— Serei suspeito de qualquer forma, Dean.

— Bem, já que você não vai trabalhar, quero que conheça um amigo

meu hoje. Ele pode nos ajudar a elaborar melhor o plano... também porque

aquele prédio é bem grande, vai precisar de mais gente — falei.

Peter apoiou ambas as mãos sobre mim e se afastou para sentar na

cama. Passou a mão pelos olhos, esfregando-os e se inclinou para pegar os

óculos que estavam sobre a cômoda ao lado.

— Esse seu amigo... é um criminoso assim como você?

— É, é sim. — Bocejei e sentei, estendi o braço para alisar sua coxa

exposta pelo short curto. — Ele é o líder do meu grupo, os Hunters. Somos

quatro hackers no total e extorquimos a grana de gente rica, poderosa e filha

da puta.

Peter arregalou os olhos discretamente e entreabriu os lábios.

— Se ele é o líder, por que o grupo leva o seu sobrenome?

Soltei uma risada curta.

— Porque o Shadow achou meu sobrenome legal demais para pôr no

grupo.

— Shadow? — Arqueou a sobrancelha. — O nome dele é Shadow?

— É o codinome. É Shadow, Zero, Monster e eu...

— Masked Guy.

— Exato. — Pisquei. — Agora vamos tomar café porque temos que

chegar cedo onde ele mora, fica difícil sair da floresta à noite. — Dei dois

tapinhas em sua perna.

Peter desceu da cama e foi em direção a cozinha, andei devagar atrás

dele apenas para apreciar sua bunda naquele short preto tão curto. Prendi o

lábio entre os dentes.

— A gente vai para uma floresta? O seu amigo vive no meio do mato?

Suspirei.

— É. O Shadow é alguém... peculiar, eu diria. Mas já serviu ao exército

russo e sabe bastante sobre explosões e táticas de ataque, então acredito que


vai ser mais que necessário. Além de que, pode ter as bombas, ou nos ajudar

a produzir algumas.

Peter pegou um dos copos do escorredor e abriu a água da torneira para

beber. Umedeceu a garganta e lançou um olhar de canto para mim.

— Como eu saí de um programador para um terrorista?

Me aproximei dele e coloquei a mão no fim de suas costas, enverguei o

corpo sutilmente para beijar seu pescoço e cheirá-lo, o que fez com que ele

se contraísse todo.

— Para tudo tem um começo. — Abri os armários para pegar o café e

as torradas. — O que você quer comer hoje?

— Nada. Acho que vou apenas tomar o café. — Peter abaixou a cabeça.

Torci os lábios.

— Você vai comer. Não há opção. — Meu tom de voz saiu autoritário.

— Vá para a sala e me espere na mesa.

Meio a contragosto, Peter deu as costas para mim e deixou a cozinha

para que eu preparasse a nossa refeição. Ele tinha essa péssima mania de

negligenciar a própria alimentação, principalmente em seus períodos mais

instáveis.

Mas a partir dali eu não estaria apenas o observando, e sim sempre por

perto, cuidando e protegendo, jamais permitiria que sofresse de novo com a

fome.

Eu inovei, fazendo mais de três opções na cozinha para que Peter

tentasse comer sem se sentir enjoado. Sentei à mesa junto dele e durante o

café da manhã puxei assuntos que ele gostava para distraí-lo.

Conversamos sobre os últimos lançamentos de terror, dos torneios de

League of Legends e vídeos do Youtube, evitei ao máximo falar sobre

tópicos que remetessem ao que havia o deixado mal.

Quando terminamos de tomar o café, fomos tomar uma ducha, nos

arrumamos e seguimos pelo elevador, do qual nenhum dos dois tinha

coragem de erguer a cabeça para a câmera.

Se bem que tomar aquela multa valeu a pena.

Liguei a moto, colocamos os capacetes e Peter segurou firme na minha

cintura para seguirmos viagem. Demorava longos minutos em direção a

casa de Shadow, pela floresta em que ele morava ser bem afastada do

centro.

Meu passarinho admirou a vista pelo caminho, em especial as que se

aproximavam da área interna da mata. Ele apontava para as árvores que


gostava e falava dos animais que cruzavam o nosso percurso.

Assim que a moto chegou no fim da trilha de pedras e terra, chegou a

hora de seguir a pé.

Parei a Kawasaki próxima a árvore que já havia marcado como

referência para desviar das armadilhas e ajudei Peter a retirar o capacete. A

primeira coisa que ele fez ao desembarcar foi inspirar fundo, girou os olhos

pelo ambiente e se concentrou em mim. Franziu as sobrancelhas e seu rosto

foi tomado por uma coloração rósea.

— Dean...

— O quê?

— Você saiu sem uma máscara.

Minhas pálpebras se recolheram e imediatamente levei a mão ao rosto.

Meu indicador tocou a cicatriz, sentindo toda a sua extensão. Soltei o ar

devagar, e apesar de ter sido inesperado, não me senti nervoso com a

situação.

— É, eu esqueci.

Ele sorriu para mim, de forma que senti a barriga vibrar. Refleti seu

gesto.

— Esse lugar é bem bonito. Até mesmo o ar daqui é diferente... —

comentou, rodando em seu próprio eixo. — Mas tem certeza de que o

Shadow vive por aqui? Não vejo nenhuma casa.

— É porque o resto do percurso temos que seguir a pé. — Entreguei a

mão a Peter, que a agarrou firme.

— Certo, espero que não seja muito longe.

— Só um pouco. Peço apenas para que fique sempre ao meu lado e não

solte a minha mão pelo caminho, tudo bem? Há armadilhas por aqui. —

Assim que desci o pequeno barranco, fiz apoio para que ele me

acompanhasse.

— Armadilhas? — Arregalou os olhos. — Quer dizer que aqui tem

muitos bichos grandes? Ou o seu amigo caça?

Ri discretamente e abaixei a cabeça.

— As armadilhas não são contra animais... são para os humanos.

— Meu Deus. — Ele apertou minha mão mais forte. — Seu amigo

realmente é alguém peculiar.

O dia estava abafado, e as árvores, que deveriam deixar o clima mais

ameno, contribuíam para o aumento da umidade, senti gotículas de suor se

formarem sob meus cabelos e Peter passou a mão pela testa.


Pelo caminho os pássaros sobrevoaram nossas cabeças e a

luminosidade que entrava pelas fenestras entre uma folha e outra nos

permitiram enxergar o restante da população animal que havia por ali,

principalmente os esquilos.

Quando enfim enxergamos a casa de madeira de dois andares, enviei

mensagem para Shadow avisando que estava chegando em sua casa, não

arriscaria bater na sua porta de surpresa.

Não demorou muito para que eu o visse na entrada, descalço, sem

camisa, de cabelos presos em um coque e vestindo apenas uma bermuda

preta. Assim que nos aproximamos, Shadow arqueou a sobrancelha e fixou

sua atenção em Peter.

— O que ele tá fazendo aqui?! — Esquivou os olhos para mim.

— Fale dele de novo nesse tom, que te darei um soco — falei. — Peter

é o meu namorado agora, então as minhas amizades são as dele também,

não há mais segredos entre nós. — Acariciei o dorso da mão de Pete.

Zack contraiu os lábios e encarou o homem ao meu lado, não lhe restou

outra opção senão aceitá-lo. Estendeu a mão para que ele a apertasse.

— Seja bem-vindo, Peter. Pode me chamar de Shadow.

Com a mão livre, Peter cumprimentou Zachiary. Ele deu as costas para

nós e fez sinal para que entrássemos na casa. A televisão estava ligada no

jornal e, em um tom alto e indignado, Zack deu a notícia.

