Alfabetizando em comunidade indígena - Portal Kaingang
Alfabetizando em comunidade indígena - Portal Kaingang
Alfabetizando em comunidade indígena - Portal Kaingang
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
lingüística importantíssima, que define muito da política lingüística de um povo ou <strong>comunidade</strong><br />
<strong>indígena</strong>. E, uma vez que a <strong>comunidade</strong> julgue importante usar a leitura e a escrita, decidir a<br />
política de alfabetização é parte inseparável da política lingüística geral, e terá de ser coerente<br />
com ela.<br />
Quando não se t<strong>em</strong> escolhas<br />
Mas, é importante dizer que há situações <strong>em</strong> que não há muitas escolhas, porque não se<br />
trata de políticas, mas de possibilidades ou impossibilidades técnicas. Por isso, vou tratar, <strong>em</strong><br />
poucas palavras, de algumas coisas que, tecnicamente, não dá para se fazer <strong>em</strong> alfabetização.<br />
1. Não dá para alfabetizar <strong>em</strong> duas línguas ao mesmo t<strong>em</strong>po.<br />
Não se conhec<strong>em</strong> programas b<strong>em</strong> sucedidos que tenham feito isso. Mas, além de não<br />
ser viável, efetivamente não é interessante tentar fazer isso por nenhum motivo.<br />
Jamais isso representará “ganho de t<strong>em</strong>po", e é mais do que provado que, <strong>em</strong>ocional<br />
e cognitivamente, é muito mais fácil e produtivo alfabetizar <strong>em</strong> uma só língua (a<br />
língua materna) do que tentar uma miscelânea (isto é, uma “mistureira”).<br />
Sobre a opção (política lingüística) pela alfabetização na língua materna, deve-se<br />
destacar também a importância política disso, pelo reforço da imag<strong>em</strong> positiva da<br />
língua perante as crianças (dependendo dos outros usos da língua na escola).<br />
2. É um grave erro tentar alfabetizar <strong>em</strong> uma determinada língua uma pessoa que não<br />
fala aquela língua.<br />
3. Não é possível traduzir cartilhas de alfabetização.<br />
Quais escolhas são possíveis, <strong>em</strong> se tratando de alfabetização?<br />
Nossas escolhas (políticas) certamente s<strong>em</strong>pre estão limitadas pela nossa visão de<br />
mundo, ou seja, pela ideologia que assumimos na nossa vida. Se a pessoa vê o mundo de<br />
maneira estática, imutável, acabado e pronto, essa pessoa vai impulsionar políticas claramente<br />
conservadoras (afinal, para esse tipo de pessoa, o mundo não apenas é do jeito que é, mas deve<br />
permanecer desse jeito). Mas, se for uma pessoa que t<strong>em</strong> uma visão de mundo dinâmica, que<br />
percebe que o mundo é uma construção das pessoas, dos grupos e das nações, onde há interesses<br />
contraditórios, então essa pessoa pode escolher entre dois caminhos: (1) lutar para que o mundo<br />
não se transforme (e isso é comum, se a pessoa é privilegiada pelo modo como as coisas<br />
funcionam); ou (2) lutar para transformar o mundo,<br />
Infelizmente, muitas vezes há pessoas da maior boa vontade, cheias de um espírito<br />
transformador, querendo colaborar para mudanças na sociedade, mas que, por<br />
desconhecimento, <strong>em</strong>barcam <strong>em</strong> “canoas furadas” como aquela do “bilingüismo de transição”.<br />
Nesses casos, cria-se uma incoerência entre aquilo que a pessoa acredita e que gostaria de<br />
construir, e aquilo que ela de fato faz e constrói.<br />
Essa introdução foi feita para alertar exatamente para isso: nossas escolhas são<br />
aparent<strong>em</strong>ente livres, mas de fato elas são limitadas por nossa maneira de ver o mundo.<br />
Para concluir, vou alertar apenas para duas escolhas importantíssimas que se colocam<br />
para aquelas <strong>comunidade</strong>s <strong>indígena</strong>s.<br />
A primeira escolha está entre alfabetizar <strong>em</strong> língua materna ou não? Sobre isso, <strong>em</strong><br />
forma resumida, chamo a atenção para o seguinte:<br />
1. Do ponto de vista das pesquisas lingüísticas, tecnicamente será s<strong>em</strong>pre mais<br />
recomendável alfabetizar na língua materna. L<strong>em</strong>brando que a noção lingüística de<br />
língua materna significa aquela primeira língua que a criança falou quando<br />
<strong>Alfabetizando</strong> <strong>em</strong> <strong>comunidade</strong> <strong>indígena</strong> / Wilmar D'Angelis (2000) - 2