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Revista Dr Plinio 327

junho de 2025

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Publicação Mensal

Vol. XXVIII - Nº 327 Junho de 2025

A perfeita união com

o Sagrado Coração

de Jesus e Maria


Luis C.R. Abreu

Órgão, imagem de Deus

As mais antigas impressões que tive ao frequentar a Igreja do Sagrado Coração de

Jesus foram: harmonia, beleza, elevação, doçura, força, tudo isso, por assim dizer,

refletido magnificamente pelo orgãozinho paroquial daquele santuário.

Quando pela primeira vez o órgão chamou minha atenção, pensei: “Que música! Dir-se-ia

que quando Nosso Senhor falava sua voz ressoava com o som do órgão!”

A Igreja Católica tem algo pelo qual ela relaciona os homens entre si como os tubos de um

órgão se harmonizam. A Igreja Católica é comparável a um imenso órgão.

O que ocorreu em Pentecostes, quando apareceu uma chama originária que se repartiu

em várias outras, faz pensar no órgão que se desdobra nos vários tubos, com uma

semelhança estupenda com Deus que, sem Se empobrecer nem Se cansar, pelo contrário, na

explosão de sua glória, cria, e até Se alegra em emitir de dentro de Si as mais valiosas variedades

sem sofrer o menor abalo em sua unidade, Ele, motor imóvel de tudo quanto pôs em

movimento. Assim vejo o unum do órgão.

(Cf. Conferências de 16/11/1979 e 27/2/1986)

Órgão do Santuário do Sagrado

Coração de Jesus, São Paulo


Sumário

Publicação Mensal

Vol. XXVIII - Nº 327 Junho de 2025

Vol. XXVIII - Nº 327 Junho de 2025

A perfeita união com

o Sagrado Coração

de Jesus e Maria

Na capa,

Dr. Plinio em

maio de 1993

Foto: Arquivo Revista

As matérias extraídas

de exposições verbais de Dr. Plinio

— designadas por “conferências” —

são adaptadas para a linguagem

escrita, sem revisão do autor

Dr. Plinio

Revista mensal de cultura católica, de

propriedade da Editora Retornarei Ltda.

ISSN - 2595-1599

CNPJ - 02.389.379/0001-07

INSC. - 115.227.674.110

Diretor:

Roberto Kasuo Takayanagi

Conselho Consultivo:

Jorge Eduardo G. Koury

Roberto Kasuo Takayanag

Vicente de Paula Torres Nunes

Redação e Administração:

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - sala 1 - Tremembé

02372-020 São Paulo - SP

Impressão e acabamento:

Pigma Gráfica e Editora Ltda.

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Serviço de Atendimento

ao Assinante

revistadrplinioassinatura@gmail.com

Segunda página

2 Órgão, imagem de Deus

Editorial

4 Duas devoções rumo a

um mesmo triunfo

Piedade pliniana

5 Desagravo ao Sagrado

Coração de Jesus

Dona Lucilia

6 Nos perigos, desvelo e

cuidado maternos

Gesta marial de um varão católico

8 Pureza: requisito essencial para adquirir a

mentalidade do Sagrado Coração de Jesus

Reflexões teológicas

13 O Divino Amigo, Rei e

centro dos corações

O pensamento filosófico de Dr. Plinio

20 Conhecimento doutrinário e

comunicação de almas

Perspectiva pliniana da História

25 Passado, perspectiva para se

conhecer o presente

Apóstolo do pulchrum

32 Considerações religiosas e

sacrais sobre o cisne

Última página

36 Mãe três vezes admirável!

3


Editorial

Duas devoções rumo a

um mesmo triunfo

As relações entre os povos, as lutas entre as culturas, as disputas de terreno entre as civilizações, os

progressos, os retrocessos, esse grande vaivém da vida é agitado, mas bonito, cuja beleza devemos

saber apreciar. Sobretudo quando no centro dessa imensa batalha está uma taça contendo o Sangue

infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, vertido para que o Reino d’Ele se estabeleça nesta Terra

como meio de levar os homens ao Céu.

Nesta perspectiva, o embate entre a Revolução e a Contra-Revolução é a luta dos que pretendem jogar no

chão a taça com o Sangue de Cristo e perder todas as almas, contra os que querem defender essa taça, erguê-

-la por cima de todas as coisas da Terra e fazer com que tudo reflita a beleza, a grandeza, a santidade do Criador

e do Redentor.

Os Santos que mais se assinalaram em ensinar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus têm os seus escritos

como que túmidos de esperanças na vitória da realeza de Jesus Cristo, em seguida aos dias tormentosos

em que vivemos. De outro lado, os escritos de São Luís Grignion de Montfort estão cheios de clarões proféticos

sobre a realeza de Maria Santíssima, como término da era de catástrofes inaugurada com a pseudorreforma

protestante.

Realeza de Jesus Cristo e realeza de Maria Santíssima não são coisas diversas. A realeza de Maria não é

senão um meio – ou antes o meio – para a efetivação da realeza de Jesus Cristo. O Coração de Jesus reina e

triunfa no reinado e no triunfo do Coração de Maria. O reinado e o triunfo do Coração de Maria não consistem

senão em fazer triunfar e reinar o Coração de Jesus. E assim essas duas grandes caudais de devoção nascidas

pouco depois do protestantismo caminham para um mesmo termo, para a preparação de um mesmo fato:

a realeza de Jesus e de Maria numa era histórica nova.

A quem vê a História com os olhos da Fé e sabe discernir ao longo dela as intervenções da Providência em

favor da Santa Igreja, afigura-se impressionante a coincidência e a harmonia entre as missões de dois grandes

Santos: Luís Maria Grignion de Montfort e Margarida Maria Alacoque.

Pouco importa saber até que ponto os movimentos de Paray-le-Monial e da Vendeia no século XVII se conheceram.

A importância de um e de outro não ficou circunscrita àquela época. Filhos da Igreja neste trágico

século em que vivemos, podemos e devemos ver ambos os movimentos numa só perspectiva e, assim unidos,

fazer deles nosso tesouro espiritual.

O nexo essencial que os liga está hoje em dia posto em tal luz na consciência de qualquer fiel que nem sequer

é necessário insistir sobre ele. A devoção ao Coração de Jesus é a manifestação mais rica, mais extrema,

mais delicada do amor que nos tem nosso Redentor. A via para chegar ao Coração de Jesus é a Medianeira

de todas as graças. E assim se vai ao Coração de Jesus pelo Coração de Maria. Esta última devoção é o ponto

de junção entre a mensagem de Paray-le-Monial e a pregação do apóstolo marial da Vendeia. Ponto de junção

que, diga-se de passagem, tece tanto realce nas aparições de Fátima.*

* Cf. Catolicismo n. 48, dezembro de 1954; Revista Cristiandad, 16/11/1958 e conferência de 17/3/1987.

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.

4


Piedade pliniana

Amanda J.G.

Desagravo ao Sagrado

Coração de Jesus

ÓSagrado Coração de Jesus, por intermédio do Imaculado Coração de Maria, eu Vos

ofereço reparação pela guerra ímpia e silenciosa feita no interior da Santa Igreja

contra Vós. De toda minha alma desejo desagravar vossa honra assim injustamente

atingida.

Meu desagravo consiste em Vos afirmar minha adoração e envolve uma execração radical

da trama diabólica que visa expulsar-Vos dos santuários e até dos corações dos fiéis.

Entretanto, Senhor, Vós vedes as insuficiências incontáveis, quer dessa adoração quer

dessa execração. Vertei sobre mim as torrentes de vossa misericórdia, de maneira que eu

Vos adore em toda a medida para a qual fui criado e execre vossos adversários em toda a

medida da adoração que Vos devo.

Pelo Imaculado Coração de Maria, ofereço-Vos este ato, na esperança de que, assim, ele

obtenha o vosso agrado. Assim seja.

(Não há registro da data em que esta oração foi composta)

5


Dona Lucilia

O zelo de Dona Lucilia fazia-a sumamente

atenta ao filho, sendo vigilante em relação a

qualquer perigo, sobretudo aos espirituais.

Arquivo Revista

O

desvelo de uma mãe aumenta

quando aumenta o

perigo, e diminui à medida

que este diminui. Se o menino está

brincando dentro de casa, ela toca

a vida tranquila. Se a criança faz

alguma estripulia, o coração materno

bate e fica horrorizado, só sossega

quando tudo acaba.

Numa ponte, andando do

lado de fora do corrimão...

Lembro-me de mamãe me contar

fatos de minha infância. Eu era um

menino muito tranquilo e obediente,

mas extravagante, e fazia coisas

que a deixavam apavorada.

Ela me contava que uma vez fomos

passar uma temporada em

Águas da Prata, em São Paulo, perto

da divisa com Minas. É um lugar com

águas que fazem muito bem para o fígado,

do qual ela sofria.

Fomos lá passar as férias, meu

pai, ela, minha irmã e eu, para ela

fazer uso dessas águas. E havia naquele

local um rio muito pitoresco

e uma ponte. Esta última era

feita de madeira e tinha um corrimão

de cada lado. Mas o corrimão

não ficava na extrema ponta

de cada tábua; havia um espaçozinho

entre a ponta e o corrimão, do

lado de fora.

Certo dia mamãe estava com outras

senhoras conversando junto dessa

ponte, quando me vê, já pelo meio

da ponte, andando do lado de fora

do corrimão.

Era uma ponte comprida, alta; o

rio, pedregoso e impetuoso. Se eu caísse,

poderia com facilidade bater em

cima de uma pedra, machucar-me

muito, o rio talvez me levaria, e eu seria

capaz de morrer. Ela, até extremamente

anciã – morreu com noventa

e dois anos –, contava isso com susto,

como se tivesse acontecido ontem.

Dona Lucilia refletiu e disse: “Se

eu me zangar com ele, vai ficar assustado

e pode cair. É melhor eu

começar a sorrir como se estivesse

achando muito engraçadinho o que

ele está fazendo”.

Eu tinha uma verdadeira loucura

por ela. Porém, não tinha noção

de que estava fazendo uma coisa má,

achava que era algo muito divertido.

E quando a vi sorrir, eu comecei

José Rosael/Hélio Nobre/Museu Paulista da USP(CC3.0)

Plinio menino

6

Estação Ferroviária de Águas da

Prata no início do século XX


mais animadamente a andar. Quando

ela me viu pôr o pé firme na terra,

passou-me um pito.

Nossa Senhora está

rezando por mim

e me ajudará!

O susto e o perigo fazem

com que o desvelo de uma

mãe cresça ainda muito mais.

Assim age Nossa Senhora conosco.

Vendo-nos em apuros,

Ela vai nos amar e ajudar

muito mais.

Portanto, quando vier alguma

solicitação, alguma tentação

para pecar, pensemos nisto: “Minha

Mãe Celeste, neste momento,

do alto do Céu está olhando para

mim com particular atenção e dando-me

força. É como se toda a história

do mundo parasse e Ela olhasse só

para mim. Ainda que eu não sinta, Ela

está rezando por mim e me ajudará!”

Chegando em casa pelas

quatro da manhã...

Outro fato se deu quando eu era

ainda muito moço. Minha mãe tinha

a ideia de que o jovem vacila mais

do que o homem maduro, ou seja,

pode mudar com mais facilidade e,

por isso, ela receava que eu mudasse

de modo de ser.

Sempre fui de deitar-me tarde.

Talvez seja por alguma remota ancestralidade

espanhola que eu tenho.

Mas meus horários sempre foram

como os da Espanha. Naturalmente,

levantava-me tarde também,

não tinha remédio...

Por certo, a aurora é muito bonita,

mas para nós será sobretudo bonita

quando amanhecer o Reino de Maria.

Neste reino da Revolução no qual vivemos,

só o que nos convém é a noite.

Naquele tempo, eu chegava em

casa por volta das onze horas, meia-

-noite, às vezes meia-noite e meia,

quinze para uma. Não porque ela

Fotografia do passaporte de Dona Lucilia

marcasse hora, mas porque era meu

costume.

