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6 REPOR REPORTA REPOR GEM GEM<br />
H Porto orto Alegre, Alegre, junho junho de de de 2006<br />
2006 HIPERTEXT HIPERTEXTO<br />
HIPERTEXT 7<br />
Costumes da terra do sol nascente<br />
chegaram ao Pampa há 50 anos<br />
A tradição japonesa se integra, mas conserva sua origem em casa e no coração<br />
K<br />
MANUELA ANUELA KKANAN<br />
K ANAN<br />
A dois anos do centenário da imigração<br />
japonesa no Brasil, a ser celebrada<br />
em 21 de junho de 2008, o Rio<br />
Grande do Sul enxerga sua própria<br />
comemoração. Apesar de vários nipônicos<br />
terem chegado ao estado para<br />
fugir dos efeitos da guerra, a maioria<br />
veio das próprias colônias de São Paulo.<br />
Mesmo assim, a migração não deixa<br />
de ser mais recente. Augusto Isamu<br />
Aso, dono da loja Midori – Arte e<br />
Decoração, explica que, como chegaram<br />
antes, os “japoneses paulistas”<br />
são mais abrasileirados, os gaúchos<br />
ainda puros.<br />
Talvez pelo histórico isolacionismo,<br />
os japoneses têm uma característica<br />
de manterem sua cultura, ou pelo<br />
menos parte dela, mesmo longe de<br />
seu país. Esse fato pode ser considerado<br />
como motivo principal dos agrupamentos<br />
em comunidades e colônias.<br />
Geralmente adaptam algumas de<br />
suas peculiaridade ao estilo de vida<br />
ocidental. Um exemplo é a maioria dos<br />
nascidos no Brasil ter dois nomes: um<br />
brasileiro, outro japonês.<br />
Reconhecer um japonês não é difícil,<br />
não só pelas características físicas,<br />
como olhos puxados ou cabelos escuros<br />
e lisos. Eles têm uma maneira<br />
de agir que denuncia sua origem sem<br />
fazer esforço. O jeito sério e introspectivo.<br />
Uma risada tímida, mas sincera.<br />
Um jeito de falar objetivo e enrolado<br />
ao mesmo tempo. Uma vontade<br />
de sempre ajudar os outros. Um impulso<br />
por fazer as coisas direito. Esse<br />
comportamento próprio conquista os<br />
brasileiros, fazendo crescer o interesse<br />
por um país e uma cultura tão distante<br />
e ao mesmo tempo tão próxima.<br />
Eles podem até não conversar muito<br />
no início, mas depois de conhecê-los e<br />
conquistar sua confiança, a história<br />
muda completamente.<br />
Uma das surpresas na convivência<br />
é a alimentação. Entrando na casa de<br />
um japonês, não será difícil encontrar<br />
os famosos hashi, também conhecidos<br />
como palitinhos, junto aos garfos<br />
e facas. Instrumento utilizado desde<br />
a antigüidade para a alimentação, se<br />
mantém em uso até hoje. A dificuldade<br />
ocidental de manuseá-los é comum,<br />
o que faz alguns restaurantes<br />
oferecer em uma versão simplificada,<br />
com uma “borrachinha” na ponta,<br />
formando uma pinça.<br />
Arroz no café<br />
O prato dominante é o arroz branco,<br />
chamado de hakumai ou gohan,<br />
quando cozido. Eles utilizam em casa<br />
uma panela elétrica específica para o<br />
cozimento do arroz, que não só facilita<br />
a preparação como mantém a comida<br />
quente por bastante tempo. É inevitável<br />
que algo seja perdido na adaptação<br />
cultural. É o que acontece com o<br />
hábito de comer arroz no café da manhã.<br />
“Hoje, não só os mais jovens,<br />
como os próprios issei comem pão na<br />
primeira refeição do dia, do mesmo<br />
jeito que os ocidentais”, diz Aso.<br />
A tradição de tirar os sapatos antes<br />
de entrar em casa, bem retratada<br />
por Tom Cruise no filme O Último<br />
Jogo treino de Softball do time feminino da comunidade Enkyo<br />
MANUELA KANAN<br />
