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De Combray a Bom Sucesso: narrativa de memória ... - anpuh-sc

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Tati Lourenço da Costa<br />

Cada experiência <strong>de</strong> narrar se pontua pelas relações que Larrosa<br />

<strong>de</strong>staca: pensamento, subjetivida<strong>de</strong>, pluralida<strong>de</strong>, caráter aberto e livre da<br />

<strong>narrativa</strong>, relações subjetivas do narrador com sua <strong>memória</strong>. Reconfigura-se<br />

o <strong>de</strong>bate sobre os limites da <strong>memória</strong> em seu aspecto transitório <strong>de</strong><br />

vinculação com o presente. A narradora − a compreen<strong>de</strong>mos na perspectiva<br />

foucaultiana do sujeito transitório −, caracteriza-se expressão do presente e<br />

não constante e imutável ao longo da história. Há transitorieda<strong>de</strong> nas<br />

<strong>narrativa</strong>s, há negociações <strong>de</strong> <strong>memória</strong>, di<strong>sc</strong>ursos diferenciam-se ao longo<br />

do tempo, expressam, a cada momento, a verda<strong>de</strong> da subjetivida<strong>de</strong>. 44<br />

Ao contar sua história <strong>de</strong> vida, abre-se à narradora uma perspectiva<br />

<strong>de</strong> distanciamento <strong>de</strong> si mesma, que permite olhar para si, pensar-se,<br />

estranhar-se, contar-se, e<strong>sc</strong>olher um estilo, construir uma <strong>narrativa</strong> <strong>de</strong> si.<br />

Parece-me, Zenai<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>u com a trajetória, com o passar <strong>de</strong> 80 anos, com<br />

o ritmo da vida, a indissociabilida<strong>de</strong> subjetiva que Larrosa nos propõe para o<br />

ensaio.<br />

Na entrevista <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida realizada para esta pesquisa<br />

acadêmica, 45 quando já haviam sido concluídas as ativida<strong>de</strong>s do projeto<br />

cultural, observo um esquecimento da infância. Zenai<strong>de</strong> não nos fala muito a<br />

respeito. Respon<strong>de</strong> com frases curtas os espaços que comumente 46 seriam<br />

preenchidos por sensações, cores, brinca<strong>de</strong>iras e aventuras. Adiante, a<br />

respeito <strong>de</strong> sua relação com sua mãe, conta que ela batia muito, era severa.<br />

Ao final da entrevista, na pergunta sobre o que é para você o esquecimento?<br />

sua resposta fala em jogar para o fundo aquilo que não se quer lembrar,<br />

para o incon<strong>sc</strong>iente. É ela quem nos respon<strong>de</strong> a ausência da infância. Talvez<br />

não houvesse também o espaço para se lembrar do que lhe contaram.<br />

No entanto, a opção por esta <strong>narrativa</strong> selecionada para compor seu<br />

álbum <strong>de</strong> <strong>memória</strong>s não po<strong>de</strong>ria ser pensada como uma forma do<br />

44 É esta uma proposta <strong>de</strong> Larrosa (ibi<strong>de</strong>m).<br />

45 Entrevista <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Zenai<strong>de</strong> Maia, em gravador <strong>de</strong> voz, a Tati Costa, 2008. A<br />

consi<strong>de</strong>rar que toda e<strong>sc</strong>olha envolve perdas! Por necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorte não posso analisar a<br />

íntegra <strong>de</strong>sta entrevista neste texto; atenho-me ao fragmento da entrevista realizada em 2007<br />

durante o projeto cultural, registrada em ví<strong>de</strong>o e <strong>de</strong>talhadamente apresentada.<br />

46 Vale di<strong>sc</strong>utir este comumente. Diria que, quase como um senso comum, a empiria nos<br />

mostra (e os relatos <strong>de</strong> pessoas que trabalham com história oral confirmam) que a infância<br />

costuma ser o momento em que mais se <strong>de</strong>talham as <strong>memória</strong>s, e on<strong>de</strong> elas mais se<br />

<strong>de</strong>sdobram em diversos aspectos do cotidiano. É também um tempo-espaço em que mais as<br />

lembranças se reforçam na e pela comunida<strong>de</strong> familiar. Muito do que nos lembramos <strong>de</strong><br />

nossa infância <strong>de</strong> fato nos foi lembrado pela <strong>narrativa</strong> <strong>de</strong> outros, nossos pais, avós, contandonos<br />

<strong>de</strong> nossa meninice.<br />

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