Entretanto, em uma dessas vezes

cheguei lá pelas quatro horas da

manhã. Fui jogar baralho em casa

de uns primos meus que me haviam

convidado. E combinamos – coisa de

“enjolras” – de fazer uns riscos vermelhos

no rosto daqueles que perdessem

a partida.

Ora, eu não prestava muita atenção

na partida e, por essa razão, perdia.

Não tinha o menor interesse naquilo

e também não me incomodava

de pintar ou não o rosto, porque

chegava em casa, lavava-o antes de

dormir.

Resultado: eu perdi monumentalmente

nessa noite e me pintaram o

rosto com pinturas burlescas, engraçadas.

Depois eles mesmos me levaram

de automóvel até minha casa,

e eu nem pensei nas consequências

disso.

Cheguei tarde. Eu tinha a chave

da casa e, quando abri a porta, encontrei

ao lado de dentro Dona Lucilia,

“em pezinha”, muito apreensiva.

Ela havia me procurado, mas na

casa onde eu tinha estado eu quase

nunca ia, por isso não passou pela

cabeça dela telefonar para lá. De

maneira que mamãe me procurou,

não me encontrou, não sabia

onde me encontrar e pensou:

“O que aconteceu com o

Plinio?”

Arquivo Revista

Temor das más

companhias

Dona Lucilia temia muito

menos um desastre ou qualquer

coisa assim do que as más

companhias. Eu não tinha estado

com nenhuma má companhia, mas

quando abri a porta e ela me viu entrar

com o rosto todo pintado, teve

um verdadeiro susto e perguntou:

“Mas você, a esta hora e com essas

pinturas no rosto?! O que é isso?!”

Eu dei risada e expliquei-lhe o

que era. No primeiro momento, ela

teve dificuldade de mudar o estado

temperamental, mas depois viu que

era uma coisa completamente inocente

e que eu tinha feito uma “enjolrada”.

1

Despedimo-nos afetuosamente e

mamãe foi dormir. Eu fui fazer minha

toilette e daí a pouco reinava a paz na

Alameda Barão de Limeira, 77. v

(Extraído de conferências de

7/4/1985 e 12/9/1985)

1) Derivado de “enjolras”. Palavra afetuosa

utilizada por Dr. Plinio para designar

seus discípulos mais jovens, os

quais surgiram aproximadamente a

partir de 1970. Havia neles acentuado

grau de debilidade, se comparados

com aqueles que os antecederam,

os da “geração nova” (cf. Dr. Plinio n.

81, p. 17). Entretanto, a Providência

concedeu aos “enjolras” uma maior

capacidade de se entusiasmar pelo aspecto

simbólico das coisas.

7


Gesta marial de um varão católico

Pureza: requisito

essencial para

adquirir a

mentalidade

do Sagrado

Coração de Jesus

Desde tenra infância, Dr. Plinio percebeu

que tudo o que é vil, criminoso e

pecaminoso corta o circuito enorme

de coesão e de afinidades entre Deus e

os homens. Por isso procurou sempre

conhecer, admirar e amar a virtude da

pureza, lutando para manter a elevação de

espírito e adquirir em tudo a mentalidade

de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Estevão G.

T

odas as coisas que Deus faz

têm uma razão de ser. E eu

várias vezes me perguntei:

qual seria a razão das miragens?

Uma analogia: as miragens

É fácil entendê-las supondo que

Deus favorece com elas os que andam

pelo deserto, fazendo-os conhecer uma

8

Sagrado Coração de Jesus

(acervo particular) - Quito


Arquivo Revista

Dr. Plinio em 1924

paisagem maravilhosa à distância, dando-lhes

vontade de encontrar logo esse

lugar e ajudando-os na caminhada.

Mas, por que Deus dispôs a natureza

de tal maneira que a miragem cria

no homem – extenuado, torrado de

calor durante o dia, enregelado de frio

durante a noite, devastado pelo vento

simum, que apenas pode conversar

com seu camelo a linguagem inevitavelmente

muda desse animal –, uma

visão errada pela qual ele imagina estar

entrando num lugar em que de fato

não está, e assim aumentando seus

tormentos ao invés de atenuá-los?

A Terra é um vale de lágrimas;

seriam lágrimas a mais para serem

choradas pelo viandante? É uma explicação

válida, mas alguém poderia

dizer: “É tão difícil atravessar o

deserto a pé, e ainda mais isso!?”

Quantas coisas terríveis nos acontecem

na vida e nós temos de aguentá-

-las e ir para frente.

Às vezes eu me pergunto se a miragem,

em seu sentido metafórico,

não é também uma vantagem, pois

certas ilusões que nos levam a admirar

são um benefício para nós; devemos

respeitá-las.

O caminho para se

adquirir uma virtude

O fato de um homem, pelo favor

de Nossa Senhora, ter conservado a

castidade durante a vida inteira, por

um lado é algo admirável, mas por

outro não é tão extraordinário.

No começo de minha juventude, a

pureza foi para mim uma virtude difícil.

Mais tarde Nossa Senhora me

ajudou e tornou-se muito mais fácil.

Eu não quero criar a ideia de um jovem

angélico que nunca teve a baixeza

de sentir os estímulos da carne;

sei que sentir não é pecar, desde que

se rejeite e reaja. Eu não tenho nenhuma

vergonha de dizer que senti e

tive de lutar muito.

Ora, para lutar é preciso conhecer,

admirar e amar. Conhecer significa

saber bem no que consiste a

virtude pela qual se está batalhando

e onde está o bem dessa virtude. A

partir de então, admirar, tomar diante

dela uma posição contemplativa:

“Ó, quão belo é!”; contemplar, analisar

e deixar-se influenciar por essa

admiração, porque a admiração é filha

da análise daquilo que é admirável.

Por fim, amá-la, desejá-la para

si, querer que os outros a tenham, e

reprovar quem não a tem.

Contemplando a alma do

Sagrado Coração de Jesus

Por que eu admirei e admiro tanto

a virtude da pureza? Eu sabia descrever

porque ela era bonita, mas

não sabia enunciar o que ela era.

Foi apenas mais tarde que descobri

o que era.

Por um auxílio da graça, ao ver a

imagem do Sagrado Coração de Jesus

e outras que conheci quando menino,

eu fazia uma abstração do que

havia de defeituoso, de artisticamente

discutível, para ver o modelo que

o escultor ou o pintor não tinha conseguido

realizar.

O modelo era de tal maneira acessível

aos meus olhos, que eu não

chegava a perceber que aquela imagem

não O realizava por inteiro. Para

o bem de minha alma, eu tinha

uma espécie de miragem por onde

eu via um Sagrado Coração de Jesus

ideal. Até certo ponto era uma miragem,

que não estava na imagem ou

estava de um modo incompleto, e

o que eu via era completo. Não era

de nenhum modo uma visão ou uma

ilusão dos olhos – eu tinha uma vista

esplêndida – era uma espécie de

ilusão da mente a propósito de uma

imagem vista pelos olhos.

Por algum lado eu fazia ideia de

como seria a perfeição da alma humana

quando habitada pela graça.

Gabriel K. / giomodica (CC3.0)

9


Gesta marial de um varão católico

Arquivo Revista

Eu ouvira falar da graça, mas não sabia

que era uma coisa muito preciosa.

E isto dava na seguinte consideração:

Nosso Senhor Jesus Cristo, ao

lado de sua natureza divina, tem uma

alma verdadeiramente humana unida

ao corpo. Essa alma, que eu via

mais imediatamente quando olhava

para a imagem, me parecia que estava

num colóquio, num conhecimento,

num contato, numa conversa com

a natureza divina que Ele conhecia

dentro de Si mesmo por experiência

própria, o que Lhe conferia uma elevação

de vistas, de propósitos e de

desejos, uma sabedoria insondável a

respeito de todas as coisas.

Ele, Segunda Pessoa da Santíssima

Trindade, conhecia a sua própria

natureza como cada um de nós

se conhece a si próprio; isso fazia

com que os mais altos píncaros que

se possa imaginar do cogitar humano,

as coisas mais belas para admirar,

mais excelsas para amar, tudo isso

Ele via, admirava e amava de um

modo perfeitíssimo, de maneira tal

que enchia a sua natureza humana

de uma excelência e de um esplendor

que eram divinos. Ele estaria para

Deus mais ou menos como um espelho

para o Sol: quem vê o espelho

Dr. Plinio em 1986

não vê o Sol, mas quem vê o espelho

vê o Sol.

Um amor imensamente

capaz de elevar

Isso produzia o efeito que eu notava

nas imagens: uma elevação

enorme, uma amplitude – mas coisa

curiosa, não estranhem o contraditório

– não apenas para cima, mas

para baixo. Ele estava no píncaro de

toda a criação e, pelo fato de ter essa

comunicação com Deus, Ele possuía

um amor capaz de abarcar tudo

o que estava abaixo d’Ele.

Grãozinho de areia por grãozinho

de areia, ameba por ameba, corpúsculo

por corpúsculo… Ele ama aquilo

com uma intensidade que penetra,

ilumina por dentro e, de algum

modo, eleva a Si aquela coisinha insignificante.

Um grão de areia, quem

não o calca aos pés? Mas o Sagrado

Coração de Jesus o ama.

Assim como a luz do Sol numa

praia pode fazer refulgir como brilhante

um grão de areia minúsculo,

assim o amor de Deus incide em tudo.

Ele, que conhece todas as coisas

e para quem não há memória –

o presente, o passado e o futuro são

simultâneos por toda a eternidade –,

Se lembra até dos seres transitórios

que já tenham deixado de existir.

Isso revela o que eu chamaria de

capacidade de ligação, por onde Ele

forma um nexo entre as mais elevadas

altitudes do Padre Eterno e o

último serzinho que se arrasta dentro

da terra e nunca vê a luz do Sol,

a última partícula de estrelas perdi-

Flávio Aliança

10


das na atmosfera de que

o homem nunca terá conhecimento.

Tudo forma

com Ele um nexo e tudo

Ele liga, ama e ordena

pela imensidade do seu

amor. Um amor capaz

de elevar, porque o que

é amado por Ele sobe. O

que indica ser um amor

com tal calor, de uma

bondade tão penetrante,

tão tranquilizante, que

nada pode abalar.

Maria Santíssima,

criada para

perdoar além

dos limites

Na fisionomia das

imagens do Sagrado Coração

de Jesus o que mais

me agradava era a atitude

de grande elevação,

oposta a tudo quanto é

vil, oposta ao pecado, ao

erro, ao crime e, de algum

modo, a tudo o que

corta esse circuito enorme

de coesão e de afinidades

que há entre Deus

e a criação. E disso estão

excluídos, com o ódio

permanente d’Ele – ódio forte como

o é seu próprio amor –, os demônios,

anjos decaídos, e os precitos, homens

condenados por toda a eternidade.

Ele se apresenta meditativo, não

só como quem possui um conhecimento

profundo de tudo, mas que

analisa e qualifica tudo de um modo

perfeito e, por isso, ama ou odeia

de um modo adequado. Sua vida é

um profundo, luminoso, eterno, concentrado,

aberto e convidativo meditar.

Mas um meditar com uma nota

de tristeza. É a maior tristeza que jamais

alguém teve; ela enche sua alma

de um dolorido que, até quando

inspira compaixão, é altaneiro e

Imaculado Coração - Igreja de São Francisco,

Porto de Santa Maria, Espanha

sobranceiro. Ele não Se sente diminuído,

nem humilhado, mas aguenta

sua dor, sem sequer pedir que ela seja

abreviada.

Ele olha para os homens convidando-os

para um perdão: “Querem

continuar? Querem me fazer sofrer?

Eu não os odiarei por isso antes de

ter chegado a hora da minha cólera.

Ainda há para o meu perdão espaço

no meu Coração. Meu filho, venha

e preencha esse espaço. Entre nele,

ame-o, Eu o convido para isso. Ao

meu lado está minha Mãe que pede

por ti. Minha bondade foi tal que,

prevendo que você não a mereceria,

eu dispus esse meio maravilhoso:

Flávio Lourenço

uma Mãe que lhe perdoasse

e que Me pedisse

perdão por você quando

a minha hora de perdoar

já se tinha esgotado”.