— Acredita que o merda do Spencer foi solto? — Fechou o punho, com

a visão concentrada na tela. — Essas pragas conseguem comprar tudo com

seu dinheiro sujo... tudo. Mas não vamos deixar por isso.

— Acho que isso já era o esperado — falei.

— Quem é Spencer? — Peter perguntou.

Shadow virou-se para ele com as sobrancelhas levantadas e braços

abertos.

— Eu que moro isolado e você que não sabe o que tá acontecendo ao

seu redor?! Spencer é o bilionário que domina o setor financeiro, o cara foi

exposto recentemente por nós por tráfico e exploração infantil!

Peter entreabriu os lábios e arregalou os olhos.

— Realmente, a justiça só serve para aqueles que não podem pagar.

Shadow concordou com a cabeça e levou a mão aos cabelos, afastando

do rosto os fios soltos de seu penteado.

— Pois é, mas não vai ficar assim. Enfim, o que os trazem aqui? —

Colocou as mãos na cintura. — Sentiu saudades de mim, Dean?


— Peter quer explodir a sede da Dermaceuticals de Manhattan.

Zack retraiu as pálpebras e deu atenção para o meu namorado,

claramente surpreso por aquela notícia, aos poucos seu rosto foi tomado por

um sorriso que misturava satisfação e malícia.

— Não esperava por essa. É, você realmente é o parceiro ideal para

esse daí. — Inclinou a cabeça para mim. — A Dermaceuticals é muito

grande... — Caminhou até seu sofá e se sentou nele. — Não tenho material

suficiente aqui para isso.

Andei ao lado de Peter até o sofá e me sentei nele, enquanto meu

passarinho se manteve de pé, com os braços cruzados atento no que Zack

dizia.

— Podemos compra-los hoje, sem problemas — falei.

— Não, não, acho que dá pra encomendar. Bombas ativadas por

dispositivo eletrônico serão mais precisas e potentes do que as caseiras.

Porém, preciso de outra coisa... — Shadow apoiou a cabeça no encosto do

sofá. — Mapeie as câmeras da empresa, ao menos dos quatro andares que

precisaremos invadir para incluir as bombas. Não só isso, quero saber

também o nome da empresa de segurança que cuida da Dermaceuticals,

para que consigamos invadir o sistema e desativar por tempo suficiente. —

Levou a mão abaixo do queixo. — Há trabalhadores lá depois do

expediente?

— Sim, costuma ficar ao menos três seguranças e mais algumas

pessoas da limpeza... não sei ao certo quantas, mas são poucas.

— Certo... nesse caso será necessária bomba de gás também, essas eu

posso fazer — Suspirou e direcionou os olhos para mim. — Vamos precisar

de Zero e Monster.

— Por mim precisaria de mais pessoas — falei.

— Não, sem mais pessoas, apenas quem é de confiança, porque isso vai

dar uma merda muito grande. — O canto do lábio de Shadow se levantou e

ele estendeu a mão para Peter. — Pode me dar seu celular?

Rosnei baixo e o encarei de canto.

Zack me olhou de volta.

— Para anotar a lista de compras da ação. Relaxa aí, Masked. Não vou

roubar seu namoradinho. — Empurrou meu ombro com o dele.

— O quanto antes você acha que dá para pôr o plano em prática? —

Peter perguntou, com as mãos na cintura.

— Amanhã.


— Amanhã?! Certo.

— Vou elaborar melhor o plano e mando no grupo hoje à noite. —

Shadow encarou Pete — Preciso que me repasse o que foi pedido e siga as

instruções do que vou anotar aqui. Que horas encerra o expediente?

— Às 18 horas.

— Então às 20h a gente deve agir. — Shadow voltou seus olhos para a

tela e começou a teclar no bloco de notas de Peter.

Eu e meu amado nos entreolhamos em silêncio e ele sorriu para mim

discretamente. Peter estava seguro e confiante da decisão, ele sabia que

assim que tudo fosse para os ares, sua vida viraria do avesso. Não haveria

mais volta.

— Obrigado por nos ajudar, Zack — falei.

— Somos irmãos. E irmãos cuidam uns dos outros... — Shadow

terminou de digitar e entregou o celular de volta nas mãos de Peter. Ele

lançou um olhar de canto para mim. — Da próxima vez não apareça de

mãos vazias aqui.

Ri baixo.

— Pode deixar que será recompensado com muitas besteiras. — Fechei

a mão para ele, que deu um soquinho.

— Obrigado, Shadow. — Meu passarinho estendeu a mão. — Foi um

prazer te conhecer.

— Desculpa por ter me referido a você daquela forma no começo. Bom

te conhecer também... — Zack e Peter apertaram as mãos como se selassem

um trato.

Levantei do sofá, coloquei as mãos nos bolsos e olhei para Pete com

um sorriso de canto.

— Vamos? Acho que temos muito o que fazer hoje.

— É... temos. E acredito que dá pra acrescentar mais uma coisa nessa

lista — disse Peter, lendo o bloco de notas em seu celular.

— E o que seria? Não esqueci de incluir nada — Shadow falou.

Peter ergueu o rosto.

— Um spray de tinta vermelha.

Elevei a sobrancelha.

— Tinta? O que você tá planejando?

— Você verá.


Uma vez um cara, não tão sábio, disse: basta um dia ruim para tornar o

mais são dos homens em um lunático. E é verdade, porque o ocorrido dos

últimos dias foi o bastante para me empurrar ao lugar que não tinha mais

volta.

Para quem já considerou, por diversas vezes, morrer, eu sentia que não

tinha mais nada a perder. Deixei que o sentimento flamejante de revolta me

consumisse, e daquela vez, ao invés de permitir que a angústia me matasse,

preferi tornar a emoção em uma arma para me defender, lutar contra aquilo

que me destruía pouco a pouco.

No dia anterior, Dean e eu passamos a tarde rodando em

supermercados, farmácias e lojas de construção para adquirir tudo o que

fosse necessário para a ação. Ele conversou com os outros amigos de seu

grupo e repassou o plano dado por Shadow.

À noite, Dean e eu resolvemos brindar com um espumante sem álcool

para comemorar o meu caminho à liberdade. Ele quem me deu a ideia de

destruir a Dermaceuticals, e todo o suporte para que pusesse em prática.

Acho que homem nenhum no mundo faria por mim o que ele fez, e a cada

dia eu tinha certeza de que estava me relacionando com a pessoa certa.

Naquela manhã, Dean me levou em casa antes do trabalho e ficou do

lado de fora, no aguardo. Eu tive que passar ali apenas para vestir um


uniforme limpo e alimentar meu peixe, mas não consegui ignorar a bagunça

da casa, resolvi tirar algumas coisas do chão e organizar um pouco o

espaço.

Passei da sala para o quarto, desamassei e vesti a roupa, atei o nó da

gravata e então voltei até onde estava Vi. Fui até ela, em passos lentos, a

alimentei e agachei para que pudesse olhá-la a sua altura.

— Vi, hoje é um dia importante, que espero que dê tudo certo. Eu

pretendo voltar, mas caso isso não aconteça... saiba que não te abandonei,

que fui embora tentando o melhor para nós.

Inclinei o rosto até seu vidro e a beijei em despedida.

Levantei e fui a caminho da porta, com a mochila pesada, com bombas

de gás, máscara de gás, fita, lata de spray e uma faca, por precaução.

Dean ergueu a viseira ao me ver sair e trancar a porta e estendeu o

capacete para mim. Coloquei e subi em sua moto, agarrando-o firme pela

cintura a caminho do trabalho.

