A PETIÇÃODA - Escola Superior de Comunicação Social - Instituto ...
A PETIÇÃODA - Escola Superior de Comunicação Social - Instituto ...
A PETIÇÃODA - Escola Superior de Comunicação Social - Instituto ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Uma Coluna na Colina<br />
Um mujahidin cá<br />
dos nossos<br />
[OSCAR MASCARENHAS]<br />
Um casal provinciano bem-sucedido<br />
nos negócios da construção cruzase<br />
com uma mulher atraente e o marido<br />
saúda-a. A mulher pergunta: «Quem<br />
é?» «É a minha amante.» Indignada,<br />
a mulher prepara-se para fazer uma<br />
cena em plena rua, quando o marido a<br />
trava: «Estás a ter a fúria da mulher <strong>de</strong><br />
pedreiro que foste. Mas agora, na minha<br />
posição <strong>de</strong> construtor e com os negócios<br />
que a firma tem, faz parte do estatuto eu<br />
ter uma amante vistosa e toda a gente<br />
sabê-lo.» Ela, com relutância, calase,<br />
até que o casal se cruza com outra<br />
mulher <strong>de</strong> espavento e volta o homem<br />
a cumprimentar. «E esta?» «Esta é a<br />
amante do meu sócio.» A mulher remetese<br />
ao silêncio por uns momentos até que,<br />
já afastados da outra, comenta, cúmplice,<br />
para o marido: «A nossa é melhor.»<br />
Uma história real a que assisti em<br />
1988, durante a campanha eleitoral<br />
para a Presidência francesa, em que<br />
François Mitterrand foi reeleito. Um dos<br />
candidatos era o lí<strong>de</strong>r da Frente Nacional,<br />
<strong>de</strong> extrema-direita, Jean-Marie Le Pen.<br />
Um repórter da televisão fazia perguntas<br />
na rua. Deparou-se com um trabalhador<br />
reformado, «comunista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre».<br />
«Vai então votar André Lajoinie<br />
[candidato do Partido Comunista]?»<br />
PROPRIEDADE: <strong>Escola</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Comunicação</strong> <strong>Social</strong> • FUNDADORA: Anabela<br />
<strong>de</strong> Sousa Lopes • DIRECTOR: Paulo Moura •<br />
EDITOR: João Filipe • METRÓPOLIS: Pedro<br />
Gomes • INVESTIGAÇÃO: Carlos André •<br />
POLÍTICA: João Filipe • FICÇÃO: Márcia<br />
Vieira • ON: Amarilis Borges, Lara Ribeiro<br />
• LISBOETAS: Márcia Vieira • AGENDA:<br />
Pedro Gomes • OPINIÃO: João Filipe •<br />
FOTOGRAFIA: Núcleo Zoom • PROVEDOR:<br />
Oscar Mascarenhas • GRAFISMO:<br />
Ricardo Rodrigues e Joana Souza •<br />
PAGINAÇÃO: Cátia Carvalho, Ingrid Sousa,<br />
Gonçalo Rodrigues, João Filipe, Rita Areias<br />
Susana Araújo• ILUSTRAÇÃO: Mafalda Rebelo<br />
• IMPRESSÃO: Lisgráfica; Rua Consiglieri<br />
Pedroso,nº90 • TIRAGEM: 18 000 exemplares<br />
• PERIODICIDADE: Semestral • REDACÇÃO:<br />
Campus <strong>de</strong> Benfica do <strong>Instituto</strong> Politécnico <strong>de</strong><br />
Lisboa • NIF: 503535141 • TEL:217119000 •<br />
8acolina@gmail.com<br />
«Não, <strong>de</strong>sta vez voto Le Pen!» «Le Pen???<br />
Porquê?» «Parce qu’il est Breton!»<br />
Ignoro se a mulher do pato-bravo da<br />
anedota ou o bretão-comunista-<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sempre<br />
redigiram algum manual <strong>de</strong><br />
política, mas o que sei é que muitos<br />
dirigentes políticos portugueses<br />
apren<strong>de</strong>ram por semelhante cartilha não<br />
escrita – e até me interrogo se conseguirão<br />
achar algo <strong>de</strong> insólito nas duas historietas<br />
que acabei <strong>de</strong> contar.<br />