Para quando não houvesse

perdão para nós,

Ele criou uma intercessora

virginal, Nossa Senhora,

que intercede

junto a Ele para perdoar

além dos limites que

Ele próprio traçou. É

uma misericórdia levada

ao último ponto: “Meu

filho, não quer aproveitar?

Aqui está o meu Coração”.

Uma alma assim,

eu teria vontade de passar

a vida inteira contemplando-a,

convivendo

com Ela, ainda que

Se esquecesse de minha

presença junto a Si.

A suma perfeição

Tudo o que Nosso Senhor

fez é tão perfeito

que eu não me atrevo

a dizer que determinada

coisa foi mais perfeita

que outra; mas o

que mais me toca e impressiona

são as orações

d’Ele. Quando Ele se dirige

ao Padre Eterno com aquela familiaridade,

de grandeza a grandeza,

e aquela humildade de Filho para

Pai, dizendo: “Meu Pai…” Só essa

interjeição, “Meu Pai”, eleva nossas

almas e as põe em grande humildade,

porque se este é Ele, quem somos

nós perto d’Ele? Salve Regina,

Mater misericordiæ, porque não há

outra saída.

Imagine Nosso Senhor durante os

quarenta dias em que esteve no deserto

orando e jejuando: ajoelhado

junto a uma pedra, um lindo luar

do Oriente, a noite estrelada, o silêncio

do deserto, a poesia da Terra Santa

e Ele dizendo: “Meu Pai…” Ven-

11


Gesta marial de um varão católico

do-O rezar a sós, quem de nós, aproximando-se

sem que Ele tivesse percebido,

ousaria tocar com a ponta do

dedo n’Ele para chamar a atenção sobre

um pássaro? Ou para dizer: “Senhor,

um fariseu disse contra Vós tal

coisa”? Ele está conversando com o

Pai e eu venho falar a respeito de tal

fariseu, de Herodes, vou contar o último

roubo que Judas fez, ou um pecado

que cometi? Não é possível! É melhor

dizer bem baixinho, invocando a

intercessão de Nossa Senhora: Anima

Christi, sanctífica me. Se Ele não me

santificar, quem me santificará, quando

a santidade por essência é Ele?

Ambientes outrora

pervadidos pela atmosfera

do Sagrado Coração

Parecia-me, e não me enganava,

que os velhos ambientes tradicionais

de outrora, ainda que afastados da

religião, por efeito da graça e da tradição

conservavam algo muito pálido

dessa elevação do Sagrado Coração

de Jesus.

Eu me lembro como eram recolhidos

e luxuosos certos solares antigos

do bairro dos Campos Elíseos, mas

também nobres e serenos. Eles convidavam

ao pensamento, à reflexão,

às boas maneiras, à ordem, ao amor

recíproco, mas um amor cheio de nobreza,

onde havia intimidade, é verdade,

mas repleta de categoria. Eu

compreendia que no passado do Brasil,

filho do passado de Portugal que

viveu a Idade Média e onde luziu a alma

do Condestável, o Bem-aventurado

Nuno Álvares Pereira, havia qualquer

coisa de espiritual que continuava

e que era o reflexo dessa civilização

profundamente cristã.

Quando eu voltava do Santuário

do Sagrado Coração de Jesus e entrava

em alguma dessas casas, eu sentia

a consonância daquilo com o Coração

de Jesus, embora, na indignação

e na tristeza de minha alma eu percebesse

– entrava pelos olhos e pelos

ouvidos –, o ateísmo, o igualitarismo

que já existia. Era tal a tradição que

ainda havia, que mesmo as pessoas

igualitárias, proclamando a igualdade,

o faziam com gestos nobres. Entretanto,

eu já entrevia a influência

de Hollywood e, nesse bairro onde

havia tantos solares antigos, começavam

a construir bangalôs e a conspurcar

assim a cidade de São Paulo.

Eu frequentei muitos bangalôs,

muitas casas em estilo americano,

com pessoas já com mentalidade

hollywoodiana: risadas, gargalhadas,

música jazz-band. Tudo ia desaparecendo,

a reflexão, a seriedade, a bondade

e o nexo admirável de todas as

coisas com Deus, pelo qual é impossível

deitarmos a atenção em qualquer

coisa sem notar até que ponto ela nos

leva até Nosso Senhor Jesus Cristo,

até Nossa Senhora. Toda a elevação

foi se rompendo e dando nas risadas

e nas palhaçadas, na impureza.

Eu conheci antigos casais que pela

má índole do marido, muito raramente

da mulher, passavam dramas.

Tal era o senso de indissolubilidade

do matrimônio existente naquela

época que não se podia cogitar em

divórcio. O casamento tinha soldado

Dr. Plinio em 1986

os dois um no outro e não pensavam

no divórcio. Quando acontecia o caso

extremo da separação, esta era

dentro de casa, velada; podiam viver

em quartos vizinhos, mas nem os

criados chegavam a perceber se havia

ou não a separação.

Nessas condições eu comecei a

ver a Revolução e a impureza em todo

o seu horror, e compreendi que,

para ter aquele espírito do Sagrado

Coração de Jesus, era indispensável

ser puro; do contrário, mais cedo

ou mais tarde, eu apostatava daquela

mentalidade. E como eu desejava

tê-la como a luz de meus olhos, então

devia amar a pureza. Qualquer

olhar ou pensamento impuros em

que eu consentisse seriam como uma

pedrada que eu jogava nesse mundo

de porcelana e de cristal, através do

qual filtrava a própria luz de Deus.

Então eu firmei esta resolução: Não!

Custe o que custar, não! O espírito é

pronto, mas a carne é fraca, não importa!

Salve Regina, Mater misericordiæ,

Auxilium Christianorum, ora pro

nobis!

v

(Extraído de conferência de

9/1/1986)

Arquivo Revista

12


Reflexões teológicas

O Divino Amigo,

Arquivo Revista

Rei e centro

dos corações

Há um mundo misterioso

que é o centro da vida na

Terra: o dos corações. Ao

adentrar nele, entrevê-se

a verdadeira amizade que

só é possível ser mantida

duravelmente através

da união de ideais, de

sacrifícios e de vidas.

Ora, todos nós temos

um Amigo que entregou

sua vida e sofreu tudo

por nós. Como devemos

amá-Lo e tornarmo-nos

um só com Ele?

O

tema da troca de corações

é uma matéria sobre a qual

eu tenho refletido algum

tanto, mas sobre a qual não tenho tido

tempo de fazer estudos. Portanto,

ao tratar disso, não estou lançando

teses, mas hipóteses.

Hipóteses conforme o

pensamento da Igreja

Alguém dirá: “De que adiantam

essas hipóteses, se não são certas?

Seria mais ou menos como uma aula

de Geografia em que se diria: ‘É

provável que daquele lado haja uma

ilha e suponho que naquele outro

haja um continente…’ Não adianta.

Olhe no mapa o que há e venha me

dizer direito. O resto não é aula”.

Eu escolho a Geografia como

exemplo muito de propósito, porque

13


Reflexões teológicas

Flávio Lourenço

Arquivo Revista

ela serve idealmente para dar a resposta

que quero, pois foi com conjecturas

dessas que tal ciência chegou

a conhecer o mundo. Quantos

erros e quantas verdades o homem

foi pondo no seu caminho até descobrir

a forma completa da Terra, todos

os continentes, todas as localizações

etc. Foi tateando que o homem

chegou às certezas da Geografia.

Assim também a maior parte das

cogitações descritivas, científicas ou

qualquer outra, são precedidas de

conjecturas.

O objetante dirá: “Mas aqui a matéria

está tratada nos livros. O senhor

não faria melhor em estudá-

-la?”

Eu digo: ainda que eu tivesse tempo

de estudar, gostaria antes de conjecturar.

Cada espírito tem suas peculiaridades,

está no meu conjecturar

antes de estudar; depois verifico

no que estive errado ou certo. Compreendo

a matéria muito mais a fundo

do que se for ver diretamente como

é.

Portanto, acho que não perdemos

tempo fazendo algum tanto de navegação

nos mares cheios de mistérios

da conjectura, dispostos a nunca tomá-la

por afirmação. Sobretudo deve

pesar nas nossas hipóteses a disciplina

em relação à Igreja. Ver o que

ela pensa e, conforme o seu pensamento,

a conjectura estará certa ou

não.

O mundo dos corações tem

um centro e este tem um Rei

Dr. Plinio em 1986

Eu ainda era “enjolras” quando li

pela primeira vez a Ladainha do Sagrado

Coração de Jesus. E, das várias

invocações – todas muito bonitas

–, há uma que me chamou a atenção

por causa da ordenação que ela

traz, ao menos isso sugeriu ao meu

espírito: “Coração de Jesus, Rei e

centro de todos os corações, tende

piedade de nós”.

14


Ficava ali apresentado um mundo

misterioso que é o centro da vida

na Terra: o mundo dos corações.

Tomada a palavra “coração” no sentido

de ânimo, de disposição, de

mentalidade, em que o sentimento

também entra, mas não é o fator exclusivo

nem preponderante, ocupa

o papel que deve ocupar na mente

humana.

“Coração de Jesus, Rei e centro

dos corações”, significa Coração de

Jesus, Rei de todos os ânimos, Rei e

centro de todas as mentalidades;

mentalidade de Jesus,

Rei e centro de todas

as mentalidades.

Portanto, há um mundo

dos corações, o que parece

querer dizer duas coisas ao

mesmo tempo: está na natureza

da alma humana que

os homens existentes na

Terra formem uma imensa

sociedade de almas, de

corações; e que, como toda

sociedade, esta tenha um

centro – porque aquilo que

não tem centro não é nada

–, e nele haja um Rei.

Mas, revertida a afirmação,

vista de outro lado, é

mais importante, naturalmente:

Nosso Senhor Jesus

Cristo, pelo fato de ser

Homem-Deus, é o centro

e Rei de todos os homens.

Logo, o Coração d’Ele é,

pela ordem natural, o Rei

e o centro de todos os corações.

É preciso chamar a

atenção ao seguinte ponto:

a ideia de que as almas

dos homens formam uma

sociedade que se realiza no

terreno do impalpável, do

invisível – porque as almas

não são visíveis. O convívio

e a confrontação das almas

são mais importantes

e mais reais do que a confrontação

comercial, industrial, agrícola

e política.

Desse primeiro ponto, deduz-se o

segundo: esse mundo das almas que,

por sua natureza tem um centro, pede

para ter um rei.

Reis e centros contrários

Imaculado Coração de Maria - Igreja de

São Paulo, Córdova, Espanha

Se Nosso Senhor é o Rei e centro

de todos os corações, então tudo leva

a crer que, com todos os corações

que O seguem, forma um exército

acies ordinata – em ordem de batalha.

E em sentido oposto a Ele – porque

as almas precisam ter um centro

–, deve existir um outro centro contrário,

o qual tem um rei e um centro

de todos os corações que se perdem,

enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo

é o Rei e o centro de todos os corações

que se salvam.

Uma distinção fundamental: um é

o Rei Deus, o Rei triunfante, o Rei

verdadeiro. O outro é um rei de borra,

de infâmia e de ninharia, esmagado

e usurpador, que não tem direito

a realeza nenhuma, triturado

e condenado por

todos os séculos, a quem

Deus consente que desenvolva

a sua ação malfazeja

para provar mais os homens,

para triar mais os

que são d’Ele, dando-Lhe

maior glória. De maneira

que, quanto mais o demônio

trabalha contra Deus, e

quanto mais Deus consente

que o demônio trabalhe

contra Ele, maior é o brilho

dos fiéis que resistem

no mundo.

