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Revista Dr Plinio 331

Outubro de 2025

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Publicação Mensal

Vol. XXVIII - Nº 331 Outubro de 2025

Amor e fidelidade

à Santa Igreja até

o holocausto


Gabriel K.

Almas à maneira

da fachada de

Notre-Dame

Devemos ter um fundo de alma

que seja como a fachada de Notre-Dame:

grande, lógica, forte,

séria, materna, misericordiosa, estável. Isso

deve estar no mais profundo de cada um de

nós, e é a Igreja Católica Apostólica Romana,

que a fachada de Notre-Dame simboliza

com uma magnífica precisão, com uma

fidelidade extraordinária, de embevecer.

Nós, diante da Santa Igreja, somos os estandartes

que o vento toca, que chamam os

homens, cujo brilho toma todo o seu significado

em função daquela fachada.

(Extraído de conferência de 6/6/1978)


Sumário

Publicação Mensal

Vol. XXVIII - Nº 331 Outubro de 2025

Vol. XXVIII - Nº 331 Outubro de 2025

Amor e fidelidade

à Santa Igreja até

o holocausto

Na capa,

Dr. Plinio, em

dezembro de 1994.

Foto: Arquivo Revista

As matérias extraídas

de exposições verbais de Dr. Plinio

— designadas por “conferências” —

são adaptadas para a linguagem

escrita, sem revisão do autor

Dr. Plinio

Revista mensal de cultura católica, de

propriedade da Editora Retornarei Ltda.

ISSN - 2595-1599

CNPJ - 02.389.379/0001-07

INSC. - 115.227.674.110

Diretor:

Roberto Kasuo Takayanagi

Conselho Consultivo:

Jorge Eduardo G. Koury

Roberto Kasuo Takayanag

Vicente de Paula Torres Nunes

Redação e Administração:

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - sala 1 - Tremembé

02372-020 São Paulo - SP

Impressão e acabamento:

Pigma Gráfica e Editora Ltda.

Av. Henry Ford, 2320

São Paulo – SP, CEP: 03109-001

Segunda página

2 Almas à maneira da

fachada de Notre-Dame

Editorial

4 O principal legado

de Dr. Plinio

Piedade pliniana

5 Deus ama quem

se oferece com alegria

Dona Lucilia

6 Um canal lilás e prata que

conduz à Santa Igreja

Amor e fidelidade à Santa Igreja

10 I - Esplendores, glórias e

magnificências da

Santa Igreja

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Serviço de Atendimento

ao Assinante

revistadrplinioassinatura@gmail.com

18 II - O pranto da

Santa Igreja em nossos dias

28 III - “Já não sou eu que vivo,

mas é a Santa Igreja

Católica Apostólica

Romana que vive em mim”

Última página

36 Gloriosa Filha e

Mãe da Igreja

3


Editorial

O principal legado de Dr. Plinio

O

leitor que acompanha as páginas desta Revista sem dúvida mais de uma vez se encantou com os variados aspectos

da figura de Dr. Plinio que sobressaem em suas linhas. Enlevado adorador da Sagrada Eucaristia, ardoroso

filho e escravo da Santíssima Virgem, inconteste líder católico, polemista intrépido em favor da ortodoxia,

brilhante pensador… Quantos outros títulos lhe poderíamos conferir! Entretanto, não parece descabido perguntar

qual é, entre tantos atributos, aquele que, qual preciosa herança, ele deixou mais especialmente para os nossos

dias. A resposta, a encontramos em suas próprias palavras.

Em julho 1939, Dr. Plinio escrevia no Legionário:

“Na época em que vivemos, penso que não deve haver para o católico preocupação mais viva e constante que o

incessante revigoramento dos laços espirituais que o prendem à Santa Igreja.

Disse Santo Agostinho que ninguém pode ter a Jesus Cristo como Pai se não tiver a Igreja como Mãe. A medida

de nossa união com Cristo se calcula pela medida de nossa união com a Igreja.

Ora, para um católico, não é suficiente que essa união se traduza na crença em algumas verdades de Fé e na prática

de alguns Mandamentos. Ou ela é inteira, ou não existe.

No entanto, não é difícil verificar como o mundo, o demônio e a carne conspiram para destruir essa união sobrenatural.

E quando não a conseguem destruir, sua conspiração se volta para o objetivo de a debilitar de todos os modos

possíveis, com o intuito de desferir contra ela, mais cedo ou mais tarde, um golpe mortal.

A todos esses perigos, o católico não deve opor uma atitude simplesmente minimalista. Pelo contrário, longe de

se contentar em se manter dentro dos limites da ortodoxia, debruçado sobre o muro divisório que o resguarda do

abismo da heresia, deve ele timbrar em tornar cada vez mais íntima tal união com Cristo. E, para isso, nunca será suficientemente

recomendada a prática espiritual consistente em aproveitar todas as ocasiões para intensificar em nós

o amor à Santa Igreja”. 1

Já em 1978, numa reunião em que se comemorava o 69º aniversário de seu Batismo, com frases entremeadas de

lágrimas e soluços Dr. Plinio afirmava:

“Inesperadamente para mim e a despeito de minha placidez habitual, essa emoção veio inteira quando ouvi a referência

a um varão católico apostólico romano… Porque é o que quero ser: filho da Igreja.

Se eu amo tanto mamãe é porque ela me conduziu à Igreja. E se a amei até o fim foi porque, até o fim, examinei-

-a e até o fim notei que nela tudo conduzia à Igreja Católica. Mas meu amor é à Igreja.

Eu quereria dos senhores exatamente que nesta festa, que é de comunicação de almas, na qual os senhores agradecem

a Nossa Senhora o dom que eu amo desmedidamente de pertencer à Igreja, recompensa demasiadamente

grande que me foi dada antes de eu merecer, que os senhores quisessem a Igreja Católica como eu a quero.

Meus caros, há vários aqui que eu conheço há trinta anos ou mais. A todos, continuamente, não tenho feito outra

coisa senão dizer: amai a Santa Igreja Católica Apostólica Romana; aquela Igreja a quem amo tanto que fico até incapaz

de falar sobre ela. E simplesmente ao lhe pronunciar o nome, já sou incapaz de dizer depois o mundo de elogios

e de amor que em minha alma existe”. 2

Amor e fidelidade à Santa Igreja! Pode-se dizer ser este o principal legado de Dr. Plinio para os dias atuais, constituído

ao longo de uma existência consagrada ao serviço da Esposa Mística de Cristo e selado com o oferecimento

como vítima expiatória pelo triunfo dela. E a consumação desse oferecimento deu-se precisamente há trinta anos,

em 3 de outubro de 1995.

A fim de comemorar o trigésimo aniversário do bendito dia em que Deus chamou a Si tão insigne filho da Santa

Igreja, dedicamos a presente edição 3 ao amor e à fidelidade desse varão plenamente católico apostólico romano,

os quais não só marcaram a História, mas lhe imprimiram rumo, estabelecendo os fundamentos do Reino de Maria.

1) Cf. Legionário n. 357, 16/7/1939.

2) Cf. Conferência de 6/6/1978.

3) Para a elaboração deste número foram compilados excertos de conferências realizadas em: 11/8/1967, 15/5/1971,

9/9/1971, 12/1/1972, 4/5/1978, 6/6/1978, 23/4/1980, 16/8/1980, 14/3/1981, 4/6/1989 e 1/3/1995.

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.

4

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Piedade pliniana

Nossa Senhora das Dores

Museu do Carmo, Quito

João C. V. Villa

Deus ama quem

se oferece com alegria

Minha Mãe, vejo tantos e tantos homens fugirem dos sofrimentos morais, no que

há uma suprema covardia. A Vós suplico esta forma de integridade: que em todos

os sofrimentos morais de minha vida eu seja inteiramente homem e inteiramente

homem batizado. Que veja esses sofrimentos um por um, conte-os, pese-os e meça-os

ponto por ponto. Beba cada um deles como taça amarga, até à última gota. Que eu os sorva

com serenidade, com clareza, com fidelidade, e caminhando resolutamente para os novos

sofrimentos que vêm. Que eu não recuse nenhum, assuma-os todos, dando o exemplo de

um homem que sofre moralmente até onde se possa sofrer. E que, nesse sofrimento, minha

alma, na sua fina ponta, experimente a alegria de Vos ter dado absolutamente tudo: “Hilarem

datorem diligit Deus” (2Cor 9, 7): Vós amais, ó Senhor, quem Vos oferece com alegria esse

sofrimento total.

(Composta em 14/11/1979)

5


Dona Lucilia

É conhecido o quanto Dr. Plinio admirava sua mãe e como

transbordava de afeto para com ela. Entretanto, o amor que

lhe devotava era porque via nela um canal muito direto, muito

cândido que o conduzia à Igreja. Por isso afirmou certa vez: “Com

respeito, com veneração, a verdade precisa ser dita: mãe, mãe

mesmo, minha mãe, é a Igreja Católica Apostólica Romana!”

O

ponto de encontro da ogiva

da Igreja Católica é Nosso

Senhor Jesus Cristo. Abaixo

d’Ele, Nossa Senhora, e o Reino

de Maria seria o topo da história da

Igreja. Todos nós temos os olhos voltados

para o topo desse arco. Ora,

qual seria o papel de Dona Lucilia

dentro desse panorama?

Arquivo Revista

É preciso conhecer

a Igreja através de

pessoas que a amam

Se conhecêssemos a Igreja Católica

sem ter contato com uma só alma

verdadeiramente católica, conheceríamos

mal a Igreja. E Dona Lucilia

foi, por excelência, a alma inteiramente

católica que eu conheci a fundo.

De maneira que não preciso dizer

mais para dar a entender qual foi

a influência dela sobre mim.

Havia uma coisa curiosa nela:

sua formação era toda paulista, mas

afrancesada. Não que quisesse se parecer

francesa, mas marcada pela in-

6


fluência francesa. Ela presenciou a

penetração da influência norte-americana

no Brasil, no entanto nunca

notei de sua parte uma reação, como

também muito menos uma adesão.

Eram águas que não chegavam até o

monte onde ela estava, e que não tomava

em consideração.

Mas eu notava muito que quanto

mais as pessoas se americanizavam,

menos a entendiam e menos gostavam

dela. O que é facilmente compreensível,

porque toda a escola de

valores dela era anti-hollywoodiana.

Ou, para dizer melhor, Hollywood

era a destruição de toda a escala de

valores que ela aceitava como verdadeira,

e que, de fato, é a verdadeira.

Um afeto doce,

nobre e enlevado

Por exemplo, o Quadrinho. 1 Há

nele uma estabilidade suave, não

carrancuda como de uma pirâmide

ou de uma esfinge, mas afável, de

quem está fixamente posta num ponto

do qual não vai mais subir, entrará

na eternidade…

Há uma qualquer coisa em toda

alma humana que é inesgotável, é

insondável. Para usar bem a palavra

portuguesa antiga, é inefável, é algo

que não se sabe como dizer.

Evidentemente, o lado mais emocionante,

mais tocante de mamãe

era por onde ela tinha qualquer coisa

de inesgotável, de uma forma de

pensamento tão, tão sereno e tão

profundo, que se tinha a impressão

de que eram pensamentos comuns,

mas equiparáveis a um lago profundo,

de águas muito cristalinas.

Além disso, um afeto doce, nobre,

elevado, envolvente, empolgante, que

desarmava pela mansidão. Uma tal

mansidão, uma tal sujeição ao que os

outros queriam, que de bom grado

cedia, mesmo quando isso era absurdo,

desde que não fosse pecado; uma

tal concórdia nas coisas mais insignificantes,

e com dor, que a mim simplesmente

maravilhava; e não era a conciliação

indiferente de um “nhonhô”. 2

Alma oposta ao espírito

trepidante hollywoodiano

Essa suavidade é o contrário da

trepidação da influência hollywoodiana.

Eu falo da influência hollywoodiana,

mas não sei se chegaram a conhecer

bem esse influxo trepidante,

o corre-corre no qual os artistas e os

personagens se movem de um modo

ridiculamente apressado, os acontecimentos

no romance se sucedem quase

aos saltos uns sobre os outros. O

estilo cowboy indica bem isso.

De outro lado, olhando para a senhora

do Quadrinho, tem-se a impressão

de que ela está despreocupada

de problemas práticos o quanto

se possa estar. O prático virá depois.

Ela está pensando em coisas sobrenaturais,

metafísicas, está pensando

na alma humana: como vale o afeto

deste, daquele, como querer bem a

este ou àquele.

Havia uma expressão que ela costumava

proferir, quando eu falava

em ser deputado. Ela me dizia:

“Meu filho, a vida não é isso, a vida é

nos querermos bem e morarmos juntos”.

Mas no sentido elevado, não no

comum da palavra.

Como isso é diferente da vida prática!

Enfim, do grande zumbido norte-americano,

do qual é um eco toda

a barulheira que passa pela rua.