Jogo infantil realizado em Gravataí na sede do Enkyo, durante o Undokai, a gincana familiar japonesa<br />
Samurai, já é bastante conhecida. Dependendo<br />
da família, o costume ainda<br />
é mantido, mas nem sempre com<br />
tanta fidelidade. Em alguns lugares,<br />
um par de chinelos, chamado suripa, é<br />
deixado perto da porta de entrada. Os<br />
jovens, entretanto, preferem ficar de<br />
pés descalços. Boa parte dos orientais<br />
No Rio Grande do Sul, imigrantes<br />
e descendentes de japoneses se organizam<br />
em comunidades ou associações.<br />
Todas são interligadas com o<br />
consulado e existem em diversas cidades<br />
do interior como Pelotas, Santa<br />
Maria, Itapuã e Viamão, assim como<br />
na capital. As mais representativas são<br />
de Gravataí, chamada de Enkyo, Ivoti,<br />
e a de Porto Alegre, conhecida como<br />
Nikkei, denominação dada aos descendentes<br />
nascidos fora do Japão ou<br />
que vivem regularmente no exterior.<br />
A maioria dos nipo-brasileiros de<br />
Porto Alegre é membro do Nikkei.<br />
Sua antiga sede, situada em Guaíba,<br />
foi vendida para a construção da fábrica<br />
da Ford no Rio Grande do Sul. Com<br />
a desistência da companhia, a associação<br />
pretende recuperar o terreno. Entre<br />
os eventos que organiza, um dos<br />
mais importantes e com maior repercussão<br />
é o Undokai (literalmente undo:<br />
esportivo, kai: encontro). Uma espécie<br />
de gincana familiar em que equipes<br />
assiste ao canal NHK, uma das principais<br />
emissoras do Japão. Os programas<br />
exibidos são bastante variados,<br />
desde telejornais e novelas até programas<br />
de auditório e música. É claro,<br />
tudo em japonês.<br />
Entretanto, a cultura vai se fundindo<br />
cada vez mais à brasileira. Aos<br />
poucos, o que antes era mantido em<br />
homenagem à tradição começa a perder<br />
a importância ou a prioridade. Aso<br />
explica que por ter se casado com uma<br />
ocidental, acabou deixando um pouco<br />
de lado esses costumes, aderindo<br />
mais aos locais. O mesmo ocorreu<br />
com seus irmãos.<br />
Isao Ishibashi veio pela primeira<br />
vez ao Brasil em 1988 como professor<br />
delegado do Ministério da Educação<br />
do Japão para fiscalizar cinco<br />
escolas japonesas que existem no<br />
Brasil. Ficou até 1991. Durante essa<br />
época, ele alternava três meses no<br />
Brasil e o mesmo período no Japão.<br />
“Não aprendi nada de português”,<br />
diz ele. De 1994 ao início de 2000,<br />
veio outra vez como professor da<br />
Fundação Japão. Do segundo semestre<br />
de 2000 para cá, dá aulas de japonês<br />
na PUCRS.<br />
Assim como ele, outros 1,5 mil<br />
japoneses vivem no Rio Grande do<br />
Sul. Há também três mil descendentes.<br />
A maioria deles vive em Porto<br />
Alegre: cerca de 600 pessoas. Depois<br />
da II Guerra Mundial, o Japão esta-<br />
Colônia promove cultura, assistência e esportes<br />
competem para ganhar pontos e prêmios.<br />
Também promovem almoços,<br />
churrascos, encontros esportivos,<br />
como jogos de futebol e vôlei, e até<br />
festas juninas.<br />
A Enkyo oferece assistência a todas<br />
as comunidades japonesas gaúchas.<br />
Concede bolsas de estudo e, através<br />
de convênio com o Hospital São<br />
Lucas da PUCRS, oferece auxílio médico<br />
aos nipo-brasileiros. Atualmente,<br />
é uma das maiores e mais forte associação<br />
do estado. A colônia de Ivoti<br />
não fica muito atrás, porém teve um<br />
desfalque significativo nos últimos<br />
anos. Por esse motivo, em 2005, alguns<br />
jovens criaram o Seinenkai, que<br />