Naquele dia, apesar do receio de as coisas darem errado, me senti

motivado, o percurso até aquela empresa não pareceu mais tão denso assim,

porque o tempo inteiro eu me relembrava o porquê de estar voltando para

lá.

Quando desembarquei da moto frente as escadas, Dean segurou minha

mão e pressionou meus dedos.

— Tome cuidado.

— Irei.

— Dessa vez não vou conseguir estar por perto, mas todos os meus

olhos estarão sobre você, então, se precisar de ajuda, não hesite.

Sorri discretamente.

— Nos vemos mais tarde.

Ele levantou a viseira e piscou para mim antes de acelerar com a moto.

Virei de frente para a escadaria e respirei fundo, minhas pernas quiseram

fraquejar quando subi o primeiro degrau, mas fechei os olhos e lembrei do

porquê que voltei para aquele lugar.

Vou nos vingar, Steve. Eu, você e todos os trabalhadores que tiveram

suas vidas sugadas por essa empresa.

Retraí as pálpebras e consegui terminar de subir as escadas em direção

à entrada. Mantive a cabeça erguida, sem olhar para o chão onde Steve caiu.

Eu sabia que ao passar por aquela porta receberia uma série de

questionamentos a respeito do meu sumiço ontem, já que não atendi


ligações, muito menos respondi a e-mails, o que me gerou uma provável

advertência e desconto na folha de pagamento.

Mas eu não estava nem aí.

Nunca estive tão atento àquele espaço, jamais prestei atenção por onde

passava. No hall, olhei para os cantos a fim de mapear a posição das

câmeras e saber qual era o nome da empresa de segurança, que sempre

deixava uma etiqueta.

Discretamente peguei o celular do bolso para anotar. Eram três, uma

acima do elevador, em frente à porta de entrada, outra acima do balcão da

recepção do lado direito, outra na posição oposta à recepcionista.

Peguei o elevador, apertei em todos os andares e subi. O prédio era

inteiramente padronizado, os outros andares tinham o mesmo

posicionamento de portas, secções e câmeras, cheguei a passear por outros

setores para comprovar isso, o que deixou o meu trabalho ainda mais fácil.

Eu anotava e enviava as informações para Dean, que repassava aos seus

amigos.

Shadow iria hackear o circuito de câmeras para congelar as imagens no

momento em que eu fosse liberar a entrada, mas, por precaução, usaríamos

máscaras e evitaríamos os pontos de visão nítida do ato para caso o sistema

voltasse a funcionar, não alarmar o alerta de segurança.

Os trabalhadores noturnos seriam apagados com as bombas de gás, para

que não tivesse testemunhas, e retirados do prédio, então as quatro bombas

seriam distribuídas pelos andares para que a destruição fosse irreparável.

Cheguei ao nono andar e saí da cabine apressado.

Quando pisei no corredor da minha área, dei de frente com Wilhem que

estava do outro lado do setor. Ele afrouxou a gravata e veio até mim com as

narinas bem abertas, rosto vermelho e passos pesados.

Fingi que não vi aquilo, apenas atravessei os boxes até o meu cubículo

e coloquei a mochila apoiada na cadeira, bastou que me sentasse para ouvir

o grito.

— Quer ser demitido?!

Sim.

Ergui os olhos e franzi as sobrancelhas.

— Desculpe por não ter vindo ontem, senhor, eu estava com sintoma de

gripe e tive receio de contaminar a todos...

Ele deu um passo para trás.

— Você fez algum teste de COVID?


— Não tive dinheiro pra pagar, mas melhorei hoje, por isso vim

trabalhar.

— E aí, está melhor hoje? De repente? — Ergueu a sobrancelha.

Olhei para os lados e levantei os ombros.

— Hum... eu acho que sim. Os remédios ontem me deixaram dopado o

dia todo, mas fizeram efeito, pelo que parece.

Wilhem torceu os lábios e ficou em silêncio me encarando com os

braços cruzados. E eu, apenas liguei o computador, fingindo que ele não

estava parado feito um obsessor ao meu lado.

— Estou de olho em você, Peter. Vai ter desconto no seu salário —

sussurrou, antes de se afastar de mim.

Quando o desgraçado deu as costas, o olhei sobre o ombro e o canto da

minha boca se repuxou, voltei a atenção à tela e mais e-mails chegavam

com outros projetos acumulados e tarefas inacabadas. Aquilo seria uma

ótima desculpa para ser novamente o último a sair do setor.

Evitei de olhar em direção ao cubículo onde Steve um dia esteve

sentado, não queria ter as memórias invadidas de novo pela sensação que

me deixava para baixo, mas relembrava do ocorrido em pequenas doses, o

suficiente para manter a minha coragem inabalada.

Enquanto eu fingia trabalhar, fazendo o máximo de corpo mole possível

durante o expediente, Carter passava pela minha mesa algumas vezes com

uma careta, não sabia se era para fingir serviço, como ele sempre fazia, ou

para esfregar em meu rosto seu crachá com o título medíocre.

Não dei o gosto a ele, mantive os olhos fixos na tela, codificando

devagar.

Estive tão focado no plano, repassando as ordens mentalmente, que

sequer vi as horas passarem, quando notei, faltava pouco para o expediente

acabar, olhei para o relógio e o ponteiro mais longo se alinhava ao lado

oposto do menor. 18 horas.

Em ponto, quando tocou o alarme, alguns se levantaram rapidamente

para sair, e os poucos que ficaram se apressavam, digitando rápido ou

olhavam para suas telas repuxando os cabelos, visivelmente ansiosos para

terminar e ir embora.

Eu permaneci no meu cubículo, com a expressão tensa e concentrada na

tela, enquanto os dedos digitavam o mesmo código repetidas vezes a fim de

chegar em lugar nenhum.


Assim que as luzes começaram a ser apagadas, levantei do meu lugar,

guardei as coisas e fui em direção ao banheiro, onde entrei em uma das

cabines, encostei a porta sem trancar e coloquei ambos os pés sobre o vaso

a fim de fingir que não havia ninguém, e ali permaneceria até a hora do

ataque.

Àquela altura, conforme os números mudavam na tela principal do meu

celular a cada minuto, minha tremedeira se intensificava. Apertei bem o

aparelho em minhas mãos, sentindo o estômago se revirar e o corpo esfriar

de tal forma, que o suor parecia congelante.

Inspirei lentamente e soltei o ar devagar, tentando me acalmar, estava

perto demais para voltar atrás, mas distante o bastante para abortar a missão

a tempo.

Cheguei a abrir a conversa com Dean, e olhei para a tela por segundos

pensando no que dizer. Estava em conflito, o sentimento sedento por justiça

deu lugar a sensação primal que me acompanhava desde sempre: o medo.

Não posso me acovardar de novo, não posso, não posso.

Tentei me encorajar, repetindo a mesma frase como se fosse um mantra.

Não, não dá pra mim.

Comecei a digitar para Dean que não queria mais fazer aquilo, até que,

antes de apertar o enter, ele me mandou uma foto dele com os outros três

rapazes dentro do carro, com máscaras. Dean estava com sua máscara de

Masked Guy e junto dele havia um rosto de palhaço sorridente e assustador,

uma máscara preta e lisa com chifres e um que parecia um smile, mas em

tom de branco ao invés de amarelo.

[Masked Guy]: Shadow já paralisou as câmeras e desativou o

sistema de segurança.

— Merda.

Era tarde demais e a hora havia chegado.

Quando voltei para a tela principal, deu o horário certo, eles estavam a

caminho e eu deveria cumprir meu papel, senão prejudicaria não só a mim,

mas Dean e todos os seus amigos.

