A «Revolta do Grelo» : - Análise Social
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0If<br />
e pelo número. Ficavam em oposição alguns intransigentes que<br />
apareceriam nos dias seguintes. Os outros irredutíveis eram um<br />
número considerável de estudantes — à volta de 500 — que haviam<br />
decidi<strong>do</strong> não sair da cidade 74 .<br />
O dia 16 começou, às 6 da madrugada, com o enterro das vítimas<br />
de 12. A autoridade não consentiu que se formasse um cortejo<br />
ou que assistissem à cerimónia pessoas que não fossem parentes<br />
próximos <strong>do</strong>s mortos. A hora escolhida aju<strong>do</strong>u também a que tu<strong>do</strong><br />
se passasse rápida e discretamente. Além das famílias, só estiveram<br />
presentes representantes da Polícia e <strong>do</strong> Exército e meia dúzia de<br />
jornalistas.<br />
De manhã abriram as primeiras lojas. Houve alguns incidentes,<br />
mas pouco graves. Um cozinheiro foi preso porque «cobria de<br />
impropérios» um droguista 75 . Outro «popular» impediu que um<br />
estabelecimento funcionasse, «intiman<strong>do</strong> o <strong>do</strong>no a fechar e partin<strong>do</strong><br />
vidros», e, quan<strong>do</strong> a polícia acorreu, declarou-lhe orgulhosamente:<br />
«Agora matem-me, se quiserem.» 76 Outro, ainda, pregou na<br />
porta da Associação Comercial um protesto pessoal e manuscrito<br />
contra a «traição» da véspera 77 . Também es emprega<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Mata<strong>do</strong>uro<br />
«ameaçaram» os lavra<strong>do</strong>res que se apresentaram com ga<strong>do</strong><br />
para abate (carneiros e porcos) e os forçaram a retirar-se 78 .<br />
Toda a resistência teve este carácter individual, esporádico,<br />
espontâneo. Movimentos colectivos e organiza<strong>do</strong>s não apareceram.<br />
Apenas um pequeno grupo de comerciantes lamentaram e publicamente<br />
se dessolidarizaram da decisão da Associação Comercial;<br />
mas que esta não fora unânime, já se sabia 70 .<br />
A revolta terminara. Reconhecen<strong>do</strong> isto, a última assembleia<br />
magna da academia recomen<strong>do</strong>u o regresso às aulas, explican<strong>do</strong><br />
«que o povo de Coimbra [aban<strong>do</strong>nara] já o campo de acção [...] e<br />
que a causa que só a ele pertencia não [podia] ser exclusivamente<br />
defendida por estudantes» 80 .<br />
A 17, a cidade voltou, portanto, à normalidade. Só as vendedeiras<br />
das freguesias limítrofes continuavam «a mostrar uma<br />
certa relutância em vir ao merca<strong>do</strong>». Por isso, o administra<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
concelho pediu aos párocos e rege<strong>do</strong>res que desfizessem qualquer<br />
«receio» 81 . Dias depois, Coimbra era devolvida às autoridades civis<br />
e as garantias individuais restabelecidas. A lei que determinava a<br />
cobrança <strong>do</strong> imposto <strong>do</strong> selo continuou em vigor. Porém, pelos anos<br />
seguintes permaneceu letra^morta.<br />
A partir <strong>do</strong> momento em que o Governo se resolveu a intervir<br />
em força, vinte e quatro horas bastaram, portanto, para sufocar a<br />
revolta. Convém examinar as razões <strong>do</strong> facto, porque, embora elas<br />
pareçam óbvias, apenas as menos interessantes de facto o são.<br />
O que primeiro importa notar é que Hintze não teve qualquer difi-<br />
74<br />
MUN., 17-3-1903.<br />
75<br />
CORN., 17-3-1903.<br />
76<br />
DNO., 17-3-1903.<br />
77<br />
Ibid., mesma data.<br />
78<br />
NOR., 17-3-1903.<br />
79<br />
MUN., 17-3-1903.<br />
80<br />
VAN., 17-3-1903.<br />
S1 MUN., 18-3-1903.