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Copyright © 2024 F. FORTUNATO
Todos os direitos reservados.
Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas,
nomes e situações da vida real é mera coincidência.
A reprodução não autorizada desta publicação, total ou parcial,
constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.160/98). Com a exceção de
trechos destinados a divulgação e resenhas da obra.
Revisão: Camila Brinck e Beatriz Faria Capa e Diagramação: Igor
Lordas Ilustração: Avallone Vaults
Notas da Autora
Dedicatória
A casa é o reflexo da mente.
Atormentado e paranoico.
Não tão solitário
Arrumando a bagunça.
Admirador secreto.
Como foi a minha semana
Apenas um passo
Querido Peter Reid.
Dia de sol.
Almas solitárias tendem a se encontrar.
Não se deve tocar no que não lhe pertence.
A primeira pista.
Algumas cicatrizes marcam a alma
Por trás da máscara assustadora e atitudes questionáveis
Não sabia o que esperar.
A ausência de som significa calmaria.
Somos apenas números
Um novo começo
Uma faísca é o suficiente para causar uma explosão
Epílogo
Masked Guy é um dark romance +18 e o primeiro livro da série Hunters
and Preys. A autora não concorda com algumas atitudes e posicionamentos dos
personagens que compõem esse romance disfuncional. Além disso, apesar de
alguns fetiches presentes na história fazerem parte da cena BDSM, Masked
Guy e Peter Reid não são praticantes de BDSM.
A história contém assuntos que podem ser considerados gatilhos, como:
Suicídio, abuso de substâncias, burnout, ansiedade, violência doméstica e
assédio moral.
Aos leitores, tampem as câmeras de suas webcams.
A casa é o reflexo da mente. Sempre que ouvia essa frase da minha mãe
falando da bagunça do meu quarto não levava a sério, claro, era um
adolescente e, adolescentes, são bagunceiros e caóticos. É a natureza dessa
fase. Agora, depois de adulto, comecei a considerar que a teoria dela estava
certa, a casa realmente é o reflexo da mente e a minha estava muito
bagunçada naqueles dias.
Minha vida estava agitada demais para o meu ritmo, eu não conseguia
acompanhar, me sentia sempre correndo e ficando para trás, o que gerava a
frustração, e esse sentimento de não ter controle sobre a própria vida se
apossou de mim. Tudo que me restou foi me deixar levar, como se não
existisse mais Peter Reid, apenas um corpo que realizava as coisas no
automático, enquanto o verdadeiro eu, assistia tudo à distância.
Os dias pareciam cada vez mais iguais, como num looping, o que me
fez, por diversas vezes, desejar estar morto. Me recusava a viver o mesmo
dia, todos os dias, até o último suspiro. Mas, por mais tentador que fosse me
jogar de um prédio ou entrar na frente de um ônibus, a vontade ficava
apenas nos meus pensamentos intrusivos, e então eu tentava abafar as vozes
autodestrutivas com coisas que me trouxessem uma faísca rápida de
felicidade, prazer ou medo. Minha relação com o medo se tornou mais
estreita nos últimos meses, porque o medo me fazia sentir desperto, elétrico,
e tudo, absolutamente tudo, que me tirasse do estado de apatia merecia a
minha atenção.
Eu gastava o que não tinha, para comprar o que sequer precisava,
apenas para preencher o vazio.
O que gerou uma fatura de cartão de crédito cheia de coisas de loja de
conveniência, muitos chocolates, e itens de sex shops. Não tinha parceiros,
então tentava inovar no sexo comigo mesmo a fim de sentir algo, já que
assisti a quase todos os vídeos que havia nos catálogos dos sites pornôs, que
nem via mais com o propósito de aliviar o tesão e sim a fim de afastar o
tédio.
Creio que a maioria dos conteúdos nos sites não me surpreendia,
porque na minha cabeça as minhas fantasias iam além do que eu assistia. E
ter pensamentos como aqueles me fazia sentir diferente, como se houvesse
algo de errado.
Quero dizer, porra, estou relatando pra vocês a minha rotina de merda,
pacata e triste, é claro que havia algo de errado!
Enfim, naquela noite, enquanto subia os degraus da entrada da minha
casa depois de um longo dia de trabalho, ouvi uma voz me chamar.
— Pete! Pete!
Ao olhar para trás, era meu vizinho, Harry. Não nos falávamos muito,
nossas conversas se limitavam a troca de encomendas quando entregavam
na casa errada ou quando recebíamos um pelo outro. Fazia um tempo,
inclusive, que eu não precisava entregar nada para ele, mas como eu
comprava bastante online, dei-lhe muito trabalho.
Harry Spencer era o tipo de cara que eu me interessava, com músculos
que se sobressaíam em sua camiseta meia manga, que sempre cobria até os
antebraços, cabelos curtos e penteados para o lado com gel, típico dos
trabalhadores de Wall Street, e olhos esverdeados.
Por mais que me despertasse sensações, jamais me permiti demonstrar
interesse por ele. Acreditava que Harry deveria ser hétero, e ainda que fosse
gay ou bissexual, dificilmente pegaria um magricela pálido, míope, jogador
de League of Legends, de cabelos cacheados usualmente bagunçados por
falta de corte.
— E aí, Harry! Boa noite! — Estremeci de nervoso com a mínima
possibilidade de iniciarmos uma conversa mais longa que trinta segundos.
Interações sociais sempre me causavam uma sensação terrível.
O meu vizinho estava com um meio-sorriso no rosto e mãos para trás
das costas.
— Recebi algo seu...
— Poxa, eu sempre te dando esse trabalho... obrigado por pegar a
encomenda.
— De nada.
Quando ele afastou a mão das costas e revelou o que havia pegado, eu
juro que quase desmaiei no mesmo segundo de tanta vergonha. A merda do
site dizia que a embalagem era discreta, mas enviaram o dildo de vinte e
tantos centímetros apenas embalado no saco preto, cheio de fitas, que
deixou claro o que havia ali.
Harry prendeu o lábio entre os dentes e suas bochechas se inflaram, ele
segurava o riso. Óbvio.
— I-Isso não é meu. — Arregalei os olhos e desviei a atenção do rosto
dele.
Droga, ele deve me achar um tarado.
— Acho que é... tem seu nome aqui embaixo. — Harry olhou a etiqueta
na base da piroca de plástico embalada de forma tão descuidada que
chegava a ser indecente.
Senti o coração bater mais rápido e a respiração saiu do ritmo, estava
tão tenso e constrangido, que só quis entrar em casa o quanto antes. Desci
os degraus rapidamente, puxei a encomenda de suas mãos e saí correndo
para dentro de casa.
Só ao bater a porta consegui gritar um ‘’obrigado!’’.
Encostei na madeira, ofegante, e olhei para o saco. Comecei a rasgar a
embalagem, e a cada pedaço de plástico que puxava, pensava no quão
grosseira seria a minha resenha de avaliação no site.
Meus olhos se tornaram ainda maiores ao ver o produto.
— Onde eu estava com a cabeça quando comprei isso aqui? — Arqueei
as sobrancelhas. A grossura era a do meu pulso e o tamanho se equiparava
ao meu antebraço. Respirei profundamente enquanto observava aquelas
veias saltadas, a cogitação veio, mas foi embora na mesma velocidade. —
Não, não. Eu me odeio, mas não a esse ponto.
Larguei o brinquedo no canto do chão do corredor e assim que cheguei
na sala, joguei a mochila em cima do sofá repleto de roupas e deixei que
meu corpo recaísse sobre a bagunça. No meu campo de visão entraram a
televisão, que ficava apoiada no hack junto de uns vasinhos de plantas de
plástico e logo ao seu lado meu peixe dourado, que eu não sabia exatamente
o sexo, mas coloquei o nome de Vi.
Peguei o controle que estava abaixo do meu corpo e liguei a TV. O
jornal começou com as notícias do dia, as mesmas coisas de sempre:
futilidades de celebridades, a queda na bolsa de valores e a violência na
cidade. Desliguei, virei de barriga para cima e encarei o teto.
De repente, sinto um vibrar na barriga e o som do meu corpo
implorando por comida. Até havia na geladeira algo para cozinhar, mas a
exaustão não me permitia levantar para gastar minutos preparando qualquer
coisa. Tirei o celular do bolso e olhei a hora, depois minha conta bancária.
Pedir para entregarem comida também estava fora de cogitação, o dinheiro
estava curto e a comida de delivery em Nova York custava muito caro.
Soltei o ar devagar e esfreguei a mão pela cara. Levantei do sofá e
caminhei até o aquário, agachei até que ficasse à altura de Vi.
— Como foi seu dia? — Aos poucos, um sorriso se formou em meu
rosto. Os olhos enormes do peixe me encararam e eu fixei os meus nos dele.
— Pois é, o meu foi o mesmo de sempre. Carter continua sendo um babaca
na empresa, e acho que ele vai ganhar uma promoção. — Ergui os ombros
— Talvez valha a pena ser um puxa-saco, acho que começarei a fazer isso
também, o que acha? — Peguei o vidro de comida e joguei um pouco dos
flocos para o meu dourado. — Quem sabe assim conseguirei um salário
maior... daí vai dar pra comprar outro aquário, com outros peixinhos para te
fazer companhia, Vi.
Novamente o meu estômago roncou. Apesar do cansaço, não
conseguiria dormir com fome, então recorri ao armário da cozinha para
comer um pacote de salgadinho de milho que comprei em uma dessas lojas
de conveniência. Depois de enganar a barriga, fui para o banho a fim de
encerrar a noite.
Mesmo com o corpo fadigado, minha mente não me permitia pregar os
olhos quando deitei na cama. Os pensamentos divagavam sobre tudo,
principalmente a respeito da vida em que levava no interior de Virgínia,
antes de me mudar para Nova York pelo trabalho. Minha antiga cidade era
simples, mas me sentia acolhido e amado, tinha a família sempre por perto e
a sensação de pertencer a um lugar.
Imaginei como seria se voltasse para lá. Nunca poderia fazer isso, seria
uma decepção. E a grana que recebia, ainda que curta, me possibilitava
ajudar meus pais.
Sentei na cama, peguei o notebook e o abri. Pretendia assistir algum
vídeo bobo no Youtube ou conversar com outros caras em um fórum.
Primeiro, entrei na aba de recomendações dos vídeos, nada de interessante,
então, abri o fórum do Reddit que costumava interagir de vez em quando,
como forma de me sentir menos sozinho.
O assunto do dia eram fetiches. Os caras falavam abertamente sobre
seus desejos mais insanos e reprimidos, alguns muito deploráveis, outros
que me fizeram arquear as sobrancelhas por me enxergar na mesma
situação. Resolvi entrar na discussão.
Loo.ser (você): Às vezes eu me sinto podre, diferente, devido às
fantasias que tenho.
Baby_boy19: Tipo o quê, @Loo.ser?
Loo.ser (você): As únicas coisas que me excitam atualmente são as
que me fazem sentir uma sensação diferente do tesão, em geral, o medo.
Isso desperta a minha adrenalina e me faz querer testar meus limites,
já que não tenho nada a perder. Fantasio em ser contido dos meus
movimentos e dominado por alguém que me ameace, ser perseguido ou
ter a casa invadida, que o invasor faça o que quiser comigo. Quero ser
uma presa e provar do meu próprio sangue.
Chad.dude: Cara, vai se tratar!
Baby_boy19: E eu achando que tinha problemas. Tenso. Haha.
Masked_guy22: E o que te impede de realizá-los?
Loo.ser (você): Ter alguém pra isso. Faz anos que não me relaciono
com ninguém, sei lá, não tenho mais jeito pra flertes.
Masked_guy22: Posso tornar isso realidade, o que acha?
Loo.ser (você): Cara, 22 anos? Você é muito novo pra estar nesse
tipo de fórum, ainda mais fazendo essa proposta para estranhos. Haha.
Masked_guy22: O 22 não é a minha idade. É o tamanho do meu
pau.
Baby_boy19: Eu quero! @Masked_guy22, me manda mensagem!
[Masked_guy22 te enviou uma mensagem]
[Mensagem aceita]
Masked_guy22: E aí, vai querer brincar ou não?
Loo.ser (você): Tá, acho que sim...
Masked_guy22: Certo. Além dos seus desejos, quero saber dos seus
termos, quais são seus limites, o que não quer que eu faça?
Aquilo me fez parar de digitar por um segundo para refletir. Eu não
tinha limites, não sabia exatamente o que gostava ou não que fizessem
comigo pelo fato de que nunca cheguei a experimentar nada diferente do
convencional. Todas as relações que tive foram comuns e com durações
menores que vinte minutos.
Loo.ser (você): Acho que não tenho limites... Nunca fiz nada do que
falei na discussão.
Masked_guy22: Ok.
[Masked_guy22 enviou para você um arquivo]
Coloquei para abrir e era praticamente um contrato. A cada passada de
olho pelas palavras, minhas pálpebras se retraíam mais e os globos quase
saltavam das órbitas, era um pedido de autorização com descrição explícita
de tudo que ele pretendia fazer comigo: amarrar, vendar, cortes, sexo com
uso de faca, exibicionismo, terror psicológico, ameaça, marcar o corpo em
áreas aparentes, marcar o corpo em áreas não aparentes, perseguição... tudo
isso com o prazo de duração de quanto tempo eu gostaria que aquilo
acontecesse e a determinação de uma palavra de segurança caso eu quisesse
que ele parasse.
Abacaxi... eu nem gosto dessa fruta, como irei lembrar dela em um
momento de desespero? Na real, isso é loucura. O cara nem sabe meu rosto
ou onde moro.
Loo.ser (você): Hahaha, engraçadinho! Achei que a gente ia fazer
um websexo, sei lá, e tu me vem com esse termo, você nem me conhece.
Vou sair aqui, depois a gente se fala, valeu!
Quando fechei o site do fórum, senti o estômago se revirar novamente.
Olhei para a barriga e suspirei, me recusava a levantar da cama para comer
algo, principalmente à meia-noite e pouca.
— Merda, preciso dormir logo pra acordar cedo amanhã.
Como último recurso para fazer o sono bater, abri um dos sites pornô
que visitava com frequência e não procurei muito, cliquei em um dos
primeiros que me foi sugerido que tinha pouco tempo de duração.
Afastei o notebook do colo e o coloquei de frente para mim, aumentei o
vídeo na tela, conectei os fones sem fio, ajeitei o travesseiro na cabeceira da
cama e dei o play.
Eu não sabia quanto tempo iria durar, esperava que pouco, mas por
precaução coloquei pra repetir após o fim. Prendi o lábio entre os dentes e
aos poucos fui deslizando a mão pelo abdômen até que chegasse à minha
ereção.
Arfei ao me tocar e por mais que tentasse me concentrar no que
acontecia no vídeo, fechei os olhos permitindo que os gemidos e o som dos
corpos se chocando elevasse a minha fantasia, imaginei que aquele que
choramingava era eu.
Coloquei uma das mãos no pescoço, pressionando bem as laterais. O ar
se tornou escasso, a pressão aumentou em meu rosto e meu pau latejou com
mais intensidade, me permiti soltar um gemido engasgado.
Pressionei as pálpebras fortemente, abri mais as pernas e meus dedos
dos pés se recolheram. Eu estava chegando ao meu limite, revirei os olhos
quando senti a pulsação aumentar e então os respingos quentes vieram
sobre a minha barriga.
Deixei de tentar me enforcar para normalizar a respiração ofegante. Um
arrependimento sempre me atordoava após a punheta, era engraçado,
porque eu nunca sentia isso quando fazia sexo com alguém, mas o ato
solitário vinha junto de um peso moral.
Levantei da cama e meu estômago vibrou novamente. Ignorei a fome,
estava cansado e relaxado demais para conseguir dormir sem comer, então
segui até o banheiro, me limpei e voltei para o quarto. Deixei os óculos em
cima da bancada ao lado da cama e puxei os lençóis. Assim adormeci.
Despertei na manhã seguinte com meu celular tocando alto em baixo do
travesseiro. Meio desnorteado, desliguei o toque e tateei a mesinha perto de
mim a fim de pegar os óculos, sentei, esfreguei o rosto e então notei que a
tela do meu notebook estava acesa.
Havia um novo email.
Alguém do trabalho ou propaganda? Arqueei a sobrancelha e
engatinhei pela cama até ele, então abri a mensagem, aquilo foi enviado
uma e pouca da manhã.
Um mal súbito tomou conta de mim naquele momento. Senti o coração
acelerado, as palmas das mãos suavam frio e o corpo estremeceu da cabeça
aos pés, até mesmo a faringe ressecou e a saliva escorreu com dificuldade.
Não pude acreditar no que estava na tela, o olho encheu-se de lágrima
com o choque e eu permaneci estático por segundos digerindo o que tinha
acabado de ver.
Em anexo, duas fotos minhas, tiradas da minha webcam, uma onde eu
estava com as pernas abertas e me enforcando enquanto me masturbava e a
outra adormecido. Abaixo, a mensagem:
Acha mesmo que eu não te conheço?
A minha manhã começou conturbada.
Eu me senti atormentado, paranoico, cheguei a questionar minha
sanidade, que eu sabia que não estava das melhores, porém não estava
louco o bastante para ver aquele tipo de coisa.
Enquanto tomava banho, refletia sobre a conversa que tive na noite
anterior com um estranho que se denominava Masked Guy.
Aquele cara realmente me conhece? Ou a mensagem foi por conta de
estar me observando pela webcam? Se for a segunda opção, por quanto
tempo ele está me vendo? Acho que eu deveria perguntar para ele...
Ei! Mas que merda eu tô pensando? Qualquer pessoa sensata
procuraria a polícia! E é isso que eu vou fazer...
Ou que deveria fazer.
Deixei o chuveiro, peguei os óculos apoiados na bancada da pia, enrolei
a toalha na cintura e fui para a sala. Observei atentamente as coisas
dispostas em cada lugar. O sofá cinza e velho permanecia de frente para a
TV, cheio de roupas jogadas em cima, o pacote de biscoito que esqueci de
jogar fora ainda estava sobre o tapete vermelho... direcionei a atenção para
as paredes brancas e estreitei os olhos a fim de procurar qualquer coisa que
parecesse uma câmera escondida.
— Mas que burrice eu tô cometendo? Ninguém esteve na minha casa...
Então vi a enorme janela da minha sala, que era um prato cheio para
espectadores tarados ou inquilinos exibicionistas. O vidro era alto e largo,
permitindo que quem estivesse do lado de fora conseguisse enxergar o meu
sofá, a televisão, o aquário e a porta do quarto. As cortinas verdes que
comprei foram justamente para me dar mais privacidade, contudo, nos
últimos dias, estive tão alheio da minha própria vida, que sequer percebi
que as deixei entreabertas.
Caminhei lentamente até a claridade que transpassava os vidros e
aproximei o rosto entre as cortinas. Meus olhos zanzaram para todos os
lados a fim de ver algo suspeito. Nada. Ninguém.
Quer dizer, até apareceu um velho sem camisa correndo do outro lado
da rua, mas ele sequer sabia da minha existência e deveria ser confuso
demais com a tecnologia pra conseguir me hackear.
— Vi, acho que estou perdendo a cabeça com essa história... — Fechei
as cortinas e encarei de canto meu peixe — Acho melhor eu me arrumar,
né? Senão posso acabar me atrasando e não tô a fim de ouvir esporro do
Wilhem.
Fui até o quarto para vestir a típica roupa social da empresa. Blusa
branca de manga comprida por dentro da calça preta, gravata vermelha, e o
tênis era a única coisa que aquela merda de escritório permitia liberdade.
Calcei meu all star, me recusava a pôr aqueles sapatos bicudos, que
pareciam muito desconfortáveis.
Peguei a mochila jogada no sofá e resolvi enfrentar o dia. Estreitei os
olhos assim que saí por aquela porta, chequei mais uma vez os arredores
antes de descer o primeiro degrau, dos quatro, que distanciavam
discretamente minha casa do chão.
Durante o caminho até o ponto de ônibus olhei meu celular e abri as
minhas redes sociais quase abandonadas a fim de ver se o hacker postou
algo. Nada. Abri a conta bancária... não que ele tivesse muito o que fazer lá
com aquele saldo ridículo e cartões estourados, mas sempre era bom checar.
Nada de diferente. Repassei pelos sistemas de segurança de todas as minhas
contas e dados... nada.
Tudo bem, talvez eu esteja exagerando, ele deve ser só um tarado que
quis me ver pela webcam. Só isso.
Assim que embarquei no ônibus, procurei um lugar disponível perto da
janela e encostei a cabeça. Eram sete e pouca da manhã e as ruas já estavam
cheias e agitadas, realmente, Nova York é a cidade que nunca dorme, e todo
aquele movimento e barulheira eram irritantes pra mim. Por isso, quando a
empresa me deu a opção de moradia preferi morar num bairro mais distante
do centro.
Era uma hora de percurso, às vezes mais, até o trabalho, porém, ao
menos tinha paz na rua.
Quando me mudei do interior de Virgínia para a ‘’Big Apple’’, para a
vaga de emprego na área de programação na Dermaceuticals, uma
multinacional, parecia um sonho, mas que em pouco tempo se tornou um
pesadelo.
A empresa custeou a passagem e moradia, em compensação fiquei
preso em um contrato abusivo de um ano, que caso eu me demitisse antes
do prazo, deveria pagar uma multa pra ressarcir os gastos que tiveram
comigo, e o valor era bem alto. Além disso, o salário que me foi prometido
se reduziu devido a vários descontos, ou seja, não havia escapatória.
Nova York era diferente do que imaginei, e estar longe da família e
poucos amigos numa cidade estranha era solitário. Por conta do trabalho, e
sentimento melancólico, me isolei, até mesmo virtualmente, daqueles que
me amavam.
A única pessoa que ainda mantinha contato de vez em quando era
minha mãe, que insistia em ligar. Fora isso, era apenas eu comigo.
Quando o ônibus passou por um departamento de polícia que ficava um
pouco antes da empresa em que eu trabalhava, dei o sinal. Desci em frente
ao prédio e respirei profundamente enquanto encarava os oficiais que
entravam e saíam por aquele edifício.
Dei um passo à frente.
— Tudo bem, filho? — perguntou um policial cujo bigode grosso
escondia seus lábios e as rugas marcavam o rosto.
Pisquei algumas vezes ao encará-lo e demorei mais que o normal para
responder.
— Sim. Eu só... estava olhando o prédio. Só isso. Tenha um bom dia,
senhor.
Virei as costas para o homem e apressei o passo.
Meu coração batia tão forte, que senti como se quisesse fugir do peito,
as mãos suavam e precisei apertá-las firmemente a fim de conter os
tremores dos dedos. Eu sabia que o certo seria tomar coragem e denunciar o
crime, não era normal alguém invadir sua privacidade daquela forma,
principalmente com uma mensagem de tom muito ameaçador.
Mas não consegui. Me sentia desconfortável só em pensar de ter que
contar o início da história toda, desde o fórum onde me expus até talvez
mostrar as fotos. Preferi ignorar o caso, abafá-lo, o primeiro passo eu já
havia tomado pela manhã quando tampei a webcam, e caso ele insistisse em
me importunar, eu tentaria resolver a situação sozinho.
A caminho do trabalho, passei pela cafeteria que ficava perto da
empresa a fim de pedir o de sempre: café expresso sem açúcar e um bolinho
ou cookie. A cafeteria com tema de gatos era bem fofa, agradável e
pequena, se destacava por ser algo diferente, que não pertencia a nenhuma
franquia.
Acho que justamente por ser uma cafeteria pequena que os produtos
eram tão bons. Pareciam ser feitos com carinho, cuidado e bons produtos, já
que fidelizar a clientela naquela selva de pedra era algo essencial.
Logo que passei pela porta cor de rosa, fui direto para a bancada
branca, pintada com patinhas em tons pasteis e sorri para a atendente a fim
de pedir o de sempre. Ela me via todo dia, só confirmava se seria cookie ou
bolinho como acompanhamento.
— Hoje quero algo diferente... um croissant por favor.
— Vai demorar um pouco para esquentar...
— Tipo quanto tempo?
— 3 minutos.
— Tudo bem, sem problemas.
Paguei meu pedido e caminhei até a mesa rosa-claro a fim de aguardar.
O lugar não estava tão movimento àquela hora, apenas alguns engravatados
entravam para pedir seu café de forma impaciente, esperavam perto do
balcão e iam embora.
Quando o pedido ficou pronto, fui até onde estava o barista para pegálo.
Sequer olhei em seu rosto, apenas peguei meu café, o salgado e chequei
as horas no celular.
— Puta merda...— Estava quase atrasado.
Saí às pressas da cafeteria, andando rápido enquanto minha boca
alternava suas atividades entre beber e mastigar. Eu praticamente engoli a
refeição, o que me deu um desconforto de imediato, o estômago se inflou e
revirou, mas tentei não me ater aquilo, não chegar atrasado era mais
importante.
Quando cheguei em frente a escadaria do colossal edifício espelhado de
doze andares, subi os degraus correndo. Sentia a respiração ofegante, o
coração bater forte e o suor se formar por debaixo dos meus cabelos. Peguei
o cartão de identificação no bolso da mochila, passei pela catraca e apertei o
botão do elevador nervosamente, como se a minha pressa fosse fazê-lo
chegar mais rápido.
Assim que o elevador chegou, tive o azar de que ele foi pedido em seis
andares até que chegasse o meu, e a cada parada meu peito se comprimia,
acreditei que teria um infarto ou mal súbito antes mesmo de chegar ao nono
andar.
Passei pelo corredor branco de pisos bem encerados, andando rápido,
mas com cuidado para não cair, cumprimentei a secretária e abri as portas
do inferno. O meu setor já estava na ativa naquela hora, com diversos
funcionários falando ao telefone, andando para lá e para cá com papéis...
entrei pé ante pé e caminhei até meu boxe com discrição para passar
despercebido com os meus quinze minutos de atraso.
— Peter Reid! — o meu gerente gritou.
Cheguei a prender a respiração e arregalei os olhos, meu corpo se
enrijeceu por inteiro, sequer tive coragem de olhar para trás. Quando os
passos pesados do Wilhem seguiram na minha direção, abaixei as pálpebras
com força, pressionando-as firmemente.
Merda, merda, merda.
— Onde você estava com a cabeça?! Atrasou meia hora! Olhe para
mim.
Soltei o ar lentamente e virei devagar para o homem baixinho, bravo e
calvo à minha frente.
— Bem, na verdade foram quinze...
— Cala a boca! Graças a sua incompetência, os clientes estão sem
conseguir acessar o nosso site desde de cedo por conta dos seus erros nos
códigos de ontem. — Colocou as mãos na cintura, a cada palavra dita por
ele, sua feição se enrugava mais.
— Erro nos códigos? — Empurrei os óculos para cima dos olhos. —
Mas até ontem estava funcionando, alguém deve ter mexido.
— Não empurre para os outros a sua incompetência!
— Mas, senhor...
— Calado! Vá para o trabalho, você já está mais que atrasado. — Deu
as costas para mim antes mesmo que eu pudesse me defender de qualquer
afirmação.
Meu corpo ferveu de raiva, senti como se o sangue borbulhasse e a
minha vontade foi de acertar o rosto daquele imbecil engravatado. Não
aguentava mais ouvir seus gritos por motivos mínimos. Contudo, precisava
me manter firme naquele emprego, não conseguiria arcar com a dívida da
quebra de contrato, além de ficar com o currículo manchado caso me
demitisse da Dermaceuticals.
A saliva desceu arranhando pela garganta, meu rosto doía de tanto que
pressionei os dentes para não expressar reação alguma. Em silêncio, fechei
os punhos e fui de cabeça baixa até o meu cubículo que tinha apenas uma
mesa, um computador e uma planta de plástico. Apoiei a mochila na
cadeira, tirei dali meu carregador, pen drive e garrafa de água, então sentei.
Enquanto abria o programa no computador, notei, pela visão lateral,
alguns olhares sobre mim. Um deles era do Carter Elordi, um cara super
irritante que não fazia porra nenhuma, tentava se mostrar o melhor do setor,
me excluía dos happy hours e sempre puxava o tapete de qualquer um em
seu caminho. Inclusive, acho que foi esse babaca que alterou os meus
códigos.
O outro olhar era do Steve Dix. Nós não nos falávamos muito, ele era
alguém distante de mim e de todos, mas suas íris de vez em quando se
encontravam com as minhas, como se a qualquer momento aquele homem
fosse sair do seu cubículo para falar comigo.
O Masked Guy disse me conhecer... e se ele realmente me conhece além
da internet? Será que é o Steve Dix?
Minha mente divagou na possibilidade por um tempo, até que
chacoalhei a cabeça para afastar os pensamentos e voltei a me concentrar
nos números na minha tela. Tinha que adiantar o trabalho, perdi tempo
demais e não queria levar outro grito do Wilhem, eu ardia em ódio só de
lembrar do ocorrido minutos antes.
Peguei o celular e resolvi desabafar no Twitter para os meus sete
seguidores.
@Loo.ser: Odeio esse trabalho, odeio, odeio, odeio! Vai tomar no
cu, gerente de merdaaaaa.
Dito isso, voltei ao trabalho.
O dia se foi de forma que mal pude perceber, trabalhava tão no
automático, que sequer notava o passar das horas, até mesmo no almoço e
nas pausas para o café, meu corpo se erguia sozinho, enquanto a mente
estava distante. Eu via tudo, respondia instantaneamente, concluía o que era
necessário, mas tudo sem a plena consciência do que eu estava fazendo.
Minha alma só retornou para o corpo quando o alarme apitou indicando
o fim do expediente. Eu não pretendia ficar um segundo a mais do que era
pago naquela empresa. E eu não era o único.
A maioria das luzes no fim do corredor já estavam apagadas quando
levantei da cadeira, haviam poucas pessoas circulando por ali, menos o
Carter, que permanecia frente ao computador fingindo fazer qualquer coisa
para receber mais lambidas da gerência.
Eu abri minha mochila, recolhi meus pertences da mesa e a coloquei
sobre o ombro. Estava prestes a dar as costas, quando ouvi um som distante
de alarme de carro e logo algumas pessoas se reuniram frente as enormes
janelas cobertas por insufilm e começaram a cochichar.
Curioso, fui para perto das vidraças ver o que era. Arregalei os olhos e a
cada retração da pálpebra, meu sorriso se alargava. O carro do Wilhem teve
o para-brisas destruído e o capô amassado por um cara de máscara branca e
capuz preto.
Os guardas da Dermaceuticals chegaram para pegar o vândalo, que se
esquivou rapidamente, jogou a madeira neles e correu com muita destreza.
Acompanhei seu percurso atentamente, ele saiu de perto dos arredores da
empresa, virou a rua e subiu em sua moto preta.
Quando o mascarado desapareceu do meu campo de visão, me
concentrei na imagem que me trouxe tremenda satisfação, Wilhem
resmungava e choramingava sobre seu carro depredado. E o choro dele era
motivo da minha gargalhada.
Enquanto os burburinhos aflitos e confusos com o ocorrido preenchiam
o ambiente, me retirei.
Pela primeira vez em muito tempo deixei aquele prédio com a cabeça
erguida, peitoral inflado e sorriso no rosto. Me senti vingado, aquele crápula
que crescia para cima de quem estava abaixo dele não merecia nada além
do pior.
Quem fez aquilo com certeza estava com muita raiva do gerente... será
que foi o Steve Dix? Ou outro funcionário? Talvez tenha sido apenas um
doido...ah, nem quero saber também. Mas se encontrasse pessoalmente
quem fez aquilo, agradeceria.
Na volta para casa passei em uma lanchonete de comida chinesa para
levar algo pra jantar. As comidas eram boas e baratas, e muito bem
temperadas. Eu chegava exausto demais para conseguir preparar qualquer
coisa, no máximo ia para a cozinha aos fins de semana, fora isso, ou
comprava comida ou dormia com fome.
Quando entrei na rua, percebi meu vizinho, Harry, fechando sua
garagem. Diferentemente das suas camisas sociais brancas, ele estava de
blusa de manga comprida preta.
Será que ele era o cara?
Não, nunca que aquele engomadinho de Wall Street faria uma coisa
daquelas.
Depois da vergonha que paguei no dia anterior, preferi passar
despercebido por ele. Abaixei a cabeça e acelerei os passos pela calçada
rumo aos degraus da minha casa.
— E ae, Pete! Tudo bem?
Merda.
Me arrepiei por inteiro com aquela voz e parei no terceiro degrau. Olhei
para trás, soltei o ar devagar e fingi que ele nunca me viu comprar um dildo
gigante.
— Oi, Harry! Boa noite!
Fui educado, mas não dei mais brechas para conversas, virei para a
porta, subi e entrei em casa. Encostei as costas na madeira e suspirei com os
olhos fechados, por um segundo desejei voltar no tempo e nunca ter
comprado aquele troço, porque graças aquela desgraça eu teria que me
esquivar do meu vizinho por semanas até que nós dois esquecêssemos ou a
situação se tornasse uma memória tão distante que seria menos absurda.
Tirei os sapatos, coloquei a comida embalada sobre o sofá e fui
alimentar meu peixe.
— Vi, você não sabe o que rolou hoje! O idiota do Wilhem se deu
muito mal, alguém estragou o carro dele todinho! — Soltei uma risada
enquanto fofocava com minha única companhia.
Lavei as mãos e me joguei no sofá para comer. Enquanto abria aquela
embalagem, meu estômago se estremecia, implorando por alimento, e o
cheiro enfeitiçador fez com que minha boca salivasse por aquele macarrão.
Quando terminei de comer, tomei um banho e fui para o quarto me
deitar. Assim que meu corpo recaiu sobre o colchão, minha atenção se
concentrou no que estava no canto da cama. Fiquei um tempo encarando
aquele notebook fechado, com a pulsação acelerada e as mãos frias, era só
um aparelho eletrônico, mas naquele momento o enxergava feito um bichopapão.
Sentia calafrios ao me recordar das imagens que vi pela manhã, e
apesar de ter tampado a câmera, ainda estava receoso.
Contudo, minha vida estava ali. Todos os streamings que gostava de
assistir, os documentos do trabalho, meu jogo preferido...
— Não posso deixar o medo me dominar... não posso!
Inspirei o ar profundamente e o soltei devagar a fim de acalmar o
coração. Arrastei o corpo para perto do notebook e o puxei pra o meu colo,
quando abri a tela, mais um email. Aquela notificação me causou calafrios.
A mensagem era do mesmo desconhecido e o título mais sugestivo
ainda ‘’Um presente pra você!’’. Pensei em apagar e bloquear para encerrar
a história, mas minha curiosidade falou mais alto.
Quando abri o email tinha um vídeo e, nele, a imagem do carro do
Wilhem antes e, depois, a filmagem em primeira pessoa de parte da
destruição do veículo. Abaixo, a mensagem ‘’Você também não concorda
que é isso que esses babacas merecem?’’.
Sem querer me peguei sorrindo, e no meu momento de mais pura
insanidade respondi:
‘’Por que você fez isso?’’
A resposta foi imediata.
‘’Porque seu gerente foi um idiota com você.’’
‘’Não, por que fez isso por mim? Quem é você, Masked Guy?’’
A resposta seguinte demorou mais que o normal, até que veio.
‘’Quem sou eu? Você irá descobrir se permitir minha presença em sua
vida. E é por isso que fiz aquilo, porque quero que me deixe entrar.’’
E abaixo da mensagem, o anexo. O mesmo termo que ele havia me
enviado no chat do fórum na noite anterior.
Nesse momento vocês podem me chamar de louco, sim, porque a
decisão que tomei não era de alguém com as rédeas da sua consciência, mas
confesso que àquela altura eu já havia perdido a sanidade há muito tempo.
A adrenalina dos acontecimentos deixou de ser atormentadora para se
tornar intrigante. Eu poderia estar me envolvendo em uma situação
perigosa, contudo, aquela seria a única forma de descobrir quem era aquele
homem. Não tinha nada a perder.
‘’Se é isso que você quer, eu permito. Estou ciente da proposta e aceito
os termos.’’ Digitei cada palavra devagar, sinalizei o quadrado de aceite no
final...
E enviei.
Aquela noite consegui ter um bom descanso. Ainda que tivesse
cometido a insanidade de aceitar um termo de um desconhecido na internet,
minha mente me deixou em paz em saber que ele não planejava nada além
de um joguinho sexual, que eu estava um pouco descrente de que realmente
sairia do âmbito da internet.
Deixei o chuveiro em meio aos vapores no ar, parei em frente ao
espelho e usei a mão para desembaçar minha imagem. Me apoiei na pia e
encarei fixamente meu rosto, as olheiras avermelhadas ao redor dos olhos,
os lábios rachados e mordiscados, a face pálida com a pele desprovida de
viço. Inspirei profundamente e soltei o ar devagar.
— Mais um dia, menos um dia.
Abri a porta do banheiro com a toalha enrolada e fui alimentar a Vi. Era
como se eu estivesse vivendo o mesmo dia de novo, voltado para o looping.
O que me fez relembrar do dia anterior, que ainda que tivesse me deixado
aflito, rompeu com a monotonia da minha vida.
E como um masoquista, senti falta do problema, com vontade de
reviver o trauma e sentir meu coração acelerado e a respiração ofegante.
Observei a minha sala, as coisas continuavam jogadas, algumas
permaneciam no mesmo lugar há semanas.
Vesti o uniforme, peguei a mochila com as minhas coisas e deixei a
casa. Por me sentir sozinho e caído no vazio tirei os fones do bolso e
sincronizei com o meu celular, coloquei “Change” do Deftones, minha
banda favorita, para tocar e era como se meus passos fossem ritmados à
melodia.
Entrei no ônibus e passei dentre algumas pessoas em pé até os fundos,
onde encontrei uma cadeira vaga próxima à janela. Encostei a cabeça no
vidro e fiquei a olhar pelo caminho as pessoas saindo para seus empregos e
lojas abrindo. Por um momento, minha cabeça devaneou, como se eu não
estivesse ali e a música de fundo me levou por outros ares.
Voltei ao corpo quando a canção foi interrompida devido a uma ligação,
meus lábios se ergueram discretamente ao ver o nome na tela.
Atendi.
— Oi, mãe, como vai você e o pai? — Mudei a entonação da voz. Não
queria que ela pensasse que eu estava triste, ainda que essa fosse a
realidade.
— Bom-dia, querido. Muito obrigada pela transferência que fez no
começo da semana, ajudou bastante! Seu pai andou tendo as crises de
asma com mais frequência esses dias, mas está melhorando, estamos bem.
E você?
— Bem também. Fico aliviado de saber que ele está melhor.
— Alguma novidade?
Quando ela perguntou aquilo, minha mente refez os fatos do dia
anterior. A foto recebida, a sensação de perseguição, o carro do gerente
sendo quebrado e eu assinando um termo com um estranho da internet.
Sim, eram muitas novidades.
— Eu acho que fiz um novo amigo.
Aquilo foi tudo que consegui dizer.
— Ah, ótimo, querido! Que ótimo! E quando vem nos visitar? Sentimos
saudades.
— Também sinto, mãe. Muita. E não sei quando vou conseguir sair de
Nova York, já que as contas estão um pouco altas pra custear a viagem e
não faço ideia de quando entrarei de férias.
— Uma pena. Mas tudo bem, iremos aguardar. Te amo.
Senti um nó na garganta e engoli em seco. Os olhos arderam e o
coração descompensou sutilmente. Te amo, como senti saudades de ouvir
aquilo.
— Saudades. Também te amo, mãe.
Quando me aproximei da cafeteria, que era perto da empresa, me
despedi da minha mãe e desliguei o celular. Guardei os fones, dei o sinal e
saltei no ponto, meu estômago se revirou por comida quando estive de
frente para a fachada rosa-claro com enfeites de gatinhos.
Tomar café da manhã na rua era a melhor parte do meu dia. Além de
me poupar tempo e correr menos risco de me atrasar, ainda evitava a fadiga
em acordar mais cedo para preparar a refeição, e as comidas eram
maravilhosas.
Antes de entrar, chequei o celular e vi que o horário não estava tão
apertado quanto no dia anterior, contudo, preferi ser breve para que Wilhem
não me perturbasse mais... se bem que depois de ter o carro quebrado,
acreditei que ele seria menos escroto.
Entrei rapidamente e pedi o mesmo de todos os dias. Sempre na
correria.
Se não fosse tão distante da minha casa, com certeza eu iria naquele
lugar mais vezes, fora do horário de trabalho, só para que pudesse apreciar
o ambiente e provar mais dos doces e salgados disponíveis.
Andei um pouco mais e atravessei a rua até o enorme prédio espelhado
da empresa. Subi aquele lance quase infinito de escadas, que pareciam ter
sido construídas só para aumentar a atmosfera opressora daquele lugar,
enquanto engolia o café e o bolinho. Antes de entrar no edifício, parei em
frente as catracas e olhei para os carros parados no estacionamento, nenhum
com vidro quebrado ou lataria amassada.
Nada de Wilhem por hoje?
Um sorriso lento se formou em meus lábios só de cogitar aquela
questão. Se fosse o caso, a ausência de Wilhem seria algo diferente, e
qualquer coisa diferente naquele looping me era interessante.
Puxei o cartão de identificação do bolso e passei pela catraca com o
queixo ligeiramente erguido. Assim que entrei no elevador e apertei o
botão, ouvi um ‘’segura!’’ vindo do lado de fora.
Arregalei os olhos e coloquei a mão entre a brecha das portas para que
elas não se fechassem, e então ele apareceu. Steve Dix, aquela foi uma das
poucas vezes que ouvi sua voz. Os olhos estavam fundos e seus cabelos
castanhos escuros fixados com gel para trás o deixava com a feição ainda
mais rígida, era impressionante como a maioria dos trabalhadores daquela
empresa pareciam ter sua vitalidade sugada pelo lugar, principalmente os da
área de T.I.
Nós dois ficamos a sós naquele cubículo e notei como sua expressão
tensa se manteve direcionada para frente, quieto e inexpressivo.
Minhas mãos se agitaram, senti-me nervoso em estar sozinho com ele
ali dentro e em completo silêncio, foi como se precisasse falar algo,
qualquer coisa para amenizar o clima estranho que se formava.
E sempre que precisava interagir, meu coração se acelerava, como se
cada passo ou fala minha fosse julgada. Principalmente quando tinha que
falar com homens.
Em especial os que achava bonitos.
Ou atraentes.
Ou ameaçadores.
Enfim, vocês entenderam.
— Você viu o que aconteceu com o carro do Wilhem ontem?
Mas que merda de assunto eu resolvi introduzir.
Recebi de Steve sua típica olhada de canto, a mesma que ele me
lançava quando estávamos em nossos cubículos.
— Não. O que aconteceu?
— V-você não estava na empresa quando rolou? Tipo... alguém veio e
destruiu o carro do gerente todinho e fugiu em uma moto.
Steve finalmente desfez a cara de paisagem e arqueou as sobrancelhas à
medida que os cantos dos seus lábios se ergueram, mesmo que ele se
esforçasse muito para não deixar um sorriso, ainda que discreto, aparecesse.
— Mesmo? Eu não vi. Não, não estava mais na empresa.
Recebi uma última olhadela de sua parte quando as portas se abriram e
ele disparou na frente. Aquilo fez com que eu ficasse parado dentro da
cabine por alguns instantes e meu queixo caiu com a hipótese que minha
mente levantou.
Steve Dix é o Masked Guy?
Quando percebi a porta começar a se fechar, atirei meu corpo contra a
entrada para sair no andar e fui em passos apressados até o corredor do meu
setor. Olhei em volta e alguns cubículos ainda estavam vazios, puxei o
celular do bolso e vi que estava adiantado, poucos minutos, mas estava.
Calmamente, tomei meu lugar e arrumei as coisas para o trabalho. No
box à frente, recebi algumas olhadelas de Steve, aquilo arrepiou os pelos da
minha nuca e tive que prender a vontade impulsiva de ir até ele perguntar se
era o homem mascarado... ou perguntar para o próprio Masked Guy se ele
era Steve Dix.
Que idiotice a minha, óbvio que ele não vai afirmar nada, senão já
teria me dito. Terei que tentar descobrir por conta própria.
Antes do expediente começar, abri no celular meu email e enviei uma
mensagem para Masked.
‘’Por que você não começa seus jogos hoje e aparece para mim?’’
Guardei o aparelho no bolso e olhei para frente a fim de ver se Steve
Dix se moveria para ler. Mas não, da mesma forma que ele estava,
digitando em seu computador, continuou.
E então minha jornada investigativa encerrou com o soar do alarme
indicando o horário em que o expediente começou. Preferi não enrolar, abri
o programa para checar o sistema da empresa a fim de verificar se não
havia nada de errado e monitorar as experiências dos usuários perante as
atualizações.
Fiquei focado o tempo todo esperando que alguém fosse aparecer para
espiar o que eu estava fazendo, mas ninguém veio, apenas a subgerente
passava pelas mesas para entregar alguns papéis as vezes.
Minha atenção então foi desviada da tela pra o ambiente e os ouvidos
ficaram atentos nos cochichos. E a fofoca alheia me trouxe profunda alegria
em saber que Wilhem não foi trabalhar naquele dia.
O motivo? Não se sabia. Pode ter sido o carro? Talvez.
Eu acreditei que aquele dia seria mais um em que minha alma estaria
fora do corpo, e que viveria em modo automático, mas não. Naquele dia
estava completamente consciente, pois meus pensamentos ficaram em alerta
com as possibilidades de tudo.
Teorizar sobre o que aconteceu com Wilhem, quem era Masked Guy e
qual a possibilidade de ele ser Steve Dix me trouxeram para a superfície.
Quando o expediente estava para acabar, senti o celular vibrar no bolso,
então olhei em volta a fim de ver se estava sendo observado, como não
haviam olhos sobre mim, puxei o aparelho e espiei a tela.
Eu mandei a provocação por email, mas a resposta veio por SMS.
[Número desconhecido]: Mais tarde.
[Você]: Mais tarde o quê?
E então passei o resto da tarde esperando outra mensagem, que não
chegou.
Quando tocou o sinal da liberdade, levantei da cadeira e abri a mochila
para guardar as minhas coisas. Direcionei a atenção para o cubículo de
Steve, ele não estava lá, e boa parte dos outros empregados também não.
