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Nosso filho poderia estar vivo - Povo Metropolitano

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10<br />

Negligência<br />

Cubatão, 26 de outubro a 1 de novembro de 2012<br />

Criança morre. Pai relata desespero<br />

e revolta com atendimento médico<br />

Após atropelamento, Lucas<br />

foi para o PS Central,<br />

onde, segundo a família,<br />

foi diagnosticado com<br />

escoriações. Já em Santos,<br />

foram constatadas fraturas<br />

e hemorragia<br />

Vítima de um atropelamento<br />

no Jardim Nova República,<br />

na área conhecida como Bolsão<br />

9, Lucas Leandro Machado<br />

dos Santos, de 5 anos,<br />

morreu no último domingo,<br />

dia 21. Segundo a família,<br />

ele teve fraturas, perfuração<br />

de órgãos e hemorragia interna.<br />

O caso <strong>poderia</strong> ser mais<br />

um entre tantos nas estatísticas<br />

do trânsito, não fosse<br />

pela acusação de negligência<br />

médica em relação ao atendimento<br />

no Pronto-Socorro<br />

Central de Cubatão.<br />

O drama vivido pelo<br />

encarregado de elétrica Leandro<br />

Lima dos Santos e pela<br />

garagista Maria Madalena<br />

Machado dos Reis, pais do<br />

menino, teve início por volta<br />

das 18h15 de sábado, dia 20.<br />

Enquanto preparavam uma<br />

churrascada familiar, foram<br />

surpreendidos com a notícia<br />

de que o <strong>filho</strong>, montado<br />

numa bicicleta, havia sido<br />

atropelado por um caminhão<br />

numa via próxima (ainda<br />

sem nome), em frente à Rua<br />

Josafá Balbino dos Santos.<br />

“Pensamos que ele<br />

estava no quarto com a irmã,<br />

no computador”, conta o pai,<br />

lembrando o estado em que<br />

encontrou Lucas. “Estava<br />

no chão, estirado, sem choro,<br />

sem nada. E consciente o<br />

tempo todo”. Na versão do<br />

motorista, o menino se desequilibrado<br />

sozinho e, na queda,<br />

acabou colidindo com o<br />

para-choque do veículo.<br />

Logo no primeiro socorro<br />

à criança, uma dificuldade<br />

já teria surgido. “Peguei<br />

meu <strong>filho</strong> no colo e o levei<br />

para a ambulância do Bolsão<br />

8. Estava trancada, dentro da<br />

garagem. Perderam uns dez<br />

minutos para sair. Isso por que<br />

várias pessoas do bairro já haviam<br />

telefonado avisando do<br />

acidente”, relata Santos.<br />

Pronto-Socorro<br />

Chegando ao Pronto-Socorro<br />

Central, Lucas foi encaminhado<br />

à ortopedia, segundo<br />

o pai. “Via que o estado dele<br />

era grave. A gente supôs que<br />

havia algum osso quebrado”,<br />

relembra, citando novo<br />

momento de espera, além<br />

de precariedade no atendimento.<br />

“Ficamos na sala de<br />

emergência por meia hora até<br />

a chegada de um médico, às<br />

19h20. Do PS até o Hospital<br />

Municipal, quem empurrou a<br />

maca fomos eu e meu irmão.<br />

Até então, ele estava sem tomar<br />

medicamento, sem medir<br />

pressão, nada”.<br />

Conforme o tempo<br />

passava, a aflição de Santos<br />

e dos demais familiares<br />

aumentava com o estado de<br />

saúde do menino. “A todo o<br />

momento, ele falava que a dor<br />

era no peito. Falava nome,<br />

idade. Falava que amava a<br />

mãe. Às vezes, transpirava<br />

e virava os olhos querendo<br />

dormir”, relembra, dizendo<br />

que chegou a expor tal preocupação.<br />

“Quando chegamos<br />

do Raio-X, havia dois médicos<br />

na sala. Eu questionava:<br />

‘meu <strong>filho</strong> não está mexendo<br />

a perna direita, pois belisquei<br />

e ele não sentiu’”.<br />

“Foi quando chegou<br />

o terceiro médico. Entrou<br />

na sala e assumiu a responsabilidade.<br />

Disse que tinha<br />

sido apenas um chacoalho<br />

no cérebro e que o Lucas iria<br />

para repouso. Em 30 segundos,<br />

