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Acerca do Museu de Arte Negra - Observatório Afro-Latino ...

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<strong>Acerca</strong> <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong>*<br />

Abdias Nascimento<br />

Em 1968, publiquei na revista GAM ­ galeria <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rna, nº 15, que se editava no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, o seguinte artigo:<br />

Minha <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> organizar o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong> aconteceu durante a realização <strong>do</strong> 1º<br />

Congresso <strong>do</strong> Negro Brasileiro que o TEN promoveu no Rio em 1950, ao discutir­se a tese<br />

<strong>de</strong> Mário Barata sobre A escultura <strong>de</strong> origem africana no Brasil. Reconhecen<strong>do</strong> que "O<br />

negro realizou na África e em parte na Oceania uma das mais impressionantes obras<br />

plásticas humanas", o autor embrenhou­se pelas áreas geográficas e culturais africanas <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vieram escravos para construir este nosso país. Menciona as diferenças que<br />

particularizaram a concepção plástica respectiva a cada área <strong>do</strong> continente negro e assinala<br />

três tendências pre<strong>do</strong>minantes: uma realista, outra geométrica e outra mais recente: a<br />

expressionista. Segun<strong>do</strong> Mário Barata, esta última talvez não passe <strong>de</strong> uma forma<br />

secundária, resultante <strong>do</strong> contato entre as duas primeiras. Concluía o autor, lamentan<strong>do</strong> a<br />

inexistência <strong>de</strong> um museu para estu<strong>do</strong> e exame da "função que as peças <strong>de</strong> origem exercem<br />

na vida <strong>do</strong> grupo 'racial' ou <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>".<br />

Ninguém po<strong>de</strong>ria prever, naquele recua<strong>do</strong> começo <strong>do</strong> século 20, que à ação predatória <strong>do</strong><br />

coloniza<strong>do</strong>r europeu sobre a África ­ sobre o africano e sua cultura ­ correspon<strong>de</strong>ria a<br />

abertura <strong>de</strong> um novo universo artístico ao protagonismo da arte branca e <strong>do</strong> artista europeu.<br />

Aqueles <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>s fetiches ­ obra <strong>de</strong> feiticeiros selvagens e primitivos ­ quan<strong>do</strong> exibi<strong>do</strong>s,<br />

em 1897, em Bruxelas, provocaram sensação. Imediatamente muitas das estatuetas,<br />

máscaras, esculturas, passaram a habitar salões importantes e consagradas tais como o<br />

Troca<strong>de</strong>ro, em Paris, o <strong>Museu</strong> Britânico e/ou o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> Berlim. Tornaram­se o pólo <strong>de</strong><br />

atração <strong>do</strong>s artistas promissores da época: Vlamink, Derain, Braque, Picasso, Matisse...<br />

Quase to<strong>do</strong>s eles adquiriram peças africanas e conviveram com elas, como Matisse que<br />

possuía cerca <strong>de</strong> vinte. São fatos registra<strong>do</strong>s pela história da arte, mas citemos Les<br />

Demoiselles d'Avignon, <strong>de</strong> Picasso, como o exemplo ilustre <strong>do</strong> cubismo nasci<strong>do</strong> sob a<br />

influência generosa e afetiva da escultura africana. Fauves e cubistas mergulharam naquele<br />

"esperma vivifica<strong>do</strong>r" (Paul Guillaume) expresso na absoluta e inusitada liberda<strong>de</strong> cria<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong> artista negro­africano.<br />

Lembremos a data <strong>de</strong> 1898 como a <strong>do</strong> aparecimento <strong>do</strong> primeiro estu<strong>do</strong> sobre as máscaras<br />

africanas, publica<strong>do</strong> por Leo Frobenius, cujo Decameron Negro (1914) revelou ao mun<strong>do</strong><br />

toda a complexida<strong>de</strong> e profunda riqueza da cultura africana. Estaria esgotada a vigência <strong>do</strong>s<br />

valores daquela cultura? Porventura seus estilos artísticos per<strong>de</strong>ram a vitalida<strong>de</strong> na curva <strong>do</strong><br />

tempo? Uma verificação imediata respon<strong>de</strong> que não. Ocorre justamente o contrário: tanto a<br />

significação estética, os estilos formais, substância transcen<strong>de</strong>nte e atributos outros<br />

implica<strong>do</strong>s no acontecer cultural negro­africano, continuam tão váli<strong>do</strong>s hoje como ontem.<br />