O ambiente era tão denso e a atmosfera esmagadora, que a maioria dos
trabalhadores entrava na exata hora e saíam no mesmo segundo em que o
sinal tocava. Nem um minuto a mais, nem a menos.
Naquele dia, enquanto caminhava pelo setor em meio à penumbra, foi o
dia em que estive mais desperto, que, em muito tempo, me senti dentro do
próprio corpo e com controle dele.
Assim que deixei a cabine do elevador, um sorriso se formou em meus
lábios. Eu não pretendia sair dali e ser engolido pelo cansaço a ponto de
conseguir apenas comer e dormir, muito menos me masturbaria pelo tédio
para forçar qualquer gota de serotonina no meu corpo. Não.
Me senti motivado a me divertir. O pequeno enigma que me dediquei a
resolver me trouxe um propósito, algo que me movia, que ouriçava os pelos
do meu corpo e fazia o coração descompensar, era pura adrenalina.
Antes de pegar o ônibus de volta para casa, passei em uma loja de
conveniência e comprei alguns salgadinhos, chocolates e um pack de
cerveja, que terminaram de comprometer meu orçamento do mês. Eu não
me importei. Iria retomar um hobby que perdi a motivação de continuar há
um tempo: jogar.
Viraria a noite jogando League of Legends, ainda que no dia seguinte
fosse trabalhar na merda. Era o meu momento, e momentos como aqueles
não aconteciam sempre.
Quando saltei do ônibus, caminhei meio desengonçado pela vizinhança
com a mochila e as sacolas. Subi dois degraus e parei em frente à porta,
então olhei para a casa grande e amarelo-claro ao lado, todas as luzes
estavam apagadas.
Arqueei a sobrancelha, era estranho Harry não estar em casa àquela
hora, ele sempre chegava bem antes, inclusive era por isso que pegava as
minhas encomendas.
Inspirei devagar e o ar passou pelos meus lábios na mesma velocidade.
Uma certa tensão maior tomou conta de mim. Eu estava falando há dois
dias com um cara que hackeou meu computador, encontrou minhas redes
sociais e quebrou o carro do gerente da empresa que eu trabalhava... sabiase
lá o que mais ele seria capaz de fazer.
Masked Guy era misterioso, não sabia seu rosto ou origem, e não só
isso, ele era perigoso. Poderia ser um assassino, um lunático, e eu estava,
propositalmente, entrando em sua mira... porque, por incrível que pareça, o
risco de morte me trouxe a vida.
Às vezes ele só foi para um happy hour depois do expediente... Harry
deve ter amigos, diferente de você, Peter.
Balancei a cabeça em negação e voltei minha atenção para a porta de
casa. Terminei de subir os degraus e entrei, acendi as luzes, cambaleei até o
sofá e joguei a mochila junto das sacolas de compras sobre o sofá.
Andei até a Vi e apoiei as mãos sobre os joelhos para abaixar os olhos
ao seu nível antes de alimentá-la.
— Wilhem não foi hoje, acredita? Acho que foi por conta do carro... —
Suspirei, permitindo que meus lábios se erguessem. — O dia foi até mais
leve, sabe? Quer dizer... mais ou menos. Aconteceram algumas coisas meio
tenebrosas, mas isso é assunto pra outra hora, por agora vou deixar rolar.
Peguei o potinho de comida e joguei os flocos para o peixinho dourado.
Antes de sentar para jogar e comer salgadinhos, desfiz o nó da gravata e
abri os botões da blusa, andei a caminho do banheiro, aos poucos, me
desfazendo da roupa da empresa, até que ouvi um barulho. Pareceu algo
pesado caindo em casa.
Meu corpo gelou, foi como se todo o sangue tivesse saído das
extremidades. O coração chegou a acelerar as batidas e eu recolhi os lábios
para me manter no mais completo silêncio a fim de conseguir diferenciar se
o que ouvi era real.
Não houve mais som algum.
Dei meia-volta e retornei para a sala, meus olhos vasculharam a
bagunça... tudo parecia no seu devido lugar. Soltei o ar com os lábios
trêmulos e andei em passos leves e lentos até a janela.
Meus olhos quase saltaram das órbitas ao notar que a deixei aberta.
Levei a mão ao lábio e olhei para trás a fim de ver se tinha alguém.
Você tá imaginando coisas, Peter. Não há ninguém aqui, ninguém.
Para provar a minha sanidade, decidi vasculhar a casa, ainda que
minhas pernas tremessem tanto que duvidava que me aguentaria em pé por
mais tempo. Porém, precisava me certificar de que estava tudo bem.
E então eu, da forma mais patética do mundo, andei com o olhar
paranoico, só de cueca, até o cômodo ao lado. A cozinha, que era pequena e
sem nenhum lugar para se esconder, estava da mesma forma. Não havia
nada, nem ninguém.
— Certo. Ninguém no banheiro, ninguém na sala, nada na cozinha... tá
tudo bem... tudo bem — disse em voz alta para tentar soar mais convincente
para mim mesmo.
Só faltava um lugar.
Cheguei a me apoiar nos móveis enquanto andava em direção ao quarto
e a respiração estava tão acelerada que pude ouvi-la, o coração batia no
pescoço e o suor frio escorria pela espinha, foi como se meu corpo
precedesse o que estava por vir.
Abri a porta lentamente, até mesmo seu ranger me arrepiou.
Dei o primeiro passo para dentro, em meio à escuridão. Acendi a
pequena luz do abajur que ficava próxima à cama e caminhei pela
penumbra em silêncio a fim de ver alguém antes de ser visto.
De repente, uma mão cobriu meus lábios e senti seu corpo grudar no
meu pelas costas. O frio da lâmina em meu abdômen me fez arregalar os
olhos e o grito de desespero saiu abafado. Todos os pelos na pele se
ouriçaram.
— Ouse gritar de novo pra ver o que farei com você.
A mão que me calava aos poucos deslizou pelo meu rosto até chegar à
frente da garganta. Seus dedos se aprofundaram na minha pele, e mesmo em
meio à escassez de oxigênio, consegui falar.
— O- o que você quer? — gaguejei, trêmulo.
— Vim tomar o que é meu. Não foi para isso que você assinou o termo?
Prendi a respiração e o coração se acelerou de medo.
A ponta da faca se inclinou em minha barriga, trilhando lentamente um
corte. A cada milímetro que se rasgava, uma sensação confusa se apropriava
de mim e o meu gemido denunciou que não era apenas dor que estava
sentindo.
— Eu não sei se estou gostando disso...
A partir dali, o frio já não me era presente. Aquele homem me levou ao
inferno em poucos segundos, onde o calor me consumiu e a pulsação
aumentou. Sua lâmina escorregou pelo meu abdômen até a virilha e rasgou
o único tecido que me cobria.
Ouvi sua risada baixa em meio à minha exposição.
— Não está gostando? Pra mim seu pau não deixa dúvidas.
O braço que prendia nossos corpos me segurou ainda mais firme, e o
roçar de seu quadril contra o meu permitiu que eu percebesse o quanto ele
também estava duro. A faca afundou firmemente abaixo da minha cintura e
rasgou a pele com a inicial ‘’M’’. Arregalei os olhos e comecei a me mexer
para desprender de seus braços.
— Para! Para! — gritei.
— Shiu! — Ele rebateu enquanto a lâmina me cortava para escrever um
‘’G’’.
Cheguei a ficar na ponta dos pés e prendi o lábio entre os dentes para
que não lhe desse o prazer de me ouvir gemer mais uma vez. Retraí as
pálpebras e meus olhos se direcionaram para o lado tentando, sem sucesso,
ver como era o homem atrás de mim.
Aquilo era insanidade, eu estava me permitindo ser domado e marcado
feito um gado por um louco que invadiu a minha casa. Ao ter uma luz de
consciência, reagi, dei-lhe uma cotovelada tão forte que fez com que me
soltasse, então fugi.
Joguei a cômoda perto da cama no chão numa tentativa de atrasá-lo
enquanto corria para fora do quarto. Meu coração bateu ainda mais forte e a
respiração estava tão curta que acreditei que desmaiaria antes mesmo de
alcançar a porta.
Seus passos eram pesados, rápidos e pareciam cada vez mais perto.
Quando olhei para trás, meus olhos se tornaram maiores ao ver a máscara
de caveira, calça preta e o corpo tatuado. A última coisa que enxerguei foi a
palma de sua mão que me segurou pelos cabelos e jogou de frente para a
parede.
O mascarado imobilizou um dos meus braços contra minhas costas e
segurou o outro pelo pulso, ainda mantendo a faca entre os dedos. Seu
joelho se fincou entre as minhas pernas, afastando-as.
— Você não deveria ter feito isso — A voz baixa e grave saiu em tom
de ameaça. — Se você tentar se mover de novo, o próximo golpe não será
apenas um corte. Entendeu?
Ainda que dissesse atrocidades, seu timbre era calmo e as frases saíam
perfeitamente arquitetadas.
Merda. Eu realmente estou gostando disso.
Optei por ceder ao jogo, assenti obedientemente.
A mão que segurava meu pulso com a faca entre os dedos deixou de me
apertar e a outra que me imobilizava largou meu braço para repousar sobre
a cintura. Fui pressionado ainda mais forte contra a parede.
A ponta da lâmina deslizou com precisão e sutileza pela linha da minha
vértebra, fazendo com que meus pelos se erguessem e eu voltasse a me
excitar.
Seus dedos escorregaram da minha cintura para o abdômen e desceu
mais... e mais... até que agarrou minha ereção e começou a me masturbar.
Apoiei a testa na parede e deixei escapar uma arfada intensa.
De repente, sinto algo úmido recaindo sobre a minha lombar, e
escorrendo até o meio das nádegas. Era saliva.
Enquanto uma de suas mãos me estimulava, a outra se afundou em meu
traseiro, roçando a ponta dos dedos contra a minha entrada. Ele penetrou
devagar.
Prendi o lábio entre os dentes, então o senti me lubrificar um pouco
mais. O mascarado afastou os dedos para enfiar outra coisa. Era rígido,
totalmente inflexível e dolorido.
Arregalei os olhos e com discrição virei o rosto de lado para ver. Ele
estava me fodendo com o cabo de sua faca, que entrava e saía com pressão
enquanto machucava seus dedos. Aquele absurdo elevou o meu tesão, todo
o corpo se contraiu, pressionei firmemente as pálpebras e deixei que um
gemido baixo escapasse.
Ele largou a faca e apoiou as duas mãos na minha cintura. Me afastou
da parede e me guiou até o sofá, onde fui jogado sobre o apoio do móvel, de
costas para ele.
— Empine o rabo — ordenou. A voz abafada saiu mais alta, e então
percebi que não conhecia aquele timbre de lugar nenhum.
Olhei para trás a fim de ver se ele ergueria a máscara, até que o homem
agarrou meus cabelos, virou minha cabeça para frente e afundou meu rosto
contra o sofá com força.
— Obedeça!
Deslizei apenas o tronco para a parte mais baixa do sofá, permitindo
que meu traseiro ficasse numa posição alta e virei a cabeça de lado. Ouvi o
som do zíper de sua calça descer e vi um pacotinho de lubrificante rasgado
ser jogado no chão.
Senti seu pau roçar contra a minha entrada, havia algo gélido nele. Ele
permaneceu esfregando e apenas ameaçando me invadir, aumentando o meu
desejo.
Mexi os quadris, jogando-os sutilmente para trás. O mascarado não se
moveu. Ele claramente desejava que eu implorasse para que me fodesse.
— Me foda... — a voz saiu em tom choroso. Meu corpo estava quente,
rígido e o sangue borbulhava de tesão. — Me foda, por favor... por favor —
insisti, sem encará-lo.
Ele começou a forçar para entrar, e então um gemido alto escapou pela
garganta ao tê-lo inteiramente dentro, latejando em mim.
O mascarado se debruçou sobre meu corpo e levou uma das mãos à
minha garganta, afastando meu tronco do sofá, enquanto a outra foi para o
meu pau, me estimulando novamente.
Seu movimento era rápido, forte e intenso. Os dedos se apertavam
contra minha pele, me enforcando durante as estocadas.
Eu estava no meu limite, o coração bateu mais rápido e o ar se tornou
escasso. Me derramei em sua mão ao passo que meus músculos
espasmavam de prazer.
Fui colocado de frente para ele e as costas repousaram sobre a parte
mais baixa do sofá enquanto o quadril continuava elevado. Só então pude
reparar em seus detalhes... a máscara era branca com desenho preto de um
tipo de caveira sorridente, os cabelos eram curtos e loiros escuros, os olhos
marcantes e amedrontadores e o corpo definido, grande e pálido carregava
tatuagens, uma cobra em um braço, teia no cotovelo, caveira, dentre outras
artes e uma rosa na lateral do pescoço.
O homem segurou na parte detrás das minhas coxas e fez com que eu
dobrasse os joelhos. Ao descer o olhar, reparei no que estava por vir. Seu
pau era longo, robusto e rosado, com veias saltadas e um piercing logo
abaixo da cabeça.
Ele entrou devagar e se apoiou nas minhas pernas. Aos poucos mexia
os quadris mais rapidamente, fazendo com que o som de nossos corpos se
chocando ecoasse pela sala.
Prendi o lábio entre os dentes para evitar gemer mais alto, meus olhos
chegaram a se revirar discretamente.
Não parecia se cansar, cheguei a sentir arder.
Quando ele enfim estava perto de seu ápice, se afastou sutilmente e se
masturbou sobre mim, deixando que os jatos quentes parassem sobre o meu
abdômen. Encarei-o, tentando ver os olhos por detrás da máscara.
Estava ofegante, dolorido e com o corpo em êxtase.
— Essa foi a melhor foda que já tive em tempos. — Um sorriso lento se
abriu em meu rosto. — Eu... posso ver você?
O mascarado subiu sua calça e se debruçou em cima de mim, onde seus
dedos tocaram minha face. Ele acariciou minha bochecha com o polegar, o
que me fez fechar os olhos com o carinho, até que me deu um tapa no rosto.
Ergui as pálpebras rapidamente.
O homem se afastou, levou o dedo frente a máscara em sinal de silêncio
e deu as costas. Então saiu pelo mesmo lugar que entrou, a janela.
Parece insanidade, quero dizer, é insanidade, mas naquele momento eu
desejei vê-lo de novo.
O corpo inteiro doía, principalmente a bunda e as cicatrizes dos cortes,
em especial o que estava próximo a minha virilha com as iniciais M.G.
Naquela manhã levantei mais cedo e pela primeira vez em semanas
arrumei a bagunça que estava na sala. Guardei as compras da conveniência,
joguei as embalagens vazias no lixo, ajeitei os móveis e juntei as roupas que
estavam espalhadas para pôr no armário, mas durante a arrumação, senti
falta de uma peça.
— Ué... não tinha uma blusa azul aqui? — Arqueei a sobrancelha. —
Onde ela foi parar? — Sacudi a cabeça. — Ah, deixa pra lá. Eu devo ter
colocado em outro lugar, depois encontro.
Terminei a organização e alimentei a Vi, que infelizmente presenciou a
minha foda no sofá. No momento em que me aproximei da entrada cozinha,
vi a faca jogada no chão da sala. Aquilo ali foi a única coisa que não tive
coragem de pegar, onde estava eu deixei que ficasse.
Fui preparar um café, não pretendia passar na cafeteria de gato daquela
vez, porque o dinheiro estava curto e tive muitos gastos com besteiras de
loja de conveniência na noite anterior, que sequer cheguei a comer. Então
aquilo seria o meu desjejum.
Tomei um banho e me apressei para me arrumar para o trabalho. Antes
de sair, fiz questão de checar se a janela e a porta estavam bem trancadas.
Durante o caminho até o ônibus meus pensamentos retomavam para a
noite anterior, tentando recapitular todos os detalhes que consegui
memorizar a fim de ver se descobriria quem era o Masked Guy.
As minhas suspeitas caíram por terra, Harry não tinha tatuagens e Steve
Dix não era loiro... muito menos dono de uma voz daquelas. Eu não fazia
ideia de quem aquele homem poderia ser, ainda que ele dissesse que me
conhecia.
Quando subi no ônibus, passei lentamente pelo corredor, me ative a
cada olhar estranho, todos os rostos... qualquer um poderia ser suspeito.
Principalmente alguém do ônibus, já que os passageiros sempre pegavam o
mesmo destino nos mesmos horários.
Para a minha infelicidade, ninguém se assemelhava aquele homem.
Eu estava aos poucos me tornando obcecado com a situação, e não
sabia se era pela diversão de brincar de detetive ou porque queria
novamente vê-lo e me engasgar com aquele pau com piercing.
Talvez um pouco dos dois.
Saltei do ônibus numa parada posterior a que eu costumava descer e
caminhei até a avenida em que ficava o prédio da empresa. Enquanto
atravessava a rua, meu celular vibrou e então vi o SMS.
[Número desconhecido]: Por que mudou de rota hoje?
[Você]: Como sabe o caminho que eu faço?
De repente, ouço um buzinar alto que me fez arregalar os olhos. Um
carro freou rapidamente e desviou de mim, seguido por um xingamento.
Meu coração bateu acelerado e a respiração ofegou sem que eu saísse
do lugar. Terminei de atravessar a rua correndo e cheguei em frente ao
edifício da empresa.
[Número desconhecido]: Eu disse que te conheço, Peter Reid.
Olhei para trás, receoso, a fim de verificar se estava sendo seguido, não
enxerguei nada além de pessoas passando para trabalhar com pressa,
falando ao celular ou carregando copos de café.
Soltei o ar audivelmente. Bloqueei o celular e o guardei no bolso de
novo antes de passar pela catraca da empresa. Aquela mensagem me fez
refletir se eu estava certo de levar adiante aquela situação por puro tesão ou
curiosidade.
Eu não devo alimentar isso... esse cara invadiu a minha casa, marcou
meu corpo e sabe por onde ando. E se eu não quiser mais essa relação? O
que ele seria capaz de fazer?
A sensação de perigo iminente trouxe à tona a minha consciência. Eu
estava me colocando em uma armadilha, feito um rato que deseja tanto o
queijo que esquece da ratoeira em volta.
Masked Guy está me entregando justamente o que eu desejava, tudo
que expus no fórum para um bando de desconhecidos pervertidos..., mas
quais são realmente as suas intenções?
Quando cheguei no meu andar, vi Wilhem andando pelos corredores
com o nariz em pé e pescoço esticado, de vez em quando checava o horário
em seu relógio, pronto para atazanar a vida dos funcionários atrasados
assim que o sinal batesse.
Aparentemente ele não estava ferido, o que me aliviou. Ainda que eu
detestasse meu gerente, sentiria profunda culpa se o Masked Guy tivesse o
agredido ou feito coisa pior com ele apenas para me defender...
Sobre o carro quebrado, zero ressentimentos, ele tinha dinheiro
suficiente para comprar outro.
Assim que sentei no meu cubículo e arrumei minhas coisas sobre a
mesa, o sinal tocou indicando o início do expediente. E a primeira coisa que
Wilhem fez foi passar pela minha sala com um olhar de canto a fim de
checar se eu estava presente.
Aquele dia foi diferente, não era como se eu estivesse ausente do
próprio corpo, pelo contrário, tive noção de tudo que acontecia. Sentia o
frio do ar condicionado, ouvia os murmúrios de fofoca ao redor e me
angustiava com o som do telefone tocando a cada segundo, até mesmo o
toque dos meus dedos contra as teclas do computador estava mais apurado.
Minha mente estava em alerta.
O celular vibrou novamente e então olhei para os lados a fim de checar
se alguém estava me observando. Nenhuma atenção sobre mim.
[Número desconhecido]: Quer repetir hoje o que aconteceu ontem?
Com apenas uma mensagem as batidas em meu peito se intensificaram.
Meus dedos chegaram a digitar e apagaram, escrevi e apaguei de novo.
Não sabia exatamente o que responder, pois meus desejos e a minha
consciência estavam em conflito naquele momento.
Ao mesmo tempo em que queria aceitar, também sabia que precisava
negar. Eu necessitava de um prazo para raciocinar melhor e saber o que
faria em relação a ele.
Estiquei discretamente o pescoço e inclinei o rosto para fora do meu
cubículo para ver se captava algum cara que eu ainda não havia notado
digitando ao celular.
Ninguém.
[Você]: Hoje não.
[Número desconhecido]: Por quê?
Soltei o ar devagar enquanto pensava na desculpa que daria.
[Você]: Tenho alguns trabalhos para entregar hoje à noite e meu
corpo ainda está dolorido de ontem. Não aguentaria de novo.
Esperei uma réplica de insistência, que não veio.
— Peter! — O grito do gerente fez com que eu saltasse da cadeira.
Arregalei os olhos e segurei firme o celular que quase escorregou da
minha mão pelo susto. Engoli em seco.
Que merda.
— Não pode mexer no celular durante o expediente! Quer levar uma
advertência?
— Eu estava vendo se a minha mãe doente...
— Não me interessa. Veja depois. A empresa não tem nada a ver com
os seus problemas, aqui você deve produzir. Entendeu?!
Mesmo que a minha desculpa não fosse verdade, aquela frase fez com
que meu corpo ardesse em ódio. Pressionei os dentes com tamanha força
que senti o rosto doer.
— Certo, senhor — respondi com tanto contragosto que desejava mais
do que nunca engolir aquelas palavras e simplesmente pegar as minhas
coisas e ir embora.
Retiro o que disse anteriormente. Eu não sentiria tanto remorso assim
se o mascarado desse alguns golpes na cara daquele porco de gravata.
Perto do fim do expediente, notei uma movimentação pelos corredores
do meu setor, Carter não só chamava a atenção de todos para si, do jeito que
sempre fazia, como convidava certos funcionários para um happy hour.
E como sempre eu fui um dos que ele sequer dirigiu a palavra, nem eu,
nem Steve Dix.
Quando o sinal tocou, todos arrumaram suas coisas e a maioria foi para
o bar. Já eu, apoiei a mochila sobre o ombro e tomei meu rumo em direção
à minha casa, naquela noite sim jogaria League of Legends.
Assim que entrei no elevador, ouvi um grito distante com um
‘’segura!’’. Coloquei a mão entre as portas e vi Steve Dix dando uma breve
corrida em direção à cabine.
— Obrigado — falou.
Estar dentro do elevador, sozinho com aquele homem, em silêncio, me
trouxe profunda angústia. Senti as mãos tremerem sutilmente e a sensação
era como se eu devesse dizer alguma coisa.
— Por nada. — Franzi os lábios e encarei o painel que indicava o
número dos andares. — Você... vai no happy hour?
— Não. Não fui convidado. — Respirou audivelmente. — Você vai?
— Não. — Ri. — Também não fui convidado.
Logo que as portas do elevador se abriram, Steve assentiu com a
cabeça.
— Somos privilegiados por isso. Aquele pessoal é um porre.
E saiu com a cabeça baixa e passos apressados. Não sabia que tanta
pressa ele tinha para ir pra casa. Se havia alguém que odiasse mais aquela
empresa do que eu, provavelmente era ele, que não aguentava ficar um
segundo além de seu tempo ali.
Assim que deixei o prédio, comecei a andar pela rua em direção ao
ônibus. Não recebi mais mensagens do número desconhecido, muito menos
notei algo de diferente.
Dentro do transporte, enquanto ouvia música a caminho de casa e
vislumbrava a paisagem, minha mente voltou a sair do corpo. Fiquei
distante, como se retornasse para o looping que estava preso.
Ao desembarcar, coloquei as mãos nos bolsos da calça durante o
percurso e andei tranquilamente, até que notei uma presença, ainda que
distante, atrás de mim. À noite, com postes mal iluminados, prejudicava a
minha visibilidade de reconhecer quem era, eu só conseguia notar a roupa
completamente preta e um capuz que fazia sombra sobre o rosto.
Acelerei o passo.
Tentei fingir que não estava preocupado com a pessoa encapuzada
claramente me seguindo, mas isso se tornou impossível com as minhas
diversas olhadas para trás.
Quando cheguei na minha rua, faltando pouco para entrar em casa,
deixei que o medo assumisse o controle, saí correndo em direção à porta e
até tropecei nos degraus. Minhas mãos tremiam enquanto tentava colocar a
chave dentro da fechadura, deixei que o chaveiro caísse no chão e assim
que me agachei para pegar ouvi uma voz atrás de mim.
— Pete!
Era Harry.
Soltei o ar devagar e olhei para ele, ainda agachado. Meu corpo estava
tão contraído de pavor, que até mesmo meu vizinho notou.
— Tá tudo bem?
Ele me olhava de olhos bem abertos com uma embalagem em mãos,
vestindo sua típica roupa social de Wall Street. Peguei as chaves, levantei e
observei em volta a fim de ver se notava alguma presença estranha, mas o
homem encapuzado sumiu.
— Sim... está tudo bem, e você?
Harry arqueou a sobrancelha.
Não estava nada bem, minha palidez e rosto suado deveriam deixar
claro isso, mas ele preferiu fingir que não percebeu.
— Ah, que bom. Estou bem.
— Esse pacote é pra mim? — perguntei, direcionando a atenção para a
caixa em suas mãos.
— Não, não. — Ele balançou a embalagem.— Esse aqui eu acabei de
receber. Foi bom te ver, Peter.
— Ta-também. Tchau!
Abri a porta e entrei rapidamente. Encostei na madeira sentindo meu
coração pulsar no pescoço e estava tão ofegante que o ar chegou a me faltar.
Escorreguei até o chão e me sentei nele tentando retomar o controle da
respiração.
Olhei para frente e vi a faca, que permanecia no mesmo lugar.
Num momento de desespero, puxei o celular do bolso e mandei
mensagem para o Masked Guy.
[Você]: Eu acabei de sofrer uma perseguição! Você tem algo a ver
com isso?
A resposta demorou, mas chegou.
[Número desconhecido]: Apenas para checar que você chegaria
bem em casa.
Rangi os dentes e voltei a tremer, contudo daquela vez não foi de medo.
Foi de raiva.
Não posso mais prolongar essa situação! Estou perdendo a cabeça!
[Você]: Você é maluco! Eu quase morri do coração!
[Número desconhecido]: Desculpe, não queria te assustar... se bem
que você gosta disso. Não é?
Digitei minha última mensagem e olhei para a tela por alguns segundos
refletindo se realmente deveria enviar.
Sei que a opção mais sensata seria terminar com o jogo de uma vez,
mas me apeguei a emoção enérgica da situação, então ao invés de acabar
com tudo, deletei o texto e larguei o celular no canto da sala.
Eu me vi em meio aos troncos de árvores úmidas e folhagens escuras,
meu corpo estava gélido, eu tremia, não apenas pelo frio, mas de medo.
Rondei os olhos pelo espaço pouco iluminado e comecei a correr em busca
de uma saída, a floresta pareceu não ter um fim.
Estava sozinho e perdido, até que os passos rígidos contra as folhagens
secas no chão me fizeram perceber que eu não era o único ali. Ao vigiar as
minhas costas, notei um homem de roupa preta com capuz, máscara de
caveira e machado na mão, vindo em minha direção.
Meu coração disparou, tentei fugir, mas pareceu que minhas pernas
travaram e eu mal conseguia sair do lugar enquanto ele, calmamente, me
perseguia.
— Corra! — gargalhou. – Corra, ratinho!
Por mais que eu me esforçasse para escapar, meu perseguidor me
alcançou pelos cabelos, puxando os fios tão forte que gritei de dor, fui
jogado ao chão, então ele montou sobre minha barriga e ergueu o machado.
No momento em que o golpe viria em meu pescoço, abri os olhos e os
arregalei com a puxada de ar.
Levei a mão à testa para secar o suor que se formou, e meus músculos
ainda estremeciam de medo enquanto o coração balançava no mesmo ritmo
acelerado.
Masked Guy mexeu tanto comigo, que me apavorou até mesmo nos
meus sonhos, tornando-se meu bicho-papão. Sentei na cama, esfreguei os
olhos e peguei os óculos que estavam apoiados na bancadinha.
Levantei meio desnorteado, cambaleei pela sala me apoiando nas
paredes e me joguei no sofá. Liguei a TV e deixei que minha mente ficasse
alheia enquanto tentava me recuperar da noite mal dormida devido ao
pesadelo.
As notícias não diziam nada demais, o mesmo de sempre, até que uma
em específico me chamou a atenção. A repórter falava de um homem em
Manhattan que foi assassinado da mesma forma que outro cara, e a polícia
estava tentando juntar as provas a fim de ver se o autor do caso era a mesma
pessoa.
— Serial killer? — murmurei e uma sobrancelha se ergueu. — E se...
Masked Guy for um serial killer? E está brincando comigo, sua futura
vítima? — Olhei para os lados, teorizando a possibilidade. — Meu Deus, eu
só posso estar enlouquecendo... — Levei as mãos aos cabelos, entremeio os
dedos nos cachos e os puxei.
Desliguei a televisão e levantei do sofá para alimentar a Vi.
Aproveitando que acordei antes do despertador tocar, fui tomar banho com
calma para me preparar para o trabalho, não queria começar o dia com os
gritos do Wilhem.
O que era para ser um momento relaxante, só me trouxe raiva. O sabão
estava tão nas últimas, que tive que esmagá-lo para conseguir fazer espuma
para me limpar e assim que saí do chuveiro para escovar os dentes, notei
que a pasta de dentes também estava acabando, com muita força consegui
espremer a última gota.
— Ah, que merda! Logo agora no fim do mês as coisas resolvem
acabar... não podiam esperar até eu receber, hein? — Joguei a embalagem
vazia na lixeira com raiva.
Eu estava com o dinheiro contado para tomar meu café fora, mas
infelizmente, ele seria destinado ao mercado para comprar sabonetes e pasta
de dente. Por sorte, como havia despertado mais cedo, teria tempo o
bastante para ao menos passar um café em casa antes de sair.
Deixei o banheiro com a toalha enrolada na cintura e fui até o quarto
para me vestir. Enquanto atava o nó da gravata, refleti sobre a noite anterior
e como eu deveria ter acabado com tudo, encerrado qualquer ligação com
um louco como Masked Guy, mas não o fiz por pura ousadia de pagar para
ver o que poderia acontecer.
Quando estive pronto, ouvi a campainha tocar. Fiquei estático e em
silêncio no quarto, fingindo que não havia ninguém, mas a pessoa insistiu,
de novo e de novo... até que perdi a cabeça e gritei.
— Quem é?!
Ninguém respondeu. Um silêncio pairou por instantes, até que a
campainha foi tocada novamente.
Bufei e andei em passos pesados com os punhos duramente fechados
até a porta, destravei e puxei abruptamente com raiva. Não havia ninguém
na entrada.
Meus olhos inspecionaram a vista da minha vizinhança e sequer vi
movimento algum por perto. Olhei para baixo e notei o saquinho do gatocafé
que eu gostava e nele estava preso um bilhete.
Ainda desconfiado, vigiei em volta antes de agachar para pegar. Assim
que peguei, voltei para dentro de casa e tranquei a porta rapidamente. Abri o
saquinho e ali dentro haviam cookies ainda quentes, e o copo de café
fechado.
Apoiei o saquinho sobre o sofá e abri o bilhete, nele estava escrito ‘’Do
seu admirador secreto ;) ‘’. Inspirei profundamente e puxei o celular do
bolso, de imediato enviei uma mensagem para ele.
[Você]: Foi você quem me mandou esse café?
[Número desconhecido]: Você tem outros admiradores secretos
além de mim? Aproveite o café, Pete.
Aquilo me fez expressar um sorrisinho.
Merda, não posso me envolver tanto nisso. Afastei a ideia de achá-lo
cativante, Masked Guy era um lunático que sabia tudo da minha vida e eu
sequer conhecia seu rosto.
[Você]: Obrigado.
[Número desconhecido]: Que tal nos vermos hoje?
Preferi não respondê-lo, bloqueei o celular e fui tomar o café para sair
para o trabalho. Não sentia que estava pronto para rever Masked, porque,
por mais que a foda fosse boa, ele havia ultrapassado alguns limites que me
dava muito medo.
Enquanto andava a caminho do ponto de ônibus, vigiava todos os
cantos. Eu deixei de lado o estado de inércia para adotar a paranoia, e por
mais que aquilo me movesse a saber como seria o dia seguinte, também me
deixava psicologicamente esgotado.
A todo momento sentia que iria morrer, que Masked poderia me matar,
e por mais que em diversas horas essa fosse a minha vontade, não queria
deixar o meu destino nas mãos de outra pessoa.
Naquele dia, consegui chegar mais cedo no trabalho, mas não antes que
Carter, que por mais que não fizesse nada e empurrasse boa parte de suas
tarefas para mim por pura incompetência, era um ótimo ator e conseguia
convencer a todos dos seus feitos no serviço.
Arrumei as coisas no meu cubículo e me sentei.
Bastou que eu tomasse meu lugar, para que Carter arrastasse sua
cadeira de rodinhas para perto de mim.
— Ei, Peter, amigão, queria saber se...
— Não. — Mantive os olhos atentos na minha tela.
— Mas eu nem falei ainda...
— E a resposta já é um não. — Rodei a cadeira em direção a ele,
encarando-o. — Você quase sempre pede por minha ajuda, mas o que quer
não é uma ajuda e sim alguém para fazer o seu trabalho! Eu já tô
sobrecarregado de coisas só de ter que assumir as minhas funções e ainda
resolver os problemas que você foi contratado pra solucionar. Além disso,
não venha com essa de amigão, sequer me chama para os happy hours.
Ele abriu um sorriso lento, que me fez sentir o sangue borbulhar pelas
artérias.
— Então o problema são os happy hours?
— Você ouviu tudo o que eu disse?! — Abri os braços.
Antes que iniciássemos uma discussão, um soco forte foi dado contra a
divisória do meu cubículo, que me fez saltitar da cadeira. Arregalei os olhos
para Wilhem, que vigiava nós dois com uma expressão nada agradável.
— Por que estão gritando?
— Por nada. — Abaixei o olhar e girei minha cabeça para frente do
computador.
— Estávamos só falando alto, chefia. Fica tranquilo — Carter disse.
O gerente não pareceu muito convencido, mas não acrescentou nada.
Apenas se afastou, dando algumas olhadelas para nós dois, ainda que a
distância.
Encarei Carter e ele ergueu os ombros, voltando a digitar em seu
programa. Enquanto eu ainda ligava o monitor, o alarme de início de
expediente tocou.
Tudo que eu conseguia pensar era no quanto abominava aquele lugar e
ansiava pra me ver livre. Odiava as pessoas que trabalhavam ali, detestava o
espaço grande, cheio e de estrutura fordista, tudo era péssimo. Nem mesmo
o salário mixuruca compensava.
Passei o restante do meu dia executando as tarefas dos projetos que me
foram enviados e arrumando os bugs na plataforma, de forma automática e
alheia a tudo ao meu redor.
Quando deu o fim do expediente, me senti cansado só em saber que não
poderia simplesmente ir direto para casa. Teria que passar no mercado para
comprar os produtos de higiene que acabaram.
Guardei os meus pertences com certo desânimo, deixei o setor e peguei
o elevador até o térreo. Daquela vez, Steve Dix havia saído bem antes de
mim, e eu esperei que Carter fosse na frente só para não ficar nenhum
segundo a sós com ele.
Assim que eu saí do prédio, olhei para o céu escuro e suspirei.
— Céus, como eu queria ir para casa...
Puxei o celular do bolso e olhei as notificações, não havia nenhuma
ligação da minha mãe, muito menos mensagem do meu admirador secreto,
um apelido carinhoso para o stalker maluco. Abri o Google e procurei pelo
mercado mais próximo, iria andando até lá para comprar o necessário e
depois pegaria o ônibus até o meu bairro.
Assim que li o endereço, guardei o celular e desci os degraus com as
mãos nos bolsos. Àquela hora a área empresarial ficava muito perigosa,
pois a circulação de pessoas se reduzia drasticamente e a iluminação não
era a das melhores. Tentei andar o mais rápido que consegui, sempre atento
ao caminho.
O supermercado de fachada amarela era enorme, na verdade, quase
tudo em Nova York era exagerado, como se toda a estrutura da cidade fosse
feita para te impressionar. Não precisei percorrer uma distância muito longa
para chegar até ali e pelo que vi no Google, havia um ponto de ônibus atrás
dele, logo depois de seu estacionamento.
Passei pelas portas automáticas sem sequer olhar para os carrinhos,
nem mesmo uma cestinha pegaria para fazer as compras, já que o meu
dinheiro estava contado para apenas o sabão e a pasta de dentes.
Àquela hora da noite e no fim de mês, os corredores do mercado não
estavam cheios, muito menos havia filas para os caixas.
Enquanto caminhava em direção à seção de produtos de higiene, notei
algo passando rápido por trás de mim. Senti um frio percorrer a espinha e os
pelos da minha nuca se levantaram, meu corpo por inteiro se enrijeceu.
Lentamente virei o rosto de lado para tentar enxergar qualquer coisa.
Nada.
Soltei o ar devagar e balancei a cabeça.
Para de ser doido, Peter. Não tem ninguém atrás de você.
Peguei a pasta e sabão mais baratos que tinha. Enquanto andava pelo
corredor, notei novamente um movimento, olhei para trás e consegui ver a
silhueta de alguém de preto, que atravessou para a outra seção ligeiro feito
um vulto.
Isso não é coisa da minha cabeça porra nenhuma.
O coração descompensou.
Acelerei o passo e fui até o caixa para pagar as compras. No instante
em puxava a carteira, foquei a atenção na imagem da tela da câmera de
segurança acima da minha cabeça. Meus olhos se tornaram maiores ao
notar algo escuro ao fundo, feito um homem de capuz.
Quando olhei para trás, não tinha ninguém. Comecei a hiperventilar.
— Está tudo bem, senhor?
Pisquei algumas vezes antes de responder a atendente.
— Sim. — Vigiei o meu redor — Por acaso... você viu um homem de
capuz e roupa preta passar por aqui?
A mulher enrugou a testa, como se eu tivesse acabado de perguntar um
absurdo.
É. Eu devo estar maluco, maluco!
— Tenha uma boa noite. — Paguei o pedido, guardei tudo na mochila e
atravessei o supermercado para ir até o seu estacionamento a fim de cortar
caminho até o ponto de ônibus.
Quando pisei meus pés do lado de fora, prendi o ar. O espaço era
enorme, com alguns carros espalhados e pouquíssimo iluminado, onde as
grades que cercavam o lugar estavam enferrujadas e quebradas.
Senti a saliva descer arranhando pela garganta, mas eu tinha que ir logo
para casa e acreditava que dar a volta e pegar o caminho mais longo seria
ainda pior.
— Não vai acontecer nada — falei em voz alta, tentando me convencer.
Dei o primeiro passo e comecei a andar. Parecia que só havia eu por ali,
até que resolvi olhar para trás e notei o homem de capuz ao fundo. Ele
estava com as mãos nos bolsos do casaco, caminhando lentamente.
Tentei ir ainda mais rápido, e ao vigiar as costas, notei que o cara sacou
uma arma e acelerou seus movimentos.
Arregalei os olhos, fechei os punhos e apertei o passo, tentando não
demonstrar medo, até que ouvi um tiro perto de mim.
Comecei a correr e o fim do estacionamento parecia estar cada vez mais
distante, e então outro tiro. Eu dei um grito e fui para trás de um dos carros
e agachei ali para me esconder. Minhas pernas estremeciam e meu peito
vibrava intensamente.
Eu não sabia se aquele era um assaltante, um louco qualquer ou
Masked Guy tentando me matar por não querer vê-lo.
Os passos pararam. Levei a mão trêmula aos lábios, tampando-os para
abafar qualquer barulho que saísse contra a minha vontade. Ergui
lentamente o rosto para cima do capô do carro vermelho a fim de ver se ele
ainda estava ali.
Ninguém.
Soltei o ar devagar e rastejei para o outro carro, dali pretendia levantar
e correr até o ponto. Esperei por mais alguns segundos, a fim de ver se ele
apareceria novamente.
Devido ao silêncio me levantei rápido para fugir, quando ele saiu de
repente de trás de outro carro e me pegou pelas costas. Um de seus braços
envolveu meu corpo enquanto o outro tampou meus lábios.
Fui arrastado para a área mais escura do estacionamento mal iluminado
e posto sentado contra uma das grades. Arregalei os olhos quando ele
apontou a arma para mim, e então vi a máscara.
Ergui as mãos trêmulas e aos poucos, a minha visão se tornou
marejada.
Ele segurou meu queixo, elevando-o sutilmente e pressionou o cano da
pistola contra meus lábios. Permiti que ele a colocasse, senti o gosto do
metal da língua, o mascarado fez a arma entrar e sair da minha boca, como
se simulasse um sexo oral.
Senti um aperto no peito e uma sensação de sufocamento, logo as
lágrimas que tentei conter escorreram.
Masked Guy afastou pistola da minha boca.
— Por que está chorando, passarinho?
Eu estava tão nervoso, que não consegui responder de imediato, apenas
soluçar. Afastei os óculos dos olhos, colocando-os acima da cabeça e levei
as mãos as pálpebras para secar o rosto.
Ele se agachou para ficar à minha altura e puxou meus pulsos para que
eu o encarasse.
— Por favor, não me mate… não me mat... — não consegui concluir a
última palavra, que saiu falha em meio ao meu desespero.
O ouvi rir baixo.
— Mas eu não quero te matar.
— Você deu dois tiros! — Pressionei os dentes.
— Pra te assustar, não pra pegar em você. — Masked levou a mão ao
meu rosto, mas a afastei.
— Você é maluco! — Levantei do chão, batendo nas roupas.
— Achei que gostasse desse tipo de coisa. Não pediu que alguém te
ameaçasse? Assustasse...
— Eu sei! Eu sei o que pedi! Mas você não é um simples cara que leva
isso pro lado sexual… você invadiu a minha vida além da brincadeira. Sabe
onde eu moro sem eu ter te dado o endereço, tem noção de quem é o meu
chefe, qual a empresa em que trabalho e… e.. .me rastreou! — Recolhi o
corpo. — Sinto medo de você, Masked, não em um bom sentido.
— Desculpe. Não era essa a intenção. Quer refazer as regras?
— Não. Eu quero parar de brincar. — Cruzei os braços. — Quero
acabar com tudo isso e sequer lembro da merda da palavra de segurança...
— Abacaxi.
— Isso! Abacaxi. Nem gosto dessa fruta. — Balancei a cabeça em
negação. — Não quero te ver mais, Masked Guy.
Ele deu um passo para trás.
— Tem certeza disso?
— Tenho. Abacaxi. Abacaxi, abacaxi, abacaxi.
Ele riu e assentiu com a cabeça, então guardou sua arma e se afastou de
mim. Somente ao vê-lo dar as costas que pude respirar propriamente.
Sabia que manda-lo ir embora teria as suas consequências, retornaria
para o estado de inércia e vazio que me consumia dia após dia, mas não
poderia continuar a alimentar a situação da forma que estava, cada vez mais
perigosa.
Naquele momento, acreditei que fiz o que qualquer pessoa sã faria.
Tomei a decisão certa.
Ao menos foi o que eu achava.
“E como foi a sua semana?”
Essa frase ecoou na minha cabeça enquanto meus olhos estavam
vidrados nos carros que passavam em alta velocidade pela avenida. Meu
corpo balançava com os ventos cortantes e o coração pulsava tão
intensamente que pude senti-lo no pescoço.
Eu só precisava dar um passo à frente, somente um para acabar com
tudo.
Recapitulei a semana, que foi tão fora do comum que pareceu durar um
mês, já que aqueles momentos de pavor e curiosidade me despertaram,
trouxeram um propósito…, mas junto dessas emoções veio o perigo.
Meus pais não sabiam de nada do que eu passava em Nova York, eu
preferia ocultar todas as minhas dificuldades para que eles não se
preocupassem e fingir que estava cumprindo bem o meu papel de filho
perfeito.
Eu fui a primeira pessoa da minha família a conseguir ingressar em
uma universidade, e mesmo sendo alguém muito mediano, meus pais
puseram expectativas altas em mim, como se eu tivesse a obrigação de ser
bem-sucedido, de ajudá-los a sair da pobreza.
Quando consegui o emprego numa multinacional em NY, foi motivo de
festa na cidadezinha, parecia que seria o novo bilionário dos Estados
Unidos ou estamparia alguma matéria da New York Times. Até eu, cheguei
a acreditar nisso, até que me deparei com a realidade.
Eu era só mais um dos diversos trabalhadores presos por um contrato
que aceitaram que, por mais que se esforçasse, jamais alcançaria o topo. Na
verdade, todo o meu esforço era apenas para alimentar os que estavam
acima de mim.
Antes, acreditava que faria algo grandioso na vida, depois, percebi que
estava sozinho, em uma cidade enorme, preso num looping, numa rotina
repetitiva e exaustiva que me fazia questionar diversas vezes: “A vida é só
isso?”
E parecia que sim, que seria só isso, todos os dias iguais até meu último
suspiro. Então, se fosse assim, acreditava que interromper a vida antes da
hora não faria diferença, não mudaria nada mesmo, não perderia
literalmente nada, porque a minha perspectiva para o futuro beirava a zero.
— Filho? Como foi a semana?
A voz da minha mãe trouxe minha consciência de volta ao corpo.
Apertei firme o celular, respirei profundamente e dei um passo para
trás, me afastando da beira do asfalto.
— Foi boa. Vou folgar durante a semana, na semana que vem. —
Aquela foi a única novidade que pude contar.
Desde o meu ultimato no mascarado, ele sumiu da minha vista. Há três
dias.
Não esperava que ele fosse realmente acatar o meu pedido, mas
prontamente o fez, respeitou os termos e a minha decisão. Confesso que
apesar de no primeiro dia me trazer paz, com a sensação de retomar a
segurança, os outros dias me deixaram com saudade da emoção que fazia
meu coração bater mais forte, a adrenalina que agitava meus pensamentos
em busca de respostas e afastava a sensação do vazio. Sentir medo era
melhor do que não sentir nada.
— Ah, que ótimo!
— E como está o pai? Ele melhorou das crises de asma?
— Sim, foi só um susto. Sinto tanta saudade sua… estava pensando em
pegarmos um ônibus e ir até aí no próximo feriado, o que acha?
Apesar de eu ansiar sentir o calor do abraço dos meus pais novamente,
sabia que aquela viagem custaria caro, e eles abririam mão de alguma coisa
por mim. Eu estava dando um terço do meu salário para eles afim de que
não passassem dificuldades, não queria ser o motivo de seu aperto.