Desci os pés do vaso e empurrei a porta da cabine lentamente, que

rangeu. Abri a mochila e tirei de lá uma máscara de gás, que levei ao rosto,

e a bomba de gás que deixaria os trabalhadores inconscientes.

Andei devagar com a bolsa nas costas, os segundos eram contados,

cada passo tinha que ser milimetricamente calculado.


Assim que abri a porta do banheiro, encontrei o ambiente escuro e

vazio, caminhei pelos boxes em direção ao corredor que dava para o

elevador, mas logo que dei de cara com uma mulher limpando a entrada do

setor, encostei na parede ao lado, em silêncio.

Meu coração batia forte, a pulsação estava tão aumentada que pude

sentir a artéria inchada no pescoço e até mesmo engolir a saliva se tornou

difícil. Peguei a primeira bombinha, sacudi para misturar os ingredientes e

dar o vapor, então agachei, destampei e joguei baixo até ela.

A mulher chegou a gritar, mas o som de seu corpo se chocando contra o

chão veio rapidamente. Deu certo.

Pressionei as pálpebras de nervosismo e olhei as horas, tinha que ser

mais rápido, em poucos minutos os Hunters estariam lá e eu não poderia

deixá-los esperando do lado de fora, também porque Shadow não

conseguiria manter o congelamento da câmera de forma não-suspeita por

muito tempo.

Corri até o elevador e apertei o botão. Enquanto aguardava, meus pés

batiam incontrolavelmente no chão, olhei para a mulher caída atrás de mim

e franzi as sobrancelhas.

— Me desculpe.

Assim que a porta do elevador se abriu, entrei para conseguir passar

nos outros setores que sabia que haviam os trabalhadores noturnos a fim de

desacordá-los com o gás.

Por último cheguei no hall, o ambiente estava à meia-luz e havia apenas

um segurança por ali. Arqueei a sobrancelha, geralmente costumava ficar

dois. Naquele espaço não tinha como me esconder, pisei para fora do

elevador e assim que o segurança me viu, colocou a mão para sacar a arma,

mas eu já havia sacudido e destampado a bomba.

— Mãos para o alto! — ele gritou. — Ponha o objeto no chão!

Larguei o gás. O segurança começou a se aproximar em passos rápidos,

até que ao perceber os olhos pesados e o caminhar de pernas trocadas, levou

uma das mãos ao seu rádio e, antes de falar, caiu desacordado.

Fui até ele e agachei ao seu lado para pegar as chaves do cadeado da

porta central, que não tinha catracas.

Me aproximei da entrada de vidro e vi, do alto, o carro preto frear

bruscamente do outro lado da rua e então as portas se abriram e de lá saíram

os mascarados, com as blusas de mangas longas, calças pretas e coturnos.

Todos com mochilas, mas somente dois com armas nas mãos, Masked Guy


e o de máscara de palhaço, pela altura em relação ao Dean, deduzi que fosse

Shadow.

Destranquei o cadeado e puxei a corrente pesada para abrir as portas

para liberar o resquício do ar empesteado com o gás antes de eles chegarem.

Os quatro Hunters subiram as escadas e me encontraram no hall às

escuras.

Masked Guy apoiou a arma na cintura, retirou uma das alças da

mochila das costas e abriu a bolsa.

— Trouxe algo pra você. — De lá, puxou uma máscara preta e branca,

com um formato alongado e expressão assustada, semelhante ao Ghostface.

Tirei a máscara de gás do rosto e entreguei nas mãos dele.

— Obrigado. — Peguei a nova máscara e escondi a face com ela.

— Prazer em te conhecer, Peter. — O de disfarce com chifres me

entregou a mão e a apertei. — Monster.

— Agradeço por vir, Monster.

— E eu sou o Zero. Caaara... que ideia doida! Mas foda. — O de

máscara de smile acenou.

— Já acabaram com o social? — Shadow abriu os braços. — Vamos

agir, porra! Não temos tanto tempo... — Ele olhou a tela do seu celular. —

Logo eles vão conseguir tirar o vírus do sistema.

— Quantas pessoas ainda há no prédio? — Monster perguntou.

— Além do segurança aqui embaixo, cinco. No segundo andar, quarto,

sexto, nono e décimo primeiro — falei

— Beleza. Monster e Masked, vocês são mais fortes, ajudem a tirar as

pessoas do prédio, depois o Monster fica de vigia aqui no hall, enquanto

Masked sobe para o segundo andar para instalar a última bomba. —

Shadow apontou para as escadas de emergência e virou-se para mim e Zero.

— Vocês dois, instalem as bombas em um local central do setor... — Ele

guardou a arma, abriu a mochila para tirar de lá uma bomba com

transmissão eletrônica e entregou em minhas mãos. — Peter, décimo

segundo andar, Zero sétimo, eu estarei no quarto.

Bateu palmas para que agíssemos rapidamente.

Shadow foi de escada, enquanto Zero e eu seguimos para o elevador a

fim de irmos para os andares e instalar as bombas. No instante que as portas

da cabine se fecharam, minhas mãos começaram a tremer segurando aquela

coisa pesada e altamente perigosa.

Zero direcionou o rosto mascarado para mim.


— Fica calmo, vai dar tudo certo.

— Não estou nervoso.

— Suas mãos dizem o contrário.

— E se não funcionar? E se alguém inocente morrer?

— O plano foi elaborado justamente pra evitar erros. Relaxa... —

Assim que o elevador chegou no sétimo andar, Zero se pôs para fora e

virou-se para mim antes das portas se fecharem. — Esse será seu primeiro

crime de muitos!

Ouvi suas gargalhadas antes da cabine voltar a subir.

Apesar de a frase ter sido dita em tom de piada, ele estava parcialmente

certo. Aquele ato mudaria a minha vida para sempre, eu não seria mais um

cidadão comum, e sim um criminoso.

Quando a porta se abriu naquele corredor vazio e escuro do último

andar, dei alguns passos lentos, sentindo como se o coração estivesse para

saltar do peito. Não tinha muito tempo e não havia mais volta.

Corri pelo corredor até as portas do setor e as abri com um chute, então,

em meio à escuridão, fui até a mesa central, coloquei cuidadosamente a

bomba e fui ágil para pegar o elevador de volta para o hall.

Apoiei a mão sobre o peito apertado, repuxando a blusa de nervosismo,

daí notei, que mesmo de máscara eu estava com o uniforme da empresa.

— Droga. Já tô ferrado mesmo, que se dane.

Assim que cheguei no térreo, estavam parados Zero e Monster

próximos à porta, me aproximei deles para esperar por Masked e Shadow

para partirmos e as bombas explodirem.

Dean apareceu pela saída da escada de emergência e veio em passos

rápidos até nós.

— Cadê o Shadow?! O alarme de cima já está começando a piscar, essa

merda vai alarmar! — falou alto com seus amigos.

— Eu sei lá, porra! Ele disse que ia colocar a bomba! — Zero gritou de

volta.

— Galera, vambora, isso vai dar ruim! — Monster apressou.

Masked se aproximou de mim e colocou a mão na minha lombar,

acariciando-a.

— Você está bem? — disse em um tom de voz baixo.

— Sim, estou.

— Parados aí! — gritou uma voz ao fundo.


Quando Dean pôs a mão na arma, o cano da pistola foi apontado para

mim, que estava perto dele, ele então tomou a frente, me colocando sob sua

proteção.

— Larga a arma! — O homem mandou.

Droga, eu sabia que tinha mais um segurança no hall!

Levantamos as mãos.

— Eu vou abaixar para deixar a arma devagar no chão, está bem? —

Masked disse, se movimentando lentamente enquanto estava sob a mira.

