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Esta edição é dedicada a Fernando Pessoa, traje a rigor da língua ...

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Poesia IV<br />

A Decisão (2ª)<br />

Aos que cui<strong>da</strong>m de fibriomiálgicos<br />

Paciente atrasou-se e está de-centrado.<br />

Tamb<strong>é</strong>m me atraso com álibi aplacante: Cui<strong>da</strong>dos!<br />

Outros reclamam, estão pagando!<br />

Por igual clamo do pouco ganho, do escracho,<br />

Das muitas tarefas e do tempo escasso.<br />

Quem quer saber?<br />

Nem este, nem aquele, quanto mais aqueloutro, o<br />

Souto!<br />

O atrasado revela grave segredo: tudo lhe dói!<br />

Tamb<strong>é</strong>m sói pouco entender essas algias difusas,<br />

Errantes, marcantes em sua inciência,<br />

Ou em minha insuficiência.<br />

Como dói a percepção científica só suporta<strong>da</strong> na arte!<br />

Decido já ou depois? Será preciso? Terá siso?<br />

No entroncamento <strong>da</strong>s escolhas rodopio incertezas.<br />

Não há exames, testes, imagens, biópsia não há.<br />

Ajuízo revolvendo pistas; que rem<strong>é</strong>dio!<br />

Como tentar decidir se tamb<strong>é</strong>m não há penso?<br />

E se não pensar, já não seria uma decisão?<br />

Profissão morrinha que tudo pede e na<strong>da</strong> cede.<br />

Exige competências, erros, reparos e boas ações.<br />

A consciência dos múltiplos e a conexão dos haveres.<br />

Digam-me cá: qual o caminho claro?<br />

Respon<strong>da</strong>m-me lá: não <strong>é</strong> na ausência de opções<br />

Que nasce a luz <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des?<br />

Bem sei: quando não houver alternativa... rarefeito!<br />

Não? Já sei: o caminho não está feito!<br />

Então tá: ocupem meu lugar, quero espiar.<br />

Dr. Emanuel Sá.<br />

Ain<strong>da</strong> as dores<br />

Comentário po<strong>é</strong>tico de <strong>Fernando</strong> <strong>Pessoa</strong>: “O<br />

que me dói não <strong>é</strong>/ O que há no coração/ Mas<br />

essas coisas lin<strong>da</strong>s/ Que nunca existirão.../ São<br />

as formas sem forma/ Que passam sem que a<br />

dor/ As possa conhecer/ Ou as sonhar o amor”.<br />

Ou se quiserem outro tipo de dor, porque o<br />

importante <strong>é</strong> sempre saber a dor que o<br />

paciente tem: “O poeta <strong>é</strong> um fingidor./ Finge<br />

tão completamente/ que chega a fingir que <strong>é</strong><br />

dor/ A dor que deveras sente”.<br />

As dores, físicas ou psíquicas, nunca são iguais;<br />

ca<strong>da</strong> um as sente a seu modo e lugar.<br />

J ANEIRO A MARÇO - 2005 / P ÁGINA 9<br />

poesia<br />

Poesia V<br />

O que há em mim <strong>é</strong> sobretudo cansaço<br />

O que há em mim <strong>é</strong> sobretudo cansaço, —<br />

Não disto nem <strong>da</strong>quilo,<br />

Nem sequer de tudo ou de na<strong>da</strong>:<br />

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,<br />

Cansaço.<br />

A sutileza <strong>da</strong>s sensações inúteis,<br />

As paixões violentas por coisa nenhuma,<br />

Os amores intensos por suposto em algu<strong>é</strong>m,<br />

Essas coisas to<strong>da</strong>s –<br />

Essas e o que falta nelas eternamente —;<br />

Tudo isso faz cansaço,<br />

Este cansaço,<br />

Cansaço.<br />

Há sem dúvi<strong>da</strong> quem ame o infinito,<br />

Há sem dúvi<strong>da</strong> quem deseje o impossível,<br />

Há sem dúvi<strong>da</strong> quem não queira na<strong>da</strong> –<br />

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:<br />

Porque eu amo infinitamente o infinito,<br />

Porque eu desejo impossivelmente o possível,<br />

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,<br />

Ou at<strong>é</strong> se não puder ser...<br />

E o resultado?<br />

Para eles a vi<strong>da</strong> vivi<strong>da</strong> ou sonha<strong>da</strong>,<br />

Para eles o sonho sonhado ou vivido,<br />

Para eles a m<strong>é</strong>dia entre tudo e na<strong>da</strong>, isto <strong>é</strong>, isto...<br />

Para mim só um grande, um profundo,<br />

E, ah com que felici<strong>da</strong>de infecundo, cansaço,<br />

Um supremíssimo cansaço,<br />

Íssimo, íssimo, íssimo,<br />

Cansaço...<br />

F. <strong>Pessoa</strong> (1888-1935).<br />

Cansaço e sossego<br />

Cansaço <strong>é</strong> recorrente em prosa e poesia. Da profissão, dos amores, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />

do na<strong>da</strong>. Cansaço <strong>da</strong> esterili<strong>da</strong>de de criação que teima em ser persistente.<br />

Cansa-se de si, dos outros, e at<strong>é</strong> mesmo do próprio cansaço. Só não se<br />

cansa do desejo, tamb<strong>é</strong>m recidivante, sujeito álacre em vôos intensos,<br />

perdido na extensão <strong>da</strong> fantasia e na falta de proveito. Só se cansa do<br />

desejo o deprimido, um oprimido <strong>da</strong>s lembranças vis. <strong>Pessoa</strong> tamb<strong>é</strong>m foi<br />

homem de muitos cansaços e verteu-os todos, ou quase, na sublimação do<br />

verbo. De si dou exemplo d’outro cansaço no poema abaixo. De mim não<br />

me canso de arrolar outros poetas paranaenses e de os colocar em<br />

companhia tão ilustre. Embora se exija, nesta festa, <strong>traje</strong> a <strong>rigor</strong>.<br />

Mas depois de tanto cansaço, que não se fique sem descanso. Evoco o<br />

mesmo <strong>Pessoa</strong>/Álvaro de Campos para nos apaziguar. Será?<br />

“Sossego, sim, sossego... /Grande tranqüili<strong>da</strong>de... /Que repouso, depois de<br />

tantas viagens, físicas e psíquicas! /Que prazer olhar para as malas fitando<br />

como para na<strong>da</strong>! /Dormita, alma, dormita! /Aproveita, dormita! /Dormita!<br />

/É pouco o tempo que tens! Dormita! /É a v<strong>é</strong>spera de não partir nunca!”

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