21.05.2013 Views

VOTO NEGRO ELEGE ESQUERDA

VOTO NEGRO ELEGE ESQUERDA

VOTO NEGRO ELEGE ESQUERDA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Página 6 MAIORIA FALANTE Nov./Dez./1988<br />

João Cândido,<br />

um herói no anonimato<br />

Na noite de 22 de novembro de 1910<br />

explode a chamada "Revolta da<br />

Chibata", que envolveu cerca de dois<br />

mil marinheiros, nas águas da Baia de Guanabara.<br />

Este movimento foi uma reação aos castigos<br />

impostos pelo regulamento da Marinha do Brasil,<br />

que guardava ainda a herança do período<br />

Imperial, pois era dirigida pelos mais<br />

aristocráticos oficiais.<br />

O Marechal Deodoro, desconhendo o Decreto<br />

n9 3 de 16/11/1889, que abole os castigos, torna<br />

a legalizá-los um ano depois. Como os reclamos<br />

dos marujos não foram ouvidos, eles passaram a<br />

conspirar. A revolta exigia a reforma do<br />

Código Disciplinar, o fim das chibatadas,<br />

aumento dos soldos e preparação e educação<br />

dos marinheiros.<br />

— Ele botou o navio de guerra encostado onde<br />

é hoje o Arsenal da Marinha com os canhões<br />

virados para a cidade e disse: "Se fizerem<br />

qualquer coisa contra nós vamos arrasar a cidade".<br />

Mataram oficiais e vestiram as fardas — conta<br />

Genésio Simão Duarte, 73 anos, um morador do<br />

por Nely Cabral e Sueli Fontes<br />

Caju que conheceu João Cândido, o "Almirante<br />

Negro'*, líder da revolta.<br />

Os marujos tomaram os navios São Paulo,<br />

Bahia, Deodoro e Minas Gerais, cujo comando foi<br />

assumido por João Cândido. As autoridades,<br />

sem condições de controlar a rebelião, cedem às<br />

exigências dos marinheiros, aprovando o projeto<br />

pondo fim aos açoites e anistiando os revoltosos.<br />

— João Cândido foi expulso junto com muitos<br />

marujos, mas depois chamado à regressar à<br />

Marinha para ser reformado como oficial. Ele<br />

não aceitou. Ficava no mercado apanhando<br />

xepa, ajudando. Assim viveu e criou os filhos.<br />

Viveu como favelado e morreu num hospital sem<br />

aceitar ajuda da Marinha — conta Genésio.<br />

Ele afirma que o "Almirante Negro" era<br />

homem querido pelos pescadores — "um coração<br />

de ouro" —, sempre humilde. "Quando a gente<br />

falava que tinha visto algum elogio a ele nos<br />

jornais, ele dizia: "Não me mostra que eu não<br />

quero nem saber". A meu ver, a maior revolta<br />

de João Cândido era contra o racismo".<br />

Amigo lembra história de velho marinheiro<br />

O Caju, hoje caracterizado como<br />

um bairro terminal, cercado por es-<br />

taleiros, cemitérios, asilo, teve subs-<br />

tituída a bela paisagem tropical, de<br />

praia e mar de águas medicinais, pe-<br />

las carretas, containers, guindastes,<br />

pontes e muros intransponíveis do<br />

progresso.<br />

As necessidades impostas pelo<br />

desenvolvimento e expansão indus-<br />

trial fizeram com que empresas mul-<br />

tinacionais como a Ishikawaglma,<br />

na década de 50, invadissem e vio-<br />

lassem uma comunidade que há mais<br />

de um século preserva a sua história.<br />

Incrustada neste bairro, resis-<br />

tindo para manter a sua memória,<br />

encontramos a chamada "Quinta do<br />

Caju". Com construções que repro-<br />

duzem as colônias de pesca portu-<br />

guesas "os varais", as casas de ba-<br />

nho, a vizinhança, as brincadeiras<br />

das crianças... marcam a vida pro-<br />

vinciana das pessoas, ali, na única<br />

Rua da Quinta — "Rua Circular" —<br />

a que contorna o morro.<br />

E é neste espaço que, através das<br />

histórias que o povo conta, da me-<br />

mória do seu cotidiano, real ou ima-<br />

ginário, que buscamos compreender<br />

e apreender a realidade social. A tra-<br />

dição oral nos oferece dados â for-<br />

mulação de idéias capazes de clarifi-<br />

car a utülzação dos esquemas de re-<br />

presentação que dão ao homem a<br />

possibilidade de construir e recons-<br />

truir dialeticamente a si mesmo e ao<br />

mundo em que vive.<br />

Entre os moradores da Quinta<br />

encontramos o Sr. Genáeio Simão<br />

Duarte, 73 anos, nascido e criado<br />

neste local. Aprendiz de carpinteiro<br />

na antiga Companhia Edificadora<br />

de propriedade do português João<br />

Casimiro Durarte que exigia de seus<br />

empregados 50 horas de trabalhos<br />