Antes mesmo que ele pudesse deixar o revólver no piso, Shadow

apareceu repentinamente nas costas do segurança e colou o cano da pistola

em sua cabeça.

O homem arregalou os olhos, puxou o ar e ergueu as mãos.

— Shiu, shiu, shiu. Você não vai olhar para trás, muito menos se mexer,

senão eu estouro seus miolos. Como um bom cidadão, vai deixar eu e meus

amigos irem embora, certo? — Sua voz saiu suave e calma.

— Sim, sim. Eu vou deixar vocês irem. — O segurança concordou.

— É claro que vai. — Num movimento rápido, Shadow agarrou o

homem por trás, tampando seus lábios e nariz com um pano. Ele segurou

firme o cara que deu dois tiros para o alto e se debateu por pouco tempo até

desacordar.

— Wow! — Zero gritou. — Coisa de Hollywood! Esse é o meu líder!

— Cala a boca.

— Vem cá calar com a sua — rebateu.

Arqueei as sobrancelhas. E de repente um barulho agudo começou a

soar e algumas luzes piscarem.

— Vamos embora! — Dean ordenou, me dando a mão para sairmos

rapidamente dali.

O alarme de segurança chamaria a polícia que em breve estaria no

local, e tínhamos que fugir e explodir as bombas o quanto antes, ou

correríamos o risco de falhar e de matar inocentes.

Enquanto descíamos os degraus com pressa e Shadow carregava o

último segurança para fora do prédio, parei no meio das escadas.

— Espera! Eu preciso fazer uma coisa! — falei.

— Peter, a gente precisa ir agora!

— É rápido! — Retirei a alça da mochila do ombro e a abri para pegar

a lata de spray vermelho, e então subi os degraus correndo enquanto sacudia


a tinta. Assim que cheguei ao piso onde Steve Dix caiu... agachei para

pichar. — Você será lembrado.

Enquanto eu escrevia, ouvi de longe os outros rapazes gritarem, e o

som da sirene, ainda que distante, se fez presente.

— Peter! Os policiais entraram na rua!

Bastou que eu desse o pingo no ponto de exclamação ao término da

frase, para que meu corpo fosse puxado. Masked me pegou no colo e me

colocou sobre seu ombro. Ele desceu rapidamente a escadaria me

carregando e assim que entramos no carro, a polícia começou a se

aproximar.

— Você é maluco! — Zero gritou para mim.

— Acelera, Monster! — Shadow perdeu a calmaria em sua voz.

O Porsche preto saiu derrapando e cantando pneu pelas ruas vazias do

centro de Manhattan enquanto as luzes vermelha e azul estavam na nossa

cola.

Eu estava no banco detrás, no meio de Zero e Dean. Arregalei os olhos

ao direcionar a atenção para o vidro e notar que um dos policiais colocou o

cano da arma para fora.

— Segurem! — O nosso motorista maluco gritou e então, numa das

rampas, ele jogou o carro para a lateral, que fez com que caíssemos para a

segunda pista e seguiu em alta velocidade soltando fumaça.

— Meu Deus, meu Deus, meu Deus! — falei, me segurando para não

berrar.

Zero gargalhava ao meu lado, enquanto Dean acariciava minha mão,

numa tentativa de me acalmar, inclusive, ele falhou em prender o riso, que

saiu baixo, mas indiscreto.

Monster acelerou para uma das ruas onde havia um beco, entrou em

uma viela e deu a ré, jogando o carro na escuridão.

As patrulhas passaram direto.

Somente ao parar de ouvir o barulho da polícia que consegui soltar o ar

que tanto prendia e respirar direito.

Monster apoiou o cotovelo no banco e olhou para trás.

— É, acho que ainda tenho jeito pra voltar a ser piloto de fuga.

— Você foi foda, maninho! — Zero disse. — Só tem cara foda e

maluco aqui!

— Zero, você não consegue calar a boca? — Dean disse.


Ri baixo. Apesar de estar entre estranhos, eu não me senti

desconfortável no meio deles, pelo contrário, foi como se fosse acolhido e

os conhecesse há um bom tempo.

— Agora vamos acabar logo com isso, antes que o esquadrão

antibombas chegue — Shadow abriu em seu celular o alarme ativador dos

explosivos.

— Espera! Deixa eu levar a gente para um lugar pra apreciar o

espetáculo antes. — Monster engatou a marcha e saiu devagar do beco,

então voltou a pegar a pista em direção a algum lugar.

Ninguém até então pareceu saber o que ele tinha em mente, até que

depois de percorrer algumas ruas pouco movimentadas, chegamos a um

lugar mais vazio, em que havia um estacionamento com andares a céu

aberto.

Monster tirou o ticket na cancela e subiu com o carro, até que fôssemos

parar no último andar e, ali, àquela hora, não havia nenhum outro veículo

além do nosso.

Quando as portas se abriram um vento gélido passou por mim, o que

me fez encolher os ombros. Retiramos as máscaras e caminhamos em

direção ao parapeito do estacionamento que dava vista para uma boa parte

do centro, em especial ao prédio da Dermaceuticals.

Shadow ergueu o celular com o disparador na tela.

— Prontos para o espetáculo? — perguntou.

— Explode logo! — Dean disse, impaciente.

E com apenas um toque, as explosões se iniciaram, feito fogos de

artifício.

Ali, senti como se um peso tivesse sido tirado das minhas costas, que

enfim estava livre e seria um novo começo.

Encostei meus dedos nos de Dean, que pegou na minha mão, unindo as

nossas palmas, então olhei para ele, que me encarou de volta.

— Essa foi a coisa mais romântica que alguém já fez por mim — falei.

— Você me salvou, Dean... obrigado.

Os cantos de seus lábios se ergueram e ele se aproximou para me beijar

enquanto o prédio à frente era consumido pelas chamas e desmoronava.

Devido ao sucesso do crime cometido, todos os Hunters foram para a

casa de Dean comemorar. Ficamos acordados até de madrugada, eu estive

mais distante da conversa, porém gostei de ouvi-los falar, principalmente

Monster e Zero que eram enérgicos e engraçados.


Pelo horário que a algazarra acabou, Dean preferiu que eles dormissem

por lá, em sua sala, enquanto nós dois ficaríamos no quarto.

Nunca dormi tão bem quanto naquela noite.

Na manhã seguinte, despertei com algumas batidas fortes na porta do

quarto. Arregalei os olhos e sentei na cama sentindo o coração acelerado, o

suor escorreu frio e diversas paranoias surgiram de imediato.

— É a polícia? — murmurei.

Dean ergueu as pálpebras logo depois.

— O que vocês querem?! — gritou.

— Pombinhos, vocês precisam ver isso! Venham logo! — Era a voz de

Zero.

Dean e eu nos entreolhamos, então peguei os meus óculos que estavam

apoiados na cômoda ao lado e deixei a cama junto dele, assim que

chegamos na sala, a televisão estava ligada no noticiário e os três Hunters

com a atenção vidrada na tela.

Quero dizer, os três não, Shadow alternava seu olhar entre a notícia e o

celular.

A repórter mostrava os estragos da explosão provocada na sede da

Dermaceuticals em Manhattan e alguns policiais falavam da perseguição. A

câmera focava nos escombros, até que direcionou a atenção para a minha

mensagem.

Pichado no chão, com vermelho escuro, estava ‘’Dermaceuticals

assassinou Steve Dix!’’.

[Repórter]: Agora vamos entrevistar Wilhem Parker, o gerente da

unidade. Wilhem, você tem algo a dizer sobre a mensagem no chão?

