Untitled - Nelson Coelho Literatura
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CASO DE AMOR<br />
— Não, não é exatamente isso. Na realidade eu o amava muito.<br />
— Pois é, isso eu entendi muito bem. Mas não entendo o porque<br />
do senhor dizer que se irritava constantemente com certas coisas dele.<br />
— Com a mania de deixar tudo para depois. Com o hábito<br />
insuportável de roer as unhas. Com a incapacidade de se aproximar do<br />
fato tal como o fato é... Vivia sempre torcendo a verdade ou<br />
arrumando as desculpas mais incríveis para não ter que dizer que<br />
errou. Coisas assim que me irritavam. Irritavam, não, ainda me<br />
irritam, infelizmente. Sei que talvez não deveria dizer essas coisas<br />
agora, mas o que vou fazer se ainda sinto essas coisas agora?<br />
— Já sei, já percebi o que o senhor quer dizer. Mas ouça: pode<br />
ao mesmo tempo uma pessoa amar uma outra e se irritar com as<br />
maneiras ou o comportamento ou sei lá o que que constituem<br />
justamente as características dessa pessoa?<br />
— E por que não?<br />
— Bem, me parece estranho, só isso. Sempre soube que quando<br />
se ama uma pessoa a gente fica meio cego, não é mesmo? Existe até<br />
um provérbio que diz qualquer coisa assim: quem ama o feio, bonito<br />
lhe parece. Entende? O amor me parece ser justamente uma forma de<br />
encantamento, uma forma de endeusamento, de magnificação do<br />
objeto amado. Uma aceitação.<br />
— É, agora entendo, o que está dizendo tem sentido, aceito. Mas<br />
acontece que comigo a coisa não funciona assim. Gosto dele e gosto<br />
muito, mas ao mesmo tempo me irrito com quase tudo o que ele faz<br />
ou diz ou pensa, etc.<br />
— Bom, talvez então seja apenas o chamado amor físico<br />
somente, não é?<br />
— Isso é que não. De jeito nenhum. Vejo tantos defeitos no<br />
corpo dele, tanta gordurinha que não precisaria ter, tanta falta de<br />
elegância, tanta preguiça para concluir claramente um gesto, tanta<br />
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