semanais em troca de pequeno salá-<br />

rio e residência que mandava cons-<br />

truir no morro da Quinta do Caju.<br />

— Os garotos como eu ganhavam<br />

de 200 a 500 réis por dia. Era mui-<br />

to pouco. Meu pai era quem recebia.<br />

Aquilo era um tempo que os pais<br />

faziam o que queriam.<br />

Mudando do Caju para Sapê<br />

(hoje Rocha Miranda) por imposi-<br />

ção do pai, para trabalhar numa fá-<br />

brica de ladrilhos. Seu Genésio, aos<br />

14 anos, foge de casa retornando ao<br />

Caju.<br />

— Veio a guerra de Getúlio. Ele<br />

tomou o governo no peito, fazendo<br />

misérias pelos caminhos — tiroteios,<br />

bombardeios, fechou o comércio.<br />

Peguei um trem na estação de Mag-<br />

no (Madureira). Há um tiroteio na<br />

altura de Turiaçu em cima do trem.<br />

Gente ferida, morte, confusão dana-<br />

da. O maquinista parou o trem an-<br />

tes da estação de Acari e foi embora.<br />

Cismei, passei por baixo da linha,<br />

entrei na estação e quando veio um<br />

trem para "baixo" peguei. Saltei na<br />

estação de Alfredo Mala (hoje São<br />

Cristóvão). De lá peguei o bonde<br />

Caju-Retiro. Dormi numa canoa na<br />

primeira noite até que arrumei um<br />

emprego na pesca.<br />

É no antigo mercado municipal,<br />

entreposto de pesca que Seu Gené-<br />

sio conhece João Cândido — "O<br />

Almirante Negro" — alto, magro,<br />

mulato claro de barba branca e<br />

muito alegre.<br />

Fica marcada na lembrança de<br />

Genésio a figura deste homem que<br />

faz viva a história de luta contra a<br />

opressão — a revolta popular.<br />

Na noite de 22 de novembro de<br />

1910 explode a chamada Revolta<br />

da Chibata, que envolveu cetca de<br />

2000 marinheiros nas águas da Bafa<br />

de Guanabara. Este movimento foi<br />

uma reação aos castigos impostos<br />

pelo regulamento da Marinha do<br />

Brasil, que guardava ainda a herança<br />

do período Imperial, poisara dirigi-<br />

da pelos mais aristocráticos oficiais.<br />

Marechal Deodoro, desconhe-<br />

cendo o Decreto n° 3 de 16/11 /<br />

1889 que abole os castigos, tornou<br />

a legalizá-los um ano depois.<br />

Como os reclamos dos marujos<br />

não foram ouvidos, eles passaram a<br />

conspirar. A revolta exigia a Refor-<br />

ma do Código Disciplinar, o fim das<br />

chibatadas, o aumento dos soldos, a<br />

preparação e educação dos ma-<br />

rinheiros.<br />

— Ele botou o navio de guerra<br />

enconstado onde é hoje o Arsenal<br />

da Marinha com os canhões virados<br />

para a cidade e disse — Se fizerem<br />

qualquer coisa contra nós, vamos<br />

arrasar a cidade! — Mataram oficiais<br />

e vestiram as fardas. Conta o Sr. Ge-<br />

nésio conforme relatos do velho<br />

João.<br />

Os marujos tomaram os navios<br />

SSo Paulo, Bahia, Deodoro e o Mi-<br />

nas Gerais, cujo comando foi assu-<br />

mido por João Cândido. Não tendo<br />

condições de controlar a Rebelião,<br />

as autoridades cedem ás exigências<br />

dos marinheiros, aprovando o proje-<br />

to, pondo fim aos açoites e anistian-<br />

do os revoltosos.<br />

— João Cândido foi expulso jun-<br />

to com muitos marujos. Mas passa-<br />

dos uns tempos, outros governos<br />

que entraram, já quiseram que ele<br />

voltasse à Marinha para ser reforma-<br />

do como oficial. Mas ele não quis.<br />

Ficava no mercado apanhando xepa<br />

nos barcos de pesca, ajudando. As-<br />

sim viveu e foi criando os filhos. Vi-<br />

veu como favelado, terminou mor-<br />

rendo num hospital só munido pela<br />

família, não aceitando ajuda da<br />

Marinha.<br />

Segundo Genésio, João Cândido<br />

era homem querido pelos pescado-<br />

res — "um coração de ouro".<br />

Quando se falava qualquer coisa pa-<br />

ra engrandecê-lo ele não gostava.<br />

Era uma pessoa humilde:<br />

— Quando a gente falava, hei<br />

João, eu vi no jornal um elogio pa-<br />

ra você, ele dizia, "não me mostra<br />

que eu não quero saber". Entre os<br />

pescadores não havia racismo; no<br />

resto havia e na Marinha também.<br />

A meu ver, a maior revolta de<br />

João Cândido foi esta, porque exis-<br />

tia racismo.<br />

Hoje aposentado como maríti-<br />

mo, sem nunca ter freqüentado<br />

uma escola, orgulhoso da sua traje-<br />

tória e da sua construção — na fa-<br />

mília e no trabalho — guardando as<br />