Muito desconcentrado e descabelado, deixando mais evidente a sua

calvice, o desgraçado puxou o microfone da mão da jornalista e fixou seu

olhar raivoso, apontando para a câmera.

[Wilhem]: Eu sei que foi você, moleque! A polícia vai descobrir e vai

te pegar!

A repórter tomou o microfone de volta.

[Repórter]: Wilhem, o que você tem a dizer sobre Steve Dix, o

funcionário da Dermaceuticals que faleceu na empresa dias antes do

ocorrido?

Enquanto o gerente dava as costas para a imprensa e se afastava do

foco das câmeras, um sorriso aos poucos se abria em meu rosto.


— As ações do grupo S’kin caíram muito e no Twitter já estão expondo

os abusos das outras empresas com a hastag justice4steve — Shadow

comentou e olhou para a televisão. — Acho que encontramos uma forma de

derrubarmos esses caras. Spencer será o próximo.

— Como você se sente agora? — Dean perguntou, pondo a mão em

meus cabelos.

— Aliviado, eu diria — respondi, com a visão fixa na tela. — O

problema é que agora, provavelmente serei procurado e ficarei sem

trabalho. — Desviei a atenção para ele.

— Você pode morar comigo, eu pago as suas coisas — Dean rebateu.

— Não quero depender de você.

— Quem disse que você vai ficar sem trabalho? — Shadow se levantou

do sofá, se aproximou de mim e estendeu a mão. — Você é programador,

não é? Que tal fazer parte dos Hunters?

Engoli em seco e ergui o olhar para o meu amado, que concordou com

a cabeça, apoiando a decisão.

Aquela era uma responsabilidade muito grande, até porque eu esperava

que pela quantidade de dinheiro que Dean tinha, se envolvia em esquemas

de pessoas poderosas, o que era arriscado.

— Aceita! Aceita! — Zero torceu.

— Eu apoio! — Monster disse.

Alternei meu olhar entre a mão de Shadow e as íris de Dean.

Umedeci os lábios, pensando no que fazer.

Tive noção desde o início que aquele dia mudaria a minha vida. Cometi

o primeiro crime e me tornei um alvo de investigação, não tinha mais volta.

Apoiei minha palma sobre a de Shadow, que a apertou, então ele sorriu.

— Bem-vindo aos Hunters... Ghost.


Eu assumi uma nova vida.

Com a destruição da unidade da Dermaceuticals em NY, enfim me vi

livre da empresa. Eles deram a opção de quebra de contrato em acordo ou

de renovação, mas para a unidade de Los Angeles. Preferi a quebra e fiquei

sem o contrato... e sem a casa em que morava.

Dean ofereceu seu apartamento para que vivêssemos juntos, e eu fui

sem pensar duas vezes. Me livrar daquela casa, que me recordava dos maus

momentos, ajudou ainda mais no meu processo de encerrar um ciclo para

começar outro ao lado da pessoa que amava.

Desde a ação na Dermaceuticals, a polícia iniciou uma investigação

pesada à procura dos culpados pelo ato ‘’terrorista’’. Nós ficamos

ligeiramente despreocupados, porque Shadow conseguiu, com muito custo,

apagar todas as imagens do armazenamento do sistema de segurança. Além

disso, desacordar as testemunhas e cobrir os nossos rostos tornou a

identificação quase impossível.

Apesar de ainda estar com a ficha limpa, eu não tinha coragem de

voltar à rotina de um cidadão comum. Me via cada vez mais imerso nas

ações dos Hunters, que, ainda que fossem consideradas um crime, eu

enxergava como um ato de justiça contra aqueles cuja grana comprava a

inocência.

As nossas ações não se limitariam à internet por muito tempo. Shadow

articulava algo maior desde que percebeu o impacto que o prédio derrubado

teve, não apenas econômico, mas social. E eu estava pronto para isso.


A notícia se difundiu de forma tão grande, que minha mãe soube tudo o

que aconteceu dois dias depois e me ligou desesperada para saber o que

seria da minha vida após isso, perguntou se eu voltaria para Fredericksburg

ou mudaria para Los Angeles por conta da Dermaceuticals. Para deixá-la

tranquila, menti que recebi uma proposta de trabalho em uma empresa

melhor ainda em Nova York, mas que iria visitá-la na semana seguinte para

matar a saudade.

E aquela semana que tanto esperei enfim chegou.

Dean e eu estávamos na hidromassagem, relaxando um pouco antes da

viagem. À noite ficávamos afastados, cada um em seu computador,

concentrados nos crimes. Mas durante o dia... vivíamos uma eterna lua de

mel, mesmo que ainda não estivéssemos casados.

Apertei mais minhas pernas ao redor de sua cintura sob a água e ele

inclinou seu corpo para cima do meu a fim de me beijar. A firmeza com a

qual seus dedos se pressionavam contra a minha pele contrastava com a

leveza de sua língua deslizando pela minha.

A mão maliciosa de Dean escorregou da minha cintura mais para baixo,

onde ele segurou forte a minha bunda e pude sentir sua ereção se esfregar

em mim, eu estava igualmente duro.

— Acha que dá tempo de uma rapidinha antes de Monster e Zero

chegarem? — A voz dele saiu baixa e carregada de tesão. Ele arrastou o

lábio pelos dentes enquanto me encarava.

Franzi as sobrancelhas e envolvi mais os meus braços em torno de seu

pescoço.

— Acho que não... você demora pra gozar, Dean. — Torci os lábios.

Ele riu e abaixou o olhar, seguido por um suspirar forte.

— Merda, a gente não tinha que ter entrado na banheira juntos com tão

pouco tempo livre — rosnou.

Elevei o canto do lábio, desci uma das mãos que apoiava em sua nuca

para o peitoral e segui um pouco mais para baixo encarando seu olhar

escurecido de tesão e o rosto avermelhado.

— Há outras formas da gente se aliviar. — Mordisquei minha boca e

dei-lhe um ligeiro toque nos lábios.

Dean agarrou firme meu corpo e o ergueu da água, fui colocado deitado

de barriga para cima sobre as madeiras da borda da hidromassagem. Ele

segurou nas minhas coxas e seu rosto entrou no meio delas.


Enquanto seus lábios beijavam lentamente o interno das minhas pernas,

os olhos lascivos se compenetraram nos meus. Dean desceu até a minha

virilha e foi mais para baixo, usou apenas a ponta da língua na minha

entrada, aquilo me fez arrepiar. Aos poucos usava mais de sua língua,

afundando o rosto contra a minha pele.

Arfei e apoiei as mãos em seus cabelos, então ele se voltou à minha

ereção e a lambeu antes de colocar na boca. Conforme me sentia bater

contra sua garganta, latejei intensamente e gemi baixo.

Dean me chupava por inteiro enquanto seus dedos me apertavam.

Entremeio as mãos em seus fios e os puxo à medida que o corpo aquecia e a

sensação de prazer perambulava na superfície da minha pele.

Ele emergiu da água e se colocou sobre mim, encostou seu pau no meu

e os envolveu com a mão para masturbar nós dois ao mesmo tempo.

Tentei beijá-lo, mas o tesão do esfregar era tão grande que se tornou

quase impossível de manter os lábios unidos. Nossas bocas ficaram perto

uma da outra, trocando o ar das respirações pesadas e os gemidos baixos.

Coloquei o braço sobre seu ombro e pressionei as pálpebras

firmemente. Estava no meu limite, gozei entre seus dedos e Dean usou a

minha porra para nos tocar ainda mais rápido, uma aflição me fez

estremecer.

— Tá sensível! Chega! — avisei.

