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A MULHER <strong>que</strong> CAI<br />
Não sei por<strong>que</strong> nunca consegui ver graça nos bichos<br />
aqui do Passeio Público. Desde pe<strong>que</strong>na sempre olhei<br />
mais para as pessoas <strong>que</strong> observavam os animais. É<br />
engraçado o comportamento delas, algumas parecem <strong>que</strong><br />
gostam da<strong>que</strong>les instantes por poderem se sentir superiores<br />
a alguém. Outros olham para os bichos perguntando: como<br />
é <strong>que</strong> é ser diferente de todo o igual? Tem uns <strong>que</strong> olham<br />
invejosos para o jabuti sob o sol. E eu nunca, a menor<br />
curiosidade, nem quando há muitos anos atrás havia os leões<br />
e os ursos... mas na<strong>que</strong>la época não era só indiferença o <strong>que</strong><br />
eu sentia, não olhava para as jaulas por pena.<br />
Mas esse pe<strong>que</strong>no par<strong>que</strong> plantado no centro da cidade<br />
sempre me atraiu. O Passeio é uma grande mistura, todas as<br />
classes, todas as idades e todas as intenções. Grandes árvores<br />
e pe<strong>que</strong>nos animais, ilhas artificiais, estátuas de poetas do<br />
passado, um lago, <strong>que</strong> na minha infância e na de qual<strong>que</strong>r<br />
outro, parecia quase sem fundo, mas <strong>que</strong> não tem mais de<br />
um metro de profundidade. É por onde passeiam os pedalinhos<br />
com casais de namorados ou com pais levando seus filhos<br />
pe<strong>que</strong>nos. Esse passeio inocente raramente não deixa marcas<br />
nas memórias das crianças, e elas dificilmente não levarão<br />
um dia seus filhos para atravessar a<strong>que</strong>las águas verdes.<br />
E se eu refizesse hoje o mesmo passeio da infância? Talvez<br />
me viessem memórias... mas também seria o fim de uma<br />
ilusão... lago raso e pe<strong>que</strong>no... imagino se eu visse uma<br />
<strong>mulher</strong> da minha idade pedalando sozinha... o <strong>que</strong> eu ia<br />
pensar? Coitada ela deve estar sofrendo muito... é melhor<br />
nem olhar para ela... acho <strong>que</strong> é melhor es<strong>que</strong>cer o<br />
pedalinho... mais para manter intocada a memória de<br />
infância, resta tão pouco de mágico em mim.<br />
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