Então, todos os corações

bons têm um centro:

Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em perpendicular, infinitamente

abaixo d’Ele e insondavelmente

acima dos

outros homens, está o Coração

Imaculado de Maria

que é a Mediadora ou

o Coração Mediador de

todos os homens junto a

Deus, sem o qual nenhum

homem ousaria aproximar-

-se d’Ele e por meio do

qual todos os homens conseguem

acesso junto a Ele.

Surge daí a ideia da batalha

entre o Rei legítimo

e o usurpador infame,

entre o Rei de esplendor

e o usurpador das trevas,

que exerce uma realeza

de palhaçada, porque de

Arquivo Revista

15


Reflexões teológicas

tal maneira ele não é rei que, mesmo

quando trabalha contra seu adversário,

glorifica-O! Esse é o demônio.

Temos na História, por assim dizer,

dois centros. Um é o centro vencido,

subordinado, que só age na

medida em que lhe consentem e no

interesse daquele a quem ele combate.

E outro é o Rei Eterno, perfeito

na sua glória, que esmaga o demônio.

Não são, portanto, dois polos

equivalentes e opostos. São dois polos

dos quais um não vale nada e o

outro vale tudo, mas, sem embargo

disso, fazem girar a História. E Deus

pode consentir que o polo mau de

tal maneira se dilate, que chegue até

este auge de poder que ocupa em

nossos dias. Mas, vejam bem a

miséria do demônio. À medida

que ele vai caminhando

para frente, percebe

que vai tocando no próprio

ponto de explosão.

Cada século que

ele atravessa de aparente

triunfo vai desaparecendo

no caminho

do seu patíbulo;

ou seja, é a derrota,

o esmagamento

dele, com a “Bagarre”

1 e advento do

Reino de Maria!

O eterno

derrotado pela

Justiça Divina

Sailko(CC3.0)

Do que depende

a vitória do Sagrado

Coração de Jesus e

do Imaculado e Sapiencial

Coração de

Maria? Depende do

fato de que Nosso

Senhor quer ser livremente

adorado e

servido pelos que são

d’Ele, criando condições

para atrair as almas

e pedir-lhes sacrifícios. Se as almas

se unem a Ele, deixam-se atrair

por Ele e fazem sacrifícios, Nosso

Senhor vence. Se, pelo contrário,

as almas são pífias, resistem e fazem

meios sacrifícios, a vitória d’Ele

é menor ou pode ser uma aparente

derrota.

Alguém dirá: “Dr. Plinio, por que

aparente derrota? Em última análise,

suponha que todos os homens

rompessem com o Sagrado Coração

de Jesus e sobre a Terra não restasse

Juízo Final - Museu de Munique

senão um punhadinho de bons. Isso

não é a vitória do demônio?”

Eu responderia: não! No momento

em que ele tivesse a ilusão de ter

ganhado a guerra, aí acabaria a História,

viria o dia do Juízo Final, portanto,

do encarceramento dele. Os

Anjos acorrentariam por períodos

indefinidos os demônios que vagueiam

por aí para fazer toda espécie

de mal, e estes ficariam trancados

no Inferno. Viria logo o Juiz justíssimo

que já os julgou, para julgar

agora os seus sequazes e lançá-los ao

Inferno!

Dizem os teólogos que, depois de

mandados ao Inferno todos os ímpios,

todos os destinados a ser

precitos porque pecaram livremente,

os Anjos darão ordem

à natureza, e tudo

quanto é matéria podre,

deteriorada, tudo

quanto é lixo do

universo, será jogado

por cima deles.

E ficarão ali esmagados

pela História

que pela voz

de Deus os julgou,

esmagados

pelo castigo que

sofrem e por todo

o lixo do mundo.

E no alto,

Deus, os Anjos e

os Santos contemplando

o tormento

deles e dizendo

impropérios para

atormentá-los

e para aumentar-

-lhes o sofrimento,

porque o merecem.

Isso regozija

os bem-aventurados,

porque

exatamente o que

há de terrível na

hora do Juízo é isto:

a era da misericórdia

desapare-

16


ce, foi encerrada. Nem sequer Nossa

Senhora nos olhará com compaixão.

Não há saída. A justiça divina é o

quadro que nunca convém esquecer.

Arquivo Revista

Um exemplo que dignifica

a existência humana

Sagrado Coração de Jesus - Sé Catedral de Santarém, Portugal

Essa união de todas as almas entre

si e com o Sagrado Coração de

Jesus, por meio do Imaculado Coração

de Maria, é uma união que,

quando posta no seu estado de perfeição,

poderia chamar-se a troca de

corações.

Para dar uma ideia muito vaga,

muito sumária do que isso possa ser,

eu recorro ao exemplo tirado da antiguidade

pagã. Havia, numa cidade

da Grécia, não me lembro qual, dois

amigos, um dos quais foi condenado

à morte pelo governador local. Esses

governadores eram uma espécie de

presidentes da República, vitalícios

e com plenos poderes, aos quais não

davam o título de rei, mas o de tirano,

pois essa palavra não tinha o sentido

pejorativo que tem hoje.

E o amigo que ia ser morto mandou

pedir licença ao tirano para ir visitar

a própria família, além de acertar

umas coisas na terra distante dele,

antes de morrer. O governador

mandou dizer que não o podia deixar

partir, pois que garantia ele tinha

de que o sentenciado voltaria e, portanto,

não era uma fuga? Certamente

ele se refugiaria num país distante,

onde o tirano não exercia o mando,

e não voltaria. Naquele tempo

não havia os meios policiais de pegar

alguém: fugiu, era a liberdade.

O condenado disse: “Eu vou lhe

dar uma garantia. É notório em toda

a cidade que fulano é meu grande

amigo, por isso eu o coloco como

refém. Eu lhe garanto, fale com ele,

que ele concordará. Se eu não chegar

no prazo marcado, mate-o. O

prazo que eu peço é tal”.

O tirano ficou espantado com a

proposta e mandou perguntar para

o amigo, o qual respondeu: “Sim,

sou vosso refém e vosso prisioneiro a

partir do momento em que ele tenha

liberdade. Eu aceito que vós me mateis

caso ele não volte na hora marcada”.

O condenado viajou. As viagens

naquele tempo eram incertas. Algum

tempo antes do prazo, esperavam

que ele estivesse de volta, mas

não voltou. Demorou mais um pouco,

mas afinal chegou a tempo de se

apresentar para morrer.

O tirano ficou pasmo: “Como esses

homens cumprem assim a palavra?

Eu não compreendo essa amizade!”

Mandou chamar o outro e

encontraram-se na presença dele.

O que voltou da viagem disse ao seu

amigo: “Aqui estou, vim cumprir minha

condena”. E o amigo respondeu:

“Que pena, eu queria morrer

por você!”

É um fato que a mentalidade

moderna custa muito a acreditar.

Mas é preciso dizer que esse exemplo

dignifica a existência humana.

O tirano ficou tão admirado com

aquela mútua amizade que disse

o seguinte: “Eu solto este, mas peço-lhes

um favor: admitam-me como

um terceiro na sua amizade!”

Alguém com mentalidade moderna

diria: “Bobo! O que ele lucra

em ter esses dois amigos? É melhor

matar um e dizer ao que fica vivo:

Você agora vai ser amigo meu! E se

você não aceitar, eu serei seu torcionário!”

A resposta dos dois amigos, em

termos modernos, seria: “Claro! Vamos

ficar amigos!…” Um pisca para

o outro: “Vamos tirar proveito, depois

fugimos…” Tiravam proveito

de alguns dias, ajuntavam algum dinheiro

e fugiam durante a noite!

17


Reflexões teológicas

Flávio Lourenço

Levantamento da Cruz - Museu Diocesano de Santa Afra, Augsburgo, Alemanha

Entretanto, a resposta dos dois

foi: “Fazei o que quiserdes, mas vós

não sois digno de ser o terceiro na

nossa amizade!” Isso é tão antimoderno,

que eu não sei bem até que

ponto isso é compreensível para os

meus jovens “enjolras”, mas para um

católico – e todos o somos – é arquicompreensível!

O Amigo que se entregou

para salvar os homens

Nós todos temos um amigo que fez

isso por nós, um Amigo com um “A”

maiúsculo tão grande que vai até o

Sol! É o Cordeiro de Deus que tira os

pecados do mundo! Que quis entregar-Se

de fato, morrendo na Cruz por

nós, para nos salvar. De maneira que

essa bonita historieta do tirano e dos

dois amigos, que dignifica realmente

a alma humana, não é nada em

comparação com a Segunda Pessoa

da Santíssima Trindade que, sendo

Deus, fez-Se Homem e habitou entre

nós, entregando sua vida e sofrendo

tudo o que sofreu para salvar a cada

um de nós. Quanta misericórdia!

Então, como nós devemos amar?

Se esses dois amigos se tinham um

tal amor, como nós devemos amar

esse Amigo? É claro que a pergunta

não se põe, ela se impõe! Não é possível

meditar sobre isso sem formular

essa pergunta.

Ser a outra metade da alma

humana do próprio Deus

Se sondamos, por hipótese, a

mentalidade desses dois amigos, encontraremos

o seguinte resultado:

eles, de tal maneira se queriam e se

compreendiam, de tal maneira eram

afins, que eram como um só, pela

união de seus ideais, de seus sacrifícios

e de suas vidas.

Essa união é magnificamente descrita

em uma passagem da Escritura

(cf. Sl 54, 13-15): “Se um outro tivesse

feito isso, eu perdoaria; mas tu?

Um outro eu mesmo, a metade de

minha alma? Que sentado à minha

mesa, comigo comia doces frutos...

Tu me traíres? Ó tu!…”

Entende-se todo o relacionamento

de alma que isso significa. É possível

que um homem – dentro desse

mar de egoísmo do mundo contemporâneo,

egoísmo que está na natureza

humana em virtude do pecado

original – seja duravelmente amigo

de um outro, a ponto de ser duravelmente

um outro ele próprio, a metade

de sua alma? Ou isso é uma fantasia,

uma lorota?

A resposta é: sim, é uma lorota,

uma fantasia, e frustra a vida imaginar

que seja assim. Mas é uma

das tantas fantasias que se transforma

em maravilha por obra da graça.

O homem, posto diante de Nosso

Senhor, querer ser um outro Ele

próprio, christianus alter Christus –

o cristão é outro Jesus Cristo – e ser

como que a metade da própria alma

humana d’Ele, isto é possível pela

ação da graça no homem.

Quer dizer, a misericórdia de

Deus é tão grande, que a cada homem

Ele chama e diz: “Vem e une-te

a Mim! Sê um outro Eu mesmo! Sê

tu a metade de minha alma!”

Mas isso que Ele diz a todos, a alguns

diz de modo particular, com

uma suavidade mais atraente, com

um aspecto mais envolvente, com

uma grandeza mais deslumbrante.

18


Quais são esses a quem Nosso Senhor

diz aquelas palavras do Evangelho:

“Vem e segue-Me”? Indefinidamente...

Para onde? “Não saberás!”

Em que condições? “Não saberás!

Olha para o chão e segue o caminho

dos meus passos! Ao longo,

pelos horizontes que forem se abrindo

diante de ti, vem e segue-me! Tu

me encontrarás!”

“Serei Eu mesmo a tua recompensa

demasiadamente grande!” (cf.

Gn 15, 1). Em latim essa promessa

tem uma sonoridade que eu não saberei

transmitir, mas que é belíssima:

“Ego sum merces tua magna nimis”.

Eu serei a mercê, quer dizer, a

vossa recompensa. Magna: grande!

Nimis: demasiadamente! É esta atitude

que devemos tomar com Nosso

Senhor e com a Santa Igreja. Nosso

Senhor nos chama muitas vezes para

um caminho e, na sua solicitude,

na sua bondade, nos dá um guia para

segui-Lo.

Há ainda outras circunstâncias

particulares para caracterizar a troca

de vontades, mas essa é um traço

dela.

Condição ideal para a

troca de vontades

A troca de vontades, então, se estabelece

de tal maneira que muitos

Santos a tiveram com Nosso Senhor.

