Amor e poesia nas cantigas d'amor de D. Denis - IC-online
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AMOR E POESIA NAS CA NTIGAS D'AMOR DE D . DENIS<br />
Assim, repare-se que a novida<strong>de</strong> resultante da associação <strong>de</strong>stes três<br />
motivos não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> manifestar-se a nível formal. Na verda<strong>de</strong>, a marca<br />
distintiva do género cantiga d`amor só aparece no 4.º verso da 1.ª estrofe.<br />
Estamos tentados a dizer que a nova marca distintiva será, nesta cantiga, o<br />
trobar e o <strong>Amor</strong> – encontramo-nos em face <strong>de</strong> uma <strong>poesia</strong> que se refere a ela<br />
mesma, e é isso que o ouvinte (-leitor) precisa <strong>de</strong> saber <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início.<br />
O conflito do sujeito é instaurado pela não correspondência da “senhor”, a<br />
quem pesa o facto <strong>de</strong> o “eu” “viver aqui”. Neste advérbio <strong>de</strong> lugar, marca da<br />
enunciação, po<strong>de</strong>ríamos ler a complexida<strong>de</strong> da sua renúncia, tomando como<br />
sinónimos do “viver aqui” não só o amar, mas também o trovar – amar e trovar<br />
tomados numa relação <strong>de</strong> espelho. “Ela” apresenta-se, pois, como o objecto<br />
impossível <strong>de</strong> alcançar, já que o seu espaço é diferente do do “eu”. É necessária<br />
a distância entre “eu” e “ela”: “[…] hu nunca possa seer sabedor / ela <strong>de</strong> mi, nen<br />
eu <strong>de</strong> mha senhor […]” (vs. 4 e 5). O possessivo “mha” encontra-se, assim,<br />
contrariado. É por isso que o trovador sofre — separar-se <strong>de</strong>la e do <strong>Amor</strong> (e<br />
retirar-lhe esse possessivo) é dar-lhe a morte, o único bem que po<strong>de</strong> esperar:<br />
“[…] nen hua cousa ond`aja sabor, / se non da morte […]” (vs.10 e 11). É então<br />
que se intromete outra personagem: Deus, <strong>de</strong>tentor do Destino. E, como o po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> dar a morte só cabe a Deus, o problema está em saber se Ele estará <strong>de</strong> acordo<br />
em lhe conce<strong>de</strong>r cedo esta morte (do <strong>Amor</strong> e do Trobar). A coita do trovador<br />
aparece superlativada: “[…] tan gram coita […], / come a <strong>de</strong> que serey sofredor<br />
[…]” (vs. 13 e 14). O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus só é superado pelo da “senhor” que é “[…]<br />
a melhor / <strong>de</strong> quantas son […]” (vs.16 e 17), cujo louvor é impossível concluir<br />
por palavras.<br />
O espaço da “senhor” continua, assim, a ser o espaço dos impossíveis. É o<br />
espaço on<strong>de</strong> o dizer é impossível e o espaço on<strong>de</strong> surge a renúncia ao <strong>Amor</strong><br />
como consequência duma espera inútil. É o espaço — “aqui” — on<strong>de</strong> o poeta<br />
não <strong>de</strong>ve viver, se não quiser dar “pesar” à “sa senhor”. Logo, “ela” é o espaço<br />
do conflito e da tensão, da renúncia que resulta num canto que diz o outro lado<br />
(“[…] hir-me du ela for […]” — v. 8; “[…] alongar / d`aquesta terra […]” — vs.<br />
15 e 16), mas permanece no “aqui”. Tensão <strong>de</strong> dois espaços que permite a<br />
cantiga. A solução seria a morte (do <strong>Amor</strong>, do Trobar, do Trovador), mas essa<br />
está na mão <strong>de</strong> Deus. O trovador — amante — cantor do conflito e do<br />
impossível (<strong>de</strong>sejo que vive da sua impossibilida<strong>de</strong>) — não po<strong>de</strong> fazer outra<br />
coisa senão cantar e amar, a única solução contra a morte que está em seu po<strong>de</strong>r.<br />
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