olhou todos os exames<br />

de Raio-X. Disse que havia<br />

apenas escoriações, que meu<br />

<strong>filho</strong> ia passar a noite no hospital<br />

e que, no dia seguinte,<br />

iria para casa. Aí foi quando<br />

eu duvidei e falei: ‘doutor,<br />

mas a perna dele não está<br />

mexendo. E ele falava que<br />

a dor era no peito e não na<br />

cabeça’”, conta o pai.<br />

“Àquela altura, eu<br />

já estava nervoso a ponto de<br />

fazer uma besteira. Então,<br />

meu irmão chegou e falou:<br />

‘o Luquinha não está bem’.<br />

O médico respondeu: ‘Tenho<br />

20 anos de profissão.<br />

Garanto que amanhã ele vai<br />

para casa’. E encaminhou<br />

meu <strong>filho</strong> para repouso na<br />

pediatria”, recorda Santos,<br />

relatando momentos de tensão<br />

na unidade. “Chegando<br />

lá, foi onde me desesperei.<br />

Vi que o quadro dele era difícil.<br />

Ele desfaleceu na minha<br />

frente. Então eu disse à<br />

médica: ‘você escolheu esta<br />

profissão. Tem que fazer<br />

com amor’”.<br />

Transferência<br />

“Depois de meia hora, ela<br />

percebeu que o estado do<br />

Lucas era grave”, relembra,<br />

dizendo que o desespero aumentou<br />

quando os responsáveis<br />

pela unidade do SAMU<br />

(Serviço de Atendimento<br />

Móvel de Urgência) alegaram<br />

não haver autorização<br />

para a remoção. “Era gravidade<br />

verde. A médica se desesperou<br />

ao telefone, dizendo<br />

que era gravidade vermelha.<br />

Ajoelhei e comecei a gritar:<br />

‘perca seu emprego, mas salve<br />

a vida do meu <strong>filho</strong>’. Ela<br />

o olhou, viu os olhos dele<br />

virando e falou: ‘Vou passar<br />

por cima da ordem’”.<br />

Finalmente, às<br />

20h30, do Pronto-Socorro<br />

Infantil de Cubatão, a criança<br />

foi transferida para a Santa<br />

Casa de Santos, onde possuía<br />

convênio – informado<br />

contida na ficha preenchida<br />

em Cubatão. “Quando estávamos<br />

na Anchieta, a médica<br />

passou um rádio para o hospital.<br />

Havia 21 profissionais<br />

nos esperando lá”, lembra o<br />

pai, detalhando os momentos<br />

seguintes. “Assim que<br />

chegamos, intubaram o Lucas<br />

para poupá-lo do sofrimento.<br />

Com vinte minutos<br />

já haviam feito tomografia e<br />

cirurgia. Constataram duas<br />

fraturas na bacia, uma costela<br />

quebrada e perfurando um<br />

dos pulmões, lesões nos rins<br />

e na bexiga e grande coágulo<br />

de sangue. Ele chegou com<br />

metade da hemoglobina do<br />

corpo. Falaram que o estado<br />

dele era gravíssimo. Naquelas<br />

duas horas perdidas, ele<br />

estava com hemorragia interna”.<br />

Morte<br />

Santos ainda descreve o diálogo<br />

que teve com um dos<br />

profissionais que operaram o<br />

<strong>filho</strong>. “O médico disse: ‘estancamos<br />

o sangue da bacia,<br />

raspamos o coágulo e drenamos<br />

o pulmão, mas nos entregaram<br />

ele sem a metade<br />

do sangue. O coração está<br />

batendo, mas não tem sangue<br />

para os órgãos. O quadro dele<br />

agora era para <strong>estar</strong> normal’.<br />

Antes de ir embora, mandou<br />

eu olhar nos olhos dele, deu<br />

um abraço em mim e na minha<br />

esposa e disse ‘vocês<br />

têm que ter força. Seu <strong>filho</strong><br />

<strong>poderia</strong> <strong>estar</strong> no quarto, mas<br />

essa pessoa não pode exercer<br />

a profissão, para que não<br />

aconteça com outros o que<br />

aconteceu com seu <strong>filho</strong>.<br />

Procure a Justiça’”.<br />

Sem evolução no<br />

quadro clínico, após duas<br />

horas de tentativas de reanimação,<br />

Lucas veio a falecer<br />

às 9 horas da manhã seguinte.<br />

Da UTI (Unidade de Terapia<br />

Intensiva), o pai guarda<br />

a última imagem da criança<br />

