Novas Mensagens - O Consolador
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Um livro de vulgarização da filosofia positivista trouxe ao seu entendimento um pouco de esperança<br />
na primazia do homem sobre todo o Universo, mas não apagou o sentimento recôndito que vigilava pelos<br />
rumos definitivos, entretendo-o apenas com idéias provisórias, até que chegasse o tempo da ascenção da<br />
futura glória das letras pátrias.<br />
E começou a luta de Humberto de Campos, a debater-se com ele próprio, para entender o negativismo<br />
dos materialistas.<br />
Precisamente aí, esses líderes do Nada despertaram o adormecido passado cultural de Humberto<br />
de Campos, trazendo à tona do seu raciocínio consciente a avantajada bagagem de conhecimentos com que<br />
viajara através das vidas anteriores.<br />
Agitando as fibras mais recônditas da sua Alma, e falando ao criticismo jacente no seu Espírito,<br />
tais autores fizeram o benefício de trazer-lhe a oportunidade de aquecer ao sol do livre exame as velharias<br />
religiosas, salpicadas da ferrugem do passado e enxarcadas pelo enxurro do ateísmo negador.<br />
Humberto de Campos confessa que o esforço para compreender os transcendentes problemas versados<br />
por aqueles ateus eminentes, ficava acima dos seus conhecimentos e da sua capacidade de assimilação.<br />
E ficava sem destrinçar o porquê de alguns fenômenos, ainda que contente com a liberdade aparente<br />
que as doutrinas negadoras lhe haviam proporcionado.<br />
Criado à solta, num vilarejo de acanhados limites, o menino Humberto aprendeu todas as maldades<br />
garotas que na sua idade dão a medida de uma índole má; vivendo em lar onde não havia homens e onde<br />
contava com o imenso amor que lhe votava sua mãe; ligado a outros criançolas vadios, que viviam de traquinadas<br />
perversas, e mesmo a adultos de ímpetos facinorosos; Humberto aprendeu também uma linguagem imunda<br />
de que se servia, nas repetidas explosões de cólera infantil, apesar dos castigos rigorosos recebidos das<br />
mãos maternas.<br />
Por isso, tinha ele um vago receio dos castigos com que os preceitos religiosos ameaçavam os filhos<br />
desobedientes, os autores de atos perversos; mas, quando o materialismo quebrou em seu entendimento<br />
ainda rudimentar a idéia de Deus, de uma outra vida de reparação e arrependimento ⎯ exultou e sentiu-se<br />
mais à vontade na intenção de praticar coisas piores, de vez que o Nada da morte tudo apagaria.<br />
Mas, algo velava pela responsabilidade futura do seu próprio Espírito.<br />
A seus olhos veio a leitura de Samuel Smiles, o autor dos livros mais sadios que se possam exigir<br />
para formação do caráter e disciplina da atividade.<br />
Recebendo indelével impressão dos profundos ensinamentos morais que neles se encontram, fez<br />
desses livros seus verdadeiros mestres e seus defensores no júri espiritual onde seriam julgados os criminosos<br />
princípios do ateísmo, homicidas da sua ingênua crença de adolescente.<br />
Segundo Max Nordau (Humberto o lembra), a memória, isto é, a repetição de um determinado<br />
pensamento, era conseqüência de movimentos sanguíneos acionando células cerebrais; no entanto (raciocínio<br />
de Humberto), o gramofone ⎯ simples máquina, repetia mais do que o pensamento, a voz humana, sem intervenção<br />
de neurones e das cordas vocais.<br />
Era a prova de que, dentro do anão humano dos livros, havia o hércules do subconsciente: o Espírito.<br />
E, assim, por entre essas crises de espiritualidade que lhe assaltaram a alma aos três lustros de<br />
existência, sentindo em choque constante, no subconsciente, as leituras que fizera (Büchner e Smiles, Comte e<br />
Coelho Neto), o futuro escritor ⎯ glória das letras brasileiras ⎯ foi emergindo de si próprio, aprimorando sua<br />
cultura, sem recursos pecuniários, nem possibilidades que lhe permitissem aspirar a um diploma de doutor das<br />
academias científicas.<br />
E afinal venceu, porque trabalhou, sentiu a verdade dentro das lutas, auscultou a predestinação<br />
das criaturas no cenário das realidades, e só não viu através da cortina da Dúvida porque lhe faltou coragem<br />
para levantá-la e espiar no além da vida terrena.<br />
Trabalhou, subindo os grandes rios amazônicos até às regiões ingratas dos seringais, onde as febres<br />
se embocam em remansos paludosos; auscultou a predestinação das criaturas, observando a triste condição<br />
dos servos daquelas glebas, verdadeiros escravos na terra da liberdade maior; contemplou o cenário das<br />
realidades verificando o contraste entre o sacrificado extrator do latex precioso, sempre pobre, anônimo, febricitante<br />
de paludismo, preso ao patrão-senhor ⎯ e o ricaço que, nas capitais frui o sangue, a vida a tristeza, as<br />
lágrimas, as desesperanças daqueles párias, mudadas no conforto dos palacetes e nas alegrias do vinho de<br />
luxo, existências consumidas e transformadas em ouro para enfeite das verdes flanelas que forram as mesas de<br />
jogatina nos cassinos elegantes.<br />
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