Meu coração se comprimiu e a pressão da tristeza foi esmagadora em
ter que negar. Mas aquilo era o certo a se fazer, já que eu não tinha
condições de bancar a viagem dos dois, e também não queria vê-los em um
aperto por minha causa.
— Acho melhor não, mãe. A viagem vai sair muito cara… eu prometo
visitá-los assim que estiver de férias, tá bom?
Ouvi seu suspiro do outro lado da linha.
— Tudo bem, meu filho. Vou esperar ansiosa… Te amo!
— Também te amo.
Quando a ligação foi encerrada, terminei de me afastar da beirada da
rua e voltei a caminhar em direção à cafeteria cor de rosa com decoração de
gatinhos. A cada passo minhas pupilas se moviam e a mente divagava.
Eu me sentia preso, preso na rotina, no vazio, prisioneiro do meu
corpo... e em cárcere pelo sistema. A morte para mim não era nada além de
uma solução para tudo, para fugir dos problemas, da situação que me
sufocava..., porém, ir antes da hora afetaria diretamente meus pais. Eles só
tinham a mim.
Por mais que tentasse me agarrar à minha família para me manter
respirando, ainda assim a ideia retornava. Cada vez mais tentadora.
Passei pela porta de vidro, onde o sino anunciou a minha entrada.
Àquela hora da manhã estava cheio, agitado, com diversos entra e sai e
faladeira conjunta que tornava quase todos os sons incompreensíveis para
mim.
Pedi o mesmo de sempre, mas sem o cookie ou bolinho. Fim de mês,
tinha que poupar nas mínimas coisas para conseguir me sustentar até o dia
de pagamento.
— Percebi que o senhor não tem pedido mais os nossos doces, muito
menos provado os salgados. Deixaram de estar ao seu agrado, Peter?
Arregalei os olhos brevemente.
— Como sabe meu nome?
— Hum... porque é o que você dá pra identificação do pedido. — Um
sorriso lento se formou nos lábios da atendente, como se eu tivesse acabado
de falar a maior besteira.
— Ah, sim... — Cocei a cabeça. — É, não, as comidas daqui são
ótimas. É que ando meio apertado de grana, então nesses dias tô preferindo
só o café.
— Entendo.
Por mais que ela forçasse um sorriso simpático, foi perceptível em seus
olhos brilhantes e sobrancelhas discretamente franzidas a pena da minha
situação. Respirei devagar, paguei o café e me afastei do balcão até que meu
pedido ficasse pronto.
Quando o barista colocou o copo com meu nome sobre a bancada, fui
de cabeça baixa rapidamente pegá-lo e dei passos largos em direção à saída,
quando tive o braço segurado por uma mulher baixa, com cabelos escuros
ralos e voz fina.
Meus olhos quase saltaram das órbitas quando me deparei com sua
imagem, até que ela ergueu um saquinho da loja.
— Pediram para te entregar isso.
Com um pouco de receio, peguei de sua mão a embalagem e a abri. Ali
tinha um cookie e um bolinho, ambos dos sabores que eu gostava. Senti um
aquecer no peito e um formigamento tomou meu rosto, principalmente as
bochechas.
— Q-quem mandou isso pra mim? — Sem querer um sorriso se abriu
em meus lábios.
A mulher deu de ombros.
— Eu não posso falar. Me deram dez dólares pra manter o segredo —
Virou as costas e saiu de perto de mim, em direção à mesa onde havia uma
outra moça.
Olhei de novo o saquinho, muito incrédulo. Era algo simples, uma
pequena ação, mas que me deixou menos cético em relação à bondade
alheia.
— Mas quem mand...
Antes que pudesse concluir o questionamento, a hipótese veio à mente.
Masked Guy? Ele sabe do que eu gosto e já me deu café da manhã antes.
Parado próximo à entrada, rondei os olhos pelo ambiente, procurando
por alguém que parecesse suspeito. Mas eram muitos, e todos de terno e
gravata, jamais conseguiria ver tatuagem alguma ali. E as vozes se
misturavam e preenchiam o espaço de tal forma que tornou impossível
reconhecer o timbre de voz dele.
Balancei a cabeça, afastando a ideia.
Ou talvez seja só algum riquinho de Wall Street com pena de um fodido
como eu. Revirei os olhos e deixei a cafeteria, puxei o celular do bolso e
chequei as horas, quando percebi quanto tempo faltava para o início do
expediente, minhas pálpebras se retraíram rapidamente. Tinha que correr.
Por sorte, consegui chegar dentro do horário. O dia passou de forma
imperceptível para mim, me senti no automático, fora do próprio corpo,
como se fosse espectador da minha vida. O único momento marcante foi
quando peguei o bolinho que ganhei para comer após o almoço.
Aquele doce levantou o questionamento em mim sobre quem poderia
ter me dado, mas o pensamento se foi na mesma velocidade que veio, pois
Masked Guy estava distante, não havia mais uma mensagem ou movimento
por parte dele, portanto não fazia sentido ele ter pedido para me entregarem
o bolinho e os cookies.
Quando deixei o prédio à noite, parei em frente a porta de vidro e fiquei
a observar Steve Dix ir embora, com sua mesma pose retraída e olhar
desconfiado. Até acenei quando nossas íris se encontraram assim que ele
vigiou as costas, mas sequer fui correspondido. Não fez diferença. Ele se
tornou muito desinteressante depois que rejeitei a ideia de que ele poderia
ser o mascarado. Na verdade, não só o Steve, tudo voltou a ser
desinteressante após a minha saga com o perseguidor da internet ter tido o
seu fim.
O clima estava frio, com espaçadas e finas gotículas de água caindo do
céu. Coloquei as mãos nos bolsos, pressionei os ombros contra o próprio
corpo e desci a escadaria pé ante pé para que não escorregasse.
Durante o percurso passei em frente às vitrines das lojas de
conveniência ansiando por comprar uma besteira. Cheguei a pegar a carteira
algumas vezes para fazer uma dívida no cartão de crédito, mas guardei
novamente quando me lembrei das outras prioridades de adulto.
Às vezes preferia ser mais inconsequente, fazer as coisas sem pensar no
amanhã. Quem sabe dessa maneira eu veria a vida com outros olhos... ou,
talvez, só me ajudaria a afundar mais.
Assim que cheguei na vizinhança e entrei na rua de casa, avistei de
longe Harry. Ele estava de braços cruzados apoiado em seu muro baixo,
acompanhando com os olhos cada movimento de aproximação meu e seu
rosto estampava um sorriso de lado nada discreto.
— Boa noite... — falei baixo e desviei os olhos dos dele. — Eu não
recebi nenhum pacote seu se quer saber. — Recolhi os lábios.
O sorriso deixou de ficar apenas em um lado de seu rosto e se abriu de
forma que ficasse de orelha a orelha.
— Não tem nada a ver com pacotes. Eu queria te chamar pra dar uma
volta.
Um calor tomou conta do meu rosto, em especial as bochechas, e as
mãos começaram a tremer de tal forma que tive que fechar o punho para
esconder melhor.
— S-sair comigo? — Franzi as sobrancelhas.
Eu não acreditava que aquilo realmente estava acontecendo, que fui
chamado para um encontro, que alguém de fato havia se interessado por
mim, até que ele completou a frase.
— É. Vou num bar hoje com uns caras do trabalho e pensei em te
chamar, já que você não tem ninguém.
Arregalei os olhos.
— Quero dizer... — Levou a mão para trás da cabeça. — Acho que
você não tem ninguém. Amigos. Pelo menos nunca vi... e te achei meio
triste, sei lá... não quis ofender.
Aquilo tirou de mim uma risada baixa.
Meu Deus, como eu sou idiota.
— Não me ofendeu, eu realmente não tenho amigos aqui. Sou de
cidade pequena, então... não me adaptei a lidar com tanta gente
desconhecida assim.
Ele arqueou a sobrancelha.
— Jura? De que cidade você é?
— Fredericksburg, interior de Virgínia.
O sorriso que antes estava em seu rosto foi virado ao contrário, com os
cantos dos lábios para baixo e as duas sobrancelhas subiram.
— Hum... interessante. Tá a fim de ir, então? Conhecer gente nova?
Mordisquei o lábio. Aquela ideia me dava calafrios, detestava estar em
meio a diversas pessoas estranhas, principalmente em ter que interagir com
elas.
— Acho que não vai dar... a grana tá meio curta.
Harry se afastou do muro para vir para perto de mim. Ele apoiou seu
braço firmemente em meu ombro e me chacoalhou.
— Ah, qual é! Você vai curtir... eu te pago uma bebida.
Sabia que provavelmente ele insistiria naquilo até que eu me
convencesse. Aceitei para evitar a fadiga e pretendia inventar uma desculpa
para ir embora o quanto antes. Queria ao menos ter deixado a mochila em
casa, mas era tarde demais, quando percebi estávamos perambulando pela
rua.
— O quão longe fica esse bar? Vamos pegar um carro ou...
— Carro? A gente vai a pé! É só um quarteirão de distância. E lá é bem
legal e tem bebida barata... fica de dica para quando quiser levar alguém. —
Me deu uma cotovela e piscadinha, onde o sorriso de lado ajudou a formar
o semblante malicioso.
Recolhi os ombros, empurrei os óculos para cima do nariz e assenti.
Jamais eu diria para ele que a minha vida amorosa estava quase
inativa... apesar de o meu rosto praticamente estampar isso.
Harry tagarelou durante toda a nossa caminhada, e mesmo que eu me
mantivesse mais atento nas casas de cores e arquiteturas diferentes, que
nunca notei na vizinhança, consegui captar algumas das coisas que ele dizia
para fingir estar interessado na vida dele.
Harry era um homem solteiro de trinta e poucos anos, sua carreira
estava em ascensão no mercado financeiro de Wall Street, em que antes
passou por poucas e boas. Viciado em dinheiro e trabalho, meu vizinho
contou da época em que trabalhava tanto, que fez uso de cocaína para dar
conta das metas. E aquilo foi a sua ruína.
Ele quase perdeu o emprego depois de alguns incidentes no expediente,
o que fez com que ficasse afastado por um tempo. Por não conseguir parar
de se pressionar para voltar a ter trabalho e ser um bom negociador, o
trouxeram de volta para a empresa, mas apenas meio período. Então, os
momentos em que não estava vendendo ações, Harry se dedicava a cuidar
do jardim e encontros casuais em baladas ou com mulheres que conhecia
pela internet.
É, infelizmente Harry era hétero. O que parecia meio óbvio.
E eu caí feito um patinho em sua história de que o bar era pertinho.
Andamos pra cacete!
Quando chegamos em frente ao bar, até que o lugar era bonito. Meio
pequeno, com estética de tijolos nas paredes, luzes piscantes e uma placa de
madeira que carregava o nome super criativo do lugar... The bar.
Por dentro, o lugar tinha uma capacidade maior do que pensei, e estava
bem cheio. Ambientes cheios me deixavam muito desconfortável.
Harry e eu passamos entre as pessoas, esbarrando em alguns corpos que
seguravam seus drinks, riam e conversavam, ele procurava seus amigos em
meio àquela penumbra, que era minimamente iluminada pelas poucas luzes
amarelas espalhadas pelo bar.
Os amigos do meu vizinho eram todos muito parecidos com ele. Os
mesmos cortes de cabelo, blusas sociais de meia-manga iguais, sapato de
bico fino... à distância eu poderia jurar serem a mesma pessoa. Por destoar
do padrão do grupo, tive a atenção toda voltada para mim quando nos
aproximamos.
— E ae, rapaziada! — Harry cumprimentou a todos com um aperto de
mão e bateu sobre meu ombro. — Esse aqui é o meu vizinho Peter. Trouxe
ele pra conhecer o melhor point do bairro.
Se esse é o melhor, imagine o pior.
— Oi! — respondi, erguendo a palma.
— Aí, Peter, o que você bebe? — um dos clones do Harry perguntou.
— Ah, eu tô de boa, não vou be...
Antes que eu pudesse completar a frase, meu vizinho deu dois tapinhas
nas minhas costas e gritou para o garçom trazer duas cervejas. Ele sequer
sabia do que eu gostava, mas pediu a bebida por ter me prometido pagar
algo.
E eu me forcei a aceitar sua gentileza.
Os homens conversavam entre si com os mais variados assuntos e
nenhum deles me interessava. Futebol, mulheres, a queda da bolsa de
valores... eu me sentia cada vez mais deslocado e desconfortável ali no
meio, tudo que queria era ir embora.
Cheguei a pegar o celular algumas vezes, mas Harry apoiava na minha
mão para guardar o aparelho.
— Mas, e aí, Peter, fala alguma coisa! Parece que o gato mordeu sua
língua! — Gargalhou um dos caras. — No que você trabalha?
— Eu fico na área de programação do site e aplicativo de uma empresa
de cosméticos.
— Hum... parece legal.
— É, é sim.
Não, não era porra nenhuma.
— E ganha bem isso aí? Esse negócio de computação tá crescendo,
né...
Afirmei com a cabeça.
— Ganho sim.
Não sei se eu menti bem ou se eles eram ótimos atores, mas
aparentemente acreditaram no que contei... ou só não quiseram deixar a
situação ainda mais constrangedora.
Tudo que eu queria era ir para casa. Esperei Harry se distrair para pegar
no telefone e fingi atender uma ligação.
Quando seus dedos se aproximaram para tomar o celular de mim, ergui
a mão.
— Eu vou lá fora atender e já volto!
Dei as costas sem pensar duas vezes e caminhei devagar dentre as
pessoas, ainda mantendo o aparelho colado ao ouvido e a expressão rígida,
como se fosse algo superimportante. Eu sabia que as intenções do meu
vizinho eram até que boas, mas eu não queria aquilo. Não me sentia bem,
aquele meio não era para mim.
Assim que estive do lado de fora, olhei para os lados e fugi o mais
rápido que pude pelas ruas, com a mochila batendo na bunda.
A desculpa eu daria no dia seguinte, ele demoraria para perceber minha
falta mesmo.
Meu olhar estava atento para todos os lados devido ao horário e a
escuridão das ruas. O coração acelerado, no ritmo da respiração, e as pernas
formigavam durante a corrida, mas tentei manter o fôlego para chegar em
casa sem perder nenhum pertence.
Cheguei às pressas na frente de casa, ofegante e suado, minhas mãos
tremeram para abrir a porta e só ao entrar na sala que consegui inspirar o ar
propriamente.
Comecei a rir, sem nem saber exatamente o porquê.
Acendi as luzes, chequei as janelas e fui alimentar a Vi.
— Vi, você não sabe o que aconteceu, juro... hoje o dia foi meio doido,
mas estou bem cansado, então amanhã te conto tudinho, tá bem? — Sorri
para o peixinho dourado.
Apesar de não me responder, eu gostava de conversar com ela, me
sentia acolhido, pois podia falar absolutamente qualquer coisa sem ser
julgado e qualquer segredo que eu compartilhasse seria guardado a sete
chaves. Vi era a minha confidente.
Afrouxei o nó da gravata, retirei os óculos e fui até o banheiro para
lavar o suor do corpo antes de dormir. Durante o banho, tive a impressão de
ouvir algo em minha casa, o que arrepiou todos os pelos do meu corpo.
Enrolei a toalha na cintura e abri a porta devagar.
A sala parecia a mesma coisa. Andei pé ante pé até a cozinha, com a
pulsação tão intensa que era como se o coração fosse fugir do peito, eu
ofeguei sem nem mesmo me esforçar. Era como se estivesse revivendo a
noite mais marcante da minha vida desde que cheguei em Nova York.
Fui até a gaveta de talheres e observei que ainda estava lá... a faca que
Masked Guy usou para me marcar. Peguei no cabo e apertei com firmeza,
então fui em silêncio até o quarto, com a atenção direcionada para cada
canto.
Nenhuma presença ali também.
— Devo estar ouvindo coisas — disse a mim mesmo, numa tentativa de
me acalmar.
Apoiei o facão sobre o móvel onde havia também o abajur e sentei na
cama. Pressionei os olhos, esfregando-os e inflei os pulmões com lentidão.
Àquela altura eu já não sabia mais se era paranoia ou o intenso desejo de
reviver aquelas emoções fortes.
Talvez um pouco das duas coisas.
Joguei a toalha no chão e deitei na cama. Puxei os lençóis para cima da
cintura e apaguei a luz do abajur. No mesmo segundo em que ficou tudo
escuro, me arrepiei por inteiro ao ver a silhueta de um homem próxima a
porta.
Cocei a vista e fui novamente acender a luzinha.
A imagem sumiu.
— É só coisa da sua cabeça, Pete... É só coisa da sua cabeça.
Suspirei e voltei a repousar a cabeça no travesseiro, e assim adormeci.
Quando o som do despertador atordoou meus ouvidos, abri os olhos e
fiquei a encarar o teto enquanto tateava com uma das mãos a mesinha ao
lado a fim de desativar o som. As pálpebras estavam pesadas, o corpo ainda
cansado, como se eu sequer tivesse dormido.
Sentei e puxei o ar lentamente a fim de oxigenar bem o cérebro para me
preparar pra mais um dia igual a todos os outros. Olhei para o canto da
cama e vi meu notebook fechado, o abri e encarei a tela desligada, então
minha atenção se desviou para o adesivo que tampava meu webcam.
Estiquei meu dedo até ele, rocei as unhas e lentamente retirei a fita, depois
abaixei a tela.
Meu celular de repente fez o som de uma notificação. Arqueei a
sobrancelha e peguei o aparelho. Ao ver do que se tratava, meus olhos
quase saltaram das órbitas, cheguei a prender a respiração e a pulsação se
acelerou.
— Puta merda...
Não pode ser... deve ter sido engano.
Recebi uma transferência de 10 mil dólares!
Eu fiquei tão incrédulo com o recebimento daquele dinheiro, que saí e
entrei no aplicativo do banco diversas vezes para conferir se era verdade.
Tentei ver a transferência e não tinha remetente, foi como se tivessem feito
um boleto com meu nome e pago a conta.
Tanto mistério assim não pode ser coincidência.
Abri o SMS e fui até o último contato que havia enviado mensagem, o
número desconhecido, Masked Guy. Eu estava tão ansioso, nervoso e
eufórico com a situação, que não medi palavras para perguntar o que queria
saber.
[Você]: TÁ ME MANDANDO DINHEIRO?!
O ar saía dos pulmões com dificuldade, minhas mãos tremiam.
[Você]: Masked... só me responde, foi você quem me mandou a
grana?
Olhei a hora e percebi que não podia mais perder tempo, então larguei o
celular no canto do sofá, em meio à bagunça e fui vestir o uniforme da
empresa. Durante todo o tempo em que me arrumava, minha mente não
conseguia parar de pensar no dinheiro e no homem mascarado.
Fiquei angustiado pela resposta que não veio.
Eu estava perdendo a cabeça com aquilo, abri novamente a conta do
banco e vi que o dinheiro continuava lá. Não havia mensagem, e-mail ou
ligação pedindo para que eu devolvesse... aquilo me fez gargalhar.
A risada foi alta, espalhafatosa e me trouxe lágrimas aos olhos. Um
misto de nervosismo e felicidade.
Para algumas pessoas dez mil dólares podia ser pouca coisa, alguns
faziam aquilo em um mês, outros em um dia, horas..., mas para mim era
muito. Eu nunca recebi aquilo de uma vez na vida, jamais consegui juntar
uma quantia dessas para falar a verdade. Parecia surreal demais para mim
que aquilo realmente foi me dado.
Me despedi da Vi e deixei a casa. Durante o caminho, puxava o celular
algumas vezes aguardando por uma notificação... Masked não me
respondeu, ele realmente respeitou o meu pedido de encerrar a nossa
relação ou talvez só queria que eu implorasse por ele.
Eu retirei o adesivo do webcam para que Masked voltasse a me ver,
aquilo já não parecia desespero o bastante? Precisava mesmo verbalizar?
Bem, pelo visto, sim. Precisava. Mas eu não pretendia fazer aquilo naquele
momento, não até ter certeza absoluta do que realmente queria. Até porque
trazer o mascarado de volta para a minha vida teria suas consequências.
Por mais que tentasse forçar os lábios para mantê-los franzidos, eles
alargavam num sorriso solto e indomável. Recebi algumas encaradas e
olhares atravessados enquanto passava pelo corredor do ônibus. Não os
culpo, eu realmente parecia um bobo rindo à toa.
Quando desembarquei próximo a cafeteria de gatinho, resolvi entrar
para pedir o mesmo de sempre.
— Apenas o café? — a atendente perguntou.
— Não, quero o completo. Cookies e bolinhos.
Ela sorriu e colocou o valor na maquininha para que eu pagasse.
— Crédito?
— Débito.
Passei o cartão muito confiante.
— Só aguardar, Peter.
Esperei próximo ao balcão, naquele dia o café estava menos cheio,
talvez fosse o horário, já que cheguei um pouco mais cedo do que
costumava. Puxei o celular para abrir novamente a conta do banco e lá
ainda estava a grana... só que um pouco menos devido ao café e doces.
Quando ouvi o barulho do meu copo sendo posto sobre a bancada, fui
até o barista, ainda com os olhos vidrados na tela e peguei o café e a
sacolinha com os doces.
Saí da cafeteria com o celular em uma mão e o café e o bolinho na
outra. Eu repeti a ação de abrir e fechar o aplicativo do banco diversas
vezes e depois li as mensagens da minha última conversa com Masked...
nada de respostas.
Guardei o celular no bolso e tentei me acalmar tomando o café da
manhã durante o caminho até a empresa.
Quando passei pela catraca, minha emoção se reduziu drasticamente,
como se parte da vitalidade fosse sugada por aquele inferno.
Cheguei dentro do horário, sentei no meu cubículo e arrumei as coisas
para mais um dia de trabalho. Apesar de aquele dia se assemelhar aos
outros, a notícia do dinheiro era algo que me deixou motivado a sobreviver
até o final da tarde. Imaginei as coisas que compraria depois do expediente
e as contas que iria adiantar.
Não sabia exatamente se tinha sido o Masked Guy que enviou, mas
independente de quem fosse, eu só conseguia me sentir agradecido, foi um
alívio, como se enfim foi possível puxar o fôlego durante um afogamento.
Após o almoço percebi meu celular vibrar algumas vezes e ignorei, mas
foi tão insistente, que resolvi olhar para a tela a fim de saber do que se
tratava. Arregalei os olhos ao ler o nome “mãe” na tela, minha respiração
saiu de ritmo.
Ela não costumava insistir em ligações, principalmente durante o meu
horário de trabalho.
Rondei as pupilas pelo ambiente a fim de checar se estava sendo
observado, e felizmente não. Wilhem se manteve muito ocupado rondando
a estagiária nova da empresa, feito um urubu faminto.
Me encolhi dentro daquele cubículo e atendi o celular.
A voz chorosa e trêmula da minha mãe do outro lado da linha partiu
meu coração, foi como se ele se esmagasse no peito e um nó prendesse a
garganta.
— Filho... o seu pai... o... o seu pai...
— Mãe, calma! — disse eu, completamente desesperado. — O que
aconteceu? O que houve?!
— Seu pai passou muito mal da respiração, ele não tava conseguindo
sair da crise, a gente teve que vir pro hospital... ele vai precisar ficar
internado... — Ouvi seus soluços se intensificarem, eu sabia o que estava
por vir. — O tratamento tá muito caro, eu não sei o que fazer, eu não sei...
— a voz falhou na última frase.
Apertei mais forte o celular.
— Mãe... quanto tá o tratamento?
— Não sei o que fazer, filho... não temos dinheiro, está muito caro!
— Mãe... quanto?
— Doze mil dólares!
Naquele momento, a minha voz sumiu por instantes, os olhos arderam e
a garganta secou de tal forma que mal consegui engolir a saliva, descia
queimando. Minhas pupilas não paravam de se mover de um lado para o
outro processando a informação.
Cheguei a me questionar o porquê de Deus me detestar.
Eu estava fodido, completamente quebrado de grana, não recebendo o
suficiente para manter meus gastos em NY e ainda tentando salvar meus
pais, e bem no momento em que consegui uma faísca de felicidade com
ajuda financeira vinda de sabe-se lá onde aquilo aconteceu.
— Filho? Alô?
Eu tinha um pouco menos de dez mil dólares na conta... era tudo que eu
tinha, faltaria para mim e ainda deveria dinheiro ao hospital. Naquele
momento eu olhei o meu reflexo na janela insulfilmada, sentado curvado
sobre aquela cadeira de rodinhas, dentro de um espaço pequeno, preso a um
computador e de expressão tão exausta que deixava nítido o meu sofrimento
diário.
Sou realmente merecedor de tudo isso?
Não me vejo como uma pessoa ruim, mas naquele momento eu entrei
em conflito e me considerei um grandessíssimo filho da puta por cogitar
desligar o telefone. Aquela era a minha vontade.
— Eu... eu posso dar nove mil e pouco, tenho quase dez mil. Você
conseguiria pagar o restante, mãe?
Ela desabou em choro do outro lado da linha.
— Você realmente tem esse dinheiro, filho?
— Conseguiria... pagar o restante? — Minha voz saiu engasgada.
— Sim... temos uma reserva de dois mil e pouco.
De repente, sinto uma mão pesada sobre meu ombro, que arrepiou
todos os pelos do meu corpo. Quase saltei da cadeira de susto, com receio,
inclinei os olhos lentamente para cima e vi a carranca de Wilhem.
— Desligue o celular, sabe que não pode mexer em telefone durante o
expediente.
Fingi concordar e abaixei o celular, então assim que ele deu as costas e
se afastou do meu corredor, levei ao ouvido novamente.
— Estarei transferindo... me mantenha informado.
— Muito obrigada, filho, obrigada, obrigada...
Encerrei a ligação.
Minhas mãos tremiam enquanto mexia ao celular, o coração batia tão
rápido que senti um mal-estar. Bastou que transferisse todo o dinheiro para
que essas sensações passassem, e logo veio a melancolia e junto dela o
completo vazio.
Coloquei o celular com a tela virada para baixo sobre a mesa e abri o
programa do computador para tentar prosseguir com o trabalho. Foi muito
difícil. A todo momento eu pensava na grana, em como tive uma faísca de
esperança de algo mudar... e tudo se foi em menos de 24 horas.
Notei o aparelho vibrar algumas vezes e ignorei devido ao gerente
rondar pelo meu corredor com mais frequência, mas a cada notificação eu
me tornava mais inquieto. Não estava só triste pelo que aconteceu a mim,
mas preocupado com a saúde do meu pai.
Assim que o celular vibrou novamente, sequer olhei para os lados,
apenas peguei para atender.
— Filho, deu tudo certo, muito obrigada.
— E como tá o pai?
— O médico disse que está estável, sob sedação.
— Ah, que alívio, mãe...
Antes que ela pudesse me dizer mais alguma coisa, tive o celular
puxado das mãos e então Wilhem encerrou a ligação. Cheguei a tremer,
meu sangue borbulhava, pressionei os dentes com tanta força que escutei
um estalo.
— O que eu falei sobre uso de celular?
— Mas é uma emergência! Meu pai está internado porqu...
— Não interessa.
— Mas a saúde do meu pai...
— Não importa! — Ele bateu meu celular com força contra a mesa e
aproximou o rosto. — Enquanto você estiver aqui dentro, é apenas para
cumprir as suas funções, não interessa a sua vida fora daqui, nessa mesa a
sua atenção deve ser somente para a empresa. Não é isso que diz no seu
contrato?
— É que... se trata de coisa séria! Da minha famí...
— Aqui é coisa séria! — Wilhem gritou de tal forma que as gotículas
de saliva pararam em meu rosto. — É isso aqui que paga as suas contas! É
aqui que te dá dinheiro, então é com isso que você deve se importar, nada
mais. Ficarei com seu celular até o final do expediente. Volte ao trabalho.
Meus músculos inteiros tremiam, e a sensação de impotência era de
sufocamento na garganta. Esperei que ele desse as costas para deixar que
algumas lágrimas solitárias escorressem pelo rosto, logo virei a cadeira de
frente e olhei de canto para o cubículo ao lado, percebendo ter algumas
atenções sobre mim.
Passei os polegares nas pálpebras por debaixo dos óculos a fim de
enxugar o rosto e voltei a olhar fixamente para a tela com os códigos.
O resto da tarde foi com uma impressão de um peso enorme sobre a
minha cabeça, maior do que eu pudesse carregar. Eu estava exausto, só
queria acabar com tudo, sumir, me perder no completo vazio.
Eu estava tão fora de mim, que quando fui pegar meu celular com
Wilhem no final do expediente, notei ele falar alguma coisa, mas sequer
consegui escutar, ainda que talvez fosse um pedido de desculpas pela sua
atitude... o que acho bem difícil, não me interessava mais.
Deixei a empresa e abaixo do céu escuro, em frente as vidraças do
prédio, liguei para a minha mãe.
— E aí, mãe, como meu pai está agora? Desculpa ter desligado de
repente, não posso falar no celular durante o expediente.
— Ele está dormindo agora, mas está bem... os médicos estão
monitorando ele.
— E você? Como você está? Menos nervosa agora?
— Nossa, com certeza... eu tô sem acreditar. Muito obrigada, meu filho.
O canto do meu lábio se ergueu.
— Mãe...
— Sim?
— Eu te amo.
— Também te amo, filho... muito.
Desliguei e guardei o celular. Inspirei fundo o ar fresco e gélido da
noite e desci as escadas com as mãos nos bolsos, diferentemente do
caminho que costumava fazer, fui para outra rua.
Apesar de Nova York ser uma cidade noturna, as ruas próximas as
empresas se esvaziavam de pessoas após o horário comercial. Eu sabia que
o percurso que estava traçando era ainda mais deserto, corria riscos, mas
àquela altura eu não me importava.
Caminhei sem pressa até a rua que ficava em frente a uma das avenidas
mais movimentadas da cidade. Naquela parte não tinha trânsito e o fluxo de
carros era alto e rápido. Parei na calçada e fiquei olhando os veículos
passarem cortando o vento, levando meus cabelos a esvoaçarem.
Larguei a mochila no chão e engoli em seco.
Eu não queria mais pensar em nada, não pretendia refletir sobre coisa
alguma, só desejava acabar com tudo.
Só um passo à frente.
Inspirei lentamente e prendi a respiração, fechei os olhos e dei dois
passos para o meio da pista.
E então a luz forte que cegava a minha visão, ainda de pálpebras
abaixadas, e o som estrondoso da buzina do caminhão.
Dizem que quando se vai morrer, um filme passa frente aos olhos. Bem,
no meu caso, não houve nada disso.
Pressionei firme os pulsos aguardando pelo fim, até que tive o corpo
abruptamente puxado pela gola da camisa e jogado na calçada. Arregalei os
olhos e notei o homem de roupa preta e máscara em cima de mim.
Eu só consegui tremer e a visão se embaçou com as lágrimas. Me
agarrei ao casaco dele e chorei, chorei tanto que senti como se meus
pulmões estivessem esmagados. Os soluços me calaram por instantes.
— Por quê? — Funguei. — Por quê?! — Dei um soco em seu peito. —
Por quê? Por quê? Por quê?! Eu falei que te queria longe! — Insisti em
bater em seu peitoral, até que ele agarrou meus pulsos prendendo-os contra
o concreto, ao lado da minha cabeça.
— E eu fiquei longe... da sua vista. Mas não consegui realmente te
deixar.
— Não consegue me deixar? Pare de bancar o salvador... — Revirei os
olhos e desviei a atenção de sua máscara. — Você nem mesmo me conhece!
Só invadiu a minha vida e satisfez um fetiche. O que mais?
— Eu te acompanho desde as suas primeiras postagens no fórum sobre
solidão, as sensações de vazio, e como o único ser com quem você
consegue conversar de forma sincera em Nova York é o seu peixe. Sei que
adora filmes de terror, que detesta lugares cheios e o seu café da manhã
favorito são bolinhos ou cookies... conheço você mais do que imagina,
Peter Reid.
Encarei suas íris claras através da máscara.
— E você resolveu vir atrás de mim por pena?
— Porque me identifico com você.
O mascarado deixou de apertar meus pulsos e afastou-se sutilmente
saindo de cima de mim. Sentei para olhá-lo e fiquei em silêncio por um
tempo.
— Foi você quem mandou aquele dinheiro? — Franzi as sobrancelhas.
Ele afirmou.
— Por que fez isso?
— Porque não queria mais te ver ir dormir cedo só para não sentir a
fome e beber café puro pelas manhãs, já que contava moedinhas para
sobreviver até o fim do mês.
Puxei os joelhos para o corpo e os abracei. Recolhi os lábios.
— Obrigado.
Masked Guy se aproximou de mim e pôs a mão sob meu queixo e com
delicadeza o empurrou para cima, erguendo o meu rosto a fim de encará-lo.
— Ainda me quer distante?
— Eu gosto das emoções que causa em mim..., mas não quero mais me
sentir aflito sobre você, como se corresse perigo.
— Os jogos podem acontecer de outra forma.
— Não é só isso. Não sei se vou conseguir continuar a me relacionar
com alguém que nunca vi o rosto. Posso saber quem você é?
— Ainda não.
— Por que não? — Quando estendi os dedos para tocar em sua
máscara, ele deu um tapa na minha mão, recusando o toque.
— Porque não me sinto pronto para que me veja.
— E quando vai estar pronto?
— Você vai saber. A cada encontro te darei uma pista de onde me
encontrar. Permita que eu volte para a sua vida.
Respirei profundamente e me ergui do chão, peguei a mochila e
coloquei uma alça sobre o ombro. Masked se pôs de frente para mim, onde
seus olhos de pupilas enormes me encaravam fixamente, aguardando pela
resposta. O silêncio longo entre nós dois era rompido apenas pelo barulho
dos carros que passavam ao lado.
Meu coração ainda batia agitado pelo que aconteceu minutos antes,
minha mente, bagunçada, e o corpo tentando entender como ainda estava
íntegro.
Soltei o ar devagar. Eu não tinha mais nada a perder
— Eu te permito.
Eu sou invisível, quase onisciente e onipresente. Consigo estar em
diversos lugares e saber de tudo sobre todos sem sequer sair do lugar, esse é
o meu superpoder. Mas creio que os meus heróis da infância se
decepcionariam comigo.
No meu celular, as mensagens dos outros Hunters com todas as
informações dos nossos alvos, prints tirados de suas câmeras, contas
bancárias, dados pessoais... tudo que precisávamos para chantagear e
usurpar.
Usávamos o mundo sem fronteiras da internet para conseguirmos o que
quiser. Invadíamos os sistemas, roubávamos informações e gravávamos
tudo que era relevante.
Eu sei, isso não é o certo, mas eu não sou exatamente um vilão.
Aqueles que eram escolhidos mereciam o que tinham e os nossos atos não
lhes afetaria tanto, a maioria dos alvos não passava de políticos hipócritas e
grandes empresários sujos e exploradores. Eles roubavam dos outros, nós só
tomávamos de volta.
A inteligência da polícia poderia até tentar, mas não conseguiriam
chegar até os Hunters, porque como eu disse antes, éramos invisíveis.
Nossos nomes nunca eram os mesmos, os nossos rostos jamais
reconhecidos e os endereços mudavam a todo momento.
Na internet éramos piratas virtuais, na vida real, meros cidadãos que se
camuflavam em meio à multidão.
Eu passava tão despercebido que nem mesmo quem gostaria que me
notasse percebia a minha presença.
— Dean, um cappuccino de chocolate para a Samantha — disse Alyssa,
minha colega do gato-café.
Guardei o celular, puxei a máscara descartável mais para cima do nariz
e fui preparar o pedido. Jamais me imaginei trabalhando num lugar
daqueles, principalmente quando o uniforme era blusa em tom de rosaclaro,
avental branco e boné com orelhas de gato.
Até que eu gostava de ficar meio-expediente na cafeteria, o ambiente
era agradável, conseguia ter mais noção do mundo fora da internet e era ali
que via o meu passarinho todos os dias, ainda que ele nunca tivesse me
notado.
Arrumei um emprego naquela cafeteria somente por conta de Peter, foi
o único espaço que encontrei para tentar me aproximar, já que ele ia apenas
de casa para a cafeteria e da cafeteria para o trabalho. Peter Reid passava
por aquela porta a cada manhã e pedia as mesmas coisas, ele não falava o
pedido, apenas dizia para Alyssa “o mesmo de sempre”. Era cliente assíduo,
ela já sabia qual era.
Mas aquele homem de óculos tão grandes quanto seus olhos
expressivos e uniforme de gravata vermelha estava sempre com pressa ou
distraído demais para erguer sua visão ao meu rosto. Talvez a máscara que
eu usava para tampar a minha cicatriz ajudasse a passar ainda mais
despercebido por ele.
Todas as noites eu entrava no fórum dos solitários para ler os relatos, ali
era um espaço seguro para quem tinha dificuldades de socializar e se
encontrava deslocado do mundo. Pode parecer difícil de acreditar, mas estar
entre estranhos com similaridades era bem acolhedor, e foi ali que conheci
Peter Reid.
Peter, pelo usuário @loo.ser, relatava quase todas as noites como foi
seu dia e parte da sua história. Me identifiquei com ele, e senti pena. Antes
de entrar para o mundo do cibercrime eu também já me submeti a coisas
horrendas por pura necessidade. Apesar de que, hoje, eu tenho amigos, mas
já estive sozinho em uma cidade nova, sei quão assustadora é a experiência.
A cada postagem eu me tornei obcecado em saber mais sobre ele, e
descobri que tínhamos muito em comum. Nós dois gostávamos de League
of Legends, conversávamos segredos com os nossos animais de estimação e
até as bandas ouvidas eram parecidas.
Quando invadi seu computador para ver seu rosto, foi como se o tempo
parasse por segundos e senti uma pressão no lado esquerdo do peito. Os
olhos de Peter eram grandes e claros, usualmente brilhantes, como se
estivesse sempre prestes a chorar. Eu gostava daquilo. O rosto era pálido,
onde o avermelhado de suas bochechas se destacava e os arcos de seus
lábios eram tão bem delimitados, que foi como se Deus tivesse feito à mão.
Os cabelos cacheados terminavam de dar o toque angelical à sua feição. Foi
ali que terminei de me apaixonar e concluí que ele era a minha alma gêmea.
É brega, ultrapassado, eu sei, mas eu acredito nisso, e estava convicto a têlo
para mim.
Contudo, nunca consegui encontrar uma brecha para me aproximar, não
até o dia em que ele expôs os seus fetiches mais obscuros no fórum. E eu
estava completamente disposto a realizá-los, fazer dele a minha presa.
Jamais consegui me relacionar sexualmente com ninguém com a luz
acesa ou sem usar uma máscara. Todos que fodi tinham fetiche nisso ou não
se importavam com o rosto de quem os estava dominando.
Esconder a cicatriz que cruzava a lateral dos meus lábios me trazia
confiança. Dean Hunter não era a mesma pessoa que Masked Guy.
Ouvi o sino da porta tocar anunciando a chegada de um cliente e minha
atenção foi rapidamente direcionada à entrada. Puxei o ar ao vê-lo, Peter
estava com os olhos fundos e rosto cansado, eu vi ontem à noite através de
seu notebook o quanto se mexeu antes de cair no sono.
Seu psicológico estava por um fio, precisávamos conversar para que eu
resolvesse sua situação. Eu o ajudaria, protegeria... seria o seu salvador.
Peter pediu apenas um café e pagou com cartão de crédito. Sua visão
estava distante e o corpo se movia feito um morto-vivo.
Ele precisa de mais dinheiro.
— O mesmo de sempre para o Peter — disse Alyssa.
Prontamente preparei o café dele e escrevi seu nome no copo com um
pequeno coração ao lado. Assim que coloquei a bebida quente sobre a
bancada, o meu passarinho se aproximou, pegou o café, verificou as horas
em seu celular e deu as costas. Peter não subiu sua atenção para os meus
olhos, muito menos percebeu o detalhe em seu copo.
Às 13h o meu expediente se encerrou. Deixei o balcão quando o outro
barista chegou e fui para os fundos da cafeteria a fim de trocar de roupa,
guardei o avental limpo e o boné, retirei a camisa rosa claro e vesti o meu
moletom preto, puxei o capuz para frente do rosto e me despedi de Alyssa
com um aceno antes de sair pela porta da frente.
Caminhei com as mãos nos bolsos do casaco pela calçada que ficava
em frente à empresa de cosméticos da qual Peter trabalhava. Parei por um
segundo e inclinei o rosto para o prédio espelhado, puxei o celular do bolso
e vi as notificações dos Hunters e o horário.
Espiei por alto a conversa, eram muitas ações que teríamos que cometer
naquele dia. Lamentei por talvez não conseguir acompanhar Pete até em
casa depois de seu expediente, mas estaria atento a sua localização quando
desse o seu horário de ir embora.
Segui caminho e fui até a rua ao lado onde estava estacionada a minha
moto preta. Montei e acelerei pelas ruas movimentadas e caóticas de Nova
York até o bairro onde ficava o meu apartamento.
O condomínio se localizava em um bairro mais afastado do centro, já
que à noite a área de comércio e casas de shows de NY era ainda mais
movimentada devido aos hábitos noturnos da cidade e eu preferia silêncio e
pouca iluminação. Passei pelo portão e desci até o estacionamento no
subsolo onde deixei minha moto e subi de elevador.
O meu apartamento ficava na cobertura de um edifício acinzentado de
doze andares. Passei pelo corredor escuro que acendeu as luzes conforme
eu caminhava em direção à minha porta, e assim que a abri, estreitei os
olhos com a claridade.
Admito, fui exagerado em comprar um lugar tão grande para uma só
pessoa. A sacada era espaçosa com uma banheira de hidromassagem grande
e se separava do restante do apartamento apenas pelas quatro portas
insulfilmadas, que deixei abertas para arejar o espaço.
As paredes eram pintadas de preto, onde apenas o piso branco de
porcelana se destacava em meio aos móveis igualmente escuros. Havia um
sofá grande no centro da sala, de frente para a televisão presa à parede,
mesa de jantar para quatro pessoas e o terrário da minha cobra, uma jiboia
chamada Seraphine.
Limpei as botas no tapete e tranquei a porta.
Andei até perto da sacada e fechei as cortinas. Liguei a luz do terrário
de Seraphine e agachei para encará-la.
— Estou ficando preocupado com o Peter. Ele não dormiu bem essa
noite e hoje estava claramente fora de si, mais apático... tenho medo de
perdê-lo novamente — disse, observando a cobra se envolver no galho.
Percebi meu celular vibrando, ao ver as notificações, eram mais mensagens
dos Hunters. Suspirei e mordisquei o lábio. — Tem razão, aquilo não vai
acontecer de novo porque eu não vou deixar.
Levantei e passei pelo corredor até o meu quarto. A cama era grande o
bastante para dois, com tapete macio em todo o chão, estante de livros e
armário em um canto da parede, mini sofá em outro e no centro a
escrivaninha com meu computador e três telas presas ao sistema.
Retirei a máscara descartável que abafava meu rosto, liguei a CPU,
puxei a cadeira e sentei de frente para as telas. Coloquei o headset e me
conectei a conversa com os Hunters.
[Você]: Cheguei, gente. Podem repassar os alvos.
[Shadow]: Caralho, Masked, demorou muito! Tava dando pra quem?
[Zero]: Nada, ele estava no emprego de gatinha que arrumou só pra ver
o cara que nem olha para a cara dele! Haha, muito otário! [figurinha de
cachorro]
[Monster]: Tá zoando que você fez uma porra dessas? Quer dizer que
nem comeu e já tá emocionado assim?
[Você]: Já, já, saio do grupo se continuarem. O próximo que falar do
Peter eu vou bloquear.
[Zero]: Mimimi, vô bloquear.
[Monster]: Manda foto dele aqui pra eu ver se vale a pena esse teu
esforço.
[Shadow]: Tá bom, rapaziada, chega. Vamos ao foco que não temos
muito tempo.
Shadow era o líder do grupo. Ele quem recrutava os hackers que
acreditava ter potencial de cometer crimes maiores, na verdade, quase todas
as coisas que aprendi em cibercrimes foi através dele.
Toda semana nos reuníamos online para definir os alvos e começar o
roubo de dados, limpa de contas bancárias e chantagens para receber ainda
mais benefícios.
Eu fui o primeiro a conhecer o Shadow, justamente em um fórum de
caras solitários, conversamos online quando eu ainda morava em
Washington, e ele foi a minha motivação para mudar pra Nova York, se
tornou o meu primeiro amigo. Na época, éramos uma dupla, apenas, e
Shadow, que na verdade se chama Zachyari Smirnof, achou que meu
sobrenome soava legal para um grupo de hackers, então criamos os
Hunters.
Depois de mim entrou o Monster, que era de Michigan e além de
programação tinha interesse por corridas ilegais, e por último o Zero,
oriundo de NY, que era não só o mais novo no grupo, como também em
idade. Um babaquinha de apenas vinte e dois anos. Nem sei por que
Shadow achou que ele fazia o perfil para ser um membro, já que Zero
destoava totalmente de nós. Ele era festeiro, popular fora da internet e
extrovertido até demais. Extrovertido, não, irritante.
Passamos a tarde invadindo as contas de um homem grande da bolsa de
valores em Wall Street e monitoramos a ação de um senador republicano
que estava prestes a dar o material que precisávamos para arruinar com a
sua vida financeira... ou moral.
Ao término da ação, meus olhos brilharam ao ver os números subindo
na conta. Peguei parte da grana e coloquei na conta de Pete, talvez aquilo
fosse animá-lo. Não demorou muito para que a mensagem dele chegasse ao
meu celular.
[Passarinho]: Não precisava disso...
[Você]: Para te animar um pouco. Pareceu tão abatido hoje.
[Passarinho]: Não tive uma boa noite de sono. Nem vou perguntar
como me viu abatido porque a resposta eu já sei.
[Você]: Eu te conheço, Peter Reid.
Um sorriso bobo se formou em meu rosto.
[Passarinho]: Eu sei. Muito obrigado, Masked... de verdade.
Verifiquei a hora e notei que Peter já havia saído do trabalho. Na
terceira tela abri o mapa com o rastreamento de seus passos até em casa,
precisava ter certeza de que ele chegaria bem, que não desviaria do caminho
ou faria qualquer besteira.
