Sílvio Lima – Filósofo sem Filosofia 1. - FILÓSOFO DE ESTILO ...
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Sílvio Lima – Filósofo sem Filosofia 1. - FILÓSOFO DE ESTILO ...
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obra do primeiro. O livro de Cerejeira tenta demonstrar que o pensamento português e<br />
europeu contemporâneo estava lentamente regressando à fé da Igreja Católica depois<br />
de um século e meio de ostensivo ateísmo, teísmo, panteísmo, positivismo,<br />
materialismo e cientificismo, e que o regresso das elites intelectuais à reconversão<br />
católica era testemunho evidente da agonia de todas estas filosofias. Não nos repugna<br />
considerar, no caso de Portugal, que A Igreja e o Pensamento Contemporâneo,<br />
publicado em 1923, dois anos antes da reedição em Lisboa da revista Brotéria, da<br />
Ordem de Jesus, e três anos antes do pronunciamento militar do general Gomes da<br />
Costa, que iniciará o processo de erecção do Estado Novo, dominantemente católico,<br />
evidencia o alto grau de consciência do mais alto representante institucional da Igreja<br />
no nosso país relativo ao apodrecimento social e político da I República e o<br />
pressentimento da necessidade de um livro que fizesse o ponto da situação do estado<br />
da Igreja em Portugal, considerando o reagrupamento das suas forças para uma nova<br />
evangelização pós-liberalismo e pós-república, o que acontecerá com o apoio dos<br />
católicos ao Estado Novo e posterior assinatura da Concordata de 1940 entre o Estado<br />
e a Igreja. Neste livro só se pode louvar a sensibilidade e a consciência exacta do<br />
momento do único Cardeal português, que vira premonitoriamente que a época da<br />
perseguição e da humilhação aos católicos estava findando e um novo tempo estava<br />
chegando.<br />
Do mesmo modo, de um Cardeal não se deve esperar que escreva teses críticas<br />
racionalistas, de alto poder dubitativo e interrogativo, como parece que <strong>Sílvio</strong> <strong>Lima</strong><br />
esperava. Da parte de <strong>Sílvio</strong> <strong>Lima</strong>, que publica as suas Notas Críticas em 1930, sete<br />
anos após a 1ª edição do livro e em plena Ditadura Militar, com inúmeros intelectuais<br />
e políticos exilados no estrangeiro, como Raul Proença, António Sérgio, Jaime<br />
Cortesão, Bernardino Machado e Afonso Costa, trata-se da reacção da vertente<br />
cultural do racionalismo português ao crescente domínio da vertente tradicionalista,<br />
afirmando-se através, não já da propaganda do Integralismo Lusitano, do regresso dos<br />
jesuítas a Portugal, da Cruzada de D. Nuno Álvares Pereira ou dos sectores<br />
democracia-crista (Oliveira Salazar pertencia a estes dois últimos núcleos), mas da<br />
afirmação de domínio exclusivo do aparelho de Estado. Se não recusarmos fazer da<br />
cultura um vasto palco de conflito, poderemos categoricamente afirmar que o embate<br />
entre <strong>Sílvio</strong> <strong>Lima</strong> e Gonçalves Cerejeira constitui o último grande duelo de ideias em<br />
Portugal em torno da expressão do pensamento da Igreja, onde as duas vertentes<br />
opostas e rivais, mesmo inimigas, desde os tempos finais do século XVIII, digladiam<br />
as suas teses contraditórias, agora com o final conhecido da vitória de uma Igreja<br />
encostada ao Estado, depois de durante 150 anos o Estado ter perseguido legislativa e<br />
socialmente a Igreja Católica. Face às postulações culturais da prevalência da fé e da<br />
igreja católica sobre o pensamento português constantes do livro de Gonçalves<br />
Cerejeira, retomando assim, sob a pena do mais alto dignitário da Igreja em Portugal,<br />
a tradição cultural quase milenar interrompida pelo consulado do Marquês de Pombal,<br />
e face às postulações racionalistas, de forte base científica, animadas do pendor<br />
crítico de <strong>Sílvio</strong> <strong>Lima</strong>, bem pode dizer-se que, repetindo a vigorosa polémica havida<br />
no princípio do século entre o jesuíta Santana e o médico Miguel Bombarda, as<br />
restantes polémicas portuguesas do século XX, mesmo se mediaticamente mais<br />
gritantes, possuem um estatuto cultural de mero conflito episódico-conjuntural entre<br />
correntes filosóficas ou visões do mundo, diferentemente daquela a que nos estamos<br />
referindo, que possui um estatuto deveras estrutural: constitui ela o esmagamento do<br />
racionalismo pelo espiritualismo vanguardista e providencialista português durante<br />
cerca de meio século, abafando duradouramente a expansão do espírito crítico e