Arquivo Revista

7


Dona Lucilia

Arquivo Revista

Por detrás das virtudes,

estava a Santa Igreja Católica

Dr. Plinio em 1995

De outro lado, havia da parte dela

algo que eu chamaria o contrário

do egoísmo: uma forma de bondade

pela qual o que era seu, naturalmente

comunicava aos outros, estimulava-os

com aquilo. É o contrário do: o que

é meu, é meu; o que é teu, é teu etc.,

que caracteriza tanto o hollywoodiano

em relação, por exemplo, aos de

nosso país pré-hollywoodiano.

Ela era o contrário de tudo isso, e

concorreu poderosamente para formar

em mim a reação anti-hollywoodiana.

Ela não era uma militante anti-hollywoodiana,

mas era fundamentalmente

não hollywoodiana, e

produzia o choque. E, do choque, eu

fazia a opção por ela.

Essa opção nunca teria prevalecido

se eu não tivesse a convicção de

que, por trás dessa posição, estava a

Igreja Católica. Nunca!

Aqui está um homem que viveu

86 anos. Dou graças a Nossa Senhora

por ter vivido esse tempo, porque

pude viver na Santa Igreja Católica

Apostólica Romana, que é a minha

mãe mais do que a minha própria

mãe! Por mais que se fale de

Dona Lucilia como eu falo, com respeito,

com veneração, a verdade precisa

ser dita: mãe, mãe mesmo, minha

mãe, é a Igreja Católica Apostólica

Romana. Dona Lucilia foi minha

mãe no sentido em que foi um canal

lilás e prata para me conduzir à Igreja

e legar minha alma de filho, meus

modos de ser de filho. Realmente

um canal muito próximo, muito direto,

muito cândido, nem sei como

agradecer a ela isso.

Todos sabem quanto amei Dona

Lucilia, quanto a amo. Mas, em

comparação com a Santa Igreja Católica,

nada! A Igreja Católica é incomparavelmente

mais para mim do

que ela era.

Mas, se através de mamãe eu não

tivesse visto a Santa Igreja Católica

Apostólica Romana, por mais que eu

quisesse bem à Igreja como eu queria,

eu não teria sido fiel. Por causa da

Igreja é que eu tenho sido fiel.

Se eu amo tanto mamãe, é porque

ela me conduziu à Igreja. E se eu a

Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos,

irmão de Dona Lucilia

amei até o fim, é porque, até o fim,

a examinei, e até o fim notei que nela

tudo conduzia à Igreja Católica.

Mas, meu amor é à Igreja.

Ela, que me queria tão bem, punha

a Igreja Católica muitíssimo acima

de mim. E é uma das razões pelas

quais eu queria tão bem a ela.

Lutar pela Igreja, sim!

Por política, não!

Mamãe tinha um irmão mais velho

que às vezes brincava um pouco

com ela. Um dia ele esteve em nossa

casa, e ela foi acompanhá-lo até

à porta. Eu fui junto, porque estávamos

os três conversando. Quando

chegamos ali, ele se pôs um pouco

para trás dela – ele era alto e ela era

baixa – e me fez um sinal com o olho

indicando que iria fazer uma brincadeira

com ela. Fingi que não percebi,

porque ela estava olhando para

mim. Ele disse a ela:

— Lucilia, você sabe que eu faço

parte do governo de São Paulo.

Ele era o Ministro – para me exprimir

assim – da Agricultura de São

Paulo. Ela disse:

— É verdade.

Arquivo Revista

8


Arquivo Revista

Arquivo Revista

Dona Lucilia um mês antes

de seu falecimento

Ele continuou:

— Você sabe que está para arrebentar

uma revolução aqui – estava

mesmo, e pouco depois arrebentou

–, e, nessa ocasião, o governo vai

convocar todos os jovens para pegar

em armas e lutar para defendê-

-lo, para não cair. Para essa hora, eu

conto com que você mande o Plinio.

Ela ficou tesa e disse:

— Isso nunca!

E explicou-se, dizendo que isso

não era para o Brasil, mas para interesses

políticos, e que ela não ia

sacrificar o filho por isso, e saiu por

aí… Mas com fogo!

Ele disse sério, ela não percebeu

que ele estava gracejando:

— Está bem! Agora eu quero saber

uma coisa: se fosse preciso para

a Igreja Católica, o Plinio teria que

ir?

— Claro! Seria o primeiro a pegar

em armas!

Ele caiu na gargalhada, para

mostrar a ela que ele estava brincando

e que se divertia de ver todo

o apego que ela tinha por mim, e como

ela me queria bem.

Quando ela teve essa atitude, eu

pensei: “É porque ela ama a Igreja

mais do que a mim que eu quero tão

bem a ela”.

Um segredo só conhecido

por Nossa Senhora

A influência de Dona Lucilia sobre

todos os que me seguem, ela mesma

dirá. Percebe-se bem que ela, de

vez em quando, abre as nuvens e deixa

cair uma gota de bênção numa semente.

Tudo leva a crer que, no Reino de

Maria, essa missão continuará. Em

que proporções?

Isso é segredo de Nossa Senhora.

Nós não sabemos como será, se

em proporções maiores ou menores.

O que podemos ter certeza é

que o que começou tão belamente e

depois de tanto sofrimento, não terminará

a não ser muito belamente

e depois de nos ter causado muito

gáudio.

Quando terminará? A pergunta é

incógnita. Nossa Senhora saberá.v

(Extraído de conferências de

6/6/1978, 29/12/1980 e 1/3/1995)

1) Referência a Dona Lucilia, numa alusão

à pintura a óleo que Dr. Plinio ganhou

de um de seus discípulos e que

ficou conhecida como “O Quadrinho”.

2) Nhonhô era o nome que os escravos

davam ao filho mais velho do patrão,

nas antigas fazendas brasileiras,

por deturpação da palavra senhor. O

nhonhô era alvo de todos os cuidados

e atenções da parte dos escravos que

o serviam, tendo, portanto, vida fácil

e regalada. Dr. Plinio usava o termo

– bem como a forma derivada que

cunhou, “nhonhozeira” – para caracterizar

a mentalidade comodista dos

que têm aversão ao sacrifício.

9


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Angelo Bezerra

I

Esplendores, glórias e

magnificências da

Santa Igreja

A Igreja Católica é como uma imensa alma vivificada pelo

Divino Espírito Santo. Tudo o que é inspirado por ela tem

sacralidade, nobreza, respeito, paz. Se formos plenamente fiéis,

ela realizará sua vida dentro de nós e nos fará comunicarmos

mutuamente o que vemos dela. O que há de mais belo na Terra

é contemplar as diversas manifestações do espírito da Igreja

nas almas e nas mil realizações levadas a cabo por ela.

Imagine que alguém tivesse o

intuito de ser um grande pintor.

Como aprenderia pintura?

Indo aos grandes museus, vendo

quadros de grandes mestres e aprendendo

ali a técnica da pintura, o espírito

de arte do pintor. E, vendo,

amar, ficar entusiasmado por aquilo

e depois começar a pintar. Antes é

preciso prestar atenção, querer bem,

para depois realizar.

A mesma coisa se passa conosco.

O que devemos fazer para ter amor

à Igreja Católica? Devemos desejar

ardentemente essa graça. Para

aproveitá-la, é preciso estarmos muito

atentos à Santa Igreja, analisar o

que ela faz, o que ensina, como reza,

como é toda a sua vida, sua história,

querê-la bem – ambas as coi-

sas por ação da graça –, admirar e,

depois então, nos dedicarmos a ela.

Quanto mais um ser

é elevado, tanto mais

deseja a união

Vou dar uma regra sobre a qual

não tive tempo de raciocinar mais

profundamente, mas creio ser verdadeira.

Quanto mais um ser é alto na

ordem do ser, tanto mais a sua união

com os seus semelhantes é profunda,

e tanto mais ele a deseja.

De maneira que os tais orgulhosos

solitários, do tipo Prometeu 1 isolado,

amarrado numa rocha, acompanhado

apenas daquela águia infatigável

que lhe comia o fígado com

uma exuberância dramática, e o qual

se recompunha sempre, estes, o século

XIX glorificou muito: o homem

misterioso que mora sozinho na

mansarda de uma casa, onde nunca

ninguém entra. Todo dia pontualmente,

às cinco da tarde, ele sai e

dá um giro ao longo de um rio, com

passo cadenciado e de cartola.

Às sete da noite, ele termina o seu

exercício, volta para cima, até que

não se ouve mais falar dele, a não ser

um dia no qual a criada vai buscar

uns jornais velhos que estavam guardados

com ele e pertenciam ao condomínio,

e o vê dentro chorar… Em

pouco tempo, morre tuberculoso...

Esse isolamento o século passado

apresentou como sendo a expressão

da sublimidade do espírito. Ora, isso

é precisamente o contrário, é uma

10


expressão de vulgaridade do espírito,

porque não mostra aquela atitude

por onde o indivíduo é capaz

de se unir a outros que

lhe são semelhantes.

E assim se poderia

perguntar se os Anjos,

de coro em coro,

não são cada

vez mais “unientes”

entre si. E se

o amor dos Serafins,

por exemplo,

não é também

uma grande

Gleb Simonov (CC3.0)

capacidade e um

grande pedido de

união com Aquele

que é o Supremo

entre os supremos.

Essa regra, aliás, tem,

em vários planos, consequências

as mais belas, as

mais ricas, as mais excelentes.

Por que isso é assim? Porque

uma pessoa, mesmo muito alcandorada,

não é capaz de conter e espelhar

em si todo o esplendor que há

em Deus; e ela, por estar muito penetrada

de seu próprio alcandor,

tem o desejo da complementação do

conhecimento de outros alcandores,

porque o alcandor dela, por ser muito

alto e muito penetrado de Deus, é

ávido de outras expressões d’Ele. No

fundo é isso.

Donde, conhecendo outro alcandor

em alguém, voa para ele, porque

conhecerá mais um aspecto e complementará

o seu próprio alcandor.

Essencialmente, é um aspecto de espelhamento

de Deus que ela não conhecia

antes.

Assim, dois aspectos de Deus que

se consideram enquanto separados

d’Ele têm fome de unir-se, e a única

matriz concebível é a união das três

Pessoas da Santíssima Trindade.

Como conhecer a Igreja

Ora, o mesmo existe na Igreja Católica.

Juízo Final - Museu de

São Marcos, Veneza

A Igreja, que é a face de Deus na

Terra, não é vista do mesmo modo

por todos os seus filhos, nem natural,

nem sobrenaturalmente. Nela

pode-se fazer uma distinção de aspectos

naturais e sobrenaturais. Os

naturais, a Igreja os têm em grande

quantidade e de toute beauté. 2 Mas,

além disso, ela tem os seus aspectos

sobrenaturais que excedem incalculavelmente

os naturais e que, aliás,

se interpenetram. Não formam duas

zonas cortadas, mas duas luzes que

brilham juntas aos mesmos olhos.

Os espíritos celestes, os Santos

que estão no Céu veem a Deus totus

sed non totaliter: eles O veem no

seu vulto total, mas não veem todos

os aspectos d’Ele. 3 Assim, cada um

de nós vê a Igreja tota sed non totaliter:

vê a figura geral dela, mas não vê

cada detalhe dentro d’Ela com igual

clareza com que o outro vê.

Por exemplo, uma Santa que passa

a vida cuidando de criancinhas

com idade entre um a sete

anos, e vê passar pela rua

um tropel de cruzados

em direção à Guerra

Santa; ela olha e fica

com a alma transbordando

por tê-

-los visto passar.

Por quê? É um alcandor

complementar

ao dela.

De outro lado,

o verdadeiro

cruzado que

passa e vê a Santa

com as criancinhas,

olha com encanto

e diz: “Ah, há

aqui um lampejo da

Cristandade para eu admirar!

Como é bela a Igreja

Católica que inspira tal virtude;

como eu me sinto complementado

nisto!” Se não der neste desejo

de complementaridade, o amor de

Deus não está presente, porque não

há esta regra de união.

Aliás, volto a dizer, nas aulas de

Catecismo não se ensina isso, os pregadores

não mencionam e nem levantam

o problema, o que torna

quase impossível o indivíduo compreender

a Igreja.

Assim, se nós formos plenamente

fiéis à Igreja, somos chamados a propriamente

olhá-la, a realizar a vida dela

dentro de nós e a comunicarmos mutuamente

o que vemos dela, de maneira

que cada um ajude o outro a vê-la,

a percebê-la e a entendê-la melhor, e a

se modelar de acordo com ela.

Eu, a cada dia que passa, compreendo

melhor que meu amor à

Igreja vem desta omnia in omnibus 4

(1Cor 15, 28) dela, e que se eu, de

dentro do olhar de uma Santa que

cuida de criancinhas, não fosse capaz

de ver com enlevo a cavalaria

que passa e se dirige para a Cruzada

– e recíproca – haveria uma

11


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Flávio Lourenço

João Evangelista, um Santo diante do

qual qualquer um de nós é uma poeira,

mas que diante d’Ela era menos

que uma poeira, porque, em comparação

com Ela, a mais alta criatura

que tenha existido é quase nada.

Podemos imaginá-La conversando

com São João Evangelista em

Éfeso, numa tardinha; o dia caindo

e os dois com saudades de Nosso Senhor.

Ambos comungaram, e Ela,

com a presença eucarística em Si,

mas com saudades de ver, falar, com

saudades da presença física que Ela

tinha com tanta assiduidade, mas

provavelmente não continuamente.