Na espiritualidade de São Luís

Grignion de Montfort ela se apresenta

nos seguintes termos: quando

Jesus Cristo encontra, numa alma,

devoção a Nossa Senhora, ali Ele

faz sua morada. E se Ele, num coração,

encontra o Coração de Maria,

ali faz essa troca de vontades, de modo

magnífico. Porque ninguém teve

com Ele uma troca de vontades tão

perfeita como Maria Santíssima, que

O gerou, entrando em colóquio com

Ele desde o primeiro momento da

Encarnação, e que O acompanhou

até o alto da Cruz; e que depois O

adorou aqui nesta Terra, com o Santíssimo

Sacramento presente no Coração

d’Ela de modo ininterrupto,

até o momento de morrer e subir aos

Céus nas condições de glória que todos

conhecem!

Então, a devoção perfeita a Nossa

Senhora prepara as condições ideais

para a troca de vontades com Nosso

Senhor. E assim, através d’Ela – pois

não há outro meio a não ser através

d’Ela –, nós caminhamos para aquele

que é o Rei e centro de todos os

corações!

Duas almas que porão

a Igreja em ordem

O João me pediu para falar sobre

duas almas que eu imagino especialmente

chamadas para essa troca de

vontades. Eu imagino elas terem sido

batizadas por Nosso Senhor, talvez

até ordenados sacerdotes e depois

bispos, por Ele mesmo, em condições

misteriosas. Duas almas a

Santo Elias - Convento de São José

e Santa Ana, Burgos

Flávio Lourenço

quem Deus deu uma missão tão extraordinária,

tão única, que não se

compara com a de nenhum outro

homem.

Para dizer tudo numa palavra,

não há homem que Nosso Senhor

tenha elogiado mais do que São

João Batista, ao compará-lo com

Elias. E antes de Elias, houve uma

outra alma que se perde ainda mais

na noite dos tempos: Enoc, o misterioso.

Os dois devem voltar no fim

do mundo para enfrentar o anticristo

e serem mortos por ele. E quando

isso acontecer, virá Nosso Senhor

com o sopro de sua boca e dissipará

os maus.

A que observação isso se presta?

Sendo tão magnífica a vida de Elias

e Enoc, eu não creio que eles possam

não ter sido batizados. Nós por

exemplo, podemos conjecturar que

eles tenham sido batizados logo depois

do batismo de Nosso Senhor.

Parece-me uma coisa muito cabível

que eles tenham sido ordenados

sacerdotes e sagrados bispos. Mas é

uma pura hipótese. Vejam bem: uma

coisa é dizer que algo é muito cabível.

Outra é dizer que não é impossível.

Não me parece de todo impossível

– de todo! – que, para pôr em

ordem a Santa Igreja de Deus, ainda

venha Elias à Terra, acompanhado

de Enoc e, com seus poderes episcopais

e seu sacerdócio, eles sejam

chamados a agir na Terra, de maneira

que, pelas mãos da Hierarquia,

se refaça o que a autodemolição da

Igreja fez! É, pelo menos, uma lindíssima

hipótese!

v

(Extraído de conferência de

27/2/1986)

1) Bagarre, do francês: conflito desordenado

e profundo. Palavra usada por

Dr. Plinio para se referir ao grande

castigo de Deus à humanidade, se esta

não se voltar para Ele, profetizado

por Nossa Senhora em Fátima.

19


O pensamento filosófico de Dr. Plinio

Conhecimento doutrinário

e comunicação de almas

Entre todas as coisas criadas por Deus no universo, nada

pode dar a alguém uma compreensão tão completa da

doutrina quanto vê-la refletida em outro homem. Por

essa razão, para completar o conhecimento doutrinário é

preciso ter uma comunicação de alma com outrem.

A

Doutrina Católica, em termos

muito simples, é a Revelação

interpretada e explicada

pela Igreja. Como se conhece

a doutrina da Igreja, ou, mais especificamente,

uma doutrina?

Conhecimento doutrinário

e conhecimento concreto

A Providência dispôs as coisas nesta

vida de tal maneira que o homem

conhece a doutrina pela inteligência,

fazendo abstração. Por exemplo, a

doutrina que ensina que a Igreja Católica

é hierárquica. Nela se entende

que o poder na Igreja está entregue

à classe sacerdotal, à qual compete

ensinar, dirigir e santificar, enquanto

Sailko(CC3.0)

Glorificação de Cristo - Galeria Nacional de Londres

20


Tomas T.

que a nós, leigos, cabe sermos ensinados,

dirigidos e santificados.

Mas uma coisa é saber isso em

doutrina, outra é considerar in concreto

a Hierarquia Católica, como

ela existiu e deveria existir: os cardeais,

arcebispos, bispos, vigários; e depois

as ordens religiosas, que constituem

uma espécie de exército colateral

ao do clero secular, também todas

elas hierarquizadas.

De um modo plenamente humano,

o homem conhece a doutrina entendendo

o princípio abstrato de que a

Igreja é e deve ser hierárquica, por instituição

de Nosso Senhor Jesus Cristo;

e conhece depois a hierarquia como

ela existe na Igreja. Porque o conhecimento

não se cifra ao abstrato, mas

pede o exemplo concreto para dar um

abarcamento inteiro do assunto.

Dou um exemplo que ajuda a exprimir

o meu pensamento: imaginem um

homem pagão que está viajando no

Igreja dos Carmelitas, Rio de Janeiro

deserto e lhe cai em mãos, de repente,

uma série de livros sobre a Doutrina

Católica. Ele está em cima do camelo,

vai lendo os livros e se converte. É um

homem da Namíbia, que nunca viu

nada da Igreja Católica. Ele pode conhecer

toda a doutrina, mas enquanto

não ouvir um sino, um órgão tocar, um

cantochão, não vir uma cerimônia religiosa,

o interior de uma igreja, as realidades

materiais de um templo, a lamparina

do Santíssimo acesa, uma mitra,

um báculo, etc., ao conhecimento

que ele tem dessa doutrina falta uma

certa dimensão, a humana, própria

ao homem, que é o concreto no qual

aquele abstrato se cola.

Reversibilidade entre

ambos os conhecimentos

Assim também a doutrina da Igreja

no que diz respeito à virtude. Entende-se

o que é a virtude, por exemplo,

da castidade perfeita; quer dizer,

a abstenção do ato de perpetuação

da espécie humana por amor de

Deus, com toda a temperança, dignidade,

limpeza de alma que a pessoa

adquire em virtude dessa abstenção.

Mas outra coisa é ter visto uma

pessoa casta. Isso completa, de algum

modo, o conhecimento do que

é a castidade.

E algumas pessoas são tão ricamente

dotadas por Deus do dom

de fazer conhecer as virtudes por

elas praticadas, que o conhecimento

direto de pessoas castas, em algum

sentido da palavra – não em todos,

nem sequer nos principais –, fala

mais à alma do que o conhecimento

teórico e doutrinário a respeito da

castidade.

Compreende-se, então, existir

uma comunicação de pessoa a pessoa,

que não é, digamos, meramente

doutrinária.

21


O pensamento filosófico de Dr. Plinio

Arquivo Revista

Se uma pessoa tivesse que escolher

entre a doutrina e a prática, deveria

preferir a doutrina, mas vou

dar um exemplo um pouco exagerado.

Se alguém me perguntasse:

— Você quer ficar sem o braço direito

ou sem o esquerdo?

— Prefiro ficar sem o braço esquerdo,

porque o direito me é mais

útil. Entretanto, eu propriamente

quero permanecer com os dois braços.

É uma amputação ficar sem um

deles.

Assim também julgo ser uma amputação

ter que optar entre a teoria

e a prática, porque ambos os conhecimentos

– o doutrinário e o concreto

– se completam, se conjugam,

e não vejo razão pela qual, para ter

um, preciso desistir do outro.

Nesse sentido, tenho a impressão

de que nos falta muito, por força

da educação que tivemos, do século

no qual nascemos, uma coisa

que no contato com os antigos se

recebia. Numa porção de realidades

concretas se via quais doutrinas nelas

se espelhavam; como, numa série

de doutrinas, se percebia em que

realidades concretas se refletiam.

Há uma reversão que, creio eu, as

almas fazem com muita dificuldade

hoje em dia.

Noção total da verdade

Dr. Plinio durante conferência em 1991

Podem-se fazer essas reversões

de todos os modos. Por exemplo, essa

sineta que foi elaborada exatamente

segundo as minhas indicações.

Fiquei um pouco surpreso vendo

que o cabo dava uma impressão

de ser um pouco maior do que eu teria

querido; parece-me que há certa

desproporção. Se o cabo fosse mais

curto, a esfera e a cruz teriam proporção

com o resto da sineta. Acho

que o todo está um pouco élancé 1 demais.

Entretanto, não deixa de ser

verdade que certas pessoas muito esguias,

muito altas, quando levantam

a cabeça, ficam quase altas demais,

mas isso orna. E essa sineta tem uma

analogia com pessoas que são assim;

há um pulchrum especial em considerar

esse excesso, que fica corrigido

com esta visualização. Ela fica mais

bonita com essa originalidade desse

modo interpretada, do que no tamanho

convencional em que eu a mandaria

fazer.

Assim, há uma série de relacionamentos

entre coisas materiais e espirituais;

e se deveria comumente ter

o hábito de fazer essas reversibilidades,

como quem respira.

A doutrina pede o fato concreto,

o qual, por sua vez, impõe uma explicação

doutrinária, e meu espírito

não sossega enquanto não tenha encontrado

tal explicação.

Possuo uma relativa facilidade de

passar da doutrina para o exemplo

e deste para a doutrina. Porque, para

mim, isso é como a realidade vista

tanto com o olho direito como

com o esquerdo. Eu a vejo bem com

qualquer um dos olhos, mas eu a

apanho melhor com os dois. E, vendo

a doutrina e a realidade juntas,

tenho uma espécie de noção total

da verdade.

A mais eminente das

realidades concretas é

outro ser humano

Pode alguém ser exímio na doutrina

sem ter comunicação de alma

com outrem? E acertar sempre

na doutrina, sem conhecer coisas

concretas que lhe deem uma noção

completa da doutrina?

Eu digo que é pelo menos dificílimo.

Se existir essa possibilidade, é

como dom para muito poucas pessoas;

porque normalmente as pessoas

precisam ter um contato com a realidade

concreta para conhecer bem a

doutrina. E a mais eminente das realidades

concretas que se conhece é

outro ser humano. Assim, se alguém

pode conhecer a santa cólera vendo

o mar enfurecido, muito mais a entenderá

contemplando um Santo enfurecido.

Lembro-me de um episódio da vida

de São Pio X. Quando se tratou

de instituir o processo de canonização

dele, examinaram seu anel, que

era uma esmeralda, e verificaram

que a pedra estava quebrada. Então,

o advogado do diabo perguntou qual

22


era a razão pela qual se

tinha partido essa pedra

na mão do Santo. Não

haveria ali qualquer coisa

que fizesse suspeitar

da santidade dele? Foram

indagar e, fato curioso,

tinha sido um murro

que o santo pontífice tinha

dado numa mesa. E

por quê?

Ele tinha que tratar

com um ministro do Imperador

da Alemanha,

o qual levaria a ele uma

proposta que importava

num verdadeiro insulto,

pois ia propor-lhe uma

espécie de traição à Causa

Católica, mediante essas

ou aquelas vantagens.

Sabendo disso, São Pio X

pediu a Deus Nosso Senhor

– por meio de Nossa

Senhora, naturalmente –,

na hora da Missa, de manhã,

que lhe concedesse

a virtude da indignação.

Podemos imaginar o

ministro do Kaiser entrando

na sala de São Pio

X e achando tratar-se de um poder

espiritual que estava para o poder

temporal como a mulher está para o

homem, ou seja, uma coisa débil, fazer

sua proposta para o Papa.

São Pio X, tomado da cólera santa

que pedira, meteu um murro na

mesa e quebrou a esmeralda. Não é

pouco quebrar uma esmeralda com

um murro. E pôs fora o embaixador

do Kaiser. Até o fim do dia o Santo

Pontífice tremia da cólera santa que

o Espírito Santo lhe dera.

