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Os cortadores de cana e as lutas pelo controle de sua produção: a ...

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presente. E se fez muito tem que estar presente.” (Depoimento <strong>de</strong> um trabalhador<br />

entrevistado por Lygia Sigaud, na Zona da Mata pernambu<strong>cana</strong>, em 1971) 3<br />

O <strong>de</strong>poimento registrado por Lygia Sigaud citado acima sintetiza a temática que será tratada neste<br />

trabalho, qual seja, a histórica <strong>de</strong>manda dos trabalhadores <strong>as</strong>salariados rurais para terem o <strong>controle</strong> <strong>de</strong> <strong>sua</strong><br />

<strong>produção</strong>, <strong>de</strong>manda essa que está intimamente <strong>as</strong>sociada ao pagamento por <strong>produção</strong>, forma <strong>de</strong> remuneração<br />

vigente para a cultura <strong>de</strong> <strong>cana</strong>-<strong>de</strong>-açúcar. A luta <strong>pelo</strong> direito <strong>de</strong> controlar o que produzem é justificada <strong>pelo</strong>s<br />

trabalhadores rurais como uma d<strong>as</strong> form<strong>as</strong> encontrad<strong>as</strong> para não serem roubados <strong>pelo</strong>s patrões. Pelo fato <strong>de</strong><br />

os <strong>cortadores</strong> <strong>de</strong> <strong>cana</strong> <strong>de</strong>sconhecerem e/ou não po<strong>de</strong>rem acompanhar os métodos e os critérios utilizados<br />

para aferir a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>cana</strong> cortada, muitos sempre se queixaram <strong>de</strong> receber menos do que <strong>de</strong> fato<br />

<strong>de</strong>veriam. Ess<strong>as</strong> frau<strong>de</strong>s e roubos a que os trabalhadores rurais estão submetidos p<strong>as</strong>saram a ser tão<br />

corriqueir<strong>as</strong> e chamar tanto a atenção, que se tornaram objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> vários pesquisadores ao longo do<br />

tempo.<br />

Em <strong>sua</strong> pesquisa sobre os trabalhadores rurais pernambucanos no final dos anos setenta, Lygia<br />

Sigaud (1979a) analisou algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong> situações <strong>de</strong> roubos relatad<strong>as</strong> <strong>pelo</strong>s trabalhadores. De acordo com a<br />

autora, no c<strong>as</strong>o d<strong>as</strong> fazend<strong>as</strong> que eram cedid<strong>as</strong> aos empreiteiros 4 <strong>pelo</strong>s proprietários, a medição da <strong>cana</strong><br />

cortada <strong>pelo</strong>s trabalhadores ocorria somente em um único dia da semana por um funcionário da fazenda (o<br />

cabo). Era nesse momento que os trabalhadores podiam avaliar com precisão o quanto haviam sido roubados<br />

<strong>pelo</strong>s empreiteiros.<br />

“Embora possam i<strong>de</strong>ntificar em quant<strong>as</strong> braç<strong>as</strong> estão sendo lesados, ao término <strong>de</strong> cada jornada <strong>de</strong><br />

trabalho, e disso sejam capazes simplesmente olhando o empreiteiro medir, porque foram socializados com<br />

esse tipo <strong>de</strong> medida por braça, a medição do cabo legitima a <strong>sua</strong> certeza ‘selvagem’”. (SIGAUD, 1979a, p.<br />

155)<br />

De acordo com Sigaud, tais roubos eram extremamente importantes tanto para os empreiteiros como<br />

para os proprietários <strong>de</strong> terr<strong>as</strong> porque uma parte do lucro dos mesmos advinha do que conseguiam roubar<br />

dos trabalhadores na medição d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> e na pesagem d<strong>as</strong> <strong>cana</strong>s. Assim, “Não só a diferença no tamanho da<br />

braça como a própria modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medir, aos saltos ou ‘voando’ a braça, como dizem os trabalhadores,<br />

são partes integrantes e constitutiv<strong>as</strong> <strong>de</strong> seu ‘lucro’”(SIGAUD, 1979a, p. 134).<br />

Essa situação era ainda mais agravada pois, naquela época – em fins dos anos setenta – os<br />

proprietários ainda utilizavam braç<strong>as</strong> 5 <strong>de</strong> vários tamanhos. O tamanho d<strong>as</strong> braç<strong>as</strong> foi um dos pontos em<br />

torno dos quais os trabalhadores e os sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores rurais se mobilizaram para contestar os<br />

proprietários no período <strong>de</strong> lut<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> 6 , disto resultando uma padronização da braça para dois metros e<br />

vinte centímetros, fato que amenizou, m<strong>as</strong> não impediu por completo, a existência <strong>de</strong> roubos por parte dos<br />

patrões e empreiteiros.<br />

A luta dos trabalhadores rurais para terem o <strong>controle</strong> sobre o que produzem também foi objeto <strong>de</strong><br />

análise <strong>de</strong> Marcelo Paixão (1994). De acordo com o autor, até a década <strong>de</strong> 1950, a ativida<strong>de</strong> do corte da <strong>cana</strong><br />

era paga <strong>pelo</strong> número <strong>de</strong> feixes que cada trabalhador cort<strong>as</strong>se. Como cada feixe possuía entre vinte e vinte<br />

cinco var<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>cana</strong>, era fácil para o trabalhador controlar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho que havia realizado.<br />

Entretanto, com a mo<strong>de</strong>rnização da lavoura (sobretudo a partir dos anos 60) até o pagamento da <strong>cana</strong> cortada<br />

3<br />

SIGAUD, Lygia. A nação dos homens: uma análise regional <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia. Dissertação <strong>de</strong> mestrado. Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Departamento <strong>de</strong> Economia Rural, Museu Nacional, UFRJ, 1971.<br />

4<br />

Sigaud <strong>de</strong>signa por empreiteiro aquel<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> que faziam a intermediação entre os proprietários <strong>de</strong> terr<strong>as</strong> e os trabalhadores<br />

rurais. É importante dizer que a autora via os empreiteiros como os “mediadores da exploração” (SIGAUD, 1979a, p. 143)<br />

5<br />

Braça era o instrumento similar a um comp<strong>as</strong>so utilizado para medir a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>cana</strong> cortada por cada trabalhador.<br />

6<br />

O período d<strong>as</strong> lut<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> a que se refere Sigaud (1979a) diz respeito ao período compreendido entre <strong>as</strong> décad<strong>as</strong> <strong>de</strong> 50 e 60,<br />

que ficou marcado pel<strong>as</strong> lut<strong>as</strong> dos trabalhadores rurais e dos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores rurais pela conquista dos direitos<br />

(<strong>de</strong>signados <strong>pelo</strong>s trabalhadores como o salário mínimo, o repouso remunerado, <strong>as</strong> féri<strong>as</strong>, o décimo terceiro salário e os<br />

sindicatos). A autora ressalta que os trabalhadores rurais atribuíam a origem dos direitos ao governador <strong>de</strong> Pernambuco Miguel<br />

Arraes, e p<strong>as</strong>saram a reivindicar aumentos salariais e o cumprimento dos direitos através <strong>de</strong> movimentos coletivos que chegaram a<br />

envolver toda a região da Zona da Mata pernambu<strong>cana</strong>, como foram os c<strong>as</strong>os d<strong>as</strong> greves gerais <strong>de</strong> 1963 e 1964.<br />

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