significa literalmente encontro de jovens,<br />
para “resgatar a cultura japonesa”<br />
da região.<br />
Estudar japonês<br />
Apesar de não ser mais tão comum<br />
hoje, os pais costumavam incentivar<br />
os filhos a estudar japonês<br />
MANUELA KANAN<br />
desde cedo. A escola Moderuko era<br />
freqüentada por crianças em alfabetização<br />
para aprenderem a língua, e por<br />
adolescentes e adultos.Para incentiválos<br />
a manter os estudos, os professores<br />
passavam filmes infantis, equivalentes<br />
aos “clássicos da Disney”, como<br />
a Cinderela para as crianças. Uma das<br />
mais difundidas foi a obra Tonari no<br />
Totoro (Meu vizinho Totoro), de Hayao<br />
Miyazaki, o criador de A viagem de<br />
Chihiro, laçado em 2001. O filme conta<br />
a história de duas meninas que se<br />
mudam para o campo, para ficar mais<br />
perto da mãe que está doente. Lá elas<br />
encontram um novo amigo, um ser<br />
mágico que divide uma grande aventura<br />
com as duas (Totoro).<br />
As colônias do interior, mais tradicionais,<br />
têm suas próprias escolas.<br />
Em casa, os pais só conversam com<br />
os filhos em japonês. Porém, a maioria<br />
desiste quando entra no colégio,<br />
por desinteresse ou falta de tempo.<br />
Hoje, o ensino infantil da língua é re-<br />
C<br />
M<br />
POR OR CCARMEL<br />
C ARMEL MMOST<br />
MOST<br />
OST OSTARDEIRO<br />
OST ARDEIRO<br />
E M MMANUELA<br />
M ANUELA KKKANAN<br />
K ANAN<br />
alizado dentro de casa, pois as escolas<br />
estão direcionando seus cursos para<br />
os mais velhos.<br />
Esportes<br />
Um dos esportes mais desenvolvidos<br />
no Japão é o baseball. Coube<br />
aos imigrantes nipônicos a tarefa de<br />
difundir os jogos no Brasil. Assim,<br />
foi criada a Confederação Brasileira de<br />
Baseball e Softball, com sede em São<br />
Paulo. Desde então, técnicos, torcedores,<br />
jogadores e até dirigentes de clubes<br />
têm sido predominantemente de<br />
origem oriental. De acordo com o jornalista<br />
Yuji Azuma, em texto publicado<br />
no site da CBBS, “o japonês exerce<br />
hoje no beisebol o papel que o europeu<br />
teve no futebol brasileiro do<br />
início do século passado”. No Sul, os<br />
times existentes pertencem às comunidades<br />
e colônias, com destaque para<br />
a equipe de Ivoti, o All Star Team. As<br />
japonesas não ficam para trás, jogam<br />
softball, uma versão mais moderada<br />
COMUNIDADE É MAIOR EM PORTO ALEGRE<br />
va arrasado pelos combates. “É como<br />
a situação atual do Iraque”, enfatiza o<br />
cônsul do Japão em Porto Alegre,<br />
Hajime Kimura. E a recuperação foi<br />
lenta. Por isso, os japoneses queriam<br />
tentar outra vida em outros países. Um<br />
deles foi o Brasil. A imigração japonesa<br />
para cá começou em São Paulo. Temse<br />
como data de início o dia 18 de junho<br />
de 1908, quando desembarcaram<br />
no Porto de Santos 781 japoneses.<br />
Eram, em sua maioria, agricultores de<br />
famílias sem muitas posses que desejavam<br />
voltar ao seu país de origem.<br />
No Rio Grande do Sul, a imigração<br />
aconteceu, além dos fatores sociais<br />
e econômicos do Japão, também<br />
porque o governo do estado precisava<br />
de técnicos agrícolas. Firmaram,<br />
então, Japão e governo estadual, uma<br />
parceria. O primeiro grupo de japoneses<br />
a desembarcar no estado, em 1956,<br />
era formado por 23 homens. Desses,<br />
Fidelidade às raízes: comunidade pratica jogos típicos do Japão<br />
ENTENDA<br />
As denominações issei, nisei e<br />
sansei significam primeira (issei), segunda<br />
(nisei) e terceira gerações<br />