Para a Europa, o PS não tem dúvidas:<br />
Durão Barroso é que é o porreiro, pela<br />
simples razão – <strong>de</strong> ser português! O<br />
mesmo PS que fez como cartaz para o<br />
cabeça-do-dito «Nós, Europeus», que<br />
não sei o que quer dizer e temo que se<br />
souber não vou gostar nada. Mas, quais<br />
europeus, senhores! Portuga <strong>de</strong> gema,<br />
isso sim! Durão Barroso é a quintaessência<br />
do vira-casaquismo, da ausência<br />
<strong>de</strong> espinha dorsal, do safa-te-comopo<strong>de</strong>s?<br />
O que é que isso interessa – se é<br />
português?<br />
Português? Português sou eu e ando<br />
nauseado com isso. Não é por ser<br />
português: é por ser da família (a)moral<br />
<strong>de</strong> quem exerce o po<strong>de</strong>r em Portugal.<br />
É dito que os comissários europeus,<br />
uma vez eleitos, não representam<br />
os seus países mas os interesses <strong>de</strong><br />
toda a União Europeia. «Pois, pois, a<br />
gente sabe. Também é o que se diz da<br />
comissão <strong>de</strong> arbitragem lá da terra ou<br />
dos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que se tem <strong>de</strong> nomear<br />
para certos cargos e <strong>de</strong>pois vai-se a ver…<br />
Quem parte e reparte…»<br />
Mas se fosse só o PS… Todo o quadrante<br />
da direita do Parlamento (PS incluso,<br />
então não?) vinculou a Assembleia<br />
da República a um voto <strong>de</strong> aplauso<br />
pela promoção a santo do beato Nuno<br />
Álvares Pereira, com romagem oficial<br />
do Presi<strong>de</strong>nte da República, presi<strong>de</strong>nte<br />
da Assembleia e mais pomposo séquito<br />
à cerimónia <strong>de</strong> canonização no Vaticano.<br />
Porquê? Porque o beato promovido<br />
é – português! É o «nosso» Cristiano<br />
Ronaldo celestial.<br />
Não ponho em causa que o homem<br />
fosse santo segundo os padrões da Santa<br />
Madre Igreja. Não discuto isso: é assunto<br />
interno da dita. O que é insuportável –<br />
e inconstitucional – que órgãos <strong>de</strong> um<br />
Estado laico se associem, enquanto tal,<br />
a uma cerimónia <strong>de</strong> uma das crenças<br />
religiosas seguidas em Portugal, por mais<br />
respeitável e sufragada que seja.<br />
«Eles» não percebem este escrúpulo.<br />
«Que diabo, é um português eleito para<br />
um cargo celestial. Não sentes orgulho?»<br />
Para que compreendam a barbarida<strong>de</strong> da<br />
<strong>de</strong>cisão, recorro ao método da redução<br />
ao absurdo: que diriam os senhores<br />
<strong>de</strong>putados que apoiam oficialmente a<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nuno Álvares,<br />
se um parlamentar mais obstinado com<br />
os formalismos lhes dissesse: «Já que os<br />
senhores o <strong>de</strong>claram santo, eu exijo uma<br />
comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito para<br />
verificar!»<br />
Ridículo, não era? Então já percebem.<br />
Creio mesmo que, com esta coisa salvífica<br />
<strong>de</strong> se ser português, se amanhã um nosso<br />
conterrâneo convertido à fé mujahidin<br />
fizer explodir o seu cinto <strong>de</strong> dinamite no<br />
Parlamento, os sobreviventes afadigarse-ão<br />
a procurar 104 virgens da melhor<br />
fibra patriótica para o aconchegar no<br />
repouso (que é como quem diz…) eterno<br />
porque, enfim, sempre era um portuga.<br />
Cá dos nossos.