Chama<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> papel cada vez mais importante no concerto ecumênico da<br />

cultura se consi<strong>de</strong>rarmos o compasso que diariamente se amplia às nações da África livre.<br />

Esta consciência <strong>do</strong> processo e da situação histórica da cultura negra confere uma<br />

intransferível responsabilida<strong>de</strong> a to<strong>do</strong>s aqueles comprometi<strong>do</strong>s com a produção <strong>de</strong> uma<br />

cultura brasileira isenta <strong>de</strong> distorções i<strong>de</strong>ológicas, <strong>de</strong> pressões <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>ras, ou <strong>de</strong><br />

aculturações­assimalações branquifica<strong>do</strong>ras racistas. Artistas e intelectuais, entre janeiro e<br />

fevereiro <strong>de</strong>ste ano, <strong>de</strong>puseram pelas colunas <strong>do</strong> Correio da Manhã, analisan<strong>do</strong> a criação <strong>do</strong>


<strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong> e apontan<strong>do</strong> rumos. O sociólogo Diegues Júnior, por exemplo, referiu<br />

que "<strong>do</strong> negro livre, <strong>do</strong> negro artista, pouco se conhece", enquanto o pintor Loio Pérsio, na<br />

mesma linha <strong>de</strong> argumentação, afirmou que "um museu <strong>de</strong> arte negra viria, <strong>de</strong> fato,<br />

satisfazer uma necessida<strong>de</strong> secular: o conhecimento das artes e da civilização brasileira, sob<br />

o ângulo estritamente racional (...) <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> que se enten<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnamente por museu, isto<br />

é, não só o acervo <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e monumentos, mas a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s técnicas e<br />

científicas paralelas, po<strong>de</strong>rá trazer gran<strong>de</strong> contribuição no campo das pesquisas, inventário,<br />

classificação, informação e divulgação <strong>de</strong>ssas artes (negras)".<br />

Propon<strong>do</strong> uma ação e reflexão pedagógicas, <strong>de</strong>stinadas à promoção da arte <strong>do</strong> negro ­ e da<br />

arte <strong>de</strong> outros povos influencia<strong>do</strong>s por ele ­ o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong> situa­se como um<br />

processo <strong>de</strong> integração étnica e estética. No caminho daquela civilização <strong>do</strong> universal <strong>de</strong><br />

que nos fala Senghor.<br />

Nos fundamentos teóricos <strong>do</strong> MAN está implícito o empenho <strong>de</strong> uma revalorização<br />

simultânea das fontes primitivas e seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fecundar a manifestação artística <strong>do</strong> povo<br />

brasileiro. E Eduar<strong>do</strong> Portela assinalou que "...um museu <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à coleta e exposição<br />

permanente da contribuição negra à nossa cultura, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser recebi<strong>do</strong> com<br />

entusiasmo por aqueles que sabem da importância <strong>de</strong>sse elemento fundamental <strong>de</strong> nossa<br />

composição étnico­cultural". O crítico Teixeira Leite lembrou que o MAN "...é uma antiga<br />

necessida<strong>de</strong>, até mesmo <strong>do</strong>s estudantes, pois ele po<strong>de</strong>rá converter­se, se tiver apoio oficial,<br />

num laboratório <strong>de</strong> pesquisas, capaz <strong>de</strong> abrir novos horizontes nas artes plásticas<br />

brasileiras".<br />

Em Brasília, visitei recentemente Rubens Valentim. Em seu atelier na Universida<strong>de</strong>, ergue­<br />

