O incesto em Lavoura arcaica, de Raduan Nassar - Centro de ...
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LETRAS<br />
e sagrado, os acessos são <strong>de</strong>scritos como sendo possessão d<strong>em</strong>oníaca.<br />
No evangelho <strong>de</strong> Lucas (9:38-39), um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>sesperado pe<strong>de</strong> a Jesus:<br />
“Mestre, rogo-te que ponhas os olhos <strong>em</strong> meu filho, [...] um espírito se<br />
apo<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>le e subitamente dá gritos, lança-o por terra, e o agita com<br />
violência, fazendo-o espumar”.<br />
CES Revista | v. 25 | Juiz <strong>de</strong> Fora | 2011<br />
André, convulsionado, berrava e soluçava: caído <strong>de</strong> boca num<br />
acesso louco eu fui gritando você t<strong>em</strong> um irmão epilético,<br />
[...] grite cada vez mais alto nosso irmão é um epilético, um<br />
convulso, um possesso [...] grite s<strong>em</strong>pre uma peste maldita<br />
tomou conta <strong>de</strong>le [...] e você ouvirá s<strong>em</strong>pre o mesmo som<br />
cavernoso e oco traz o d<strong>em</strong>ônio no corpo, traz o d<strong>em</strong>ônio no<br />
corpo. (LA, p. 41, 42).<br />
André volta para casa, mas não trará a alegria ao seio da família. O<br />
retorno do filho pródigo da parábola bíblica é motivo <strong>de</strong> regozijo e o filho<br />
lhe disse: “Pai, pequei contra o céu e diante <strong>de</strong> ti; já não sou digno <strong>de</strong> ser<br />
chamado teu filho”. O pai, porém, disse aos seus servos: “trazei <strong>de</strong>pressa a<br />
melhor roupa, vesti-o, pon<strong>de</strong>-lhe um anel no <strong>de</strong>do e sandálias nos pés; trazei<br />
também e matai o novilho cevado. Comamos e regozij<strong>em</strong>o-nos; porque este<br />
meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram<br />
a regozijar-se” (LUCAS, 15:21-24).<br />
Ao retornar, André finalmente t<strong>em</strong> a conversa que tanto aspirava com<br />
seu pai: o filho pródigo às avessas não está arrependido. Durante a conversa o<br />
pai tenta obter uma justificativa para o abandono da família, omitindo o amor<br />
por Ana, mas eles acabam discutindo, pois o pai não encontra plausibilida<strong>de</strong><br />
nos argumentos <strong>de</strong> André. O discurso do pai, s<strong>em</strong>pre pautado na ord<strong>em</strong> e<br />
na união da família, é questionado pelo filho: “toda ord<strong>em</strong> traz uma s<strong>em</strong>ente<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sord<strong>em</strong>, a clareza, uma s<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong>”; o pai acredita que<br />
conversar é importante, que “toda palavra, sim, é uma s<strong>em</strong>ente” (LA, p.<br />
160), mas André diz que não acredita na discussão dos probl<strong>em</strong>as, “que<br />
uma planta nunca enxerga a outra” (LA, p. 162). André recua na discussão<br />
e pe<strong>de</strong> perdão.<br />
Para com<strong>em</strong>orar seu regresso, a família <strong>de</strong> André <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> oferecer-lhe<br />
uma festa que culminará na trágica consumação final da família. Os vizinhos são<br />
convidados. Após a refeição, o grupo dança como s<strong>em</strong>pre ocorrera <strong>em</strong> todos os<br />
encontros. Ana, enfeitada com badulaques que André ganhou <strong>de</strong> prostitutas,<br />
começa a dançar <strong>de</strong> forma extr<strong>em</strong>amente sensual e lasciva. Dança especialmente<br />
para André, mas também para todos que, escandalizados, mas hipnotizados pela<br />
sua sedução, assist<strong>em</strong>. Ela rodopia loucamente ao som da música árabe, “a flauta<br />
<strong>de</strong>svairava freneticamente, a serpente <strong>de</strong>svairava no próprio ventre” (LA, p.