São João com saudades também,

e quantas! E a conversa começaria:

“Lembra-se disto… e assim…” E estrelas

se acendiam no céu.

Nossa Senhora contava um fato

a São João, ele narrava algum outro

que Ela tinha sabido à distância, mas

que fingia não saber, e comentava

celestialmente com ele, e ele se embevecia;

Ela sorria e se enchia com o

embevecimento dele. Então ia uma

noitada entre Mãe e filho, uma noite

de intimidade sacral em Éfeso!

Quer dizer, até Nossa Senhora tinha

o que receber de São João.

Graça de magistério e

graça de discipulado

A Virgem comungando pelas mãos de São João Evangelista - Mosteiro de São José, Málaga

tal disjunção que seria não tomar

a sério nem a Cruzada nem a Santa.

Mas é preciso ver tudo enquanto

a alma da Igreja gerando essas

coisas todas, alcandoradas, maravilhosas,

sublimes, sacrais; a Igreja

estando desse modo inteira na alma

de cada um; assim é que o flos

sanctorum 5 para mim tem um perfume

inebriante. Eu seria incapaz de

olhar qualquer aspecto de um Santo

a não ser desse modo, e um Santo

deve ser assim.

Daí uma hierarquia de sensos católicos,

mas também de graças. Porque

ver a Igreja nos seus aspectos sobrenaturais

é uma operação sobrenatural

que não se consegue sem a

graça, e esta é desigual para todos.

De maneira que todos têm de se dar

mutuamente na ordem da graça.

Intimidade sacral em Éfeso

Por exemplo, Nossa Senhora, que

era santíssima, recebia alegria e incentivo

vendo a santidade de um São

Apesar de que todos tenham que

receber de todos, nem todos recebem

na mesma porção, uns recebem

muito mais. Cada homem tem uma

certa graça própria para ver na Igreja

o que ninguém veria, para aprender

do outro o que ele mesmo não

vê. Seria uma espécie de graça de

magistério e uma graça de discipulado:

uma para ensinar, outra para

aprender.

Ai do homem que despreza a graça

de aprender! Porque todos somos

discípulos uns dos outros em alguma

coisa. Ai do homem que despreza a

graça por onde ele ensina! Porque

ambas são caminhos para chegarmos

12


a Deus; ai do homem que despreza

os caminhos que levam a Deus!

Chegamos à conclusão de como as

obras de Deus são muito ordenadas e

como até entre os Anjos há coros que

são imagens das famílias; nesse imenso

conjunto de almas que é a Igreja

Católica há famílias de almas.

O que é uma família de almas? É

um conjunto de almas que, segundo

o plano de Deus, devem ser tocadas

por um mesmo filão da graça, dentro

do qual são especialmente chamadas

para um discipulado e para

um magistério, de maneira que todas

aprendem umas das outras e todas

se ensinam mutuamente. São as ordens

religiosas, as paróquias, as dioceses;

são as famílias, as províncias,

os municípios, as nações, os impérios;

tudo isso, por vários aspectos,

constitui famílias de almas.

Aos olhos de Deus, quem ousaria

negar que a França é uma família de

almas? Ou que os jesuítas, os beneditinos

ou os carmelitas são uma família

de almas? São até famílias que

se entrecruzam harmonicamente,

como num dia de muito sol os cristais

de um vitral resplandecem juntos

e suas luzes se cruzam pelo ar,

sem fazer desordem. Formam uma

espécie de espectro de conjunto, feito

da conjunção e da mistura harmônica

de tudo isso, que o homem olha

e diz: “Luz”.

Amar e admirar

a Igreja total

Assim nós devemos amar a Igreja

total, em todos os seus aspectos, em

todos os seus Santos, em todas as suas

ordens religiosas, em todas as suas

obras, em todas as suas instituições;

devemos prestar atenção, procurar

compreender e amar. E, mais do que

isso, admirar. Porque da admiração

pela Santa Igreja Católica Apostólica

Romana nasce a união com ela.

O que me importa é fixar a atenção

para a imagem de uma Igreja

perfeita – realmente difícil de reconstituir,

porque só o é a Igreja

Triunfante – mas uma Igreja onde a

perfeição fosse frequente de se encontrar,

para compreender a beleza

de tudo isso.

Dou um exemplo. Quando se entra

durante o dia numa igreja para

rezar, às vezes nota-se um contraste:

fora uma barulheira, ônibus, correcorre,

automóveis, cansaço, frenesi,

corrupção, tudo junto. Entra-se

na igreja, tão tranquila, o sol penetra

pelos vitrais bonitos, fazendo belos

reflexos no chão, parecidos com rubis,

esmeraldas; as imagens dos Santos

estão ali, impávidas, como que

rezando. O Santíssimo Sacramento

está numa capela ao lado, é Nosso

Senhor Jesus Cristo em Pessoa que

está lá, assim como estava na Judeia,

em sua vida terrena. Sente-se envolvido

de um certo espírito, de uma

certa impressão e, enquanto a sentimos,

devemos fazê-la durar, pensando

nela.

Luis C. R. Abreu

13


Amor e fidelidade à Santa Igreja

O incenso do turíbulo,

expressão do coração santo

Uma pessoa vai a uma cerimônia

religiosa e vê, por exemplo, o uso do

incenso. O sacerdote está expondo o

Santíssimo Sacramento, o coroinha

lhe estende o turíbulo para que coloque

o incenso sobre as brasas, desprendendo-se

daí um bom odor e

uma certa névoa, uma fumaça bonita,

nobre, discreta; o ministro ergue

o turíbulo três vezes e, ao finalizar,

faz a vênia…

Algo do espírito da Igreja transparece

nesse gesto, por onde se

compreende e se ama a Igreja. O

que entrevemos do espírito dela?

O turíbulo com o incenso exprime

o coração humano, que em

impulsos sucessivos se eleva a

Deus dizendo: “Eu vos amo,

ó Senhor sacramentado!”

Essa é a reação do coração

humano nobre, do coração

humano santo; essa é a alma

do varão santo.

O sacerdote que incensa

por três vezes é como a alma

humana que tem movimentos

de elevação para com

Deus. E antes de ele ter prestado

essa adoração – ele se sente

indigno, porque ninguém é

digno de Deus – se inclina profundamente;

depois mais uma vez…

Estão aí expressos sentimentos de

adoração, respeito e veneração, os

quais nos fazem como que tocar com

a mão a santidade da Igreja.

Manifestações do

espírito da Igreja

Gabriel K.

Daí a pouco o órgão toca. A melodia

do órgão é muito mais bela e

nobre do que a do piano, da harpa;

são instrumentos que têm sua beleza;

um cravo, mais bonito do que o

piano, tem sua beleza, mas não tem

a do órgão. Cada nota de um órgão

é como se uma orquestra a estivesse

tocando. E é uma nota marcada

de respeito, de dignidade; entretanto,

tão interessante! Tantos sons estão

postos ali!

Toca o órgão e se canta o Tantum

ergo Sacramentum veneremur

cernui…, o que quer dizer em português:

“A um tão admirável Sacramento

veneremos profundamente”.

O padre se inclina, todos os fiéis

também… “et antiquum documentum

novo cedat ritui…”, o Antigo

Testamento – dos patriarcas etc.

– deve ceder ao rito do Novo Testamento,

de Nosso Senhor Jesus Cristo…

Há nisso um espírito, uma psicologia,

uma mentalidade da Igreja.

O que há de mais belo na Terra é

contemplar assim as manifestações

do espírito da Igreja através da arte

sacra e, muitas vezes, também por

meio da palavra de oradores sacros.

Por exemplo, os sermões dos grandes

pregadores antigos: São João

Crisóstomo, Santo Agostinho, têm

elementos maravilhosos! Ler isso…

Ah, quem os inspirou foi a Igreja! Se

não pertencessem a ela, por mais talentosos

que fossem, isso não saía.

E assim adquirimos o espírito da

Igreja.

As primeiras perplexidades

admirativas

Se quiserem saber das perplexidades

sacrais, admirativas e primeiras

que eu tive com a Igreja Católica,

primeiras e que nunca mais acabaram…

Ao longo do tempo a doutrina

a foi explicando gradualmente,

mas desde os primeiros

momentos em que eu conheci

a Igreja, em que me dei conta

dela, isso começou a existir

em mim. Eu era uma criança

de talvez três, quatro, cinco

anos… Conhecem minha

má memória e sabem bem

até que ponto essas datas se

diluem em minha lembrança.

Uma criança naquela idade

não estava absolutamente

em condições de saber qual é

a verdade sobre o Corpo Místico

de Cristo. Eu não tinha a menor

ideia, só vim tomar conhecimento

por volta dos meus trinta

anos; a expressão começou a me

chamar a atenção e passei a estudar,

a me aprofundar no assunto. Compreende-se,

portanto, como eu estava

longe disso quando essas primeiras

impressões sobre a Igreja me vinham.

Mas elas se punham para mim,

assim, por exemplo: vejo-me a mim

mesmo, pequenino, saindo fortuitamente

da sacristia do Santuário do

Sagrado Coração de Jesus, entrando

numa das naves e olhando não o vitral,

mas um daqueles vidros transparentes,

ordinários, que existem

na capela-mor do Coração de Jesus,

nos dois lados, com algumas cores

– vermelho, verde, amarelo – e

14


que não coincidem com

a boa qualidade do resto

do material com o qual é

construída a igreja.

Vendo aquilo, eu tinha,

tanto quanto uma

criança podia ter, a seguinte

impressão: “Como

vou bem com isso,

como sinto dizer algo

até o fundo de minha alma

e sob a forma de uma

harmonia! São várias cores

harmônicas entre si,

e sou harmônico com essa

harmonia. Há algo no

fundo de mim que canta,

musica, se distende

e se alegra em confronto

com isso, como não

sei explicar. No contato

com ninguém, nem mesmo

com mamãe – e era

dizer tudo! – eu sinto o

que sinto aqui”.

Analisando

a imagem de

São Pedro e de

Nossa Senhora

São Pedro - Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo

Dali a pouco olhava, vamos dizer,

para a imagem de bronze de São Pedro,

a reprodução daquela do Pescador,

em Roma, que tem a chave

na mão e um dos pés inclinado para

frente. Eu pequenininho olhava:

“Como ele é severo! Como ele é sério!

Essa barba dele posta num caracol

tão ordenado, parece uma imagem

das ideias dele, como vão, vão e

vão! Olha as mãos dele e como ele segura

esta chave aqui. Isto é para segurar

e para valer! E esta é uma ‘chavona’

que a abrir, abre mesmo! E a fechar,

fecha mesmo! E como ele a segura,

um pouco estendendo para os

outros, um pouco dizendo: ‘Para vocês

é um pouco, para mim é o tudo’!

“E o pé, discretamente posto para

frente, de maneira que, não sabendo

que é para beijar, não se desconfia

disso. Entretanto, sabendo, acha-

-se tão natural o ósculo”.

Depois pensava: “Mas que curioso!…

Como há algo nesta imagem

e naquele vitral que forma um todo.

Não sei o que é, mas é um todo

dentro de mim também. Como fico

contente de ver a maneira com que

se emendam um no outro”. Eu vagueava

um pouco pela igreja, parava

diante da imagem de Nossa Senhora

e pensava: “Mas Àquele ter

uma mãe, podia ser outra? Como isso

está bem achado, bem arranjado!

A Mãe d’Ele tinha de ser esta! Quer

que diga uma coisa? Eu me sinto

melhor e mais próximo d’Ele aqui

junto a Ela; meu arranjo é aqui! Lá

é o ponto terminal, a entrada é aqui.

Luis C. R. Abreu

Eu não entro a não ser

por aqui. Chegar-me a

Ela como eu me achegaria

a mamãe. O caminho

é esse, assim é que se deve

ser!” E, de repente,

tocava o órgão…

Uma instituição

que parece ter uma

alma imensa

Analisando todas essas

realidades da Igreja,

vinha-me uma impressão

curiosa: “A Igreja parece

uma pessoa. Não parece

uma instituição, mas uma

alma imensa, que se exprime

através de mil coisas,

que tem movimentos,

grandezas, santidades,

perfeições, como se

fosse uma só alma, que

se exprime através de todas

as igrejas católicas do

mundo, de todas as imagens,

de todas as liturgias,

de todos os toques

de órgão, de todos os dobrares

de sino. Em algo

aquilo se exprimiu.

Essa alma chorou com os réquiens,

ela se alegrou com os bimbalhares

dos sábados de aleluia e das

noites de Natal, ela chora comigo, se

alegra comigo. É curioso, mas parece

uma só alma imensa. Eu mais vejo

na Igreja uma alma do que uma instituição.

Como eu gosto dessa alma!

E eu me situo de tal modo em relação

a ela, que minha alma é uma

pequena ressonância, uma pequena

repetição dela. Algo no qual essa alma

entra e vive inteira, como dentro

de um templo material. De maneira

tal, que tudo de que eu gosto é como

ela, e ela é como tudo de que gosto;

o resto não me agrada, porque não

me vale nada. Mas essa alma é o ideal

de minha vida. Para ela quero viver,

assim quero ser.