se sob suas mãos um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> relevos, esculturas e pinturas, mun<strong>do</strong> gráfico <strong>de</strong> forças<br />

atávicas que ele, entretanto, contém, disciplina e exprime em transfigurada e consciente<br />

linguagem erudita. O folclórico e o popular, signos rituais e ritmos negros. <strong>Afro</strong>­baianos, se<br />

inserem dialeticamente em sua obra ao cânon artístico europeu. Realiza ele um <strong>do</strong>s<br />

propósitos <strong>do</strong> MAN indica<strong>do</strong> pelo Embaixa<strong>do</strong>r Souza Dantas, isto é, tornar­se em "ponte<br />

cultural entre o Brasil e a África negra".<br />

Enquanto Rubens Valentim terça os refina<strong>do</strong>s estilos, José Heitor representa o autodidata e<br />

mágico cria<strong>do</strong>r; mais parece um artista transvia<strong>do</strong> em Além Paraíba (Minas). Cada peça<br />

que esculpe tem o compromisso <strong>de</strong> ato litúrgico e <strong>de</strong> função comunitária. E geralmente<br />

realizadas em proporções monumentais, sobre um caminhão, no carnaval, suas esculturas<br />

passeiam processionalmente pelas ruas da cida<strong>de</strong>zinha, como parte integrante das escolas<br />

<strong>de</strong> samba. E no <strong>de</strong>sfile, ao suor <strong>do</strong> artista, se somam à peça o pó, a luz, o calor, o cheiro e a<br />

alegria <strong>do</strong> seu grupo. Os "sonhos" <strong>de</strong> José Heitor se apóiam em rigoroso senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> volume<br />

e mantêm o ritmo cruza<strong>do</strong> ­ polimetria e polirritmia ­ <strong>de</strong> que nos falam os estudiosos da arte<br />

africana.<br />

José Heitor trabalha o cedro, o vinhático e outras ma<strong>de</strong>iras que seus amigos ­ sua tribo ­ lhe<br />

conseguem.<br />

Nunca visitou a África, nunca freqüentou escola ou meio artístico. Ele confirma outra frase<br />

<strong>de</strong> Mário Barata: "...<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o continente americano só em nosso país se conservaram, <strong>de</strong><br />

maneira evi<strong>de</strong>nte, as técnicas e concepções plásticas africanas."<br />

A ausência <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> garantias para um trabalho <strong>de</strong>sse tipo, <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> <strong>do</strong> reforço<br />

repressivo <strong>de</strong> fins <strong>de</strong> 1968, me conduziram aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela data, e com<br />

isto o <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong>, como também o Teatro Experimental <strong>do</strong> Negro, como<br />

instituições visíveis, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir. Porém, visto <strong>de</strong> outra forma, as ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> TEN


e <strong>do</strong> MAN tiveram prosseguimento noutro contexto, na luta mais ampla <strong>do</strong> pan­<br />

africanismo. Passaram­se mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que escrevi aquele artigo. Se fosse<br />

escrevê­lo hoje, faria nele alguns reparos, o principal <strong>de</strong>stes seria não manifestar tanta<br />

esperança numa possível compreensão e apoio <strong>do</strong>s meios oficiais e <strong>do</strong>s elementos mais<br />

progressistas da classe <strong>do</strong>minante. Mesmo os chama<strong>do</strong>s progressistas, na socieda<strong>de</strong><br />

"branca" brasileira, ou foram afeta<strong>do</strong>s pela mentalida<strong>de</strong> escravocrata <strong>do</strong> latifúndio ainda<br />

vigente, ou estão comprometi<strong>do</strong>s, como beneficiários, na exploração <strong>do</strong> nosso crescente<br />

capitalismo, que tem no povo afro­brasileiro seu exército <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra <strong>de</strong>squalificada e<br />

massa marginal crescente, assim manti<strong>do</strong> à sua disposição e sujeição mais intensiva que<br />

aquela sofrida pelos trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral. Outro reparo seria o <strong>de</strong> não citar<br />