Acompanhar cada respiração de Peter Reid deu um novo movimento à
minha vida. Creio que ultrapassou algo considerado como uma simples
paixão avassaladora, tornou-se obsessão. Cada dia mais eu queria explorar
sua vida, sua história, saber cada detalhe dele... e eu quase consegui. A
única coisa que ainda não pude invadir foi sua cabeça, nunca soube
exatamente o que se passava nela.
Quando notei que ele estava quase chegando em seu bairro, acessei as
câmeras que havia inserido em sua casa na noite em que ele estava fora,
justamente quando foi sair com o seu vizinho. Aquele cara não me
convencia que tinha boas intenções, então fiquei ainda mais atento.
Harry era um homem devasso de Wall Street que vivia se envolvendo
com garotas de programa e casas de swing quando estava fora, além de ter
trocado o vício em cocaína por jogos de aposta. Ele não era uma boa
companhia para o Peter.
Observei em uma das telas o momento em que meu passarinho chegou
em sua gaiola. Apelidei-o assim depois de notar o seu comportamento
retido, como se estivesse preso na própria cabeça, feito uma ave enjaulada,
que podia voar, só não sabia como.
Peter estava menos curvado, parecia mais alegre com seu queixo
erguido, ele deixou os sapatos próximos à porta, jogou a mochila no sofá e
foi até seu peixe falar com ele, a forma que Pete gesticulava me fez rir.
Queria ao menos ter ouvido sobre o que se tratava.
Será que falou de mim com a Vi?
Mordisquei o lábio e notei que daquela vez ele não passou direto pelos
pacotes de salgadinhos que estavam espalhados pela sala há dias. Agachou
e recolheu as embalagens, colocou algumas coisas no lugar e depois veio
até o quarto.
Peter desfez do nó de sua gravata, retirou os óculos, se jogou na cama e
puxou o celular do bolso levando-o frente aos olhos.
Senti o aparelho vibrar, era ele.
[Passarinho]: Quando irei te ver de novo?
[Você]: Quer que eu apareça aí hoje?
Ergui o olhar para a tela do computador quando percebi ele se mover
sobre a cama e ir para frente do notebook. Abri a imagem de sua webcam e
ampliei para a minha tela principal, a lentidão com a qual Peter desfazia dos
botões de sua roupa frente a câmera deixou claro que ele sabia que eu
estava olhando.
[Passarinho]: Hoje não, estou um pouco cansado, mas queria
conversar com você.
Ele deitou sobre os travesseiros com a blusa aberta e alisou o abdômen
com a ponta dos dedos. Umedeci o lábio e me ajeitei sobre a cadeira,
abrindo um pouco mais as pernas.
[Você]: Sobre o que quer conversar? Que tal me deixar ouvir sua
voz?
De repente, meu celular começa a vibrar com a ligação. Arrepiei-me
por inteiro ao ver que ele estava tomando uma atitude que jamais esperei.
Peter estava mais que me permitindo entrar em sua vida, ele me desejava
nela. Desejava, não, implorava.
Atendi e arrastei o lábio nos dentes ao ouvir sua respiração abafada do
outro lado da linha.
— Diga, sobre o que quer falar? A minha atenção é exclusivamente sua.
Ele riu.
— Que tal falar sobre o seu dia?
— Sobre o meu dia? Você quer conversar sobre como foi o meu dia? —
Olhei para o teto. — Bem, eu... trabalhei...
— Você trabalha?
Aquilo tirou de mim uma risada.
— Como assim se eu trabalho? De onde você acha que saiu a grana que
te enviei?
— De trabalho que com certeza não foi.
Direcionei a atenção para a tela do computador e notei um sorriso largo
lentamente se abrir em seu rosto.
— Pessoas de muito dinheiro não trabalham.
— Bem, digamos que o que eu faço não é exatamente um trabalho, mas
considero como um, afinal, sou obrigado a fazer isso para financiar meu
estilo de vida. — Dei de ombros. — E o seu dia? Seu gerente já se fodeu
hoje?
— Bem que eu queria. Se você puder matá-lo, por favor.
— Quer que eu o mate? — Ergui o canto do lábio.
— Não! Não! Eu não falei no sentido literal, não faça isso. —
Gargalhou. — Hoje ele estava menos irritante, consegui entregar os
códigos a tempo e resolver alguns bugs da plataforma... foi só mais um dia
semelhante a todos os outros. Queria poder sair e nunca mais voltar para
lá.
— E o que te impede?
— A merda de um contrato. Tenho que cumprir ao menos um ano na
empresa... se eu sair antes desse prazo vou ter que pagar uma multa grande
e ainda vou ficar manchado no ramo, já que a Dermaceuticals é bem
influente.
— Que se foda o contrato, eu pago a multa. Larga esse lixo de empresa,
essa casa e vem morar comigo, você não vai precisar trabalhar com nada
mais e eu faço questão de te dar o que quiser.
Peter se manteve em silêncio por um tempo, uma quietude longa
demais até. Prestei atenção em sua imagem em frente à tela, seus olhos se
moviam de um lado para o outro enquanto o celular estava afastado do
ouvido.
Notei sua respiração abafar a ligação, e enfim ele me respondeu.
— Bem que eu queria, mas não posso. Então, sabe, eu estava
pensando... o que você pretende fazer comigo na próxima vez que me ver?
— Segredo. Se eu te contar, você vai fugir.
Ele passou a língua pelo lábio inferior e abriu o botão de sua calça,
desceu o zíper e puxou um pouco mais para baixo o cós, exibindo a marca
que deixei em sua virilha, deslizou o dedo por ela.
— Na próxima vez que nos encontrarmos... você me deixa te chupar?
Arrastei a boca nos dentes e levei uma das mãos frente a calça enquanto
a outra apertava firme o celular.
— Se você for obediente, sim. Quero sentir meu pau bater fundo contra
sua garganta e encarar seus olhos lacrimejarem enquanto você se sufoca.
O ouvi arfar e vi sua mão percorrer sua pele mais para baixo,
massageou sua ereção ainda sob a roupa íntima. Senti meu pau latejar com
a cena e abri o botão da minha calça.
— Sim, eu quero que você me faça perder o ar, e que só pare de foder a
minha boca depois de gozar nela. Quero engolir tudo enquanto te vejo
gemer de tesão ao me ter assim... tão entregue e obediente a você. Pode
fazer o que quiser comigo. Eu te pertenço.
Eu te pertenço.
Escutar que ele era meu me fez ofegar. Permiti que meus dedos
invadissem minha calça e me toquei, devagar, enquanto apreciava cada
palavra dita por Peter. Aquela voz doce e suavemente rouca deixava tudo
ainda mais intenso, cheguei a revirar os olhos ao me fantasiar com ele.
— Vou te enforcar e sentir a vibração da sua garganta ao gemer meu
nome enquanto me enterro em você e te faço contrair a cada centímetro.
Ouvi-o choramingar baixo. Peter terminou de se desfazer de suas calças
e colocou o celular no travesseiro ao lado de seu rosto, abriu um pouco mais
as pernas para mim enquanto se masturbava e levou dois dedos aos lábios,
chupando-os.
Prendi o lábio entre os dentes e intensifiquei os movimentos da mão.
— Vou explorar cada parte do seu corpo com a boca e marcar sua pele
para que todos vejam que você tem dono.
— Quero que me faça arder, que deixe a marca da sua mão em mim,
que me amarre e bata até minhas pernas estremecerem. — Os dedos de Pete
circundaram sua entrada antes de se penetrar. Ele gemeu um pouco mais
alto e aquilo me fez queimar de prazer.
Permiti que ele me ouvisse também, eu não estava mais conseguindo
segurar, meu pau estava dolorido de tanto tesão e tudo que desejava naquele
momento era afundar o rosto de Peter contra a cama e fodê-lo até que ele
perdesse o ar.
Minha respiração se encurtou e todos os músculos do meu corpo se
contraíram, gozei ouvindo-o choramingar e meus olhos lacrimejaram ao vêlo
arquear as costas na cama e chegar ao seu ápice também.
Jamais imaginei que sentiria tanto prazer com um sexo por ligação.
Recostei o corpo na cadeira e fiquei a observá-lo extasiado em sua cama
enquanto o ar que saía ofegado abafava a ligação. Ele sorriu.
— Eu vou tomar um banho agora... quer jogar algo na internet depois?
— O que você gosta de jogar? — falei, fingindo não saber.
— League of Legends. É um jogo de nerd, eu sei, mas...
Soltei uma risada.
— De nerd? Cara, meu elo no LoL é desafiante.
— Mentira?! — ele gritou.
— Vai lá tomar seu banho pra gente jogar.
— Tá bom... já, já a gente se fala. Beijo, Masked.
Assim que ele desceu da cama, desviei a atenção da tela para mim
mesmo, eu também precisava de um banho. Enruguei o nariz.
— Caralho... — resmunguei ao ver minha roupa toda suja de porra. —
Olha o que você fez, Pete.
O canto do meu lábio se ergueu.
Naquela manhã, ainda que eu desejasse dormir mais, não consegui.
Meu corpo já estava acostumado com o horário do despertador, então
mesmo que eu tivesse descansado poucas horas, por ter passado a
madrugada jogando com Masked Guy, as pálpebras se ergueram sozinhas às
sete e meia da manhã.
Era meu dia de folga durante a semana, levantei da cama e arrumei os
lençóis, coloquei os óculos, fui até a sala e a primeira coisa que reparei foi
na sujeira. Enruguei o nariz.
Geralmente, nas minhas folgas, eu me sentia tão pesado e esgotado que
tudo que fazia era passar o dia deitado jogando, assistindo vídeos, filmes ou
dormindo à tarde, mas aquele dia foi diferente.
— Bom dia, Vi... — cumprimentei o meu peixinho antes de ir até a
cozinha pegar uma vassoura e uma pá.
Comecei a tirar a sujeira do chão e aproveitei para limpar a poeira dos
móveis. Olhei de canto para Vi que me encarava enquanto nadava quase
que em círculos em seu aquário.
— É, eu sei, deve ser estranho me ver arrumar as coisas depois de tanto
tempo. Mas é que... sei lá, essa sujeira começou a me incomodar agora —
falei enquanto passava pano pela televisão. — E pode deixar que não vou
esquecer de você, já, já limparei o seu aquário.
Eu esperava estar com a mente pior depois da minha experiência de
quase-morte, que fosse tentar repetir o que aconteceu ou pensar diversas
vezes naquilo, mas não. Não tentei, na verdade, às vezes em que revivi em
meus pensamentos os segundos que entrei na frente de um caminhão
pareciam distantes, como se não fossem memórias, mas sim um sonho ou
alucinação.
Não quis admitir, mas precisava, Masked Guy teve sim influência
nisso, porque, por mais que ele não pudesse resolver boa parte dos meus
problemas, que envolviam principalmente a empresa da qual eu estava
atrelado, me deu suporte o suficiente para tentar seguir em frente. Não só
financeiramente, o que já era algo enorme, mas emocionalmente.
Masked foi além de me tirar do looping com grandes emoções, ele me
acolheu, permitiu que eu tivesse alguém para conversar além de um peixe, e
tinha interesse em mim... eu me sentia à vontade para ser real com ele, não
um personagem.
Assim que terminei de arrumar a casa, tomei um banho, coloquei uma
camiseta preta, bermuda e chinelos para ir ao mercado. Quando abri a porta,
de imediato estreitei os olhos, o dia estava bem quente e ensolarado.
— Merda... sair de preto não foi uma boa ideia — reclamei, enquanto
caminhava com as mãos nos bolsos. — Mas eu não vou voltar em casa, não
mesmo... e no mercado tem ar-condicionado. Na volta eu venho de taxi.
Durante o caminho, me ative ao redor. Algumas pessoas estavam saindo
às pressas para seus empregos, crianças eram levadas para as escolas e
alguns desocupados estavam correndo pela manhã... ou talvez não fossem
desocupados, só disciplinados mesmo.
O mercado não ficava tão distante da minha rua e apesar daquela casa
ser pequena e meio feinha, valia a pena só pelo fato de o bairro ter muitos
comércios por perto e pontos de ônibus bem acessíveis.
Quando passei por aquelas portas automáticas me senti no paraíso.
Inspirei fundo e sorri ao ver o mundo de possibilidades que enfim teria
acesso, minha geladeira não ficaria mais vazia durante um bom tempo, e eu
tentaria comer menos porcarias, que eram baratas e saciavam o
emocional..., mas nunca a barriga. Quase sempre dormia com fome.
Enquanto passava com o carrinho pelas prateleiras e colocava tudo que
pudesse nas minhas compras, peguei o celular e mandei mensagem para
Masked.
[Você]: Bom dia ☺ . Quer fazer algo hoje?
Depois, abri os meus contatos e liguei para minha mãe, precisava saber
como meu pai estava e se ela passava dificuldades por ter usado todo o seu
dinheiro de emergência.
— Oi, filho, bom dia.
— Oi, mãe, bom dia... Como o pai está?
— Bem melhor. Provavelmente terá alta hoje ou amanhã, o médico
disse que ele está evoluindo muito bem e passou mais algumas medicações
pra ele.
Soltei o ar aliviado. Meus pais tinham somente um ao outro, me
angustiava pensar como minha mãe ficaria caso meu pai se fosse tão
repentinamente, ainda mais comigo distante, sem poder dar um suporte.
— Que bom, mas e você? Como você tá?
— Ah, querido... melhor agora que o susto passou. Infelizmente a gente
teve que mexer na reserva, mas é pra isso que elas servem, né? Graças a
Deus que conseguimos pagar, e você foi um anjo, filho. Muito, muito
obrigada.
— Pode sempre contar comigo, mãe... e vou transferir mais um
dinheiro para ajudar a pagar os remédios novos dele.
— Mas não vai te fazer falta? Você tá trabalhando tanto! Como você
está?
Inspirei profundamente e dei um sorriso discreto.
— Não, não vai fazer falta. Eu meio que... tô recebendo um extra. E
estou bem, mãe, não precisa se preocupar, tá bom?
— Então tudo bem. Está comendo direito?
— Sim. Acabei de colocar três sacos de legumes no carrinho agora —
falei, enquanto uma das mãos tateava os tomates procurando por um que
não parecesse verde ou manchado.
— Ah, que bom! — Ouvi-a gargalhar do outro lado da linha. — Te
amo, querido.
— Eu também te amo, mãe. Manda um beijo no meu pai por mim...
mais tarde a gente se fala. Tchau! — Encerrei a ligação e apoiei os
cotovelos no carrinho, empurrando-o pelos corredores enquanto olhava a
tela do celular.
Masked ainda não tinha respondido a minha mensagem, provavelmente
estava dormindo. Abri a minha conta bancária e arregalei os olhos
sutilmente, era sempre fora do comum para mim lidar com mais dinheiro do
que um dia já tive.
Daquela vez, o mascarado enviou três vezes o valor que mandou antes,
o que me permitiu transferir uma boa quantia para ajudar meus pais. Eu
sabia que aquele dinheiro era sujo, Masked Guy exalava criminalidade, mas
se num mundo injusto os errados eram os que se davam bem, eu não queria
estar certo.
Não que eu não me importasse totalmente com o que acontecia, até
porque com aquelas transferências ele poderia estar me envolvendo em seu
esquema, mas passei tanto tempo preocupado tentando sobreviver, que
escolhi abstrair daqueles questionamentos. Ao menos naquele momento.
Fui até o caixa passar as compras e me surpreendi com a quantidade de
sacolas, não havia condição alguma de levar tudo aquilo a pé. Empurrei o
carrinho para fora do mercado e enquanto meus olhos rondavam o
estacionamento procurando por um táxi disponível, ouvi uma voz distante
me chamar.
— Peter! Peter!
Quando direcionei a atenção para o som, minhas pálpebras se retraíram.
Era Harry, meu vizinho que evitava há dias depois da minha fuga do bar.
Ele se aproximou de mim com uma breve corrida segurando duas sacolas
pequenas das mãos.
— Ei... oi — respondi.
— O que tá fazendo aqui?
— Compras. — Ergui as sobrancelhas.
Ele riu.
— Não, não. O que tá fazendo aqui fora? Esperando alguém?
— Eu tô pra chamar um táxi pra poder levar essas compras...
— Ah, por que você não pega carona comigo? Tô de carro! — Harry se
ofereceu, já colocando as mãos nas minhas sacolas.
Estremeci. Eu me sentia tenso em pegar carona com gente que mal
conhecia, mas o meu vizinho teve uma atitude tão solícita que resolvi ceder,
não queria parecer grosseiro, principalmente depois de ter dado mancada
com ele no dia do bar.
— Certo, obrigado. — Sorri, empurrando o carrinho ao lado dele.
Colocamos as minhas compras no porta-malas, as dele no banco de trás
para separar as sacolas e sentei no banco da frente de sua Tracker branca.
Durante o caminho, agarrei ao banco sentindo o coração bater forte, mal
podia esperar para sair dali.
Me arrependi profundamente de ter aceito a carona.
Harry colocou uma música eletrônica alta e tagarelava sem parar sobre
coisas da vida dele que não me interessavam nem um pouco, eu estava tão
atordoado com o climão, que as únicas palavras que conseguia soltar eram
de afirmação.
Assim que chegamos em frente às nossas casas, quando fui abrir a porta
do carro, ele colocou a mão sobre a minha coxa e a apertou.
— Cara, você ficou meio-esquisito desde aquele dia do bar, não lembro
direito o que rolou, mas, sei lá... eu fiz algo? — Passou a mão pelos cabelos
rígidos de gel, ajeitando-os para trás.
Desviei o olhar de seu rosto.
— Não, você não fez nada. É só que eu não me senti muito bem e quis
ir embora depois de vomitar no banheiro — Consegui articular uma mentira
muito da nojenta, contudo pareceu convincente para mim.
Harry afastou a mão da minha perna.
— Ah, de boa. Sei como é, nossa, pensei que eu ou os meus amigos
tivéssemos falado algo que você não curtiu. Quer dar outra volta um dia
desses?
Não.
— Só a gente? É...
— Eu pensei em ser com os meus amigos também, pra você conhecer
mais a galera.
Os chatos de Wall Street com sapato de bico fino e blusa social que só
sabem falar de finanças? Não mesmo.
Abri a porta do carro e desci, ainda apoiado na lataria, encarei Harry.
— Sabe o que é? É que não vai dar, eu ando bem ocupado com algumas
coisas do trabalho. — Bati a porta e fui até o porta-malas para pegar as
minhas compras.
Meu vizinho desceu do volante para me ajudar a carregar as sacolas até
a entrada da minha casa, com uma expressão de cachorro abandonado e
reflexivo, bem, não sei se cachorros fazem reflexões, mas se fizessem...
Harry teria a cara de um.
Ou o cachorro abandonado reflexivo teria a cara de Harry.
Abri a porta e fui trazendo as sacolas para o meio da sala, o vizinho
veio junto, notei que ele observou cada canto da minha casa assim que
pisou os pés nela. O olhar era analítico e muito, muito crítico.
— Eu só queria que você se enturmasse mais, você vive trancado nesse
lugar aqui, só de casa pro trabalho e encomendando...
Estava a ponto de perder a paciência com tanta insistência. Sentia meu
coração acelerado e as palavras estavam presas, até que deixei de segurá-
las.
— Brinquedos eróticos? É! Foi o que andei encomendando para me
satisfazer. — Bati o pé e o encarei, no mesmo segundo, sua face se
empalideceu e os olhos se tornaram maiores. — Imagino que você tenha
boas intenções, mas não estou no clima pra conhecer ninguém ou sair por
aí.
Harry colocou a mão na parede ao lado do meu rosto.
Arregalei os olhos e senti as extremidades gelarem. Minha respiração
ofegou sem sequer fazer esforço.
— Então, beleza, pode só me conhecer melhor. Quer? Eu não curto
homem, mas você parece diferente... tô afim de experimentar coisas novas.
Harry aproximou seus lábios dos meus, porém consegui virar o rosto a
tempo e coloquei a mão em seu peito. A saliva escorreu arranhando pela
garganta. Apesar do corpo gélido, minha face parecia em chamas.
— S-sai daqui — gaguejei, estremecendo. — Sai da minha casa.
Ele não se moveu.
— Agora! — gritei e o empurrei.
Meu vizinho puxou o ar e me encarou com os olhos esbugalhados,
creio que não esperava uma atitude daquelas da minha parte. Em silêncio
deu dois passos para trás e virou as costas. Assim que ele saiu, fechei a
porta e tranquei.
Meu coração estava acelerado com a situação, me apoiei na madeira e
inspirei o ar devagar, fui escorregando até o chão à medida que tentava me
acalmar. De repente, o celular vibrou, desbloqueei a tela para ver a
notificação e era uma mensagem do Masked.
[Número desconhecido]: Bom dia, passarinho. Hoje tenho um
trabalho a cumprir durante o dia, mas acredito que consigo estar
completamente disponível pra você à noite.
Passarinho. Não foi a primeira vez que ele me apelidou daquela forma
e nunca cheguei a questionar o porquê de me chamar assim, entretanto,
achava carinhoso Masked se referir a mim daquele jeito.
[Você]: Podemos sair só à noite mesmo, sem problemas. Hoje o dia
está quente demais pra andar debaixo desse sol.
[Número desconhecido]: E você conhece algum lugar que eu possa
entrar com a minha máscara?
Naquele momento, desanimei do encontro. Fiquei tanto tempo
conversando online com Masked Guy, que me esqueci daquela limitação da
nossa relação. Eu não sabia do seu rosto e ele não se sentia pronto para me
deixar conhece-lo por completo, o que me gerou uma certa frustração.
Respirei profundamente.
[Você]: Podemos assistir um filme juntos aqui em casa.
[Número desconhecido]: Marcado. Apareço às 20h. Agora tenho
que ir, mais tarde falo com você. Beijo.
[Você]: Beijo, Masked.
Bloqueei a tela do celular e encostei a cabeça na porta. Fechei os olhos
por alguns instantes e aproximei os joelhos do peito para abraça-los.
Desejava ir além das conversas e encontros sexuais com ele, queria passear,
ter uma companhia e poder beijá-lo.
O que você tanto esconde por trás dessa máscara?
Almas solitárias tendem a se encontrar, assim foi com Pete. E com
Shadow, o meu primeiro e melhor amigo. Geralmente, as quintas-feiras
tornavam as ruas de Nova York mais vazias durante as manhãs, a agitação
da vida noturna na cidade sequer esperava a sexta-feira chegar.
Eu cortava as ruas em direção ao ponto mais afastado de Manhattan,
minha Kawasaki preta estremecia ao passo que o ponteiro do velocímetro
trepidava a cada acelerada. As mãos desprotegidas sentiam a força dos
ventos, tão intensos que faziam a pele se repuxar.
Zack morava isolado, em meio à zona de mata daquela selva de pedra
que era Nova York, e sempre que eu ia visitá-lo levava uma mochila cheia
de porcarias para que ele comesse e mais alguns itens, já que fazia meses
que Shadow não via a luz do sol.
Inclusive, eu quem dei a ele esse apelido, já que Zachiary não gosta de
sair de casa e vive escondido em meio às sombras e a escuridão... acho que
combinou bastante, mais do que o user @rich.eater. Shadow gostou e
adotou o nome.
Quando estive perto de onde ele morava, tive que deixar a moto
próxima à uma árvore e seguir o restante do percurso a pé, com o mapa
aberto no meu celular a fim de que não caísse em nenhuma armadilha.
As copas altas das árvores bloqueavam a luz e deixavam a umidade
maior, retirei o capacete e a jaqueta devido as gotículas de suor que se
formavam e andei atento, pisando com calma nas folhas secas.
Tinha que fazer o mínimo de barulho possível por conta dos animais
que rondavam a floresta, até mesmo para não os atrair sem querer para as
armadilhas que Shadow espalhou até a sua casa. E por incrível que pareça,
ele não as colocou para pegar bichos, e sim seres humanos.
Zack sempre foi preocupado com a sua integridade devido ao que fazia,
fugiu da Rússia por mexer com gente muito grande e veio para a América
onde continuou com as atividades que ameaçavam a sua vida.
Pessoas ricas são perigosas, principalmente aquelas que estão em meio
à política, então aos poucos, Shadow afundou cada vez mais em delírio,
tornando-se paranoico e obcecado em destruir o que ele chamava de câncer
social. E eu estava junto... primeiro por querer fazer parte da mudança,
doar, ajudar e vingar os menos privilegiados, mas depois que a realidade
bateu, fiquei apenas pela grana, já que a pior notícia eu não queria contar a
ele: é impossível fazer cair aqueles que estão no topo.
O sistema foi criado por eles e para eles, nossas ações contra suas
riquezas e propriedades eram uma cosquinha em seus pés e no máximo uma
dor de cabeça que passava no dia seguinte.
Os pássaros sobrevoavam minha cabeça e cantavam entre os galhos.
Quando passei da pedra que marcava a última armadilha, avistei ao fundo a
casa de dois andares de madeira, com aspecto quadrado e telhado inclinado,
cujo andar de cima tinha as paredes formadas apenas por vidro, espesso e
escuro, onde Zack conseguia ver tudo e todos, sem ser visto, de longe ele
deve ter percebido a minha presença.
Não demorou muito para eu ser recebido em sua porta. Ele estava sem
camisa, mostrando seu corpo esguio e tatuagem de lobo no abdômen,
vestindo apenas uma calça preta e... porra, sua pele estava muito branquela,
aquela palidez só ressaltava suas olheiras arroxeadas, além disso, os cabelos
dele cresceram, estavam ondulados acima dos ombros e o que antes eram
loiros, tornaram-se azuis.
— Que merda de cabelo é esse? — perguntei, erguendo sutilmente o
lábio.
Shadow riu.
— Sei lá, estava com tédio.
— Você estava com tédio e resolveu pintar o cabelo?
Abri os braços, segurando o capacete e então Zack deixou a entrada da
sua casa descalço para me abraçar forte, com sua típica erguida de
calcanhar a fim de tentar parecer um pouco mais alto perto de mim, mas era
impossível. Eu tinha 1,90m, ele era dez centímetros menor que eu.
— É, eu... tava sem o que fazer, então usei o que tinha em casa pra
mexer no cabelo. O azul de metileno deu uma cor legal e não desbota tão
fácil.
Dei uma risada breve.
— Se estava entediado, fosse... sei lá, dar uma volta ou então bater
uma, não mexer no cabelo. Agora só ficando careca para tirar isso daí. —
Levei a mão à testa, preocupado com ele.
— Não estou muito disposto pra sair e os vídeos pornôs estão chatos...
acho que já vi todos. — Colocou a mão para trás da cabeça. — Acredito que
consigo me acostumar com o azul.
Inspirei fundo e soltei o ar devagar.
— Cara, você precisa foder.
Shadow gargalhou, como se eu tivesse acabado de contar uma piada,
sendo que falava mais que sério, não estava fazendo nada bem pra ele ficar
isolado no meio de um matagal cheio de armadilhas e as únicas interações
que tinha fossem virtuais.
— Estou falando sério. Precisa sair além da floresta, conhecer alguém,
sabe? — Tirei a mochila das costas e entreguei para ele.
Zack pegou a bolsa e abriu um sorriso tão largo que cruzava seu rosto,
colocou a alça sobre o ombro e virou-se para entrar na casa. Segui-o para
dentro dela, e apesar de eu esperar um odor desagradável, estava limpa e
arrumada.
Ele tinha poucos móveis, a casa internamente de madeira no andar
debaixo só tinha uma sala com lareira, televisão sobre uma bancada e sofá
reclinável; banheiro pequeno no canto; armário com livros e, próximo da
cozinha, que era o único lugar em tons de branco em sua casa, uma mesa de
quatro lugares e os móveis marrom-escuros que comportavam seus diversos
eletrodomésticos prateados que iam desde batedeira, que ele certamente não
usava, até micro-ondas e liquidificador.
Shadow colocou a minha mochila sobre a bancada e a abriu para tirar o
que trouxe para ele. Levei comida, guloseimas, remédios e alguns itens de
higiene a seu pedido.
— Obrigado pelas compras, Dean — respondeu, enquanto guardava os
produtos em seus devidos lugares na cozinha. — E agradeço a preocupação,
mas estou bem. E muito ocupado, tenho muito trabalho a fazer e...
— Ei, ei! — Peguei em seus cabelos e os puxei, fazendo-o arregalar os
olhos para mim, suas íris muito escuras, se mantiveram atentas nas minhas.
— Você não está bem. Vamos sair hoje, encontrar com os outros Hunters e
curtir um pouco. Ninguém conhece os nossos rostos. Zack, não precisa ter
medo.
Ele suspirou.
— Não estou com medo. Eu só... não consigo confiar em ninguém além
de nós agora, então não sei se vou conseguir comer alguém, com
preocupação na cabeça o tempo todo.
— Tá, esquece isso de comer alguém. Só saia com a gente. Você vai
estar protegido, eu cuido de você, Zack. — Apoiei as costas na bancada e
cruzei os braços.
Shadow riu baixo, balançou a cabeça em negação e continuou a guardar
os produtos.
Eu me senti um idiota em ter dito aquilo, já que Zachiary era o mais
precavido dos Hunters, ele serviu no exército russo por três anos quando
completou a maior idade e lá aprendeu diversas estratégias de ataque e mil e
uma formas de matar. Inclusive, era o único a manter um arsenal de armas
em casa.
— Tudo bem, tudo bem! Eu aceito sair hoje. — Zack fechou a porta
dos armários, encostou em seu fogão e uniu as mãos frente ao corpo. — O
que você sugere?
— Bem, lembra do cara que eu falei que não gostava, o vizinho do
Peter? — Rangi os dentes.
— O babaca de Wall Street? Sei. O que aconteceu?
— Ele tentou beijar o Peter... eu vi pelas câmeras que botei na casa
dele. — Bufei. — Daí descobri que o Harry vai para uma boate hoje que
fica numa casa de swing, algo assim, com tema de baile de máscaras. Ali é
escuro, há diversas pessoas... o ambiente perfeito para o que pretendo fazer.
Shadow arregalou os olhos e ergueu o canto da boca.
— Quer que eu te ajude a esconder o corpo depois? Acho que ainda
tenho o ácido.
— Não, não posso matar esse cara, senão pode dar merda pro Pete. Mas
sei de uma forma de demonstrar para ele que o Peter já tem dono. —
Arrastei o lábio nos dentes. — Então, como preciso estar lá, acho que dá
para tentar nos divertir um pouco. Talvez convidar o Zero e o Monster
também.
A sobrancelha dele se levantou e os olhos se estreitaram, Shadow
demorou um tempo maior do que o normal para me responder.
— Cara... você tá planejando algo pervertido que envolva o Monster e
o Zero? Assim, não sei se estou a fim de participar disso.
— Porra, claro que não! Só vou convidar para me fazerem companhia
na festa. Odeio lugares barulhentos, mas terei que suportar até o Harry
chegar na boate... e acho que vou chamar o Peter também. Ele quer sair
comigo, mas não há lugares que eu consiga ir de máscara sem atrair a
atenção e lá será um baile de máscaras, então vou conseguir fazer a vontade
dele sem me expor.
Zack balançou a cabeça e se desapoiou de seu fogão para abrir a
geladeira, de lá tirou um energético de lata preta e deu um gole.
— Beleza, eu topo. — Passou por mim em direção à sua sala e eu o
segui. — Você realmente tá caidinho por esse cara, não é? — Jogou-se no
sofá de frente para a TV e aproximou a latinha dos lábios.
Puxei a máscara de pano mais para cima do nariz.
— Diria que somos almas gêmeas.
— Que romântico. — Shadow rodou os olhos pelo teto e me encarou de
canto.— Você se tornou obcecado por ele por que realmente se identifica
com quem ele é... ou por que acha que deve salvá-lo?
Fechei mais o punho, pressionando forte a borda do capacete e apertei
os dentes. Eu não sabia responder aquela pergunta.
Tinha gostos e hábitos em comum com Pete, além disso, ele possuía
muitos atributos que eu admirava, Peter Reid era gentil, instigante,
silencioso e dono de um senso de humor um tanto... peculiar, para não dizer
trágico. Gostava dele, mas Shadow conhecia a minha história, aquele
comentário não foi à toa. Sabia disso.
Meu pai foi embora de casa muito cedo, quando eu ainda tinha uns
quatro anos, acho. Não me lembro muito bem de seu rosto, é um grande
borrão, muito menos tenho memórias de nós dois, porém carrego até hoje as
recordações do quão dura foi a época em que ele desapareceu.
Minha mãe precisou me criar sozinha, trabalhar mais de um turno e me
deixava na casa da vizinha em uma sala cheia de crianças. Daquilo eu me
lembro, lá era o caos. Os barulhos, a agitação, os gritos da mulher e a
comida grotesca.
Conforme eu cresci, as memórias se tornaram ainda mais marcantes,
quando tinha uns oito anos, por aí, lembro que gostava de ficar na escola,
em especial na biblioteca. Ali era silencioso, calmo e as histórias me
levavam para uma realidade além da que eu vivia. Quando chegava em
casa, um peso caía sobre minha cabeça.
Minha mãe estava sempre tão estressada ou fadigada do excesso de
trabalho, que só conseguia encontrá-la de duas formas: dopada de remédios
para conseguir dormir, caída no sofá, ou agitada pelo uso de cocaína.
Dos oito até os doze anos, foram os piores anos, porque ela se afundava
cada vez mais e eu tinha que mentir para os outros para que não me
tomassem dela. Ela era tudo que eu tinha. Depois, aos treze, arrumei alguns
bicos fazendo entrega de bicicleta para tentar ajudar em casa e não deixar
minha mãe sobrecarregada.
Durante alguns anos foram apenas eu e ela, minha mãe dizia que eu era
o herói, o homem da casa, até que começaram a aparecer os namorados. E
nem todos foram bons com ela. Muito menos comigo. Jamais deveria ter
deixado aqueles homens entrarem, porém eu nunca conseguia impedi-los,
ela escolheu eles a mim.
Então eu quem tive que sair.
Não me perdoo até hoje por essa decisão, por ter sido mais um a deixála,
como o meu pai fez... falhei em tentar salvá-la.
Inspirei profundamente e soltei o ar devagar.
— Eu tenho que ir. Te vejo mais tarde na festa?
Shadow ergueu a latinha de energético e piscou.
— Pode contar comigo.
Enquanto eu deixava a casa de Shadow, abri o celular para conversar
com o Peter. Não havia tocado no assunto de Harry um segundo sequer, na
verdade, fingi que não tinha visto nada, afinal, não queria assustá-lo, ele
não sabia das câmeras.
Passamos duas noites juntos, uma jogando online e a outra assistindo
filmes de terror em sua casa, que eram seus favoritos. Eu gostava mais de
suspense, aprendia muito com eles.
[Você]: Vai fazer algo hoje à noite?
[Passarinho]: Acho que não, quando sair do trabalho pretendo
assistir uns filmes... quer ver comigo? Estou com vontade de te ver de
novo.
[Você]: Que tal sairmos hoje? Pensei em nos encontrarmos em um
lugar diferente, e no final deixo uma pista sobre a minha identidade.
[Passarinho]: Sério?! Onde e que horas?
Desviei os olhos da tela para me ater ao caminho de volta pela trilha
segura e encarei a mata enquanto pensava numa forma de combinar com ele
para chegar apenas quando eu já tivesse me resolvido com Harry.
[Você]: Fique pronto a partir das 21h. Mandarei um carro te
buscar.
Bloqueei o celular e rondei a visão pelos pontos de luz que
ultrapassavam as folhagens das árvores altas, onde as únicas presenças ali
além de mim eram os pássaros e alguns esquilos. Apesar de ser isolado de
tudo, Shadow morava em um lugar realmente bonito.
Encontrei minha moto próxima à árvore e subi nela mais leve sem a
mochila, coloquei a jaqueta, que estava apoiada sobre o ombro, e o
capacete, porém antes de partir enviei uma mensagem no grupo para que
Monster e Zero estivessem a par da situação. Sem pensar duas vezes, ambos
toparam.
Passei metade da tarde online com os Hunters e a outra treinando para
me manter em forma.
Com o cair da noite, no quarto escuro, abri na tela do meu computador
a localização de Peter e as imagens de sua casa, no celular rastreei os passos
de Harry online, invadi seu celular para saber se ele iria acompanhado ou se
faltaria o evento do qual confirmou que iria.
Harry estava mais que confirmado, ele comentou via SMS com um de
seus colegas de Wall Street que passaria na loja de conveniência do posto de
gasolina para beber antes de ir, provavelmente, estaria acompanhado dele.
Tirei os olhos do celular e os estreitei para as três telas à minha frente,
minhas pupilas iam de um lado para o outro captando cada informação, a
sala ainda vazia, mas o GPS informava que Peter estava passando pela
última rua que dava acesso à sua casa. Em poucos minutos chegaria em
segurança.
No grupo dos Hunters, as mensagens eram disparadas, principalmente
de Monster e Zero que estavam empolgados com a ideia.
[Zero]: Festa no puteirooooo! Eu já, já tô partindo, valeu?
[Shadow]: Posso faltar essa?
[Monster]: Você deu sua palavra pro Masked e agora vai ter que ir! Sai
do buraco, Shadow! Vou sair de casa logo.
[Zero]: Vai sim, Shadow. Para comemorar a sua saída do cativeiro vou
bancar uma bebida pra você. ;)
[Você]: Não quero ninguém faltando hoje! E, Shadow, você me deve
uma.
[Shadow]: Ok, estarei lá.
Fechei a conversa e fui me arrumar. Eu pretendia passar o mais
despercebido possível, separei a roupa preta, calças com diversos bolsos,
cinto de couro escuro, blusa lisa, jaqueta, um pano que usaria sobre os
lábios para entrar na festa e a máscara de caveira para usar dentro da boate.
Harry não sabia o quão favorável criou o ambiente para mim quando
optou por ir na casa noturna justamente em dia temático.
Por último, coloquei sobre as roupas um canivete que se disfarçava de
chaveiro para conseguir entrar com alguma arma na festa.
Tirei a bermuda que vestia e fui até o chuveiro para uma ducha gelada a
fim de que meu corpo ficasse ainda mais desperto, meus músculos
espasmavam com a sensação de adrenalina, e ao sair do banho, me apoiei
sobre o mármore frio da pia e encarei o reflexo no espelho.
Os respingos da água dos cabelos caíam sobre a testa e escorriam por
meu rosto, o que me fez dar atenção ao que tanto ignorava, a maldita
cicatriz que atravessava os meus lábios. A pior parte daquele corte no rosto
era que ele me recordava do que desejava esquecer, e quando eu abstraía de
sua existência, a curiosidade alheia fazia questão de me relembrar.
Por isso, a melhor decisão que tomei foi esconder.
Abri o armário que prendia o espelho para pegar a escova de dentes e o
pente de cabelo, quando terminei de me aprontar, deixei o banheiro e vesti a
roupa no quarto, junto dos pertences que levaria para a festa.
Antes de sair de casa, acendi a luz do terrário da Seraphine, a cobra se
arrastou com sutileza e envolveu a ponta de sua cauda na madeira.
— É, mais um dia que irei encontrar com o Peter... espero que em breve
consiga trazê-lo aqui para que você conheça. Vai gostar dele, Phine. — Ri e
apertei mais o lenço preto que cobria metade do meu rosto antes de deixar o
apartamento.
Minha visão se ofuscava com as diversas luzes neon dos painéis e
letreiros do centro de NY. Enquanto minha Kawasaki cortava as ruas em
sua maior potência para chegar até a festa, meu celular não parava de vibrar.
Eu sequer precisava olhar para saber que deveria ser mensagem dos
Hunters.
Mas para a minha surpresa, assim que deixei a moto no estacionamento
e desbloqueei a tela, a primeira notificação era de Peter.
[Passarinho]: Ansioso para o nosso encontro. Não me sinto tão
confortável em lugares cheios, mas acho que junto de você vai ser
divertido.
Senti um frio subir pelo abdômen com aquela mensagem e meus lábios
estremeceram, abrindo um sorriso sem que eu percebesse. Inspirei fundo e
soltei o ar devagar tentando aquietar as batidas em meu peito.
Abri as outras notificações, Shadow já estava na festa e desesperado,
ansioso para ir embora, principalmente por estar sozinho. Segui pela rua
lateral do estacionamento meio-escuro até a entrada extremamente
luminosa em tons de roxo da boate, o que trazia muita atenção para uma
estrutura pequena e discreta do prédio, cujas paredes externas eram pintadas
de preto.
Logo na porta havia diversas pessoas com máscaras, a maioria delas
cobriam apenas a parte dos olhos, principalmente as das mulheres, que eram
decoradas, onde os adornos em volta das órbitas traziam um olhar sexy e
misterioso.
Entrei na fila até que conseguisse passar pela revista e ir à bilheteria.
Passei ileso pela revista com meu canivete disfarçado de chaveiro.
Assim que estive na área interna sob as luzes baixas e vermelhas do
ambiente cheio e agitado, me arrependi da ideia. Era barulhento e irritante,
o som fazia meu corpo vibrar com as batidas, tão alto, que as pessoas
falavam quase gritando umas com as outras para que conseguissem ser
ouvidas.
Rondei os olhos pela boate procurando por Shadow. Certamente ele não
estava entre as pessoas dançando na pista, então atravessei aquele espaço
em direção ao bar, que ficava nos fundos, a única área mais iluminada dali,
que havia pouca gente sentada no balcão. Enviei uma mensagem para ele, e
a resposta foi “olhe para trás.”
Quando virei a cabeça, encontrei com Zack sentado em um dos sofás
vermelhos da área de fumantes, sozinho, de pernas abertas e soltando
lentamente a fumaça de seu vape, trajando uma máscara preta que cobria
apenas ao redor dos olhos. A má vontade de vir foi tanta, que ele sequer se
esforçou em procurar um acessório melhor.
Levei a mão ao bolso, caminhei até Shadow devagar e me coloquei ao
seu lado, de imediato ele me ofereceu o cigarro eletrônico, mas eu apenas
ergui a mão em recusa. Detestava cigarros, álcool, qualquer droga assim.
Por ter visto minha mãe por muito tempo se afundar no vício, preferi passar
longe desses hábitos.
— Você não ia encontrar com o seu dono aqui? — Zack inspecionou o
espaço com os olhos e me encarou de canto.
— Estou esperando o Harry chegar primeiro. — Puxei o celular e olhei
para a tela, abri a aba onde mostrava a localização do maldito. Ainda
bebendo na loja de conveniência do posto.
— E o que pretende fazer? Esfaquear o vizinho do seu parceiro na
frente dele? — Os olhos por trás da máscara se estreitaram e o canto de seu
lábio subiu.
— Só se eu quiser que Peter suma da minha vida pra sempre. Ele não
pode saber que sei que Harry tentou algo. — Coloquei o celular no bolso e
cruzei os braços, inspirei e soltei o ar devagar, observando a movimentação
no bar. — Pretendo mostrar do que sou capaz de fazer caso encoste um
dedo em Pete novamente.
— Bom, se precisar de mim para dar aquela ajuda... — Zack levantou a
borda de sua camisa preta, mostrando parte da arma que carregava na
cintura, me encarando. — Estou aqui pra isso.
Arregalei os olhos e minha testa se enrugou.
— Como você conseguiu entrar armado?
— Não usei a porta da frente. — Ergueu os ombros.
Quando Shadow iria levar o vape em seus lábios, o cigarro foi puxado
de sua mão, mas ele segurou o pulso do indivíduo rapidamente. Os estreitos
olhos enfurecidos tornaram-se maiores ao perceber quem tentou roubá-lo.
Zero, o mais novo dos Hunters, estava com uma máscara preta com
orelhas de coelho que cobria apenas a parte superior de seu rosto, o que
deixou exposto o sorriso travesso. Os cabelos escuros estavam para trás
com gel e a blusa branca de botão estava com as mangas arregaçadas e
aberta até a metade do abdômen, dando enfoque às suas tatuagens, em
especial a de cobra que havia no meio do peitoral.
Apesar de ter vinte e dois anos, a genética coreana dava a Zero uma
aparência ainda mais jovial, o que combinava muito com suas atitudes
ridículas de adolescente.
— Quanto tempo, Shadow. Fico feliz que decidiu sair da toca hoje. —
Assim que os dedos de Zack se afrouxaram do pulso de Taehyun, ele tragou
o vape e soltou a fumaça sem pressa, encarando-o.
— Tive que retribuir um favor ao Dean. — Desviou os olhos de Zero
para mim. — Agora só falta o Monster.
Tae colocou a mão na cintura, virou-se de lado e inclinou a cabeça
sutilmente em direção ao bar. Monster estava sob as luzes do balcão, de
costas, com roupas pretas largas e corrente de ouro fina no pescoço, o
reconheci pela tatuagem de aranha na nuca. Os cabelos estavam diferentes,
geralmente o crespo era mais alto no topo da cabeça e curto nas laterais,
mas daquela vez estavam raspados formando um degradê.
Quando virou de frente com dois copos de bebida nas mãos, abriu um
sorriso largo. Suas bochechas infladas deram destaque às sardas que
decoravam seu rosto em meio a pele escura. Ele veio dançando com os
drinks e Zero também se balançou apontando para o amigo.
Monster era tão novo quanto Zero, apenas dois anos mais velho, e os
dois se entendiam muito bem, ambos gostavam de festas e eram sociáveis,
sequer pareciam uns nerds criminosos. Logan, além de hacker, também
tinha paixão por corridas ilegais. Inclusive, ele já foi piloto de fuga de uma
gangue de seu antigo bairro e quase foi fichado por isso uma vez.
— Vocês vieram pra festa pra ficar com essas caras aí? — Aumentou o
tom de voz tentando competir com a música alta e entregou uma das
bebidas para Tae.
Ergui os ombros.
— Eu vim pra cá com outro propósito, mas achei legal sairmos juntos...
principalmente pro Shadow tentar ver o mundo além do buraco que ele
vive.
Zack levantou o dedo médio pra mim e se inclinou do sofá para pegar
seu vape de volta das mãos de Zero.
— Vocês sabem que não curto festas e lugares cheios. — Deu um trago
e expirou devagar a fumaça por suas narinas. — E por que você veio sem
máscara, Monster?
— Como vou pegar alguém com a cara tampada? — Abriu os braços.
Ri.
— Vamos dançar? — Tae sugeriu para Logan e deu uma olhada de
canto para mim e Shadow. — Vocês também vêm?
