WEBER E A INTERPRETAÇÃO DO BRASIL1 - Revista Novos Estudos
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<strong>WEBER</strong> E A <strong>INTERPRETAÇÃO</strong> <strong>DO</strong> BRASIL<br />
A teoria do populismo vai se tornar, a partir dos anos 60, particularmente<br />
depois do golpe militar de 1964, a linguagem comum dos que<br />
entendiam que a miséria brasileira se devia ao fato de a racionalidade<br />
ocidental estar, aqui, submersa e condicionada à ordem privada de estilo<br />
patrimonial, que se faria preservar nas coalizões pluriclassistas entre elites<br />
modernas e tradicionais e o sindicalismo jurisdicionado pela estrutura<br />
corporativa. O sindicalismo, como lugar de identificação e de agregação<br />
de interesses dos trabalhadores, seria a instância privilegiada de onde se<br />
poderia impor a ruptura com a forma heteróclita de Estado, cuja função<br />
manifesta consistiria em resguardar, no curso do processo de modernização,<br />
a conservação da tradição e os modos de controle social de caráter<br />
extra-econômico sobre a força de trabalho, isto é, não especificamente<br />
capitalistas.<br />
O populismo resultaria da manipulação das massas trabalhadoras, em<br />
sua maioria com origem no mundo rural, mediatizada pela ação carismática<br />
de um líder, as quais seriam incorporadas ao sistema da ordem pelo duplo<br />
caminho de acesso aos direitos sociais e uso de cursos simbólicos de<br />
integração, com o que se procuraria levá-las à abdicação da autonomia<br />
enquanto classe e à perda de distinção dos seus interesses em favor dos<br />
interesses da coalizão de elites à testa do Estado. O carisma, no caso, não<br />
se comportaria como uma ação propiciatória ao encantamento do mundo e<br />
como um fiat do novo, cumprindo o seu papel em um processo de<br />
conservação com mudança controlada, pondo o interesse — e não apenas<br />
dos trabalhadores — sob a tutela da racionalização burocrática do Estado.<br />
O apelo ao carisma seria, então, um recurso do atraso, e contra ele se<br />
deveria insurgir o interesse do trabalhador, cuja racionalização nos sindicatos<br />
reclamaria o mercado como direção principal — e não o Estado, que<br />
negaria a construção da sua autonomia —, onde o moderno que lhe seria<br />
intrinsecamente constitutivo encontraria campo livre para estabelecer as<br />
raízes, ao longo do tempo e a partir "de baixo", de uma nova forma de<br />
Estado.<br />
Como interpretação do Brasil e como ideologia orientada para a ação,<br />
a teoria do populismo nasce sob o registro do interesse moderno dos<br />
trabalhadores industriais e da necessidade da sua emancipação dos mecanismos<br />
de cooptação por parte do Estado. Nesse sentido, o seu paradigma<br />
é o mercado de São Paulo e a sua unidade estratégica de análise é o<br />
sindicalismo daquele estado da Federação. Centrada nos problemas da<br />
representação sindical e política dos trabalhadores industriais, essa teoria<br />
relega ao abandono o veio analítico da sociologia agrária e do movimento<br />
das personagens sociais originárias do campo, com o que induz a percepção<br />
do atraso como uma região social a ser colonizada por aqueles. Não à toa,<br />
muitas das correntes de opinião da esquerda que, nos anos 70, acolheram<br />
a explicação da teoria do populismo se voltaram, anacronicamente, para a<br />
experiência dos conselhos operários da época da juventude de Gramsci em<br />
Turim, na expectativa de mudar a sociedade e o Estado a partir das fábricas.<br />
Nesse particular, a teoria do populismo, inesperadamente, vinha reforçar o<br />
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