15


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Gabriel K.

Image generated by AI using Adobe Firefly by AC, 2025

E há algo curioso que faz com que

toda minha consonância seja inteiramente

com aquilo e senão com aquilo.

E que eu me sinta naquilo um pouco

como um sol se espelhando numa

gota d’água. Eu sou a gota d’água, ela

é o Sol; na gota d’água pode-se ver inteiro

o astro-rei se espelhando. Aquela

como que alma, eu a contenho inteira,

à maneira de miniatura e de reflexo,

não substancialmente”.

O Espírito Santo, a

alma da Igreja!

O que é, pois, o espírito da Igreja?

Depois eu vim saber que era o Divino

Espírito Santo, a terceira Pessoa

da Santíssima Trindade. O espírito

de amor como que soprado simultaneamente

pelo Pai e pelo Filho. Eles

Se amam num amor tal, que daí procede

uma outra Pessoa divina, o Divino

Espírito Santo.

A alma da Igreja Católica é o Espírito

Santo, e é Ele quem está presente

em todas essas manifestações dela.

Que beleza há dentro de tudo isso,

que sacralidade, que nobreza, que

respeito, que paz, que afago para nossa

alma, que dignidade, que maravilha!

Vamos prestando atenção neste

ponto, naquele, naquele outro, e nos

alegramos com isso e começamos a

compreender: “Só a Igreja é a fonte

de todo bem, porque nela está o Espírito

Santo, alma dela!”

Ele foi quem sugeriu aos homens,

ao longo dos séculos, que dessem

origem àquilo, daquela forma; Ele

é quem fez nascer na Igreja essas

obras todas, que são o reflexo d’Ele.

E sabemos, pela Doutrina Católica,

que Ele atua em minha alma – que é

um templo d’Ele em razão do Batismo

– de maneira a ela ser tão receptiva

a tudo quanto surgiu por inspiração

da Igreja.

Ele é um cantor magnífico que

canta e me dá o senso artístico para

apreciar o canto d’Ele; quando eu O

louvo, louvo as obras d’Ele pela luz

que Ele pôs em mim.

E tudo, em última análise, se reduz

a Ele, enquanto vivificando a

Igreja, enquanto tendo me criado e

enquanto dando-me a mim o lumen

de alma para vê-Lo e amá-Lo.

O louvor do católico à Santa Igreja

é como o amor d’Ele a Si próprio;

é Ele como que debruçado sobre Si

mesmo, olhando-Se, amando-Se e

cantando a sua própria glória, é cada

um de nós enquanto diz palavras de

amor e de louvor a Ele.

A Igreja antes e depois

de Pentecostes

E aí compreendemos como em

Pentecostes houve a constituição definitiva

da Igreja e como os Apóstolos

eram antes incapazes de conhecer

e compreender bem o que Nosso

Senhor lhes dizia. Incapacidade

culposa, é verdade, mas efetivamente

existente, a qual foi quebrada pela

vinda do Espírito Santo, primeiro

sobre Nossa Senhora e depois sobre

todos os Apóstolos. Como, a partir

desse momento, a Igreja viveu neles

de outro modo!

Poder-se-ia fazer uma comparação:

apesar de tudo quanto Nosso Senhor

até então havia feito pela Igreja,

de algum modo – não quero fazer

uma comparação exata – se poderia

dizer que a Igreja era antes de Pentecostes

o boneco de barro, e que o sopro

de vida que recebeu de Deus foi

em Pentecostes, com a descida do Divino

Espírito Santo. Ali tudo mudou,

tudo passou a viver, a pegar fogo no

mundo, a contagiá-lo, até o apogeu

dos dias de hoje, em que a Igreja é

mencionada a todo o orbe, o Evangelho

é pregado a todos os povos.

Era propriamente isso que eu quereria

que todos sentissem em suas almas

a respeito da Igreja. Era esse o

ideal de vida espiritual, intelectual,

apostólica, o arrière fond, 6 que é tão

idêntico à verdadeira Igreja, que nos

16


embevecemos; olhando, não nos cansamos

de considerar, de querer ser

como ela. E exclamamos: “Enquanto

existir a Igreja na Terra, a minha vida

tem razão de ser. Se algum dia ela

tivesse de morrer, eu morreria amando-a,

de um amor com laivos de adoração.

Mas, quando eu a visse morrendo,

eu me poria a morrer, porque

a vida já não seria mais nada. Os

meus ossos se desfariam, toda a minha

vida se desarticularia, o sol dela

não está mais presente: a Santa Igreja

Católica Apostólica Romana”.

Dois mil anos de História

Flávio Lourenço

Pentecostes - Museu Palácio Corsini, Roma

No tempo da Igreja constantiniana,

em que São Paulo já era bem

grande, de um, dois, três milhões de

habitantes, quantas e quantas vezes

assisti, por exemplo, a cerimônias de

Semana Santa, de Quinta-feira Santa,

em que havia a bênção dos santos

óleos; vinham os padres

seculares das mais variadas

paróquias da cidade,

bem como membros

de ordens religiosas,

vinham trazendo

seus vasos sagrados. Na

cerimônia cantava-se

aquela liturgia, os fiéis

se ajoelhavam, levantavam…

Um Bispo dava

uma bênção, tudo transcorria…

Eu olhava para o povinho

de uma douta ignorância,

o poviléu mais

rasteiro de São Paulo,

porque as pessoas que

eu conhecia não compareciam.

Entre os meus,

eu era como Robinson

Crusoé… e sem ter sequer

o Sexta-Feira. 7 Era

eu só!

Mas eu olhava para

aquele povinho que chegava

no começo e ficava

até o fim, sem ter alguém

que lhes explicasse

a cerimônia. E me recordava de

um elogio escrito no teto da igreja de

São Bento, elogiando-o: “Doctor indoctus”,

o doutor não douto. Eu dizia:

“Doctores indocti são estes aqui,

que sabem ficar horas sem entender,

entendendo o porquê ficam…”

E se deixando embalar pelo imponderável,

sabendo terem na cabeça algo

maior do que entender, e que tal

degustação era melhor do que poderia

ter um antigo doutor em Teologia.

E refletia: “Mas como isto tudo

forma uma coisa só! Há praticamente

dois mil anos os católicos fazem isso,

em todos os lugares, em todos os

pontos. Neste momento, no mundo

inteiro, está se desenrolando esta cerimônia

aqui. E quando, pela defasagem

das horas, não for isso, é porque

o mundo não girou bastante. Quando

o mundo tiver girado o suficiente,

aquela liturgia idêntica começará.

São essas multidões nascidas da

Cruz que vão por toda parte fazendo

isso. Oh! Igreja Católica!

Sóbrias delícias de sua alma! Ela está

por dentro vendo, sentindo, pondo

no horizonte coisas que são as que minha

alma tem. Essa alma tem consonância

com a minha. O resto é nada!

Era a pura verdade! Dois mil anos

de vida, dois mil anos de História,

que começaram no momento em que

Nosso Senhor disse: “Tu és Pedro e

sobre esta pedra eu edificarei a minha

Igreja, e as portas do Inferno não

prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).

Daí em diante, para frente! A

Igreja Católica Apostólica Romana

vem avançando através de mil esplendores,

mil glórias, mil magnificências,

mil misérias que não fizeram

senão lhe realçar a glória; mil

humilhações que não fizeram senão

torná-la maior!

v

1) Titã da mitologia grega.

2) Do francês: de toda beleza.

3) Cf. SÃO TOMÁS DE

AQUINO. Suma Teológica

I, q.12, a.7.

4) Do latim: “Tudo em todos”.

5) Do latim: flor dos Santos.

Dr. Plinio utiliza a expressão

no sentido de contemplação

dos diversos alcandores

da Igreja expressos

no conjunto de todas

as almas santas e em cada

uma individualmente.

6) Do francês: o que está

no fundo de algo; a parte

mais oculta de algo.

7) A famosa obra de Daniel

Defoe (*1660 -

†1731), Robinson Crusoé, a

qual narra as aventuras de

um náufrago refugiado numa

ilha deserta, cujo único

companheiro era um jovem

selvagem, a quem dera

o nome de “Sexta-Feira”,

por havê-lo encontrado

nesse dia da semana.

17


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Arquivo Revista

II

O pr anto da Santa

Igreja em nossos dias

Flávio Lourenço

Sejamos do número dos

que constituem o filão

de almas iniciado por

Verônica, de adoradores

da Divina Face

desfigurada, humilhada,

isolada e sofredora, de

maneira a ela se gravar

em nossas almas como

no véu e, sobretudo,

na alma de Verônica.

Nós temos que admitir,

como pressuposto, que

todas as ações praticadas

pelos homens na Terra – relacionadas

com a glória de Deus, de Nossa

Senhora, com o bem da Igreja –,

são positivas ou negativas. Todas são

inscritas no Livro da Vida e repercutem,

de algum modo, no que chamamos

a “transesfera”. 1

Repercussão das ações dos

homens na “transesfera”

Encontro de Cristo com Verônica no caminho do

Calvário - Museu Estadual de Amsterdam

Essa posição nos mostra, entretanto,

pela própria História Sagrada,

que, em si mesmas, algumas ações

18


determinam de um modo mais eficaz

as grandes intervenções do Céu

na Terra, pela relação intrínseca que

têm com a ordem do universo, com

aquilo em que ele é a imagem e semelhança

de Deus; as ações que particularmente

reforçam essa semelhança

ou a defendem, ou a desfiguram

e a comprometem, têm uma relação

especial com o Céu.

Clausewitz 2 dizia que a guerra é

uma continuação da política e a política

uma continuação da guerra; ele

tinha toda razão. O nervo dessa política

é nós não deixarmos passar nenhuma

das ocasiões que de nosso lado

possa levar o Céu a intervir.

Alguém poderia dizer: “Sim, na

oração!” Claro. A oração, mas não

só. É reconhecer as horas em que

Deus passa pela História, a bem dizer,

implorando – e às vezes implorando

de fato, como Nossa Senhora

em Fátima –, que defendamos a

Causa d’Ele; as horas em que algo se

passa por onde o Céu faz uma maravilha

que seja pelo menos um sintoma

de que muitas outras serão feitas.

Nosso Senhor Jesus Cristo

na Paixão: “Meu filho, tu

pelo menos, me queres?”

A Igreja apresenta-se a nós, hoje,

como Nosso Senhor Jesus Cristo em

sua Paixão, quando chegou ao Calvário,

gotejando sangue e cambaleando

debaixo da Cruz. Foi um longo trajeto

no qual Ele tinha sofrido tudo, inclusive

o sofrimento-consolação tão

pungente – pungente enquanto sofrimento

– de encontrar Nossa Senhora,

de perceber a dor d’Ela, de receber o

consolo d’Ela e de A consolar. Ele ia

cambaleando coberto do desprezo de

todos os homens.

Imaginem que nós estivéssemos

ajoelhados, quando Ele chegou ao

alto do Gólgota com uma multidão

ululante, com o coração estraçalhado,

com o peito ofegante, com a face

divinamente bela cheia de marcas de

bofetadas, arranhões, escarros; com

todo o desprezo do mundo baixando

sobre Ele, tal como uma cascata pudesse

baixar sobre um sol de glória,

ou uma nuvem temporária o obscurecesse

– que nuvem para poder obscurecer

um tal sol! –, nesse momento,

Ele nos dissesse:

— Meu filho, tu pelo menos, me

queres?…

Um de nós diria:

— Mas, Senhor, que pergunta!

Para que existo senão para isso?

Que crime cometi diante de Vós,

Senhor, para que me formuleis esta

pergunta? Não sou porventura o

“sim” constante, o “sim” contínuo, o

“sim” ininterrupto de todas as horas

do dia e da noite, pronto a receber

tudo quanto quereis dar? Senhor, eu

adoro a vossa humilhação, o vosso

abandono, o vosso isolamento; adoro

cada uma das chagas que desfiguram

vossa face. Senhor, eu sou inteiramente

vosso!

Nós teremos contemplado a face

sanguinolenta, maltratada, deformada

de Nosso Senhor Jesus Cristo, coroada

de irrisão e de desprezo. Nós

vemos e nos horrorizamos com isso,

nos compadecemos até o fim, e quereríamos

de todo modo possível que

isso não acontecesse.

O auge do desfiguramento

Os judeus que mataram Nosso Senhor

fizeram da Sagrada Face d’Ele

o que se vê no Sudário de Turim:

desfiguraram-na de todos os modos,

sem lhe ter tirado um ceitil de majestade.

E quando olhamos para aquela

figura “horrificada”, um dos impulsos

é exclamar: “Mas que formosura!”

de tal maneira Ele era Ele.

Ana Catarina Emmerich conta

que, a alturas tantas, quando Nosso

Senhor estava na Cruz prestes

a morrer, o demônio quis infligir-

-Lhe um tormento especial: fazer a

Cruz cair ao chão de maneira a que

o rosto d’Ele se partisse em pedaços.

Quando Nossa Senhora discerniu is-

Flávio Lourenço

19


Amor e fidelidade à Santa Igreja

so, proibiu-o, acabou-se!