Leopol<strong>do</strong> Senghor. Acreditamos que a civilização <strong>do</strong> universal jamais po<strong>de</strong>rá ser atingida<br />

enquanto a ação <strong>do</strong> colonialismo ou <strong>do</strong> neocolonialismo permanecer corroen<strong>do</strong> as bases<br />

econômicas e políticas <strong>do</strong>s povos e países, e a pura <strong>de</strong>clamação cultural vazia, conforme se<br />

tornou a Négritu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte Senghor, mostrou na prática sua carência <strong>de</strong> eficácia.<br />

Civilização <strong>do</strong> universal, para mim, significa um universo sem multinacionais ou<br />

transnacionais, isto é, livre <strong>do</strong> capital monopolista, <strong>do</strong> imperialismo e da guerra. Um<br />

universo em que as culturas não pre<strong>do</strong>minem umas sobre as outras; on<strong>de</strong> não haja uma<br />

religião superior às outras, nem uma raça privilegiada, já que todas se originam <strong>do</strong> mesmo<br />

Deus ou da mesma natureza. Mas que também não exista a colonização <strong>de</strong> uma classe sobre<br />

as outras, sob quaisquer disfarces i<strong>de</strong>ológicos ou "científicos". Mesmo que o progresso<br />

histórico nos conduza (conduzirá?) a essa universalização radical, quero seguir aman<strong>do</strong> a<br />

mim mesmo também e afirmar minha negrura, que é, em si mesma, um valor <strong>do</strong> universal.<br />

Ela não se oferece, minha cor da pele, como um objeto <strong>do</strong> qual <strong>de</strong>sejo me <strong>de</strong>sfazer; como<br />

se fosse um atributo estático e/ou aleatório. Minha negrura é parte integrante <strong>do</strong> meu ser<br />

histórico e espiritual, e se o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte continua oprimin<strong>do</strong> e humilhan<strong>do</strong> o negro<br />

e usurpan<strong>do</strong> sua humanida<strong>de</strong>, cabe ao ofendi<strong>do</strong> resgatar sua humanida<strong>de</strong>, e este resgate se<br />

inicia com a recomposição <strong>de</strong> sua integrida<strong>de</strong>. Isto não significa que o negro esteja<br />

queren<strong>do</strong> provar ao branco que ele é diferente; muito menos que o negro está fazen<strong>do</strong> o<br />

jogo <strong>do</strong> racista branco, que o <strong>de</strong>seja "diferente". Falo <strong>de</strong> auto­estima e auto­respeito, pois<br />

apenas como um ser íntegro e total, serei digno <strong>de</strong> me irmanar ombro a ombro com outros<br />

homens íntegros na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu espírito e <strong>de</strong> sua composição histórica. Não existe<br />

esse homem e essa humanida<strong>de</strong> sem um rosto que assinale sua origem. Só para utópicos e<br />

românticos. E se como negros não po<strong>de</strong>mos viver como homens, pelo menos morramos<br />

como homens, e não aceitemos, para viver, transacionar com nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> por um prato<br />

<strong>de</strong> lentilhas... i<strong>de</strong>ológicas!<br />

Em nossos dias, a imposição <strong>de</strong> certo marxismo é que o negro, para ser aceito como<br />

homem, precisa trocar sua cara negra por uma cara <strong>de</strong> classe oprimida, "sem cor". Ontem<br />

exigiam que o artista negro esvaziasse seu conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> cultura negro­africana e pintasse,<br />

nas igrejas católicas, santos e anjos "universais", isto é, não­negros. E foi receben<strong>do</strong> no<br />

lombo a chibata i<strong>de</strong>ológica da "civilização" que alguns africanos criaram e nos legaram<br />

obras importantes. Um Francisco Chagas, por exemplo, realizou na Bahia, durante o século<br />

