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Living in Kosovo_PB_24.7.2009_draft abril 2022

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MEMÓRIA DE UM POVO

Os Balcãs têm qualquer coisa de especial. O Kosovo tem muito de especial e, não fora a desgraça que todo o planeta ficou a conhecer no fim do

milénio, só muito poucos continuariam a interessar-se não só pela região mas essencialmente pelas pessoas que habitam o Kosovo, de origem Albanesa,

Sérvia ou outra.

O Kosovo tem assim algo de especial. Ficar indiferente ao Kosovo é seguramente impossível depois de se ter lá estado e vivido. Não é fácil de ter um

amor à primeira vista porque o Kosovo não foi “enfeitado” para agradar, nem a sua beleza natural escapa facilmente através da camada espessa de

protecções militares e civis. É tão grande a presença de “elementos estranhos àquele habitat” que o que nos faz cair de amores pelo Kosovo tem quase tanta

dificuldade em sobressair como as primeiras flores que rebentam a espessa camada de neve no fim do Inverno.

As flores estão lá. É o povo Kosovar. São os albaneses. São os sérvios bloqueados nas aldeias protegidas pela KFOR. São os ciganos fechados nos

campos de refugiados de Leposaviq. São todos os que, de uma forma ou de outra tentam sobreviver num território que todos dizem pertencer-lhe.

Tal como num grande festim de casamento que se segue a um grande amor confirmado e testemunhado, há momentos inesquecíveis. Há momentos

para mais tarde recordar. Guardamos certamente muitos desses momentos especiais na memória, numa memória que, contudo, pode sofrer alterações,

definir outras prioridades, decidir não mais se lembrar, por exemplo, porque já não interessa mais. Por isso se guardam as memórias não na memória mental,

mas no papel. Na fotografia.

O Kosovo merece ser guardado na memória, mas é sabido que também esta memória tem sofrido muito. Sempre sofreu e agora parece que sofre

cada vez mais. Por isso se têm guardado as memórias do Kosovo algures. O Kosovo merece que se guardem as suas memórias nas fotografias. No papel,

par serem vistas!

Já muitos mostraram fotografias do Kosovo. Os jornais não fizeram outra coisa durante a guerra. Nunca mais o fizeram depois da guerra, ou pouco.

Em todo o caso, de forma incipiente e insuficiente. A memória dos jornais e das fotografias dos jornais andam intimamente ligadas. Resultado: a memória fica

esquecida!

Alguns fotógrafos fizeram exposições de fotografias sobre a guerra do Kosovo. Mostram a destruição. A desgraça. As valas comuns. As crianças

descalças, feridas. Famílias amputadas dos seus filhos queridos. Esta memória tem que ser lembrada, guardada, conservada da intempérie que

frequentemente e demasiado rapidamente nos faz passar a outra história e esquecer a precedente.

Mas há outra faceta. Existe o povo! O mundo dos vivos que têm que continuar a viver. A maneira de viver o quotidiano. A forma de vestir, de comer, de

trabalhar, de receber amigos. Enfim, a forma de fazer amizade também.

Este Kosovo que não tem sido mostrado merece fotografias. Não em fotografias que pretendam fazer esquecer a desgraça e a miséria a que tem

estado submetido o povo Kosovar. Mas antes, fotografias que mostrem que o povo Kosovar respira, veste-se, come, trabalha, tem vida social como todos nós

os que vivemos deste lado da Europa. O Kosovo merece fotografias que provem que os Kosovares são pessoas como eu e como vós.

Bruxelas, Fevereiro de 2000

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