Pois bem, o furor dele dá muito

mais ideia da cólera santa do que o

mar enfurecido, que é um elemento

líquido lançado por diversos fatores,

com impulsos que lembram a cólera.

É claro que a realidade conhecida

diretamente vale muito mais do

que através de metáforas.

São Pio X em 1914

Então, de tudo quanto no universo

Deus criou para me dar a compreensão

completa da doutrina, nada

é mais ilustrativo do que outro homem.

Analogia, conaturalidade,

eflúvios

Resta saber de que maneira é essa

ilustração, como se dá e no que consiste

a comunicação de alma.

A comunicação de alma é a de um

professor que ensina alguma coisa

para um aluno? A de um literato que

comunica algo àquele que lê a sua

obra? O que ela é propriamente?

Há um fato tão corriqueiro que

nem precisaria ser exemplificado,

mas acho conveniente fazê-lo para

que a doutrina fique bem clara. É

o seguinte: quando uma

criatura humana vê outra

em determinado estado

de espírito, ela recebe

um convite para se pôr

no estado dessa última.

Todo convívio é um convite

para uma participação

de estado de espírito.

E, nessa perspectiva, uma

pessoa pode, por exemplo,

vendo alguém festivo,

participar de sua alegria,

sem saber por que ele está

contente.

Por exemplo, um homem

aborrecido e pensativo

está andando numa das

ruas mais prosaicas que

conhece, e vê, em sentido

contrário, uma criança

alegre; ele pode ficar com

uma certa alegria transmitida

pela criança.

Qual é o fundamento

lógico desse estado de espírito?

Suponhamos um indivíduo

que, vendo uma

criança alegre, imagina

subconscientemente

uma das mil coisas que pode produzir

aquele tipo de alegria, e assim alegra-se

também. A criança vai receber,

por exemplo, uma boneca, e ele sabe

por experiência própria como é a alegria

de uma menina nessa circunstância,

pois se lembrou do contentamento

da irmãzinha dele quando esta recebeu

semelhante presente. Ele, então,

sorri. Quer dizer, o estado de espírito

passou de um para o outro.

Basta vermos uma pessoa alegre

que tendemos a ficar alegres; ou

uma pessoa triste que tendemos a ficar

tristes. Não pode haver um espírito

que seja gracioso no convívio

com um bandido, porque este comunica

sua carranca: sombria, hepática,

hipocondríaca. Vivendo com o criminoso,

a pessoa acaba adquirindo

aquele espírito.

NPG (CC3.0)

23


O pensamento filosófico de Dr. Plinio

Cesc2003 (CC3.0)

Santo Antônio Maria Claret em 1968

Ou seja, os estados de espírito se

comunicam por analogia, por conaturalidade,

porque o homem tem a

mesma natureza que outro homem;

comunicam-se também – creio eu,

mas não tenho certeza – por eflúvios.

Porque o homem tem certas

vibrações, e suponho que um outro

homem as sinta. Cada homem é para

outro como uma emissora de televisão

que capta e emite vibrações.

E aquilo constitui um modo de as

ideias e estados de espírito passarem

de um homem para outro. Nesse

sentido, é o lado natural.

E há o lado sobrenatural.

Comunicação de estados

de alma entre os que

têm a mesma vocação

É certo que o homem pode ser

veículo para a graça comunicar-se a

outro homem. Isso é ponto líquido

da Doutrina Católica.

Por exemplo, a obra A alma de todo

apostolado, de Dom Chautard. Uma

das verdades fundamentais sobre

as quais o livro está baseado

é esta: a graça é uma participação

sobrenatural, criada, na vida

de Deus, e um homem pode

transmitir a graça a outro.

Todos conhecem a história

de um pregador ao qual, terminado

o sermão, uma senhora

foi dizer que agradecia muito

o bem que tinha feito a ela.

Ele perguntou: “Mas o que eu

disse para fazer bem à senhora?”

Respondeu ela: “Quando

o senhor disse: ‘Passemos à

quinta parte…’ Aquilo me fez

um bem!”

Posso compreender que um

pregador virtuoso, por exemplo,

um Santo Antônio Maria

Claret, passando de uma parte

para outra do sermão diga: “E

passemos agora à quinta parte…”,

e que isto tenha impressionado

alguma pessoa. Deu-se

aí uma comunicação de estado

de alma.

Então, compreende-se que haja

comunicação de estados de alma entre

aqueles que são chamados para

uma mesma vocação. E a fortiori entre

aquele que deu os primeiros passos

nesse rumo e os que vão segui-

-lo. Nada mais legítimo, mais natural,

mais razoável do que isso.

Dou um exemplo: o verdadeiro

comandante de navio, seja ele de

guerra ou de passageiros, é aquele

que tem autoridade e transmite respeitabilidade

ao conjunto da criadagem,

dos empregados, do pessoal

que trabalha nas máquinas, da marujada

e dos passageiros. E pode-se

imaginar um capitão de navio, ainda

que civil, com um casquete, um

homem que não se mistura muito

com as pessoas e tem uma parte do

tombadilho própria para ele passear.

Um tanto sisudo, amável, sobretudo

gentil quando conversa com as

senhoras, mas que, quando termina

a conversa, volta ao seu posto. E que

ri pouco.

Há uma comunicação de alma dele

com a tripulação, pela qual ele vai

conduzindo-a.

Assim também entre nós a comunicação

de alma é ultralegítima. v

(Extraído de conferências de

27/8/1968 e 19/7/1980)

1) Do francês: delgado.

Dr. Plinio durante conferência em 1980

Arquivo Revista

24


Perspectiva pliniana da História

Casamento de Luís XIV e

Maria Teresa d’Áustria

Museu de Tessé, França

Jacques Laumosnier (CC3.0)

Passado, perspectiva para

se conhecer o presente

O senso da dimensão histórica vem de um movimento de alma

ligado à virtude da inocência. Por isso só sabe degustar os pequenos

ou os grandes fatos da História quem entrevê como o presente

apenas é interessante quando o consideramos em nexo com o

passado e, sobretudo, com o que está ligado ao Lumen Christi.

Os historiadores consideram

o reinado de Luís XIV como

tendo duas fases: uma

fase muito brilhante e depois uma

outra na qual o rei já estava velho

e seu esplendor havia passado.

Foi, por assim dizer, o outono de

Luís XIV.

Luís XIV, protótipo do

monarca absoluto

Se examinarmos o que eles consideram

a parte brilhante do reino e

a não brilhante, e por que uma o é

e outra não, vemos que numa o rei

ainda era moço e tinha aquela forma

especial de brilho que a juventude

confere. Ele subiu ao trono menino

ainda, mas começou o exercício

da função real quando era moço,

quando o Cardeal Mazzarino 1 morreu.

Este era o Primeiro-Ministro de

Ana d’Áustria, 2 a mãe de Luís XIV,

que era a regente. Mazzarino até

25


Perspectiva pliniana da História

Herman Beaubrun (CC3.0)

Cardeal Mazzarino (coleção particular)

então havia exercido todas as funções,

mas costumava dizer que havia

em Luís XIV pano para quatro reis e

ainda sobrava.

Quando Mazzarino morreu, os ministros

vieram perguntar a Luís XIV

quem ficaria em seu lugar daí por

diante. “Serei eu! Eu mesmo vou

exercer a realeza. E os senhores,

quando tiverem assuntos de sua pátria

a tratar, reportem-se a mim”. Ele

foi o protótipo, o arquétipo do monarca

absoluto.

Luís XIV teve várias vitórias e

também algumas derrotas. Quando

chegou ao zênite de sua vida, durante

todo esse período glorioso, esteve

casado com Maria Teresa, princesa

da Casa d’Áustria, 3 sobrinha da

mãe dele, prima-irmã.

Esposo infiel

Luís XIV foi um marido muito infiel.

Foi concubino oficial de Madame

La Vallière, 4 a quem ele elevou imerecidamente

à mais alta dignidade do

reino, dando-lhe o título de Duquesa

de La Vallière. Ele teve depois a Marquesa

de Montespan, 5 além de outras

aventuras de passagem a que ele se

entregou. Ou seja, teve uma vida devassa.

A corte tomava disso um certo conhecimento

oficial, porque ele de

ambas as concubinas teve filhos que,

por decreto, legitimou e a quem deu

títulos de nobreza.

Certa vez ele realizou uma viagem

a uma fronteira para ver as tropas fazendo

manobras, e obrigou a rainha

a acompanhá-lo, tendo na carruagem

dele as duas concubinas. O povinho,

quando ia à beira da estrada

para ver o rei passar, ingenuamente,

sem se dar conta do absurdo que isso

significava, dizia que queria ver passar

o rei e a carruagem com as três

rainhas. As três rainhas eram – só

podia haver uma – a única rainha e

as concubinas.

E o povo, na sua ingenuidade –

estávamos ainda longe da Revolução

Francesa – se ajoelhava quando

passava a carruagem do rei, depois

a da rainha, com a pobre enxovalhada

daquele jeito. Pelo jogo das circunstâncias,

Luís XIV abandonou a

La Vallière, mas não quis que ela deixasse

o palácio. Ela tentou fugir para

as carmelitas duas ou três vezes, mas

o rei mandou buscá-la. Afinal um dia

ela fugiu e declarou que ainda que

o rei mandasse buscá-la ela não iria,

porque queria fazer penitência.

Ela foi recebida nas carmelitas e,

na Ordem do Carmo, que tinha então

como tem hoje uma observância

duríssima, deram-lhe o nome de

Sœur Louise de la Miséricorde, Irmã

Luísa da Misericórdia, porque era

uma misericórdia divina ter atraído a

si uma mulher tão desregrada, solteira,

que se entregara assim nos braços

do rei adúltero.

Sua vestição de véu foi presidida

pela rainha e, antes de ela se levantar

para ir recebê-lo, dirigiu-se

até o trono da soberana e pediu-lhe

perdão público pelo insulto que tinha

feito roubando-lhe o afeto do

rei. Nessa ocasião fez um grande sermão,

o sonoro, o grandioso e carri-

26


lhonante Bossuet. 6 Ele não poupou

todas as verdades que tinha a dizer

a respeito de Luís XIV, que, entrementes,

estava no palácio de Versailles,

sem tomar conhecimento oficial

do que se passava.

Sob a boa influência de

Madame de Maintenon

A rainha morreu, ele ficou vivo.

Ele tinha de cuidar da educação dos

próprios filhos. Para isso mandou –

tudo isso parece aventura – entregar

os filhos que ele teve da Montespan

para serem educados por

Madame Françoise d’Aubigné, da

pequena nobreza, protestante de

nascimento. O pai dela fora um líder

calvinista de péssima atuação

no tempo das guerras de religião,

mas ela mesma se convertera à religião

católica. Era viúva de Scarron 7 ,

um poeta de boa categoria intelectual;

produziu poesias boas. Como

ela era muito bonita, conversava

também muito bem e era dedicadíssima

ao marido, impressionou bem

Luís XIV atravessando a Pont Neuf - Museu de Grenoble, França

todas as pessoas da nobreza com as

quais teve contato.

Luís XIV, informando-se sobre

como educar os filhos, recebeu referências

elogiosas a respeito dela,

e sua escolha fixou-se nela. Mandou

chamá-la, entregou as crianças, mas

dentro de algum tempo começou a

se interessar por ela. E, ao cabo de

mais algum tempo, ela o impressionou

tão profundamente, que ele quis

unir-se a ela.

Madame La Vallière implorando perdão à Rainha - Salon Carré, Museu do Louvre

Louise Adélaïde Desnos (CC3.0) Flávio Lourenço

27


Perspectiva pliniana da História

Nesse período a rainha não tinha

morrido ainda e Françoise negou

unir-se ao rei. Após a morte da

rainha, quando o caminho estava desimpedido,

ela declarou ao rei que

aceitava ser sua esposa, desde que

fosse pelo casamento.