— Não posso, tenho que ficar de olho na chegada de Harry. — Puxei o
celular do bolso para ver a localização, o ponto no GPS começou a se
mover em direção à rua da balada.
— E você, Shadow, qual é a sua desculpa? — Zero levou o canudo da
bebida aos lábios enquanto encarava Zack.
Shadow cruzou os braços e soltou o ar forte. Ele estava a ponto de
revirar os olhos, os pés inquietos batendo contra o chão demonstravam o
quão incomodado ele estava ali, provavelmente ansioso para ir para casa.
— Não sei dançar.
Logan riu.
— Cara, é só balançar o corpo no ritmo da música. Sabe como
desmaiar alguém com os dedos, invadir bancos, mas não consegue ter um
gingado? Que isso!
Shadow ergueu os ombros e guardou seu vape no bolso.
— Fazer o quê, né?
Zero umedeceu o lábio e o canto de sua boca se esticou. A forma com a
qual ele olhava para Zack de vez em quando não era a mesma que ele
encarava a mim ou Monster, eu sabia disso, na verdade, quando Logan me
olhou de lado ele também deve ter percebido.
Pobre Taehyun White, ele não tinha ideia do problema que estava
tentando trazer para si mesmo.
— Então apenas observe, Shadow. — Deu as costas e seus passos eram
curtos e coordenados em direção à pista de dança que ficava após o bar.
Zero se movia de forma devagar e hipnótica, controlando o balançar dos
quadris conforme a música.
Até mesmo Monster ficou observando-o, até que decidiu acompanhá-lo
e deu uma breve corrida para conseguir alcançá-lo.
Em meio à multidão, foi como se uma luz não visível destacasse os
dois. Zero se apoiou no ombro de Logan e jogou uma das pernas para
frente, colocando no meio das dele, de forma que os dois conseguissem
roçar as coxas conforme a música.
Monster colocou uma de suas mãos na cintura de Tae enquanto a outra
se prendia firmemente ao seu copo de vodka com alguma coisa. O mais
novo fechou os olhos e deixou que seu pescoço e ombros se balançassem
com leveza e sensualidade.
Shadow estava no mais completo silêncio ao meu lado e ao ouvi-lo
respirar, quase que num suspiro, o encarei de canto. Os olhos escuros se
mantinham bem abertos e vidrados na cena, nem mesmo seus cílios se
encontravam. A mandíbula estava intensamente marcada e quando desci a
visão para suas mãos fechadas, que se encontravam próximas a coxa,
desviei a atenção de imediato.
Seu tesão marcava a calça.
— Acho que o Zero tá a fim de você — falei e dei um empurrão leve
em seu ombro, tentando descontrair a situação.
Seu pomo de adão subiu e desceu, ele recolheu os lábios e virou a
cabeça devagar para mim.
— Aquele pirralho está apenas tentando brincar comigo.
— E você caindo na brincadeira.
Desci os olhos para sua ereção e ergui a sobrancelha. De imediato
Shadow colocou o braço em cima a fim de tentar disfarçar e notei seu rosto
pouco a pouco ser tomado por uma coloração rósea.
Ele suspirou e deixou que uma risada baixa escapasse.
— Ah, cara... desculpa. Eu não pretendia....
— Relaxa, Shadow. — Abri os braços sobre o apoio do sofá. — Você tá
sem foder há meses, é normal acumular tesão e acho que nesse caso aqui...
tem a oportunidade perfeita pra aliviar isso. — Inclinei o queixo para frente
a fim de chamar a atenção dele para a pista de dança.
Zack lentamente direcionou os olhos para Zero e Monster que
começaram a se mexer separados, Taehyun continuava a rebolar sem
desviar a atenção de seu alvo, prendeu o lábio entre os dentes e levou uma
das mãos ao pescoço durante sua dança.
— Vai lá!
— Não, cara, não.
— Vai logo! — Coloquei a mão em suas costas e fiz força para
empurrá-lo.
Shadow se levantou, bateu nas roupas, respirou profundamente e me
encarou de lado antes de andar. Ele caminhava retraído e inseguro em
direção à pista, com as mãos nos bolsos e ombros próximos demais do
corpo, quando perto, foi puxado por Zero que pegou em suas mãos e as
colocou na cintura para usá-lo de apoio durante a dança.
Com o tempo, Zack ia se soltando, permitindo que seu corpo
balançasse junto de seu par e assim que seus rostos se aproximaram,
Shadow o puxou com rispidez para si, colando seus peitorais e deixou os
lábios se arrastarem.
Tae usou a ponta da língua para erguer com sutileza o lábio superior de
Zack, como último ato de provocação antes do beijo.
O canto da minha boca se esticou e desviei a atenção dos dois para o
meu celular, Harry havia acabado de entrar na festa, notei pela sua
localização e a foto nos stories do Instagram dentro da balada.
Afastei meus olhos da tela e me ative ao ambiente. Rondei as pupilas
com cautela, observando cada canto e pessoa ali presentes, buscando apenas
pelo meu alvo, pressionei os dentes e senti a respiração se tornar cada vez
mais audível.
Harry apareceu no meu campo de visão, por sorte, ele estava sozinho
próximo ao bar, com o celular encostado no ouvido, distraído e gritando
enquanto gesticulava para o barman sobre qual drink ele queria.
Monster se afastou da pista de dança e veio até mim, ao notar sua
aproximação deixei de encarar o meu alvo para olhar para ele que estava
com os lábios entreabertos e sobrancelhas próximas a linha dos cabelos.
— Meu Deus, Zero e Shadow estão quase se comendo na pista de
dança! O russinho tá cheio de fogo.
— Deixa eles se divertirem. Zero estava desde o começo da festa
provocando o Shadow. — Levantei do sofá e olhei sobre o ombro do
Monster para prestar atenção nos movimentos de Harry. — Aí, posso te
pedir um favor? — Encarei-o.
— Manda.
— Pode buscar o Peter e trazer ele pra festa? Não fale nada dos Hunters
ou coisa assim.
— Até posso..., mas por que você não vai buscar? Eu não sei onde ele
mora.
Coloquei a mão no ombro dele e o apertei.
— Porque você é o mais rápido. Eu te passo o endereço por mensagem,
além do mais... — Desviei o olhar dele quando notei o imbecil de Wall
Street andando em direção ao banheiro. Era ali que o pegaria. — Tenho
algo pra resolver agora. Pode fazer esse favor pra mim?
— Tranquilo, você quem manda. — Deu dois tapas nas minhas costas.
— Obrigado. — Passei a mão em seus cabelos raspados e me afastei.
Enquanto andava em direção ao banheiro, enviei para Monster o
endereço de Peter e aproveitei para abrir a conversa com meu Passarinho
para deixá-lo ciente de que alguém estava indo buscá-lo, do jeito que
combinei.
Puxei do bolso da jaqueta a máscara que estava dobrada e troquei o
lenço que cobria apenas meu nariz e boca por ela, deixando meu rosto
completamente escondido, exceto pelos olhos. Mas aquilo eu não fazia
questão de esconder, o olhar era capaz de transmitir o sentimento que os
lábios não conseguiam pôr em palavras.
Queria que Harry soubesse o que eu sentia. E que temesse por isso.
Entrei logo depois da minha vítima no banheiro, que não estava muito
cheio, mas todos os três mictórios daquele espaço apertado, fedido e sujo,
estavam ocupados, o que fez com que ele fosse usar a cabine.
Harry entrou e eu fui logo atrás.
— Cara, acho que você...
Antes que ele pudesse completar a frase, puxei o canivete e tampei seus
lábios. O coloquei de costas para mim contra a parede e pressionei
firmemente a lâmina em seu pescoço, acima da sua artéria, a senti inchar e
latejar com intensidade.
— Você já deveria saber que não se deve tocar no que não lhe pertence
— falei em seu ouvido, notando-o choramingar. — Agora eu vou afastar a
mão da sua boca... e se você gritar, eu te mato sem pensar duas vezes. —
Harry concordou, obedientemente. Agarrei em seus cabelos e pressionei seu
rosto contra os ladrilhos, então o virei de frente para mim, para que me
encarasse.
— Desculpe, desculpe, desculpe... — Notei seus olhos avermelhados e
cheios de lágrimas por detrás da simples máscara preta. — O que você
quer? O que eu fiz?
— Você nunca mais vai mexer com Peter Reid. Ele me pertence. —
Pressionei ainda mais a lâmina, o que cortou a camada superficial de sua
pele.
— Tá bom, tá bom! E-e-eu não sabia que ele tinha namorado, desculpa!
Não farei mais! — Ergueu as mãos trêmulas em rendição. — Sequer vou
olhar pra ele a partir de agora.
— Não, você vai se afastar, mas vai fingir que essa conversa aqui nunca
aconteceu. Então não pegue mais as encomendas dele, não o chame para
sair com você, se mantenha afastado do gramado de Peter, porém quando o
vir... sorria e acene. À distância.
— Ok, tranquilo, tranquilo, e-eu vou fazer isso... vou fazer isso!
— É claro que você vai.
Com a ponta do coturno, levantei a tampa do vaso, puxei Harry pela
gola da camisa e com força bati sua testa contra a porcelana do vaso, antes
de enfiar seu na água. Usei o sapato para abaixar a válvula da descarga e
apoiei meu peso com as duas mãos em seu corpo para mantê-lo afogado
enquanto ele se debatia.
Deixei que ele erguesse a cabeça apenas para que pegasse ar e o afundei
de novo. Daquela vez Harry não se manteve quieto, tentava reagir e seus
gritos borbulhavam em meio à água, repeti o ato até que ele se cansasse e
parasse de se mover.
Larguei-o sentado, encostado na parede da cabine, com seu corpo
trêmulo e a blusa molhada, ele direcionou os olhos para mim com as
sobrancelhas franzidas e recolheu os lábios. Não disse mais nada.
— Temos um acordo? — perguntei.
Em silêncio, concordou com a ideia, afirmando com a cabeça.
Harry não conseguia ver, mas meus lábios se esticaram por debaixo da
máscara, num sorriso muito satisfatório. Abri a porta da cabine e saí, na
hora em que deixei o banheiro percebi a vibração no meu celular.
Monster enviou uma foto sorrindo, no espelho do retrovisor, onde
aparecia atrás dele o rosto de Peter, que estava distraído com a cabeça baixa
e olhos atentos em seu celular. Abaixo dessa notificação, a mensagem do
meu Passarinho com um: ‘’O motorista já veio, estou a caminho.’’
Aquelas mensagens faziam alguns minutos, provavelmente eles já
estavam chegando.
Caminhei dentre as pessoas na boate, atravessando a pista de dança. Eu
esbarrava nos corpos que se mexiam ao som da música alta que fazia meus
músculos vibrarem e irritava os meus ouvidos.
Zero e Shadow não estavam mais por ali.
Cheguei na área de recepção da balada e uni as mãos esperando por
Peter, senti um frio na barriga e esfregava os polegares para tentar aliviar a
sensação elétrica que percorria minha pele com a expectativa.
Monster chegou primeiro e piscou para mim antes de voltar para a pista
de dança.
Quando Peter passou por aquela porta, foi como se um holofote se
colocasse sobre ele. Soltei o ar devagar e aos poucos os cantos dos meus
lábios se esticavam. Pete vestia uma camisa grande preta com a logo da
banda Deftones, calças jeans e All star, não muito adequado para um lugar
daqueles, mas bonito o bastante pra mim.
Os óculos grandes não me atrapalharam de ver aquelas pupilas maiores
de curiosidade em meio ao azul de suas íris que vasculhavam cada canto do
ambiente. A boca estava entreaberta e as sobrancelhas franzidas, até que ao
se deparar comigo em seu campo de visão, sorriu.
— Por que não me contou que era uma festa de máscaras? — falou alto
devido à distância que estava de mim e assim que chegou perto, peguei em
sua mão.
— Porque é quase um crime tentar esconder sua beleza de alguma
forma.
Peter riu baixo e desviou os olhos de mim.
— Será que essa noite vou conseguir ver seu rosto? — Encarou-me de
canto.
Balancei a cabeça em negação e senti seus dedos apertarem ainda mais
forte minha mão.
— Foi apenas por conta disso que você veio?
— Não, claro que não! Eu só... quis saber. — Mordiscou o próprio
lábio.
Apoiei a mão na cintura dele para guiá-lo em direção à área interna da
festa. Enquanto caminhávamos, notei o quão rígido estavam seus
movimentos, e o olhar era de desconfiança para os outros, estava
claramente incomodado.
— Algo de errado? — perguntei assim que paramos no meio da pista de
dança, de frente para ele.
— Nada. É só que não me sinto confortável em ambientes com tanta
gente. — Analisou as próprias roupas e me encarou.
Observei em volta e nenhuma atenção estava em nós.
— O problema são os outros?
Peter afirmou.
Cheguei mais perto dele e levei a mão ao seu rosto, acariciei sua
bochecha com o polegar.
— Olhe apenas para mim, está bem? Ninguém vai julgar você aqui,
Peter, sequer estão vendo nós dois. Mas, se quiser, podemos ir embora, não
quero passar o nosso encontro inteiro causando desconforto em você.
Eu não gostava de festas igualmente, em especial por conta do som
alto, barulhos me remetiam ao caos que vivi na infância, portanto, os
evitava sempre que possível. Mas com Peter era como se qualquer ruído se
reduzisse, porque meu foco ficava inteiramente nele.
— Não vamos embora. — Peter engoliu em seco e apoiou uma das
mãos na minha cintura. — Somos invisíveis aqui, não somos?
— Sim... somos.
Ele sorriu e balançou, timidamente, o corpo ao ritmo lento e sensual da
melodia que tocava ao fundo. Coloquei a mão em seu quadril e o puxei
mais para perto, permitindo que nossos peitorais roçassem durante a dança.
Os movimentos dele estavam cada vez mais soltos e eu igualmente em
sintonia. Na minha cabeça, não havia mais ninguém ali.
Peter levou a mão à minha máscara e encarou meus olhos por detrás
dela.
— Masked... eu queria poder te beijar.
— O quanto quer?
Ele se apoiou em mim.
— Muito.
Puxei da jaqueta o lenço que havia usado para entrar na festa.
— Guarde os óculos.
Peter retirou os óculos, os colocou em seu bolso com cuidado e abaixou
as pálpebras. Dobrei o pano, o levei até seus olhos e amarrei atrás da
cabeça, vendando-o.
Ergui a minha máscara e encarei seus lábios avermelhados entreabertos.
Senti o coração bater mais forte e a respiração ofegar, aos poucos me
aproximei mais dele, sem pressa, para aproveitar cada segundo.
Nossas bocas se encostaram e pude sentir a maciez de seu lábio e o ar
quente e mentolado sair com intervalos cada vez mais curtos. Nos beijamos.
Minha pulsação aumentou e pude sentir a pele quente conforme o roçar
de sua língua na minha. Deixei que minha mão deslizasse por sua cintura
mais para baixo e agarrei em sua bunda.
Peter arfou entre o beijo e colocou a mão na minha nuca, apertando-a.
Conforme as nossas virilhas se esfregavam, eu me sentia latejar, e notei
o quão excitado ele também estava. Os dedos de Peter exploraram meu
pescoço e vieram ao meu peito, então desceram, percorrendo todo meu
abdômen até chegar à minha ereção.
Discretamente ele me apalpou, o que me fez prender o lábio entre os
dentes.
— Vamos para o banheiro? — ele perguntou, com a voz baixa, contida
e trêmula.
— Podemos ir para um lugar ainda melhor aqui. Eu te guio. — Abaixei
a máscara e peguei em sua mão para levá-lo até os fundos da festa, onde
havia uma redroom, o melhor lugar para os exibicionistas.
A sala era depois das caixas de som, atrás de uma porta preta com a
placa vermelha, ao abri-la me deparei com o espaço. Era um salão grande,
onde haviam espalhados alguns apoios para o corpo e correntes de
suspensão, a música ali era distante, dando espaço aos gemidos baixos dos
que trocavam prazer em meio à pouca censura da intensa luz avermelhada.
— Estamos seguros aqui? — ele questionou.
— Com certeza.
Levei Peter até o meio do salão, bem onde havia uma mesa de apoio e
voltei a beijá-lo.
Nossos corpos se esfregavam com menos sutileza e eu pulsava tanto
que chegava a doer. Peter tateou meu cinto e o desatou, para que
conseguisse invadir a minha calça, logo que senti seus dedos na minha pele,
deixei que um gemido baixo escapasse.
Ele me masturbou lento e intenso.
— Me faça sufocar... — Ajoelhou-se diante de mim. — Por favor.
Agarrei em seus cabelos e com a outra mão expus minha ereção. Peter
estava com ambas as mãos apoiadas sobre o colo, completamente submisso
ao que eu quisesse fazer. Dei duas batidas com o cacete em seu rosto.
— Abra a boca — ordenei, e assim ele o fez.
Arrastei o pau por sua língua e a sensibilidade do piercing me fez
estremecer.
— Chupa. — Entremeio ainda mais as mãos em seus fios, puxando-os.
Os lábios de Peter se fecharam ao meu redor e ele usava bem a língua
para me estimular. Mexi os quadris devagar para foder sua boca, primeiro
ele se engasgou, depois, deixou que eu fosse cada vez mais fundo.
Inclinei a cabeça para trás e pressionei seu rosto contra meu pau a fim
de senti-lo bater em sua garganta, engoli-lo por inteiro.
Peter abriu sua calça e começou a se masturbar enquanto me chupava.
Caralho.
As vibrações de seus gemidos contidos me faziam ferver de tesão.
Comecei a suar, e em um dos movimentos puxei a cabeça dele para perto e
a deixei colada contra minha virilha, sufocando-o.
Soltei-o apenas quando ele começou a se tornar inquieto, afastou a boca
deixando que um fio de saliva escorresse, tossiu com o engasgo e depois
sorriu.
— Me dê sua mão — falei, estendendo os dedos para ele.
Ajudei-o a se levantar e o guiei até a mesa que havia de apoio, coloquei
seu corpo de costas para mim e assim que ele sentiu a madeira contra o
abdômen, ajeitou-se sobre ela e desencostou os calcanhares do chão,
tomando uma pose empinada.
Terminei de tirar suas calças e deixei que minha mão recaísse sobre sua
bunda, num estalo. O tapa foi tão forte que ficou a marca dos meus dedos,
então dei outro e mais outro, depois me agachei atrás dele, afastei suas
nádegas e dei uma lambida até o períneo.
Ele estremeceu.
Passei minha língua em sua entrada e o senti contrair com o estímulo.
Continuei a chupá-lo ali, enquanto Peter usava uma das mãos para se tocar.
Dei duas cuspidas e coloquei dois dedos devagar a fim de que ele se
preparasse para mim. Me levantei e me coloquei atrás dele, rocei apenas a
cabeça, ansiando para comê-lo.
Observei em volta e notei que recebemos alguns olhares, uns eram
discretos em encarar, outros, nem tanto, os voyeurs se mantiveram bem
atentos em cada movimento nosso.
Invadi Peter devagar e ouvi seu gemido menos tímido. Apoiei ambas as
mãos em sua cintura e comecei a fodê-lo, deixando que o som do choque
entre os nossos quadris fosse escutado. Eu estava com tanto tesão, que tive
que me conter para não terminar antes.
Me afastei para virar Pete de frente para mim e o peguei no colo a fim
de deitá-lo em cima da mesa. Ele segurou as pernas e dobrou os joelhos
para que eu entrasse, voltei a penetrá-lo com mais força.
Debrucei meu corpo sobre o dele para beijá-lo enquanto intensificava
as estocadas, e seus gemidos não o permitiram movimentar a língua.
Comecei a masturbá-lo enquanto o fodia, notei suas pernas estremecerem e
a coluna desapoiar discretamente da madeira.
Peter chegou ao seu ápice, com os respingos sobre a barriga. Retomei o
beijo e ele envolveu minha cintura com as pernas, me prendendo nele,
como se quisesse me impedir de escapar.
Senti a respiração ainda mais intensa e os músculos espasmaram.
Não vou aguentar mais.
Peter não permitiu que eu me afastasse, ele implorava por mais e mais
de mim. Cheguei ao meu clímax e o ouvi gemer baixo ao sentir a minha
porra dentro.
Afrouxou as pernas ao redor da minha cintura ao ter o que queria.
Encostei meu peito no dele e deixei que nossos lábios se tocassem mais
uma vez, seguido por um sorriso depois do beijo.
— Vamos embora? — ele pediu.
Ri baixo.
— Vamos, vamos sim.
Nós vestimos nossas roupas, abaixei a máscara e removi a venda de
seus olhos assim que saímos da redroom. Andamos pela festa de mãos
dadas e com os passos apressados para irmos embora o quanto antes.
Assim que saímos da festa, avistei Harry, que estava na entrada da
balada com dois caras, a blusa era outra, não mais a molhada com água de
vaso sanitário, mas o inchaço na testa permaneceu. Ele arregalou os olhos
para Peter assim que o viu e me encarou.
— Oi, Harry. — Pete apertou mais meus dedos. — O... o que houve
com seu rosto?
O babaca de Wall Street demorou um tempo longo até demais para
responder, provavelmente pensando se deveria mesmo cumprimentá-lo ou
não, então a voz saiu baixa.
— Oi, Peter. Eu... meio que escorreguei no banheiro. — Coçou a
cabeça. — Bom te ver.
Harry voltou a dar atenção aos dois homens que estavam com ele, sem
muita brecha para assuntos com o meu homem. Peter seguiu caminho ao
meu lado com as sobrancelhas franzidas, cabeça baixa e olhar distante.
— Você conhece ele? — perguntei.
— Ah, é o meu vizinho. — Ergueu o rosto.
— Esse cara fez algo com você? Esse encontro pareceu meio-estranho.
— Não, não ... — Balançou a cabeça e me encarou. — Não aconteceu
nada. Ele só deve ter estranhado em me ver numa festa. Só isso — voltou a
olhar para o percurso — nada demais.
Quando chegamos no estacionamento, subi na moto e dei duas batidas
na garupa. Peter ficou encarando a Kawasaki com certo receio, até que
subiu atrás de mim, passou os braços ao redor da minha cintura e apertou
firme.
Àquela hora, eram duas da manhã, e apesar da vida noturna do centro,
as ruas estavam mais vazias, os movimentos eram apenas próximos às
baladas e lojas de conveniência.
Não estávamos de capacete, então tentei pilotar devagar, mas ainda
assim foi possível sentir os ventos frescos da noite balançarem os cabelos.
Cheguei rápido na rua em que Peter morava. Logo que parei em frente
à sua casa, ele desembarcou e me encarou com as mãos unidas frente ao
corpo, com a expressão tímida, mas sorridente.
— A gente se fala amanhã?
— Mas é claro. — Coloquei a mão no bolso do casaco e tirei de lá um
papel pequeno e dobrado, entreguei a ele.
Peter arqueou a sobrancelha e ergueu os olhos desconfiados para mim.
— O que é isso?
— É a sua primeira pista, lembra?
Assim que seus dedos começaram a desenrolar o papel, coloquei a mão
sobre a dele para impedi-lo de olhar na hora.
— Não abra agora. Apenas amanhã.
— Certo. — Fechou o punho com o bilhete dentro. — Boa noite,
Masked.
— Boa noite, passarinho.
Ainda olhando para mim, Peter deu dois passos para trás e acenou,
virou as costas e caminhou em direção a entrada de sua casa, contudo antes
de abrir a porta me encarou pela última vez naquela noite. Somente ao vê-lo
entrar que acelerei a moto de volta para casa.
Abri os olhos com um certo desânimo, coloquei as mãos sobre a
barriga, inspirei profundamente e soltei o ar devagar enquanto observava o
teto branco, que nos cantos haviam algumas teias de aranha e poucas
manchas do tempo. Não queria ir trabalhar.
Minha mente divagou sobre o que aconteceu na noite anterior, como
Masked conseguiu me tranquilizar em um ambiente fora da minha zona de
conforto, que, por algumas horas, não me importei com quem estava ao
meu redor, não me tornei ansioso, porque mesmo que eu escutasse a
presença alheia, a minha atenção estava inteiramente para ele.
Foi a primeira vez que nos beijamos, que enfim pude sentir seus
lábios... e notar algo neles. O mascarado possuía uma cicatriz, que pegava
tanto parte de seu lábio superior quanto o inferior de um lado da boca.
Aquilo me deixou reflexivo, cogitei que talvez ele não mostrasse o rosto,
não somente pelo fetiche ou para fazer mistério, mas sim por conta da
marca que possuía em sua face.
Tomei coragem de me levantar e sentei na cama, olhei para o bilhete
que me foi entregue na noite passada, dobrado sobre o móvel que apoiava o
abajur. Desenrolei o papel, nele estava escrito a primeira pista: “Você me vê
quase todos os dias.”. Somente. Ergui o canto do lábio, guardei na
gavetinha e deixei a cama.
Todos os dias que precisava ir para aquele inferno em forma de
empresa, era como se um peso se fincasse em meus ombros, como se minha
noção de tempo se alterasse e a realidade fosse outra. Eu detestava aquele
lugar, toda vez que passava por aquelas portas na saída, desejava que não
precisasse voltar nunca mais.
Felizmente parte dos meus problemas foram resolvidos devido a grana
suja que recebi de Masked Guy, porém, com muito pesar, eu ainda tinha um
contrato a cumprir.
A sala estava menos bagunçada, mas continuava com algumas coisas
jogadas em seus cantos. Olhei de lado para Vi e fui alimentá-la, daquela
vez, em silêncio, não tinha muitas coisas para contar, já que conversava
com Masked todas as noites.
Quando encostei no pote de ração para peixe, o vidrinho caiu e rolou
para o meio do móvel, bem para a parte que ficava os vasos de decoração, e
então, quando fui pegá-lo, notei um pontinho escuro com uma esfera de
vidro entre a decoração. Tão bem escondido, que se a ração não tivesse
caído, jamais teria notado.
Senti as extremidades do corpo gelarem no mesmo momento em que o
coração bateu mais forte, meus lábios se entreabriram e a respiração
encurtou. Fiquei catatônico, por mais que eu quisesse me mover, meus
músculos não seguiam os comandos.
Masked Guy não é apenas um fetichista.
— Uma câmera?
Ele é louco e obcecado.
Suspirei e pisquei algumas vezes. Quando meu corpo saiu do estado de
choque, peguei o pote de ração, o abri e alimentei Vi, deixei a câmera e os
vasos no exato lugar, como se nunca tivesse visto nada de diferente e fui
tomar banho para me arrumar.
Eu andava em uma corda bamba, a minha mente estava tão perturbada
com a rotina insalubre da qual vivi por tanto tempo, que me colocar na mira
de um psicótico que me enxergava como uma presa a ser capturada parecia
uma boa ideia, uma benção.
Cada dia mais me envolvia com o homem que sequer vi o rosto, um
criminoso, potencialmente perigoso, que poderia contar mentiras tão bem
arquitetadas, que acreditaria em todas elas. Mas eu estava disposto, corria o
risco e pretendia continuar. Masked Guy era um vilão para o mundo, mas
para mim, um herói.
Apesar da adrenalina da nossa relação manter minha mente desperta,
aquela emoção já não era mais o bastante para mim, porque a cada
conversa, cada ação de cuidado... meu coração se incendiava e eu sentia as
malditas borboletas no estômago.
Estava me apaixonando por ele.
Por ter dinheiro nos últimos dias, consegui comprar mais comida para
casa, e tomei café da manhã tantas vezes na lanchonete de gatinho, que
enjoei. Naquele dia preferi não passar lá, fiz meu próprio café e comi um
waffle antes de sair de casa.
Estava dentro do horário, coloquei os fones no ouvido e caminhei sem
pressa em direção ao ponto de ônibus com as mãos nos bolsos. Minha
palma formigava para enviar uma mensagem a Masked, não para questionar
sobre a câmera, mas para ao menos dar um ‘’bom dia’’, porém acreditava
que ele era ocupado demais para que eu ficasse importunando.
E numa transmissão de pensamento meu celular vibrou e ao olhar a
notificação era ele.
Não mais um número desconhecido.
[Masked Guy]: Bom dia. O que achou da primeira pista?
O canto do meu lábio subiu ao ver a mensagem. Voltei a prestar atenção
no caminho e assim que embarquei no ônibus, andei no corredor
observando cada rosto ali presente e então tomei meu lugar nos fundos,
próximo a janela.
Semanas antes eu estaria empolgado com a pista, porém àquela altura
havia me cansado de bancar o detetive, queria Masked ao meu lado, algo
que fosse além dos jogos.
[Você]: Bom dia. A pista é boa, acho que tenho uma ideia de quem
você seja... Dormiu bem?
[Masked Guy]: Vamos ver se você descobre. Dormi sim, e você?
Como está hoje?
[Você]: A noite foi boa, mas hoje estou com o desânimo de sempre.
Não queria ir para a Dermaceuticals, odeio essa empresa, meu sonho é
não pisar lá nunca mais.
[Masked Guy]: Posso ver um jeito de resolver isso.
[Você]: Obrigado, mas não tem como. O contrato envolve tantas
coisas.
[Masked Guy]: Sempre há uma maneira. Quer jogar League of
Legends hoje ou assistir mais um filme de terror online?
Olhei para a tela por alguns segundos, cheguei a digitar um “queria te
encontrar de novo hoje...”, mas meus dedos travaram, não consegui ter
coragem para enviar a mensagem, logo apaguei.
[Você]: Podemos assistir algo. Vai ser legal.
Afastei minha visão do celular para prestar atenção ao ambiente, estava
próximo do meu ponto. Levantei e puxei o sinal para descer na parada que
ficava antes da empresa, assim que desembarquei olhei a hora, estava
adiantado.
Nada de Wilhem gritando comigo hoje. Espero.
Quando ia passar pela cafeteria cor de rosa, desacelerei o passo para ver
o movimento por detrás da vidraçaria, estava cheio, principalmente de
homens de terno e gravata. Agradeci mentalmente por não ter ido lá naquele
dia.
Assim que cheguei em frente aquele prédio colossal e espelhado,
inspirei profundamente e soltei o ar devagar. Meu estômago sempre
queimava quando tinha que entrar ali, a cada degrau que eu subia,
suspirava.
Mais um dia aqui, menos um dia no contrato.
Passei pela catraca e peguei o elevador até o meu andar. A maioria dos
cubículos ainda estava vazio, faltavam dez minutos para o expediente se
iniciar, e acredito que as pessoas detestavam tanto aquele lugar, assim como
eu, que não queriam gastar um minuto a mais ali. Entravam na hora certa e
saíam no exato segundo do fim de expediente.
Com calma coloquei meus pertences na minha mesa e sentei de frente
para o computador com a tela desligada, só pretendia iniciá-lo quando desse
a minha hora.
Conforme o passe do ponteiro do relógio preso à parede branca do
setor, aos poucos os corredores eram preenchidos, e então, assim que o sinal
tocou indicando o começo do expediente, liguei a tela.
Às nove em ponto, Wilhem olhou por cima da divisória dos cubículos
para ver se eu estava presente. Aquilo era pessoal, aquele maldito me
escolheu como sua vítima, não sabia o porquê, já que eu era um bom
funcionário. Sempre resolvia os problemas, nunca faltava e sempre acatava
os pedidos alheios.
Durante todo o expediente dissociei do meu corpo, mantive a mente
longe do ambiente, enquanto apenas meus dedos trabalhavam e os códigos
saíam quase que automáticos, eu só queria ir para casa.
Quando faltava pouco tempo para acabar, prestei atenção a algo que eu
não havia notado antes. Carter, aquele inútil puxa-saco, não estava presente
no cubículo ao lado.
Aquilo era estranho, porque ele, apesar de imprestável, também não
faltava.
E com apenas dez minutos para o fim, a notícia veio em alto e bom som
da boca grande e fedorenta de Wilhem, que parou no meio do corredor do
setor para anunciar:
— Quero apresentar a vocês o nosso mais novo supervisor, Carter
Elordi!
Esse filho da puta foi promovido?
E numa desagradável surpresa, Carter abriu a portinha que havia ao
lado do corredor e saiu dela com o crachá pendurado, peitoral inflado e seu
sorriso malicioso nos lábios. Os outros funcionários aplaudiram, apesar da
expressão de desgosto, e eu estava tão perplexo, que nem mesmo consegui
fingir.
Poderia apostar que ninguém presente seria capaz de explicar como
aquele cara foi parar ali.
Mas, eu tinha a explicação: Carter Elordi não ganhou uma promoção
por mérito, ele ganhou por lamber as bolas de Wilhem e de outros
superiores. O inútil que se apoiava no meu trabalho durante todos esses
meses iria receber um salário maior, mais dias de folga e outros benefícios
às minhas custas. Era eu quem deveria estar naquela posição.
Senti a respiração fora de ritmo, as mãos estremeciam e o coração batia
tão forte que chegava a doer, eu estava quente e com os músculos rígidos, a
cada passo de Carter pelo corredor para receber as felicitações ao lado do
gerente, meu punho se fechava cada vez mais.
Ao chegar ao lado da minha mesa, os cantos de seus lábios se esticaram
tanto, que o sorriso maldoso se assemelhava ao gato de Alice no país das
maravilhas. Ele queria me provocar, eu sabia disso.
Tentei engolir a saliva antes das felicitações, mas a boca estava
extremamente seca.
— Parabéns, Carter — falei.
— Obrigado, Peter. — Colocou a mão sobre o meu ombro, o que me
fez apertar bem o punho. — Continue se esforçando que em breve você vai
conseguir uma promoção também... é um bom funcionário.
E naquele momento, eu dei um soco no meio do rosto dele.
Tudo bem, vou ser honesto com vocês, essa última coisa não aconteceu.
Mas eu queria que tivesse rolado, ele merecia.
— Fico feliz por você. — Olhei para Wilhem, que se apoiava em
Carter. — Já que o Elordi foi promovido, quem vai dividir as tarefas da área
comigo agora?
O gerente arqueou as sobrancelhas como se eu tivesse acabado de
perguntar um absurdo.
— Como assim? A partir de agora você vai lidar com as tarefas
sozinho.
Carter riu baixo e se afastou.
— O quê?! Por que eu vou fazer tudo sozinho? Isso é muita coisa pra
um só programador! — Sem querer aumentei o tom de voz e a minha
tremedeira saiu até mesmo no timbre.
— Precisamos fazer uma contenção de gastos e sei que você é muito
bom no que faz, Peter. — Wilhem deu duas batidinhas em meu ombro. —
Vai saber lidar com isso sozinho.
Ele deu as costas para mim e foi em direção a saída sem acrescentar
mais nada, era aquilo e ponto. Fechei os olhos e inflei os pulmões, meu
corpo por inteiro estremecia e eu não me aguentei em dar um soco sobre a
mesa.
Soltei o ar ofegante, eu bufava de ódio e os olhos ardiam em resposta
ao sentimento que ficou tão grande, que estava prestes a transbordar.
Porém, ainda que o setor estivesse se esvaziado com o horário de saída, eu
não queria que ninguém ali presente me visse chorar.
Guardei as minhas coisas, levantei da cadeira e andei com o rosto
rígido, tentando manter a expressão de paisagem até conseguir abrir a porta
do banheiro e entrar em uma das cabines.
O misto de sentimentos era tanto que eu precisava descontar em algo, e
assim que vi o rolo de papel higiênico, comecei a puxar as folhas e rasgar,
deixando diversos picotes pelo chão, bati os pés, coloquei a mão sobre os
lábios e abafei o meu grito.
Então, como um bom perdedor, sentei sobre a tampa do vaso e permiti
que as lágrimas escorressem. Eu chorei, chorei tanto que cheguei a soluçar
e minha cabeça doía por não aguentar mais.
Preciso falar com alguém.
Puxei o celular do bolso e sem checar duas vezes liguei para Masked.
Ele não demorou muito para me atender.
— Pete, Pete o que está acontecendo? O que fizeram com você?! — O
mascarado pareceu desesperado apenas ao ouvir os meus soluços do outro
lado da linha.
— Conversar, eu preciso, fala comigo, por favor...
— O que aconteceu? Quer que eu vá te buscar?
Inspirei profundamente e soltei o ar devagar tentando me acalmar para
que conseguisse formar uma frase direito.
— Pode me encontrar? — Levei a mão aos olhos ardidos sob os óculos
para secar a vista. — Eu tô precisando muito conversar com alguém, não
vou saber como aguentar mais isso...
— Claro, posso... posso sim.
— E pode ser sem a máscara?
— Pete...
— Vou ser sincero com você, Masked... eu, eu estou gostando de você,
muito, e queria que a gente pudesse... não sei, levar adiante, sabe? Mas não
consigo fazer isso sem saber quem você é, sem nunca ter visto o seu rosto.
— Eu também estou gostando de você, Peter. Gostando, não,
apaixonado.
— Então faça isso por mim, por favor...
O ouvi suspirar do outro lado da linha.
— Tudo bem. Quer me encontrar sem a máscara? Vá até a cafeteria de
gato que fica próxima ao seu trabalho e me espere lá, eu irei te ver.
— Certo.
Desliguei.
Quando consegui aliviar o sentimento, respirei devagar, catei os
papeizinhos para jogar no lixo e deixei a cabine. Passei a mão pelo rosto
enquanto andava pelos corredores escuros em direção a saída, tentando
aliviar a vermelhidão.
Assim que saí do prédio, olhei para o céu. Minha pulsação se mantinha
acelerada, mas daquela vez por outro motivo.
Ainda que eu descesse os degraus o mais rápido que podia, era como se
o tempo retardasse, minhas pernas estavam pesadas durante a corrida, a
respiração tão densa quanto o ar da noite e os pensamentos, diferentemente
do corpo, velozes com tanta informação. Foi o momento mais esperado por
mim há semanas.
Passei pela porta da cafeteria e fiquei parado frente à entrada. Poucas
mesas estavam ocupadas, as que haviam pessoas, sequer me deram um
segundo de sua atenção. Ele ainda não estava ali.
Aliviei os pulmões e peguei uma mesa. Direcionei minha visão para o
caixa e a atendente nem ao menos era a mesma que me atendia pelas
manhãs, na verdade, até o público era outro, mais adolescentes e jovens
alternativos.
Meus dedos inquietos batucavam a mesa e as pupilas não paravam de
balançar de um lado para o outro. Puxei o celular e mandei mensagem para
ele.
[Você]: Cadê você? Estou aqui já.
Mordisquei o lábio e a partir daquele momento não eram apenas as
mãos que se tornaram inquietas, meus pés também batiam no chão. Desviei
a atenção da tela para o ambiente e ninguém mais entrou ali.
— Oi! O senhor quer fazer o pedido? — A atendente falou alto para
mim, mantendo um sorriso simpático no rosto.
— Ah, não, não! Eu meio que... estou esperando alguém antes de pedir!
Guardei o celular no bolso esperando que ele me notificasse da resposta
e me mantive atento nas coisas que aconteciam ao meu redor. No cheiro do
café recém-moído, os salgados frescos, as fofocas dos adolescentes e
assuntos desinteressantes do casal ao lado que tentava, um impressionar o
outro.
Muitos minutos se passaram e então o desespero bateu. Alternei meus
olhos entre a tela do celular e a cafeteria. Pedi um café para que
permanecesse por mais tempo ali, sem parecer estranho.
E então eu esperei.
Esperei mais.
E a cada minuto o estabelecimento se tornava menos movimentado e o
café esfriava. Até que se tornou completamente vazio e parte das luzes se
apagaram.
— Senhor, preciso que saia, iremos fechar.
Masked não apareceu.
Eu não deveria ter ferido o Pete daquele jeito, tinha que ter passado por
aquela porta, enfrentado meu receio de mostrar o rosto sem a máscara, mas
não consegui, meu corpo travou, meus pés não me permitiram atravessar a
rua.
O mais doloroso para mim foi observar através do vidro a mudança de
expressão em seu rosto a cada minuto que se passava, antes, ele estava com
os olhos bem abertos, agitado, esperançoso... depois, seu corpo aos poucos
se envergou, recolheu os ombros e os cantos dos lábios se voltaram para
baixo. Ele sabia que eu não apareceria.
Eu sempre tive audácia, para tudo, entretanto naquele momento... não
passei de um covarde. Sequer criei coragem de mandar mensagens no dia
seguinte, porque tinha noção de que seria ignorado, e com razão. Em
algumas horas arruinei tudo, mas ele não se livraria de mim, resolveria a
situação, porque éramos destinados a ficar juntos. Peter Reid me pertencia.
Me apoiei sobre o mármore da pia e encarei o espelho, o topo dos
cabelos estavam mais altos e as laterais, que antes estavam raspadas,
também cresceram, as olheiras arroxeadas se tornaram evidentes... e o rosto
visivelmente cansado. Nos últimos dias os Hunters arrumaram um
problema que tomou uma proporção maior do que deveria.
Mexemos com o bilionário que fez um esquema grande de tráfico
sexual e exploração infantil. E a questão que piorava tudo ainda mais, era
que outras pessoas influentes estavam envolvidas, o que fez com que
Shadow não se sentisse satisfeito apenas em reter e doar a grana, ele expôs
absolutamente tudo.
O caso tomou uma proporção tão estratosférica, que a polícia se
envolveu, alguns famosos morreram misteriosamente por overdose ou
suicídio e o efeito dominó chegou até nós, colocando o grupo fora das
sombras da internet.
Apesar do sentimento de angústia, não podia ter raiva do Shadow por
isso, porque ainda que ele tivesse chutado o balde, aceitar apenas o dinheiro
sujo daquele ricaço para fechar os olhos diante da questão, seria colaborar
com o problema.
Sequei o rosto e esfreguei os cabelos com a toalha para tirar a umidade
antes de vestir as roupas para sair. Iríamos nos reunir na casa do Zero para
conversar sobre o que faríamos, porque a linha se estreitava cada vez mais,
e com a inteligência da polícia na nossa cola, as barreiras para chegarem até
nós eram quebradas com uma velocidade cada vez maior.
Coloquei uma blusa branca por debaixo da jaqueta preta, calças escuras
e coturno, quando fui pegar o pano para amarrar no rosto a fim de cobrir a
cicatriz, parei por alguns instantes. Levei os dedos à marca sobre meus
lábios, muitas vezes eu me questionava quando iria superar, passaram-se
mais de treze anos desde o ocorrido, mas algumas cicatrizes marcam a
alma.
Não havia um dia que não recordasse da noite em que ganhei o corte no
rosto, todas as vezes que me olhava no espelho as memórias vinham à tona.
Foi a noite em que fui embora, a mesma que abri mão da minha mãe.
Ela e o namorado estavam bebendo na sala, criando algazarra, quando
voltei das entregas, e eu pretendia subir para o meu quarto e trancar a porta
a fim de evitar o barulho, até que ouvi o homem falar sobre alguns
comprimidos que ele trouxe para ela.
O maldito estava mantendo minha mãe viciada para que ficasse
dependente, ou que o corpo se tornasse tão indefeso, que ele se apropriasse
como quisesse. Não podia permitir mais aquilo, não de novo, então reagi.
Tinha apenas quatorze anos quando dei meu primeiro soco em um
homem adulto, que sequer saiu do lugar, ele me empurrou, quebrou a
garrafa de bebida e usou o caco para me ameaçar. Minha mãe pegou o vidro
das mãos dele e eu acreditei que seria para me defender, que pela primeira
vez retribuiria minha proteção, porém quando tentei ir para cima do homem
de novo, tomei um golpe dela no rosto.
As gotas vermelhas e espessas sujaram o tapete, mas o sangue estava
tão quente que eu não senti arder, queimar, nada. Na verdade, sequer
acreditei que aquilo tinha acabado de acontecer. Fiquei parado, sem
conseguir falar ou me afastar diante dos seus gritos mandando que eu fosse
para o quarto.
Ao invés de obedecê-la, saí para o banheiro e a primeira coisa que fiz
ao trancar a porta foi me olhar no espelho. Lembro até hoje da dor
esmagadora que senti ao ver o meu reflexo, os pulmões queimavam com o
sentimento e as lágrimas desceram sem permissão. Eu me entreguei ao
choro, não pela marca em si, mas por quem a fez. Daí vi que aquele
ambiente não era para mim, eu não tinha mais espaço.
Tive que sair, não conseguiria salvá-la. E se tentasse mais, eu quem
morreria.
Antes de deixar o apartamento, fechei as janelas e as cortinas, acendi a
luz do terrário e alimentei a Seraphine, então saí no corredor e desci até a
garagem para subir na moto rumo ao condomínio de casas onde Zero
morava.
De todos nós, Taehyun era o que mais levava uma vida comum fora da
internet. Morava com a mãe em uma casa simples de dois andares em um
bairro tranquilo, saía todas as sextas-feiras para festas, ia em encontros e
mentia para a mãe dizendo que sua renda vinha do trabalho em home office
que ele conseguiu pelo LinkedIn. Ela não questionava, obviamente, afinal, a
grana era boa... e Zero tomava todo cuidado para não ostentar de forma que
parecesse suspeita.
Não morávamos tão distantes, assim como o meu, o bairro de Tae era
afastado do centro de Manhattan. Durante a viagem, fiquei atento no celular
a fim de perceber se receberia alguma mensagem, e a cada vibração eu me
sentia ansioso para saber de quem era.
Esperei parar em um sinal fechado para olhar as notificações e todas
eram apenas dos Hunters, nada de Peter, nem mesmo um texto agressivo
dizendo que não queria me ver mais ou uma exigência de justificativas, era
o mais profundo silêncio.
Abri o aplicativo que mostrava a imagem das câmeras que instalei em
sua casa, era final de semana e ele estava deitado de lado no sofá assistindo
algo que passava em sua televisão, com a pura expressão de tédio.
Ao ouvir uma buzinada, que me alertou do sinal aberto, guardei o
celular e segui caminho. Assim que cheguei em frente à casa de Zero, notei
que o Porsche de Monster estava ali, assim como a moto de Shadow.
Fui o último a chegar. Parei a minha Kawasaki próxima da moto de
Zack, retirei o capacete e caminhei pelo pequeno jardim de flores amarelas
que havia ao lado do portão de garagem, em direção a entrada daquela casa
branca de janelas largas.
Toquei a campainha e mesmo do lado de fora ouvi uma falação.
Ninguém me atendeu, então apertei firme no botão, apitando sem parar até
escutar um grito de “estou indo!” que foi bem grave e apressado.