À mais ligeira proibição

d’Ela, o Inferno some!

Ora, de algum modo,

isso é feito agora. Ao longo

de seu cambaleio de

dois mil anos – dois mil

anos de glória e de martírio

– a Igreja chega a nós

no auge do desfiguramento.

O que o adversário faz

com a Face Sagrada de

Nosso Senhor Jesus Cristo,

com toda a Igreja Católica,

de alto a baixo, não

só, portanto, com a Face,

mas com o Corpo inteiro?

Imaginem que, no vinagre

dado a Nosso Senhor,

houvesse um líquido

qualquer que fizesse

com que sua Face divina

tivesse contorções ridículas

e horrendas, e parecesse

uma caricatura. A

meu ver, algo que provocasse o riso

seria mais cruel do que se fosse quebrado.

Ora, instilar-se o mal na Igreja

e caricaturizar a face de Nosso Senhor

é pior que quebrá-la.

Secondo Pia (CC3.0)

A princesa tornou-se como

viúva abandonada

Há um texto das lamentações de

Jeremias (Lm 1, 1-2): “Como está

solitária esta cidade, antes cheia de

povo!” É a cidade de Jerusalém que

foi destruída. “Tornou-se como viúva

a senhora das nações, a princesa das

províncias ficou sujeita a tributos”.

Jerusalém dominava várias províncias

e agora, aquela que fora soberana,

está sujeita a pagar tributo

ao poder estrangeiro. Ela perdeu

a soberania que a adornava, perdeu,

portanto, o melhor de sua glória, e

está numa situação de humilhação.

E continua:

“A princesa das províncias chorou

sem cessar durante a noite e suas

lágrimas correm pelas suas

faces. Não há quem a console

entre todos os seus amados. Todos

os seus amigos a desprezaram

e tornaram-se inimigos”.

Essa princesa está prostrada completamente.

Aqueles que a amavam

deixaram-na de lado, aqueles que

eram seus amigos a desprezaram.

E ela, durante a noite, chora na

escuridão e no isolamento. Esse

pranto refere-se à cidade de Jerusalém

abandonada, porque os adversários

entraram e reduziram o

povo ao cativeiro; a cidade está quase

completamente abandonada, ninguém

mais a procura, não há sacrifícios,

não há lei, não há comércio,

não há vida. A cidade é um monte

de ruínas.

Esse pranto sobre a cidade de Jerusalém,

evidentemente, se aplica

também ao sofrimento da Igreja

Católica ao longo dos séculos. E,

sobretudo, ao mais pungente de todos

os sofrimentos dela desde Pentecostes

até nossos dias,

que é a dor tremenda pela

qual ela está passando –

e vai se acentuar cada vez

mais –, de tal maneira tenebræ

factæ sunt, as trevas

encheram o santuário. É

bem conhecida a expressão

de Paulo VI, num documento

oficial da Igreja:

“A fumaça de Satanás

penetrou dentro da Igreja!”

3 E penetrou a tal ponto

que não sabemos mais

o que é altar, o que é banco,

o que é venerável e o

que é censurável... anda-

-se às apalpadelas dentro

da Igreja.

Assim, poderíamos aplicar,

palavra por palavra, à

dor da Santa Igreja. “Co-

Rodrigo C. B.

20


mo está solitária esta cidade, antes

cheia de povo”.

Realmente a Igreja Católica fora

antes frequentada por todos os povos,

todo mundo a adotava, a reverenciava,

a homenageava. Hoje as

igrejas continuam cheias, mas a Igreja

está vazia. O edifício material do

templo está com cada vez mais gente

e o número de Comunhões cada vez

maior. Chega o momento da Comunhão,

em alguns locais, quase todos

se aproximam da Eucaristia. Dir-se-

-ia um florescimento religioso, admirável;

mas quanto esse

florescimento é vão e como

são poucos dentro da

Igreja os seus verdadeiros

filhos.

Quantos são

os verdadeiros

católicos?

O que é um verdadeiro

filho da Igreja Católica?

É aquele que ama tudo

aquilo que ela ama,

crê em tudo quanto ela

crê, e, portanto, detesta

tudo o que é oposto a

ela. É um indivíduo que

não dá seu coração a nada

daquilo onde não esteja

o Coração da Igreja

Católica. Este é o verdadeiro

católico.

Eu pergunto: nessas

igrejas cheias, quantos

são os verdadeiros católicos?

Não digo em cada

caso, mas quantos

são aqueles que, em geral,

antes mesmo de saber

qual é o pensamento

da Igreja, já pensam como

ela e já estão cheios

do espírito dela?

Numa cidade populosa

como São Paulo, procurem

quantos são assim

e verão quão poucos

o são. Outrora as igrejas regurgitavam

de católicos autênticos; outrora

a Igreja tinha seus templos materiais

cheios de verdadeiros filhos,

dos quais cada um era um real templo

do Espírito Santo. Ela vivia na

alma dos fiéis que as frequentavam.

Agora a Igreja perdeu esse domínio,

está abandonada pelos povos, pelas

nações. Os pastores levam o povo

numa direção oposta a ela.

Ela está completamente solitária;

ela, a “senhora das nações”, porque

dominara sobre todo o mundo! Ela

A Missa de Natal - Les Très Riches Heures du duc de Berry

que era a “princesa das províncias”,

porque cada grande nação da Terra

era como uma província que estava

sujeita, deslumbrada e amorosamente,

ao domínio dela. Pois bem, essa

“princesa das províncias” está abandonada.

Lembro-me de uma iluminura da

Idade Média que vi, representando

uma Missa celebrada por um Papa.

Os acólitos eram o Imperador do

Sacro Império Romano e o Rei da

França. O Rei da Espanha e o Rei da

Inglaterra faziam alguma outra coisa.

Assim era a Igreja como

“senhora das províncias”.

O Sacro Império, a

França, a Espanha, a Inglaterra,

as nações nórdicas,

todas confluíam para

junto dela a fim de venerá-la

e servi-la.

Como tudo isso está

diferente! Quem haveria

de ver nela a instituição

que São Luís amou tanto,

pela qual São Fernando

lutou e os cruzados fizeram

o que fizeram, pela

qual os mártires morreram…

Quem haveria

de ver nela, desfigurada,

um véu ignóbil tapando-

-lhe a face aos olhos dos

homens?

Divulgação (CC3.0)

O pranto da

Santa Igreja

Diz o profeta Jeremias:

“A princesa das

províncias chorou sem

cessar durante a noite

e suas lágrimas correm

pelas suas faces. Não há

quem a console entre todos

os seus amados. Todos

os seus amigos a desprezaram

e tornaram-se

os inimigos”.

A Igreja chora durante

a noite, só. É a noi-

21


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Divulgação (CC3.0)

Pranto de Nossa Senhora em Siracusa

te da incompreensão, ninguém a entende.

E qual é o pranto dela? É o

pranto de Nossa Senhora que chora

em Siracusa, 4 de Nossa Senhora que

chora em Rocca Corneta, 5 de Nossa

Senhora que aparece desde La Salette

até hoje, em várias manifestações,

ou chorando ou manifestando

de outra maneira a sua tristeza. É

o mesmo pranto da Igreja Católica:

“chora sozinha na noite”.

Pois bem, ela está como Jesus

Cristo no alto da Cruz. Falta a crucifixão!

Ela se põe perto de nós nessa

soledade, nesse horror e nesse esplendor.

E é nesse horroroso esplendor,

nesse esplendoroso horror, que

ela se apresenta diante de nós, desejosa

de que a conheçamos, saibamos

como é sua alma, a amemos como

verdadeiramente ela é.

Para usar uma linda expressão de

um homem que não presta, que foi

Chateaubriand: “Sou um cortesão do

infortúnio”. 6 Nós devemos ser os cortesãos

do infortúnio. Nesta noite em

que ninguém entende a Igreja Católica,

em que ela chora só e abandonada,

em que, na incompreensão,

está relegada

– apesar de aparências

humanas de prestígio,

que nada dizem –,

nós devemos ser essas

almas que procurem

na sua tristeza, a princesa

das nações, que se

acheguem a ela, passo

a passo, com veneração,

ternura e enlevo, e

que, então, olhando para

sua face desfigurada,

olhando-a no estado

em que ela está, se

lembrem de sua beleza

e lhe digam o que ela

quereria ouvir.

Antes de tudo, manifestar

toda a nossa

fé: que cremos nela

até o fundo de nossas

almas, total e completamente,

e não queremos

senão pensar como ela pensa,

sentir como ela sente, querer o que

ela quer e embriagarmo-nos – a expressão

literal é essa –

de amor por ela, com

a casta embriaguez

do Espírito Santo. Os

Apóstolos, depois de

receberem o Espírito

Santo em Pentecostes,

saíram do recinto onde

estavam, e as pessoas

diziam que estavam como

bêbados. Era o entusiasmo

do Divino Espírito

Santo.

Assim, devemos nos

embriagar com o espírito

da Igreja, nos empolgar

ao mais alto

grau e exclamar no interior

de nossa alma:

“A Igreja Católica não

é apenas a coisa mais

verdadeira, mais bela

Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima,

que verteu lágrimas em Nova Orleans, em 1972

e mais santa que há na

Terra; de fato, na Terra,

veraz, só a Igreja; santa, só a Igreja;

bela, só a Igreja. E todas as formas

de veracidade, de bondade e de

beleza só o são na medida em que

participem, ou na ordem da graça ou

na ordem da natureza, dos predicados

com que Deus cumulou a Santa

Igreja”.

E dizer à Igreja Católica que ao

menos nós lhe somos fiéis; que conservamos

a doutrina que não muda,

o apego às realidades perenes em

que se reflete o espírito dela com

uma autenticidade inteira; que conservamos

a certeza de que ela está

viva e que vencerá; que nós temos os

olhos postos nela, nos seus triunfos

do dia de amanhã, no Reino de Maria

que deve ser implantado; que vai

tão longe o nosso enlevo, veneração

e ternura por ela, que lhe fazemos

este ato de suprema obediência.

No momento em que todos parecem

abandoná-la, nós queremos nos

curvar diante dela e dizer que obedecemos

inclusive à sua hierarquia e

a seus pastores, em toda medida do

Divulgação (CC3.0)

22


razoável, do necessário, do conforme

à instituição divina dela.

Nosso Senhor também Se volta para

nós e nos diz, nesse estado em que

estão as cidades hoje: “Do alto da cabeça

à planta dos pés não há em Mim

o que seja são” (Is 1, 6). E acrescenta:

“Verme sou, e não homem; o opróbrio

dos homens e o objeto de indiferença

ou de ódio da Terra inteira” (Sl

22, 6). E Ele tem a condescendência

de dizer: “Meus filhos, por vosso protesto,

salvai a minha honra. Porque se

ninguém protestar, Eu poderia dizer

que chegou o fim do mundo e que a

Terra perece”.

É isso que devemos fazer, esse é o

trabalho, essa é a atitude, essa é a ação

que tem de ser feita neste momento.

Giovanni di Paolo (CC3.0)

A sublimidade que há em

defender a honra da Igreja

Arquivo Revista

Qual é a sublimidade do que estamos

fazendo, ou do que somos

chamados a fazer em determinados

momentos? Essa sublimidade

precisa ser analisada de frente. Ela

é o gesto, a deliberação que tomam

pessoas diante de uma situação inaceitável.

Dr. Plinio em abril de 1995

Agonia no Horto - Galeria do Vaticano

Para terem uma ideia da conjuntura,

imaginem um rei poderoso

sentado em seu trono e, de repente,

irrompe uma revolução. Ele

tem numerosos filhos; seus

parentes, seus cortesões enchem

a sala. Os revolucionários

entram e esbofeteiam-

-no do pior modo possível,

os filhos fogem, mas um se

levanta e luta sozinho contra

todos e lhes inflige uma réplica

tal, que o rei diz: “Meu

filho, tu salvaste a honra desta

casa e o nome da dinastia”.

Essa ação foi ou não foi

sublime? Se não foi sublime,

ou estou louco eu, ou o está

quem julga não ser sublime.

Como se trata de um pecado

único, um pecado conjunto

da Civilização Cristã

e das outras civilizações que

a cristã leva na rabeira, pode-se

dizer que a reparação de tão

poucos terá uma sublimidade única;

é um pecado como maior só foi o

deicídio, e a nós é dada uma glória

diferente da que tocou aos Apóstolos

no Horto das Oliveiras: eles fugiram.

Nós, pelo contrário, ficamos

de pé e declaramos: “Ainda que todos

O abandonem, nós ficaremos

com Ele, e para melhor ficarmos

com Ele, nós O seguiremos. Fiquem

para lá”.

Digo mais: eu dificilmente poderia

conceber uma coisa mais sublime

do que essa. Alguns dirão: “E se uma

pessoa tivesse salvado Nosso Senhor

na Agonia ou durante a Paixão, ou

no momento da morte?” Certamente,

tudo quanto diz respeito a Ele

tem uma sublimidade incomparável.

No entanto, até que ponto Nosso Senhor

Jesus Cristo não está presente

nesta Agonia? Ele não sofre uma

outra Paixão, uma outra Morte, já

23


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Samuel Hollanda

que a Igreja Católica é o Corpo Místico,

do qual Ele é a cabeça?