Ela não era princesa, era viúva

de um plebeu. Tinha derrapado para

a plebe, mas tinha nascido na minúscula

nobreza. Estava de todo em

todo desproporcionada para se casar

com o Rei Sol. Mas ela era uma

dama solar como inteligência, e com

virtude. Muito boa católica, muito

séria, muito sensata, muito direita

em tudo quanto fazia, para as condições

da época poderia ser chamada

uma contrarrevolucionária. E por

isso os revolucionários do tempo a

odiavam tanto.

Ela, então, se casou com Luís XIV,

mas num casamento reservado,

não sendo reconhecida

oficialmente. Vivendo

na corte, ela começou

a influenciar o rei de

maneira a torná-lo muito

mais católico. Ele então

se converteu sob a influência

de Françoise, Madame

de Maintenon – foi

o título que ele deu a ela

– e começou, a partir desse

momento, uma política

religiosa de franca perseguição

aos protestantes

– não há coisa melhor,

nem mais antiecumênica

do que isso – e de apoio

à Igreja em tudo aquilo

que ele via que podia ser

útil.

Luís XIV, de um lado,

promoveu a revogação

do Edito de Nantes, 8

proibiu a prática do protestantismo

em território

francês. Essa revogação

foi precedida de uma

audiência que ele deu aos

protestantes, em que ele

Cristóvão Lopes (CC3.0)

teve essa frase saborosa dita aos líderes

que foram vê-lo, provavelmente

para o bajular e ver se conseguiam

evitar o decreto: “Meu avô – era o

Rei Henrique IV 9 – vos amava e vos

temia; meu pai não vos amava e vos

temia; eu nem vos amo, nem vos temo”.

Eu acho um dito régio, porque se

“eu não vos amo, nem vos temo”, esperai

o pior. E foi o que aconteceu,

iniciando as dragonadas, 10 exigindo

as conversões.

Mudança de costumes

Luís XIV, ao mesmo tempo, começou

a exigir a moralidade na corte.

Os costumes de seu tempo de moço

mudaram, tudo passou a ser muito

digno, muito correto. Ele ia todos

os dias à Missa, ia também à tarde –

ao menos em certas épocas do ano,

Dom João III - Igreja de São Roque, Lisboa

Advento, Quaresma –, à bênção do

Santíssimo Sacramento.

As celebrações se enchiam de gente

da corte, porque a praxe mandava

que, quando o rei estivesse num lugar,

a corte toda estivesse presente.

Um dia um cortesão maligno – é

bem o contrário de benigno – avisou

ao capitão dos guardas que o rei, um

pouco antes de sair da sala onde trabalhava

para ir à bênção do Santíssimo,

mandara o recado que não ia à

bênção naquele dia.

A notícia correu rápida pela capela

e, antes de a bênção começar, esta

se encontrava vazia. Havia apenas

algumas senhoras, já era noite e elas

tinham as velinhas acesas junto ao livro

de oração, não havia luz elétrica.

Quando, de repente, na solidão

das galerias que comumente estavam

cheias, o cortejo real avança e o

rei vê que não havia ninguém.

Espanta-se e chega

até a capela. Lá não

encontra ninguém. Então

ele manifesta surpresa e

alguém diz:

— Vossa Majestade

não mandou avisar que

não viria?

— Não! Eu não mandei

avisar nada...

Era com certeza um

golpe para ver se o desanimava,

fazendo-o ver

como era inútil e superficial

o trabalho de regeneração

que ele impunha.

A questão é que os

tempos já tinham corrido

tanto, que a impiedade já

ia a cavalgada, e um mero

rei, fosse ele Luís XIV,

não conseguia mais detê-la.

Era preciso santos.

Estes a França não os teve,

infelizmente. Ou, se os

teve, os empurrou de lado.

E aí não se podia mais

conter a marcha tremenda

que se desenfreava.

28


As Revoluções

se iniciam nas

camadas elevadas

da sociedade

Nessa linha, é bonito

compararmos a corte

de Dom João III 11 – Rei

de Portugal cerca de duzentos

anos antes, quando

a Revolução estava

no seu início; um reino

ainda tão católico que o

monarca convidava um

Santo, São Francisco Xavier,

para estar em sua

companhia, conversando

com ele benignamente –,

e a corte de Luís XIV, do

Rei Cristianíssimo, que

infelizmente já apresentava

condições profundamente

diferentes.

Vê-se também aí a

Revolução caminhando

pela corte antes de descer

na sarjeta. É verdade

que as Revoluções, na

aparência, vêm de baixo

para cima, mas quando

elas sobem é porque elas antes desceram.

Toda revolução começa em

cima. É esta a reflexão final a que

nos conduz esta série de fatos.

Santa Margarida Maria Alacoque,

a famosa visitandina do tempo

de Luís XIV que recebeu revelações,

mandou um recado, com palavras

do Sagrado Coração de Jesus

a Luís XIV: “Diga ao meu amigo,

o Rei da França, que mande pintar

o meu Coração no seu brasão de

armas, e na bandeira francesa. Eu o

defenderei e o apoiarei”. Vem uma

promessa de restauração do reino.

Luís XIV não fez isso.

O filho de Luís XIV mandou colocar

na parte de trás da alterada capela

de Versailles, um nicho para

uma imagem do Sagrado Coração de

Jesus. Mas às escondidas, e não claramente

como deveria ser.

Papa Inocêncio XI (coleção particular)

O primeiro Rei da França a se

consagrar ao Sagrado Coração de

Jesus foi Luís XVI, no Templo, já

prisioneiro. Aí a consagração já

não tinha valor, porque ele não estava

mais no exercício da realeza e

o castigo já se tinha desatado sobre

ele.

Outro erro cometido por Luís XIV

foi o seguinte: São Luís Maria Grignion

de Montfort mandara erigir um

Calvário. 12 O rei, levado por calúnias,

mandou arrasá-lo para acabar com a

peregrinação popular que havia lá.

Ademais, o rei teve uma encrenca

com o Papa Inocêncio XI, que quis

limitar os poderes dos reis da França

na nomeação dos bispos e abades. O

rei não aceitou. O Papa foi por cima

dele, proibiu e mandou dizer que, se

ele se opusesse, seria excomungado.

Luís XIV baixou a cabeça…

Ferdinand Voet (CC3.0)

É, portanto, um personagem

admirável por

alguns aspectos e por outros

muito impugnável e,

no todo, objeto de apreciações

variáveis.

Como preparar

o espírito para

degustar fatos

da História

Aliás, a respeito do

gosto pelas narrações

históricas, eu teria algo a

dizer.

Para se degustar a narração

que está sendo feita

é preciso antes ter preparado

o espírito, porque

o que está no centro

é o tema. Quem gosta

do tema gosta da narração

e está em condições

de apreciar o gosto que o

narrador tem pelo tema.

Quem é indiferente não

pode gostar nem da narração,

nem do modo pelo

qual o narrador a faz.

Entretanto, há cicerones bons e

ruins. É fato que quando o cicerone

aponta a história que narra com

o competente calor, mede-se melhor

o acontecimento. O guia não é, portanto,

uma mera figura. Quando é

bom, ele é um “revivedor” do fato.

Mas no centro está o gosto pelo histórico

e, por assim dizer, o senso da

dimensão histórica.

Alguém poderia perguntar: Como

se degusta?

Há um movimento primeiro que

não tem método. Por exemplo, como

posso dar a alguém o gosto do

caviar, por melhor que este seja, se

a pessoa é louca por salame ordinário?

Não há outro modo a não ser

mandando dar-lhe uma pitada pequena

de caviar. Ou ele mastiga e

29


Perspectiva pliniana da História

Divulgação (CC3.0)

Acima, Cartouche.

À direita, François Villon

gosta, ou não gosta. Não há

método, é direto. Se, tendo

experimentado, diz: “Eu gosto

mais de feijão”. Então não há

remédio... coma feijão!

A degustação primeira, primeiríssima,

vem de um movimento

de alma ligado à virtude da inocência.

O inocente degusta tudo. Quem

conserva resto de inocência degusta

alguma coisa. E quem se perdeu

completamente não degusta mais nada,

porque só gosta do pecado contra

a castidade, não se incomoda com

mais nada, a não ser com a impureza.

A grandeza das épocas

históricas repercute até

nas almas criminosas

de seu tempo

Nos fatos que narrei há uma degustação

global possível que é a seguinte:

quem teve diante dos olhos

fotografias de Versailles, dos trajes,

dos móveis, quem leu

alguma coisa da história

do tempo, quem

conhece um pouco da

música, da literatura da

época, toma o espírito

humano num dos seus

ápices de maior inteligência,

de maior brilho.

Uma inteligência e

um brilho marcados por

uma plenitude; não é o

sábio sujo e sem graça

debruçado em cima de

uma mesa ensebada e que fica sabendo

mais uma coisa, mas é o homem inteiro

que está embebido da luz da cultura,

da luz que se converte em maneiras,

em elegância, em distinção, em

grandes desígnios, em conversas quintessenciadas,

em ares, em estofamentos,

em cortinas, em tapetes, em cristais…

tudo isso se desdobra dele e

dá um brilho natural e humano que é

magnífico e que não teria sido atingido

se o povo não fosse cristão.

Portanto, algo meio adulterado,

meio reduzido ainda do Lumen

Christi está ali. Quando se analisou

e se tomou gosto pelos fatos, aí é o

caviar.

A pessoa que ouve tudo isso e se

interessa, imaginando como eram

todos esses personagens que se movem

e agem, se embebe de algo deles.

De tal maneira isso é assim que

nas grandes épocas históricas até nas

almas nas quais há o crime, algo da

grandeza da época penetra e modela

no próprio criminoso algo de bonito.

Compreendo que alguns poderão

ficar chocados com o que estou dizendo,

mas me lembro de dois bandidos

franceses, admiráveis: um é

François Villon, 13 o grande poeta

que compôs uma balada a Nossa Senhora,

uma maravilha. Era um criminoso,

bandido fichado, se naquele

tempo existisse ficha. Mas

na alma dele havia um recanto

qualquer onde, quando ele não

estava roubando, ainda pensava

em Nossa Senhora; e quando

pensava, de tal maneira se

enlevava, que encontrava um

resto de talento para produzir

uma balada famosa.

Outro bandido francês foi

um que, certa noite, entrou pela

janela na casa de uma duquesa,

durante a Regência. A duquesa

já estava recolhida, as criadas tinham

saído. Ele entrou pela janela

com uma garrucha na mão, dando

a entender que, se ela gritasse,

ele a matava. Podem imaginar o medo

dela. Então disse: “Eu sou Cartouche!

14 Estou morrendo de fome,

a senhora chame a sua criada e diga-

-lhe que está com fome, mandando

vir o que tem de melhor para comer,

e peça os seus melhores vinhos para

beber. Depois, despeça a sua criada;

eu como e vou embora, sem lhe fazer

mal, não lhe terá acontecido nada.

Depois a senhora pode dizer tudo

à sua criada, mas eu já terei saído

pela janela”.

A duquesa chamou sua criada puxando

um cordão que acionava um

Divulgação (CC3.0)

30


sino; quando esta chegou, a duquesa

disse que estava com fome. A criada

trouxe o que tinha para comer e depois

foi embora. E o Cartouche, de

garrucha à vista para a duquesa não

gritar, começou a comer e a beber.

A certa altura ele disse: “A sua comida

está boa, mas o vinho eu esperava

encontrar melhor em casa de

uma duquesa. Eu lamento que a senhora

não tenha um melhor. Acabo

de roubar uma garrafa muito melhor

na casa do presidente do Parlamento

de Paris. Se a senhora permitir, amanhã

mandarei trazer para a senhora

esse vinho, de presente”.

Comeu, bebeu, saltou pela janela.

A história não diz se a duquesa conseguiu

dormir ou não... No dia seguinte,

uns carregadores do cais, pagos,

levavam o vinho para a casa da

duquesa com uma nota: “Cartouche

pede perdão por ter incomodado a

senhora duquesa durante a noite”.

É um encanto!