No momento em que iria me desvincular dele, ele chegou ao seu ápice,

se derramando sobre mim. Seu corpo pesado recaiu no meu, acariciei suas

costas devagar e suspirei.

— Acho que a gente vai ter que se apressar... ainda bem que as malas já

estão prontas. — Dean riu.

— Sim, mas acredito que dá para tomarmos uma ducha rapidinho —

falei. — Tá mais aliviado pra seguir viagem agora?

De olhos fechados, ele afirmou.

Nos levantamos para tomar um banho separado e terminar de nos

arrumar e conferir as coisas da viagem, bastou que checássemos os últimos

itens para que o interfone tocasse. Dean foi atender e permitiu que Monster

e Zero subissem, o Monster nos emprestaria o carro e o Zero ficaria no

apartamento para cuidar de Vi e Seraphine enquanto estaríamos fora.

Dean sentou no sofá e abriu o celular para conferir o roteiro da viagem.

Seria um bom tempo dirigindo de Nova York até Fredericksburg, e ele faria

isso sozinho... porque só ele tinha a carteira de habilitação falsa.


Eu estava terminando de trazer as malas para a sala quando a

campainha tocou. Atendi e bastou que abrisse a porta para que Zero entrasse

na casa com os braços erguidos.

— Que vidão! Três dias com esse luxo de apartamento só pra mim! —

Se jogou no sofá ao lado de Dean, que o encarou de canto com a

sobrancelha erguida.

— Nada de festas ou trazer alguém pra cá. — Direcionou a atenção

para mim. — Trancou a porta do quarto?

— Tranquei.

— Relaxa, eu tava só brincando. Vou cuidar bem da cobra e peixinho

de vocês.

— Bom dia — Monster foi mais educado antes de entrar, nos

cumprimentou e passou pela porta com as mãos nos bolsos. — Masked, já

deixei o carro abastecido, com o tanque cheio.

Dean se levantou e ergueu a mão para Monster, e bateram as palmas,

seguido por um soquinho de companheirismo e a entrega da chave do

veículo.

— Valeu, cara. Te devo uma.

— Você me deve é muitas! — Ele riu. — Boa viagem, amigos.

— Obrigado, Logan — falei, dando-lhe um aperto de mão e olhei para

Zero, que estava esparramado no sofá, mexendo no celular. — Ei! Lembre

de conversar com a Vi para ela não se sentir sozinha!

Tae guardou o celular e se ajeitou sobre as almofadas com a expressão

confusa.

— Falar com um peixe?

— E converse com a Seraphine também. Faça isso! — Dean disse a

última frase em tom de ordem, o que fez com que Zero abrisse mais a boca.

— Tá, tá, pode deixar... — Levantou as mãos. — Vocês são malucos.

— Bem, estamos indo... — Peguei na alça das minhas malas e as

arrastei até o corredor. — Tchau, rapazes!

— Valeu, Ghost! — Monster retribuiu — Boa viagem! — repetiu.

— Qualquer coisa me liguem. E não façam merda no nosso

apartamento, se não caço vocês.

Eles riram e concordaram.

Nosso apartamento. Eu amava quando Dean se referia ao seu lar

daquela maneira, porque ele não me via como um inquilino na sua casa,

mas sim seu companheiro, que dividia a vida e os bens.


— Tchau, pombinhos! Boa viagem! — Ouvi Zero gritar pela última

vez.

Arrastamos as nossas bagagens pelo corredor até o elevador e assim

que entramos para descer até o estacionamento, ouvi o meu namorado

suspirar profundamente e revirar os olhos. Mesmo que a máscara

descartável escondesse parte do seu rosto, pude notar seu semblante

preocupado.

— O que te aflige? — perguntei.

— Eu acho que foi uma má ideia deixar o Zero no apartamento,

principalmente pra cuidar da Vi e Seraphine. — Colocou uma das mãos no

bolso e concentrou sua atenção no painel.

— Acha que deveríamos chamar o Shadow para ficar de olho nele? Pra

mim ele parece bem responsável.

Dean soltou uma risada curta e me deu atenção.

— Chamar o Shadow? Pra quê? Para ele e Zero treparem em cada

canto do nosso apartamento? Nunca! — Balançou a cabeça em negação. —

Zack sozinho é responsável, com o Tae é outra coisa.

— Então vamos apenas ter fé. Não vai acontecer nada com a nossa

casa. — Soltei o ar devagar e fechei os olhos. — Por favor, Deus.

Ele riu e afastou a mão do bolso para segurar na minha, entrelaçando os

nossos dedos.

— É, não vai acontecer nada... se acontecer, Zero será um homem

morto.

Expressei um sorriso e inclinei os olhos para seu rosto. Quando a porta

do elevador se abriu, saímos dele e caminhamos em direção ao carro preto

de Monster, que estava totalmente novo, sem um arranhão, e de placa

trocada.

Guardamos as malas nos bancos detrás e Dean tomou a direção para

deixarmos seu condomínio rumo à estrada. Seriam apenas três dias em

Fredericksburg, pouco tempo, porque os Hunters precisavam de nós, mas o

suficiente para matar a saudade da minha família e apresentar o meu

namorado.

Não contei para a minha mãe que estava namorando, muito menos

morando junto com ele, e tampouco havia comentado para Dean que meus

pais não esperavam por ele, seria surpresa para os dois. Preferi manter

assim porque sabia que minha mãe ficaria desesperada por eu levar alguém

da cidade grande para lá, como se fosse um grande evento, e para Dean eu


fingi que já havia falado dele pra minha família há semanas, pra não ficar

tão nervoso sobre a primeira impressão que eles teriam.

Meu namorado colocou Deftones para tocar no carro, a minha banda

favorita, que ele também gostava. Eu retirei os tênis e coloquei os pés com

as meias sobre o banco, abri um pouco mais o vidro e fechei os olhos,

sentindo o vento bagunçar meus cabelos.

— Eu acho que deveríamos levar algo daqui para os seus pais, nem que

fosse uma camisa brega daquelas com o ‘’I love NY’’ — disse ele,

concentrado na pista.

— Pra quê?

— Sei lá, um agrado. Quem não gosta de presentes?

— É... antes de sair da cidade a gente passa em uma dessas lojinhas à

beira de estrada para levar um chaveiro, alguma coisa.

Senti os dedos dele deslizarem pela minha perna e apertou a minha

coxa.

— Você é muito desligado, passarinho.

Sorri discretamente. Eu gostava mais quando ele me chamava assim do

que quando dizia meu nome, até a entonação em sua voz era diferente, mais

suave, como se a ponta de sua língua ficasse mais tempo tocando o céu da

boca só para aproveitar a pronúncia da palavra.

Antes de pegar a estrada que deixava Nova York, passamos primeiro

por um McDonalds, depois na loja de lembrancinhas, compramos um

chaveiro e bonezinho para levar para os meus pais. Dean fez muita questão,

parecia querer agradá-los de qualquer forma.

Mal sabia ele que eles sequer o esperavam, e aquilo me deixou com a

consciência um pouco pesada.

Levei a mão à perna dele e acariciei.

— Amor… tem algo que preciso contar a você.

Por estarmos em uma pista livre, Dean se permitiu desviar os olhos do

caminho para mim e arqueou a sobrancelha.

— O quê?

Senti o coração bater um pouco mais rápido, recolhi os lábios e

pressionei os dentes.

— Meio que… meus pais não sabem de você ainda.

O ouvi respirar forte. Dean abaixou a máscara até o queixo e passou

uma das mãos pelo rosto, esfregando-o, retornou os olhos para a estrada.