É pela vida sobrenatural que circula

em todos nós – e que é a graça

obtida pela Paixão d’Ele –, que estamos

reunidos aqui e dizendo palavras

inspiradas na fé, porque sem

a graça ninguém é capaz disso. Se

nós cumprimos os Mandamentos, é

porque Ele morreu por nós; sem isso

nós não somos absolutamente nada

nesta ordem. Se assim é, estraçalhar

dessa forma a Santa Igreja, no

que consiste? E sair do meio disso

Beau Dieu - Catedral de Amiens, França

em ordem e celebrando a glória dela,

numa atitude de rejeição à ignomínia,

não é algo pelo menos francamente

comparável ao que teria feito

um Apóstolo por Nosso Senhor durante

a Paixão? É evidente.

Almas fiéis em

meio às trevas

Eu tenho certeza de que Nosso

Senhor, do alto da Cruz, viu essa cena

e profetizou de Si para Si que, no

momento desse cambaleio, Ele nos

teria a nós, falando e ouvindo a respeito

da Igreja, e querendo dar-lhe

continuidade custasse o que custasse,

fazendo com que essa continuação

fosse a confirmação da promessa

de que as portas do Inferno não prevaleceriam

contra ela (cf. Mt 16, 18),

porque existiriam fiéis que haveriam

de continuá-la até o fim do mundo;

nós, hífen no meio da Revolução, no

meio da “Bagarre” e da vergonha; hífen

entre o que resta de medieval, de

católico no mundo e o que do Reino

de Maria começa a transluzir para

além de todas essas dores…

Neste sentido, gostaria de acentuar

o seguinte: quando as trevas tiverem

caído, a fumaça de Satanás tiver

saído de dentro da Igreja, perguntar-

-se-á quem foi a Igreja durante esse

período. A Igreja reconhecerá com

emoção aqueles que, mesmo nas trevas,

souberam procurá-la e osculá-la,

apesar da fumaça de Satanás!

Se morrêssemos nesse momento,

veríamos algo maravilhoso: no raiar

da outra vida, ao considerar Deus

face a face e ao ver Nossa Senhora,

sermos recebidos com uma ternura

inefável, com um amor sem nome,

e nos seriam ditas aquelas palavras

que Nosso Senhor dirá no Juízo

Final: “Eu estava nu e Me cobristes,

Eu estava preso e Me visitastes, Eu

estava faminto e Me destes o que comer”

(cf. Mt 25, 35-36).

A Santa Igreja Católica, que é o

Corpo Místico de Cristo, em certo

sentido está nua. Nós a cobrimos com

o nosso amor, hipotecando a favor dela

todo o nosso prestígio, comprometendo

todos os valores terrenos que

possamos representar para exaltar a

glória dela aos olhos dos homens. Ela

estava com fome e nós a alimentamos

conservando e trazendo para ela filhos

de uma fidelidade perfeita. Ela estava

presa, sua voz já não se fazia levantar,

nós rompemos o silêncio fazendo ouvir

a verdadeira doutrina.

E se de um modo tão magnífico

Deus paga no Juízo Final qualquer

24


Flávio Lourenço

esmola feita a qualquer mendigo, como

não pagará Ele a esmola feita a

essa sublime, régia, maravilhosa e

incomparável mendiga, nossa mãe,

cheia de dores, cheia de golpes, mas

rainha, e mais bela do que nunca, a

Santa Madre Igreja Católica Apostólica

Romana?

O prêmio dos que

participam do opróbrio

Lançada de Longinus - Galeria

Nacional de Umbria, Itália

Nós devemos nos lembrar de que,

quando a Igreja é mais perseguida

e alguém se aproxima dela para, na

sua soledade maravilhosa, participar

de seu opróbrio, de sua solidão, do

abandono em que ela está, cobrir-se

da vergonha de que ela está coberta,

quando alguém faz isso, os milagres,

as graças esfuziam de todos os lados.

Nosso Senhor estava na última

agonia, Ele estava no fim, no auge

da derrota e começaram os milagres.

Dimas se converte e, de ladrão culpado

e sentenciado, passa

a ser um santo, e Nosso

Senhor, do alto da Cruz,

enuncia a sua primeira canonização:

“Tu hoje estarás

comigo no Paraíso”

(Lc 23, 43). Quer dizer, o

primeiro santo canonizado,

o foi do alto da Cruz.

Quem pode ter ideia de

todas as graças derramadas

do alto da Cruz? Narra

o Evangelho que, quando

a Terra começou a tremer,

muitos batiam no peito

e diziam: “Verdadeiramente,

este Homem era

Filho de Deus” (Mt 27,

54). Eram as graças que

começavam a brotar do alto

da Cruz. E quando Longinus

meteu no flanco de

Nosso Senhor a sua lança

mortífera, – que haveria

de matá-Lo, se morto ainda

não estivesse

–, também ele se

curou, porque a linfa caiu

sobre seus olhos e ele, catacego,

tornou-se instantaneamente

bom.

Há uma figura que

constitui para mim um dos

Encontro de Cristo com Verônica no caminho do

Calvário - Museu de Belas Artes de Lille, França

exemplos profundamente

comovedores, que cabe

em quatro palavras: o lenço

de Verônica.

Verônica era uma alma

sumamente condoída,

a única cuja compaixão é

bastante ativa para aproximar-se

de Nosso Senhor,

limpar e consolar a Divina

Face e adorá-la, naquele

universo de infâmia, de

covardia e de ódio efervescente

em torno d’Ele.

Essa ação, por ser única

e praticada de um modo

tão assinalado por uma

mulher que, a este título,

representa o que o gênero

humano tem de menos apto ao

combate –, foi uma mulher que O

encontrou e teve essa coragem – é

uma ação de tal maneira insigne, que

restabelece nesse ponto a glória de

Deus ultrajada.

Então, do alto do Céu baixou, como

se fosse um Anjo, uma força de

Deus que realizou o milagre estupendo:

quando Verônica limpou a Face de

Nosso Senhor Jesus Cristo, cheia de

escarros, de pancadas, de poeira, a Sagrada

Face impregnou-se no pano usado

por ela. E todos temos como certo

que Verônica ficou santa, porque não

foi apenas naquele pano que Ele imprimiu

a sua semelhança, mas foi na

própria alma dela. Foi o prêmio indizível

de Verônica; não há coisa igual!

Quer dizer, a alma que tivesse

consolado Nosso Senhor, que pela

compaixão tivesse desagravado a

Ele, O teria reproduzido em si, o que

é o mais faustoso e magnífico dos

prêmios que se possa imaginar.

Flávio Lourenço

25


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Nosso Senhor deve ter

olhado para ela com gratidão

e com afago, e se o olhar

d’Ele tanto comoveu São Pedro,

como terá comovido Verônica!

Eu me comprazo em

imaginá-la, ao morrer, olhando

para o olhar d’Ele, olhando,

olhando, até o momento

de ter a impressão de haver

entrado nos olhos d’Ele;

aí cessou de viver. É como eu

me comprazo em imaginar

a morte de Verônica. E esse

episódio, para toda alma católica,

é um episódio ultraculminante.

Um filão de almas

sensíveis à Sagrada

Face ao longo

da História

Trata-se de uma ação

feita por uma simples particular

na Terra, mas na hora

em que a ela competia

realizá-la, por uma relação

insigne dessa ação com o

Gabriel K.

O Crucificado - Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Salvador

acontecimento insigne, determinou

da parte do Céu

essa maravilha.

É uma hipótese minha,

mas tenho a impressão de

que esse episódio contém

muito mais do que simplesmente

está dito. Em atenção

ao que Verônica fez,

abre-se na História um filão

das almas sensíveis à Sagrada

Face, sensíveis a Nosso

Senhor com sua Divina

Face desfigurada, humilhada,

isolada e sofredora, e

que se abre daí um veio de

salvação que vai até o fim

do mundo; e terá facilitado

enormemente a expansão

da Igreja, terá confirmado

inúmeras almas na virtude.

Foi uma ação eminente

feita por uma qualquer

e que teve uma repercussão,

abriu um rio de graça

ao longo da História até o

fim do mundo.

Solidariedade com

a Santa Igreja

Arquivo Revista

Dr. Plinio em abril de 1995

Considero ter a ação de Verônica

uma substância profética, salvo afirmação

dos teólogos em sentido contrário.

Ela fez o que nós devemos fazer.

Olhou, considerou, se condoeu, e sozinha

teve um gesto que ninguém teve.

A nós compete nos condoermos e

termos o gesto que ninguém teve. É

o que devemos pedir a Nossa Senhora:

que essa nossa solidariedade com

a Igreja Católica obtenha o milagre

da conversão individual de cada um

de nós para ser um Apóstolo dos Últimos

Tempos, como São Luís Maria

Grignion de Montfort descreve em

sua Oração Abrasada. Que cada um

de nós passe a ser inteiramente aquilo

para o que foi criado, aquele santo

que deveria e quereria ser e, entretanto,

por sua própria fraqueza não é.

26


Pratiquem este hábito, tenham

o espírito voltado para esta disposição,

procurem ser assim. Que este

sudário moral com o qual nos

aproximamos de Nosso Senhor para

enxugar-Lhe a face sirva para

que a verdadeira Face divina de

Nosso Senhor Jesus Cristo se grave

em nós, como no véu de Verônica.

Que tenhamos em nós a Face

sacrossanta d’Ele; quer dizer, o espírito

d’Ele, porque a face é o símbolo

do espírito, e quem tem a face

tem o espírito. E assim teremos

todos juntos, com outras almas esparsas

pelo mundo – graças a Deus

o privilégio não é só nosso – o pontilhado

de luz dentro dessa época

escura, na qual se dirá: “A Santa

Igreja sempre viveu! Ela não deixou

de existir!”

Flávio Lourenço

Santa inveja dos que

virão no futuro

Assim como hoje lemos o martírio

deste ou daquele Santo e, apesar

do horror daqueles tormentos,

nós temos um pesar: por que eu não

tenho força para tal ato e não sou

chamado a isso? Que beleza ser um

São Vicente no último alento, quando

entrega a alma como Nosso Senhor,

quando diz consummatum est!

Que maravilha! Assim também haverá

no futuro aqueles que, sabendo

de nossa história e de nossa fidelidade,

terão de nós uma santa inveja:

“Por que não vivemos naquele tempo

horrendo, e por que não nos foi

dado ser fiéis nesse tempo de infidelidade?”

Há uma palavra de Nosso Senhor

em que Ele diz: “Quando o Filho do

Homem vier, encontrará fé no mundo?”

(Cf. Lc 18,8). Tudo vai ser tão

cheio de trevas e tão confuso que,

para quem vê – para Ele não há mistério,

é um modo de dizer –, se perguntará

se a Igreja estará viva. Ela

estará, mas a pessoa se perguntará.

Não é distante do que vemos em

Martírio de São Vicente - Museu de Artes da Catalunha

nossos dias... Se não tivéssemos sido

chamados por Nossa Senhora, não

sei se teríamos muito a certeza de

que a Igreja está viva. v

1) Com frequência, Dr. Plinio utilizava o

termo “transesfera” como expressão

figurativa, a qual designaria uma região

superior à esfera do mundo visível,

mas em conexão com esta. Na verdade,

referia-se ele a uma realidade

teológica muito definida: a repercussão

dos acontecimentos terrenos em

Deus e sua influência em certas resoluções

d’Ele no governo do universo.

2) Karl von Clausewitz (*1780 - †1831),

general e teórico militar prussiano,

exerceu grande influência no pensamento

militar contemporâneo.

3) Alocução de 29 de junho de 1972.

4) Em 1953, na cidade de Siracusa, Itália,

uma imagem de Maria Santíssima

verteu lágrimas milagrosamente durante

75 horas. As análises bioquímicas

comprovaram serem lágrimas de

origem humana. Os bispos da Sicília

reconheceram o milagre e autorizaram

o culto à “Virgem das Lágrimas”.

5) De 13 de maio de 1957 a 15 de setembro

de 1972, na igreja de Rocca Corneta,

em Bologna, na Itália, a imagem

de Nossa Senhora teria chorado

em inúmeras ocasiões, às vezes profusamente,

diante de várias testemunhas.

No entanto, a Cúria de Bologna

não reconheceu valor sobrenatural no

acontecimento.

6) François-René, Visconde de Chateaubriand

(*1768 - †1848), escritor e político

francês. Em Moïse, tragédie. Ato

III, cena II, fala de Nadab.

27


Amor e fidelidade à Santa Igreja

Gabriel K.

III

“Já não sou eu que vivo,

mas é a Santa Igreja

Católica A postólica

Romana que vive em mim”

Eco fidelíssimo da Santa Igreja, Dr. Plinio

deixou-se de tal maneira empossar por ela que

pôde dizer, parafraseando São Paulo: “Já não

sou eu que vivo, mas é a Santa Igreja Católica

Apostólica Romana que vive em mim”.

Nós não temos como pátria

apenas esta Terra.

A verdadeira e grande

pátria de nossas almas é o Céu, no

qual somos chamados a morar eternamente.