Não demorou muito, fui recepcionado pelo anfitrião. Zero estava de
bermuda preta, descalço e sem camisa... eu achei uma péssima escolha ele
optar por deixar o tronco à mostra, já que seus ombros estavam com
mordidas e próximo dos mamilos haviam alguns chupões. Não consegui
deixar de reparar.
— Shadow quem fez isso?
Tae riu.
— Cala a boca e entra logo, você tá atrasado. — Ele se afastou da
porta, me dando passagem.
Entrei olhando para os cantos da casa e arqueei a sobrancelha ao ouvir
Logan falando alto sobre a corrida da noite passada e como conseguiu
despistar a polícia depois do racha.
— Sua mãe não está em casa? — perguntei.
Zero ergueu os ombros e os cantos de seus lábios se repuxaram para
baixo.
— Não, ela saiu pra um evento da igreja, mas ao menos deixou alguns
sanduíches prontos.
A decoração da casa de Taehyun era tão simples quanto o exterior, as
paredes eram claras, os pisos de madeira escura e os móveis eram poucos,
as cores combinavam com o chão e seguia uma estética mais minimalista,
exceto as paredes que se enfeitavam com diversos retratos de Tae quando
criança, dele com sua mãe e algumas fotos em família, principalmente com
os avós.
Ao chegar na sala, encontrei com Monster sentado de pernas abertas na
poltrona bege gesticulando exageradamente enquanto contava da sua insana
noite e Shadow de costas para mim no sofá, ouvindo atentamente, ou quase
isso... petiscando os pequenos sanduíches que estavam na mesa à frente.
Quando Logan desviou sua atenção para mim, Zack virou o rosto de
lado para me ver, arqueou as sobrancelhas e entreabriu os lábios por
segundos antes de falar.
— Demorou muito, sendo que você mora aqui do lado!
— É porque eu não dormi aqui que nem você, Shadow — falei, seguido
por um sorriso e recebi um dedo do meio erguido como resposta.
Me joguei no sofá ao lado dele e Zero sentou na outra poltrona,
próxima de Monster e de frente para nós.
— Não acham melhor irmos para um local mais reservado pra
conversar sobre isso? — Shadow levantou ambas as sobrancelhas e rondou
os olhos pelos cantos da casa. Abaixou ainda mais o tom de voz. — Talvez
no porão, quarto ou escritório?
Zero revirou os olhos e soltou o ar devagar.
— Relaxa, ninguém vai ouvir a gente, o condomínio fica mais vazio
aos finais de semana e se falarmos sem gritar, não dá pra escutar nada do
que é conversado aqui dentro.
Zack olhou de canto para mim.
Ergui os ombros.
— Acho que não é para tanto, podemos conversar aqui, só que um
pouco mais baixo.
— É, Shadow, relaxa — Monster reafirmou.
— Tudo bem, a questão é a seguinte... — Zack colocou seu celular
sobre a mesa, onde haviam algumas fotos de pessoas em formato de
mosaico. — Precisamos parar as ações por um tempo, isso porque a
inteligência da polícia está a ponto de conseguir rastrear os nossos IP’s,
além disso, estamos também sendo procurados por uma equipe contratada
por Spencer.
— O cara pode fazer isso estando na cadeia? — Zero levantou a
sobrancelha.
— Spencer é um bilionário, quase tudo ele pode fazer. — Cruzei os
braços. — Esse é o maior problema.
— A gente tá fodido... — comentou Logan.
— Mas eu sei uma forma de conseguirmos retomar a ativa e criar novas
barreiras virtuais que protejam as nossas identidades, só preciso de um
pouco mais de tempo.
— Tipo, quanto tempo, Shadow? — perguntei.
— Uns três dias, talvez uma semana no máximo.
Ouvi a respiração de alívio de Monster e Zero. E apesar de não ter
demonstrado, eu também senti como se um peso estivesse saindo das
minhas costas, jamais poderia ficar um tempo longo sem as extorsões,
principalmente depois que me propus a ajudar Peter com o dinheiro.
— Agora, outro ponto que eu queria conversar é o seguinte...
Shadow começou a expor as outras formas para lidarmos com a
investigação e sobre o rumo dos alvos que estavam envolvidos nela,
estarmos nos holofotes não foi algo inesperado por ele, Zachiary sabia
exatamente o que estava fazendo quando revelou a merda toda.
Passamos boa parte da tarde refazendo estratégias, porém no meio do
assunto comecei a divagar. Meus pensamentos se alternavam entre o
presente, do que estava acontecendo, e na noite anterior, em que falhei com
Peter.
Olhei algumas vezes discretamente para o celular a fim de ver se teria
alguma notificação dele, porém não havia nada e quando abria as imagens
das câmeras de sua casa, ele continuava zanzando por ela, indo do sofá para
a sala e da sala para a cama.
— Dean... tá tudo bem? — Zack perguntou, bem no momento em que
eu estava com a cabeça baixa para o lado espiando a tela.
Levantei o rosto rapidamente num susto e arregalei os olhos.
— Tá, está sim.
— Não, tá não. — Monster cruzou os braços. — Está estampado nos
seus olhos a preocupação... você é mais expressivo do que pensa. O que tá
pegando? É o nerdinho?
— IIIh, tá apaixonadinho!— Zero falou alto.
Fiquei em silêncio, até que Shadow me deu uma cotovelada de leve na
costela.
— Fala logo o que teu passarinho fez.
Soltei o ar devagar e encostei o pescoço no apoio do sofá.
— Na verdade eu quem fiz merda. Peter está apaixonado por mim e eu
por ele, só que... ele não quer levar adiante a relação enquanto mantiver
meu rosto escondido.
— Porra, mais do que justo, né? Como que se namora com alguém que
você nunca viu a cara? — Tae questionou.
— É, ele está certo sobre isso, mas... a questão é que combinei de vê-lo
ontem na cafeteria em que trabalho, afirmando que revelaria a minha
identidade. Só que tive medo. Não consegui ir falar com ele. — Abaixei o
rosto e encarei os três.
Logan foi o mais expressivo deles, entreabriu os lábios e seus olhos
estavam tão saltados que foi como se estivessem prestes a cair do rosto.
— Puta merda, você deu um bolo nele?!
— Sim. Eu não apareci.
— Não vou conseguir te defender nessa, Dean. — Zack encostou no
sofá e colocou os dois braços sobre os apoios. — O que te deu medo?
— Tenho receio de que Peter tenha expectativas frustradas sobre mim
quando descobrir a minha identidade, ele conhece o Masked Guy, não o
Dean Hunter. Além do mais, com certeza vai comentar sobre a cicatriz. —
Respirei audivelmente.
— Sendo sincero, se o Peter realmente está apaixonado por você, não
vai dar para trás ao te conhecer de verdade, e não estou falando só de
aparência, até porque você é bem bonito, mas sim no sentido de que você é
o Masked Guy. Não são duas pessoas diferentes, Dean... ele também tem
um pouco de você. E aposto que enquanto falava com Peter, durante os
momentos que esteve perto dele, deixou transparecer quem estava por
detrás da máscara — Logan disse.
— Concordo. E sobre a cicatriz... ela tem mais a ver com você do que
com ele — Zack reforçou.
Fiquei reflexivo por um momento, aquilo fazia sentido. Peter sabia dos
meus gostos, de algumas das minhas inseguranças e motivações... eu
entreguei, mesmo sem querer, parte de mim para ele.
E Peter não queria apenas uma metade, ele me desejava por inteiro.
— Mas agora não sei o que fazer, arruinei tudo.
— Ele disse o que quando você mandou mensagem no dia seguinte? —
Taehyun questionou.
— Não mandei mensagem.
— Meu Deus, e o que você tá fazendo ainda sentado aqui? Vá atrás
dele! — Logan se levantou da poltrona e apontou para a porta. — Aproveita
que não mandou mensagem pra ir falar pessoalmente.
Arqueei as sobrancelhas e olhei para Zero, que fez bico e então ao dar
atenção ao rosto de Shadow, ele franziu a testa, ergueu os ombros e disse:
— Sai logo daqui.
— É, vou fazer isso. — Deixei o sofá e me afastei até a porta. Olhei-os
pela última vez, que estavam atentos em mim. — A gente se fala depois.
— Vá reconquistar o seu homem! — Zero gritou.
Uma risada baixa escapou de mim antes do adeus.
Saí da casa com certa pressa, os passos estavam tão acelerados quanto
as minhas batidas. Montei na moto, coloquei o capacete e parti em direção
ao Peter. O ponteiro do velocímetro não parava de trepidar, quase que se
equiparando ao ritmo do ar que saía e entrava em meus pulmões. A emoção
de ansiedade se misturava ao medo.
Não sabia o que esperar e não pretendia pensar mais sobre para não
falhar de novo.
Quando deixei o bairro de Zero o sol ainda estava presente, mas
conforme eu me aproximava do destino o céu alaranjado aos poucos se
escureceu e quando cheguei na rua de Peter, já estava noite.
Harry, que estava do lado de fora pegando suas encomendas na
caixinha de correios, deu as costas e uma breve corrida para a garagem
quando me viu estacionar a moto bem em frente à casa ao lado.
Retirei o capacete e o deixei pendurado no guidão, ajeitei a jaqueta,
respirei fundo e atravessei o gramado, subi os degraus e bati em sua porta.
Primeiro, dei apenas um toque, que pareceu não ter sido ouvido, então bati
mais três vezes e esperei.
Demorou tanto que acreditei que ele sabia que era eu, ou que talvez
estava fingindo que não havia ninguém em casa só para não ter nenhuma
importunação, mas Peter atendeu.
Seus olhos estavam arregalados e brilhantes, os lábios se mantiveram
afastados após puxar o ar e as sobrancelhas se franziram ao se deparar
comigo.
— Meu nome é Dean... Dean Hunter.
Sem dizer uma palavra, Peter deu dois passos para trás, permitindo que
eu entrasse, enquanto ainda mantinha o olhar incrédulo sobre mim. Fechei a
porta e encarei suas íris claras, que aos poucos se alagavam com lágrimas
que ele não deixou serem derramadas.
— Eu sou um hacker extorsionário, mas durante as manhãs trabalho em
um gato-café. Um emprego de meio-período que arrumei apenas para tentar
me aproximar do cara de blusa branca e gravata vermelha que aparece lá
quase todas as manhãs... — Senti um aperto no peito e a visão marejada. —
Mas que nunca olhou no meu rosto por estar sempre com pressa ou
aprisionado dentro da própria cabeça.
— Por quê?... Por que você não apareceu ontem? — Aproximou-se de
mim. — Eu esperei a noite toda e...
— Porque não queria que se afastasse ao descobrir quem é a pessoa por
trás de Masked Guy. — Levei as mãos para a posterior da cabeça, meus
dedos tremulavam enquanto desatava o nó do tecido que cobria parte do
meu rosto. Ao deixá-lo cair, Peter direcionou os olhos para a cicatriz. — Por
favor, não pergunte sobre isso.
Ele deu mais dois passos para perto.
— Eu não vou.
Ergueu os calcanhares do chão e inclinou o rosto. Com sutileza
encostou seus lábios na minha marca. Eu não queria demonstrar fragilidade,
gostava de parecer sempre forte para protegê-lo, contudo naquele momento,
apenas com um beijo, Peter Reid me desarmou e me permitiu derramar uma
lágrima.
Fui abraçado, seu rosto encostou em meu peito e eu o envolvi em meus
braços.
Em silêncio, me senti acolhido.
Peter levantou o rosto para me beijar e ao tocar meus lábios nos dele, o
coração voltou a bater mais forte.
— Como ficaremos agora? — ele perguntou, alternando sua atenção
entre meus olhos e a boca.
— Você tem ambas as partes de mim, ficaremos da forma que quiser.
— Abri um sorriso lento e Peter expressou o mesmo.
— Então... eu posso ter um encontro com o Dean Hunter?
Afirmei.
— Terá o que quiser.
Eu conheci a identidade de Masked Guy. Jamais imaginei que fosse o
barista do gato café, do qual nunca reparei por estar sempre desnorteado
com os horários perto da empresa.
Por trás da máscara assustadora e atitudes moralmente questionáveis
havia Dean Hunter, um homem gentil, carinhoso e romântico, que apesar de
tentar esconder suas fragilidades, demonstrou ser alguém vulnerável, o que
o tornou ainda mais interessante para mim.
Na noite em que Dean me mostrou sua face, ficamos por um tempo
conversando cara a cara, eu estava curioso, queria saber mais dele, porém,
algumas coisas me foram poupadas, como o seu passado e, principalmente,
sobre os crimes que ele cometia. Fora isso, Dean não possuía ensino
superior, era um homem de poucos amigos, que tinha uma cobra de
estimação e, como hobbies, malhar e jogar League of Legends.
Inclusive, eu já falei pra vocês que ele é melhor que eu no LoL?
E naquele final de semana sairíamos pela primeira vez em um encontro.
Não fazia ideia do que ele planejava, mas prometeu que seria legal.
Meu coração batia forte, a mente estava acelerada e eu sentia um frio na
barriga. Vesti diversas combinações de roupas várias e várias vezes,
nenhuma parecia estar boa, na verdade, não sabia o que vestir. Já que não
tinha noção de para onde iríamos, deveria estar pronto para tudo.
Eram 15:30h quando a notificação chegou ao meu celular, e eu ainda
estava apenas de cueca preta observando o amontoado de roupas emboladas
sobre a cama. Levei o polegar entre os dentes e apoiei a outra mão na
cintura. Estava a ponto de cancelar tudo.
O celular vibrou novamente com outra mensagem. Caminhei até a
bancada onde ele estava apoiado e toquei na tela.
[Masked Guy]: Já tá pronto? Estamos quase na hora.
Há quinze minutos.
[Masked Guy]: Estou indo aí te buscar.
Entrei em pânico.
— Meu Deus, eu já estou estragando tudo! — Peguei uma blusa de
meia manga canelada e cinza e calças jeans. Não era lá aquelas coisas, mas
achei que deveria servir, só esperava que Masked não me levasse para
nenhum lugar de luxo vestido daquele jeito.
Calcei os tênis, guardei nos bolsos o celular, carteira e fui até a sala
verificar se estava tudo fechado. Olhei de canto para Vi, que já estava
alimentada e feliz em seu aquário, nadando de um canto para o outro.
— Eu tô muito nervoso, Vi. Vai ser a primeira vez que vou sair com ele.
Se Dean me levar para algum lugar chique vou querer vir embora, já que
com certeza vão me julgar por estar vestido assim... — Olhei para as
minhas próprias vestimentas e soltei um suspiro longo.
A relação que construí com Dean me deixava num limite perigoso da
sanidade. Ao mesmo tempo em que me apeguei a ele por vê-lo como uma
fuga da rotina, a quebra no looping, também era algo que, se desse errado,
me levaria ao declínio numa velocidade maior que antes.
Creio que meus pais também notaram que eu andava melhor, não só por
conseguir enviar mais grana, mas porque tinha outras novidades para contar
pra minha mãe. Eu não apenas mentia que fiz amizades, contava
experiências. A saída para a festa, as noites de filmes de terror, as risadas
nos jogos online... tudo com ele, Masked Guy.
Ouvi as buzinas na parte da frente de casa e então corri para a janela e
abri uma pequena brecha nas cortinas para espiar. Dean estava com sua
moto estacionada na minha calçada, com um capacete sobre a cabeça e
outro apoiado no guidão. A roupa era diferente do usual, calças de
alfaiataria preta com cinto, blusa branca lisa por dentro da calça e um colar
de prata discreto.
— Merda, ele parece social demais... — Soltei o ar audivelmente.
Olhei para trás cogitando em trocar de roupa, até que ele buzinou de
novo e de novo, chamando a minha atenção e pegou no celular. Naquele
momento, fechei as cortinas e me afastei da janela, daí veio a notificação.
[Masked Guy]: Te darei 30 segundos para sair.
Inflei o peitoral e prendi a respiração por alguns segundos, expirei,
balancei os ombros e saí. Do lado de fora, acenei para ele, com o cotovelo
junto ao corpo e franzi as sobrancelhas, tentando forçar um sorriso.
Desci os degraus e me aproximei, Dean estendeu a mão com o capacete
para mim.
— O que houve? — ele perguntou.
— É que, sei lá, tô meio nervoso de esse ser o nosso primeiro encontro.
Além disso, eu não gostei muito da roupa que escolhi.
Dean ergueu a viseira de seu capacete e elevou as sobrancelhas
enquanto seus olhos me inspecionaram desde o fio levantado de frizz do
cabelo até a ponta suja do tênis mal lavado.
— Está lindo como sempre. E essa é a sua melhor camisa.
Juntei o cenho.
— Como assim a minha melhor camisa se eu nunca usei ela? — Ri.
Ele apenas ergueu os ombros e inclinou novamente o capacete para que
eu pegasse, sem dizer uma palavra a mais.
Que idiota fui em perguntar isso, a resposta é óbvia.
Coloquei o capacete e subi em sua garupa, envolvi meus braços em sua
cintura e o apertei firme. Assim que a moto deu partida, colei meu rosto nas
costas dele e fechei os olhos durante a viagem.
As principais ruas de Manhattan aos domingos ficavam vazias,
principalmente em fim de tarde. O que fez com que Dean seguisse pelas
vias acelerando sem se preocupar com o trânsito, o que me levou a sentir o
corpo gélido todas as vezes em que ele ultrapassava um sinal vermelho ou
passava rápido por alguma curva sinuosa demais.
Apesar de eu apertar forte seu corpo pelo medo, ao mesmo tempo
gostava da sensação, me sentia vivo com a brisa batendo em meus braços e
o aquecer do sol em minha pele. Estava completamente viciado na
adrenalina.
Conforme nos aproximávamos do destino, a velocidade diminuía, até
que chegamos em frente ao Central Park. Ele estacionou a moto, desceu
dela e me entregou sua mão para que me ajudasse a descer, ainda que não
precisasse.
Ele removeu seu capacete, exibindo o rosto coberto por uma máscara
cirúrgica e me ajudou a tirar o meu também, colocando os dois presos à
moto. Eu não sabia o que ocasionou aquela cicatriz em Dean, prometi não
perguntar, mas pude afirmar que foi algo muito traumático para ele,
principalmente porque a marca em um lado de seus lábios não era algo que
afetasse sua beleza, decerto não era puramente estético.
Assim que passamos pelos portões do parque, senti a ponta de seu
indicador encostando timidamente no meu, não recuei a mão, permiti que
ele a segurasse, entrelaçando os nossos dedos.
O rosto ficou quente e um frio subiu a barriga, direcionei os olhos para
ele que estreitou seu olhar para mim, como se sorrisse sem precisar mostrar
os lábios.
Acho que seus olhos eram o que mais havia de chamativo no rosto dele,
e não estou me referindo ao tom esverdeado, não, mas sim porque Dean
conseguia se expressar perfeitamente com eles, sem requerer uma palavra.
Até hoje me lembro de sua visão compenetrada na minha por detrás da
máscara, quando o encontrei pela primeira vez, e como conseguiu me fazer
sentir intimidado e ameaçado apenas com isso.
Caminhamos de mãos dadas dentre as árvores naquele fim de tarde,
tinham poucas pessoas por ali àquela hora, o que deixava os animais que
moravam no parque ainda mais à vontade para aparecerem, então vi alguns
esquilos perto dos troncos e pássaros voando de um galho para o outro.
Seguimos um longo percurso em silêncio, até que chegamos perto da
Bow Bridge, a ponte que ficava acima do lago artificial do Central Park e
assim que alcançamos o meio da ponte, Dean parou e virou para mim.
— Você não disse nada desde o momento em que chegamos.
— Desculpe. — Abaixei o rosto, mas ele apoiou a mão sob meu queixo
para erguer meu olhar em sua direção.
— Pelo quê?
— Por não dizer nada. É que... eu penso tanto, que na hora de falar as
vezes não consigo escolher bem as palavras. Estou meio nervoso.
— Não tem porque se desculpar por isso, não desgostei, foi apenas um
comentário, passarinho. — Ergui a sobrancelha com o apelido. — Você é
silencioso, e eu aprecio a quietude. É o que me traz paz.
Lentamente um sorriso apareceu em meu rosto.
— Dean... por que me chama de passarinho?
Ele deu uma risada curta e discreta.
— Porque, pra mim, assim como um pássaro na gaiola, você está preso.
Preso em sua casa, ao seu trabalho, e, principalmente, na sua cabeça. E tudo
que precisa é de uma chance de escapar para lembrar que sabe voar.
Entreabri os lábios.
Apesar da analogia que poderia ser aplicada a outros animais, fazia
sentido. Era exatamente assim que eu me sentia na maior parte do tempo.
Preso. Encarcerado pela rotina e refém de um contrato.
— E por que não peixinho? Peixes também estão presos, só que em
aquários.
— Eu gosto mais de pássaros.
Sorri sutilmente e notei seus olhos se estreitarem.
Dean afagou meus cabelos, depois apoiou o cotovelo na borda da ponte
e encostou as costas. Me coloquei ao seu lado para a admirar as águas
esverdeadas do lago. Uma brisa suave e abafada de fim de tarde passou por
nós.
Aquele lugar realmente era bem bonito, e me deixou menos tenso sobre
o encontro.
— Naquele dia em que me ligou... o que aconteceu na empresa? —
Voltou os olhos para mim.
Suspirei, mantendo a atenção nas águas.
— Não foi nada.
— Peter, você não conseguirá mentir pra mim por muito tempo. Eu
consigo saber de cada passo seu.
Movi minhas íris em direção as dele, encarando-o.
— É que não quero que tome uma atitude perante ao que vou dizer,
Dean. — Apertei os dedos e tentei manter minha atenção em seus olhos
para demonstrar firmeza, por mais que a vontade fosse de desviar. — A
atitude que você tomou quando quebrou o carro do Wilhem foi até boa, mas
algo além disso pode me afetar de alguma forma. Então promete que não
vai fazer nada com os envolvidos se eu contar?
Sua sobrancelha subiu.
— Então tem a ver com o Wilhem?
— Não! Quer dizer, sim, mas você me promete que não fará nada? Que
vai apenas me ouvir? Porque às vezes tudo que eu quero é desabafar.
Consegui escutar sua respiração pesada.
— Tudo bem.
— É que eu já estou no meu limite com aquela empresa. No meu setor
eu dividia as tarefas de correção de bugs e modificações na área do cliente
com um outro cara, mas que ele não fazia nada além de empurrar boa parte
do seu trabalho com a barriga e puxar o saco do gerente. Daí, descobri que
foi promovido. — Ergui os ombros e olhei para frente. — Carter vai receber
um salário melhor, mais dias livres... tudo às minhas custas, e ainda ficarei
sozinho com os serviços que eram divididos por dois.
Dean levou a mão à minha nuca e a acariciou, o que fez com que todos
os pelos do meu corpo se erguessem e eu retomasse a atenção para ele.
— Como funciona esse contrato que te prende?
— Ele só serve pra essa unidade da Dermaceuticals, mas basicamente
tenho que cumprir um ano inteiro lá para conseguir sair sem perder os
direitos, sem problemas jurídicos ou ficar manchado para outras empresas,
já que a Derma é bem influente e...— Enquanto eu falava, notei que em um
certo momento Dean parou de me encarar para se ater ao celular.
Me calei, acreditando que ele não estava dando a mínima, até que disse:
— A Dermaceuticals pertence ao grupo de S’kin do bilionário Jeremy
O’Bryan, que engloba o controle de outras seis multinacionais. Por isso os
contratos são tão abusivos e amarram seus servidores até os pés, porque
criou um monopólio que não te permite escapatória. — Seu dedo tocou na
tela.
— É... exato.
— Mas... se o seu contrato vale apenas para aquela unidade... —
Guardou o celular no bolso e voltou os olhos aos meus, estreitando-os. — O
que acontece caso ocorra algo com aquele prédio?
Mordi o lábio inferior, reflexivo.
— O que está sugerindo?
— Nada, apenas querendo saber se você sabe o que acontece.
— Eu... eu não sei o que acontece, não me lembro dessa parte do
contrato.
— Creio que dê para resolvermos isso. — Dean desapoiou as costas da
borda da ponte e estendeu a mão para mim. — Agora vem, está quase na
hora.
Segurei em sua mão, sentindo a palma quente e entrelacei os dedos nos
dele, voltamos a caminhar pelo parque.
— Não preciso que você resolva todos os meus problemas, Dean.
Acredito que já deva ter preocupações demais com o que você faz. Só de ter
alguém para me ouvir já ajuda muito. — Sorri e notei seus olhos brilhantes
se estreitarem com o inflar das bochechas. — Estamos quase na hora de
quê?
— Você vai ver. — Ele colocou a mão livre dentro do bolso.
Andamos juntos pelo gramado do Central Park e paramos no meio para
observar o pôr do sol. Apesar de eu estar vislumbrado com o céu em tons de
roxo e laranja, como se fosse a primeira vez que assistia o deitar do sol,
notei pela visão lateral que Dean prestava mais atenção em mim do que no
espetáculo da natureza.
Pode parecer bobo eu ter me impressionado com algo que acontecia
todos os dias, mas passei tanto tempo preso em casa ou na empesa que
sequer enxergava as mudanças do céu, mal sentia o clima ou conseguia me
ater ao que acontecia ao meu redor.
Assim que saímos do parque, com o cair da noite, percebi que
andávamos até uma rua que era cheia de restaurantes badalados. Senti o
peito se apertar.
— Para onde estamos indo?
— Para o restaurante italiano do chef...
— Dean, não! Não podemos ir em uma lanchonete ou lugar mais
simples? Eu te disse que não vim arrumado pra esse tipo de ocasião! —
Puxei a mão dele para trás, mas ele foi mais forte e me trouxe para frente,
deixou de segurar na minha mão para agarrar a cintura e terminar de me
guiar pelo caminho.
— Não precisa se importar com o tipo de roupa que vai para o
restaurante.
— Mas é claro que preciso. Sempre terá alguém pra julgar,
principalmente nesses lugares mais refinados.
Dean riu, como se eu tivesse acabado de dizer algo engraçado.
— Não precisa se preocupar porque não terá ninguém além de nós lá.
— Seu olhar de canto se prendeu ao meu. — Eu sei que você se sente
incomodado em lugares muito cheios, então reservei o restaurante somente
para a gente.
Senti um vento gélido subir pelo abdômen e meus olhos pareceram
querer saltar das órbitas, puxei o ar, completamente incrédulo. Eu sabia a
qual restaurante italiano ele se referia, era um dos melhores da cidade, com
três estrelas Michelin, cujos pratos eram tão caros que eu me contentava em
apenas ver os vídeos no Instagram, jamais imaginei que pisaria lá.
— Você fez o quê?
— Reservei todo o espaço para dar privacidade a nós dois. Não quero
que nada estrague o nosso primeiro encontro.
— Isso deve ter custado muito...
— Não que isso importe. Você merece o melhor, Peter, apenas aceite.
Os cantos dos meus lábios se esticaram e franzi as sobrancelhas ao
olhá-lo.
— Obrigado, Dean.
O restaurante não ficava tão distante do Central Park, em poucos
minutos andando pela rua bem iluminada e repleta de prédios gigantescos,
chegamos em frente à entrada do restaurante que era discreta, se localizava
em um edifício cinza com vidraçaria enorme escura e na porta havia a logo
do restaurante com o nome do chef, feito de metal em tons de dourado.
Um homem de terno e luvas brancas estava em frente, então Masked —
acabei me desacostumando de chamá-lo assim — entregou ao senhor um
papel com um código, o que fez com que ele abrisse as portas para
passarmos.
A entrada era longa até a recepção, traçamos um caminho por um tapete
vermelho até a bancada de mármore branco, onde a mulher de vestido preto
e coque bem alinhado com gel sorriu.
— Sejam bem-vindos, senhores Hunter e Reid. Acompanhem-me, por
favor.
A mulher virou para descer uma escadaria e nós fomos atrás, Dean
afastou a mão da minha cintura para apenas apoiar seus dedos no fim das
minhas costas enquanto andávamos dentre os lugares daquele restaurante
repleto de cerâmicas brancas, do piso ao teto. As toalhas das mesas eram de
tecido de seda, decorados com pequenos detalhes dourados e ali dentro a
luz era amarela, quente, criando uma atmosfera intimista, que se tornava
ainda mais romântica com o pianista que tocava uma melodia suave ao
fundo.
Dean e eu sentamos na mesa indicada, um garçom se prontificou para
nos atender. Abrimos o cardápio para escolher as nossas entradas, pratos
principais e sobremesas.
— O que você vai beber? Eu pensei em talvez pedir um vinho — falei.
— Pode pedir o que quiser para você, não bebo álcool.
Fechei o cardápio e direcionei a atenção ao garçom.
— Por favor, eu vou querer de entrada bruschetta, prato principal
rigatoni ao pomodoro, como bebida um suco de laranja e de sobremesa
ainda vou pensar. — Inclinei a cabeça sutilmente para Dean.
— Eu vou querer o mesmo de entrada, mas como prato principal
tagliolini na manteiga, de bebida prefiro um suco de abacaxi.
— Certo... — disse o homem com o lápis em mãos. — Algo mais?
— Isso é tudo — respondeu ele.
Assim que o garçom se afastou, abaixei o tom de voz para conversar
com Dean, achei curioso que ele não bebesse álcool.
— Posso te fazer uma pergunta? Não será sobre a cicatriz. — Franzi as
sobrancelhas, assim que ele assentiu com a cabeça, continuei. — Por que
você não bebe? Meio que... enjoou ou...
— Porque passei parte da infância vendo a minha mãe beber muito, daí
isso se tornou algo negativo pra mim. Não sei, pode ser que futuramente eu
supere, até porque vinho parecer ser bem gostoso.
— Entendo... sua família é daqui também?
Dean colocou os cotovelos sobre a mesa, retirou a máscara cirúrgica
que cobria seu rosto e a guardou no bolso.
— Eu não tenho família, me viro sozinho desde os meus quatorze anos.
Mas não, não sou daqui, me mudei por conta de um amigo e até que
comecei a gostar de Nova York. — O canto de seu lábio se esticou
discretamente. — E você? Sente saudades de Fredericksburg?
— Como você sab... — Deixei que uma risada curta escapasse. —
Quero dizer, bem, eu sinto muita saudade de Fredericksburg. Sabe como é,
cidade de interior, então tudo era bem pequeno e familiar, eu conhecia os
vizinhos e tinha meus pais por perto. Agora, nessa cidade, me sinto
incomodado com o ritmo, é agitada e cheia demais, e apesar de ser
abarrotada de gente, fui pego pela solidão.
— E a solidão fez com que você comprasse um dildo de vinte e quatro
centímetros? — Arqueou a sobrancelha.
Aquilo fez com que eu soltasse uma gargalhada.
— Não sei onde eu estava com a cabeça quando comprei aquilo...—
Levei a mão para abaixo dos cabelos a fim de coçar a nuca. — Pior que a
compra, só a forma que foi entregue. Nada discreto.
Ele sorriu de forma adorável, onde seus olhos reluzentes se reduziram e
as bochechas se tornaram discretamente róseas.
Deus, como eu queria poder ver essa expressão mais vezes.
— Tem que se detestar muito para usar um troço daqueles.
— Pois é, por isso que sequer cheguei a testar, joguei fora. Até porque
agora não preciso mais dessas coisas, quando tenho você.
Dean riu baixo e estendeu a mão sobre a mesa para que eu a segurasse,
deslizei os dedos por sua palma até unir nossas mãos.
Quando o garçom chegou com os nossos pratos, deixamos de ficar de
mãos dadas para observá-lo pôr a mesa, eu estava faminto, minha boca
encheu d’água e o estômago estremeceu ao ver a apresentação do prato,
parecia delicioso, o problema era apenas estar em pouca quantidade.
Enquanto enrolava o macarrão no garfo e Dean mastigava, em minhas
memórias veio a imagem da câmera que encontrei escondida entre a
decoração da minha casa dias antes. Ele sabia quase tudo sobre mim, até
mesmo as coisas não contadas, e não fazia questão de esconder que
descobriu essas informações, porém, nunca comentou sobre as câmeras.
— Dean... quantas vezes invadiu a minha casa? — Ergui os olhos para
ele, que sequer parou de tintilar os talheres no prato. Não me encarou de
volta.
— Só da primeira vez em que transamos.
Eu poderia aceitar aquela resposta para manter o clima agradável, mas
meu peito palpitava em querer saber mais.
— Não minta pra mim. Eu encontrei uma de suas câmeras.
Suas íris subiram até meu rosto e os lábios se franziram.
— Duas... quero dizer, três. Eu invadi a sua casa três vezes.
— E por que mentiu? — Elevei a sobrancelha.
— Porque não quero assustar você, não fora das nossas brincadeiras.
Inspirei profundamente e soltei o ar devagar, enquanto alisava uma das
têmporas.
— Não queria me assustar? — Soltei uma risada curta. — Você é
muito, muito doido. Por que fez isso? Fetiche?
Dean repousou seus talheres ao lado do prato vazio.
— Porque eu penso em você vinte e quatro horas por dia, me preocupo.
Preciso ter o controle total de cada passo seu para saber se está bem ou
quando necessita de mim. — Colocou um dos cotovelos sobre a mesa. — E,
por favor, não me peça para parar com isso. Não queria abrir mão de te
observar.
Meus músculos se contraíram e um choque passou pela minha espinha.
Pisquei algumas vezes processando a informação e, em silêncio, assenti
com a cabeça, concordando.
Eu sabia no que estava me metendo quando o permiti entrar na minha
vida, fui eu quem me coloquei na mira do caçador.
Apesar do senso moral querer reprimir o sentimento por saber que não
era o certo, eu gostava daquilo. A forma subversiva de amar tomou conta de
mim.
— Entendo — falei.
— Você... quer que eu remova as câmeras?
— Não. Eu gosto da ideia de ter um homem louco por mim. — Abri um
sorriso lento e ele espelhou a minha expressão.
Rimos baixo com o tom dramático do pianista ao fundo. Creio que
Dean Hunter não era o único desajustado daquela relação, eu era tão
quebrado quanto ele, e acho que aquilo foi o que nos fez nos dar tão bem.
Senti meu estômago se estremecer mais uma vez com a fome e olhei
para um dos três garçons que estava de prontidão para nos atender. Pedi
mais um prato e Dean escolheu outro.
Seguimos o resto da noite comendo e conversando, apesar de Masked
Guy ser um homem sério, Dean Hunter até que era bem engraçadinho, ele
me fazia rir, e eu tentava retribuir as piadas para vê-lo sorrir mais vezes.
Ao fim da noite, antes de sairmos do restaurante, ele me fez a proposta.
— Quer ir para a minha casa hoje?
— Eu trabalho amanhã. — Recolhi os lábios.
— Dorme lá em casa, eu te levo no dia seguinte. Também tenho que
sustentar meu emprego de barista por alguns dias. — Ele ergueu os ombros.
— Não posso deixar a Alyssa na mão tão de repente.
— Não pretende mais trabalhar no gato-café?
— Agora que você sabe quem sou eu? Não.
Senti o rosto aquecido e os cantos da minha boca se esticaram.
— Tudo bem, vamos para a sua casa.
Eram onze e meia da noite quando cheguei ao condomínio em que
Dean morava. Assim que saí de cima da moto, envolvi meu próprio corpo
com os braços, o estacionamento ficava no subsolo, que era frio e pouco
movimentado, apesar da grande quantidade de veículos parados.
Eu não consegui distinguir se a sensação de arrepio que percorria
minha pele era oriunda do clima gélido do subsolo ou do receio em ir visitar
o apartamento dele pela primeira vez. Afinal, não sabia o que esperar.
Dean envolveu seu braço em torno da minha cintura para me guiar até a
porta de vidro que dava acesso à área interna do prédio em que havia o
elevador. Entramos juntos e assim que a porta se fechou, ele apertou o botão
até o último andar e abaixou a máscara até o queixo para que pudesse me
beijar.
Quando sua língua invadiu minha boca, deixei de apertar meu próprio
corpo para colocar as minhas mãos nele, uma em seu traseiro e a outra na
nuca, arrastei os dedos pela base de seus cabelos discretamente raspados e
os subi até o topo, onde haviam mechas maiores. Puxei seus fios enquanto
sentia a pele se aquecer.
O coração acelerou as batidas e perdi o controle da respiração. Dean
deixou meus lábios para repousar sua boca no meu pescoço, o lambeu e
chupou enquanto suas mãos firmes desceram da minha cintura para a
bunda, onde ele a apertou forte, o que me fez arfar de tesão.
Sem deixar de beijar minha pele, Dean encostou minhas costas contra o
espelho do elevador e colou nossos corpos. Senti o volume em sua calça
esfregar na minha virilha, aquilo fez meu pau pulsar com mais intensidade.
Chegamos ao último andar e a porta se abriu, então sem sequer olhar
para o painel, ele estendeu o braço para trás e apertou de volta para o
subsolo. O ar quente que saía de sua boca era rápido e intenso, a respiração
dele estava tão ofegante quanto a minha.
Fui virado de costas e Dean pegou minhas mãos e as colocou contra o
espelho. Encarei meu reflexo, com o rosto completamente avermelhado,
olhos maiores e um suor começando a se formar. Eu estava em chamas.
— Dean... e se alguém entrar?
— É quase meia-noite de um domingo, ninguém vai entrar. — Sua voz
saiu abafada contra minha nuca enquanto os dedos abriam o botão da minha
calça.
— Mas... tem câmera aqui.
— Logo você se importando com a câmera? — Arrastou os lábios pela
minha pele até a orelha, e suavemente sussurrou: — Eu sei que você é uma
puta que sente tesão em ser assistido. — Desceu meu zíper.
Prendi o lábio entre os dentes, e assim que sua mão invadiu minha
calça, me permiti gemer e desviei os olhos do meu reflexo para a câmera
que ficava quase acima da minha cabeça. Dean passou o polegar apenas na
ponta, sentindo o quão molhado de tesão eu estava, e aos poucos começou a
me masturbar, usando meu próprio pré-gozo como lubrificação.
Enquanto uma de suas mãos estava dentro da minha roupa, a outra
segurou meu queixo para desviar meu rosto em direção ao espelho, tentei
afastar a face do reflexo, mas ele apertou minhas bochechas ainda mais
forte para me manter olhando.
Fechei os olhos de vergonha e gemi baixo ao senti-lo me tocar mais
rápido.
— Abra os olhos — Dean ordenou.— Quero que se veja. Que perceba
que só o seu homem pode te deixar assim.
Ergui as pálpebras e me concentrei na minha própria imagem, nas
sobrancelhas franzidas, os lábios avermelhados entreabertos e o rosto
completamente rubro. Apoiei a testa sobre o espelho e fechei as mãos
quando me senti latejar intensamente.
Estava perto do meu ápice.
As pernas se estremeceram, a respiração encurtou e a sensação de
formigamento tomou conta do meu corpo. Cheguei ao clímax. Pressionei as
pálpebras enquanto me derramava em seus dedos com um gemido alto.
A porta do elevador abriu de novo e Dean soltou meu rosto para apertar
o botão para o último andar mais uma vez.
Assim que a cabine voltou a subir, ele abaixou minha calça e ouvi o
som de seu zíper. Abri um pouco mais as pernas e me inclinei sobre o
espelho. Dean esfregou seu pau rígido e pulsante contra minha bunda, sentir
seu piercing arrastar na minha entrada me fez contrair.
Eu não sabia se aquilo, naquele momento, daria certo. Mas quis
arriscar, meu sangue borbulhava e o desejo falava mais alto.
De repente, o elevador travou e uma sirene tocou. Era um alerta de
segurança, provavelmente.
— Puta que pariu! — Dean se afastou e subiu as calças.
E então, o segurança falou pelo interfone da cabine.
”Proibido sexo no elevador! Morador do apartamento 1202, você será
multado.”
Terminei de colocar a roupa debaixo rapidamente e arregalei os olhos
para Dean. Sabíamos que estávamos correndo aquele risco, na verdade,
demorou tempo demais até para que alguém nos expulsasse dali.
Quando a porta se abriu no último andar, Dean encarou a câmera e
ergueu o dedo médio, eu deixei a cabine às pressas e o puxei para fora.
Corremos pelo corredor gargalhando da situação e ele tomou a frente para
me guiar até seu apartamento.
Assim que paramos em frente ao 1202, limpei as lágrimas da risada e o
olhei, Dean retribuiu o olhar com um sorriso e destravou a fechadura para
entrarmos.
Logo que pisei em sua sala e as luzes foram acesas, suspirei. O
apartamento dele era gigantesco, na cobertura, com decoração minimalista e
muito bem arrumado, mas o que me chamou a atenção mesmo foi a cobra
enorme que estava dentro de um terrário no canto da sua sala.
Dei alguns passos até ela e entreabri os lábios ao vê-la se arrastar
lentamente pelo galho. Inclinei a cabeça de lado.
— Então você realmente tem uma cobra... e conversa mesmo com ela?
— Olhei para ele, que retirava os sapatos.
— Todos os dias. — Dean colocou as mãos nos bolsos e veio para perto
de mim, observando também seu animal de estimação.
— E como se chama?
— Seraphine.
Interrompi minha própria risada levando a mão aos lábios e o olhei.
— Que coisa de nerd, nomear uma cobra com um nome de uma campeã
de League of Legends.
Ele sorriu e me deu um empurrãozinho no ombro.
— Disse o que nomeou o próprio peixe como Vi. Que, por
coincidência, também é campeã no LoL, não é mesmo? — Arqueou a
sobrancelha.
Concordei com a cabeça, rindo baixo.
Dei alguns passos para perto dos vidros da varanda e abri as cortinas.
Na área externa tinha uma hidromassagem redonda e um banquinho de
frente para a vista. Aquele prédio era tão alto, que sequer dava para
enxergar outra coisa além do céu da distância que eu estava. Dean se
aproximou de mim e deixou um beijo no meu pescoço.
— Sinta-se à vontade. Quer comer algo? Ou... — passou a ponta da
língua pelo meu lóbulo — continuar o que fazíamos no elevador?
— Ainda estou cheio do restaurante. — Coloquei as mãos nos bolsos e
me virei para ele. — Inclusive, acho que isso pode ser um problema pra
gente transar hoje, apesar de eu estar morto de vontade.
Dean ergueu os ombros.
— A gente pode fazer de outro jeito e garanto que vai ser igualmente
gostoso. Quer conhecer meu quarto? — Virou a palma da mão para que eu a
segurasse.
Fui guiado por ele pelo pequeno corredor que havia depois da sala, com
três portas até chegar na última, a que ficava o seu quarto. Quando ele abriu
a porta e acendeu a luz, notei que era muito escuro, as paredes eram pretas,
em frente havia um computador grande com três telas, no canto uma estante
com livros, um armário e do outro lado um sofazinho e sua cama king size.
Todo o apartamento de Dean Hunter era decorado em tons de preto,
branco e marrom escuro. De vez em quando ainda tinha algo cinza no meio.
Ele colou seus lábios nos meus novamente, com um beijo voraz e
lascivo que me fazia perder o fôlego. Nossas mãos, naquela hora estavam
mais ansiosas do que antes, tateávamos um ao outro com certa urgência.
Dean se afastou sutilmente para retirar a blusa e me ajudou a desfazer
da minha também, então tirei os sapatos, os óculos, e quando menos esperei
estava sem resquício de vestimenta alguma.
Fui pego no colo e colocado sobre o pequeno sofá ao lado de sua cama,
ele subiu em mim e voltou seus lábios aos meus, enquanto sua mão me
tocava. Gemi baixo e pulsei mais forte sob seus estímulos.
O pau rígido de Dean roçava sobre meu abdômen e senti-lo tão
excitado quanto eu, me fez ferver de tesão. Levei a mão aos seus cabelos
para puxá-los durante o nosso beijo, até que ele se afastou e ficou de pé ao
lado do sofá.
Seu olhar luxurioso percorreu todo meu corpo e o lábio inferior parou
entre os dentes. Estava expresso em seu rosto o pensamento perverso, do
qual ele externalizou de repente.
— Quero amarrar você...
Aquilo me fez arregalar os olhos.
— Posso?
Parei para refletir por um segundo. Ser privado dos meus movimentos
me deixaria completamente vulnerável a ele, mas apesar do risco, eu
confiava em Dean, portanto aceitei.
— Faça o que quiser comigo.
Seu sorriso malicioso preencheu o rosto, ele se afastou de mim para ir
até seu armário do outro lado do quarto, e enquanto mexia nas coisas,
admirei sua bunda e a marcação dos músculos nas costas.
Dean tirou de sua caixinha de surpresas duas coisas: sua máscara e uma
corda. Juntou os itens e voltou na minha direção, colocou a máscara sobre o
canto do sofá e estirou parte do rolo da corda em suas mãos.
— Levante-se.
Segui sua ordem ficando de pé para ele, até que deu outro comando.
— Vire de costas, abra as pernas e relaxe os braços.
Dean colocou a corda com o nó primeiramente atrás do meu pescoço,
logo veio para frente e fez cinco nós distribuídos pelo meu corpo, passou a
corda por debaixo das minhas pernas e terminou de envolver todo o meu
tronco.
Meu pau pulsou conforme a pressão em minha pele se aumentava, por
último ele colocou meus braços dobrados para trás e os amarrou, me
deixando completamente preso.
A ideia de ficar indefeso perante qualquer coisa que ele faria me
excitava. Dean me pôs sobre o sofá, virado de barriga para cima e me
beijou, daquela vez, mais lento, porém com a mesma intensidade.
Sua boca tocou meu pescoço e desceu para o mamilo. Ele expôs a
língua e somente com a ponta, o lambeu e estimulou.
Gemi baixo e recolhi os dedos, Dean sorriu e mordiscou meu peito
enquanto sua mão continuava a me masturbar. A pressão das cordas pareceu
deixar a circulação mais intensa em certas áreas, o que fez minha pele prurir
perante seus toques.
Sua boca beijou meu abdômen e desceu até a virilha. Dean passou a
língua por toda a extensão do meu pau antes de chupá-lo, e assim que
envolveu seus lábios ao redor, senti meu corpo se arrepiar por inteiro.
Sua boca quente e úmida me fez pressionar as pálpebras mais
fortemente e me permitir gemer de forma ainda menos indiscreta. Dean não
hesitava em me engolir por inteiro, a ponto de eu perceber o toque em sua
garganta.