lutando pela vida. “Com o<br />

coração apertado, ainda vi<br />

meu <strong>filho</strong>. Tinha mais de 30<br />

tipos de saquinhos de sangue<br />

e medicamento lá. Aqui<br />

em Cubatão, deram apenas<br />

dez minutos de soro”.<br />

Investigação<br />

Em seguida, um boletim de<br />

ocorrência foi registrado no<br />

1º Distrito Policial de Cubatão,<br />

no qual, diante das últimas<br />

constatações sobre<br />

os ferimentos no menino, é<br />

considerada a hipótese de<br />

homicídio culposo pelo motorista<br />

do caminhão, além da<br />

observação quanto à dificul-<br />

dade dos pais na obtenção de<br />

documentos clínicos nas unidades<br />

de saúde cubatenses.<br />

Família<br />

Santos conta que a irmã de<br />

Lucas, de 8 anos, está muito<br />

abalada, sem ir à escola,<br />

Há quase dois anos, comissão “rigorosa<br />

e detalhada” prometida por Marcia Rosa<br />

para apurar morte de recém-nascido segue<br />

sem esclarecimentos<br />

Questionada sobre o caso de Lucas, a Prefeitura<br />

informou que “o procedimento médico<br />

realizado foi o correto para este tipo de<br />

atendimento”, mas não respondeu qual foi o<br />

diagnóstico do menino, nem justificou o encaminhamento<br />

a repouso denunciado pelos<br />

pais. O conteúdo da ficha do paciente registrada<br />

no Pronto-Socorro Central também não<br />

foi revelado.<br />

Na nota, também é citada a remoção,<br />

mas de modo e em horário diferentes dos relatados<br />

pela família. “Diante dos cuidados<br />

que o caso inspirava, por decisão da equipe<br />

de médicos, foi providenciada sua transferência<br />

para a Santa Casa de Santos, hospital<br />

capacitado para atendimento emergenciais<br />

deste tipo, o que ocorreu por volta das 20 horas”.<br />

A reportagem também questionou<br />

qual o resultado da comissão anunciada pela<br />

prefeita Marcia Rosa (PT) em janeiro de 2011<br />

para investigar a morte de um recém-nascido<br />

e necessitada de tratamento<br />

psicológico, assim como a<br />

mãe. Segundo ele, a família<br />

era muito unida. “Fazíamos<br />

tudo juntos, sempre os quatro.<br />

Nessa vida, não há dor<br />

maior pra mim. Machuca<br />

muito relembrar tudo isso”.<br />

Leandro e Maria Madalena<br />

mostram fotos do <strong>filho</strong> morto e<br />

o Boletim de Ocorrência. Exigem<br />

investigação e punição severa<br />

para o médico que negligenciou<br />

o atendimento.<br />

Prefeitura não revela diagnóstico,<br />

mas garante que procedimento com<br />

Lucas foi correto<br />

no Hospital Municipal diante de acusações<br />

de negligência médica. Na ocasião, ela chegou<br />

a prometer que a apuração seria “detalhada,<br />

rigorosa e transparente”. No entanto,<br />

nenhuma informação foi fornecida a respeito<br />

deste caso.<br />

Além destas, no último ano, outras<br />

duas mortes foram motivo de denúncia ao<br />

<strong>Povo</strong> de Cubatão sobre o atendimento em<br />

unidades de saúde municipais. Em julho, a<br />

doméstica Aparecida Coelho do Nascimento<br />

registrou boletim de ocorrência pela morte do<br />

<strong>filho</strong> de 5 dias. Ela acusou o Hospital Municipal<br />

de mau atendimento em duas oportunidades<br />

antes de dar à luz. A direção da unidade<br />

alegou que o tratamento foi adequado.<br />

Já em janeiro, o tapeceiro Celso<br />

Ricardo de Oliveira Gadelha, de 37 anos,<br />

morreu no Pronto-Socorro Central após tumulto<br />

com seguranças do Hospital Municipal<br />

enquanto acompanhava um irmão em<br />

exames. Na ocasião, uma irmã afirmou que<br />

ele recebeu doses de um medicamento para<br />

distúrbios mentais agressivos, o que teria<br />

ocasionado uma parada cardíaca. A Prefeitura<br />

confirmou apenas o problema cardiorrespiratório.

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