(sansei) de japoneses. Ou seja,<br />
quem nasceu no Japão e migrou<br />
para o Brasil é a primeira geração;<br />
os filhos, nascidos brasileiros, são<br />
a segunda, e assim por diante. Literalmente,<br />
sei significa geração e i (na<br />
verdade é uma contração de ichi), ni<br />
e san representam os números um,<br />
dois e três.<br />
do baseball, com diferenciação de regras<br />
para diminuir a dificuldade.<br />
Para o pessoal de mais idade, existe<br />
o getoboru, um jogo semelhante ao<br />
críquete, trazido ao Brasil pelos imigrantes.<br />
É jogado tanto pelos homens,<br />
quanto pelas mulheres. Nas<br />
gincanas são realizadas competições,<br />
com times de cerca de cinco pessoas.<br />
Também é importante ressaltar a dança<br />
tradicional, chamada de bon-odori,<br />
apresentada pelas mulheres em diversos<br />
eventos.<br />
22 eram os melhores estudantes formados<br />
por uma escola agrícola. O 23º<br />
era graduado em jornalismo por uma<br />
das melhores universidades do seu<br />
país. Eles vieram para se fixar aqui e<br />
com o objetivo de formar uma cooperativa<br />
com os gaúchos, mas o plano<br />
não vingou, por razões políticas<br />
principalmente. Antes disso, alguns<br />
japoneses já viviam no estado, mas a<br />
imigração planejada aconteceu somente<br />
a partir de 1956.<br />
Para comemorar os 50 anos, há<br />
uma longa programação que está ocorrendo<br />
desde o início deste ano. “O<br />
ponto alto será em agosto”, destaca<br />
Kimura. No dia 18 de agosto, será inaugurado<br />
o Monumento à Imigração<br />
Japonesa na cidade de Rio Grande,<br />
com a presença de autoridades. Nos<br />
dias 19 e 20, serão apresentadas, no<br />
Centro Cultural do Gasômetro, na<br />
capital, canções e danças japonesas, ce-<br />
rimônia de preparação de um bolo de<br />
massa de arroz, taikô e exposição de<br />
bonecos e brinquedos japoneses.<br />
Acontecerão também oficinas de<br />
origami, kirigami, bonsai, manga e<br />
anime, entre outras atividades.<br />
Comparando culturas, Ishibashi<br />
diz que o povo brasileiro é aberto aos<br />
estrangeiros, mas reclama que aqui se<br />
pagam muitos impostos e não se vê<br />
o retorno. Além da língua, outro fator<br />
que dificulta a vida dos japoneses<br />
recém chegados ao Brasil é a significação<br />
dos gestos, que são muito diferentes<br />
nas duas culturas.<br />
Flores e verduras<br />
Quando chegaram ao Brasil, a idéia<br />
inicial era de trabalhar na agricultura.<br />
No RS, se destacaram na produção de<br />
flores e verduras. As colônias do interior<br />
ainda atuam nessa função. Mas o<br />
domínio nipônico vem diminuindo<br />
nos últimos tempos. “Os filhos de<br />
japoneses estão estudando e são mais<br />
instruídos, não querem ficar no campo”,<br />
explica Ivo Hideki Korogi, estudante<br />
de Engenharia Mecatrônica na<br />
PUC e membro do Nikkei.<br />
Para muitos, a alternativa é ir trabalhar<br />
no Japão, arrecadar dinheiro e<br />
depois voltar. São os chamados<br />
dekasseguis, brasileiros de ascendência<br />
japonesa. São a maior parte dos 270<br />
mil brasileiros que residem na terra do<br />
sol nascente. Isso ocorre graças à Lei<br />
de Controle de Imigração, editada em<br />
1990, que permite aos japoneses e seus<br />
cônjuges ou descendentes até a quarta<br />
geração o exercício de qualquer atividade<br />
legalmente por um período relativamente<br />
longo. Nessa época, o governo<br />
precisa atrair mão de obra devido<br />
à rapida expansão econômica do<br />
país, obrigando-os a facilitar a entrada<br />
de trabalhadores.