12.04.2013 Views

Jornal escolar 2.pub - Agrupamento de Escolas de Amareleja

Jornal escolar 2.pub - Agrupamento de Escolas de Amareleja

Jornal escolar 2.pub - Agrupamento de Escolas de Amareleja

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Página 32 Cinco Estrelas<br />

Pró-vocação<br />

A escrita po<strong>de</strong> ser o testemunho sincero <strong>de</strong> um grito, a consequência material <strong>de</strong> um esgar<br />

<strong>de</strong> dor, o urro primigénio maquilhado <strong>de</strong><br />

civismo, a grafia da in<strong>de</strong>lével metafísica que<br />

se aloja numa natureza que a si mesma se<br />

o<strong>de</strong>ia.<br />

Po<strong>de</strong> ser, também, uma miragem<br />

narcísica que subjuga o código sob o insuportável<br />

peso da mais perfeita inutilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>nunciando o olhar especular do seu<br />

autor, artífice em função da sua imagem,<br />

<strong>de</strong>slumbrado com as suas piruetas retóricas,<br />

<strong>de</strong>ixando transparecer uma obscena ingenuida<strong>de</strong><br />

que esquece o olhar alheio, o qual,<br />

minimamente atento, logo lhe reduz a opacida<strong>de</strong>.<br />

Estas paupérrimas linhas não preten<strong>de</strong>m<br />

assentar em qualquer espécie <strong>de</strong> arrogância,<br />

seja ela moral ou intelectual. Preten<strong>de</strong>m, só, relembrar humil<strong>de</strong>mente a nossa natureza contraditória,<br />

num tempo que tanto nos ocupa que nos castra, intelectualmente, quer-se dizer, para<br />

não esquecer que a nossa miséria é também a<br />

nossa gran<strong>de</strong>za, mesmo sem o querermos, mesmo<br />

sem o pensarmos. Cabe dizer, também, que<br />

não se escusam elas dos pecados que enumeram<br />

porque, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, qualquer texto<br />

é sempre maligno, propaga metástases.<br />

Mesmo no meio da mais sincera exaltação, Deus<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma prosopopeia e as religiões<br />

uma metonímia cheia <strong>de</strong> metáforas.<br />

A gran<strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> da nossa espécie é a <strong>de</strong><br />

conseguir transformar tudo o que é mais prosaico<br />

e pragmático em imagens o mais distantes<br />

possível da fonte <strong>de</strong> sofrimento, mesmo quando<br />

se preten<strong>de</strong> acentuá-lo, numa fuga inútil porque<br />

impossível, resultando daí uma nova dimensão essencialmente criativa.<br />

A sincerida<strong>de</strong>, porém, não é razão bastante da verda<strong>de</strong>; é, tão só, uma relação <strong>de</strong> harmonia<br />

na qual se suprimem fugazmente as contradições; não basta para convencer porque prescin<strong>de</strong> da<br />

confirmação do olhar e ninguém é sincero eternamente.<br />

Deus, para um <strong>de</strong>scrente, é um tunante que nos olha lá <strong>de</strong> cima, numa qualquer esquina do<br />

éter, vestido <strong>de</strong> rufia <strong>de</strong> bairro social, as pernas cruzadas e o cotovelo apoiado nos cornos da lua.<br />

Contempla majestaticamente, com um sorriso cínico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém, a charada que lhe escapou das<br />

mãos. Para os crentes, será seguramente um economista neo-liberal que está a braços com o défice<br />

terrível que se cava a cada instante entre o passivo da promessa da eternida<strong>de</strong> e o activo real da<br />

inevitável cruelda<strong>de</strong>. Amén.<br />

R.L.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!