Ele salivava tanto, que tornava o deslize fácil pela língua e não se
engasgou nem por um segundo.
Meus músculos estremeceram e a sensibilidade se elevou. Eu queria
colocar as mãos em seus cabelos, mas estava amarrado.
— Dean, eu vou gozar... — anunciei.
Então ele parou.
Arregalei os olhos.
— Você não vai gozar agora — disse em um tom recheado de sadismo.
Meu pau pulsava tanto de tesão que chegava a doer. Comecei a tremer e
suar com a sensação. Dean se sentou ao meu lado e apoiou a mão no sofá
para me observar lacrimejar.
— Por favor, não faça isso, por favor... — choraminguei.
Ele riu e apoiou a mão abaixo do queixo, em silêncio. Seus olhos
analisavam cada detalhe do meu corpo, com calma e controle, e, então,
quando comecei a perder a ereção, sua mão voltou a me tocar, e quando eu
estava perto do clímax, Dean interrompia.
Comecei a sentir algumas áreas dormentes, enquanto outras
formigavam. Aquilo era tão prazeroso quanto doloroso, até que em seu
último momento de maldade, ele passou a ponta da língua pelo meu pau e
ordenou.
— Implore.
— Me deixe gozar, Dean, por favor. — Meus olhos se encheram de
lágrimas enquanto o corpo estremecia cada vez mais. — Por favor...
O canto de seu lábio se ergueu e ele levou apenas um dedo à ponta da
cabeça e a circundou.
— Quero que goze na minha boca, desejo sentir o seu gosto — ele
respondeu e voltou sua boca ao meu pau, chupando-o com certa pressão.
Àquela altura já não conseguia segurar mais, a respiração estava curta,
as batidas aceleradas... jorrei em sua garganta e mesmo com a sensibilidade,
Dean não parou de me chupar.
— Chega, tá doendo! Tá doendo! Por favor!
Ele interrompeu o ato e usou o dorso da mão para limpar o canto da
boca. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto a medida que um sorriso se
abriu, o alívio foi tão grande que me trouxe um prazer imensurável, jamais
tinha sentido algo assim.
Dean foi até a cama, pegou sua máscara e a colocou no rosto, abriu uma
gaveta da cômoda ao lado da cama e tirou dali uma venda.
— Agora é a minha vez.
Me tirou do sofá e fui colocado ajoelhado de frente para ele, que se
sentou com as pernas abertas e trouxe a venda até os meus olhos, tampando
a minha visão.
— Eu não vou conseguir te tocar — falei.
— Não quero que me toque... — Dean trouxe minha cabeça para perto
da sua virilha e bateu com seu pau em meu rosto. — Quero que chupe.
Concordei, abrindo a boca e expondo a língua. Comecei a estimulá-lo
bem na região de seu piercing e pude ouvi-lo gemer com menos pudor,
então o circulei e o coloquei na boca.
Masked Guy era grande e robusto, o que tornava difícil de engoli-lo por
inteiro. Senti sua mão sobre meus cabelos e os fios foram puxados
fortemente pela raiz, e aos poucos seus quadris se moviam para se fazer
entrar.
Quando o senti tocar na garganta, pressionei as pálpebras e controlei a
respiração para não engasgar. Dean começou lentamente a foder a minha
boca, a ponto de me sufocar com seu pau algumas vezes.
Meu rosto começou a doer de ficar tanto tempo ali, até que o senti
pulsar sobre a língua e antes de chegar ao seu ápice, ele se afastou para
gozar no meu rosto. Me mantive de lábios entreabertos.
A visão me foi retomada e as cordas desamarradas. Eu estava
completamente marcado, tanto por seus chupões quanto pelos nós.
— Vamos tomar um banho antes de deitar — ele disse, me ajudando a
levantar do chão, apoiando meu braço em seu ombro.
Minhas pernas estavam bambas e os joelhos vermelhos.
— Juntos?
— É... — Sorriu. — Juntos.
Ao abrir os olhos encontrei com o rosto de Dean. O sol iluminava parte
de seu rosto, dando destaque aos cílios dourados, a expressão estava serena,
a respiração lenta e os lábios entreabertos.
Sorri enquanto o admirava e toquei a sua pele, meu polegar deslizou
levemente sobre sua bochecha, e então desci um pouco a mão até seu
queixo e passei o dedo na cicatriz presente em sua boca.
Quando me aproximei para beijá-lo, os cantos de seus lábios se
ergueram devagar e a mão que segurava minha perna, que estava apoiada
em cima dele, pressionou mais forte minha coxa.
Deixei que nossas bocas se encostassem e voltei a alisar a marca em
seu rosto. Aquilo me intrigava.
— Bom dia — ele disse, subindo as pálpebras para me encarar. —
Dormiu bem?
— Bom dia... sim. Muito.
Dean virou o rosto para beijar a palma da minha mão e levou seu olhar
em direção ao meu.
— Você quer saber como eu ganhei essa cicatriz?
— Apenas se quiser contar. — Recolhi os dedos e meus lábios se
comprimiram.
Suas íris se mantiveram compenetradas nas minhas, brilhantes e com a
visão distante enquanto um silêncio preenchia o ambiente antes de ser
revelada a história.
Acredito que talvez ele não quisesse realmente contar, mas devido ao
caminho que nossa relação estava seguindo, tornou-se necessário dividir
todas as coisas um com o outro.
— Quem me deu essa cicatriz foi a minha mãe. Ela me feriu no dia em
que tentei impedir outro homem de machucá-la, de alimentar seu vício para
se aproveitar dela. — Suspirou. — E me dói até hoje porque eu sinto que
falhei com a minha mãe em ter ido embora naquele dia e jamais retornado.
— Notei sua voz embargada no fim da frase.
Por um momento fiquei sem saber o que dizer, mas senti que precisava
me esforçar para falar algo, para acolhê-lo, já que Dean se abriu para mim
sobre um assunto delicado.
— Quantos... quantos anos você tinha quando isso aconteceu?
— Quatorze.
Levei a mão ao seu rosto e o acariciei com a ponta dos dedos.
— Você não falhou em nada. Era apenas uma criança, e crianças não
cuidam dos pais. Ela quem deveria te proteger, olhar por você, mas como
não teve ninguém... o pequeno Dean teve que fazer isso por si só. — Senti o
peito se comprimir conforme seus olhos se tornavam marejados. — Foi
autopreservação, não covardia.
Ele deglutiu em seco e concordou com a cabeça, chegou mais perto de
mim e se aconchegou em meu peito. O abracei forte e beijei o topo de seus
cabelos, seu corpo estava quente e a respiração discretamente acelerada.
Ficamos ali, na quietude, por um tempo. Dean gostava muito do
silêncio, e eu acho que entendi o porquê. Sua infância deve ter sido muito
conturbada e a ausência de som significava calmaria, paz, que era o que lhe
faltava.
Eu também gostava do silêncio, minha cabeça já tinha barulhos demais.
— Peter... — Ele afastou o rosto do meu corpo para me encarar. —
Acho que não estou apenas obcecado por você, eu... eu acho que...
Sorri sutilmente.
— Eu também te amo, Dean.
Senti seus dedos se arrastarem pelo colchão para perto dos meus, suas
unhas roçaram nas minhas. Entrelacei os nossos dedos.
— Eu te amo, Peter.
Seus lábios se repousaram nos meus, suaves e com ternura, que não
provocou fortes emoções, mas me fez sentir um frio na barriga, e acho que
aquilo significou muita coisa. Aquele beijo atou o laço de cumplicidade
entre nós dois.
— Agora vamos nos adiantar que não posso me atrasar, já tenho
problemas demais naquela empresa — falei, pegando os óculos na cômoda
ao lado da cama, retirei os lençóis de cima das pernas e saí nu, da mesma
forma em que deitei na noite anterior.
— O que você quer tomar de café da manhã? — Dean perguntou,
passando por mim.
— Eu geralmente não tomo café em casa.
Ele virou para mim, encostou no batente da entrada de sua cozinha e
cruzou os braços, seus olhos se estreitaram e os lábios se contraíram em um
bico.
— Quer mesmo tomar café na cafeteria? — Arqueou a sobrancelha.
Puxei a cadeira da mesa de sua sala e me sentei de lado nela para olhálo
durante o momento em que pensava no que comer. Eu me alimentava das
mesmas coisas quase todos os dias, e abrir a possibilidade de comer algo
diferente do usual me deixava inicialmente perdido.
A repetição havia tirado parte da minha autonomia.
— Eu... eu não sei o que quero comer.
— Pode escolher o que quiser.
Desci a visão pelo seu corpo nu e parei a atenção bem na bolinha de seu
piercing. Arregalei os olhos discretamente.
— Você vai cozinhar pelado? — Voltei as íris em direção as dele.
Dean riu baixo.
— Eu coloco uma cueca antes, se faz questão.
— Não, não! — Ergui as mãos. — Só foi uma pergunta, não me
incomodo com você cozinhando sem roupa. — Sorri. — Ah, pode fazer pra
mim o que você for comer. Estou aberto a possibilidades.
— Certo. — Piscou, antes de dar as costas para mim e sumir pela
cozinha.
Ele era um ótimo barista, então não preciso dizer que seu café diferente
com algo de caramelo estava delicioso, além das panquecas, ovos e bacon.
Dean e eu comemos na mesma mesa, e apesar do horário apertado, eu não
estava mais com tanta pressa, na verdade, a minha vontade era de sequer
aparecer novamente naquele lugar.
Estar com Masked em ambas das suas versões me trazia uma sensação
de liberdade e abafava o vazio, suas atitudes insanas me recordavam de
estar vivo, mas pisar na Dermaceuticals me fazia lembrar que ainda possuía
amarras, que sempre que eu tentava fugir, era puxado, como se meu destino
fosse ficar imerso no looping, preso no eco.
Não é esse o destino da maioria das pessoas?
Quando terminamos a refeição, tentamos aproveitar um pouco sua
hidromassagem e em seguida tomamos outro banho antes de partir.
Eu não estava com o uniforme ali, mas Dean me emprestou a sua
menor camisa branca para que eu vestisse, claro que Wilhem chamaria a
minha atenção por estar sem a gravata ou com a blusa adequada, mas
àquela altura eu já não me importava mais.
Até porque não importava o quanto na linha eu andasse, nunca era
reconhecido. E sabia que jamais me mandariam ir embora, porque teriam
que encontrar outro louco pra prender no meu lugar.
Com imensa tristeza deixamos seu apartamento.
Dean percorreu as ruas e cruzou os carros na mais alta velocidade com
sua moto, o que fazia meu coração bater no pescoço com os momentos de
quase morte que passei pelo caminho.
Cheguei em frente ao enorme prédio espelhado com o corpo gélido,
suor frio, mas um sorriso no rosto que se desfez no exato segundo em que
meus pés tocaram a calçada e precisei retirar o capacete.
— A gente se fala mais tarde? — Dean perguntou, sem erguer a viseira.
— Sim. — Estiquei a mão para ele, que a segurou e acariciou com o
polegar.
— Qualquer coisa que acontecer, pode me mandar mensagem. Eu
invado essa porra de prédio se for preciso.
Os cantos dos meus lábios se ergueram.
— Até mais, Dean.
Ele trouxe minha mão até perto do seu capacete, como se tivesse
acabado de beijá-la e levou seus dedos aos meus cabelos, afofando os
cachos antes de partir. Então, sua moto se foi, sem grandes barulhos ou
rapidez, já que trabalhávamos próximos.
Assim que o vi sumir de vista, virei de frente para a empresa e minha
visão percorreu todos os andares, o brilho espelhado me fez estreitar os
olhos. Inspirei o ar profundamente, empurrei os óculos mais para cima e
soltei a respiração devagar enquanto subia mais um degrau.
Eu fui completamente despreparado para o trabalho naquele dia, nem
mesmo os meus pertences havia levado, tive que pedir pra liberarem a
catraca. Passei pelas portas de olhos fechados e ouvi a agitação ao redor,
peguei o elevador cheio de gente, que aos poucos se esvaziava até o andar
do meu setor.
Assim que a porta da cabine se abriu, senti um arrepio.
Minha mãe sempre dizia que não tínhamos apenas cinco sentidos, mas
seis, sendo esse último a intuição. E, naquele momento, pareceu que tudo
estava pior, eu senti que não seria um bom dia.
Caminhei até o meu cubículo e espiei em volta para ver se Wilhem
estava por ali para me perturbar. Para o meu azar, o porco estava bem atrás
de mim, sua voz saiu alta, o que chamou a atenção para onde eu estava e me
fez dar um pulo.
— Peter!
— Eu sei, eu sei... a roupa.
Suas narinas se abriram e a boca curvada para baixo quase se juntou à
glabela na expressão enrugada que deixava seu rosto ainda mais vermelho.
Ele colocou as mãos na cintura.
— Se você já sabia, por que ainda assim insistiu em vir vestido dessa
maneira? Sabe das regras da empresa.
Ergui os ombros.
— Vocês só dão um uniforme para a gente e o meu está lavando... não
pude vir com ele hoje. — Elaborei uma mentira rápida.
O homem calvo estreitou os olhos e o canto de sua boca se elevou,
parecendo avaliar a veracidade do que eu disse. E sem mais a acrescentar,
deu as costas para voltar a andar pelo corredor.
Tomei meu lugar no cubículo e assim que o sinal tocou indicando o
começo do expediente, abri o programa com os códigos. Eu pretendia
terminar o serviço que havia começado na última semana, mas de repente
um e-mail chega da sala da diretoria, e mais outro, e outro... diversos e-
mails chegaram.
Abri a caixinha para ver do que se trava e meus olhos se arregalaram de
tal forma, que por pouco não pularam do rosto. Meio que já esperava, mas
ter a confirmação daquilo me fez fervilhar.
Não pode ser...
Eram diversos projetos, mais e mais serviços, principalmente os que
estavam inacabados por conta de Carter, o desgraçado que estava recebendo
um salário maior apenas para tomar café e prejudicar a vida dos outros
funcionários.
Comecei a tremer e o ar por um momento se tornou escasso, retirei os
óculos e os coloquei sobre a minha mesa. Esfreguei as mãos no rosto
diversas vezes, a minha vontade era de gritar ou de destruir tudo.
Olhei para frente e vi Steve Dix passar as mãos pelos cabelos
igualmente, ele os empurrava para longe da testa, como se estivesse
disposto a arrancá-los pela raiz a qualquer momento.
Pelo visto o acúmulo de funções é geral.
Coloquei os óculos de volta e respirei devagar, desviei a atenção de
Steve quando ele se levantou de sua cadeira. Encarei a tela à minha frente e
abri o primeiro e-mail para ler por completo.
A tarde foi absurda, eu estava sobrecarregado de trabalho e me sentia
cada vez mais pressionado a ir além dos meus limites. Parei por um
momento para arejar a mente e desviei o olhar dos códigos para a janela.
Meu Deus, eu quero sair daqui. Refleti enquanto encarava meu reflexo,
com o rosto menos cansado até, mas com a expressão igualmente infeliz, eu
estava exausto e ainda faltava uma hora para o término do expediente.
Minha atenção se deslocou da minha própria imagem para fora quando
algo grande passou rápido diante dos meus olhos, e então os gritos
histéricos vindos da rua. Retraí as pálpebras e me levantei de forma ágil.
Não fui o único curioso, outros funcionários também saíram de seus
lugares para se aproximar da janela a fim de olhar.
Levei a mão aos lábios para abafar um grito e o ácido do estômago veio
na garganta, eu tremi e meu coração bateu tão forte perante a imagem que
senti que perderia as forças.
Era sangue esparramado pelo chão e o corpo estatelado, cujos braços e
pernas estavam tortos e o rosto pareceu ter sido desfigurado. A camisa
branca da empresa aos poucos se tornava vermelha e em questão de
segundos um público aparecia para ver, alguns filmavam e tiravam fotos
até.
Steve Dix cometeu suicídio, e sua morte se tornou um espetáculo.
Wilhem apareceu batendo palmas no corredor e gritando a fim de
chamar a atenção dos que estavam próximos da janela.
— Ei! Não estamos em intervalo! Voltem para os seus lugares! —
gritou.
Meu pescoço travou em tentar virar para trás, tive que de pouco a
pouco direcionar o corpo para ele e fechei as mãos, pressionando tão forte
quanto o nó formado em minha garganta para dar a notícia.
— O Steve acabou de se jogar do prédio da empresa — falei.
— Sentem-se! Ainda falta uma hora para o expediente acabar! Vamos!
— O gerente continuava a bater palmas e, feito cães adestrados, os outros
obedeciam tomando seus lugares como se nada tivesse acabado de
acontecer.
Observei em volta, sentindo uma pressão no peito e meus olhos
estavam tão grandes que pareciam cair das órbitas. Ao fundo ouvi, bem
baixinho, as sirenes dos veículos que se aproximavam.
Wilhem veio para perto de mim, estalando os dedos.
— Está em pé por que, Peter? Você ainda tem muito trabalho a fazer!
— Você não ouviu o que eu disse? — A voz saiu presa entre os dentes.
— Steve Dix acabou de cometer suicídio em frente a empresa!
— Sim, mas e o que você pode fazer por ele? O que todos nós podemos
fazer, hein?! — Ele abriu os braços e chegou ainda mais perto do meu rosto,
então o ar quente de sua respiração tocou minha pele. — Nada.
Pressionei os dentes e apertei fortemente o punho.
— Você é realmente uma pessoa? Tem ainda alguma humanidade ou só
pensa em dinheiro?
Wilhem levou a frase como piada.
— Não ache ruim comigo, moleque. Olhe para aquilo ali... — Apontou
para as câmeras que estavam nos cantos do setor. — Aqueles são os olhos
que tudo veem, e por ali os nossos superiores mandam e desmandam. Só
estou cumprindo o meu trabalho. Humanidade não paga as minhas contas.
Agora sente no seu lugar e termine o que tem que fazer até o fim do
expediente. — Deu dois tapinhas em meu ombro.
Eu sabia que deveria apenas fechar o computador e ir embora, tinha que
ter feito isso, mas ao invés de tomar uma atitude, fui submisso, feito um cão
adestrado, assim como os outros.
Andei até o meu cubículo e sentei, não parei de pensar um segundo
na imagem que vi.
E então minha mente voltou a deixar meu corpo para aguentar a dor
em ainda estar ali.
No dia anterior descumpri a promessa de conversar com Dean, o
ignorei durante o resto da noite, na verdade, deixei de lado todos os meus
afazeres. Permiti que a casa voltasse a ficar bagunçada, o uniforme sequer
foi passado, não comi nada e quase esqueci de alimentar meu peixe. Estava
em um estado tão catatônico, que foi como se perdesse as rédeas da vida,
não tinha controle de mim mesmo mais.
A imagem da queda se repetia em meus pensamentos diversas vezes e a
figura estatelada no chão tomou um espaço permanente na minha cabeça,
eu vivia um pesadelo lúcido.
Não era como se sofresse exatamente por Steve Dix, não éramos tão
próximos assim, mas sua morte significou muita coisa para mim. A forma
com a qual ele interrompeu sua vida me deixou em choque, e pior, pareceu
que só eu estava ciente da gravidade do ocorrido.
Aquele poderia ter sido eu. Na verdade, quase fui eu, quando entrei na
frente de um caminhão semanas antes. E ninguém se importaria, seria
apenas mais um.
Quando ergui as pálpebras devido ao som irritante do despertador, senti
os olhos arderem e o corpo estava dolorido, meus músculos se contraíram
tanto de tensão, que foi como se tivessem sido esmagados.
Escutei minha própria respiração e encarei o teto por um tempo longo
até demais. A queda, o sangue, as fotos... minha visão, já não tão boa, se
embaçou mais com as lágrimas que se formaram. Não queria chorar, porque
sabia que aquilo abriria brecha para que viessem mais e mais lágrimas,
porém, não consegui segurar. Desabei.
O soluço pressionava meus pulmões e a garganta queimava, senti a
respiração ocluída enquanto me desmanchava sobre a cama, sozinho. Virei
de lado e recolhi as pernas, abraçando os joelhos para que me sentisse
acolhido, sofri em silêncio porque não conseguia, ao menos não naquele
momento, falar com ninguém, nem mesmo Dean.
Ouvi o som do despertador novamente, que me recordou que precisava
sair da cama e ir trabalhar, cumprir com as minhas responsabilidades como
se nada estivesse acontecendo, porque os lucros da empresa deveriam ser a
prioridade da minha vida.
Sentei na cama e esfreguei o rosto, passei os dedos sobre os olhos e
coloquei os óculos. As pálpebras estavam pesadas, até mesmo piscar exigia
uma grande energia, pisei devagar no chão e me apoiei na cômoda para
conseguir ficar de pé.
Suspirei, peguei o celular e desliguei o alarme, depois segui até o
banheiro. Durante o caminho, olhei para as notificações, eram ligações da
minha mãe e mensagem de Dean. Abri a conversa.
[Masked Guy]: O que aconteceu que te deixou assim?
[Você]: Desculpe te ignorar ontem, não consegui fazer nada. Nos
falamos hoje na cafeteria?
Passaram-se poucos minutos até a resposta.
[Masked Guy]: Certo. Estou preocupado.
[Você]: Não fique.
Joguei o celular sobre o sofá e fui em direção ao banheiro a fim de
tomar uma ducha, que esperava que lavasse não só o meu corpo, mas que a
água retirasse parte da sensação terrível encrostada em mim.
Eu precisava ligar de volta para a minha mãe, mas não queria falar ao
telefone com a voz que denunciasse que algo de errado estava acontecendo,
ela e meu pai tinham problemas demais para se preocuparem, não queria ser
mais um.
Enquanto vestia o uniforme da empresa e dava o nó na gravata, meu
estômago roncou. Antes de sair, costumava a conversar com Vi, contudo
naquele dia preferi deixar a casa sem dizer uma palavra.
Meu peixinho não merecia saber sobre aquilo, imagine invadir a sua
paz no aquário para falar sobre a desgraça humana?
Quando pisei o pé fora de casa, encontrei com Harry pegando um
pacote em seu correio, os olhos dele pararam sobre mim e fui
cumprimentado apenas com um aceno, a distância. Retribuí o gesto, e ele
pegou sua encomenda e saiu do meu campo de visão em silêncio.
Desci os degraus e optei por caminhar até o ponto de ônibus para o
trabalho. Tentei usar a paisagem do caminho para me distrair, porém eu não
conseguia, sempre minha mente recapitulava os fatos.
Subi no transporte e andei até o último banco, sentei próximo a janela e
abri as redes sociais no celular para ver se alguém estava comentando do
assunto. Nada. Foi como se nunca tivesse acontecido.
Retornei a ligação para a minha mãe a fim de saber do que se tratava.
Não eram grandes coisas, apenas para falar sobre como ela e meu pai
estavam bem e perguntar da minha vida, já que não liguei para ela há uns
dias.
Apesar dos meus pensamentos embolarem as palavras, tentei organizálas
falando poucas coisas, apenas mantive a mentira de que tudo continuava
normal, minha saúde em dia e que fiz mais amigos.
Quando o ônibus se aproximou do ponto que ficava perto da empresa,
saltei e fui em direção a cafeteria em tons de rosa em que Dean ainda
trabalhava, apenas para que desse tempo de arrumarem outro pra ocupar seu
lugar.
Assim que abri a porta, o cheiro do café recém-coado e os bolinhos
assados fez meu estômago roncar. Eu não ingeri nada há mais de doze
horas, mas ainda que meu corpo implorasse diversas vezes por comida, não
sentia fome.
Ao invés de ir para o caixa pedir o de sempre, andei até uma das mesas
que ficava em frente ao barista e me sentei. Ergui os olhos para Dean, que
estava com seu avental em tons de rosa pastel, boné com orelhas de gato e
máscara descartável cobrindo seus lábios e nariz.
Ele ainda não tinha me visto, estava ocupado preparando a bebida de
uma cliente, mas assim que ela saiu de sua frente, os olhos dele se
depararam comigo na mesa e, mesmo sem ver sua boca, notei o sorriso.
Como eu nunca reparei nesse homem antes?
Dean continuou a servir mais cafés, até que, quando o movimento se
reduziu, ele encontrou uma brecha para sair detrás do balcão e vir até mim.
Puxou a cadeira à minha frente e sentou.
As mãos dele pararam sobre meus pulsos que estavam apoiados em
cima da mesa e as sobrancelhas se franziram ao reparar na expressão
calejada do meu rosto.
— Não quer comer algo? Vi pelas câmeras que você não jantou ontem,
sequer petiscou qualquer coisa.
— Não estou com fome.
Meu estômago se contraindo me denunciou.
— Você precisa comer. — Virou-se para sua colega de trabalho: —
Alyssa, põe na minha conta um bolinho e um cookie, por favor.
A garota ergueu o polegar e piscou. Dean voltou a atenção para mim.
— O que aconteceu? — perguntou.
Não tinha como florear ou ser sutil com um acontecimento tão brutal.
— Um funcionário da empresa se jogou do prédio. — Quando disse
isso, notei os olhos dele se tornarem maiores. — E sabe o que aconteceu? O
absoluto nada. Tivemos que voltar a trabalhar pra finalizar o expediente,
ninguém comentou sobre, ninguém fez nada!
— Canalhas... — Dean rosnou. Assim que a atendente trouxe o prato
com o de sempre e colocou no meio da mesa, ele empurrou o prato para
mim e estreitou o olhar, como se ordenasse que eu me alimentasse.
Estremeci a mão e peguei no bolinho, quando levei o açúcar até os
lábios, minha boca se encheu d’água e a sensação foi tão boa, que era como
se o meu corpo agradecesse. Mastiguei devagar.
— Eu não aguento mais aquele lugar.
— Sei que não. E, então... eu li o contrato da Dermaceuticals ontem, e
sabe o que eu descobri? — Arqueou a sobrancelha e abaixou o tom de voz.
— Que ele é rompido apenas em dois casos, quando a empresa não quer
mais aquele funcionário ou em caso de encerramento das atividades naquela
unidade.
Juntei as sobrancelhas.
— E como vou fazer para me demitirem sem que tomem tudo de mim?
— Eu não falei sobre você induzir uma demissão.
— Não estou entendendo, onde quer chegar? — Dei mais uma mordida
no bolinho.
— O que quero dizer é... que podemos forçar a unidade a ser fechada.
— Como?
Dean olhou em volta e percebeu a entrada de um cliente, logo retomou
a atenção para mim e sussurrou:
— Estou sugerindo que destruamos aquele lugar.
Prendi a respiração por um segundo, e por mais tentadora que fosse a
proposta, não pretendia chegar a níveis extremos assim.
— Não acho que seja necessário fazer isso — falei.
Ele ergueu os ombros, e então a atendente gritou por ele para que
retornasse ao balcão para fazer os pedidos.
— Você quem sabe. Antes de ir, venha até o balcão pegar o seu café. —
Arrastou a cadeira para trás e voltou para o seu lugar.
Terminei de comer e chequei o horário no celular, o prazo estava
apertado, com certeza chegaria atrasado, no mínimo, cinco minutos, mas
àquela altura eu já não me importava mais. Tudo de mais absurdo que
poderia ouvir de Wilhem já me foi dito, não havia nada que me abalasse
mais do que o ocorrido no dia anterior.
Levantei da mesa, peguei o café e acenei para Dean antes de sair. Eu
não queria ir, não queria mais ser carregado até aquele lugar, contudo
minhas pernas já caminhavam sozinhas pela obrigação.
Quando parei em frente à escadaria e inclinei o pescoço até o último
andar, que mal conseguia enxergar, o flash da queda passando diante dos
meus olhos ocasionou um choque na espinha e todos os pelos do meu corpo
se levantaram.
Naquela hora, os pés se tornaram pesados e cada degrau que eu subia,
sentia como se carregasse um pedaço de chumbo, que aumentava a carga
passo a passo até que eu chegasse no topo.
E então, próximo a entrada, olhei para o chão. Não havia mais marcas
de sangue nos ladrilhos, porém os coágulos continuavam incrustados na
divisão entre um piso e outro.
Soltei o ar devagar e encarei a porta, tomando coragem para entrar. Os
outros trabalhadores que passavam por mim me julgavam com os olhos,
não sabia se pela expressão perturbada ou pelas vestimentas amarrotadas.
Passei pela entrada e fui direto ao elevador. Assim que cheguei ao nono
andar, rondei os olhos pelo espaço e tudo continuava da mesma maneira,
tudo igual, como se nada daquilo tivesse acontecido.
Cheguei a me questionar se eu estava louco, se tudo o que aconteceu
não foi fruto da minha cabeça.
Fui até meu cubículo e quando vi Wilhem se aproximar de mim,
encolhi os ombros e arregalei os olhos. Ele passou direto, então virei a
cabeça para acompanhar seus passos.
O gerente foi até um homem jovem, tímido e de óculos que estava no
canto do setor, colocou a mão sobre seu ombro e começou a guiá-lo pelo
corredor, gesticulando como se apresentasse o lugar.
Sentei, organizei as minhas coisas sobre a mesa e abri o computador.
Diversas tarefas acumuladas, era tanta coisa, que eu teria que levar o
trabalho para casa e virar noites para terminar a tempo.
Olhei para a janela e vi um vulto passar, me arrepiei por inteiro e
pisquei algumas vezes. Retomei a atenção para a tela repleta de códigos, era
muita coisa para entregar, e por mais que a pressão fosse grande, não
conseguia me concentrar.
Alternei minha visão entre a tela e o relógio, querendo que os ponteiros
girassem de pressa, porém parecia que o tempo se recusava a seguir seu
curso normal, estava mais lento.
A saída do ar ficou curta, afrouxei o nó da gravata e fechei os olhos
tentando respirar melhor, mas a sensação que tinha era de sufocamento.
Ergui as pálpebras e me concentrei na hora novamente.
A tarde foi quase toda assim, andando pelos limites da angústia, até
que, faltando duas horas para o fim do expediente, inclinei os olhos na
direção do cubículo onde Steve se sentava e senti o sangue congelar.
O rapaz novo que estava com Wilhem tomou o lugar dele.
Comecei a sentir as mãos estremecerem. Não havia nem 24 horas que
Steve tirou a própria vida e já tomaram seu lugar, o substituíram, feito nada.
Não houve homenagens, não teve nota, nada, ele era apenas mais um.
Somos apenas números, é assim que nos veem. Como números feitos
para produzir mais e mais números.
As horas passaram e eu não consegui finalizar nada, pelo contrário,
acumulei mais tarefas. Até tentei compensar faltando poucos minutos para
as luzes se apagarem, contudo, o setor se esvaziava e eu não progredia.
E então, quando menos notei, fiquei só. Um ponto de luz azul da tela do
computador em meio à escuridão. Meus olhos recapitulavam tudo o que me
aconteceu, a morte, a negligência, os absurdos que já me foram ditos... e os
dedos que antes apenas digitavam, começaram a bater no teclado.
Fechei os punhos e dei o primeiro soco em cima das letras, e outro, e
mais outro... até que as lágrimas se manifestaram novamente na minha
visão. Sem encerrar nada, apenas levantei da cadeira e deixei o cubículo.
Um silêncio preenchia o ambiente, que àquela hora da noite estava
ocupado apenas pelas pessoas da limpeza e os seguranças, que faziam a
manutenção do espaço sem sequer olharem uns para os outros.
Peguei o elevador que parou em todos os andares até chegar ao térreo.
Eu estava no meu limite. Não queria voltar para lá, não queria ficar
preso no looping, me recusava a continuar a entregar a minha saúde para
um lugar que me trocaria no dia seguinte caso eu morresse.
E então, em frente ao prédio vazio, a lua testemunhou a ligação que
mudaria aquilo para sempre.
— Dean... vamos explodir esse lugar.
A mente de Peter colapsou, ele estava diferente. A morte de um de seus
colegas de trabalho foi o estopim para que sua vida mudasse de rumo, que
reagisse verdadeiramente contra aquilo que o prendia.
E não estou me referindo apenas a empresa.
Meu passarinho continuava a ser um homem doce e silencioso, mas
suas atitudes estavam mais desprendidas, ele pensava menos antes de agir,
como se nada mais importasse.
Deixaram a gaiola aberta e esqueceram de que aquele pássaro não tinha
as asas cortadas.
Na noite em que Peter decidiu que levaríamos o prédio ao chão, eu já
estava de prontidão perto da empresa, porque sabia que naquela manhã em
que me encontrou, algo aconteceria.
Passamos em sua casa a fim de pegar algumas roupas, alimentar o
peixe e o trouxe para o meu apartamento para cuidar dele. Na manhã
seguinte, assim que seu despertador tocou, ele desligou o alarme, colocou o
celular em modo avião e voltou a recostar a cabeça em meu peito.
Espiei-o por debaixo dos cílios e levei a mão para o meio de seus
cachos, acariciando-o. Peter não estava dormindo, mas sua respiração
permanecia tranquila e os olhos fechados.
— Não vai à empresa hoje? — perguntei.
Sem mover o rosto, ele apenas levantou as pálpebras e sua visão se
concentrou na minha.
— Não.
— Mas, com você sumindo e a empresa explodindo na noite seguinte te
fará suspeito, não acha? — Arqueei a sobrancelha.
— Amanhã eu apareço para executar o plano e digo que fiquei doente,
sofri um acidente, sei lá. Eles vão engolir, nunca se importam com o que
acontece conosco mesmo.
— Mais suspeito ainda.
O canto de seu lábio se estirou em um sorriso maldoso.
— Serei suspeito de qualquer forma, Dean.
— Bem, já que você não vai trabalhar, quero que conheça um amigo
meu hoje. Ele pode nos ajudar a elaborar melhor o plano... também porque
aquele prédio é bem grande, vai precisar de mais gente — falei.
Peter apoiou ambas as mãos sobre mim e se afastou para sentar na
cama. Passou a mão pelos olhos, esfregando-os e se inclinou para pegar os
óculos que estavam sobre a cômoda ao lado.
— Esse seu amigo... é um criminoso assim como você?
— É, é sim. — Bocejei e sentei, estendi o braço para alisar sua coxa
exposta pelo short curto. — Ele é o líder do meu grupo, os Hunters. Somos
quatro hackers no total e extorquimos a grana de gente rica, poderosa e filha
da puta.
Peter arregalou os olhos discretamente e entreabriu os lábios.
— Se ele é o líder, por que o grupo leva o seu sobrenome?
Soltei uma risada curta.
— Porque o Shadow achou meu sobrenome legal demais para pôr no
grupo.
— Shadow? — Arqueou a sobrancelha. — O nome dele é Shadow?
— É o codinome. É Shadow, Zero, Monster e eu...
— Masked Guy.
— Exato. — Pisquei. — Agora vamos tomar café porque temos que
chegar cedo onde ele mora, fica difícil sair da floresta à noite. — Dei dois
tapinhas em sua perna.
Peter desceu da cama e foi em direção a cozinha, andei devagar atrás
dele apenas para apreciar sua bunda naquele short preto tão curto. Prendi o
lábio entre os dentes.
— A gente vai para uma floresta? O seu amigo vive no meio do mato?
Suspirei.
— É. O Shadow é alguém... peculiar, eu diria. Mas já serviu ao exército
russo e sabe bastante sobre explosões e táticas de ataque, então acredito que
vai ser mais que necessário. Além de que, pode ter as bombas, ou nos ajudar
a produzir algumas.
Peter pegou um dos copos do escorredor e abriu a água da torneira para
beber. Umedeceu a garganta e lançou um olhar de canto para mim.
— Como eu saí de um programador para um terrorista?
Me aproximei dele e coloquei a mão no fim de suas costas, enverguei o
corpo sutilmente para beijar seu pescoço e cheirá-lo, o que fez com que ele
se contraísse todo.
— Para tudo tem um começo. — Abri os armários para pegar o café e
as torradas. — O que você quer comer hoje?
— Nada. Acho que vou apenas tomar o café. — Peter abaixou a cabeça.
Torci os lábios.
— Você vai comer. Não há opção. — Meu tom de voz saiu autoritário.
— Vá para a sala e me espere na mesa.
Meio a contragosto, Peter deu as costas para mim e deixou a cozinha
para que eu preparasse a nossa refeição. Ele tinha essa péssima mania de
negligenciar a própria alimentação, principalmente em seus períodos mais
instáveis.
Mas a partir dali eu não estaria apenas o observando, e sim sempre por
perto, cuidando e protegendo, jamais permitiria que sofresse de novo com a
fome.
Eu inovei, fazendo mais de três opções na cozinha para que Peter
tentasse comer sem se sentir enjoado. Sentei à mesa junto dele e durante o
café da manhã puxei assuntos que ele gostava para distraí-lo.
Conversamos sobre os últimos lançamentos de terror, dos torneios de
League of Legends e vídeos do Youtube, evitei ao máximo falar sobre
tópicos que remetessem ao que havia o deixado mal.
Quando terminamos de tomar o café, fomos tomar uma ducha, nos
arrumamos e seguimos pelo elevador, do qual nenhum dos dois tinha
coragem de erguer a cabeça para a câmera.
Se bem que tomar aquela multa valeu a pena.
Liguei a moto, colocamos os capacetes e Peter segurou firme na minha
cintura para seguirmos viagem. Demorava longos minutos em direção a
casa de Shadow, pela floresta em que ele morava ser bem afastada do
centro.
Meu passarinho admirou a vista pelo caminho, em especial as que se
aproximavam da área interna da mata. Ele apontava para as árvores que
gostava e falava dos animais que cruzavam o nosso percurso.
Assim que a moto chegou no fim da trilha de pedras e terra, chegou a
hora de seguir a pé.
Parei a Kawasaki próxima a árvore que já havia marcado como
referência para desviar das armadilhas e ajudei Peter a retirar o capacete. A
primeira coisa que ele fez ao desembarcar foi inspirar fundo, girou os olhos
pelo ambiente e se concentrou em mim. Franziu as sobrancelhas e seu rosto
foi tomado por uma coloração rósea.
— Dean...
— O quê?
— Você saiu sem uma máscara.
Minhas pálpebras se recolheram e imediatamente levei a mão ao rosto.
Meu indicador tocou a cicatriz, sentindo toda a sua extensão. Soltei o ar
devagar, e apesar de ter sido inesperado, não me senti nervoso com a
situação.
— É, eu esqueci.
Ele sorriu para mim, de forma que senti a barriga vibrar. Refleti seu
gesto.
— Esse lugar é bem bonito. Até mesmo o ar daqui é diferente... —
comentou, rodando em seu próprio eixo. — Mas tem certeza de que o
Shadow vive por aqui? Não vejo nenhuma casa.
— É porque o resto do percurso temos que seguir a pé. — Entreguei a
mão a Peter, que a agarrou firme.
— Certo, espero que não seja muito longe.
— Só um pouco. Peço apenas para que fique sempre ao meu lado e não
solte a minha mão pelo caminho, tudo bem? Há armadilhas por aqui. —
Assim que desci o pequeno barranco, fiz apoio para que ele me
acompanhasse.
— Armadilhas? — Arregalou os olhos. — Quer dizer que aqui tem
muitos bichos grandes? Ou o seu amigo caça?
Ri discretamente e abaixei a cabeça.
— As armadilhas não são contra animais... são para os humanos.
— Meu Deus. — Ele apertou minha mão mais forte. — Seu amigo
realmente é alguém peculiar.
O dia estava abafado, e as árvores, que deveriam deixar o clima mais
ameno, contribuíam para o aumento da umidade, senti gotículas de suor se
formarem sob meus cabelos e Peter passou a mão pela testa.
Pelo caminho os pássaros sobrevoaram nossas cabeças e a
luminosidade que entrava pelas fenestras entre uma folha e outra nos
permitiram enxergar o restante da população animal que havia por ali,
principalmente os esquilos.
Quando enfim enxergamos a casa de madeira de dois andares, enviei
mensagem para Shadow avisando que estava chegando em sua casa, não
arriscaria bater na sua porta de surpresa.
Não demorou muito para que eu o visse na entrada, descalço, sem
camisa, de cabelos presos em um coque e vestindo apenas uma bermuda
preta. Assim que nos aproximamos, Shadow arqueou a sobrancelha e fixou
sua atenção em Peter.
— O que ele tá fazendo aqui?! — Esquivou os olhos para mim.
— Fale dele de novo nesse tom, que te darei um soco — falei. — Peter
é o meu namorado agora, então as minhas amizades são as dele também,
não há mais segredos entre nós. — Acariciei o dorso da mão de Pete.
Zack contraiu os lábios e encarou o homem ao meu lado, não lhe restou
outra opção senão aceitá-lo. Estendeu a mão para que ele a apertasse.
— Seja bem-vindo, Peter. Pode me chamar de Shadow.
Com a mão livre, Peter cumprimentou Zachiary. Ele deu as costas para
nós e fez sinal para que entrássemos na casa. A televisão estava ligada no
jornal e, em um tom alto e indignado, Zack deu a notícia.
— Acredita que o merda do Spencer foi solto? — Fechou o punho, com
a visão concentrada na tela. — Essas pragas conseguem comprar tudo com
seu dinheiro sujo... tudo. Mas não vamos deixar por isso.
— Acho que isso já era o esperado — falei.
— Quem é Spencer? — Peter perguntou.
Shadow virou-se para ele com as sobrancelhas levantadas e braços
abertos.
— Eu que moro isolado e você que não sabe o que tá acontecendo ao
seu redor?! Spencer é o bilionário que domina o setor financeiro, o cara foi
exposto recentemente por nós por tráfico e exploração infantil!
Peter entreabriu os lábios e arregalou os olhos.
— Realmente, a justiça só serve para aqueles que não podem pagar.
Shadow concordou com a cabeça e levou a mão aos cabelos, afastando
do rosto os fios soltos de seu penteado.
— Pois é, mas não vai ficar assim. Enfim, o que os trazem aqui? —
Colocou as mãos na cintura. — Sentiu saudades de mim, Dean?
— Peter quer explodir a sede da Dermaceuticals de Manhattan.
Zack retraiu as pálpebras e deu atenção para o meu namorado,
claramente surpreso por aquela notícia, aos poucos seu rosto foi tomado por
um sorriso que misturava satisfação e malícia.
— Não esperava por essa. É, você realmente é o parceiro ideal para
esse daí. — Inclinou a cabeça para mim. — A Dermaceuticals é muito
grande... — Caminhou até seu sofá e se sentou nele. — Não tenho material
suficiente aqui para isso.
Andei ao lado de Peter até o sofá e me sentei nele, enquanto meu
passarinho se manteve de pé, com os braços cruzados atento no que Zack
dizia.
— Podemos compra-los hoje, sem problemas — falei.
— Não, não, acho que dá pra encomendar. Bombas ativadas por
dispositivo eletrônico serão mais precisas e potentes do que as caseiras.
Porém, preciso de outra coisa... — Shadow apoiou a cabeça no encosto do
sofá. — Mapeie as câmeras da empresa, ao menos dos quatro andares que
precisaremos invadir para incluir as bombas. Não só isso, quero saber
também o nome da empresa de segurança que cuida da Dermaceuticals,
para que consigamos invadir o sistema e desativar por tempo suficiente. —
Levou a mão abaixo do queixo. — Há trabalhadores lá depois do
expediente?
— Sim, costuma ficar ao menos três seguranças e mais algumas
pessoas da limpeza... não sei ao certo quantas, mas são poucas.
— Certo... nesse caso será necessária bomba de gás também, essas eu
posso fazer — Suspirou e direcionou os olhos para mim. — Vamos precisar
de Zero e Monster.
— Por mim precisaria de mais pessoas — falei.
— Não, sem mais pessoas, apenas quem é de confiança, porque isso vai
dar uma merda muito grande. — O canto do lábio de Shadow se levantou e
ele estendeu a mão para Peter. — Pode me dar seu celular?
Rosnei baixo e o encarei de canto.
Zack me olhou de volta.
— Para anotar a lista de compras da ação. Relaxa aí, Masked. Não vou
roubar seu namoradinho. — Empurrou meu ombro com o dele.
— O quanto antes você acha que dá para pôr o plano em prática? —
Peter perguntou, com as mãos na cintura.
— Amanhã.
— Amanhã?! Certo.
— Vou elaborar melhor o plano e mando no grupo hoje à noite. —
Shadow encarou Pete — Preciso que me repasse o que foi pedido e siga as
instruções do que vou anotar aqui. Que horas encerra o expediente?
— Às 18 horas.
— Então às 20h a gente deve agir. — Shadow voltou seus olhos para a
tela e começou a teclar no bloco de notas de Peter.
Eu e meu amado nos entreolhamos em silêncio e ele sorriu para mim
discretamente. Peter estava seguro e confiante da decisão, ele sabia que
assim que tudo fosse para os ares, sua vida viraria do avesso. Não haveria
mais volta.
— Obrigado por nos ajudar, Zack — falei.
— Somos irmãos. E irmãos cuidam uns dos outros... — Shadow
terminou de digitar e entregou o celular de volta nas mãos de Peter. Ele
lançou um olhar de canto para mim. — Da próxima vez não apareça de
mãos vazias aqui.
Ri baixo.
— Pode deixar que será recompensado com muitas besteiras. — Fechei
a mão para ele, que deu um soquinho.
— Obrigado, Shadow. — Meu passarinho estendeu a mão. — Foi um
prazer te conhecer.
— Desculpa por ter me referido a você daquela forma no começo. Bom
te conhecer também... — Zack e Peter apertaram as mãos como se selassem
um trato.
Levantei do sofá, coloquei as mãos nos bolsos e olhei para Pete com
um sorriso de canto.
— Vamos? Acho que temos muito o que fazer hoje.
— É... temos. E acredito que dá pra acrescentar mais uma coisa nessa
lista — disse Peter, lendo o bloco de notas em seu celular.
— E o que seria? Não esqueci de incluir nada — Shadow falou.
Peter ergueu o rosto.
— Um spray de tinta vermelha.
Elevei a sobrancelha.
— Tinta? O que você tá planejando?
— Você verá.
Uma vez um cara, não tão sábio, disse: basta um dia ruim para tornar o
mais são dos homens em um lunático. E é verdade, porque o ocorrido dos
últimos dias foi o bastante para me empurrar ao lugar que não tinha mais
volta.
Para quem já considerou, por diversas vezes, morrer, eu sentia que não
tinha mais nada a perder. Deixei que o sentimento flamejante de revolta me
consumisse, e daquela vez, ao invés de permitir que a angústia me matasse,
preferi tornar a emoção em uma arma para me defender, lutar contra aquilo
que me destruía pouco a pouco.