— Por que você fez isso? Caralho, Peter... — Passou a mão pelos fios

dourados que caíam em sua testa, levando-os para trás. — Por que não

contou a eles? Ao menos sabem que você gosta de homens?!

— Calma, calma, Dean. É que a minha mãe surta se eu falar que tô

levando gente da cidade grande pra lá e no seu caso, não queria que ficasse

nervoso antecipadamente.

— Bem, não fiquei nervoso com antecipação, mas tô nervoso agora.

Não sei se muda muita coisa. — Pude ouvi-lo soltar o ar com raiva.

— A minha família sabe que sou gay, isso não é um problema. Acho

que vão gostar de você, principalmente por ser carinhoso e levar as

lembrancinhas... vou dizer que nos conhecemos na empresa nova em que

estou trabalhando. — Ergui os ombros. — Vai dar tudo certo.

— Vai dar uma merda...

— Vai dar certo! — Dei dois tapinhas na mão dele, que estava apoiada

na marcha.

— Espero que sim. — Ele virou a palma da mão para cima a fim de que

eu a segurasse. — Na mentira eu posso dizer que você é meu funcionário e

te contratei por achar um gostoso? — Ergueu o canto do lábio.

Ri.

— Não.

— Vou dizer então que te contratei e você deu em cima de mim.

Balancei a cabeça em negação, sustentando um sorriso no rosto.

— Não tem graça, Dean.

— Então por que você tá rindo? — Direcionou os olhos para mim

rapidamente e voltou a atenção para a estrada.

— Porque é uma ideia absurda de ridícula. Vamos só dizer que

trabalhamos no mesmo setor e nos envolvemos a partir disso, não precisa

tanto detalhe, só de ter um contexto basta.

Entrelacei mais os nossos dedos.

— Tudo bem, então. Mas ainda acho a minha ideia melhor. — O canto

de seu lábio se ergueu e eu refleti o seu sorriso.

Passamos longas horas na estrada, entre pausas em lanchonetes e postos

de gasolina até chegar em Virginia e mais alguns minutos até

Fredericksburg. Passei tanto tempo distante da minha cidade natal, que me

esqueci de boa parte do caminho até a minha casa, foi preciso abrir o GPS

para conseguirmos um direcionamento.


Quando passamos por muitas áreas de mato e enfim chegamos em

frente a casinha pequena de madeira branca e poucas janelas, senti meu

peito se apertar e os olhos arderem. Empurrei os óculos para cima dos olhos

e inspirei profundamente.

Assim que desembarcamos do carro, alguns vizinhos apareceram em

frente às suas casas ou mantiveram um olhar curioso sobre o Porsche preto.

Dean cobriu novamente o rosto com a máscara, ele ainda não se sentia à

vontade para ficar sem ela perto de ninguém que não fosse eu. Foi até os

bancos detrás e puxou as nossas malas para fora.

Peguei na alça da bagagem e dei alguns passos à frente, com o olhar

fixo na entrada. O pequeno jardim que plantei ao lado da minha mãe

quando tinha sete anos continuava florido, com flores de pétalas amarelas e

brancas, a entrada não mudou muita coisa.

Sem querer deixei que uma lágrima escorresse assim que parei em

frente a porta. Ali era a definição de lar, de aconchego, e toda a saudade que

me consumiu se esvaiu em um choro. Dean se pôs ao meu lado e usou o

polegar para limpar as minhas bochechas.

— Está tudo bem?

— Sim, amor... estou em casa — falei.

Dei três toques à porta, minha mão estremecia enquanto aguardava o

momento do reencontro, e quando enfim a trava foi aberta, meus pais

apareceram na entrada, mesmo sabendo da minha chegada eles pareceram

surpresos.

— Filho! — Meu pai disse.

— Querido! — Minha mãe se afastou da porta para me dar um abraço

firme.

Meus pais me abraçaram juntos e eu os apertei com tanta força, que era

como se estivesse me prevenindo de perdê-los. E eu só consegui chorar,

mais e mais, e minha mãe fez o sentimento ser compartilhado.

Eles se afastaram discretamente depois de me cumprimentarem. Sequei

o rosto, passando os dedos nos olhos por debaixo dos óculos, ambos

olharam para Dean e cumprimentaram ele sem sequer saber quem era.

— Mãe, pai, esse é o meu namorado... Dean. Ele tá meio gripado, por

isso preferiu vir de máscara.

— Prazer em conhecê-los, senhor e senhora Reid.

— O prazer é todo meu, querido — respondeu minha mãe. — Meu

Deus, eu não sabia que você viria! Não preparei a casa pra sua chegada, ai


minha nossa... — Rapidamente ela se agitou e levou a mão aos cachos. —

Peter, você tinha que ter avisado!

— Fique tranquila, eu também cresci em cidade pequena, sei como é —

Dean tentou acalmá-la.

— Por favor, não repare na bagunça. Entrem, entrem. Assei um bolo,

vocês devem estar famintos!

— Na verdade nós comemos bastante durante o caminho na estrada —

falei, passando pela porta arrastando a mala. A casa continuava toda igual

por dentro, com os mesmos móveis velhos de madeira, televisão pequena na

sala e tapete de crochê que a própria dona Margareth, minha mãe, fez.

— Olha! Esse aqui é o bebê Peter? — Dean disse, apontando para uma

foto da família que estava sobre o móvel próximo a televisão e se sentou no

sofá, perto do meu pai.

— É, é sim... não era uma gracinha? — Minha mãe pegou o portaretratos

e se colocou entre eu e meu namorado.

— Continua sendo uma gracinha até hoje — Dean brincou e deu uma

piscadela pra mim.

Senti as bochechas formigarem e ri baixo.

— Como foi a viagem? Muito cansativa? — meu pai perguntou.

— Bastante, foi muito chão pra chegarmos até aqui... — falei, — mas

trouxemos alguns presentes! Dean quem teve a ideia. — Abri a mala e tirei

de lá a sacola da loja de lembrancinhas, então entreguei o boné ao meu pai e

o chaveiro para a minha mãe.

— Eu adorei! Obrigado, filho — disse o senhor Richard, colocando o

chapéu na cabeça grisalha e deu dois tapinhas nas costas de Dean para

agradecer a ele também.

— Meu Deus, que lindo! — Minha mãe levou o chaveiro à altura dos

olhos e sorriu. Direcionou a atenção pra mim. — Por que não me avisou

que traria o seu namorado, hein?

— Digamos que foi uma decisão feita em cima da hora. — Ergui os

ombros.

— Não me lembro de Peter falar sobre você antes, Dean. Vocês

trabalharam na Dermaceuticals juntos? — Richard questionou.

— Não, não. — Dean cruzou as pernas. — Na verdade, conheci o Peter

durante a contratação para a minha empresa, confesso que foi amor à

primeira vista.

— Você é o chefe dele?! — Minha mãe arregalou os olhos.


Respirei profundamente e levei a mão ao rosto. Ao mesmo tempo em

que queria rir, desejava enforcá-lo por contar justamente a mentira que pedi

para que não falasse. E ele manteve meus pais entretidos com a nossa

suposta história.

Rever minha família era algo maravilhoso, mas fazer essa visita ao lado

da pessoa que eu amava tornou a experiência ainda melhor. Ver os três

dividindo o mesmo espaço, gargalhando e compartilhando novidades foi

algo que me fez ficar de coração cheio.

E acredito que deixou meus pais em paz também, por saberem que eu

estava bem acompanhado em NY, que seu filho querido conseguiu um bom

emprego e um companheiro carinhoso.

Aquela era a imagem que eu manteria para eles de Peter Reid, o Ghost

deixaria para apresentar outra hora.

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