E o Céu nos dá em ponto

grande, eterno, magnífico, incomparável,

aquilo que, em ponto menor,

amorável – mas quão menor, quão

incerto, quão cheio de complicações

–, a vida terrena é imagem. Mas uma

imagem com apagares e acenderes

de luzes, com desastres etc.

Ora, é só o Céu essa pátria? Não

sentimos haver algo a mais, que também

é nossa pátria, mais que a própria

pátria terrena? Sim! É a Santa

Igreja Católica Apostólica Romana.

A Igreja é nossa

pátria verdadeira

Se não houvesse Igreja Católica

e ela não nos ensinasse o que ensina,

a vida não seria digna de ser vivida.

Porque é tanto aborrecimento,

tanta ingratidão, tanta dureza…

Sobretudo nesta época em que vivemos,

de atos de banditismo de toda

ordem. O número de monstros não

está se multiplicando? A Terra está

se “monstrificando!” Se não fosse a

Igreja Católica, para que viver?

Que classe de católicos, de brasileiros,

somos? Que classe de paulistas

ou de paranaenses, ou de mineiros,

cariocas, de onde seja, que classe

somos nós? Nós amamos mais

nossa pátria do que a nós mesmos?

Temos interesse em que o Brasil venha

a ser a grandíssima potência católica

no século XXI, que é o nosso

ideal?

Se temos esse interesse, seremos

almas superiores, que veem mais

do que simplesmente a cavidade

dos nossos olhos, que ouvem e sentem

longe. Seremos homens grandes

cuja mente sobe ao alto. Com filhos

assim, um país dura muito. Sem filhos

assim, ele decai. Ora, isso se dá

também com a Santa Igreja Católica

Apostólica Romana.

Quando ela – que é mais que tudo

no mundo, mais do que a própria pá-

28


tria –, tem filhos assim, esses são filhos

de almas grandes como o Céu.

Porque quando estiverem nas vastidões

celestes, eles se regalarão com

todas as maravilhas que virem, cantarão

as glórias de Deus eternamente

e serão feitos para a felicidade absoluta

e eterna, porque verão a Deus

face a face.

Isso vale mais do que tudo, e é

para isso que vivemos, para a Santa

Igreja Católica Apostólica Romana.

As duas cidades de

Santo Agostinho

Divulgação (CC3.0)

Na Terra tudo quanto se faz de

bom provém, em última análise, de

uma inspiração da Igreja. Tudo o que

se faz de ruim procede do fato de não

se pertencer à Igreja ou de, se

pertencer, ser um mau filho.

Santo Agostinho dá disso

uma prova convincente ao

discorrer sobre as duas cidades

na Terra. “Cidades”

é um modo poético de referir-se

às duas categorias de

almas: das que levam o amor

a Deus a ponto de não pensarem

em si mesmas, e das

que se amam a si mesmas a

ponto de não pensarem em

Deus.

Está muito bem formulado,

é a verdade. Ele imagina

como seria uma cidade na

qual todos amassem a Deus

e cumprissem os Mandamentos:

um chefe de Estado

bom, ou um rei que faz

para o Estado e para todos

os seus súditos tudo quanto

os Mandamentos ordenam;

e os súditos que também

fazem para seu rei tudo

quanto os Mandamentos

indicam.

Ele imagina uma família

onde os pais e

os filhos agem uns para

com os outros conforme

os Mandamentos. Escolas onde

professores e alunos; exércitos onde

oficiais e soldados; lugares de trabalho

onde patrões e trabalhadores,

todos se tratam idealmente como os

Mandamentos ordenam. Qual o nome

que se pode dar a essa cidade? A

cidade da perfeição. Porque, cumprindo

os Mandamentos, tudo anda

bem, tudo é perfeito.

Entretanto, Santo Agostinho

imagina outra cidade onde todos se

odeiam, cada qual procura só o seu

próprio interesse, e agem em tudo

contra o que os Mandamentos determinam.

Essa cidade vai dar no quê?

Pergunto: o mundo moderno não

se assemelha a essa cidade que cada

vez mais viola os Mandamentos? E

na qual cada um só se preocupa con-

O Paraíso - Les Très Riches Heures du de Berry

sigo e não com os outros, e em que

os homens se agridem, não se conhecem,

não se estimam nem se ajudam,

mas se odeiam mutuamente e

vivem em luta uns com os outros?

O resultado é esse mundo de hoje.

Lê-se os jornais, só sai disparate,

loucura.

Um grãozinho da

Santa Igreja

Ora, nosso Movimento existe com

o intuito de despertar, de acender e

de promover o amor à Igreja Católica,

pela compreensão dela enquanto

reflexo do Céu na Terra; de servi-la

a qualquer preço, sob todos os modos

possíveis, porque ela é digna de

toda nossa dedicação, de todo nosso

amor.

E eu quisera que nosso

amor ao Grupo tivesse como

razão nosso amor à Igreja.

A Santa Igreja Católica

Apostólica Romana, instituída

por Nosso Senhor

Jesus Cristo direta e pessoalmente,

é uma entidade,

por assim dizer, infinitamente

maior do que

o Grupo, anterior incontavelmente

a ele, e superior,

porque ela é a causa

e nós somos o efeito. E

a causa, evidente, é superior

ao efeito.

O que é o Grupo? É

uma obra a serviço da

Igreja. O bom, o santo, o

verdadeiro está na Igreja,

e o valor do Grupo é o

de ser um corpúsculo, um

grãozinho cheio de suco

da Igreja, da qual lhe vem

a seiva, a vitalidade, a santidade

que o torna estimável.

A Igreja é a cidade

do Grupo, é a muralha,

o baluarte, o escrínio

que guarda essa joia cha-

29


Amor e fidelidade à Santa Igreja

mada cultura católica, civilização católica,

autenticidade da Santa Igreja

Católica. Esse é o nosso movimento.

Ora, a cidade vale mais que a muralha

– a razão de ser da muralha é

a cidade – e a joia vale mais do que

o escrínio. E nós valemos na medida

em que vale o tesouro que defendemos,

que é esta Igreja Católica total,

cuja visão global nós devemos ter em

vista. Se o Grupo não fosse católico,

ele não valeria absolutamente nada.

Essa é a visão que devemos ter.

Escola de cristão atrevimento

De maneira que o bom membro

do Grupo deve ser uma pessoa penetrada,

até o fundo de sua alma, de

intelecção, de compreensão no sentido

superior da palavra, de amor,

veneração, ternura para com a Santa

Igreja. E deve ter uma compreensão

admirativa por tudo quanto fizeram

os Santos, por mais diferentes

que tenham sido. É só estando compenetrados

e percebendo que tesouro

é tudo isso, que compreenderemos

o Grupo.

Vejam as coisas bonitas da vida

dentro do Grupo. Ele é feito exatamente

de todas as figuras de piedade

tradicionais, de todos os arrojos,

das iniciativas, dos desembaraços, de

todas as audácias que caracterizaram

a piedade corrente nos tempos

em que a Religião Católica era bem

entendida, na época em que Camões

cantava o espírito de empreendimento

dos primeiros navegantes

portugueses, que iam, em boa parte,

levar a Fé aos países pagãos: “cristãos

atrevimentos”. 1

Atrevimento não se aplica ao sentido

de hoje, que designa o sujeito

insolente. Não são “cristãs insolências”,

não é isso. Atrevimento é o

homem atrever-se, é ter as audácias,

o desafio ao perigo, o arcar com esforço

enorme; é o heroísmo em todos

os seus aspectos. Corresponde a

“cristãos heroísmos”.

É propriamente o que exprime o

Grupo e, se alguma definição se devesse

fazer dele, diríamos: “Uma escola

de cristão atrevimento, sob as

bênçãos de Maria”. É o equilíbrio

de que é feito nosso movimento, de

desnortear o mundo, porque não

nos compreende.

Por exemplo, não sei se nós mesmos

percebemos bem tudo quanto

de belo tem uma campanha. Rapazes

que saem à rua, vão ao Viaduto

do Chá – onde se crê campear

Mamon, o deus do dinheiro,

onde as modas imorais se estadeiam

à vontade –, e ali afirmam audaciosamente

o contrário, diante do

trono de fumaça do demônio, que

ruge e não pode fazer nada.

Isso é um atrevimento cristão,

e muito mais bonito do que abater

cem touros numa tourada. O belo

não é confrontar-se com um touro,

mas enfrentar um outro homem,

uma gargalhada, uma opinião pública.

De onde vem isso? De onde esse

atrevimento é belo? É pelo fato

de ser cristão. Quer dizer, a substância

de tudo quanto é belo aqui

é que reedita valores que a Igreja

engendrou, dando-lhes um fulgor

e uma forma talvez ainda mais audaciosa

para alguns aspectos e que

às vezes, eu creio, nós mesmos não

percebemos bem tudo quanto tem

de belo.

A beleza de nossa Causa, exatamente,

é que defendemos a ortodoxia

e, defendendo a Igreja, amparamos

todas essas outras realidades,

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Caravanas fazendo

campanha pelo Brasil

30


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Cenas do Desfile da Fidelidade, em 3 de janeiro de 1992

recolhendo em nós o espírito de todas

elas. Tudo quanto há no Grupo

é uma beleza porque a Igreja suscitou,

deu a doutrina, concedeu as graças

para realizar e continua a dar,

de maneira que tudo quanto ele tem

de valor são valores da Igreja; tudo

quanto há de bom lhe vem do fato

de ter a glória – a única glória séria

e que vale nesta Terra – de ser um

fragmento, uma pedra viva da Igreja

Católica.

Obra suscitada pela

Santa Igreja

Em que sentido a Igreja suscitou

o Grupo? Em que sentido ela ensina

e lhe dá vitalidade?

A Igreja suscitou o Grupo porque

todas as ideias que estão em minha

mente decorreram de minha fidelidade

a ela. Decorreram de eu ter

sido educado numa família católica,

onde aprendi muito da Religião Católica;

de ter sido aluno dos padres

jesuítas e ter recebido também muito

do espírito de Santo Inácio; de eu,

em certa idade, ter verificado que tudo

quanto eu amava e tudo aquilo

para o que eu queria viver só tinha

sentido em função da Religião Católica,

que sem a Santa Igreja nada

prestava, nada era compreensível sequer,

e nada era digno de apoio, não

havendo razão alguma para me privar

dos prazeres dessa vida a não

ser em função do sobrenatural;

porque todas as outras razões de

decoro, de moralidade, concebidas

laicamente, não resistem à

menor análise. E com isso ter me

decidido pela Igreja, porque ela

existe, porque ela é ela, e porque

Nossa Senhora me ajudou a compreender

que a Santa Igreja é verdadeira.

Daí veio o itinerário que resolvi

seguir.

A prova da veracidade

da Igreja

Eu me lembro de que, no tempo

em que eu estudava apologética

no Colégio São Luís, o padre dava

uma série de argumentos para provar

ser a Igreja Católica verdadeira.

Eu ouvia aqueles argumentos,

alguns eram muito bem expressos e

eu me entusiasmava. Outros eram

tão mal expressos que eu pensava:

“Se eu devesse ser católico por esse

argumento que me está sendo dado,

eu não o seria. Mais ainda: eu

nem vou objetar, porque fará mal

para os meus companheiros de aula,

que são capazes de entender minha

objeção e não a resposta dada.

O melhor é ficar quieto; mas vejo

não ser assim”.

Mas, sobretudo eu pensava: “O

que não compreendo é por que se

precisa provar com tanto trabalho

que a Igreja Católica é verdadeira.

Não basta olhar para uma imagem

de Nosso Senhor Jesus Cristo, para

compreender que aquela fisionomia

nenhum homem tem, que aquela

é a face de um Deus? Considere-

-se qualquer um, a rua está cheia de

fisionomias, é só olhar na janela. Vamos

analisar quem tem fisionomia

de Deus; não há nem de longe, nem

nada que se pareça. Analise um álbum

de História, considere um Cé-

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31


Amor e fidelidade à Santa Igreja

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Dr. Plinio adorando o Santíssimo Sacramento, em maio de 1993

sar, um Platão, os grandes homens

de qualquer era; quem tem aquela

face? Quem tem aquele olhar,

aquele porte? É preciso provar que

é Deus?”

Alguém poderia objetar: “Mas,

afinal de contas, também não se sabe

se isso não foi inventado. Que provas

temos de que realmente Nosso

Senhor Jesus Cristo era daquele modo?”

Hoje tem-se o Santo Sudário de

Turim. É uma coisa fantástica. Fotografa-se

o pano e sai a imagem do

homem que todas as imagens sempre

representavam tendo aquele

semblante. Portanto, houve uma

tradição seguríssima que manteve

aquela face para nós até hoje. Mas

antes do Santo Sudário? Sim! E eu

diria que um homem tão santo que

fosse capaz de compor aquela fisionomia

só poderia ter a mesma santidade

que ela.

A causa da perseverança

A perseverança me veio, e me

vem hoje ainda, da Santa Igreja Católica

Apostólica Romana. Eu posso

dar disso testemunho: se não fossem

as orações, os Sacramentos, o exemplo

da vida dos Santos, eu nunca teria

conseguido perseverar.