Alguém objetará: “Foi um pecado

mortal!”

Foi, mas eu posso dizer que foi

um pecado mortal cometido com

acidentes. Esse pecado é digno do

Inferno, mas é uma agravante para o

Cartouche ter traços, cordas tão raffinés

15 na sua alma e ser um pecador.

E merecerá ir a um Inferno mais

profundo. Contudo, enquanto essas

cordas não arrebentaram, eram um

fator para ele se converter.

O presente em nexo

com o passado

dentro do passado é ignorado. Falta

uma dimensão para o conhecimento

do presente.

Essa é uma linda tese que torna

o presente muito mais interessante.

Acrescento mais: o presente só

é interessante quando o consideramos

em nexo com o passado. Passado

da Cristandade e da Igreja, antes

de tudo. Mais secundariamente passado

daquela parte do gênero humano

que nunca pertenceu à Igreja

e que, portanto, está nas sombras,

em cujo histórico não brilha o Lumen

Christi.

v

(Extraído de conferência de

29/8/1980)

1) Giulio Raimondo Mazzarino (*1602

- †1661).

2) Ana d’Áustria, Rainha da França.

Ana Maria Maurícia de Habsburgo

(*1601 - †1666). Esposa do Rei

Luís XIII e Rainha Consorte da França

e Navarra de 1615 até 1643. Foi regente

durante a menoridade de seu

filho Luís XIV, entre 1643 e 1651.

3) Maria Teresa da Espanha (*1638 -

†1683), Rainha Consorte da França e

Navarra.

4) Luísa Francisca de La Baume Le

Blanc (*1644 - †1710).

5) Francisca Atenas de Rochechouart de

Mortemart (*1640 - †1707).

6) Jacques-Bénigne Bossuet (*1627 -

†1704). Bispo, teólogo, orador e escritor

francês.

7) Paul Scarron (*1610 - †1660).

8) Documento assinado em Nantes a 13

de abril de 1598 pelo Rei da França

Henrique IV. Nele o monarca concedia

aos huguenotes a garantia de tolerância

religiosa.

9) Henrique IV de Bourbon (*1553 -

†1610).

10) Perseguição aos protestantes, por ordem

de Luís XIV, para forçá-los a se

converterem ao Catolicismo e contra

os quais se utilizou o regimento dos

dragões.

11) Apelidado de “o Piedoso”, foi o

Rei de Portugal e Algarves (*1502 -

†1557)

12) Em Pontchâteau.

13) François de Montcorbier ou François

des Loges (*1431 - †1463). Um

dos maiores poetas franceses da Idade

Média. Ladrão e ébrio.

14) Louis Dominique Garthausen (*1693

- †1721), conhecido como Cartouche,

também como Bourguignon, Petit ou

Lamarre, chefe de gangue.

15) Do francês: fino, apurado; sentimentos

delicados.

Arquivo Revista

Há pessoas sem senso histórico

para as quais discorrer sobre

Luís XIV, François Villon, Cartouche

é a mesma coisa que falar de

personagens que nunca existiram.

Elas não compreendem que importa

ao homem conhecer o passado e

que só tem perspectiva para conhecer

o presente quem ao mesmo tempo

foi conhecendo o passado; e que

o presente que não é conhecido de

Dr. Plinio em 1980

31


Apóstolo do pulchrum

Tomas Alberto

Considerações religiosas

e sacrais sobre o cisne

O cisne é eminentemente

seletivo, aristocrático,

calmo, alheio a tudo o

que é terra a terra. Ele

propicia a tendência

de querer a perfeição

em todas as coisas.

32


Quando menino, passeando pelo Parque Antártica,

eu via os cisnes saírem daquela casinha de

porcelana – a qual me parecia um encanto – e

porem-se a nadar.

Tomas Alberto

Alegria de possuir uma relação

especial com Deus

André U.

Contemplando os cisnes, eu me compreendia melhor,

porque o nadar deles era uma imagem daquilo que eu fazia.

Por quê? Porque o cisne nadava tranquilo, sem preocupações.

Quando ele precisava se alimentar, comia

um bichinho que encontrava na água. Ele o olhava e não

avançava logo em cima; esperava um pouquinho, mergulhava

a cabeça e pegava o bichinho no lugar certo onde

ele estava. Não tinha luta nem nada, o inseto era deglutido

sem mais conversa e ele continuava a nadar com

aquela sobranceria, aristocrático, calmo, mas dominador.

Puro, limpíssimo, às vezes eu o via abrir a asa e meter

a cabeça debaixo para limpar o bico em contato com

alguma penugem mais delicada que talvez houvesse ali.

Tirava a cabeça e continuava distintíssimo por cima da

água, como quem não tivesse feito nada de prosaico.

Tinha-se até a impressão – obviamente falsa – de que

o cisne tinha consciência do que ele era, do que ele devia

ser, das distâncias, das sobrancerias, como quem dissesse

o seguinte: “Eu sou assim, mas o sou porque tenho um

comércio especial com quem está em cima. Eu tenho um

contato com Deus, um teor de relações especial, que é a

alegria da minha vida”.

Esse é o estado de inocência que me dava uma alegria,

uma felicidade de viver, tranquila, calma, pura. Não há

nenhuma felicidade que o homem maduro possa ter depois

que valha tanto.

Isso cria uma situação não propriamente de pouco caso

para com os outros, mas de saber colocá-los na posição

que lhes é devida. Para qualquer pessoa existe uma

ordem de valores na qual há, sobretudo, ela e Deus, e o

resto é secundário: “Dê no que der, seja como for, o que

fulano achou de mim, o que outro achou... não tem importância”.

Se o sujeito não é cisne, Deus o criou pardal. Ele deve

querer ser como Deus o criou. Cada um deve se pôr na

sua posição e, a partir daí, construir sua vida, mas nessa

contemplação contínua que foi imaginada no cisne.

Animal eminentemente seletivo

Qual é o resultado prático dessa posição? É dar-nos

uma tendência à própria perfeição. Eu não sou senão

cisne, é um colosso ser cisne, mas o problema não é esse,

e sim ser, enquanto cisne, perfeito. E querer a perfeição

para tudo.

São Tomás era tudo quanto era – um sol! –, mas não

encontramos nele a ideia de que as coisas temporais

33


Apóstolo do pulchrum

Flávio Lourenço

existentes podem manifestar uma certa perfeição e excelência

verdadeiramente religiosa e sacral.

Por exemplo, as considerações feitas sobre o cisne, o

que têm de religioso ou sacral?

O cisne é eminentemente seletivo. No modo pelo qual

ele desliza e olha para a água, não tem nenhum desprezo

por ela; ao contrário, o cisne gosta da água, mas sente

em relação a ela uma alteridade perfeita e uma superioridade.

Por outro lado, o modo como ele come um verme. É

um aspecto inferior da natureza dele comer isso. Então

ele mete a cabeça dentro da água e come rapidamente,

quase se diria que ele se envergonha daquilo que faz,

porque o cisne não come nada que esteja à altura dele

ou que peça dele um movimento elegante, como faz para

tudo.

Nessa hora, tem e aparece nele o prosaico, que existe

em tudo, e o cisne parece sentir e pedir desculpa. Encontra,

apanha e come sem demora. Depois continua como

se não tivesse comido o verme.

A minhoca nojenta é para ele um petisco, ele a degusta,

mas é como quem não tem nenhuma relação com

aquilo. Ele continua sobre as águas. É assim que ele faz.

Essa atitude do cisne, eminentemente seletiva, tem

qualquer coisa de paradisíaca, como a de uma ave que

nasceu para outras áreas e outras coisas e a qual as circunstâncias

jogaram naquele tanque de água onde o cisne

está; mas ele protesta e se mantém distante, como

quem diz: “Com isto eu não tenho nada”. Alheio a tudo,

é alheio ao próprio terra a terra existente nele, como em

toda a criatura deste universo aqui.

Portanto, ele é tão seletivo que não se mistura nem sequer

consigo próprio.

Contemplação do cisne

em face do universo

Por outro lado, mesmo sendo um animal

irracional, o cisne como que tem fantasia

e vive num mundo de sonhos que não

é aquele no qual está; e ele tem uma certa

tristeza de exílio.

Em muitos momentos, na relação

do cisne com a água, ele como que diz:

“Água, tu não és aquela terra sólida e vil

que te prende dentro das tuas margens, tu

és uma coisa superior. Tu refletes o céu, tu

és um espelho. Água, eu me sinto teu aliado,

porque eu espelho e represento uma

coisa que não existe. E me recuso a alegrar-me

com qualquer coisa fora disso.

Mas saiba o seguinte: nos momentos em

que eu deslizo sobre ti e eu sou o teu sonho,

tu não és o meu, porque eu cogito uma coisa mais

alta do que tu”.

Há, portanto, um movimento na atitude do cisne face

ao universo: em certo sentido, desprezar aquilo que

o universo tem de agressivamente insultante perto dele.

Por exemplo, bate um vento, levanta a poeira e esta

cai na água e no cisne. Ele não foge ridiculamente, não

trava um combate vil contra a poeira procurando espantá-la;

ele a ignora, se deixa empoeirar, e ele nada mais

um pouquinho. Em certo momento, quando não se percebe,

ele está se lavando, fazendo uma imersão com a

P.D.L.B. Vegas

34


Gabriel K.

qual ninguém contava. A poeira foi embora e ele continua

perpetuamente limpo. É muito bonito isto!

Esta descrição, na realidade é uma contemplação.

Consideração altamente religiosa

No entanto, onde o espírito religioso está presente

nisso? Trata-se de uma consideração altamente religiosa

e contemplativa? É o problema e o ponto terminal.

A resposta, a meu ver, deve-se entender assim: Deus

colocou no animal um símbolo para que o homem sinta

os estados de espírito que o animal não tem, mas que ele,

homem, deve sentir.

No que isso é religioso? É religioso por causa da interpretação

das altíssimas realidades que faz sentir. Tão,

tão altas que elas, por sua natureza, são religiosas, por

serem sacrais.

Por exemplo, imagine um menino que quisesse apedrejar

o cisne e saísse correndo de um lado para outro do lago,

até forçá-lo a se refugiar passando para a terra, e obrigasse

o cisne a correr porque ele quase não voa. Então dá

gargalhadas vendo-o correr, e depois começa a dar pontapés,

até que o cisne entra na água de novo, todo machucado,

e surge uma poça de sangue em torno dele.

O que mereceria um menino como esse? Um castigo

parecido ao que se daria a um sacrilégio. Porque o menino

quer achincalhar para não se sentir tão inferior ao

cisne. Existe na alma dele algo tão ruim… A meu ver, é

um pecado. É o pecado de Revolução.

Em sentido contrário, todo homem deve ter essa atitude

do cisne e de tudo o que é à maneira dele, ou seja,

o homem de alma nobre é partidário de tudo quanto é

“cisnífero” sobre a Terra.

v

(Extraído de conferências de 6 e 13/6/1993)

Tomas Alberto

35


Flávio Lourenço

Coroação da Virgem

Batistério de Parma

Mãe três vezes admirável!

Há uma devoção a Nossa Senhora pela qual Ela é invocada como Mãe três vezes admirável.

Essas “três vezes” se referem às relações d’Ela com a Santíssima Trindade. Maria

é admirável enquanto Filha do Padre Eterno, admirável enquanto Mãe do Verbo,

admirável enquanto Esposa do Divino Espírito Santo.

Com efeito, a Santíssima Virgem contém o sumo do que há de admirável em toda a Criação,

pois todas as coisas admiráveis, de algum modo, existem n’Ela devido ao fato de Ela ter essa

relação com Deus que ninguém tem.

Assim, se vemos uma montanha, um lago, um castelo, uma estrela, seja o que for, e achamos

dignos de serem admirados, podemos ter certeza: Nossa Senhora tem essa admirabilidade

de um modo insondável.

Peçamos, pois, a Ela: “Mãe três vezes admirável, dai-me um espírito propenso à admiração

e ao entusiasmo!”

(Extraído de conferência de 16/5/1985)

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