No dia anterior, Dean e eu passamos a tarde rodando em
supermercados, farmácias e lojas de construção para adquirir tudo o que
fosse necessário para a ação. Ele conversou com os outros amigos de seu
grupo e repassou o plano dado por Shadow.
À noite, Dean e eu resolvemos brindar com um espumante sem álcool
para comemorar o meu caminho à liberdade. Ele quem me deu a ideia de
destruir a Dermaceuticals, e todo o suporte para que pusesse em prática.
Acho que homem nenhum no mundo faria por mim o que ele fez, e a cada
dia eu tinha certeza de que estava me relacionando com a pessoa certa.
Naquela manhã, Dean me levou em casa antes do trabalho e ficou do
lado de fora, no aguardo. Eu tive que passar ali apenas para vestir um
uniforme limpo e alimentar meu peixe, mas não consegui ignorar a bagunça
da casa, resolvi tirar algumas coisas do chão e organizar um pouco o
espaço.
Passei da sala para o quarto, desamassei e vesti a roupa, atei o nó da
gravata e então voltei até onde estava Vi. Fui até ela, em passos lentos, a
alimentei e agachei para que pudesse olhá-la a sua altura.
— Vi, hoje é um dia importante, que espero que dê tudo certo. Eu
pretendo voltar, mas caso isso não aconteça... saiba que não te abandonei,
que fui embora tentando o melhor para nós.
Inclinei o rosto até seu vidro e a beijei em despedida.
Levantei e fui a caminho da porta, com a mochila pesada, com bombas
de gás, máscara de gás, fita, lata de spray e uma faca, por precaução.
Dean ergueu a viseira ao me ver sair e trancar a porta e estendeu o
capacete para mim. Coloquei e subi em sua moto, agarrando-o firme pela
cintura a caminho do trabalho.
Naquele dia, apesar do receio de as coisas darem errado, me senti
motivado, o percurso até aquela empresa não pareceu mais tão denso assim,
porque o tempo inteiro eu me relembrava o porquê de estar voltando para
lá.
Quando desembarquei da moto frente as escadas, Dean segurou minha
mão e pressionou meus dedos.
— Tome cuidado.
— Irei.
— Dessa vez não vou conseguir estar por perto, mas todos os meus
olhos estarão sobre você, então, se precisar de ajuda, não hesite.
Sorri discretamente.
— Nos vemos mais tarde.
Ele levantou a viseira e piscou para mim antes de acelerar com a moto.
Virei de frente para a escadaria e respirei fundo, minhas pernas quiseram
fraquejar quando subi o primeiro degrau, mas fechei os olhos e lembrei do
porquê que voltei para aquele lugar.
Vou nos vingar, Steve. Eu, você e todos os trabalhadores que tiveram
suas vidas sugadas por essa empresa.
Retraí as pálpebras e consegui terminar de subir as escadas em direção
à entrada. Mantive a cabeça erguida, sem olhar para o chão onde Steve caiu.
Eu sabia que ao passar por aquela porta receberia uma série de
questionamentos a respeito do meu sumiço ontem, já que não atendi
ligações, muito menos respondi a e-mails, o que me gerou uma provável
advertência e desconto na folha de pagamento.
Mas eu não estava nem aí.
Nunca estive tão atento àquele espaço, jamais prestei atenção por onde
passava. No hall, olhei para os cantos a fim de mapear a posição das
câmeras e saber qual era o nome da empresa de segurança, que sempre
deixava uma etiqueta.
Discretamente peguei o celular do bolso para anotar. Eram três, uma
acima do elevador, em frente à porta de entrada, outra acima do balcão da
recepção do lado direito, outra na posição oposta à recepcionista.
Peguei o elevador, apertei em todos os andares e subi. O prédio era
inteiramente padronizado, os outros andares tinham o mesmo
posicionamento de portas, secções e câmeras, cheguei a passear por outros
setores para comprovar isso, o que deixou o meu trabalho ainda mais fácil.
Eu anotava e enviava as informações para Dean, que repassava aos seus
amigos.
Shadow iria hackear o circuito de câmeras para congelar as imagens no
momento em que eu fosse liberar a entrada, mas, por precaução, usaríamos
máscaras e evitaríamos os pontos de visão nítida do ato para caso o sistema
voltasse a funcionar, não alarmar o alerta de segurança.
Os trabalhadores noturnos seriam apagados com as bombas de gás, para
que não tivesse testemunhas, e retirados do prédio, então as quatro bombas
seriam distribuídas pelos andares para que a destruição fosse irreparável.
Cheguei ao nono andar e saí da cabine apressado.
Quando pisei no corredor da minha área, dei de frente com Wilhem que
estava do outro lado do setor. Ele afrouxou a gravata e veio até mim com as
narinas bem abertas, rosto vermelho e passos pesados.
Fingi que não vi aquilo, apenas atravessei os boxes até o meu cubículo
e coloquei a mochila apoiada na cadeira, bastou que me sentasse para ouvir
o grito.
— Quer ser demitido?!
Sim.
Ergui os olhos e franzi as sobrancelhas.
— Desculpe por não ter vindo ontem, senhor, eu estava com sintoma de
gripe e tive receio de contaminar a todos...
Ele deu um passo para trás.
— Você fez algum teste de COVID?
— Não tive dinheiro pra pagar, mas melhorei hoje, por isso vim
trabalhar.
— E aí, está melhor hoje? De repente? — Ergueu a sobrancelha.
Olhei para os lados e levantei os ombros.
— Hum... eu acho que sim. Os remédios ontem me deixaram dopado o
dia todo, mas fizeram efeito, pelo que parece.
Wilhem torceu os lábios e ficou em silêncio me encarando com os
braços cruzados. E eu, apenas liguei o computador, fingindo que ele não
estava parado feito um obsessor ao meu lado.
— Estou de olho em você, Peter. Vai ter desconto no seu salário —
sussurrou, antes de se afastar de mim.
Quando o desgraçado deu as costas, o olhei sobre o ombro e o canto da
minha boca se repuxou, voltei a atenção à tela e mais e-mails chegavam
com outros projetos acumulados e tarefas inacabadas. Aquilo seria uma
ótima desculpa para ser novamente o último a sair do setor.
Evitei de olhar em direção ao cubículo onde Steve um dia esteve
sentado, não queria ter as memórias invadidas de novo pela sensação que
me deixava para baixo, mas relembrava do ocorrido em pequenas doses, o
suficiente para manter a minha coragem inabalada.
Enquanto eu fingia trabalhar, fazendo o máximo de corpo mole possível
durante o expediente, Carter passava pela minha mesa algumas vezes com
uma careta, não sabia se era para fingir serviço, como ele sempre fazia, ou
para esfregar em meu rosto seu crachá com o título medíocre.
Não dei o gosto a ele, mantive os olhos fixos na tela, codificando
devagar.
Estive tão focado no plano, repassando as ordens mentalmente, que
sequer vi as horas passarem, quando notei, faltava pouco para o expediente
acabar, olhei para o relógio e o ponteiro mais longo se alinhava ao lado
oposto do menor. 18 horas.
Em ponto, quando tocou o alarme, alguns se levantaram rapidamente
para sair, e os poucos que ficaram se apressavam, digitando rápido ou
olhavam para suas telas repuxando os cabelos, visivelmente ansiosos para
terminar e ir embora.
Eu permaneci no meu cubículo, com a expressão tensa e concentrada na
tela, enquanto os dedos digitavam o mesmo código repetidas vezes a fim de
chegar em lugar nenhum.
Assim que as luzes começaram a ser apagadas, levantei do meu lugar,
guardei as coisas e fui em direção ao banheiro, onde entrei em uma das
cabines, encostei a porta sem trancar e coloquei ambos os pés sobre o vaso
a fim de fingir que não havia ninguém, e ali permaneceria até a hora do
ataque.
Àquela altura, conforme os números mudavam na tela principal do meu
celular a cada minuto, minha tremedeira se intensificava. Apertei bem o
aparelho em minhas mãos, sentindo o estômago se revirar e o corpo esfriar
de tal forma, que o suor parecia congelante.
Inspirei lentamente e soltei o ar devagar, tentando me acalmar, estava
perto demais para voltar atrás, mas distante o bastante para abortar a missão
a tempo.
Cheguei a abrir a conversa com Dean, e olhei para a tela por segundos
pensando no que dizer. Estava em conflito, o sentimento sedento por justiça
deu lugar a sensação primal que me acompanhava desde sempre: o medo.
Não posso me acovardar de novo, não posso, não posso.
Tentei me encorajar, repetindo a mesma frase como se fosse um mantra.
Não, não dá pra mim.
Comecei a digitar para Dean que não queria mais fazer aquilo, até que,
antes de apertar o enter, ele me mandou uma foto dele com os outros três
rapazes dentro do carro, com máscaras. Dean estava com sua máscara de
Masked Guy e junto dele havia um rosto de palhaço sorridente e assustador,
uma máscara preta e lisa com chifres e um que parecia um smile, mas em
tom de branco ao invés de amarelo.
[Masked Guy]: Shadow já paralisou as câmeras e desativou o
sistema de segurança.
— Merda.
Era tarde demais e a hora havia chegado.
Quando voltei para a tela principal, deu o horário certo, eles estavam a
caminho e eu deveria cumprir meu papel, senão prejudicaria não só a mim,
mas Dean e todos os seus amigos.
Desci os pés do vaso e empurrei a porta da cabine lentamente, que
rangeu. Abri a mochila e tirei de lá uma máscara de gás, que levei ao rosto,
e a bomba de gás que deixaria os trabalhadores inconscientes.
Andei devagar com a bolsa nas costas, os segundos eram contados,
cada passo tinha que ser milimetricamente calculado.
Assim que abri a porta do banheiro, encontrei o ambiente escuro e
vazio, caminhei pelos boxes em direção ao corredor que dava para o
elevador, mas logo que dei de cara com uma mulher limpando a entrada do
setor, encostei na parede ao lado, em silêncio.
Meu coração batia forte, a pulsação estava tão aumentada que pude
sentir a artéria inchada no pescoço e até mesmo engolir a saliva se tornou
difícil. Peguei a primeira bombinha, sacudi para misturar os ingredientes e
dar o vapor, então agachei, destampei e joguei baixo até ela.
A mulher chegou a gritar, mas o som de seu corpo se chocando contra o
chão veio rapidamente. Deu certo.
Pressionei as pálpebras de nervosismo e olhei as horas, tinha que ser
mais rápido, em poucos minutos os Hunters estariam lá e eu não poderia
deixá-los esperando do lado de fora, também porque Shadow não
conseguiria manter o congelamento da câmera de forma não-suspeita por
muito tempo.
Corri até o elevador e apertei o botão. Enquanto aguardava, meus pés
batiam incontrolavelmente no chão, olhei para a mulher caída atrás de mim
e franzi as sobrancelhas.
— Me desculpe.
Assim que a porta do elevador se abriu, entrei para conseguir passar
nos outros setores que sabia que haviam os trabalhadores noturnos a fim de
desacordá-los com o gás.
Por último cheguei no hall, o ambiente estava à meia-luz e havia apenas
um segurança por ali. Arqueei a sobrancelha, geralmente costumava ficar
dois. Naquele espaço não tinha como me esconder, pisei para fora do
elevador e assim que o segurança me viu, colocou a mão para sacar a arma,
mas eu já havia sacudido e destampado a bomba.
— Mãos para o alto! — ele gritou. — Ponha o objeto no chão!
Larguei o gás. O segurança começou a se aproximar em passos rápidos,
até que ao perceber os olhos pesados e o caminhar de pernas trocadas, levou
uma das mãos ao seu rádio e, antes de falar, caiu desacordado.
Fui até ele e agachei ao seu lado para pegar as chaves do cadeado da
porta central, que não tinha catracas.
Me aproximei da entrada de vidro e vi, do alto, o carro preto frear
bruscamente do outro lado da rua e então as portas se abriram e de lá saíram
os mascarados, com as blusas de mangas longas, calças pretas e coturnos.
Todos com mochilas, mas somente dois com armas nas mãos, Masked Guy
e o de máscara de palhaço, pela altura em relação ao Dean, deduzi que fosse
Shadow.
Destranquei o cadeado e puxei a corrente pesada para abrir as portas
para liberar o resquício do ar empesteado com o gás antes de eles chegarem.
Os quatro Hunters subiram as escadas e me encontraram no hall às
escuras.
Masked Guy apoiou a arma na cintura, retirou uma das alças da
mochila das costas e abriu a bolsa.
— Trouxe algo pra você. — De lá, puxou uma máscara preta e branca,
com um formato alongado e expressão assustada, semelhante ao Ghostface.
Tirei a máscara de gás do rosto e entreguei nas mãos dele.
— Obrigado. — Peguei a nova máscara e escondi a face com ela.
— Prazer em te conhecer, Peter. — O de disfarce com chifres me
entregou a mão e a apertei. — Monster.
— Agradeço por vir, Monster.
— E eu sou o Zero. Caaara... que ideia doida! Mas foda. — O de
máscara de smile acenou.
— Já acabaram com o social? — Shadow abriu os braços. — Vamos
agir, porra! Não temos tanto tempo... — Ele olhou a tela do seu celular. —
Logo eles vão conseguir tirar o vírus do sistema.
— Quantas pessoas ainda há no prédio? — Monster perguntou.
— Além do segurança aqui embaixo, cinco. No segundo andar, quarto,
sexto, nono e décimo primeiro — falei
— Beleza. Monster e Masked, vocês são mais fortes, ajudem a tirar as
pessoas do prédio, depois o Monster fica de vigia aqui no hall, enquanto
Masked sobe para o segundo andar para instalar a última bomba. —
Shadow apontou para as escadas de emergência e virou-se para mim e Zero.
— Vocês dois, instalem as bombas em um local central do setor... — Ele
guardou a arma, abriu a mochila para tirar de lá uma bomba com
transmissão eletrônica e entregou em minhas mãos. — Peter, décimo
segundo andar, Zero sétimo, eu estarei no quarto.
Bateu palmas para que agíssemos rapidamente.
Shadow foi de escada, enquanto Zero e eu seguimos para o elevador a
fim de irmos para os andares e instalar as bombas. No instante que as portas
da cabine se fecharam, minhas mãos começaram a tremer segurando aquela
coisa pesada e altamente perigosa.
Zero direcionou o rosto mascarado para mim.
— Fica calmo, vai dar tudo certo.
— Não estou nervoso.
— Suas mãos dizem o contrário.
— E se não funcionar? E se alguém inocente morrer?
— O plano foi elaborado justamente pra evitar erros. Relaxa... —
Assim que o elevador chegou no sétimo andar, Zero se pôs para fora e
virou-se para mim antes das portas se fecharem. — Esse será seu primeiro
crime de muitos!
Ouvi suas gargalhadas antes da cabine voltar a subir.
Apesar de a frase ter sido dita em tom de piada, ele estava parcialmente
certo. Aquele ato mudaria a minha vida para sempre, eu não seria mais um
cidadão comum, e sim um criminoso.
Quando a porta se abriu naquele corredor vazio e escuro do último
andar, dei alguns passos lentos, sentindo como se o coração estivesse para
saltar do peito. Não tinha muito tempo e não havia mais volta.
Corri pelo corredor até as portas do setor e as abri com um chute, então,
em meio à escuridão, fui até a mesa central, coloquei cuidadosamente a
bomba e fui ágil para pegar o elevador de volta para o hall.
Apoiei a mão sobre o peito apertado, repuxando a blusa de nervosismo,
daí notei, que mesmo de máscara eu estava com o uniforme da empresa.
— Droga. Já tô ferrado mesmo, que se dane.
Assim que cheguei no térreo, estavam parados Zero e Monster
próximos à porta, me aproximei deles para esperar por Masked e Shadow
para partirmos e as bombas explodirem.
Dean apareceu pela saída da escada de emergência e veio em passos
rápidos até nós.
— Cadê o Shadow?! O alarme de cima já está começando a piscar, essa
merda vai alarmar! — falou alto com seus amigos.
— Eu sei lá, porra! Ele disse que ia colocar a bomba! — Zero gritou de
volta.
— Galera, vambora, isso vai dar ruim! — Monster apressou.
Masked se aproximou de mim e colocou a mão na minha lombar,
acariciando-a.
— Você está bem? — disse em um tom de voz baixo.
— Sim, estou.
— Parados aí! — gritou uma voz ao fundo.
Quando Dean pôs a mão na arma, o cano da pistola foi apontado para
mim, que estava perto dele, ele então tomou a frente, me colocando sob sua
proteção.
— Larga a arma! — O homem mandou.
Droga, eu sabia que tinha mais um segurança no hall!
Levantamos as mãos.
— Eu vou abaixar para deixar a arma devagar no chão, está bem? —
Masked disse, se movimentando lentamente enquanto estava sob a mira.
Antes mesmo que ele pudesse deixar o revólver no piso, Shadow
apareceu repentinamente nas costas do segurança e colou o cano da pistola
em sua cabeça.
O homem arregalou os olhos, puxou o ar e ergueu as mãos.
— Shiu, shiu, shiu. Você não vai olhar para trás, muito menos se mexer,
senão eu estouro seus miolos. Como um bom cidadão, vai deixar eu e meus
amigos irem embora, certo? — Sua voz saiu suave e calma.
— Sim, sim. Eu vou deixar vocês irem. — O segurança concordou.
— É claro que vai. — Num movimento rápido, Shadow agarrou o
homem por trás, tampando seus lábios e nariz com um pano. Ele segurou
firme o cara que deu dois tiros para o alto e se debateu por pouco tempo até
desacordar.
— Wow! — Zero gritou. — Coisa de Hollywood! Esse é o meu líder!
— Cala a boca.
— Vem cá calar com a sua — rebateu.
Arqueei as sobrancelhas. E de repente um barulho agudo começou a
soar e algumas luzes piscarem.
— Vamos embora! — Dean ordenou, me dando a mão para sairmos
rapidamente dali.
O alarme de segurança chamaria a polícia que em breve estaria no
local, e tínhamos que fugir e explodir as bombas o quanto antes, ou
correríamos o risco de falhar e de matar inocentes.
Enquanto descíamos os degraus com pressa e Shadow carregava o
último segurança para fora do prédio, parei no meio das escadas.
— Espera! Eu preciso fazer uma coisa! — falei.
— Peter, a gente precisa ir agora!
— É rápido! — Retirei a alça da mochila do ombro e a abri para pegar
a lata de spray vermelho, e então subi os degraus correndo enquanto sacudia
a tinta. Assim que cheguei ao piso onde Steve Dix caiu... agachei para
pichar. — Você será lembrado.
Enquanto eu escrevia, ouvi de longe os outros rapazes gritarem, e o
som da sirene, ainda que distante, se fez presente.
— Peter! Os policiais entraram na rua!
Bastou que eu desse o pingo no ponto de exclamação ao término da
frase, para que meu corpo fosse puxado. Masked me pegou no colo e me
colocou sobre seu ombro. Ele desceu rapidamente a escadaria me
carregando e assim que entramos no carro, a polícia começou a se
aproximar.
— Você é maluco! — Zero gritou para mim.
— Acelera, Monster! — Shadow perdeu a calmaria em sua voz.
O Porsche preto saiu derrapando e cantando pneu pelas ruas vazias do
centro de Manhattan enquanto as luzes vermelha e azul estavam na nossa
cola.
Eu estava no banco detrás, no meio de Zero e Dean. Arregalei os olhos
ao direcionar a atenção para o vidro e notar que um dos policiais colocou o
cano da arma para fora.
— Segurem! — O nosso motorista maluco gritou e então, numa das
rampas, ele jogou o carro para a lateral, que fez com que caíssemos para a
segunda pista e seguiu em alta velocidade soltando fumaça.
— Meu Deus, meu Deus, meu Deus! — falei, me segurando para não
berrar.
Zero gargalhava ao meu lado, enquanto Dean acariciava minha mão,
numa tentativa de me acalmar, inclusive, ele falhou em prender o riso, que
saiu baixo, mas indiscreto.
Monster acelerou para uma das ruas onde havia um beco, entrou em
uma viela e deu a ré, jogando o carro na escuridão.
As patrulhas passaram direto.
Somente ao parar de ouvir o barulho da polícia que consegui soltar o ar
que tanto prendia e respirar direito.
Monster apoiou o cotovelo no banco e olhou para trás.
— É, acho que ainda tenho jeito pra voltar a ser piloto de fuga.
— Você foi foda, maninho! — Zero disse. — Só tem cara foda e
maluco aqui!
— Zero, você não consegue calar a boca? — Dean disse.
Ri baixo. Apesar de estar entre estranhos, eu não me senti
desconfortável no meio deles, pelo contrário, foi como se fosse acolhido e
os conhecesse há um bom tempo.
— Agora vamos acabar logo com isso, antes que o esquadrão
antibombas chegue — Shadow abriu em seu celular o alarme ativador dos
explosivos.
— Espera! Deixa eu levar a gente para um lugar pra apreciar o
espetáculo antes. — Monster engatou a marcha e saiu devagar do beco,
então voltou a pegar a pista em direção a algum lugar.
Ninguém até então pareceu saber o que ele tinha em mente, até que
depois de percorrer algumas ruas pouco movimentadas, chegamos a um
lugar mais vazio, em que havia um estacionamento com andares a céu
aberto.
Monster tirou o ticket na cancela e subiu com o carro, até que fôssemos
parar no último andar e, ali, àquela hora, não havia nenhum outro veículo
além do nosso.
Quando as portas se abriram um vento gélido passou por mim, o que
me fez encolher os ombros. Retiramos as máscaras e caminhamos em
direção ao parapeito do estacionamento que dava vista para uma boa parte
do centro, em especial ao prédio da Dermaceuticals.
Shadow ergueu o celular com o disparador na tela.
— Prontos para o espetáculo? — perguntou.
— Explode logo! — Dean disse, impaciente.
E com apenas um toque, as explosões se iniciaram, feito fogos de
artifício.
Ali, senti como se um peso tivesse sido tirado das minhas costas, que
enfim estava livre e seria um novo começo.
Encostei meus dedos nos de Dean, que pegou na minha mão, unindo as
nossas palmas, então olhei para ele, que me encarou de volta.
— Essa foi a coisa mais romântica que alguém já fez por mim — falei.
— Você me salvou, Dean... obrigado.
Os cantos de seus lábios se ergueram e ele se aproximou para me beijar
enquanto o prédio à frente era consumido pelas chamas e desmoronava.
Devido ao sucesso do crime cometido, todos os Hunters foram para a
casa de Dean comemorar. Ficamos acordados até de madrugada, eu estive
mais distante da conversa, porém gostei de ouvi-los falar, principalmente
Monster e Zero que eram enérgicos e engraçados.
Pelo horário que a algazarra acabou, Dean preferiu que eles dormissem
por lá, em sua sala, enquanto nós dois ficaríamos no quarto.
Nunca dormi tão bem quanto naquela noite.
Na manhã seguinte, despertei com algumas batidas fortes na porta do
quarto. Arregalei os olhos e sentei na cama sentindo o coração acelerado, o
suor escorreu frio e diversas paranoias surgiram de imediato.
— É a polícia? — murmurei.
Dean ergueu as pálpebras logo depois.
— O que vocês querem?! — gritou.
— Pombinhos, vocês precisam ver isso! Venham logo! — Era a voz de
Zero.
Dean e eu nos entreolhamos, então peguei os meus óculos que estavam
apoiados na cômoda ao lado e deixei a cama junto dele, assim que
chegamos na sala, a televisão estava ligada no noticiário e os três Hunters
com a atenção vidrada na tela.
Quero dizer, os três não, Shadow alternava seu olhar entre a notícia e o
celular.
A repórter mostrava os estragos da explosão provocada na sede da
Dermaceuticals em Manhattan e alguns policiais falavam da perseguição. A
câmera focava nos escombros, até que direcionou a atenção para a minha
mensagem.
Pichado no chão, com vermelho escuro, estava ‘’Dermaceuticals
assassinou Steve Dix!’’.
[Repórter]: Agora vamos entrevistar Wilhem Parker, o gerente da
unidade. Wilhem, você tem algo a dizer sobre a mensagem no chão?
Muito desconcentrado e descabelado, deixando mais evidente a sua
calvice, o desgraçado puxou o microfone da mão da jornalista e fixou seu
olhar raivoso, apontando para a câmera.
[Wilhem]: Eu sei que foi você, moleque! A polícia vai descobrir e vai
te pegar!
A repórter tomou o microfone de volta.
[Repórter]: Wilhem, o que você tem a dizer sobre Steve Dix, o
funcionário da Dermaceuticals que faleceu na empresa dias antes do
ocorrido?
Enquanto o gerente dava as costas para a imprensa e se afastava do
foco das câmeras, um sorriso aos poucos se abria em meu rosto.
— As ações do grupo S’kin caíram muito e no Twitter já estão expondo
os abusos das outras empresas com a hastag justice4steve — Shadow
comentou e olhou para a televisão. — Acho que encontramos uma forma de
derrubarmos esses caras. Spencer será o próximo.
— Como você se sente agora? — Dean perguntou, pondo a mão em
meus cabelos.
— Aliviado, eu diria — respondi, com a visão fixa na tela. — O
problema é que agora, provavelmente serei procurado e ficarei sem
trabalho. — Desviei a atenção para ele.
— Você pode morar comigo, eu pago as suas coisas — Dean rebateu.
— Não quero depender de você.
— Quem disse que você vai ficar sem trabalho? — Shadow se levantou
do sofá, se aproximou de mim e estendeu a mão. — Você é programador,
não é? Que tal fazer parte dos Hunters?
Engoli em seco e ergui o olhar para o meu amado, que concordou com
a cabeça, apoiando a decisão.
Aquela era uma responsabilidade muito grande, até porque eu esperava
que pela quantidade de dinheiro que Dean tinha, se envolvia em esquemas
de pessoas poderosas, o que era arriscado.
— Aceita! Aceita! — Zero torceu.
— Eu apoio! — Monster disse.
Alternei meu olhar entre a mão de Shadow e as íris de Dean.
Umedeci os lábios, pensando no que fazer.
Tive noção desde o início que aquele dia mudaria a minha vida. Cometi
o primeiro crime e me tornei um alvo de investigação, não tinha mais volta.
Apoiei minha palma sobre a de Shadow, que a apertou, então ele sorriu.
— Bem-vindo aos Hunters... Ghost.
Eu assumi uma nova vida.
Com a destruição da unidade da Dermaceuticals em NY, enfim me vi
livre da empresa. Eles deram a opção de quebra de contrato em acordo ou
de renovação, mas para a unidade de Los Angeles. Preferi a quebra e fiquei
sem o contrato... e sem a casa em que morava.
Dean ofereceu seu apartamento para que vivêssemos juntos, e eu fui
sem pensar duas vezes. Me livrar daquela casa, que me recordava dos maus
momentos, ajudou ainda mais no meu processo de encerrar um ciclo para
começar outro ao lado da pessoa que amava.
Desde a ação na Dermaceuticals, a polícia iniciou uma investigação
pesada à procura dos culpados pelo ato ‘’terrorista’’. Nós ficamos
ligeiramente despreocupados, porque Shadow conseguiu, com muito custo,
apagar todas as imagens do armazenamento do sistema de segurança. Além
disso, desacordar as testemunhas e cobrir os nossos rostos tornou a
identificação quase impossível.
Apesar de ainda estar com a ficha limpa, eu não tinha coragem de
voltar à rotina de um cidadão comum. Me via cada vez mais imerso nas
ações dos Hunters, que, ainda que fossem consideradas um crime, eu
enxergava como um ato de justiça contra aqueles cuja grana comprava a
inocência.
As nossas ações não se limitariam à internet por muito tempo. Shadow
articulava algo maior desde que percebeu o impacto que o prédio derrubado
teve, não apenas econômico, mas social. E eu estava pronto para isso.
A notícia se difundiu de forma tão grande, que minha mãe soube tudo o
que aconteceu dois dias depois e me ligou desesperada para saber o que
seria da minha vida após isso, perguntou se eu voltaria para Fredericksburg
ou mudaria para Los Angeles por conta da Dermaceuticals. Para deixá-la
tranquila, menti que recebi uma proposta de trabalho em uma empresa
melhor ainda em Nova York, mas que iria visitá-la na semana seguinte para
matar a saudade.
E aquela semana que tanto esperei enfim chegou.
Dean e eu estávamos na hidromassagem, relaxando um pouco antes da
viagem. À noite ficávamos afastados, cada um em seu computador,
concentrados nos crimes. Mas durante o dia... vivíamos uma eterna lua de
mel, mesmo que ainda não estivéssemos casados.
Apertei mais minhas pernas ao redor de sua cintura sob a água e ele
inclinou seu corpo para cima do meu a fim de me beijar. A firmeza com a
qual seus dedos se pressionavam contra a minha pele contrastava com a
leveza de sua língua deslizando pela minha.
A mão maliciosa de Dean escorregou da minha cintura mais para baixo,
onde ele segurou forte a minha bunda e pude sentir sua ereção se esfregar
em mim, eu estava igualmente duro.
— Acha que dá tempo de uma rapidinha antes de Monster e Zero
chegarem? — A voz dele saiu baixa e carregada de tesão. Ele arrastou o
lábio pelos dentes enquanto me encarava.
Franzi as sobrancelhas e envolvi mais os meus braços em torno de seu
pescoço.
— Acho que não... você demora pra gozar, Dean. — Torci os lábios.
Ele riu e abaixou o olhar, seguido por um suspirar forte.
— Merda, a gente não tinha que ter entrado na banheira juntos com tão
pouco tempo livre — rosnou.
Elevei o canto do lábio, desci uma das mãos que apoiava em sua nuca
para o peitoral e segui um pouco mais para baixo encarando seu olhar
escurecido de tesão e o rosto avermelhado.
— Há outras formas da gente se aliviar. — Mordisquei minha boca e
dei-lhe um ligeiro toque nos lábios.
Dean agarrou firme meu corpo e o ergueu da água, fui colocado deitado
de barriga para cima sobre as madeiras da borda da hidromassagem. Ele
segurou nas minhas coxas e seu rosto entrou no meio delas.
Enquanto seus lábios beijavam lentamente o interno das minhas pernas,
os olhos lascivos se compenetraram nos meus. Dean desceu até a minha
virilha e foi mais para baixo, usou apenas a ponta da língua na minha
entrada, aquilo me fez arrepiar. Aos poucos usava mais de sua língua,
afundando o rosto contra a minha pele.
Arfei e apoiei as mãos em seus cabelos, então ele se voltou à minha
ereção e a lambeu antes de colocar na boca. Conforme me sentia bater
contra sua garganta, latejei intensamente e gemi baixo.
Dean me chupava por inteiro enquanto seus dedos me apertavam.
Entremeio as mãos em seus fios e os puxo à medida que o corpo aquecia e a
sensação de prazer perambulava na superfície da minha pele.
Ele emergiu da água e se colocou sobre mim, encostou seu pau no meu
e os envolveu com a mão para masturbar nós dois ao mesmo tempo.
Tentei beijá-lo, mas o tesão do esfregar era tão grande que se tornou
quase impossível de manter os lábios unidos. Nossas bocas ficaram perto
uma da outra, trocando o ar das respirações pesadas e os gemidos baixos.
Coloquei o braço sobre seu ombro e pressionei as pálpebras
firmemente. Estava no meu limite, gozei entre seus dedos e Dean usou a
minha porra para nos tocar ainda mais rápido, uma aflição me fez
estremecer.
— Tá sensível! Chega! — avisei.
No momento em que iria me desvincular dele, ele chegou ao seu ápice,
se derramando sobre mim. Seu corpo pesado recaiu no meu, acariciei suas
costas devagar e suspirei.
— Acho que a gente vai ter que se apressar... ainda bem que as malas já
estão prontas. — Dean riu.
— Sim, mas acredito que dá para tomarmos uma ducha rapidinho —
falei. — Tá mais aliviado pra seguir viagem agora?
De olhos fechados, ele afirmou.
Nos levantamos para tomar um banho separado e terminar de nos
arrumar e conferir as coisas da viagem, bastou que checássemos os últimos
itens para que o interfone tocasse. Dean foi atender e permitiu que Monster
e Zero subissem, o Monster nos emprestaria o carro e o Zero ficaria no
apartamento para cuidar de Vi e Seraphine enquanto estaríamos fora.
Dean sentou no sofá e abriu o celular para conferir o roteiro da viagem.
Seria um bom tempo dirigindo de Nova York até Fredericksburg, e ele faria
isso sozinho... porque só ele tinha a carteira de habilitação falsa.
Eu estava terminando de trazer as malas para a sala quando a
campainha tocou. Atendi e bastou que abrisse a porta para que Zero entrasse
na casa com os braços erguidos.
— Que vidão! Três dias com esse luxo de apartamento só pra mim! —
Se jogou no sofá ao lado de Dean, que o encarou de canto com a
sobrancelha erguida.
— Nada de festas ou trazer alguém pra cá. — Direcionou a atenção
para mim. — Trancou a porta do quarto?
— Tranquei.
— Relaxa, eu tava só brincando. Vou cuidar bem da cobra e peixinho
de vocês.
— Bom dia — Monster foi mais educado antes de entrar, nos
cumprimentou e passou pela porta com as mãos nos bolsos. — Masked, já
deixei o carro abastecido, com o tanque cheio.
Dean se levantou e ergueu a mão para Monster, e bateram as palmas,
seguido por um soquinho de companheirismo e a entrega da chave do
veículo.
— Valeu, cara. Te devo uma.
— Você me deve é muitas! — Ele riu. — Boa viagem, amigos.
— Obrigado, Logan — falei, dando-lhe um aperto de mão e olhei para
Zero, que estava esparramado no sofá, mexendo no celular. — Ei! Lembre
de conversar com a Vi para ela não se sentir sozinha!
Tae guardou o celular e se ajeitou sobre as almofadas com a expressão
confusa.
— Falar com um peixe?
— E converse com a Seraphine também. Faça isso! — Dean disse a
última frase em tom de ordem, o que fez com que Zero abrisse mais a boca.
— Tá, tá, pode deixar... — Levantou as mãos. — Vocês são malucos.
— Bem, estamos indo... — Peguei na alça das minhas malas e as
arrastei até o corredor. — Tchau, rapazes!
— Valeu, Ghost! — Monster retribuiu — Boa viagem! — repetiu.
— Qualquer coisa me liguem. E não façam merda no nosso
apartamento, se não caço vocês.
Eles riram e concordaram.
Nosso apartamento. Eu amava quando Dean se referia ao seu lar
daquela maneira, porque ele não me via como um inquilino na sua casa,
mas sim seu companheiro, que dividia a vida e os bens.
— Tchau, pombinhos! Boa viagem! — Ouvi Zero gritar pela última
vez.
Arrastamos as nossas bagagens pelo corredor até o elevador e assim
que entramos para descer até o estacionamento, ouvi o meu namorado
suspirar profundamente e revirar os olhos. Mesmo que a máscara
descartável escondesse parte do seu rosto, pude notar seu semblante
preocupado.
— O que te aflige? — perguntei.
— Eu acho que foi uma má ideia deixar o Zero no apartamento,
principalmente pra cuidar da Vi e Seraphine. — Colocou uma das mãos no
bolso e concentrou sua atenção no painel.
— Acha que deveríamos chamar o Shadow para ficar de olho nele? Pra
mim ele parece bem responsável.
Dean soltou uma risada curta e me deu atenção.
— Chamar o Shadow? Pra quê? Para ele e Zero treparem em cada
canto do nosso apartamento? Nunca! — Balançou a cabeça em negação. —
Zack sozinho é responsável, com o Tae é outra coisa.
— Então vamos apenas ter fé. Não vai acontecer nada com a nossa
casa. — Soltei o ar devagar e fechei os olhos. — Por favor, Deus.
Ele riu e afastou a mão do bolso para segurar na minha, entrelaçando os
nossos dedos.
— É, não vai acontecer nada... se acontecer, Zero será um homem
morto.
Expressei um sorriso e inclinei os olhos para seu rosto. Quando a porta
do elevador se abriu, saímos dele e caminhamos em direção ao carro preto
de Monster, que estava totalmente novo, sem um arranhão, e de placa
trocada.
Guardamos as malas nos bancos detrás e Dean tomou a direção para
deixarmos seu condomínio rumo à estrada. Seriam apenas três dias em
Fredericksburg, pouco tempo, porque os Hunters precisavam de nós, mas o
suficiente para matar a saudade da minha família e apresentar o meu
namorado.
Não contei para a minha mãe que estava namorando, muito menos
morando junto com ele, e tampouco havia comentado para Dean que meus
pais não esperavam por ele, seria surpresa para os dois. Preferi manter
assim porque sabia que minha mãe ficaria desesperada por eu levar alguém
da cidade grande para lá, como se fosse um grande evento, e para Dean eu
fingi que já havia falado dele pra minha família há semanas, pra não ficar
tão nervoso sobre a primeira impressão que eles teriam.
Meu namorado colocou Deftones para tocar no carro, a minha banda
favorita, que ele também gostava. Eu retirei os tênis e coloquei os pés com
as meias sobre o banco, abri um pouco mais o vidro e fechei os olhos,
sentindo o vento bagunçar meus cabelos.
— Eu acho que deveríamos levar algo daqui para os seus pais, nem que
fosse uma camisa brega daquelas com o ‘’I love NY’’ — disse ele,
concentrado na pista.
— Pra quê?
— Sei lá, um agrado. Quem não gosta de presentes?
— É... antes de sair da cidade a gente passa em uma dessas lojinhas à
beira de estrada para levar um chaveiro, alguma coisa.
Senti os dedos dele deslizarem pela minha perna e apertou a minha
coxa.
— Você é muito desligado, passarinho.
Sorri discretamente. Eu gostava mais quando ele me chamava assim do
que quando dizia meu nome, até a entonação em sua voz era diferente, mais
suave, como se a ponta de sua língua ficasse mais tempo tocando o céu da
boca só para aproveitar a pronúncia da palavra.
Antes de pegar a estrada que deixava Nova York, passamos primeiro
por um McDonalds, depois na loja de lembrancinhas, compramos um
chaveiro e bonezinho para levar para os meus pais. Dean fez muita questão,
parecia querer agradá-los de qualquer forma.
Mal sabia ele que eles sequer o esperavam, e aquilo me deixou com a
consciência um pouco pesada.
Levei a mão à perna dele e acariciei.
— Amor… tem algo que preciso contar a você.
Por estarmos em uma pista livre, Dean se permitiu desviar os olhos do
caminho para mim e arqueou a sobrancelha.
— O quê?
Senti o coração bater um pouco mais rápido, recolhi os lábios e
pressionei os dentes.
— Meio que… meus pais não sabem de você ainda.
O ouvi respirar forte. Dean abaixou a máscara até o queixo e passou
uma das mãos pelo rosto, esfregando-o, retornou os olhos para a estrada.
— Por que você fez isso? Caralho, Peter... — Passou a mão pelos fios
dourados que caíam em sua testa, levando-os para trás. — Por que não
contou a eles? Ao menos sabem que você gosta de homens?!
— Calma, calma, Dean. É que a minha mãe surta se eu falar que tô
levando gente da cidade grande pra lá e no seu caso, não queria que ficasse
nervoso antecipadamente.
— Bem, não fiquei nervoso com antecipação, mas tô nervoso agora.
Não sei se muda muita coisa. — Pude ouvi-lo soltar o ar com raiva.
— A minha família sabe que sou gay, isso não é um problema. Acho
que vão gostar de você, principalmente por ser carinhoso e levar as
lembrancinhas... vou dizer que nos conhecemos na empresa nova em que
estou trabalhando. — Ergui os ombros. — Vai dar tudo certo.
— Vai dar uma merda...
— Vai dar certo! — Dei dois tapinhas na mão dele, que estava apoiada
na marcha.
— Espero que sim. — Ele virou a palma da mão para cima a fim de que
eu a segurasse. — Na mentira eu posso dizer que você é meu funcionário e
te contratei por achar um gostoso? — Ergueu o canto do lábio.
Ri.
— Não.
— Vou dizer então que te contratei e você deu em cima de mim.
Balancei a cabeça em negação, sustentando um sorriso no rosto.
— Não tem graça, Dean.
— Então por que você tá rindo? — Direcionou os olhos para mim
rapidamente e voltou a atenção para a estrada.
— Porque é uma ideia absurda de ridícula. Vamos só dizer que
trabalhamos no mesmo setor e nos envolvemos a partir disso, não precisa
tanto detalhe, só de ter um contexto basta.
Entrelacei mais os nossos dedos.
— Tudo bem, então. Mas ainda acho a minha ideia melhor. — O canto
de seu lábio se ergueu e eu refleti o seu sorriso.
Passamos longas horas na estrada, entre pausas em lanchonetes e postos
de gasolina até chegar em Virginia e mais alguns minutos até
Fredericksburg. Passei tanto tempo distante da minha cidade natal, que me
esqueci de boa parte do caminho até a minha casa, foi preciso abrir o GPS
para conseguirmos um direcionamento.
Quando passamos por muitas áreas de mato e enfim chegamos em
frente a casinha pequena de madeira branca e poucas janelas, senti meu
peito se apertar e os olhos arderem. Empurrei os óculos para cima dos olhos
e inspirei profundamente.
Assim que desembarcamos do carro, alguns vizinhos apareceram em
frente às suas casas ou mantiveram um olhar curioso sobre o Porsche preto.
Dean cobriu novamente o rosto com a máscara, ele ainda não se sentia à
vontade para ficar sem ela perto de ninguém que não fosse eu. Foi até os
bancos detrás e puxou as nossas malas para fora.
Peguei na alça da bagagem e dei alguns passos à frente, com o olhar
fixo na entrada. O pequeno jardim que plantei ao lado da minha mãe
quando tinha sete anos continuava florido, com flores de pétalas amarelas e
brancas, a entrada não mudou muita coisa.
Sem querer deixei que uma lágrima escorresse assim que parei em
frente a porta. Ali era a definição de lar, de aconchego, e toda a saudade que
me consumiu se esvaiu em um choro. Dean se pôs ao meu lado e usou o
polegar para limpar as minhas bochechas.
— Está tudo bem?
— Sim, amor... estou em casa — falei.
Dei três toques à porta, minha mão estremecia enquanto aguardava o
momento do reencontro, e quando enfim a trava foi aberta, meus pais
apareceram na entrada, mesmo sabendo da minha chegada eles pareceram
surpresos.
— Filho! — Meu pai disse.
— Querido! — Minha mãe se afastou da porta para me dar um abraço
firme.
Meus pais me abraçaram juntos e eu os apertei com tanta força, que era
como se estivesse me prevenindo de perdê-los. E eu só consegui chorar,
mais e mais, e minha mãe fez o sentimento ser compartilhado.
Eles se afastaram discretamente depois de me cumprimentarem. Sequei
o rosto, passando os dedos nos olhos por debaixo dos óculos, ambos
olharam para Dean e cumprimentaram ele sem sequer saber quem era.
— Mãe, pai, esse é o meu namorado... Dean. Ele tá meio gripado, por
isso preferiu vir de máscara.
— Prazer em conhecê-los, senhor e senhora Reid.
— O prazer é todo meu, querido — respondeu minha mãe. — Meu
Deus, eu não sabia que você viria! Não preparei a casa pra sua chegada, ai
minha nossa... — Rapidamente ela se agitou e levou a mão aos cachos. —
Peter, você tinha que ter avisado!
— Fique tranquila, eu também cresci em cidade pequena, sei como é —
Dean tentou acalmá-la.
— Por favor, não repare na bagunça. Entrem, entrem. Assei um bolo,
vocês devem estar famintos!
— Na verdade nós comemos bastante durante o caminho na estrada —
falei, passando pela porta arrastando a mala. A casa continuava toda igual
por dentro, com os mesmos móveis velhos de madeira, televisão pequena na
sala e tapete de crochê que a própria dona Margareth, minha mãe, fez.
— Olha! Esse aqui é o bebê Peter? — Dean disse, apontando para uma
foto da família que estava sobre o móvel próximo a televisão e se sentou no
sofá, perto do meu pai.
— É, é sim... não era uma gracinha? — Minha mãe pegou o portaretratos
e se colocou entre eu e meu namorado.
— Continua sendo uma gracinha até hoje — Dean brincou e deu uma
piscadela pra mim.
Senti as bochechas formigarem e ri baixo.
— Como foi a viagem? Muito cansativa? — meu pai perguntou.
— Bastante, foi muito chão pra chegarmos até aqui... — falei, — mas
trouxemos alguns presentes! Dean quem teve a ideia. — Abri a mala e tirei
de lá a sacola da loja de lembrancinhas, então entreguei o boné ao meu pai e
o chaveiro para a minha mãe.
— Eu adorei! Obrigado, filho — disse o senhor Richard, colocando o
chapéu na cabeça grisalha e deu dois tapinhas nas costas de Dean para
agradecer a ele também.
— Meu Deus, que lindo! — Minha mãe levou o chaveiro à altura dos
olhos e sorriu. Direcionou a atenção pra mim. — Por que não me avisou
que traria o seu namorado, hein?
— Digamos que foi uma decisão feita em cima da hora. — Ergui os
ombros.
— Não me lembro de Peter falar sobre você antes, Dean. Vocês
trabalharam na Dermaceuticals juntos? — Richard questionou.
— Não, não. — Dean cruzou as pernas. — Na verdade, conheci o Peter
durante a contratação para a minha empresa, confesso que foi amor à
primeira vista.
— Você é o chefe dele?! — Minha mãe arregalou os olhos.
Respirei profundamente e levei a mão ao rosto. Ao mesmo tempo em
que queria rir, desejava enforcá-lo por contar justamente a mentira que pedi
para que não falasse. E ele manteve meus pais entretidos com a nossa
suposta história.
Rever minha família era algo maravilhoso, mas fazer essa visita ao lado
da pessoa que eu amava tornou a experiência ainda melhor. Ver os três
dividindo o mesmo espaço, gargalhando e compartilhando novidades foi
algo que me fez ficar de coração cheio.
E acredito que deixou meus pais em paz também, por saberem que eu
estava bem acompanhado em NY, que seu filho querido conseguiu um bom
emprego e um companheiro carinhoso.
Aquela era a imagem que eu manteria para eles de Peter Reid, o Ghost
deixaria para apresentar outra hora.