Se eu parasse de comungar –

Deus me livre! – se eu parasse de rezar

o Rosário – Deus me livre! – se a

minha devoção a Nossa Senhora diminuísse

– que Deus mil vezes me livre!

– imediatamente, todo o tônus

do que eu faço abaixaria.

Quer dizer, é a Igreja Católica

que misericordiosamente me tem

em sua grei e alimenta em mim o por

onde eu faço aquilo que sei ser o desejo

de Nossa Senhora em relação a

mim.

A única perspectiva para

entender o Grupo

Os que comigo constituíram o primeiro

núcleo do Grupo, todos eles,

tiveram um itinerário mais ou menos

semelhante. Foram trazidos ao Grupo

e aderiram pela convicção de ser

Doutrina Católica o que eu dizia. E

eu nunca procurei persuadir, a não

ser em nome da Doutrina Católica.

A própria substância de tudo quanto

se faz no Grupo é a Igreja Católica, é

a Doutrina e a Religião Católica. E por

causa disso, só de vermos esse esboroar

tristíssimo das coisas da Igreja, nós devemos

amá-la, e amá-la, por exemplo,

no Grupo, vendo nele um fruto dela.

Amando, portanto, no Grupo, a Igreja.

E amando também na Igreja tudo

quanto não seja o Grupo, mas que foram

os grandes Santos, os grandes doutores,

os varões providenciais de todas

as épocas, constituídos de acordo com

o desígnio da Providência, para ser a

Igreja Católica Apostólica Romana. O

Grupo só é compreensível a partir dessa

perspectiva.

Já tenho dito isto algumas vezes,

mas creio não ser mau martelar,

martelar e martelar, para nós nos entendermos

bem.

À medida que se vai prolongando

a crise dentro da Igreja, vai aparecendo

mais um como que resíduo

rutilante do que ela é; o Grupo é,

portanto, uma obra que conserva a

Fé como dentro de um vaso aromático,

para que todos quantos queiram

possam respirá-la e com isso se tonifiquem.

Esta é uma obra, portanto, que,

nas atuais condições, não se identifica

inteiramente com a Igreja, porque

vemos existir muitas almas católicas

– graças a Deus – que não pertencem

ao Grupo, mas para as quais

o Grupo faz o papel de sal da terra.

É uma obra, de outro lado, que

luta contra um adversário que deglutiria

tudo, e que é o comunismo, fazendo

com isso uma dupla tarefa de

salvação: preservando os bons, combatendo

os maus, destruindo os inimigos.

De onde decorre que esta Obra

tem em si as cintilações vivíssimas do

heroísmo, da grandeza, da beleza de

todas as épocas passadas na Igreja.

Isto é verdade. Mas ela não é a Igreja.

A Igreja Católica é distinta dela.

32


Ela é algo que a Igreja engendrou

para seu serviço.

Um varão que se

deixou empossar pelo

espírito da Igreja

O que se exigiu de mim foi uma

renúncia em holocausto à Igreja Católica,

uma aceitação, um deixar-me

empossar do espírito dela, um amor

a este espírito, um pensar exclusivo

na Igreja, com a Igreja e pela Igreja,

o tempo inteiro.

Numa ocasião, encontrei-me com

um bispo polonês que morava em

Santa Catarina e viera de Roma, recém-sagrado

bispo. Conversávamos

sobre diversos assuntos e, a certa altura

da conversa, ele disse, dando risada:

— Olhe que os senhores são firmes

na Doutrina Católica, hein!

Eu respondi:

— Sr. Bispo, estou convicto disso.

Mas, de onde V. Ex.ª, que conhece

pouco o Brasil, tem essa convicção?

— Porque tenho conversado com

vários bispos que se empenham em

procurar nos seus escritos algum erro

doutrinário, mas não encontram.

É preciso ser muito firme para passar

por esse crivo.

Essa é a prova de que o homem

que a Providência quis que fundasse

e presidisse essa obra é, de fato,

fiel ao espírito da Igreja, às normas

dela e, portanto, merece a confiança

daquela em quem ele se sustenta, a

Igreja Católica Apostólica Romana.

Nunca uma doutrina

inventada

ritmo de sensibilidade que são pessoais.

Ele quer difundir que os outros

adquiram o que ele tem de característico

ou o que a Igreja tem de

característico? Ele procura apenas

aproximá-los da Igreja e torná-los

parecidos com ela?”

Eu nunca quis obrigar ninguém a

mudar de temperamento, mas sim

ajudar a corrigir os defeitos temperamentais

para perder o que há de

revolucionário e assumir o temperamento

contrarrevolucionário. Nunca

faço a menor pressão ou insinuação

nem dou o menor conselho no sentido

de se despojar de sua personalidade

para tomar a minha.

Não se trata, portanto, de culto da

personalidade: “Dr. Plinio, que homem

extraordinário! Inventou tal

doutrina”. Nunca ouviram falar de

uma doutrina inventada por mim.

Eu não sou um criador, sou o representante

da Tradição, sou um continuador.

O problema é saber se continuo

com fidelidade.

Eu ouço elogios – às vezes, entusiasmados

–, ouço perguntas e pedidos

de descrição a meu respeito. Vejo

também esquecimentos, ingratidões,

vejo toda espécie de atitudes.

No entanto, para mim, uma só coisa

é o desejo fundamental: que, em

mim, procurem ver o que tenho de

católico, o que é a Santa Igreja em

mim. E o Batismo recebido há tantas

décadas, que marca deixou em mim,

como foi desenvolvido ao longo da

vida; que vejam o por onde eu pertenço

à Igreja e a reflito, e o quanto

a amo.

“Já não sou eu que

vivo, é a Santa Igreja

que vive em mim”

Dessa pertencença se pode dizer,

de algum modo, o que São Paulo

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Se querem me conhecer e me seguir,

procurem ver de que maneira

existe em minha alma o espírito da

Igreja, considerando-me com duas

perspectivas: olhem a Igreja e o homem,

e se perguntem:

“Esse homem tem um certo feitio

de espírito, um estilo de vontade, um

Eremitas do São Bento e Præsto Sum cantando o Ofício Parvo na Igreja

de Nossa Senhora Auxiliadora, São Paulo, na década de 1980

33


Amor e fidelidade à Santa Igreja

afirmou a respeito de si mesmo: “Já

não sou eu que vivo; é Jesus Cristo

que vive em mim” (Gl 2, 20).

Nós somos chamados a que isso

se realize desta maneira: “Já não sou

eu que vivo, mas é a Santa Igreja Católica

Apostólica Romana que vive

em mim”, como vive em cada um daqueles

que queiram se abrir a ela inteiramente.

E quando eu digo que já não sou

eu que vivo, mas é a Igreja Católica

que vive em mim, eu digo implicitamente

que são Nossa Senhora e

Nosso Senhor Jesus Cristo que vivem

em mim. Nossa Senhora é a

Mãe da Igreja, é o Templo do Espírito

Santo, e se eu quiser que Ela viva

em mim, devo fazer o espírito da

Igreja viver em mim.

Há um certo modo de ver, de fazer

luzir e de fazer entender as coisas,

um certo modo de ser católico pelo

qual a Igreja se expande e se comunica

a nós. Procurem, na medida do

possível, ver isso em mim.

Devo dizer que seria

uma “humildosa” contrária

ao espírito da Igreja

eu afirmar que sou um

homem apagado, porque

há qualquer coisa

que rutila aos olhos

de todos. Essa qualquer

coisa, eu quereria

que identificassem inteiramente

com a Igreja e compreendessem

que não é o valor de um homem, senão

na medida em que o sol da Igreja

incidiu nele e fez brilhar algo dentro

dele. Mas que o brilho, a virtude,

tudo aquilo que nele se possa querer

admirar vem da Igreja Católica

Apostólica Romana.

De maneira que no momento em

que simplesmente declinasse um

pouco essa minha união com a Igreja,

as pessoas estranhariam e diriam:

“Algo está mudado! E algo está mudado

naquilo que não deveria mudar.

Eu não entendo mais nada!”

Muitos têm me pedido que eu

fale de mim mesmo. Um modo de

atendê-los é dizer: pensem na Igreja

e procurem nessa pessoa que querem

admirar os reflexos, as analogias

com a Santa Igreja Católica

Apostólica Romana.

Amor extremado e eco

fidelíssimo a serviço

da Santa Igreja

Eu cheguei à idade em que eu estou,

o Grupo chegou ao tempo de vida

que tem. E eu me pergunto: até

que ponto, neste longo trajeto, logrei

ser instrumento de Nossa Senhora

para servir a Igreja? Até que

ponto consegui que, pelo menos

olhando para a gota de água, vissem

o Sol, e não se pusessem a fazer elogios

da água, mas do Sol? Até que

ponto transmiti essa ideia de ter a

Igreja uma alma enorme, fabulosa,

que é o Espírito Santo – e, portanto,

a Santíssima Trindade, a pericórese

trinitária – que está pairando sobre

tudo isso e se refletindo ali?

Já que me têm tantas vezes perguntado

pelo meu processo intelectual,

um ou outro tem dito o seguinte:

“Espanta-me que se fazem ao senhor

as perguntas mais inesperadas sobre

diversos temas e o senhor tem a

resposta pronta”.

Isso é porque, no primeiro

momento, eu vi

tudo e ininterruptamente

amei tudo, querendo

cada vez amar

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mais, amar mais, amar

mais… De maneira tal

que só morrerei feliz se

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Dr. Plinio em algumas conferências, em 1980 e 1984.

Em destaque, Dr. Plinio com alguns membros do Grupo mais jovens, em maio de 1991

34


souber ter amado tanto quanto era

possível à minha alma amar. Se não

for isso, morro triste e com um Confiteor

nos lábios. Porque eu não me

contentarei de ter amado muito, eu

quero ter amado até os últimos limites

que a minha alma poderia amar.

É isso que eu quereria mesmo!

Um dia serei julgado por Deus

e confio que Nossa Senhora obterá

para mim misericórdia. O fato concreto

é o seguinte: o suficiente de fidelidade

para servir de guia seguro

para meus seguidores, minha vida

e obras provam que tive; e os frutos

de tal fidelidade bastam para se

compreender que ela não poderia

vir senão de uma graça raríssima,

especialíssima, neste século de infidelidade.

Essa fidelidade é tal que, mesmo

quando os sinos de que ela deveria

ser eco tocam falseado, ainda o eco

desse sino soa verdadeiro. É a acrobacia

da fidelidade: ser fiel contra

aqueles mesmos aos quais ela deve

ser fiel. É o sumum da fidelidade.

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Um único bimbalhar,

um só concerto

Se o Batismo bimbalhasse de alegria

dentro de cada um, mais ou menos

como o sino de uma igreja bimbalha

quando até lá chega o toque

de sino da catedral…

Na igreja de São Pedro em Roma

há isso: quando o carrilhão da igreja

toca em certas solenidades, os sinos

das quatrocentas igrejas de Roma se

põem a tocar depois. Como eu quereria

que fosse assim a minha obra.

Até que ponto bimbalhamos nós?

Esta é a pergunta que lhes faço, não

como quem cobra contas ou recrimina,

mas como quem encontra um

modo de abrir-se mais a fundo, sem

se vangloriar… Porque, afinal de

contas, tudo quanto estou dizendo é

uma ação de graças a Nossa Senhora

pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Se eu me afastasse dela, num

Interior da Catedral de Santiago de Compostela, Espanha

instante eu seria como um leproso

moral. Esta é a verdade. Ela é o foco,

é o centro, ela é tudo!

Pois bem, depois de ter dito isso

dela, até que ponto os nossos ponteiros

acertam? E até que ponto nós somos

isso?

Quando rezarmos a Nossa Senhora

“Salve Regina, Mater Misericordiæ,

vita dulcedo et spes nostra, salve”, seja

um pedido para que Ela conserve

íntegro e num contínuo desenvolvimento

o que eu recebi no meu Batismo.

E que Ela lhes dê essa plenitude,

de maneira a, quando este “sino”

aqui tocar, os mil “sinos” dessas nobres

“paróquias”, que são os meus filhos,

bimbalhem também e sejamos

um concerto só, no alto das torres de

nossas almas, em louvor da Santíssima

Virgem.

v

1) Em Os Lusíadas, Canto VII, 14.

35


Flávio Lourenço

Virgem do

Amparo

Catedral de

Orvieto

Gloriosa Filha e Mãe da Igreja

A

devoção à Santíssima Virgem é inseparável da devoção à Igreja. Nossa Senhora é a Mãe de

Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja é a Esposa Mística d’Ele. Há uma correlação profunda

entre ambas.

Maria Santíssima é a Mãe da Igreja e, ao mesmo tempo, a mais gloriosa e maravilhosa de suas

filhas.

Nós devemos, portanto, pedir a Nossa Senhora que dilate nossa devoção à Igreja, sobretudo

nestes dias tristíssimos que ela vive. Que tantas misérias que notemos nela não diminuam nosso

amor, mas, pelo contrário, aumentem nosso enlevo, veneração e ternura para com a Santa Igreja

Católica.

(Extraído de conferência de 20/6/1970)

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