XVIII, pinturas valiosas na Igreja <strong>do</strong> Carmo. Ou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o escravo Sebastião,<br />

pintan<strong>do</strong> a óleo, <strong>de</strong>ixou trabalhos dignos <strong>de</strong> respeito em várias igrejas. Nasci<strong>do</strong> em Minas<br />

Gerais, Mestre Valentim da Fonseca (1750­1813) <strong>de</strong>senvolveu prolífico e diversifica<strong>do</strong><br />

trabalho no Rio <strong>de</strong> Janeiro: esculpiu em ma<strong>de</strong>ira, fundiu em ferro e ouro, e produziu obras<br />

diversas. Oséias <strong>do</strong>s Santos é outro pintor negro nasci<strong>do</strong> na Bahia em 1865.


A comunida<strong>de</strong> negra no Brasil, assim como tem produzi<strong>do</strong> tantos cria<strong>do</strong>res, precisa contar<br />

também com seus próprios analistas e teóricos para elaborar o juízo crítico <strong>do</strong> acervo que<br />

os africanos nos <strong>de</strong>ixaram. A mim coube esta mo<strong>de</strong>sta incumbência <strong>de</strong> registrar alguns<br />

nomes e transmiti­los aos meus irmãos negros não familiariza<strong>do</strong>s com a história das artes<br />

plásticas no Brasil, a fim <strong>de</strong> que esta parte da criativida<strong>de</strong> afro­brasileira não permaneça<br />

ausente da memória <strong>de</strong> nossa comunida<strong>de</strong>. Os sucessos da pintura e da escultura obti<strong>do</strong>s<br />

por artistas <strong>de</strong> origem africana não <strong>de</strong>vem permanecer como um assunto esotérico, só<br />

conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>s especialistas <strong>de</strong> arte, em geral estudiosos brancos. Um Antônio Francisco<br />

Lisboa, nasci<strong>do</strong> <strong>de</strong> mãe africana em Sabará, em 1730, é patrimônio da comunida<strong>de</strong> afro­<br />

brasileira, não importa que tenha se expressa<strong>do</strong> em mo<strong>do</strong>s europeus <strong>do</strong> barroco. Esculpin<strong>do</strong><br />

quase sem as mãos que a lepra <strong>de</strong>vorou, Aleijadinho ­ escultor, pintor e arquiteto ­ é o<br />

genial inventor <strong>do</strong>s Profetas que à frente da igreja <strong>de</strong> Congonhas <strong>do</strong> Campo para sempre<br />

testemunhará, mais além da epi<strong>de</strong>rme católica, a compulsão criativa que o sangue africano<br />

infundiu ao brasileiro e à cultura brasileira. Lá está na pedra ou/e na ma<strong>de</strong>ira a força<br />

transbordante <strong>do</strong> talento inundan<strong>do</strong> as medidas canônicas, na utilização disciplinada e<br />

harmoniosa da indisciplina e da liberda<strong>de</strong>. Densida<strong>de</strong> e peso, polirritmia e pontos rituais, se<br />

combinam para produzir a mágica comunicativida<strong>de</strong> africana da obra <strong>de</strong> Aleijadinho.<br />

Em 1801 faleceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro o pintor Estevão Silva, negro, que ganhou fama com o<br />

retrato da escravidão que ele elaborou no seu quadro intitula<strong>do</strong> Carida<strong>de</strong>. Pedro Américo,<br />

mulato da Paraíba, pintou cenas históricas em quadros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões. Um <strong>do</strong>s<br />

objetivos <strong>do</strong> <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong> <strong>Negra</strong> era o <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a um levantamento <strong>do</strong>s africanos e <strong>de</strong><br />

suas criações no Brasil. Isto necessita ser feito com urgência.<br />

*Reproduzi<strong>do</strong> <strong>do</strong> livro O Quilombismo, 2ª Ed. (Brasília/Rio: Fundação Cultural Palmares/<br />

OR Editor, 2002), págs. 146­149.<br />

www.abdias.com.br/museu_arte_negra

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