tradições do bairro como é o exem-<br />

plo da festa de São Pedro, seu Ge-<br />

nésio Simão Duarte é aquele perso-<br />

gem sempre procurado para contar<br />

as histórias de antigamente, que os<br />

livros não traduzem.<br />

MN protesta contra<br />

anúncio racista<br />

por João Marcos Aurore Romão<br />

A Agência CLARO/ESCURO, nome de triste ironia de proprie-<br />

dade do irmão da proprietária da cadeia de Magazines<br />

"SMUGGLER", publicou com naturalidade um anúncio na Revis-<br />

ta de Domingo do Jornal do Brasil de 28-10-88, onde com boa in-<br />

tenção, pretendia homenagear as crianças, as empregadas domésti-<br />

cas e as pessoas negras.<br />

No anúncio uma mulher negra, vestida de empregada domésti-<br />

ca, se encontrava amordaçada, manietada e presa a uma cadeira,<br />

entregue á sanha infantil de seis crianças lourinhas, tudo muito<br />

natural. As pessoas protestaram, o Movimento Negro protestou,<br />

entidades da sociedade civil protestaram, e o SOS-RACISMO do<br />

IPCN, entrou com uma notícia crime junto à Polícia Civil, não<br />

aceitando como natural esta agressão à comunidade negra, é um<br />

verdadeiro incitamento ao crime contra as empregadas domésti-<br />

cas em nosso país.<br />

A mensagem do anúncio dizia claramente:<br />

CONFORMEM-SE: DIA 12 É O DIA DELES<br />

Conformar-se com o quê? Com a violência contra as emprega-<br />

das domésticas? Com a violência natural das crianças? Com a se-<br />

gregação racial? Ou com o fato de apesar de protestarmos contra<br />

a farsa da Abolição no dia 13 de maio do Centenário da Lei Áurea,<br />

no dia 12, dia das crianças, qualquer criancinha medianamente in-<br />

teligente poderia dizer para as pessoas negras e brancas, que tudo<br />

continuava como dantes no quartel de Abrantes? Que espanca-<br />

mentos e violações de negros e pobres podem acontecer, pois são<br />

naturais, que a sociedade brasileira é assim mesmo, que também<br />

não seria natural colocar uma loura no lugar da negra.. .<br />

Se a intenção era denunciar a realidade brasileira, tenho certeza<br />

que a cabecinha alucinada deste publicitário poderia ser mais<br />

criativa. Dificilmente o nosso "mui amigo" daria o nome de<br />

Nalpam a uma caixa de fósforos, ele sabe que mexeria com muitas<br />

sensibilidades. Mas com os negros brasileiros tudo é permitido.<br />

Ainda não faz parte da sensibilidade nacional, pensar que não é<br />

natural que pessoas negras sejam amarradas e espancadas, que vi-<br />

vam na miséria fétida dos quartinhos de empregadas entregues à<br />

vontade de seus senhores, que inclusive fazem suas cabeças para<br />

que posem em anúncios racistas e desmereçam ainda mais a comu-<br />

nidade negra. É, minha gente, a moça que se prestou a este papel,<br />

de emprestar sua imagem negra para um anúncio racista, é em-<br />

pregada dos donos da SMUGGLER; definitivamente ela não tem<br />

culpa de ter os patrões "carinhosos" que tem, conheço bem as ar-<br />

timanhas do racismo.<br />

Os donos da SMUGGLER receberam várias manifestações de<br />

apoio, contra a intransigência e até burrice do Movimento Negto<br />

em ver chifre em cabeça de cavalo, pois no Brasil é natural se fa-<br />

zer gato e sapato de empregadas domésticas e pessoas pobres e<br />

negras. Uma das manifestações de apoio aos racistas, chegou ao<br />

ponto de afirmar que o radicalismo de certas militâncias negras,<br />

iria tirar o emprego de muitos negros, pois as pessoas da área de<br />

publicidade iriam ficar com medo de contratarem pessoas negras.<br />

Parece até discurso dos aliados do racismo sul-africano, que diz<br />

que o boicote ao governo racista vai piorar a situação dos negros<br />

sul-africanos.<br />

Uma lição podemos tirar deste desenrolar dos acontecimentos,<br />

a de que o racismo brasileiro está se tornando cada vez mais públi-<br />

co, pois estamos cada vez mais lutando pelos nossos direitos eco-<br />

nômicos e sociais, e temos que estar preparados para novas formas<br />

de racismo que se aprsentam. Ou seria mera coincidência pedir<br />

para as empregadas domésticas e pessoas negras se conformarem<br />

com o racismo e a violência no momento em que as "domésticas"<br />

viravam trabalhadoras iguais e o racismo se tornava crime na<br />

nova Constituição?

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!